Ano 1 • Número 41
R$ 2,00 São Paulo • De 11 a 17 de dezembro de 2003
Promotores desmascaram polícia paulista Suposta emboscada da Polícia Militar a quadrilha se revela uma operação de extermínio, com doze mortes
Nenhuma Alca interessa ao povo brasileiro
Robson Fernandes/AE
Nem toda herança é maldita para o governo do PT: continuará sem correção a tabela do IR de pessoa física
Governo teme enfrentar o capital especulativo
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Nem light, nem diet. Nenhuma Área de Livre Comércio das Américas atende aos interesses dos povos da América Latina. Um acordo desses ameaça a soberania das nações do continente porque qualquer Alca terá como eixo central o livre comércio, o que é impossível entre desiguais. Por isso, a coordenação da Campanha Nacional contra a Alca exige que o governo brasileiro saia das negociações e convoque um plebiscito oficial em 2004. Pág. 2
Venezuelanos festejam Chávez Wendys Olivo/Venpres
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Ministério Público denunciou 53 militares do Estado de São Paulo sob acusação de “homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil e cruel”. Eles participaram da Operação Castelinho, em 2002, quando vários veículos foram cercados pela polícia e doze pessoas morreram baleadas. Na época, a versão oficial do fato atribuiu a operação a uma emboscada para evitar um assalto. Na denúncia apresentada dia 4, os promotores concluem que se tratou de uma armadilha para executar ex-detentos. “Uma farsa macabra”, avaliou Carlos Cardoso, assessor de Direitos Humanos da Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo. Pág. 8
Cerca de 2 milhões de pessoas tomaram as ruas de Caracas, dia 6, para comemorar os cinco anos da Revolução Bolivariana. Em meio a tentativas de golpes e das fraudes na coleta de assinaturas para obter um referendo de seu mandato, Hugo Chávez diz que “a única saída para a Venezuela é a revolução”. A oposição, liderada pelos empresários, tenta antecipar a saída do presidente. Pág. 9
Se, no final do governo petista, tudo der errado, não terá sido por falta de avisos. Mesmo acreditando no governo Lula, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, aponta equívocos nesse quase um ano de mandato. Uma questão central, cuidadosamente jogada para debaixo do tapete, afirma ele, é a ausência de controle sobre a especulação financeira.
Por trás do discurso que defende o controle absoluto da inflação, a equipe de Lula teme enfrentar o capital especulativo, que exige, para permanecer no país, taxas de juros que bloqueiam o desenvolvimento e o resgate da dívida social. Para Belluzzo, um certo complexo de cristão-novo impede o governo de abandonar os preceitos do neoliberalismo. Pág. 4
Sobra dinheiro, faltam moradias em São Paulo
Atingidos por barragem mantêm luta
No Uruguai, plebiscito impede a privatização
A situação do investimento em habitação no Estado de São Paulo é incomum. Desde 2000, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) não consegue aplicar todo o recurso disponível para programas de moradia. Até outubro de 2003, metade do orçamento não tinha sido utilizada. Enquanto isso, 2,2 milhões de pessoas vivem em favelas. Dia 9, uma marcha de 1,5 mil sem-teto reivindicou o uso desses recursos em projetos para famílias que ganham até três salários-mínimos. Pág. 7
As famílias que perderam terras com as obras da Hidrelétrica de Barra Grande, no Rio Grande do Sul, vão reforçar o acampamento perto da barragem da usina. A construção já está quase concluída, mas apenas 50 das 1.500 famílias prejudicadas pelo projeto foram reassentadas. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), a situação não é particular dos gaúchos. No Brasil, apenas três de cada dez famílias lesadas por construção de hidrelétricas conseguem alguma compensação. Pág. 7
Pelo voto direto, cerca de 2 milhões de uruguaios (mais de 60% do eleitorado) se manifestaram, dia 7, pela manutenção do monopólio estatal de petróleo. O plebiscito derrubou a lei aprovada pelo Congresso nacional, em 2001, que previa a privatização da Administração Nacional de Combustíveis, Álcool e Portland. Esse resultado reforça a candidatura a presidência de Tabaré Vázquez, da aliança Encontro ProgressistaFrente Ampla, para as eleições de outubro de 2004. Pág. 9
E mais:
Posições de Lula agradam líderes de países árabes
FEBEM – O governo de São Paulo está começando a terceirizar as casas de reeducação para menores infratores do Estado. A tentativa reflete a omissão do poder público paulista. Pág. 13 DEBATE – Após a aprovação da reforma da Previdência, cúpula petista começa a caça às bruxas. Dia 14, o partido vota a expulsão de três deputados e da senadora Heloísa Helena. Veja na seção Debate. Pág. 14
Durante visita a países árabes da Ásia e da África, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu um Estado palestino livre e soberano, criticou a política intervencionista dos Estados Unidos e a ocupação israelense no território palestino. A atitude foi bastante elogiada na região. Abdul Rahim, analista libanês, torce para o presidente brasileiro “manter o discurso e as ações porque a pressão deve aumentar na mesma proporção da ousadia da diplomacia independente”. No Cairo, capital do Egito, Lula recebeu de Yasser Arafat, presidente da Autoridade Palestina, um pedido para intermediar as negociações de paz com os israelenses. Págs. 11 e 12
Marcio Baraldi
VIOLÊNCIA – Os camelôs do Rio de Janeiro (RJ) estão cansados de ser perseguidos pela Guarda Municipal. Eles acusam a Prefeitura de criminalizar os movimentos sociais. Em 2003, foram 48 confrontos. Pág. 8
Cerca de 2 milhões de venezuelanos participam de ato em comemoração de cinco anos de governo do presidente Hugo Chávez
No Paraná, continua novela dos transgênicos Pág. 3
BNDES silencia sobre o auxílio a grupos de mídia Pág. 13
Projeto leva cinema nacional para a periferia Pág. 16
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De 11 a 17 de dezembro de 2003
NOSSA OPINIÃO
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Nenhuma Alca interessa ao povo
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enhuma Alca é positiva. Essa é a avaliação da coordenação da Campanha contra a Alca, Dívida e Militarização, que se reuniu dia 8, em São Paulo (SP). Os integrantes da coordenação consideram que o foco central da Alca é o livre comércio. Assim, mesmo uma Alca light, que preserva aquele eixo central, continua sendo tremendamente lesiva aos interesses da maioria do povo e à nossa soberania, pois implicará em mais desemprego, fechamento de empresas e empobrecimento da população. A ‘livre’ competição entre economias tão desiguais – ‘livre’ apenas para garantir a liberdade dos capitais e os lucros das grandes corporações – só levará ao enfraquecimento da economia de nossos países e nosso direito ao desenvolvimento. A reunião ministerial de Miami, em novembro, reiterou o calendário de negociações e a data da assinatura do acordo da Área de Livre Comércio das Américas, conforme entendimentos entre os governos do Brasil e dos EUA, em Washington. Votando uma “Alca à la Carte”, onde as negociações seguirão através de um piso “mínimo”, no qual os 34 países chegariam a uma plataforma comum, e um segundo piso em que cada país poderia negociar mais ou menos concessões, a reunião e a re-
solução de Miami apontam para a aceleração do calendário da Alca, cujas instâncias decisivas serão as futuras reuniões de 2004. O governo dos EUA fez apenas um recuo tático em Miami, e com ele obtive uma vitória política e estratégica: salvou a Alca e enredou ainda mais os países na sua armadilha. A Campanha Nacional Contra a Alca sempre defendeu que o Brasil e os demais países latino-americanos se retirassem das negociações, por compreender que participar delas implicaria em enredar-se progressivamente num acordo lesivo à soberania de nossos países. No entanto, a mídia e o governo têm insistido na argumentação de que a reunião e o acordo de Miami foram uma derrota dos EUA e uma vitória do povo brasileiro e latinoamericano. A Campanha Nacional contra a Alca, entretanto, tem uma opinião oposta. O acordo de Miami significou uma vitória política dos EUA, que preservam sua estratégia central, como afirma a Campanha Continental, identificando “...o surgimento de uma nova e talvez mais perigosa proposta de negociação”. Essa negociação, pautada pelo ‘livre comércio’, ao contrário do que o governo e a mídia vêm pro-
pagando, mantém as discussões sobre todos os temas, como consta da própria declaração oficial: “As negociações sobre o conjunto comum de direitos e obrigações incluirá disposições em cada uma das seguintes áreas de negociação: acesso a mercados; agricultura; serviços; investimento; compras governamentais; propriedade intelectual; política de subsídios; antidumping e direitos compensatórios; e solução de controvérsias.” Por tudo isso, a Campanha reitera suas posições e exige que o governo brasileiro se retire, imediatamente, da mesa de negociações da Alca, e realize, em 2004, um plebiscito oficial sobre a questão. Convém recordar que a Campanha sempre se pautou por uma estratégia tríplice: contra a Alca propriamente dita, contra a dívida e contra a militarização – todas dimensões da dominação que estão entrelaçadas e fazem parte da estratégia do império estadunidense. Por tudo isso, precisamos construir um calendário de mobilizações que seja coroado por uma grande manifestação de massas, por ocasião da reunião dos ministros que negociam a Alca, que se realizará no Brasil, em julho de 2004.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES DOM PEDRO CASALDÁLIGA Lí com revolta e indignação a matéria sobre a ameaça de morte que paira sobre Dom Pedro Casaldáliga e agentes da sua pastoral (edição nº 39). Gostaria que o jornal Brasil de Fato, a Comissão Pastoral da Terra e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) amplificassem esta denúncia, exigindo a imediata e total apuração dos fatos narrados na reportagem. Não podemos assistir calados a mais essa ameaça a uma das maiores manifestações do amor divino aos pobres, excluídos e marginalizados da nossa sociedade. Um verdadeiro sinal de Deus na Terra. Precisamos crer na justiça e na esperança, como ele mesmo nos ensinou, mas não deixemos, resignados, que essa luz vital que brilha no coração do Brasil seja apagada. Edson Diogo Aracaju (SE) BALANÇO DO GOVERNO Completando quase um ano de governo, Lula e sua equipe econômica continuam aniquilando as esperanças dos seus eleitores e dos demais cidadãos brasileiros. Ainda outro dia, um petista empedernido pediu-me uma trégua, alegando que mudarei de opinião, pois em 2004 o Brasil conhecerá o espetáculo econômico, e mudanças significativas na área social,conforme foi proclamado na falaciosa campanha de Lula em 2002. Meus caros, sabemos que o povo brasileiro sofrerá
mais dificuldades no ano que se aproxima, pois nem sequer foram cumpridos os investimentos previstos para o presente ano. Encontro gente com diploma na mão vagando pelas ruas à procura de emprego, ou mesmo de “bicos”. Na área da segurança pública, é outra calamidade, pois enquanto Lula se contrapõe à redução da maioridade penal, a criminalidade reina. Por que o governo teme um amplo debate com a sociedade organizada sobre assuntos tão capitais como a segurança pública, a Alca, o pagamento das dívidas públicas, a reforma trabalhista, os transgêncios, a democratização da mídia, a reabertura dos arquivos sobre as vítimas da ditadura e a reforma agrária? Everi Rudinei Carrara, Araçatuba (SP) SAUDAÇÕES Parabenizamos a iniciativa e desejamos um alicerce fortalecido por milhares de colaboradores famintos por um jornalismo verdadeiro, sem o comprometimento do anúncio institucional (público ou privado) que por necessidade de subsistência, muitas vezes, impedem os fatos genuínos. As matérias do Brasil de Fato já têm sido pauta para discussão no nosso programa, na rádio comunitária Rádio Popular de Búzios. Silvia Regina Aguiar Associação de Mulheres de Búzios (RJ)
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CRÔNICA
Como o futebol brasileiro resiste Luiz Ricardo Leitão O futebol brasileiro é uma fênix. Ele sempre renasce das próprias cinzas, driblando dentro de campo as artimanhas infernais que uma legião de vampiros e aves de rapina não se cansa de urdir nos mais diversos covis de Pindorama. Depois que a mídia e a indústria esportiva transnacional “descobriram” o futebol e os demais desportos de massa, ele deixou de ser apenas um “fascinante jogo corporal”, capaz de unir e divertir os seres humanos, para se transformar em mais uma “mercadoria” do mundo globalizado. Reparem que, por força da tevê e dos interesses comerciais, até as regras das modalidades esportivas mudaram. Analisem bem as alterações no vôlei e no basquete “profissional” (leia-se NBA), todas elas ditadas pelos interesses das grandes cadeias de televisão. E por que será que os “coleguinhas” da imprensa parecem tão preocupados com a fórmula do próximo Campeonato Nacional, apregoando que o “mata-mata” já faz parte da “cultura do brasileiro”... O decantado nacionalismo é só uma fachada: nas duas últimas Copas, a grande disputa foi Nike x Adidas.
A Nike tem sido o FMI do futebol tupiniquim. Seu nebuloso contrato com a CBF obriga a seleção canarinho a enfrentar as seleções patrocinadas pela multinacional (campeã em explorar o trabalho infantil nos países mais pobres da Ásia). O contrato assinado pela FIFA com as grandes redes de televisão, antes da Copa de 98, atingiu a sonora cifra de 2,3 bilhões de dólares. Os “prêmios” e “direitos de arena” pagos a Ronaldinho & Cia. no multimilionário Real Madrid alimentariam milhares de famintos do III Mundo. Os supercraques ilustram o que é o nosso mundo virtual pós-moderno: há 40 000 jogadores profissionais no Brasil, mas só 1% desses atletas recebe salários dignos de tal designação. No entanto, os milhões de garotos que crescem nos grotões de nossa pátria sonham com o Eldorado europeu; muitos saem semi-analfabetos das favelas cariocas ou do agreste nordestino, mas levam consigo tamanha arte que muitas vezes logram impor-se aos preconceitos e hostilidades com que são recebidos nas badaladas metrópoles do Velho Mundo. E quando ascendem ao universo do show business, com sa-
lários de milhões de dólares ao ano, os gênios da pelota, em geral, perdem por completo a sua identidade. Muitos até se envergonham de suas raízes: raspam a cabeça para esconder o cabelo pixaim e exibem sempre louras deslumbrantes nos lugares públicos. Enquanto isso, o celeiro não pára de gerar craques, apregoa a grande mídia, ignorando solenemente o destino de milhares de Robinhos e Diegos que continuam sendo manipulados pelas águias e abutres que pairam à beira dos gramados. Ainda assim, resistimos e damos o troco, como aquele moleque de Bento Ribeiro, quatro anos depois do fiasco da França, coroando com oito gols sua estonteante ressurreição na história do futebol mundial. Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Doutor em Literatura Latino-americana e Caribenha pela Universidade de La Habana (Cuba), é autor da Gramática Crítica: o culto e o coloquial no português brasileiro (Oficina do Autor Editora)
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De 11 a 17 de dezembro de 2003
NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR
Paraná briga para ser livre de transgênicos Claudia Jardim da Redação
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Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) negou, pela terceira vez, o pedido do governo do Paraná, para que o Estado seja reconhecido como área livre de transgênicos. De acordo com técnicos do Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal (DDIV), o Estado ainda deve encaminhar ao ministério o mapeamento das áreas onde não há plantio de produtos geneticamente modificados e qual o critério usado para chegar a essa conclusão. Felisberto Batista, coordenador do Departamento de Fiscalização do Paraná, afirma que o mapeamento ainda não foi enviado porque o próprio ministério se recusa a fornecer os dados dos agricultores que assinaram o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta (TAC), previsto na Medida Provisória 131. “Há um mês pedimos as cópias do TAC de supostos 225 agricultores, mas o ministro nega acesso às informações. Assim, o ministério está contribuindo para que a lei estadual não seja cumprida e que sejam cultivados transgênicos, o que é proibido”, afirma Batista.
CRÍTICAS O Mapa alega que não foram atendidas as exigências do mapeamento, relacionadas na Instrução Normativa nº 14, de 16 de outubro e que lhe permitiria declarar áreas
livres de plantio de transgênicos. “O Paraná nos enviou um plano de ação que não atende a instrução normativa”, informou a técnica do DDIV Juliana Alexandre. Segundo ela, o governo paranaense precisa enviar dados atualizados sobre a atual situação do plantio de soja no Estado. “Sabemos que há uma lei estadual proibindo o plantio e a comercialização de transgênicos e que eles se esforçam para impedir o cultivo de soja geneticamente modificada, mas só isso não basta.” O coordenador do Departamento de Fiscalização do Paraná rebate a crítica e afirma que esses dados já foram relatados. “As informações já estão no documento encaminhado pelo governador do Paraná (Roberto Requião). Essa é mais uma tentativa para que sejam criadas áreas de plantio de transgênicos”, diz Batista. Criar zonas livres foi uma recomendação explícita do ministério. A sugestão baseia-se no fato de que pelo menos 225 produtores paranaenses assinaram o termo de compromisso de plantio de soja transgênica na safra 2003/04. Essa constatação, de acordo com o Mapa, impede que todo o território paranaense seja declarado livre de transgênicos. “Assinar o TAC não significa que o plantio é transgênico. Se o agricultor fez reservas de grãos da safra anterior e não tem como comprovar sua procedência, já é obrigado a assinar o termo”, avalia Batista.
Albari Rosa/Gazeta do Povo/Folha Imagem
Mais uma vez, Ministério da Agricultura nega que Estado seja reconhecido livre de organismos geneticamente modificados
Decisão de lei fica para 2004 O governo deixou para definir no próximo ano as regras relativas aos transgênicos no país. O projeto de lei (PL 2401), defendido pelos ambientalistas e movimentos sociais, corria em regime de urgência no Congresso Nacional e deveria ser sido votado na íntegra, até dia 15, pela bancada governista, sem as emendas sugeridas. Os ruralistas ameaçaram o projeto substitutivo do deputado federal Roberto Freire (PPS-PE), que abre em definitivo a porta para o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGM). O princípio de precaução e de respeito às normas ambientais é o principal ponto que pretendem combater. Os ruralistas defendem a manutenção do caráter deliberativo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável pela liberação sem estudos da soja Roundup Ready (RR) e anulada por uma decisão judicial.
PRECAUÇÃO Em audiência pública em Brasília, dia 4, a procuradora da República Juliana Santill, elogiou o texto do PL, exatamente por manter a precaução em relação aos OGMs e por ampliar “a participação da sociedade civil, ao obrigar a CTNBio a realizar audiências públicas no decorrer dos processos de liberação comercial”. O relator do PL, deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP) justificou o adiamento da votação da matéria, para fevereiro, a fim de que o governo possa, através da liderança no Congresso, “negociar o relatório com os líderes dos partidos aliados e da oposição”. De acordo com o parlamentar, ainda não foi definido como será estabelecida a separação de temas como ciência e comercialização e as atribuições do Conselho Nacional de Biossegurança e a reestruturação da CTNBio. Rebelo, que é líder do governo na Câmara, garantiu apenas que em
seu parecer será mantido o caráter consultivo da CTNBio, mas com “liberdade total para a pesquisa”. Outro ponto a ser acrescentado no parecer é a cobrança de uma taxa de 1% a 2% sobre a comercialização de produtos transgênicos, para formação de um fundo de pesquisa. A reserva seria gerida por um conselho formado por representantes de movimentos de sem-terra e de pequenos produtores, ministros e cientistas.
FLEXIBILIZAÇÃO DE REGRAS Mesmo antes da definição da lei, o Ministério do Meio Ambiente anunciou, dia 8, a flexibilização das regras para a pesquisa com transgênicos. “A Instrução Normativa nº 2 criava desnecessários obstáculos para a atividade de pesquisa. A nova Instrução se prende aos pontos críticos, deixando a avaliação de aspectos mais genéricos para estudos de caso”, disse Marcus Barros, presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). A decisão ministerial foi comemorada também por Clayton Campanhola, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “O tempo para obtenção da licença pode ser reduzido agora em até 80%”, afirmou Campanhola, que foi duramente criticado ao apoiar o governo na época da edição da medida provisória sobre transgênicos. Depois, admitiu publicamente que não sabia a quais riscos os brasileiros estariam submetidos com a liberação da soja modificada. A votação do projeto de lei foi adiado para que pautas consideradas prioritárias para o Planalto sejam votadas ainda em 2003. Na lista de destaque do Congresso estão o Orçamento de 2004; a medida provisória da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Plano Plurianual e o projeto de Parceria Público-Privada (PPP). (CJ)
Exportação de soja no Porto de Paranaguá, Estado do Paraná, onde vigora lei que proíbe plantio de transgênicos
OGM aumenta uso de agrotóxicos A plantação de 500 milhões de acres de milho, soja e algodão geneticamente modificados nos Estados Unidos, desde 1996, aumentou o uso de pesticidas em torno de 18.650 toneladas no período de oito anos. A informação consta de um artigo, divulgado dia 25, pelo Centro de Política Ambiental e Científica do noroeste dos EUA. O relatório é o primeiro estudo completo dos impactos das maiores culturas transgênicas comerciais no uso de pesticidas nos EUA. O documento mostra dados oficiais do Departamento
de Agricultura estadunidense, referentes ao uso de agrotóxicos, por cultura e Estado, no período entre 1996-2003. Sexto de uma série de artigos técnicos preparados pela Ag Biotech InfoNet, o estudo revela que nos três primeiros anos de comercialização (1996-1998), as culturas geneticamente modificadas reduziram o uso de pesticidas em torno de 9.500 toneladas. Mas, nos últimos três anos (2001-2003), mais 27.200 toneladas de agrotóxicos foram aplicadas em áreas de culturas transgênicas.
Muitos agricultores alegam a necessidade de aumentar as pulverizações de herbicida em áreas transgênicas para conseguir lidar com o surgimento e a resistência genética de ervas daninhas. “Por vários anos, especialistas em ervas invasoras têm alertado que a forte confiança em culturas tolerantes a herbicidas poderiam provocar mudanças ecológicas nos campos, resultando no fim da eficiência da tecnologia. Parece que isso começou a acontecer, em 2001, nos EUA”, diz Charles Benbrook, autor do estudo.
No dia em que se celebram os 15 anos do assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, 9 de dezembro, cientistas protestam na Câmara contra o projeto de lei de biossegurança, por ocasião do seminário “Transgênicos, Meio Ambiente, Soberania, Ciência e Saúde”. Para Glacy Zancan, da Universidade Federal do Paraná, o Brasil precisa de uma política estratégica para os transgênicos.
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De 11 a 17 de dezembro de 2003
NACIONAL ENTREVISTA
Optar pelo Brasil ou pelos mercados Para Belluzzo, o controle dos fluxos de capitais é imprescindível para livrar o país da ditadura financeira Rita Casaro do Portal Porto Alegre*
Agliberto Lima/AE
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e, no final, tudo der errado, não terá sido por falta de avisos. Embora continue dando crédito ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva e com a esperança de que “sempre há uma chance de as coisas mudarem”, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, vem apontando equívocos em quase um ano de mandato petista. Uma questão central, cuidadosamente jogada para debaixo do tapete, afirma ele, é a ausência de controle sobre a especulação financeira. Por trás do discurso que defende o controle absoluto da inflação, haveria um medo que o governo não quer confessar. A equipe de Lula teme enfrentar o capital especulativo, que exige, para permanecer no país, taxas de juros que bloqueiam o desenvolvimento e o resgate da dívida social. Para Belluzzo, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, um certo complexo de cristão-novo impede o governo de abandonar os preceitos do neoliberalismo.
as exportações melhoraram. Mas, também, em boa medida, porque a economia não crescerá. No ano que vem, todo mundo está apostando num PIB 3,5% maior. Ainda que ele se confirme – lembre-se de que os economistas erram muito – estaremos apenas recuperando parte da estagnação. Vai demorar muito para que se recupere o emprego. Não há nada para celebrar.
No modelo econômico atual, sempre que a economia crescer, vão surgir novos problemas PPA – Não é um sinal positivo, mesmo que a economia só esteja começando a sair do poço? Beluzzo – No modelo atual, sempre que a economia crescer vão surgir problemas adicionais, como os gargalos na indústria petroquímica e na siderurgia. São necessários investimentos, que provocam importações. Então, o superávit, este cânone do ajuste fiscal, fica ameaçado. PPA – Então se trata de um círculo vicioso insolúvel? Beluzzo – Estamos produzindo esse crescimento com acumulação de dívida, o que não é saudável. É provável que a dívida externa pública já tenha ultrapassado 220 bilhões de dólares. Isso compromete o país mais à frente. Parece que nós não aprendemos nada com as sucessivas lições do passado. Tivemos uma crise da dívida em 1982, outra, em 1999, passamos de 1999 a 2003 num aperto danado. Quantas vezes assistimos a esse filme? Não há obrigatoriedade de ser assim. Existem alternativas. Ninguém está pedindo que se invente a roda ou se façam estripulias, mas apenas que a economia seja administrada de maneira a demonstrar que há um rumo. A minha impressão é que o governo está tateando, optando pela lógica de que é melhor repetir o passado João Winer/Folha Imagem
Planeta Porto Alegre – Para manter a atual política econômica, que pode levar o país à estagnação em 2003, o governo diz que é preciso conter a inflação. Há verdade neste argumento? Luiz Gonzaga Beluzzo – A causa verdadeira do continuísmo não é o medo da inflação, mas a insistência em manter a conta de capital aberta. Nas condições atuais, sempre que a taxa de juros cair de modo expressivo, os detentores de riqueza tendem a trocar reais por dólares. É um tema que ninguém trata. Por ser um assunto muito relevante e delicado, deve continuar escondido da opinião pública, com todo cuidado. Chamo isso de “cadáver na sala”. As pessoas passam por ele e fingem que não o vêem. PPA – Esse é, portanto, um problema essencial da economia brasileira? Beluzzo – Todos os anos, no dia 1º de janeiro, acordamos com um déficit de 23 bilhões de dólares no balanço de pagamentos. É preciso gerar isso, ou mais, como superávit. Para gerá-lo, precisamos, nas condições atuais, cativar permanentemente os investidores externos, seja lá como for. PPA – A questão remete ao seminário sobre controle de capitais realizado pelo ATTAC e Unafisco durante I Fórum Social Brasileiro, do qual o senhor participou... Beluzzo – Fiquei impressionado por terem conseguido politizar, de forma inteligente, uma questão bastante técnica. Mesmo as pessoas mais comuns percebem que o Brasil perdeu autonomia diante do capital financeiro. Mas quem fala sobre isso o faz, em geral, a partir do ponto de vista dos que seqüestraram a vontade nacional. O presidente do Citicorp, por exemplo, mandou uma carta ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social dizendo que o controle de capitais é uma coisa superada. Ele acha que somos um bando de idiotas? Se ele não sabe que China, Taiwan, Cingapura e Índia fazem controle de capitais, é problema dele. Onde ele pensa que está? PPA – Enquanto o bloqueio ideológico não é rompido, corre-se atrás do prejuízo? Beluzzo – Este ano, vamos ter um saldo comercial de 22 bilhões de dólares. Teremos, provavelmente, um pequeno saldo na balança de transações correntes. Mas isso tem um custo. Em boa parte, este resultado será alcançado porque
Luiz Gonzaga de Mello Beluzzo é professortitular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor de Valor e Capitalismo e O Senhor e o Unicórnio (ambos pela Ed. Brasiliense) e publicou, recentemente, Depois da queda: a economia brasileira da crise da dívida aos impasses do Real (Civilização Brasileira, em co-autoria com Júlio Gomes de Almeida). Tem artigos publicados nos livros A controvérsia sobre a distribuição de renda (Zahar Editores) e Poder e Dinheiro (Vozes), e em revistas como a mexicana Investigación Econômica, a Revista da Fundação Getúlio Vargas e a alemã Inflation und Stabilisierung in Brasilien. É editor de economia da revista Carta Capital.
enquanto procura algum espaço para crescer. PPA – Que erros básicos estão sendo cometidos? Beluzzo – Quando percebeu que havia dinheiro sobrando no mercado, o governo deveria ter começado a comprar divisas, que o Brasil não tem. Nossas reservas estão apenas em 18 bilhões de dólares. Hoje, todos os países que se levam a sério acumularam reservas fortes porque sabem que num mundo de transações financeiras instantâneas é preciso estar prevenido, para não levar lambadas. O Brasil não fez isso e deixou o real se valorizar, o que é perigoso. A alta da nossa moeda decorre de um movimento cíclico dos capitais. Eles entram, realizam lucros e, quando mudam as condições nos países centrais, voltam para lá. Quando isso acontece, há desvalorização e o risco de se ter que abortar o início de crescimento, para que os preços não sejam afetados. PPA – Temos, ainda, o problema das tarifas públicas indexadas ao dólar, uma herança do governo anterior. Em suma, o país não está se prevenindo contra a mudança de humor dos mercados financeiros, o que costuma ocorrer inevitavelmente. Isso é muito arriscado e pode, na reversão, colocar em risco a própria estabilidade do governo? Beluzzo – O esforço para apaziguar os mercados inclui a não-ruptura de contratos. Mas não seria o caso de rever, ao menos, os que afetam as tarifas públicas? Não haveria qualquer dano à credibilidade do governo se os contratos fossem renegociados, mas o grande obstáculo é a maneira como foram feitas as privatizações. Ao contrário do que muita gente pensa, as estatais foram vendidas por preço alto – o que não é vantagem nenhuma. Os compradores estrangeiros fizeram previsões de receitas irrealistas. A aquisição era uma maneira de valorizar o seu próprio patrimônio, o que elevaria o preço de suas ações. Era fácil, porque boa parte da conta foi transferida para o BNDES.
Surgem, em conseqüência, dois problemas. O valor do capital a se remunerar é muito alto. As tarifas dos serviços públicos são sempre jogadas para cima, e ainda assim a receita não satisfaz, porque a economia não cresce. Além disso, trata-se de empresas que recebem em reais e remetem lucros em dólar, além de importarem bastante. A privatização realmente foi desastrosa desse ponto de vista. PPA – E o desastre se reflete no bolso do brasileiro... Beluzzo – Quem está pagando o preço dessa burrada são os consumidores brasileiros. Uma família com uma renda de dez salários mínimos tem de 42% a 44% de seu ganho comprometidos com tarifas de serviços públicos, o que é uma coisa inédita no Brasil. Isso afeta toda a economia, porque corta uma parte importante da renda, que poderia ser destinada à aquisição de bens duráveis.
Se a taxa de juros não cair e o investimento público não for retomado, a PPP será só um soluço PPA – Por que o governo Lula entrou nessa armadilha? Beluzzo – Uma das razões mais próximas foi o temor do período eleitoral e uma certa sensação de que o cristão-novo deve ser mais fiel que os antigos. Tem que dar uma demonstração mais enfática da sua fé. PPA – Como saída para retomar os investimentos em infra-estrutura, o governo está apresentando a PPP. É uma boa opção? Beluzzo – É uma iniciativa importante, mas que só vai funcionar se as outras condições estiverem no lugar. A Caixa Econômica Federal e o BNDES podem ajudar a dar um impulso adicional a esse início de crescimento, provocado pelo aumento de consumo. Mas, se a taxa de juros não cair, e se o investimento público não for retomado, tudo não passará de um soluço, do vôo da galinha. PPA – Tendo em vista a experiência anterior de privatizações, não há risco de a parte “privada” da parceria ser financiada pelo BNDES? Beluzzo – As objeções têm sido nesse sentido. Mas, se for mantido o constrangimento ao qual o governo está submetido, ao se obrigar a gerar superávits primários, não há muitas opções. É claro que sempre há o risco de os contratos serem leoninos, mas nós precisamos desencadear um programa de investimentos em infra-estrutura. A parceria é uma forma de fazer essa articulação, desde que haja instituições capazes de supervisioná-la e regulá-la.
PPA – Não há nada de novo no neoliberalismo? Beluzzo – Não há nada mais parecido com o capitalismo do século 21 do que o do século 19. Nos seus processos fundamentais, são mais parecidos do que qualquer outra etapa do capitalismo mais recente. Um ponto é a mobilidade de capitais, com a diferença que, no século 19, havia uma coordenação mais efetiva entre os países centrais. Na periferia, os efeitos eram mais ou menos parecidos: sempre que havia um ciclo de contração, o Sul se lascava. Havia freqüentes moratórias e renegociações de dívidas. Os laços importantes entre o centro e a periferia não se davam apenas pelo comércio, mas, sobretudo, pelas relações financeiras. Nesse período, a Inglaterra já era principalmente uma praça financeira. A diferença é que as taxas de câmbio agora são flutuantes. No começo dos anos 90, essas características foram apresentadas como novas e isso tem um efeito ideológico muito grande. Acreditouse numa estupidez singular – a idéia de que o “novo” era, por si mesmo, bom. Um país não pode desmontar as suas instituições sem deixar nada no lugar. PPA – Apesar da insistência em erros que põem em risco a recuperação, há perspectivas otimistas? Beluzzo – A despeito da minha fama de pessimista, sou um otimista. Apostei na transição do regime militar, que foi um fracasso do ponto de vista econômico. Agora, apostei na eleição do Lula. E sempre acho que há uma chance de as coisas mudarem. PPA – Mas essa aposta em Lula já é uma decepção? Beluzzo – Eu noto que as pessoas estão muito decepcionadas. Meu maior temor é que as forças que apoiaram o novo presidente o abandonem. Nesse caso, ele ficará entregue a seus próprios adversários. (*) Publicado no Portal Planeta Porto Alegre – www.planetaportoalegre.com.br
Fatos da economia Taxação de capitais – É cada vez mais alto o coro de vozes a defender a necessidade de o Brasil adotar algum mecanismo de taxação de capitais estrangeiros de curto prazo – dinheiro especulativo que chega ao país, por pouquíssimo tempo, atraído pelo mirabolante nível de juros vigente. Recentemente, foi a vez do embaixador Rubens Ricupero, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Ao comprar dólares de investidores de curto prazo para converter em reais, o Banco Central acaba valorizando o real, o que reduz a competitividade dos produtos exportados, argumentou. Foi isso que liquidou o comércio exportador brasileiro entre 1994 e 1998, quando houve a maxi desvalorização, lembrou. “Taxar o capital de curto prazo é perfeitamente possível, porque é uma questão de imposto. O Brasil, que adora criar taxas, podia fazer uma taxa sobre isso”, ironizou. E o presente? – Quando foi divulgado o Produto Interno Bruto (as riquezas geradas pelo país em determinado período) do terceiro trimestre – 0,4% – o ministro Antonio Palocci, da Fazenda, desconversou: o mais importante, disse, é olhar as perspectivas de crescimento da economia daqui para a frente. “Só é pessimista quem quer ser”, declarou, reiterando que o mais importante para o governo foi resolver a crise econômica herdada do ano passado. À custa de desemprego, queda de renda e recuo da produção...
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NACIONAL BALANÇO
Só haverá mudança com pressão popular Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)
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alta de projeto político. Adoção do mesmo modelo neoliberal criticado durante o governo Fernando Henrique. Quebra de promessas de campanha. Incapacidade de construir uma agenda social de cunho nacional. Essas são algumas avaliações dos primeiros 11 meses do governo Luiz Inácio Lula da Silva, feitas por professores, representantes de movimentos sociais e políticos no Rio de Janeiro. Acima do sentimento de decepção, um consenso: só haverá mudanças com pressão popular. O deputado federal Sérgio Miranda (PC do B-BA) considera um problema de fundo o fato de Lula ter sido eleito sem um programa definido de governo. “Aliado a isso, houve uma reação em cadeia do grande capital e instituições financeiras, que ameaçaram com uma crise cambial e exigiram que assumisse compromissos como o respeito às dívidas públicas interna e externa.” Para o parlamentar, o aprofundamento do modelo neoliberal é comprovado por documentos oficiais onde se lê que “o objetivo primordial foi restaurar a credibilidade da política econômica, o equilíbrio macroeconômico e orçamentário”. Miranda acusa. “Esta é a lógica dos cortes nos gastos sociais para fazer justiça. E trata-se de um documento sincero, que afirma que a política social depende da política macroeconômica”. Para ele, essa estratégia desarmou a esquerda, provocando desmobilização dos grupos sociais organizados.
Fotos: Renato Stockler
Avaliação do governo aponta falta de projeto político, continuidade do modelo neoliberal, ausência de agenda social
Crise não é econômica, mas sobretudo política, de falta de projetos, avalia César Benjamin, da Consulta Popular
perdoável: quanta coisa já poderia estar feita? A crise só secundariamente é econômica. Na verdade é de falta de projetos, é política”. O economista Ricardo Carneiro, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera irre-
versível a opção feita pelo governo Lula de aumentar sua credibilidade junto aos mercados. Pior: prevê um “sucesso efêmero”, destinado ao fracasso, já que a crise social e política é mais grave do que no governo FHC. “Lula foi eleito para mudar a
HERANÇA MALDITA Com ele concorda César Benjamim, coordenador da Consulta Popular, que define o governo Lula como “enigmático”. Utilizando uma expressão do próprio presidente, que reiteradamente reclamou ter recebido uma “herança maldita”, Benjamim diz: “Herança maldita é a enorme incapacidade de construirmos a nossa própria agenda. Aí, o erro do governo Lula é im-
Posse do presidente Lula, em janeiro de 2003
política econômica, mas não fará isso, porque não existe sustentação no quadro atual”, atesta.
controle de câmbio e dos capitais estrangeiros, política de renda e subordinação do Banco Central à direção política. Segundo o deputado Chico Alendar (PT-RJ), os 11 primeiros meses de governo Lula demonstraram que o caminho político está errado. Mas ele dá um voto de confiança ao governo, apostando que 2004 será o “ano da definição”. “O cenário é muito confuso e as cartas estão embaralhadas. Mas muitos de nós continuam apostando que as coisas vão melhorar. Se o povo não desistiu, a gente não deve desistir.” Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST, é mais otimista. Para ele, o projeto de governo – premeditado e consciente – é desenvolver um capitalismo de Estado de transição e desenvolvimentista. “Hoje o governo procura não exacerbar a luta de classes. Nem direita, nem esquerda, têm um projeto, portanto o Lula terá um tempo histórico, que abre uma perspectiva para reformar e tempo para acumular forças. Devemos empurrar o governo nas reformas, estimular o movimento social, aproveitar o momento de esperança e luta pelos desempregados, sem-teto, sem-terra. O povo só vai para frente se vir tudo com otimismo”.
GOVERNO CONSERVADOR Benjamin classifica de “conservador” o discurso do governo, ao pedir paciência nos próximos anos. “Não tem que pedir paciência, mas reconhecer as demandas do povo. Um governo ideologicamente conservador não pode querer a participação popular”, afirma, classificando de “medíocre” a maior promessa feita até agora pelo governo, de retomada de crescimento. O conservadorismo do governo também é destacado pelo economista José Carlos de Assis, para quem o PT não tem um programa de governo. Ressaltando que a crise social está sendo escamoteada, Assis considera que as alternativas são as propostas de campanha ainda não colocadas em prática: o desemprego zero, fim do superávit,
SEMINÁRIO O balanço foi feito no seminário “Outro Brasil – Um ano de governo Lula”: balanço e perspectivas”, dias 3 a 5, no Rio de Janeiro. O evento fez parte do programa Outro Brasil, do Projeto de Análise da Conjuntura Brasileira, do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em parceria com o Instituto Rosa Luxemburgo, da Alemanha. O evento foi aberto, dia 3, com a entrega do Prêmio Darcy RibeiroIntelectual do Ano 2003 ao professor Celso Furtado. O homenageado agradeceu: “Nunca fiz senão uma só coisa: entender o Brasil para ele poder sair da enrascada onde se meteu. Sou feliz em ver a nova geração retomando o seu destino”.
POLÍTICA INDUSTRIAL
Lauro Jardim de São Paulo (SP) Abandonada por quase duas décadas, a proposta de uma nova política industrial, apresentada em grandes linhas no final de novembro pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), começa a ser agora detalhada pelo governo e entidades empresariais. As diretrizes antecipadas pelo ministro Luiz Fernando Furlan contemplam quatro setores considerados estratégicos pelo governo – microeletrônica, produtos de software (programas de computador), fármacos (medicamentos e suas matérias-primas) e bens de capital (máquinas e equipamentos). Estes são os setores sobre os quais Brasília pretende concentrar a concessão de benefícios fiscais, sob a forma de impostos mais baixos e crédito em condições favorecidas (prazos mais longos e juros “de pai para filho”). Foram criados quatro grupos de trabalho para detalhar as políticas para cada um daqueles setores, cujos resultados devem ser apresentados até 31 de março do próximo ano. Ao longo das 23 páginas do documento divulgado pelo ministro, no entanto, não há referência à exigência de abertura do capital dos grupos que devem ser beneficiados pela nova política. No passado, quando adotou políticas semelhantes, o governo deci-
Roberto Barros/ABR
Obrigações, e perigo de concentração zas que o país produziu em 1976. Tomando o PIB de 2003, estimado em outubro pelo Banco Central, os valores doados a pouco mais de uma dúzia de grandes empresas e empreiteiras, com dinheiro do contribuinte (ou seja, de toda a sociedade), subiriam para quase R$ 48 bilhões.
DIVERSIFICAÇÃO
Governo faz concessões fiscais, na condição das empresas criarem empregos
dia, literalmente, quais grupos econômicos e empresas teriam sucesso (ou seja, aqueles que poderiam crescer e modernizar suas fábricas com o dinheiro barato fornecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, ainda sem o “S” de social) e os que estariam condenados ao “fracasso”. Essa política enriqueceu grupos e famílias “quatrocentonas” de São Paulo, principalmente, resultando em agravamento da concentração da renda e do crescimento, exatamente porque não foram criados mecanismos para redistribuir os ganhos. Com um agravante: sequer os empréstimos liberados pelo BNDE, à época, foram pagos pelos grupos
beneficiados. Apenas para recordar, a correção do saldo devedor daqueles empréstimos foi fixada em 20% ao ano, num período em que os preços subiam a taxas anuais de 100% a 200%. Estudos do próprio BNDES (hoje, já com o “S” incorporado à sigla) mostram que, entre 1975 e 1987, o banco, de fato, doou a grandes grupos econômicos nada menos do que 4,1 bilhões de dólares (mais de R$ 12,0 bilhões, com base no valor atual do dólar) ao perdoar parcela da correção monetária naqueles empréstimos. Aquele valor correspondia, então, a 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), quase 4% de todas as rique-
A despeito de todas as distorções, foi possível financiar a implantação de um parque industrial diversificado e lançar as bases para que o país conseguisse reduzir sua dependência das importações – tendência revertida após a adoção do Plano Real, quando houve um escancaramento do mercado brasileiro às importações, com redução de tarifas cobradas sobre produtos estrangeiros e, principalmente, o congelamento do preço do dólar, o que causou o barateamento das compras externas, afundando o Brasil em déficits bilionários em sua balança comercial (exportações menos importações) até 2001. Tais déficits estão na origem dos problemas que a economia enfrenta hoje, às voltas com taxas inexpressivas de crescimento. No âmbito de uma política industrial tradicional, de resto um instrumento adotado por todos os países hoje desenvolvidos, os governos financiam e concedem benefícios e vantagens fiscais a determinados setores ou empresas,
escolhidos estrategicamente pelo seu poder de influência sobre todo o restante da economia.
PROPOSTA ATUAL O objetivo é modernizar a indústria, reduzindo seus custos de operação, o que traria, mais adiante, em tese, ganhos para o consumidor, via redução de preços finais dos produtos, e permitiria ampliar as exportações em setores que vêm registrando maiores taxas de crescimento no mercado mundial, agregando maiores conteúdos de tecnologia aos produtos exportados. O documento que resume as diretrizes propostas pelo governo brasileiro amarra a concessão de vantagens fiscais e crédito mais barato à obrigação de criação de empregos, ampliação das exportações (em troca, as empresas poderiam importar máquinas e equipamentos não fabricados no país com isenção de impostos ou pagando tarifas menores), investimentos em máquinas e equipamentos mais modernos, tecnologicamente. Tudo isso para possibilitar ganhos de eficiência às empresas, o que teria impactos positivos sobre as economias regionais – o que deveria implicar, necessariamente, estratégias e políticas regionalizadas, concebidas para atender às necessidades de cada região, promovendo a redistribuição do crescimento em favor daquelas menos desenvolvidas.
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NACIONAL COMÉRCIO EXTERIOR
O alerta do Itamaraty sobre a Alca A
virada de rumos nas negociações entre o Brasil e os Estados Unidos para a construção da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), agora em direção a um acordo bem mais magro do que o pretendido inicialmente pelos estadunidenses, desagradou fortes interesses de grupos financeiros e econômicos estrangeiros e nacionais. Na visão desses setores, reforçados pelos países da América Latina que já têm algum tipo de acordo de preferências comerciais com os EUA, deveria prevalecer a proposta original, que previa ampla abertura do mercado brasileiro, sem claras compensações do outro lado. “Eles (os EUA) sabem que, se for assim, o Brasil estará fora da Alca”, afirmou Tovar da Silva Nunes, chefe da divisão da Alca do Ministério das Relações Exteriores, em recente encontro promovido em Goiânia (GO) pela Câmara Americana de Comércio. Segundo ele, há razões objetivas e estratégicas para o Itamaraty insistir em estabelecer um compromisso menos ambicioso entre os 34 países que negociam a criação da área de livre comércio na região.
INSPIRAÇÃO IDEOLÓGICA Por isso mesmo, a tática escolhida pelos negociadores brasileiros – e elogiada no mesmo encontro pelo empresário Sérgio Haberfeld, presidente do conselho de administração da Dixie Toga (indústria brasileira de embalagens, com fábrica nos EUA) e vice-presidente do conselho da Câmara Americana de Comércio de São Paulo (Amcham-SP) – não tem a menor inspiração ideológica.
Povos da A. Latina querem outra integração e, para o Itamaraty, muitos críticos da posição do Brasil ignoram o que está em jogo
Em tom diplomático, Nunes lembra que “algumas pessoas ainda não têm bastante clareza sobre o que está se discutindo na Alca”. Os temas envolvidos vão bem além dos tradicionais acertos comerciais e da disputa por acesso a mercados. “Estamos discutindo a possibilidade de o país preservar sua capacidade de fazer política econômica”, afirma. Mais claramente, o que está em jogo é o próprio futuro do país como nação soberana para decidir sobre como pretende crescer. Nunes cita dois exemplos para deixar bem claro o que está em jogo na Alca. No setor de serviços, onde os países ricos como os EUA já têm competência acumulada e domínio
Nos EUA, privilégios para as empresas locais Nas compras governamentais, a questão de fundo é praticamente a mesma. Nos EUA, aponta Tovar da Silva Nunes, há dois conjuntos de leis que protegem as empresas locais, assegurando-lhes condições especiais nas concorrências públicas, quando em disputa com empresas de outros países. Essas regras, que não existem formalmente no Brasil, continuarão a vigorar mesmo se vier a Alca, o que deixaria as empresas brasileiras, mais uma vez, em desigualdade. O chamado “Buy American Act” (lei que regulamenta as compras do governo dos EUA) determina que as aquisições governamentais de até 50 mil dólares a 100 mil dólares devem ser direcionadas exclusivamente para empresas estadunidenses. A “Small and Medium Size Business Act” cria uma reserva de mercado para pequenas e médias empresas estadunidenses nas transações com o setor público. São mecanismos que o Brasil tenta imitar, mas que ainda não estão contemplados em legislações específicas e estariam a descoberto nas negociações da Alca. Há, ainda, um terceiro detalhe. No caso dos EUA, tomando todas as esferas de governo (federal, estaduais, municipais, empresas e organismos estatais), o total das compras governamentais atinge a astronômica casa de 1 trilhão de dólares, em números aproximados, segundo Nunes.
AOS AMIGOS... É mais do que o valor de todas as riquezas produzidas em um ano no Brasil e se aproxima, convertido em moeda nacional, dos R$ 3 trilhões. Mas o que foi colocado na mesa de negociações pelo governo estadunidense inclui apenas as compras do governo federal, es-
timadas em 250 bilhões de dólares (perto de R$ 725 bilhões). Como os valores são elevados, num retrato das disparidades entre os países que negociam a Alca, os EUA sentem-se no direito de exigir, por exemplo, que o Brasil inclua em sua proposta para as compras governamentais todas as esferas do governo (e não apenas a federal, como consta da proposta dos estadunidenses). “Como vamos concordar com isso se sequer conhecemos o tamanho correto de nossas compras?”, questiona Nunes. As contas preliminares, que tomam como base valores que não refletem integralmente a realidade, estimam que as compras da administração direta do governo federal se aproximariam de R$ 12 bilhões por ano. Somadas às compras das estatais, tem-se mais R$ 48 bilhões, com a conta passando a R$ 60 bilhões. Incluindo os governos estaduais e prefeituras, aquele valor subiria para R$ 110 bilhões.
...O MERCADO Esse tipo de gasto, tradicionalmente, tem sido utilizado pelos países desenvolvidos como instrumento para proteger e financiar o crescimento de empresas nacionais, gerando empregos e renda em seus países. Com músculos construídos à base de saudáveis injeções de recursos públicos, aquelas empresas podem crescer e disputar, mais adiante, espaços no mercado internacional, ajudando seus países a exportar mais e a conquistar maiores fatias em mercados do exterior. O que os EUA propõem é que o Brasil e os demais países das Américas abdiquem do direito de fazer política econômica e de fortalecer seus mercados para continuar crescendo de forma autônoma. (LJ)
de mercado, a abertura total, como defendido pelos estadunidenses, criaria problemas jurídicos graves para o Brasil. “Estaríamos engessando nossa capacidade reguladora nesta área”, ensina. Em muitas áreas novas, como a de serviços Internet, não mencionada por Nunes, o país ainda
não dispõe de uma regulamentação mínima, que preserve as empresas nacionais. “Teríamos claramente dificuldades nessas áreas”, observa o representante do Itamaraty. Caso o Brasil decida – o que não parece ser o caso – apresentar uma proposta de abertura de todo o setor de serviços a grupos transnacionais, teria
que preservar as normas existentes hoje e não poderia propor, e muito menos adotar, no futuro, qualquer outro tipo de regulação não prevista na proposta apresentada aos países da Alça. Isso deixaria o país em situação vulnerável, contrariando os interesses brasileiros. Haberfeld fala sobre outro tipo de inconveniente. Na área de seguros, as instituições brasileiras seriam certamente engolidas pelos grupos estadunidenses, que dispõem de “massa crítica” (patrimônio) para cobrar preços mais baixos e dominar o mercado. Não há país desenvolvido que não tenha seguradoras e outras instituições do setor sob controle de capitais nacionais. Além disso, no setor financeiro, continua Haberfeld, os EUA querem que seus bancos possam prestar serviços bancários locais (abertura de contas correntes, investimentos e aplicações, entre outros), sem que precisem investir um tostão no Brasil. Nesta hipótese, os serviços seriam oferecidos a pessoas físicas e empresas brasileiras de forma virtual (ou seja, por meio de telefone ou Internet). Assim, os gigantescos grupos financeiros dos EUA conseguiriam entrar no Brasil a custos baixíssimos e lucrar, sem trazer qualquer contribuição concreta ao país.
IMPOSTO DE RENDA
Sem a correção, quem ganha menos vai pagar mais Luís Brasilino da Redação O governo federal tomou uma atitude que agrava ainda mais a concentração de renda no Brasil – uma das maiores do mundo (ver tabela). Como vem ocorrendo desde 1996, não corrigiu a tabela de cobrança do Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF). “Uma medida concentradora de renda pois empobrece a classe média”, explica o professor João Eloi Olenike, diretor técnico do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). No dia 2, a base governista na Câmara dos Deputados conseguiu aprovar por mais dois anos a manutenção da alíquota máxima (27,5%) do IRPF e não corrigiu a tabela de cobrança. (O projeto ainda deve ser aprovado no Senado para entrar em vigor). Com a decisão, quem ganha até R$ 1.058 por mês continua isento, os trabalhadores com salários entre R$ 1.058 e R$ 2.115 permanecem taxados em 15% e aqueles que ganham acima disso, pagam 27,5%. Além de concentrar renda, a medida segue uma outra tendência observada na era Fernando Henrique Cardoso: a elevação da carga tributária. O peso dos impostos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) – soma de todas as riquezas produzidas pelo país – equivalia a 28,61% em 1994. No 1º semestre de 2003, esse número já tinha ultrapassado os 37%, sendo que, após uma pequena queda em 1996 (27,29%), não houve, sequer, um ano onde a carga não cresceu. Para 2004, o IBPT espera um aumento na arrecadação em torno de R$ 1 bilhão por conta da manutenção da alíquota, e de R$ 3 bilhões devido à não correção da tabela.
EFEITOS NO SALÁRIO Essa não correção aumenta a carga tributária porque ignora completamente a inflação. Por exemplo, quem começou 2003 recebendo um salário de R$ 1 mil, e teve seus ven-
Joedson Alves/AE
Lauro Jardim de São Paulo (SP)
Lula Marques/Folha Imagem
A abertura total do mercado, como querem os EUA, tira do Brasil a autonomia de decisão sobre políticas de crescimento
Deputados aprovam a elevação da carga tributária, que afeta a classe média
Retrato da concentração (Índice de Gini*)
1991 – 0,6366 1996 – 0,5813 2000 – 0,6090 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística *Indicador que mede o grau de concentração de renda. Quanto mais próximo de 1, maior a concentração.
cimentos corrigidos pela inflação do ano registrada até o momento (cerca de 10%) começa a pagar imposto em 2004. Esse trabalhador passaria a receber R$ 1.100 e ficaria acima da taxa de isenção (R$ 1.058), porém, com uma renda igual. Esse processo é o mesmo em todas as faixas salariais. Com a falta da progressividade tributária – quanto maior a renda, mais se paga imposto – enquanto a classe de alta renda continua taxada da mesma forma, a baixa e a média vêm seus impostos crescerem. Por isso, a elevação da carga tributária afeta sobretudo a classe média e não os ricos, como deveria ser um modelo que tentasse minimamente redistribuir renda. (uma
das maiores promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva). Da arrecadação do IRPF, 68% são pagos pela classe média, 23% pela alta e 9% pela baixa. O modelo concentrador fica mais claro quando observamos que, do total de impostos coletado no Brasil, 72% resultam da tributação sobre os salários e a produção. “Poucos ricos são assalariados. Normalmente, eles tiram seu sustento do próprio patrimônio e de aplicações”, afirma Olenike. Para se ter uma idéia, o tributo sobre aplicações financeiras é de 20%, independentemente do lucro. Ao invés de onerar o capital, no Brasil, quem paga imposto é quem trabalha.
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NACIONAL MOVIMENTOS SOCIAIS
Desempregados exigem projeto de moradia Jorge Pereira Filho da Redação
U
ma marcha de cerca de 1,5 mil pessoas percorreu a cidade de São Paulo, dia 9, para denunciar uma contradição das contas públicas estaduais. Até outubro de 2003, o governo do Estado de São Paulo não utilizou metade dos recursos disponíveis para investimentos em habitação. Enquanto isso, cresceu o número de favelas e moradias inadequadas, que já abrigam 2 milhões de pessoas na região metropolitana da capital, segundo o Centro de Estudos da Metrópole. Adultos e crianças andaram quinze quilômetros até a sede do governo, no bairro do Morumbi, onde foram recebidos em audiência. Os marchantes reivindicaram o uso de parte do orçamento da habitação para comunidades e associações comprarem áreas ocupadas. A lei Roberto Gouveia (10.535), aprovada em 2000 pela Assembléia Legislativa, autoriza tal procedimento. O projeto está no gabinete do governador Geraldo Alckmin há três anos – em setembro, ele prometeu a secretários municipais de Habitação regulamentar a legislação, mas até agora nada foi feito. Organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a marcha reuniu moradores de três acampamentos e de cinco comunidades da periferia paulistana, que somam população de 6 mil pessoas. Cidadãos como a desempregada Neusa Teodoro da Silva, que percorreu o trajeto com dificuldade,
Anderson Barbosa
O governo do Estado de São Paulo não aplicou sequer a metade das verbas destinadas a investimentos em habitação
Sobra dinheiro / Falta moradia em milhões de reais
Verba destinada ao CDHU
Dinheiro não utilizado
Fonte: Assembléia Legislativa de São Paulo
Adultos e crianças andaram quinze quilômetros até a sede do governo de SP
carregando a filha Joyce, de 5 anos, no colo. “Vim para conquistar meu lar. O governo precisa dar uma solução para nós”, contou a moradora do acampamento Anita Garibaldi, ocupação do MTST de quase três anos que está ameaçada de despejo, em Guarulhos (SP).
LÓGICA PERVERSA Neusa vive em um barraco de madeira com a filha e o marido que, quando trabalhava como sapateiro, pagava aluguel de R$ 150 na periferia paulistana. Em 2000, o marido foi demitido e, logo depois, veio o despejo. Ocupar uma área foi a solução possível para a família. O casal já se inscreveu em programas de baixa renda e em projetos de habitação, mas nunca teve sucesso. A única renda da família são os R$ 15
diários conseguidos com a coleta de lixo. Dia 9, Neusa acordou às cinco da manhã e comprou dez pães para se alimentar durante a marcha. Gastou R$ 2. Talvez Neusa não saiba, mas R$ 0,25 do que pagou vai para o governo paulista, por meio do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado em todos produtos comercializados no Estado. O governo é obrigado a investir 1% desse dinheiro em habitação. Até junho de 2003, a receita do ICMS somava R$ 16 bilhões. O investimento em habitação, no entanto, não está sendo usado na medida necessária. A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), que executa as políticas de moradias, gastou 49%
do orçamento, cerca de R$ 463 milhões, até outubro de 2003. “É vergonhoso para um Estado como São Paulo, com tamanho déficit habitacional na região metropolitana. A CDHU foi incapaz de investir em habitação”, analisa o deputado Sebastião Almeida (PT-SP), defensor da implementação da Lei Roberto Gouveia. Em outros anos, também sobrou dinheiro. (veja o quadro).
PRIORIDADES Na prática, Neusa pagou o imposto todos os anos, sempre que comprou pãozinho ou quaisquer outras mercadorias básicas. Em contrapartida, a CDHU não desenvolveu políticas para famílias como a sua, que vivem de 0 a três salários-mínimos. “Não há um projeto de habitação de interesse
social. Estamos desempregados, mas queremos trabalho e teto para viver com dignidade”, diz Lucimeire de Oliveira, coordenadora do MTST. Para o secretário de Habitação do município de Guarulhos, Paulo de Tarso Carvalhaes, a Lei Roberto Gouveia poderia resolver parte do problema das favelas. “Hoje, o CDHU só pode construir, não pode permitir a compra da terra”, explica Carvalhaes. Segundo ele, as políticas habitacionais não atendem às necessidades das famílias pobres. “Elas ocupam áreas porque precisam morar, não dá para desaparecer no espaço”, afirma. O jornal Brasil de Fato solicitou uma entrevista na secretaria estadual de Habitação, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.
Eduardo Luiz Zen de Porto Alegre (RS) As famílias atingidas pela Usina Hidrelétrica de Barra Grande, no Sul do país, decidiram continuar o acampamento que mantêm desde o dia 14 de novembro, na comunidade de São Jorge, município de Pinhal da Serra (RS), perto do canteiro de obras da barragem. A mobilização segue até que a Baesa, consórcio responsável pela obra, confirme a compra de novas áreas para reassentamento. Segundo Érico Fonseca, um dos líderes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na região, a situação em Barra Grande se arrasta há vinte anos e isso demonstra o desrespeito da empresa com a população, que está perdendo suas terras: “Uma empresa privada quer construir uma barragem, mas se recusa a garantir os direitos mínimos da população que será atingida”. Fonseca denuncia, ainda, que apesar de 80% das obras da barragem já estarem concluídas, apenas 50 famílias, de um total de 1.500, foram reassentadas. Em negociação com os atingidos, a Baesa garantiu a compra de uma área de cerca de 600 hectares no Rio Grande do Sul e outra de 700 hectares em Santa Catarina pa-
Fotos: Arquivo MAB
Famílias atingidas por barragem resistem em acampamento
As famílias organizadas pelo MAB decidiram permanecer acampadas, denunciam o descaso de mais de vinte anos e reivindicam assentamento
ra a construção de reassentamentos. Além disso, foi acertada a abertura das negociações para inclusão de mais famílias no processo. No entanto, os atingidos decidiram manter o acampamento. “Já fomos enganados tantas vezes pela empresa. Esperamos que desta vez a Baesa cumpra com sua palavra”, afirma Érico Fonseca.
MANOBRAS Para diminuir os custos, a Baesa procura negociar individualmente com cada família, induzindo-a a aceitar a chamada “carta de crédito”, semelhante ao Banco da Terra, que concede um crédito para compra de outra pequena propriedade. Nessa modalidade, para cada
família relocada, outra é retirada da terra. As indenizações individuais também têm sido utilizadas, o que faz com que aumente o êxodo rural, já que os valores distribuídos dificilmente possibilitam a compra de outra área de terra. Para o professor Carlos Vainer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o processo em Barra Grande não é exceção. O poder desapropriatório das concessionárias concede o direito às empresas de impor o valor das indenizações, desconsiderando as famílias. “As empresas construtoras reconhecem na área afetada apenas as propriedades. Para elas não há população, não há trabalhadores ou moradores, há apenas propriedade”, diz
Quilombolas unificam suas lutas Ruth Scharony de São Paulo (SP) “As nossas dificuldades são muitas desde quando chegamos como escravos. Vamos lutar para que este país não tenha mais diferenças raciais. Só o fato de discutir políticas públicas em um encontro nacional já é um grande passo”, afirma Ivo Fonseca, do Quilombo Frechal do Maranhão, durante o Encontro Nacional das Comunidades Negras
Rurais Quilombolas, realizado em Recife, de 4 a 7 deste mês. Promovido pela Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas, o encontro teve como tema “Terra, Educação e Direito das Crianças e Adolescentes: Reparação para o Povo Quilombola”. As lutas dos quilombolas não são poucas. No Vale do Ribeira, na região Sudeste, por exemplo, a luta é para que as grandes empresas não construam barragens, expulsando
as comunidades quilombolas locais. No Norte do país, falta acesso à água. Os próximos passos serão lutar pela aprovação do Estatuto da Promoção da Igualdade Racial e pela implementação do decreto que “regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas”.
Vainer. O professor acredita também que “a violência é ainda maior quando se tem em vista que o poder desapropriatório é transferido pelo Estado a empresas privadas, cujo único fim é aumentar os de seus próprios lucros”. Dia 10 de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por decreto presidencial, instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), encarregado de analisar as demandas dos atingidos por barragens. Na primeira reunião do GTI, o MAB apresentou um relato do quadro no Brasil, revelando
que “a situação na barranca dos rios é bastante tensa e de revolta popular”. Conforme o documento, apenas três entre cada dez famílias atingidas por barragens conseguem ser reconhecidas como tal e recebem algum tipo de compensação. Marco Antônio Trierveiler, da coordenação nacional do MAB, informa que em algumas regiões do país, principalmente onde a população é mais pobre e tem dificuldades de organização, são comuns casos de indenizações no valor de R$ 500 ou até menos.
Mais um crime contra o MST no Paraná Mais um trabalhador rural foi assassinado no Paraná. Com a morte de Dogival José Viana, no dia 6, sobe para três o número de crimes contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região central do Estado, em 2003. Viana participava da organização do acampamento da Fazenda Sonda, no município de Santa Maria do Oeste, quando foi morto. Desde o início do ano, cerca de 300 famílias aguardavam a desapropriação do local. Segundo depoimentos de traba-
lhadores rurais, Viana foi vítima de um crime político. Seu assassino, já identificado, trabalhava para fazendeiros da região e pertencia à organização Primeiro Comando Rural (PCR), milícia armada comandada por latifundiários locais. Desde março, diversos confrontos vêm ocorrendo no Paraná. O clima tenso levou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o MST a solicitarem uma ação da Secretaria de Segurança Pública e do governo estadual para acabar com violência no campo.
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De 11 a 17 de dezembro de 2003
NACIONAL DIREITOS HUMANOS
Ministério Público denuncia polícia paulista Tatiana Merlino da Redação
“F
oi uma farsa macabra, talvez a maior da história da polícia de São Paulo”, sintetiza o promotor Carlos Cardoso, assessor de Direitos Humanos da Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, referindo-se à “Operação Castelinho”, na qual um cerco policial resultou no assassinato de doze pessoas. O Ministério Público denunciou 53 policiais militares sob acusação de homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, cruel e emboscada. Organizações de direitos humanos compararam a operação, realizada na Rodovia Castelo Branco, em março de 2002, às ações do esquadrão da morte, grupo de extermínio de bandidos que operou no final da década de 60 e no início dos anos 70. A promotora Vania Maria Tuglio, autora da denúncia apresentada, dia 4, à Justiça de Itu, afirma que a ação foi uma armadilha preparada pelo Grupo de Repressão e Análise dos Delitos da Intolerância (Gradi) com a finalidade de executar ex-detentos: “Montaram um espetáculo para passar uma imagem ‘boa’ do Gradi e das unidades policiais articuladas para essa operação”. De acordo com a denúncia, o plano de extermínio se transformou, arbitraria e ilicitamente, em “doze penas capitais”.
NINGUÉM FOI AFASTADO Entre os acusados estão o coronel José Roberto Martins Marques, na época comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota); seu subcomandante, o major Augusto Fernando da Silva; o tenente-coronel reformado Roberto Mantovan, ex-coordenador do Gradi; e o chefe do policiamento rodoviário na região, tenente-coronel Romeu Takami Mizutani. Dos 53 denunciados, dez são oficiais da
Moacyr Lopes/Folha Imagem
A Operação Castelinho, denunciada pelo Ministério Público, é comparada às ações do esquadrão da morte nos anos 70 A perícia constatou ainda que não foram feitos disparos de dentro para fora do ônibus, e não mostrou indícios de reação por parte dos ocupantes do ônibus e das caminhonetes – o que levou o Ministério Público a concluir que houve uma execução. As três fitas das câmeras da Viaoeste, concessionária que administra a rodovia, desapareceram. O ministério recebeu da PM apenas cópias editadas e com cenas posteriores ao tiroteio. Sobre o avião pagador, a promotora afirmou que seria um roubo impossível, pois não havia avião nenhum. A administração do Aeroporto de Sorocaba também confirmou que a cidade não recebia mais vôos regulares de transporte de valores.
OMISSÃO A operação foi em março de 2002, quando um grupo de policiais interceptou um comboio na rodovia Castelo Branco
Polícia Militar e até agora ninguém foi afastado. Na época, a operação recebeu elogios do secretário da Segurança Pública do Estado, Saulo de Castro Abreu Filho, e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. As autoridades de segurança de São Paulo estavam sob pressão por uma série de fatos, como o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, atentados a bomba do Primeiro Comando da Capital (PCC) e rebeliões. Por isso, avalia João José Sady, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil-seção São Paulo, essas mortes foram “eleitorais” e “comemoradas pelo secretário de Segurança Pública como a hora da virada”. Sady acredita que o que mais denigre as autoridades públicas é a sustentação da versão oficial da Polícia Militar, “mesmo após a apresentação de provas irrefutáveis de que havia ocorrido uma armação”.
Hélio Bicudo, vice-prefeito de São Paulo, vê semelhanças entre o caso e a atuação do esquadrão da morte. Formado por 35 policiais civis – liderados pelo lendário e truculento delegado Sérgio Paranhos Fleury – o esquadrão da morte agia como um grupo justiceiro, caçando e eliminando bandidos à revelia da Justiça. A Operação Castelinho aconteceu dia 5 de março de 2002, quando um grupo de 120 policiais da Rota, do Comando de Operações Especiais (COE) e do policiamento rodoviário, interceptou um comboio na Rodovia Castelo Branco. A versão dada à imprensa foi de que se tratavam de integrantes do PCC que, armados, dirigiam-se a Sorocaba para assaltar um avião transportador de dinheiro. Policiais disfarçados e detentos recrutados em presídios teriam sido usados para se infiltrar no grupo e ajudar a polícia a realizar a ação de captura da quadrilha. No caminho, o ônibus
que levava a quadrilha foi abordado pela polícia e houve tiroteio, onde morreram doze pessoas.
VERSÕES DIFERENTES A PM informou que o plano de assalto foi descoberto por interceptações telefônicas, o que levou a polícia a infiltrar agentes entre a quadrilha. Entretanto, de acordo com a promotora, a transcrição do conteúdo dos grampos não existe. Ela diz que o avião teria sido “plantado” pelo Gradi, e testemunhas afirmam ter visto vítimas serem rendidas e depois baleadas por policiais. Além disso, os PMs teriam alterado a cena do crime, para prejudicar a investigação. Ficou provado que não houve confronto, ao contrário do que sustentava a versão da polícia. Os exames necroscópicos do Instituto Médico Legal de Sorocaba revelaram 52 perfurações de tiros, a maioria na cabeça e no coração.
Apesar de o caso ter sido denunciado por organizações de direitos humanos, as autoridades defenderam e continuam a defender a versão oficial. O secretário de Segurança Pública de São Paulo declarou, em nota à imprensa, que é preciso “aguardar apurações pendentes”, mas não esclareceu quais seriam elas. O governador Geraldo Alckmin criticou a decisão do MP: “A polícia agiu corretamente”. Carlos Cardoso acredita que, se o governador e o secretário continuam achando que a polícia agiu corretamente, é porque estão “muito mal informados”. Para o promotor, depois do massacre do Carandiru, a “Operação Castelinho” é a mais significativa no sentido negativo. O deputado federal Ivan Valente (PT/ SP) defende a demissão do secretário, de acordo com ele, cúmplice da ação: “Ele foi extremamente conivente, o governador tem que tomar uma atitude”. Na época em que a chacina o ocorreu, o Gradi era subordinado direto ao gabinete do secretário.
Rodrigo Otávio e Zilda Ferreira do Rio de Janeiro (RJ) Os vendedores ambulantes do Centro do Rio têm uma resolução de ano-novo: em 2004, exercer o direito de trabalhar sem apanhar da Guarda Municipal. E o primeiro passo já foi dado. Dia 5, após três dias de vigília de mães e parentes e de uma passeata com cerca de 300 pessoas, foi emitida decisão da 26ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, autorizando a libertação de 19 dos 23 camelôs presos desde dia 26 de novembro. Os camelôs presos são acusados de formação de quadrilha, por causa de manifestação contra a violência da Guarda Municipal na repressão ao comércio ambulante da cidade. A última tentativa de protesto se transformou em mais um confronto – o 48º do ano – e estopim de uma crise marcada por pancadarias, corre-corre, tiros de morteiros, mercadorias aprendidas, pânico e feridos. O saldo dos confrontos inclui a morte do guarda municipal Marco Aurélio dos Santos, dia 3, depois de mais uma manifestação. Edmilson Lima Pereira, 32 anos, preso um dia depois e apresentado como autor dos disparos, nega a autoria do crime, apesar de ter sido detido com arma e ter antecedentes criminais. A morte do guarda municipal caiu como uma luva para a campanha de criminalização dos movimentos sociais feita pelo prefeito César Maia (PFL). “Não é segredo para ninguém que eles andam armados. É preciso que os demagogos parem de dizer que o problema dos
Samuel Tosta
Camelôs do Rio lutam pelo direito de trabalhar
O movimento sugere novas demarcações padronizadas de locais para o trabalho ambulante e acena com uma contribuição de receita
camelôs é o desemprego”, declarou o coronel Carlos Antunes em entrevista ao jornal O Globo. Antunes é comandante da Guarda Municipal, cuja legalidade é contestada em processo que tramita na Procuradoria Geral do Estado, acusada de violência e descumprimento da Lei Municipal nº1876-92, que regulamenta o exercício do comércio ambulante na cidade.
LOCAIS DE TRABALHO Para o advogado Jorge Bulcão, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Rio de Janeiro, a “cruzada” de César Maia contra os camelôs é o carro-chefe da “criminaliza-
ção por parte do Estado contra as legítimas manifestações sociais de setores como os camelôs, o MST e os estudantes”. O coordenador do Movimento dos Camelôs Idison Silva pede informações sobre a proposta enviada à Prefeitura há mais de seis meses, e até hoje sem resposta, na qual o movimento sugere novas demarcações padronizadas de locais para o trabalho ambulante e acena com uma contribuição de receita. Uma comissão de camelôs vai conversar com os ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e do Trabalho, Jacques Vagner. Segundo Darby Igayara, vice-presi-
dente da CUT-RJ, o objetivo é um só: “Forçar a prefeitura a aceitar uma discussão séria sobre o assentamento de camelôs no Centro do Rio e acabar com a violência da Guarda Municipal”.
AGRESSÕES Maria de Lourdes do Carmo Santos, presidente do Sindicato dos Camelôs do Município do Rio de Janeiro, lembra que, conforme a Lei Federal nº6586/78, camelô é profissão. “Queremos assentamentos nas ruas e feiras e o cadastramento dos trabalhadores. Hoje são dois mil camelôs no Rio de Janeiro. Não queremos que a Guarda
saia da rua, mas sim o fim da violência”, diz Maria de Lourdes, Ela fala com conhecimento de causa: em abril, 15 dias depois de dar à luz, sofreu agressões de agentes da Guarda Municipal. “Eles me pegaram e bateram muito. A marca que tenho no rosto foi um deles que fez. Estava frágil, tinha acabado de sair de uma gravidez. Fiquei toda machucada, mas no outro dia voltei para rua”, conta, listando histórias de colegas mutilados pela violência. “Estamos na rua porque não há emprego. Camelô era para ser aplaudido porque é uma alternativa para o desemprego ”, completa Maria de Lourdes.
Ano 1 • número 41 • De 11 a 17 de dezembro de 2003 – 9
SEGUNDO CADERNO AMÉRICA LATINA
Na Venezuela, apoio popular a Chávez Claudia Jardim enviada especial a Caracas (Venezuela)
Minci
No quinto aniversário de sua eleição, dirigindo-se a milhares de pessoas, o presidente defende uma saída revolucionária
“N
Depois de mais uma tentativa de golpe por parte da direita, venezuelanos vão às ruas para comemorar os cinco anos do governo Chávez
assinaturas de uma única pessoa e o uso de nomes de falecidos. “Apesar das pressões e das chantagens feitas pela oposição, estou seguro que o CNE não validará tamanha fraude e não reconhecerá essa indignidade. Estamos diante de um novo golpe, agora contra a Constituição”, afirmou o presidente. É justamente a Constituição que tem causado desespero na oposição. A legislação venezuelana assegura o direito de revogar o mandato do presidente, desde que o número de assinaturas supere 20% do total de votos recebidos na eleição, o que corresponde a 2,5 milhões de eleitores. Porém, o recurso do firmazo só pode ser realizado uma única vez, ou seja, se a oposição não conseguir alcançar a meta, só poderá derrubar o presidente em uma nova eleição. Neste cenário, o que preocupa o Palácio Miraflores é a possibilidade de a oposição, não conseguindo derrubar Chávez legalmente, articular um novo golpe de Estado,
INEXPERIÊNCIA De fato, nem governo nem oposição estavam preparados para exercer o direito constitucional de referendo revogatório. Criado em agosto deste ano, às vésperas da coleta de assinaturas dos governistas para levar a referendo revogatório o mandato de 37 deputados da oposição, o CNE ainda não tinha definido regras básicas como datas para entregas das assinaturas, controle do número de planilhas e segurança contra fraudes.
TERRORISMO No entanto, a Coordenadoria Democrática e o Partido Democrata-Cristão (Copei) criaram um clima para fazer crer que a maio-
ria dos venezuelanos está contra Chávez, idéia endossada pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), César Gaviria, que legitima o firmazo como um ato democrático e transparente, apesar das fraudes. Gaviria ameaçou com uma intervenção da OEA, caso o governo não acatasse um resultado negativo. A resposta de Chávez ao secretário da OEA foi categórica: “Somos um país soberano e livre”, afirmou. Apesar da pressão popular, o clima criado pela elite venezuelana leva seus líderes a acreditar que têm ampla maioria. “Essa é a despedida de Chávez de sua militância”, disse Enrique Naime, dirigente do Copei, que insinuou que 2 milhões de pessoas foram às ruas porque foram pagas para isso. Na tentativa de desqualificar a manifestação, ele chegou até a calcular uma suposta quantia gasta pelo governo: “Essa mobilização não custou menos do que 2 milhões de bolívares”, afirmou.
Plebiscito derruba privatização no Uruguai
FRAUDE Depois de puxar a execução do hino nacional, Chávez falou sobre a megafraude na coleta das assinaturas e exigiu firmeza do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) na apuração do firmazo realizado pela oposição, entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro, para convocar um referendo revogatório e impedir o término do seu mandato, que vai até 2007. Com a cópia de algumas planilhas entregues ao CNE, Chávez citou nominalmente algumas irregularidades que foram apresentadas ao conselho, entre elas, a participação de menores de idade, triplicidade de
Só no dia 8 de novembro o Conselho anunciou a data-limite para entrega das planilhas pelos governistas e pela oposição, o que deve ocorrer entre os dias 12 e 15 de dezembro. No entanto, por não ter feito um efetivo controle das planilhas, os observadores do governo acreditam que o CNE sequer terá condições de verificar se a oposição continuou recolhendo assinaturas depois do dia 1º, quando deveria se encerrar o firmazo. O psicanalista Jorge Rodríguez, um dos juízes do CNE, garantiu que o órgão tem condições de avaliar as planilhas e que não sucumbirá às pressões de quaisquer dos lados. “Estamos preparados para enfrentar qualquer resultado, e a palavra final será dos juízes”, assegurou.
como em 11 de abril do ano passado. Outro temor da assessoria presidencial é a segurança pessoal de Chávez. Apesar do reforço na segurança e da proteção das Forças Armadas, durante a marcha na Avenida Bolívar, quando o presidente passava por um corredor humano em carro aberto, era impossível não comparar a cena à do atentado contra o presidente estadunidense John F. Kennedy, há 40 anos.
France Press
ão há outro caminho para o nosso país senão a revolução”. Com essas palavras, o presidente Hugo Chávez comemorou, com cerca de 2 milhões de pessoas que tomaram as ruas de Caracas, o quinto aniversário de sua eleição. Em meio a tentativas de golpes, campanhas midiáticas e ao polêmico firmazo (coleta de assinaturas), uma gigantesca e alegre manifestação popular demonstrou, mais uma vez, que a Revolução Bolivariana é apoiada pela maioria dos venezuelanos. “Neste governo pode haver vários equívocos, mas ninguém pode fingir que não está vendo isso”, observava o escritor britânico Richard Gott, especialista em América Latina, caminhando junto à multidão que tomava incontáveis quarteirões da avenida Bolívar, ao som da palavra de ordem musicada “Uh, ah, Chávez não se vá”. Gott se referia à postura da imprensa venezuelana e internacional que tentam convencer o mundo de que Chávez está no comando à revelia do povo. A resposta a esta “verdade” começou às 9 da manhã do sábado, dia 6 de dezembro, quando homens, mulheres e crianças percorriam cerca de 17 quilômetros entre os bairros periféricos e os da alta burguesia, na capital. Ao cruzar a Praça Altamira, na zona residencial dos mais ricos, os bolivarianos ocuparam o local de encontros da oposição, pichando os muros com palavras de ordem em apoio a Chávez, e contra as fraudes no firmazo. O apartheid social em Altamira é tão grande que, há alguns meses, havia um detector de metais e seguranças na entrada da praça para garantir a segurança do local e impedir a entrada de algum chavista desavisado. A marcha segue como uma grande comemoração política. O que se vê é um ato monumental onde o povo, enfim, é o sujeito de sua própria história. A consciência de tais mudanças é visível entre os jovens. Para Antonio Ramírez, integrante da Juventude Comunista da Venezuela, a tentativa da oposição de derrubar o presidente já foi compreendida pela população que, segundo ele, não acredita mais na imprensa. “As fraudes no firmazo significam um golpe eleitoral e o povo bolivariano sabe disso, mas tem consciência que todo 11 de abril tem seu dia 13”, diz Ramírez ao recordar a volta de Hugo Chávez ao Palácio de Miraflores, dois dias depois do golpe de abril de 2002. Ramírez pára de falar para continuar distribuindo um panfleto que convoca os bolivarianos ao “resgate da dignidade nacional para derrotar os conspiradores”. A marcha segue até o ponto de concentração, onde já é possível avistar o carro do presidente, que avança pela Avenida Bolívar. Em cadeia nacional, Chávez falou por cerca de 3 horas para a multidão à sua frente.
Daniel Merli Dia 7, cerca de dois milhões de uruguaios – mais de 60% do eleitorado – disseram não à privatização da estatal Administração Nacional de Combustíveis, Álcool e Portland (Ancap), derrubando uma lei, aprovada pelo Congresso em 2001, que extinguia o monopólio estatal do petróleo no país. Apesar de o Uruguai depender em 100% da importação de óleo cru, a Ancap, que administra a importação e o refinamento de petróleo, é a maior empresa pública que restou após o processo de privatização da última década, e uma das maiores empresas uruguaias. O resultado do plebiscito reforçou o candidato Tabaré Vázquez, da aliança Encontro Progressista-Frente Ampla (EP-FA), que lidera as intenções de voto para as eleições de outubro de 2004. Em outubro último, segundo o instituto de pesquisas Cifra, Vázquez estava à frente, com 46% das intenções de voto. O Partido Nacional, de direita, tinha 17% e o Colorado, atualmente no poder com o presidente Jorge Battle, apenas 12%. Os indecisos somavam 24%. de São Paulo (SP
DIVISÃO
Uruguaios dizem não à política de privatização da estatal do petróleo
Vázquez e seu grupo mais próximo definiram o plebiscito como um ‘’julgamento popular’’ do governo Battle, paladino das privatizações e da defesa da Área de Livre
Comércio das Américas (Alca). ‘’É a mais importante batalha contra o neoliberalismo’’ no Uruguai, declarou o pré-candidato. Outro setor da Frente, porém, defendeu publicamente o sim à privatização. Desse grupo, fazem parte alguns dos parlamentares mais votados da coligação, como os senadores Danilo Astori e Alberto Couriel, que, inclusive, participaram da elaboração do projeto de lei que privatiza o petróleo. Esta divisão confundiu o eleitor, provocando uma queda do voto contra a lei: de 43%, em agosto, para 35%, em outubro, segundo a Cifra. O recuo aumentou o percentual de indecisos, que passou de 31% para 37%. Mas a forte mobilização da militância da Frente Ampla e dos sindicatos evitou uma derrota. A consulta do último domingo só foi possível graças às 685 mil assinaturas, (25% a mais que a meta necessária) do abaixo-assinado patrocinado pela PIT-CNT, principal central sindical do país, ligada a Vázquez, e pelos militantes da Frente Ampla. Os plebiscitos oficiais não são uma conquista nova da esquerda uruguaia. Em 1992, uma consulta popular disse não à lei que abria caminho para a privatização das empresas públicas. (Portal Planeta Porto Alegre www.planetaportoalegre.net – Colaborou Bárbara Ablas)
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De 11 a 17 de dezembro de 2003
AMÉRICA LATINA CUBA
Medicina avança com pesquisas pioneiras Heinz Dieterich de Havana (Cuba)
Jorge Custódio
Congresso internacional discute avanços da biotecnologia e medicina cubanas para a saúde da população mundial
C
erca de 150 conferencistas, entre eles dois Prêmios Nobel, e mais de 800 delegados da América Latina, Estados Unidos, Europa, Japão, África, Austrália, Cingapura e Indonésia participaram do congresso científico internacional Biotecnologia Havana 2003, realizado no Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (de sigla em castelhano CIGB), em Havana (Cuba). Entre as discussões sobre os avanços da biotecnologia e medicina cubanas, houve várias que são de grande importância para a saúde da população mundial, como a conferência sobre a vacina contra o vírus HIV-Aids. Em 1992, as autoridades cubanas decidiram desenvolver um projeto de investigação sobre o HIV, com o objetivo de elaborar uma vacina preventiva. Depois de cinco anos de trabalho, foram experimentados os primeiros produtos. Até hoje, esses protótipos de vacina foram os únicos produzidos inteiramente num país do Terceiro Mundo, o que constitui uma verdadeira façanha científica. A partir do ano 2000, o trabalho se concentrou no desenvolvimento de uma vacina terapêutica para pacientes soropositivos. Esses trabalhos avançaram tanto que os cientistas cubanos planejam realizar no ano que vem o primeiro estudo clínico com esse novo protótipo de vacina. Ao mesmo tempo, prossegue a busca de uma vacina preventiva, concentrando-se os esforços no subtipo C do vírus, que está devastando grandes regiões da África e Ásia. Outra esperança para centenas de milhões de pessoas no Terceiro Mundo está nas pesquisas cubanas sobre o vibrião da cólera. Este flagelo causa a doença diarréica aguda que infecta anualmente de cinco a sete milhões de pessoas, das quais morrem cerca de 120 mil. Depois de onze anos de trabalho árduo, os especialistas cubanos obtiveram cepas atenuadas da bactéria e fizeram a avaliação pré-clínica em animais e a avaliação de sua segurança e imu-
Apesar de mais de 40 anos de embargo econômico, Cuba se destaca pelas pesquisas científicas e vacinas
nogenia em voluntários. Das mais de trinta cepas cubanas obtidas em laboratório, quatro foram testadas em quinze ensaios em cerca de 230 voluntários saudáveis, tendo sido obtidos resultados altamente satisfatórios para determinadas cepas. Num outro tipo de ensaio, a cepa protetora mostrou efeitos em um grupo de voluntários infectados com uma cepa altamente virulenta da bactéria.
ESPERANÇA A partir desses avanços, os pesquisadores estão preparando ensaios clínicas em regiões endêmicas de cóleras. Eles dizem ter boas razões para acreditar que em 2006 surgirá a primeira vacina eficaz contra o terrível flagelo, que ameaça 1,1 bilhão de pobres no Terceiro Mundo que não têm água potável, e 2,5 bilhões que não têm acesso a instalações sanitárias adequadas. A pesquisa para desenvolver vacinas contra os múltiplos tipos de câncer é outra prioridade dos especialistas de Cuba. O Centro de
Imunoensaio Molecular (CIM) está realizando 23 experiências clínicas em dezoito hospitais, em sete países, e inicia os preparativos para outras quinze experiências. Entre essas experiências se encontra uma vacina contra o câncer de pulmão. Em hospitais de Cuba, Argentina e Espanha, se experimenta uma vacina para o melanoma e o câncer de mama. Outro produto mostrou efeito antimetástase em animais de laboratório e está em testes clínicos também para melanoma e câncer mamário. O câncer de próstata e os de cólon também são pesquisados em estudos clínicos, e o anticorpo monoclonal R3 radiativo está sendo testado para o tratamento de tumores cerebrais, em hospitais de Cuba e da Itália. A biotecnologia cubana está concentrada em quatro áreas: doenças infecciosas e vacinas, câncer, males cardiovasculares e doenças neuropsiquiátricas. Cerca de 50% dos recursos disponíveis para essas atividades são empregados no desenvolvimento de vacinas,
quais faz desenvolver pneumonia, meningite, sepsia e artrite reumatóide. No entanto, o alto preço da vacina tradicional a tornou inacessível para a grande maioria dos países; assim, somente estão protegidas por volta de 2% das crianças do mundo inteiro. Essa deplorável situação está mudando a partir deste ano, por causa da inovação cubana. Cuba também transferiu parte dessa alta tecnologia para países desenvolvidos, como mostra o exemplo do acordo comercial entre o Instituto Finlay de Cuba e a transnacional ocidental Glaxo SmithKline (vendas de 32 bilhões de dólares, lucros de 9,7 bilhões de dólares) para a comercialização da vacina cubana contra a neisseria meningitis dos sorogrupos B e C. Atualmente, estão sendo negociados ou já estão operando convênios com catorze países, entre eles Brasil, Canadá, China, Índia, México, Rússia, África do Sul, Grã-Bretanha e Venezuela. Isso inclui a construção de fábricas na Índia, China e Irã. (Rebelión)
inclusive para epidemias, como o cólera e a dengue, que não ocorrem em Cuba. Essa concentração de fundos e capacidades na prevenção de doenças por meio de vacinas econômicas contrasta fortemente com as estratégias de pesquisa das transnacionais capitalistas, que concentram seus investimentos em mercadorias terapêuticas, para aquelas que o mercado chama de “doenças rentáveis”, quer dizer, doenças crônicas que obrigam ao consumo permanente de medicamentos caros.
VACINAS O desenvolvimento e a produção da primeira vacina no mundo contra a bactéria do haemophilus influenzae tipo b (Hib), a partir de um antígeno totalmente sintético que reúne todos os requisitos para ser empregado em lactantes, é outra façanha da biotecnologia cubana. O Hib é uma das principais causas de enfermidades invasivas na criança, em nível mundial, particularmente nos menores de cinco anos, entre os
COLÔMBIA
Militantes de organizações humanitárias e analistas desconfiam que está sendo uma farsa o processo de desmobilização de milícias direitistas anunciado pelo governo do presidente colombiano Álvaro Uribe, iniciado dia 25 de novembro, em Medellín, no Noroeste do país, com o desarmamento de 800 membros do Bloco Cacique Nutibara. A entrega das armas é um dos pontos principais do Acordo de Santa Fé de Ralito, assinado dia 15 de julho no Departamento (equivalente a Estado) de Córdoba, no Norte da Colômbia. O acordo estabelece que as milícias direitistas das Autodefesas Unidas da Colômbia, do qual o bloco faz parte, deverão desistir totalmente da luta armada até o fim de 2005. Segundo Luís Pardo, ex-diretor de Reinserção de Desmobilizados do Departamento de Antioquia, no Noroeste colombiano, é necessário evitar os erros que levaram ao fracasso o desarmamento das milícias urbanas de esquerda, entre 1990 e 1994. De acordo com Pardo, há necessidade de deixar bem claras as funções do governo nacional e do governo local, é preciso registrar a identidade dos desmobilizados e
ARGENTINA
CMI
Yadira Ferrer de Bogotá (Colômbia)
Maurício Buenas/France Press
Desarmamento de direitistas é uma farsa Piqueteiros vão às ruas contra repressão da Redação
Desarmamento proposto pelo presidente Uribe não passa de cortina de fumaça
deve haver um controle internacional de todo o processo – nada disso foi feito no início dos anos 1990 ou agora. Para Peter Drury e Marcelo Pollack, pesquisadores da Anistia Internacional, não ficou claro quem são as pessoas que participaram da cerimônia de desarmamento em Medellín, nem a que atividades vão se dedicar daqui por diante. Também a Human Rights Watch, organização de direitos humanos com sede nos EUA, qualificou de “paródia” a desmobilização do dia 25 de novembro.
O Centro de Investigação e Educação Popular da Colômbia calcula que entre janeiro de 1998 e junho de 2003 as milícias direitistas atacaram 11.388 pessoas, 7.096 das quais foram executadas, 1.180 continuam desaparecidas. Entre os sobreviventes que foram localizados, 753 denunciaram que sofreram torturas. Habitantes de bairros populares de Medellín informam que as milícias direitistas continuam empenhadas em recrutamento, o que indicaria que a “desmobilização” não passa de uma “reciclagem”. (Envolverde - IPS)
Diversas organizações piqueteiras saíram as ruas, dia 28 de novembro, para protestar contra a repressão que ocorreu nas cidades de Salta, Jujuy e Neuquén, dia 25 de novembro, quando 22 pessoas ficaram feridas. Em Neuquén, a polícia atacou trabalhadores desempregados que repudiavam uma nova medida do governo que mudaria a forma de pagamentos dos planos sociais (seguro desemprego de 150 pesos mensais) a algumas famílias dos Movimentos de Trabalhadores Desempregados (MTDs). O pagamento seria, agora, em forma de um cartão de crédito aceito apenas em locais conveniados ao governo. Entre os feridos e detidos, um jovem de 20 anos, Pedro Alveal, recebeu diversos tiros de bala de borracha e perdeu um olho. Alveal é militante do MTD e um dos trabalhadores da fábrica recuperada Zanón.
Movimento dos desempregados e subempregados ganha força
Os piqueteiros são trabalhadores desempregados que se organizam para reivindicar do governo mudanças sociais. Atuam nos bairros criando centros sociais, restaurantes populares, cooperativas etc. A situação na Argentina é muito grave, com cerca de 54% da população vivendo na pobreza e 17% desempregada. Nos dias 19 e 20 de dezembro de 2001, um grande levante iniciou um processo de mobilização contra as políticas neoliberais que vinham sendo aplicadas no país e os piqueteiros foram um dos principais atores desse processo. (Mídia Independente)
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De 11 a 17 de dezembro de 2003
INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO
Árabes elogiam diplomacia ousada de Lula Paulo Daniel Farah especial para o Brasil de Fato no Líbano e nos Emirados Árabes Unidos
Ricardo Stuckert/ABR
Em Dubai e Beirute, presidente pede Estado palestino livre e soberano, critica EUA e ocupação israelense
E
m visita a Síria, Líbano e Emirados Árabes Unidos, iniciada no dia 3, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o fortalecimento das relações comerciais com países árabes e ações conjuntas em foros internacionais. O governo brasileiro exortou líderes locais a trabalhar em prol do multilateralismo, do respeito à soberania e à integridade territorial e de um papel mais ativo das Nações Unidas. Em Beirute e Damasco, Lula enfatizou que apóia as resoluções da ONU que determinam a retirada de Israel dos territórios ocupados nas Colinas do Golã (Síria) e em Gaza e Cisjordânia (Palestina). O presidente manifestou seu respaldo à iniciativa árabe da paz, lançada em março. O governo brasileiro também reforçou necessidade de pôr fim à ocupação no Iraque e transferir o poder para líderes locais. No Líbano, a segunda etapa do périplo de Lula no Oriente Médio, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, e o chanceler Celso Amorim defenderam o uso do termo “ocupação” para designar a situação no Iraque, alvo de algumas críticas no Brasil. “É uma ocupação. Como houve a guerra sem autorização da ONU, obviamente se trata de uma ocupação”, afirma Amorim. “No caso de Israel, há
Lula observa queima de fogos durante a cerimônia de abertura da Semana do Brasil em Dubai, Emirados Árabes Unidos
uma ocupação permanente... Espero que não seja a mesma coisa.” “O problema é que no Brasil, de vez em quando, há gente mais americana que os próprios americanos”, argumentou Lula. O Brasil vai assumir uma cadeira como membro não-permanente do Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2004. O país reivindica a posição de membro permanente do CS (um privilégio de apenas cinco países atualmente: EUA, Rússia, França, China e Reino Unido). Para o analista político libanês Abdul Rahim, “o presidente Lula
vem assumindo posições firmes apesar dos riscos. Espera-se que ele consiga manter o discurso e as ações porque a pressão deve aumentar na mesma proporção da ousadia da diplomacia independente”.
SEMINÁRIOS EMPRESARIAS Empresas brasileiras de materiais de construção, calçados, cosméticos, jóias, alimentos, autopeças e softwares, entre outras, participaram de seminários e feiras nos países visitados por Lula. O presidente compareceu a todos os eventos e pediu a intensificação das relações comerciais aos empresá-
rios. O Brasil quer incrementar a exportação de tecnologia financeira e de serviços para a região. Nos Emirados Árabes Unidos, Lula compareceu à Semana do Brasil em Dubai, onde discursou e participou de um jantar com show de samba e bossa nova, depois de conversar com empresários brasileiros e locais. Sobre a importância da visita do presidente Lula aos Emirados Árabes, Abdul Rahim al Mutaiwi, diretor da Câmara de Comércio e Indústria de Dubai, diz que “há 1,5 bilhão de habitantes na região, e o Brasil pode alcançá-los através de
Dubai, que tem as melhores instalações desta região”. “Esta visita é muito importante porque fortalece as relações entre os dois países e estimula nossa ida ao Brasil. Estamos formando uma delegação de investidores para ir ao Brasil, e analisar oportunidades de negócios”, explica o empresário Mutasim J. Al Midfa O Brasil firmou quatro acordos com o Líbano (nas áreas de turismo, cooperação técnica, combate às drogas e infra-estrutura e cooperação sanitária) e disse que pretende acelerar a concessão de vistos a libaneses que pretendem fazer negócios ou turismo no país. Lula e o presidente Émile Lahoud anunciaram a retomada de negociações para vôos entre os dois países. No litoral de Beirute, o presidente visitou o terreno doado pelo governo para a construção da Casa do Brasil, que pretende ser um centro comercial e cultural brasileiro no Líbano. Com a Síria, firmaram-se atos nas áreas de cooperação técnica, econômica, cultural, de esportes e de turismo. E um acordo comercial de 200 milhões de dólares foi anunciado. Os líderes árabes com quem Lula se reuniu aceitaram um convite para a realização da primeira reunião entre chefes de Estado da América do Sul e da Liga de Estados Árabes, no Brasil, em 2004. Paulo Daniel Farah é professor do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo (USP)
A paz entre israelenses e palestinos não pode ser mediada apenas pelos Estados Unidos, e cabe à ONU solucionar os conflitos do Oriente Médio e assumir um papel mais efetivo no Iraque. A opinião foi emitida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista coletiva realizada no Hotel Intercontinenal, em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), dia 7. “A ONU precisa chamar para si esses grandes conflitos para que a gente possa ter certeza de que não há nenhuma ação tendenciosa de um país com relação ao outro. O Brasil tem uma posição clara. Nós queremos o reconhecimento do Estado palestino, o reconhecimento do Estado de Israel, queremos garantir a segurança do Estado de Israel, mas queremos garantir que os palestinos possam viver como um povo livre, soberano, sem ingerência de quem quer que seja”, afirmou o presidente. Pergunta - Qual a posição do senhor em relação ao conflito árabe-israelense? Luiz Inácio Lula da Silva – Com relação aos conflitos do mundo árabe, o Brasil tem uma posição clara há muito tempo. Como poucos países do mundo, tem se empenhado para que haja uma política de paz no Oriente Médio. Vamos continuar trabalhando nisso, reivindicando o fortalecimento das instituições multilaterais, as mudanças necessárias na ONU para que ela possa ser mais representativa e para que possa ter mais vez e mais voz nas suas decisões. E continuaremos trabalhando para que o mundo árabe viva na maior tranqüilidade e na maior paz possível. Pergunta – O sr. disse que a relação com Índia, África e Oriente Médio vai criar um bloco forte dos países em desenvolvimento. Esse fortalecimento vai provocar um choque com os países ricos nas negociações? Lula – Nós não temos a idéia
Antônio Milena/ABR
Brasileiro defende ampla mediação de conflitos LÍBANO Localização: Oriente Médio Nacionalidade: libanesa Cidades principais: Beirute (capital), Trípoli, Zahlah, Sidon, Tiro Línguas: árabe (oficial), francês, curdo, armênio Divisão política: seis províncias Regime político: república parlamentarista População: 3,6 milhões (2002) Moeda: libra libanesa Religiões: islâmica (62,4%), cristã (37%, católicos e ortodoxos) Hora Local: + 5
Lula com o presidente dos Emirados Árabes, xeque Zayed Bin Sultan Nahyan
de provocar um choque. Temos a idéia de fazer valer a vontade do nosso país e dos países em desenvolvimento na nossa relação econômica e comercial. Tenho dito que nenhum país do mundo pode abdicar da relação privilegiada que nós temos com os Estados Unidos e com a União Européia, que são os maiores aliados comerciais do nosso país. Queremos aperfeiçoar, aumentar a nossa relação. Queremos ter espaço junto a outros países para que possamos vender e comprar mais, para que possamos trocar os conhecimentos científicos e tecnológicos. Em todos os países que nós visitamos, por exemplo, a Embrapa pode jogar um papel extremamente importante. Os conhecimentos que a Embrapa tem em cuidar da agricultura e do desenvolvimento do semi-árido pode ajudar muitos países do Oriente Médio e da África. O nosso objetivo é fazer com que tenhamos uma força, que quando sentarmos com os Estados Unidos e com a União Européia, saibam que estão negociando com um país que, embora tenha uma relação privilegiada com eles, tem um desejo de crescer a sua relação comercial e para isso está brigando para que mude as regras na OMC, que as tarifas que hoje são imposição para vários de nossos
produtos e que os subsídios agrícolas, que impedem que sejamos mais competitivos e que vendamos mais para eles, sejam abolidos. E isso só vai se dar na medida em que a gente tenha força política. Nessas negociações não adianta ficarmos lamentando que somos pequenos, que somos pobres, que temos violência, ou seja, nós temos que mostrar que nós temos força política, que temos capacidade econômica, conhecimento tecnológico e científico. Pergunta – O Brasil vai abrir uma representação comercial no Iraque? Lula – O Iraque ainda tem um futuro muito incerto. Entretanto, o processo de reconstrução abre perspectivas para empresas de todo o mundo. E o Brasil, sobretudo no que diz respeito à reconstrução, tem conhecimento tecnológico e em engenharia para competir com qualquer país do mundo. E, obviamente, se a oportunidade se apresentar, nós iremos querer participar desse processo porque interessa ao Brasil e interessa ao povo iraquiano que o Iraque seja reconstruído o mais rápido possível. Que eles possam no menor espaço de tempo possível escolher as suas lideranças e decidir livremente o seu destino.
EMIRADOS ÁRABES UNIDOS Localização: Oriente Médio Nacionalidade: árabe Cidades principais: Abu Dhabi (capital), Dubai Charjah Língua: árabe Divisão política: sete emirados (estado ou região governada por um emir, chefe muçulmano) Regime político: federação de emirados islâmicos População: 2,7 milhões (2002) Moeda: dirham Religião: islâmica Hora Local: + 7
Pergunta – Essa aproximação política com os países árabes não pode atrapalhar as relações com os Estados Unidos? Lula – Pelo contrário. Eu tenho dito desde o início que nenhum país respeita a subserviência. Não tem nada mais importante nas relações entre dois países, ou dois seres humanos, do que o respeito que um tenha pelo outro. Inclusive quando vivem momentos de adversidade. É importante lembrar que, no dia 10 de dezembro ( de 2002), quando eu fui a Washington, ainda não era presidente da República empossado, mas apenas eleito, conversamos sobre a guerra do Iraque, e eu disse ao presidente Bush que a única guerra que interessava para mim era a guerra de combate à fome no meu país. E disse ao presidente Bush, naquela ocasião, que nós, brasileiros, não concordávamos com a guerra, concordávamos com o
cumprimento das decisões das Nações Unidas. Isso continua intacto. Pergunta – Que tipo de apoio o Brasil pode oferecer a palestinos e israelenses para a solução do conflito entre esses povos? Lula – O apoio que já estamos dando. Há algumas decisões importantes que foram emanadas nos organismos da ONU, há o caminho da paz aprovado recentemente. E nós concordamos com essa política, apoiamos essa política. A paz entre israelenses e palestinos não pode ser uma coisa dos EUA apenas. A ONU precisa chamar para si esses grandes conflitos para que a gente possa ter certeza de que não há nenhuma ação tendenciosa de um país com relação ao outro. O Brasil tem uma posição clara. Nós queremos o reconhecimento do Estado palestino, o reconhecimento do Estado de Israel, queremos garantir a segurança do Estado de Israel, mas queremos garantir que os palestinos possam viver como um povo livre, soberano, sem ingerência de quem quer que seja. Pergunta – O senhor disse que vai ter uma política externa mais agressiva. Qual é o principal objetivo para 2004? Lula – O principal objetivo para 2004, primeiro, é consolidar o que nós começamos a fazer neste ano. Nós temos que consolidar a América do Sul com a execução dos projetos de integração física, com as obras de infra-estrutura que temos que fazer. Segundo, nós temos que fazer a consolidação do G20. Para nós é muito importante. Queremos consolidar o G3, que é o grupo Brasil, Índia e África do Sul. Queremos ampliar para o G5, com a Rússia e com a China. Vamos tentar trabalhar isso no próximo ano. E queremos consolidar nossa relação com a África e com os países árabes. (PDF)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Palestina quer Lula como mediador Paulo Daniel Farah especial para o Brasil de Fato no Egito
Ricardo Stuckert/PR
Lula recebeu de Hosni Mubarak, líder egípcio, e Yasser Arafat, palestino, pedido para intermediar paz com israelenses sido informado da dificuldade de acesso dentro do monumento faraônico (há uma espécie de rampa com pouco mais de 1 metro de altura e 20 metros de comprimento). Em reunião com Mubarak, Lula já expressara sua admiração pelo Egito antigo. “É uma alegria visitar o Egito, berço da civilização humana”, declarou. Lula fez diversas perguntas sobre as pirâmides e a civilização egípcia antiga ao arqueólogo que o acompanhava. Quando lhe disseram que cem mil pessoas participaram da construção das pirâmides, Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, disse, em tom de brincadeira, que “isso ajudava a resolver o problema do desemprego”.
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m viagem ao Egito nos dias 8 e 9, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elogiou a atuação de seu colega egípcio, Hosni Mubarak, no cenário internacional e disse estar convencido da importância de que ambos os países adotem posições em comum para defender seus interesses na Organização das Nações Unidas (ONU) e na Organização Mundial do Comércio (OMC). “Qualquer um que conhece política internacional sabe do papel que Mubarak desempenha”, declarou Lula no Palácio Heliópolis, no Cairo (capital egípcia). Em contrapartida, o presidente do Egito elogiou a política externa brasileira e descreveu como um importante avanço acordos firmados com o intuito de facilitar a emissão de vistos entre os dois países, promover mais investimentos e intensificar a cooperação técnica e cultural. O Egito, que tal como o Brasil reivindica uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU como membro permanente (atualmente um privilégio exclusivo de EUA, Rússia, França, China e Reino Unido), defendeu a reforma das Nações Unidas. Lula se reuniu no Palácio Kuba (Cairo) com representantes egípcios e palestinos durante o dia, após visitar as pirâmides. Na ocasião, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) convidou o Brasil formalmente a integrar uma força tarefa em prol da paz entre israelenses e palestinos.
Lula e Mubarak, presidente do Egito, durante encontro no Palácio Heliópolis, no Cairo, dia 8 de dezembro
ENCONTRO EMPRESARIAL
O ministro das Relações Exteriores da ANP, Nabil Shaath, entregou a Lula uma carta de Arafat em que ele exorta o Brasil a atuar junto com o Quarteto (Rússia, EUA, União Européia e secretariado da ONU). “O presidente Arafat é um bom amigo do presidente Lula. Já se reuniram em diversos locais e são amigos antigos. Arafat gostaria muito de encontrá-lo, mas infelizmente ele foi feito prisioneiro [em Ramallah, na Cisjordânia]. E Lula não pôde organizar uma viagem à Palestina”, disse Shaath. Questionado sobre a declaração de Lula de que os EUA não deveriam ser o único intermediário nas negociações de paz israelo-palestinas, Shaath disse: “Os EUA são um quarto do quarteto. Minha idéia para o presidente Lula é que países como
Na segunda-feira, à noite, em encontro empresarial brasileiroegípcio realizado no Cairo, Lula pediu mais negócios entre os dois países: “O Egito é hoje um importante parceiro comercial do Brasil no Oriente Médio. O comércio já atinge cerca de 500 milhões de dólares e tem potencial para aumentar ainda mais. É o país com o qual o Brasil tem registrado o seu maior superávit na região. Reitero nosso desejo de identificar formas de aumentar as vendas de produtos egípcios no Brasil. E existem outras áreas em que o intercâmbio pode prosperar, como o turismo, em que o potencial de lado a lado é enorme”, disse Lula no Palácio Kuba. Paulo Daniel Farah é professor no Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo (USP)
Brasil, Índia e África do Sul deveriam desempenhar um papel para acrescentar algo ao trabalho dos EUA e do quarteto. Os EUA são um fato na vida e são de longe o principal aliado de Israel. Não podemos ignorá-los, mas os Estados Unidos têm outras preocupações também: eleições, Iraque, Afeganistão etc.” O chanceler Celso Amorim disse que o Brasil vê com bons olhos a solicitação palestina para uma atuação maior de representantes brasileiros nas negociações de paz. “Rezo para que o Brasil seja o próximo Oslo”, afirmou Shaath, em referência aos acordos de paz de 1993 que aconteceram nessa cidade da Noruega. Shaath viajou oito horas de carro para participar da reunião e lamentou a impossibilidade de o
premiê da Palestina, Ahmad Qorei, comparecer ao encontro. Arafat disse, por meio de Shaath, que gostaria de participar da realização da primeira reunião entre chefes de Estado da América do Sul e da Liga de Estados Árabes, no Brasil no segundo semestre de 2004 (provavelmente em agosto). O presidente egípcio já havia aceitado o convite, uma iniciativa do governo brasileiro que pretende buscar posições comuns para permitir negociações em bloco em foros internacionais.
PIRÂMIDES Lula visitou as pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos e a esfinge na região de Guiza. O presidente entrou na câmara funerária da pirâmide de Quéops apesar de ter
Mahfuz retrata conflito entre antigo e moderno O Egito que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou esta semana aparece nas obras do escritor Naguib Mahfuz com todos os seus dilemas e os seus conflitos internos, entre eles o choque entre a tradição e a modernidade. Lula pôde observar prédios extremamente modernos bem próximos a monumentos milenares como a esfinge e as pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos (Kufo, Kafra e Minkaraa, em árabe). O contraste não se restringe, porém, à arquitetura. Para quem vem ao Cairo pela primeira vez a sensação (ou a certeza) de que diversas civilizações passaram por aqui se faz nítida. E essa mescla confere um ar totalmente ímpar à cidade. Na superfície, com seu trânsito caótico e prédios modernos ao lado de outros decadentes, permite apenas uma impressão rápida ao visitante de passagem. A sociedade, no entanto, é mais complexa, e os livros de Mahfuz ajudam a compreendê-la. Mahfuz, 92, considerado por muitos críticos literários o pai do romance em árabe (esse gênero não é tradicional na literatura da região, ao contrário da poesia e das maqamat/contos picarescos, por exemplo), foi o primeiro escritor em língua árabe a receber o Nobel de literatura, em 1988. Para os que querem entender melhor tanto o Egito do período faraônico quanto aquele que buscou a soberania nacional e uma política externa independente até o Estado atual, as obras de Mahfuz propiciam lições sobre a sociedade e a história cairota, além do prazer de uma leitura de obras cuja técnica é admirável. Entre eles, destaca-se O Beco do Pilão, publicado pela primeira vez em 1947. O título se inspira numa rua do bairro de Al Azhar, na parte antiga da cidade do Cairo, que tes-
Nome Oficial: República Árabe do Egito Localização: Nordeste da África Nacionalidade: egípcia Cidades principais: Cairo (capital), Alexandria, El Giza Línguas: árabe (oficial), inglês Divisão política: 27 governadorias Regime político: república presidencialista População: 70,3 milhões (2002) Moeda: libra egípcia Religião: islâmismo, cristianismo Hora local: +5
Paulo Daniel Farah
temunha os desejos e as tragédias de seus moradores, em um período de transição no Egito que até hoje parece estar em andamento. Os temas sociais abordados nessa obra são de extrema relevância para os países árabes hoje em dia. Faz-se clara neste romance a divisão entre o mundo tradicional e o moderno no Egito. Logo no início do romance, o velho poeta, que durante décadas recordou aos clientes do café do beco (o Café do Kircha) as aventuras e as conquistas de heróis árabes tradicionais, é expulso do local para marcar a rejeição do passado e um ato de modernização: um rádio é instalado no café, que não pode mais acomodar o poeta. O novo e o antigo não conseguem coexistir, parece dizer Mahfuz. Cada um deve decidir a que lado pertence. As histórias pessoais retratadas criam uma atmosfera de realismo trágico. Hamida, órfã criada por Umm Hamida, adere à prostituição. Kircha, dono de um café no
beco, fuma haxixe com uma freqüência assustadora e trai a esposa com rapazes. Zayta se sustenta desfigurando pessoas para que elas se tornem mendigos convincentes e garantam seu sustento com a comissão sobre o lucro do dia de “trabalho”. A descrição da vida cotidiana em bairros egípcios pobres ou burgueses que Mahfuz Apresentação de ritual sufi dentro da Mesquita dos Omíadas, em Damasco (Síria) conhece bem (ele nasceu, em 1911, no bairro de GaEm seus trabalhos mais remaliyya, na parte antiga da cidade centes, Mahfuz experimenta uma do Cairo) permite uma aproxima- combinação de realismo e simção com a sociedade que leva anos bolismo. Alguns de seus livros na prática. provocaram controvérsia no Egito, Em seus romances, o tema cons- em especial devido a questões tante é o da inadequação entre o religiosas, sobretudo em Awlad espaço social egípcio e o modo de Haratina (As crianças de nosso vida “moderno”. bairro). (PDF)]
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NACIONAL FEBEM
Portas abertas para a terceirização Tatiana Merlino da Redação
A
partir do dia 15, o governo do Estado de São Paulo vai compartilhar a gestão das unidades da Fundação para o Bem-Estar do Menor (Febem) com instituições do terceiro setor. De acordo com o secretário de Educação do Estado, Gabriel Chalita, a unidade do Brás será a primeira a ter atividades desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento da Cidadania, em parceria com o Estado. O programa, que representa uma terceirização de parte das operações da Febem, vem sendo tratado com sigilo e coordenado pelo gabinete do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que fará o anúncio oficial da reestruturação, até o final de dezembro. Dirigido por Paulo Saab, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos, o Instituto vai cuidar dos monitores, de toda a capacitação pedagógica e profissionalizante dos internos e das atividades sociais e de lazer. O treinamento dos funcionários do Instituto começa dia 15. A direção e a segurança interna continuam sob responsabilidade do Estado. Inicialmente, 200 adolescentes serão atendidos pelo programa. Depois desse projeto piloto, em unidades de semiliberdade, será avaliada a
Moisés Araújo
Parte das operações da unidade do Brás será administrada por uma instituição do terceiro setor, junto com o governo existe são parcerias em algumas áreas em que a participação da iniciativa privada é fundamental”, afirma. O secretário informou que a parceria vai se estender a unidades novas e de internação com problemas, nas quais não há condições de desenvolvimento das atividades pelos funcionários da Febem. O advogado Ariel de Castro Alves, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogado do Brasil seção São Paulo (OAB-SP), considera a parceria positiva no sentido da profissionalização dos jovens. Mas o advogado é totalmente contra organizações O Inst. Bras. de Desenvolvimento da Cidadania vai cuidar dos monitores, da capacitação pedagógica e profissionalizante dos internos não-governamentais responsabilizarem-se viabilidade do sistema para ou- cupação por Givanildo Manoel Criança e do Adolescente (ECA). pela educação de jovens. “Com as tras unidades. A parceria com o da Silva, coordenador do Fórum “Falta vontade política. Além do parcerias, o Estado está assinando terceiro setor será semelhante à de Estadual da Defesa dos Direi- mais, para onde está indo o orça- um atestado de incompetência”, diz algumas unidades de internação de tos da Criança e do Adolescente mento destinado a esses jovens?”, Castro, alertando também para o Belo Horizonte (MG), que tiveram (FEDDCA): “Somos contra a questiona Silva. perigo da privatização, que “geraria sucesso. Porém, em Minas há 200 terceirização”. Silva acredita que Chalita nega estar terceirizando resultados muito negativos”. Como adolescentes internados, e em São o Estado está se eximindo de res- a Febem e garante que o Estado exemplo, ele cita o sistema privado Paulo, 7 mil. ponsabilidade, em vez de zelar não está deixando de cumprir com de reeducação dos Estados Unidos, A parceria é vista com preo- pelo cumprimento do Estatuto da suas responsabilidades: “O que na sua opinião, catastrófico”.
EDUCAÇÃO
Sociedade quer informação sobre acordo com BNDES Bruno Fiuza da Redação Um manto de silêncio cobre a negociação entre as grandes empresas de comunicação e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Desde 28 de outubro, quando a presidência do BNDES recebeu um pedido de ajuda financeira que partiu do grupo formado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e pela Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), ninguém quer falar sobre o assunto. O BNDES, segundo sua assessoria de imprensa, não se pronuncia sobre o possível financiamento. A ANJ, porta-voz das três entidades, não concedeu entrevista até o fechamento desta edição.
MUDANÇAS NAS REGRAS Apesar desse silêncio, em um seminário na Câmara dos Deputados, dia 3, o presidente do BNDES, Carlos Lessa, declarou que as empresas de comunicação terão financiamento do banco no ano que vem. No mesmo dia, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior anunciou mudanças de regras internas do BNDES que permitem ao banco a capitalização de R$ 7 bilhões. Segundo Camila Manfredini, assessora de imprensa do Ministério, foi apenas uma coincidência. Em meio a esse cenário nebuloso, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) lançou, dia 5, uma carta aberta ao governo reivindicando maior transparência nas negociações do financiamento aos meios de comunicação. O documento elenca uma série de questões para as quais deseja resposta: qual a origem da crise da mídia, quem seria beneficiado pela ajuda, quais as condições do acordo, qual a extensão do financiamento, entre outras.
Uma das questões que se mantém em absoluto sigilo é o valor do acordo. Alguns números, no entanto, têm circulado pela imprensa alternativa. Uma reportagem da agência de notícias Carta Maior informou, no início de novembro, que só a dívida das organizações Globo chega a R$ 4,7 bilhões. O jornal Contraponto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em reportagem do final de novembro, contabilizava em 2,5 bilhões de dólares a dívida total dos meios de comunicação. Todos os levantamentos, no entanto, são informais, uma vez que os números oficiais não foram divulgados.
TRANSPARÊNCIA A principal reivindicação das 18 entidades que subscrevem a carta ao BNDES é de que o financiamento às empresas de comunicação seja tratado como uma questão de interesse da sociedade e não como uma questão de Estado. Cobra-se uma negociação aberta, com a participação da sociedade civil. A carta foi entregue a todos os integrantes do Conselho de Comunicação Social do congresso nacional, mas não chegou a ser discutida na reunião do conselho realizada dia 8, segundo Ricardo Moretzsohn, um dos representantes da sociedade civil no conselho. Moretzsohn acredita que esse assunto está dividindo as próprias empresas de comunicação, pois o presidente da Rede Record fez ressalvas a um possível financiamento da mídia, na última reunião do conselho. Otávio Frias de Oliveira, diretor da Folha de São Paulo, já se declarou abertamente contra o acordo com o BNDES. A reivindicação de uma negociação mais transparente se insere no contexto maior da luta pela democratização da comunicação e das recentes mobilizações, como a Jornada pela Democratização da Mídia, lançada no Fórum Social Brasileiro, e realizada em três capitais.
Universidades serão avaliadas por compromisso social Maíra Kubík Mano da Redação Após muita discussão, o Ministério da Educação (MEC) decidiu manter o Provão, mas com grandes mudanças. O projeto de lei apresentado pelo ministro Cristovam Buarque, dia 1º de dezembro, propõe avaliar, além do conhecimento dos estudantes, também o compromisso social das universidades. “Queremos saber se um curso de engenharia, por exemplo, está voltado para resolver problemas de transporte público ou se para a construção de astronaves”, disse o ministro. A nova avaliação, chamada de Índice de Desenvolvimento do Ensino Superior (Ides), vai englobar ainda o corpo docente e a infra-estrutura da instituição. O exame dos estudantes será realizado de três em três anos, por amostragem. Ou seja, nem todos precisarão passar pela prova para obter o diploma, como no sistema anterior. No próximo ano, serão avaliados os cursos das áreas de saúde, educação e ciências biológicas. As classificações devem variar entre bom, regular e preocupante. Rodrigo Pereira, diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), achou a proposta interessante porque avalia o processo de desenvolvimento do aluno. Para o ministro, as mudanças representam um aperfeiçoamento do sistema de avaliação anterior: “Tem doente que acha que basta tirar a temperatura para ter o diagnóstico. Antigamente, o provão tirava apenas a temperatura do doente. Agora, vamos apresentar o diagnóstico completo e dar a receita”.
CRÍTICAS Em setembro, o MEC nomeou uma comissão especial para elaborar a proposta de avaliação do ensino superior. O resultado foi o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes),
Rose Brasil/ABr
MÍDIA
Estudantes em protesto contra o provão, diante do Ministério da Educação
que pretendia cancelar o Provão e atribuir à comunidade acadêmica a responsabilidade pelo processo. No entanto, depois de criticado pelo ex-ministro da Educação Paulo Renato, o trabalho da comissão não foi mais encarado como uma proposta final, e sim como contribuição a uma outra sugestão elaborada pelo governo. Segundo Pereira, os movimentos sociais que elaboraram o Sinaes não participaram da construção da nova avaliação. “Fomos chamados apenas para referendar o projeto”, diz ele, considerando a proposta insatisfatória. José Dias Sobrinho, presidente da comissão especial, concorda que o Sinaes tinha uma preocupação social maior do que o novo projeto.
O ponto mais polêmico da proposta é a manutenção do ranking das universidades. Mesmo sem as notas, que variavam de “A” até “E”, é possível fazer uma classificação dos cursos. “O novo sistema mantém a lógica de competitividade do Provão”, denuncia Pereira. Segundo o MEC, os cursos que receberem o conceito “preocupante” devem assinar um termo de compromisso com o governo. A instituição terá três anos para melhorar essa avaliação. Caso não consiga, pode receber punições como a suspensão do vestibular. No atual sistema, os cursos que tirassem três notas baixas consecutivas deveriam ser fechados. Até este ano, entretanto, nenhuma universidade sofreu punição.
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DEBATE POLÍTICA PARTIDÁRIA
O PT mudou de lado Luciana Genro os dias que antecederam a reunião do Diretório Nacional do PT, muitas vozes se levantaram para protestar contra a expulsão dos chamados radicais. Um manifesto de intelectuais encabeçado por Noam Chomsky estava circulando fazia alguns meses e ganhou nesses dias ampla divulgação no país. Os intelectuais europeus signatários do texto conhecem muito bem o conteúdo das reformas propostas pelo governo Lula. São as mesmas contra-reformas que provocam a mobilização de centenas de milhares e até de milhões de trabalhadores da França, da Itália, da Áustria. No Brasil são centenas de milhares de pessoas contrárias às expulsões. Foram manifestos de todas as cores e tamanhos. Históricos petistas, fundadores do partido, entre eles renomados intelectuais e ativistas não cansaram de protestar. Desta forma, não faltou campanha contra os ataques aos parlamentares. Mesmo assim, os que decidem na cúpula do PT não têm dúvida sobre o veredicto. É que a decisão de expulsar foi tomada
N
muito antes que a Comissão de Ética se reunisse e que as testemunhas tomassem a palavra. Excluir os parlamentares que não aceitaram votar contra os interesses dos trabalhadores, particularmente que não aceitaram começar a privatização da Previdência e entregar os fundos de pensão para os bancos foi considerado determinante para consolidar o curso do “New PT”. Assim como a nomeação de Meirelles para o Banco Central foi uma expressão política da blindagem econômica consubstanciada no acordo com o FMI, a perseguição dos chamados radicais foi a outra cara desta mesma moeda. O caso de Heloísa Helena foi ainda mais gritante do que o meu caso e o de Babá e João Fontes. A pressão para que Heloísa fique no PT foi maior, entre outras razões, porque sua corrente, a Democracia Socialista, havia decidido continuar no PT mesmo depois de sua expulsão, decisão oposta à adotada por minha corrente, o MES (Movimento Esquerda Socialista) e pela corrente de Babá. Ambas decidiram se considerar expulsas junto conosco, numa decisão elementar de quem quer
defender seus representantes públicos. Além de seu evidente peso nacional, a senadora expressou inúmeras vezes seu enorme desejo de seguir no PT e candidatar-se à Prefeitura de Maceió. Seu imenso desejo não tem sido suficiente. A cúpula exige sua desmoralização. A saída de Heloísa é uma prova mais do que definitiva de que para seguir no PT, o mero desejo é insuficiente. Além disso, questiona a permanência das correntes de esquerda que insistem em ficar. Alguns dirigentes destas correntes não perderam, até o último momento, as esperanças de que a DS convença a senadora de que o governo Lula está em disputa, tem um caráter popular e é aliado dos trabalhadores. Não convencerá. Além do mais, a honestidade de Heloísa fala mais alto. De nossa parte, anunciamos a necessidade da construção de uma nova alternativa política de esquerda, mas não resolvemos sair do PT sem batalhar até o úl-
timo minuto. Já faz algum tempo que estamos conscientes de que com a cúpula petista sequer temos hoje a possibilidade de uma frente única de intervenção para combater o neoliberalismo, porque a direção do PT, de oposição mais ou menos clara ao neoliberalismo, passou a ser sua fiel aplicadora. É o governo petista que está buscando aplicar um modelo econômico social liberal que em nada se diferencia do receituário ditado pelo FMI. Assina o acordo com o Fundo e se compromete a manter o arrocho salarial, a drenagem de recursos para o pagamento das dívidas externa e interna para os bancos, com o desdobramento representado por cortes de investimentos na saúde, na educação, na moradia popular e na reforma agrária. Na verdade, enfrentei o processo de expulsão com a determinação de anunciar a necessidade de uma nova alternativa política. Uma alternativa que defenda bandeiras históricas
É importante ressaltar que a emenda constitucional da Previdência, já aprovada na Câmara, e em fase adiantada de tramitação no Senado, nada tem a ver com pressões do FMI. É um imperativo de justiça social e deriva de projeto adotado pelo PT há mais de 10 anos, que visa criar uma previdência básica universal e abre a possibilidade de previdência complementar para todos. É impossível fazer qualquer comparação entre a previdência brasileira e os sistemas europeus. O sistema brasileiro é um monstrengo e é difícil imaginar que alguém possa se apresentar como de esquerda no Brasil e ser tão preservacionista nessa questão. Para se ter uma idéia, o Regime Geral de Previdência, no Brasil, que assiste os 21 milhões de aposentados e pensionistas que trabalharam na iniciativa privada, recebeu em 2002 como subsídio do tesouro da União, R$ 17 bilhões. Enquanto, no mesmo ano de 2002, o subsídio do tesouro para financiar aposentadorias e pensões dos 952.000 ex-servidores da União foi de R$ 23 bilhões. Uma projeção oficial indica que, sem as alterações apresentadas pelo governo Lula, esse subsídio, em 20 anos, alcançaria R$ 304 bilhões ao ano. O que certamente
provocaria o colapso do sistema bem antes deste prazo. Além disso, é preciso considerar que 57% dos trabalhadores brasileiros não dispõem hoje de nenhuma cobertura previdenciária. A reforma proposta pelo governo Lula procura justamente incluir esse contingente excluído. Isso mostra que os dissidentes do PT fizeram um grande barulho contra a solidariedade entre os servidores públicos para garantir uma Previdência justa e digna para todos. O PT respeita os servidores públicos e está consciente de que a grande maioria sabe em que direção estamos trabalhando. O PT não prometeu milagres e não está realizando milagres. Temos, no entanto, a profunda consciência de que fomos capazes de afastar a economia do Brasil de um colapso iminente, que não serviria a ninguém, nem mesmo aos nossos críticos. Estamos seguros que mantemos e executamos nossos profundos engajamentos originais com a transformação social e com a liberdade, no ritmo e no rumo
da esquerda, articulada com as lutas sociais, com o movimento alterglobalização e partidária de propostas anticapitalistas e antiimperialistas de ruptura com a Alca e o FMI. Mesmo afirmando a necessidade de uma alternativa, diante do abandono por parte da cúpula petista das históricas bandeiras do partido, não resolvi simplesmente dar as costas para o partido. Ao contrário. Fiquei até o veredicto. E não me arrependo. Milhares de trabalhadores necessitam confirmar qual de fato será a sentença. Eu mesma esperei, como se fosse um último crédito dado aos que acreditavam na possibilidade de resgatar o PT e como se quisesse uma demonstração final de que o “New PT” veio para ficar, que prefere os Flamarions Portela e seus novos amigos como Ronaldo Lessa, Sarney, Meirelles e companhia. Luciana Genro é deputada federal. Foi eleita pelo PT do Rio
Paulo Delgado legado é pesado e o tempo foi curto” Em relação ao manifesto divulgado pelo jornal Socialist Resistance, segundo o qual o PT estaria sinalizando para a esquerda mundial que “perdeu a sua orgulhosa tradição de democracia, de pluralismo e tolerância”, gostaria de esclarecer o que segue. Os senhores sabem que para ser tolerante é preciso saber o que é intolerável. E no PT, hoje como sempre, o debate é livre e as posições partidárias são construídas a partir do choque de idéias. Engana-se, no entanto, quem pensa que o PT é uma academia ou um grêmio recreativo. Pelo contrário, é um partido que muito se orgulha de sua democracia interna e também de sua unidade de ação. Para tanto, ao longo da história, o PT sempre assegurou o mais amplo debate interno, seguido da compreensão de que a posição aprovada pela maioria seria obrigatoriamente a posição do partido. Foi assim em nossos primórdios, quando, em 1985, a base do partido decidiu que seus deputados não iriam comparecer ao colégio eleitoral que elegeria Tancredo Neves, por via indireta, presidente da República. O PT tinha, na época, apenas oito deputados, três desobedeceram a decisão do partido. Os três foram expulsos. Em 1993, Luiza Erundina, ilustre ex-prefeita da cidade de São Paulo, a maior autoridade pública até então eleita pelo PT, aceitou entrar no governo do presidente Itamar Franco, como ministra da Administração, contra a posição expressa do Diretório Nacional. Foi punida com uma suspensão do partido enquanto continuasse no posto. O PT não confunde, portanto, democracia interna com falta de coluna vertebral. Se hoje somos a principal força política do Brasil é porque tivemos o mérito de combinar democracia interna com a defesa da democracia como valor universal e com a compreensão de que
“O
não existe partido sem unidade de ação. Liberdade de opinião, sim, sempre, mas não um estado fugaz de avacalhação. Para nós, a liberdade não é como o mar aparentemente sem limites. A liberdade em partidos democráticos como o nosso é a partilha e a aceitação coletivas dos limites. O PT não é um país, ele é parte do sistema político de um país que é pluripartidário. Provavelmente, nossos dissidentes, tradicionalmente partidários de punições exemplares dentro partido, sonham com a barbárie de um partido único. O PT prefere a pluralidade. Consideramos que é malicioso e calunioso tentar confundir o funcionamento de um partido transparente e democrático com o ambiente político vigente sob a ditadura. É natural que fique no PT quem concorde com nossas políticas. Como é natural que, num país dirigido pelo PT, todos tenham o direito de fundar os seus próprios partidos. Mas não é leal ficar dentro do PT para combatê-lo sistematicamente, se auto-intitulando guardiões da virtude petista. Nesse sentido, os expulsos de 1985 foram corretos. Em lugar de usarem as punições para se apresentar como vítimas, filiaram-se a outros partidos. Os quatro parlamentares atualmente passíveis de expulsão estão claramente tentando se passar por vítimas, quando em verdade são agressores da unidade interna, embora tenham todo o direito de expressar suas opiniões, dentro e fora do PT, como vêm fazendo. Preferem oferecer uma oposição tão míope quanto desleal à política do governo do PT. Talvez porque não tenham propostas a fazer nas circunstâncias atuais da política brasileira, investem cegamente apenas no desgaste do partido perante a opinião pública. Felizmente sem sucesso. Eles vivem a vertigem da liberdade sem responsabilidade, amaldiçoando as dificuldades e quem as enfrenta.
Kipper
Democracia interna em ação
adequados neste momento. Por intermédio da liderança do presidente Lula, o PT foi se construindo passo a passo, não alimenta ilusão com o intempestivo nem com a diferenciação a qualquer custo, fatores que produzem em parte da esquerda obsessão pela prescrição infalível e o medo de incorporar a massa do povo ao desenvolvimento. Tarefa que parte da Europa e os Estados Unidos já realizaram a um custo social e histórico altíssimo para todo o mundo. E que é mantido até hoje pelo feroz protecionismo e egoísmo de direitos restritos que constrangem nosso desenvolvimento como país e está na raiz destas incompreensões entre aliados. Paulo Delgado é deputado federal por Minas Gerais e secretário Executivo de Relações Internacionais do PT. Este artigo foi originalmente escrito como resposta ao manifesto publicado no Socialist Resistance e assinado por intelectuais de diversos países.
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AGENDA
agenda@brasildefato.com.br
CEARÁ NACIONAL I SEMINÁRIO MUNICIPAL DOS ASSENTADOS DE QUIXADÁ Dias 11 e 12 O seminário irá reunir aproximadamente 80 assentados e assentadas dos 28 assentamentos da região, e tem como objetivo aprofundar o processo de organização dos assentados no município, seu fortalecimento nas políticas públicas do Projeto Dom Hélder Câmara (PDHC) e na renegociação das dívidas rurais, assim como definir alternativas para um desenvolvimento econômico sustentável dos assentamentos. Local: Rua Tabelião Enéias, s/nº, Quixadá Mais informações: (88) 412-0481, institutoconvivencia@ig.com.br ASSEMBLÉIA ESTADUAL DO CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES Dias 12, 13 e 14 O Conselho Pastoral dos Pescadores espera a participação de 50 pessoas, entre membros de comunidades pesqueiras, agentes de pastoral e representantes de entidades parceiras. Local: Rua Mirtil Meyer, 100, Maraponga Mais informações: (85) 238-8392 / (85) 9946-4257
PERNAMBUCO FÓRUM ACADÊMICO: A VIOLÊNCIA E OS POVOS INDÍGENAS EM PERNAMBUCO Dia 11, às 8h30 O fórum é realizado pelo Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Local: Auditório do Centro de Ciências da Saúde, Auditório Jorge Lobo, Campus Universitário, UFPE, Recife
RELATÓRIO: SITUAÇÃO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA BRASILEIRAS Dia 11, às 10h O relatório, preparado pela Unicef, apresenta projetos que asseguram educação diferenciada para crianças indígenas e negras e fala sobre agentes comunitárias de saúde na Amazônia e no Nordeste que melhoram a vida de mulheres e de crianças. O documento mostra as diferenças de acesso a serviços de saúde e de educação entre crianças pobres e ricas, que vivem em áreas rurais ou urbanas, que crescem no Sul ou no Norte do país. Também apresenta análises sobre situações especiais de vulnerabilidade das crianças, como a vida nas favelas e nas comunidades remanescentes de quilombos. Além do relatório brasileiro, a Unicef lança também o relatório Situação Mundial da Infância 2004, com o tema Meninas, Educação e Desenvolvimento, uma das prioridades da Unicef e de mais de 190 países comprometidos com as Metas de Desenvolvimento do Milênio. Uma das metas estabelecidas para 2005 é o acesso igual de meninas e meninos ao ensino primário e ao secundário. Local: Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Fortaleza, João Pessoa, Maceió, Manaus, Natal, Recife e, Salvador. Mais informações: (61) 3035-1947, rmello@unicef.org, www.unicef.org.br
Mais informações: pereira @ufpe.br, pereira@elogica.com.br, pereira@nusp.ufpe.br
RIO GRANDE DO SUL SEMINÁRIO - RÁDIO COMUNITÁRIA E MOVIMENTOS POPULARES Dia 13, a partir das 9h Este é o I Seminário de Comunicação da Restinga, com a presença de representantes das emissoras de rádio RDC, Acácia, Muda, do Comitê de Resistência Popular, do MST e da professora Denise Cogo. Haverá painéis, debates, relatos de experiências e a exibição do filme Uma Onda no Ar, de Helvécio Ratton, sobre a Rádio Favela de Belo Horizonte. Organização da Rádio Comunitária da Restinga, Ação Periférica e Fórum das Escolas da Restinga
Local: Escola Larry Alves, Av. Nilo Wulff, s/n, Restinga, Porto Alegre Mais informações: acaoperiferica@hotmail.com, (51) 9835-4777, 9105-3055
SÃO PAULO CICLO DE DEBATES JUVENTUDE ATRÁS DAS GRADES: 30 ANOS DA FEBEM Dias 11 e 17 de dezembro, às 18h Promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção SP, o debate vai refletir sobre a história da fundação, que comemora 30 anos em 12 de dezembro. Também pretende discutir soluções para a sua crise permanente, causada pelos descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Local: Salão nobre da OAB SP,
Pça. da Sé, 385, 1º andar. Mais informações: (11) 3116-1074/ 1098, www.oabsp.org.br. SEMINÁRIO - VIENA + 10: O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES Dia 12, das 14h às 19h Entre os participantes estarão: Renato Simões, deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp; Flávia Piovesan, professora da PUC/SP; Simone Grilo Diniz, representante do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde; Alzira Rufino, representante da Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos; Local: Assembléia Legislativa de São Paulo, Auditório Franco Montoro, Av. Pedro Álvares Cabral, s/n, Ibirapuera, São Paulo Mais informações: (11) 3886-6122
LIVRO – CADERNOS NEGROS VOLUME 26 – CONTOS AFRO-BRASILEIROS Dia 12, a partir das 19h Lançamento do livro, de autoria de: Conceição Evaristo, Cuti, Décio Oliveira, D’Ilemar Monteiro, Esmeralda Ribeiro, Eustáquio Lawa, Helton Fesan, Lourdes Dita, Lia Vieira, Márcio Barbosa, Miriam Alves, Zula Gibi. Na mesma ocasião, haverá o seminário: “A Inclusão da Literatura Afro como Estímulo à Auto-Estima nas Instituições Educacionais”. Com as participações de: Ana Maria Silva, psicóloga; Danilo Santos de Miranda, professor e diretor do Sesc; Edmar Silva, da Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra; Eduardo de Assis Duarte, professor de Literatura Brasileira e Teoria Literária (UFMG); Elisa Lucas Rodrigues, presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo; Marilândia Frazão, psicopedagoga da Secretaria Municipal de Educação, Projeto Vida. Entrada Franca. Local: Sesc Paulista, Av. Paulista, 119, São Paulo Mais informações: www.quilombhoje.com.br, quilombhoje@ig.com.br EXPOSIÇÃO: ARTESANATO BRASILEIRO Até 11 de janeiro O Artesanato Solidário/Comunitas, a Central ArteSol e o Museu da Casa Brasileira (MCB) reuniram o trabalho de artesãos de 68 localidades do Brasil, de 15 diferentes Estados. A mostra é aberta ao público, de terça a domingo, das 13 às 18 horas. Local: Av. Brigadeiro Faria Lima, 2705, São Paulo Mais informações: (11) 3032-2564
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CULTURA
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CINEMA
Criada por três estudantes de Comunicação, a Brazucah faz parceria com entidades e exibe gratuitamente filmes nacionais
Divulgação
Jovens levam filmes à periferia paulistana
José Manoel Rodrigues de São Paulo (SP)
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evar o cinema a quem não tem acesso à cultura, utilizando para isso espaços comunitários e distribuição gratuita de ingressos. Essa é a proposta da Brazucah Produções, uma produtora com nome originado bem brasileiro e que trabalha fundamentalmente com o cinema nacional. Fundada por três jovens universitárias – Cynthia Alario, Francine Segawa e Camila de Freitas –, que se conheceram há quatro anos no curso de Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA / USP), a produtora investe no projeto de levar cinema a um público numeroso e que raramente tem opções de lazer. “Queremos que o cinema chegue ao povo. O que é público precisa voltar ao público”, defende Cynthia. As estudantes de Comunicação idealizaram a Brazucah perto de um projetor, mas com objetivos maiores do que apenas usar uma câmera ou aparecer na tela. Antes de completar 20 anos de idade, elas começaram a empresariar a distribuição de filmes, através do projeto Cinema BR em Movimento, iniciativa do governo federal em parceria com a BR Distribuidora.
Parceria entre a Brazucah, escolas e associações faz filmes chegar à população pobre, que não tem como pagar os preços altos nos cinemas
O trabalho de levar o cinema à periferia inclui a montagem de uma tela grande e instalação de sistema de projeção e som. As salas ficam no escuro e os espectadores têm direito até a pipoca. Paralelamente a esse projeto, é desenvolvido o programa Promoção Social de Cinema, com distribuição gratuita de ingressos para instituições, projetos sociais, educativos e culturais, escolas e comunidades. A atividade é realizada em parceria com a produtora do filme, que contrata a Brazucah, como parte de uma proposta alternativa de lançamento de filmes. Francine considera que todas as formas de acesso ao cinema – produzir, exibir e assistir a filmes – são importantes. “A princípio pretendemos promover o acesso à exibição do filme, mas sempre estimulamos as comunidades a produzirem seu próprio trabalho. Temos elaborado projetos de circuitos comunitários e de cursos de exibição e de produção. Esperamos que esse seja o futuro”, diz. Revista Viração, www.revistaviracao.com.br
INFRA-ESTRUTURA Cynthia, Francine e Camila se firmaram como agentes culturais em São Paulo. Desde 1999, transformaram praças, escolas, salões comunitários e mais uma série de espaços públicos em sala de cinema. Os filmes chegam a comunidades carentes de cultura. O projeto funciona em sistema de parceria, no qual as entidades cedem espaço para a projeção e ajudam na divulgação a partir de uma organização local. “O público, em sua maioria, é de jovens e uma boa parte vai raramente ao cinema. Encontramos também idosos que nunca foram ao cinema. É emocionante”, diz Cynthia.
Escola abre as portas à comunidade As jovens da Brazucah não estão sozinhas na democratização do acesso ao cinema. Na Escola Municipal Dr. José Kauffmann, bairro de Perus, periferia noroeste de São Paulo, os alunos são os principais animadores do Cine K. – projeto que abre a escola nos finais de semana, para que os moradores do bairro assistam a filmes e conversem sobre a “sétima arte”. O Cine K. começou em 2001, numa sala improvisada no refeitório. A comunicação virou campo de invenção constante para os adolescentes da Kauffmann. Patrícia Fonseca da Silva, 14 anos, foi uma das que se envolveram com as práticas comunicativas. Entrou para o Educom.rádio, programa da Prefeitura de São Paulo e do Núcleo de Comunicação e Educação da USP, que introduz a linguagem e a técnica do rádio nas escolas, entre
professores, alunos e membros da comunidade. Patrícia conta como evoluiu a experiência do Cine K. do refeitório do colégio para uma sala confortável de 100 poltronas, ar condicionado, telão e aparelhagem apropriada: “As obras aconteceram com a união da comunidade, a ajuda da família Kauffmann, que se sensibilizou com o nosso esforço, e o apoio da subprefeitura de Pirituba”.
CINEMA DE VERDADE Atualmente, são exibidas quatro sessões nos finais de semana, sendo que sempre são escolhidos filmes com tema infantil, às 14 h, e de interesse do público jovem, às 16 h. O Cine K. vai tão bem que já recebeu até a visita da cineasta Laís Bodansky, diretora do premiado filme “Bicho de Sete Cabeças”, no dia 15 de novembro. A diretora se emocionou com o carinho da co-
munidade pelo cinema. “Formar público é exatamente o maior desafio que temos e aqui a gente vê que isso poderia ser tão fácil, pois o brasileiro já tem uma tendência natural a gostar de cinema”, disse Laís. Os funcionários da escola estão felizes com os resultados do Cine K. “Temos muita emoção em ver a nossa sala de cinema, que começou a partir de um sonho num refeitório. Hoje temos uma sala de cinema de verdade!”, vibra Vera Alice Valgas, auxiliar de direção da escola e uma das idealizadoras do projeto. Patrícia explica que os filmes apresentados no Cine K. são escolhidos pela comunidade. “São indicados apenas aqueles que transmitem mensagens positivas”, informa ela. Nas últimas semanas, passou no telão títulos nacionais como Carandiru, Tainá e No Coração os Deuses. (JMR)
ENTREVISTA
Francesca Colombo de Stresa (Itália)
France Press
O escritor tem o dever de ser antiimperialista Brasil de Fato – Dizem que, depois de Gabriel García Márquez, o senhor é o escritor latino-americano mais lido. Isso implica um compromisso maior com seus leitores? Luis Sepúlveda – O compromisso com os leitores sempre existe. Não creio nos escritores que dizem escrever somente para eles. Gosto de ser lido. É um grande compromisso ético e moral, que nos obriga a sermos mais rigoro- isso tenho de cumprir um dever sos com a literatura e a própria que diz que devo opor-me, com vida. Temos de ser uma referên- toda minha força, aos monopócia moral para os jovens que se lios, à concentração dos meios incorporam ao mundo da leitura. de comunicação em poucas mãos Prefiro que um rapaz de 15 anos e ao poder quase absoluto dos tenha a mim como exemplo do Estados Unidos sobre a comunique a um (George W.) Bush ou cação. O escritor tem o dever de ser um antiimperialista. um (Silvio) Berlusconi. Pergunta – Qual é sua opção Pergunta – Por que em suas obras a natureza tem papel de ética na vida? Sepúlveda – Antes de ser escritor, protagonista? sou cidadão com deveres e direi- Sepúlveda – Procuro ser fiel à tos. Sou, por exemplo, a favor da época que me coube viver. Tenho liberdade de expressão, esse é muito claro que a vida humana é meu direito. Mas para conseguir frágil e efêmera. Chegamos na
Quem é Nascido no Chile, Luis Sepúlveda é um dos escritores mais lidos do mundo. Foi torturado durante a ditadura do general Augusto Pinochet no Chile (1973-1990) por seu papel como guarda pessoal do presidente socialista Salvador Allende. Exilado na Bolívia, combateu o regime militar de seu país. É autor, entre outros, de O velho que lia novelas de amor, dedicado ao líder ambientalista brasileiro Chico Mendes, assassinado em 1988, e à comunidade indígena shuar do Equador, com a qual viveu sete meses. Atualmente vive em Gijón, na Espanha. qualidade de empréstimo e temos a obrigação moral de deixar a Terra no mesmo estado em que a encontramos, ou melhor. Mas tudo indica que, pelo contrário, caminhamos para uma espécie de suicídio coletivo. Pergunta – Como foi sua amizade com Chico Mendes? Sepúlveda – Conheci Chico em um encontro de sindicalistas brasileiros em São Paulo, e ali nasceu uma grande amizade. Eu o visitava umas duas vezes ao ano, ele era muito simpático e profundo. Foi um rapaz analfabeto até os 16 anos, quando encontrou um velho ferido ao qual ajudou.
Em troca, ele o ensinou a ler e escrever e lhe abriu as portas para um mundo fascinante. Chico tinha uma proposta para a Amazônia que nenhum cientista jamais havia conseguido idealizar. Queria que os indígenas e os brancos vivessem e trabalhassem juntos. Pergunta – Para muitos, a globalização é a tábua de salvação do mundo. O que o senhor diz da idéia da aldeia global? Sepúlveda – A idéia isolada de uma aldeia global encerra um perigo: a negação da diversidade que faz precisamente a vida interessante. Pergunta – Qual sua opinião
sobre a imagem chilena de estabilidade e desenvolvimento? Sepúlveda – O Chile tem uma imagem que é puro marketing. Até 1973, o país era uma potência industrial e a sociedade progrediu para um estilo de socialismo à moda sueca. Os estadunidenses não permitiram e implantaram uma ditadura e um modelo econômico atrozes. Depois de 13 anos de democracia, existe uma desigualdade brutal: menos de 5% da população chilena usufruem de 90% da riqueza, enquanto os outros 95% dividem 5% da riqueza que sobra. Pergunta – O senhor foi muito próximo de Salvador Allende. Sua morte o marcou? Sepúlveda – Sim, fui muito próximo e ele gostava muito de mim. Sua morte marcou a vida de todos, porque era um dirigente exemplar. Nossa meta era melhorar a expectativa de vida dos chilenos, ganhar tempo para criar nossa própria modernidade. Allende entendia que essa era a base cultural que nos faltava para sermos uma nação.(IPS/Envolverde)