Edição 413 - de 27 de janeiro a 2 de fevereiro de 2011

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Tunísia

O povo contra o sequestro da revolução Pág. 11

Circulação Nacional Ano 9 • Número 413

Uma visão popular do Brasil e do mundo São Paulo, de 27 de janeiro a 2 de fevereiro de 2011

R$ 2,80 www.brasildefato.com.br José Cruz/ABr

Leandro Konder

Amor e política O sentido com que a palavra amor costuma ser mais frequentemente utilizada é o de uma exasperação afetiva. O prestígio do amor na literatura e nas artes é antigo e imenso. A grande dificuldade para enfrentar os mistérios e as dores do amor é o problema da falta de entrosamento dos indivíduos tais como se dispõem (ou não se dispõem) a assumir sua pertinência a uma comunidade. Pág. 3

Entrevista exclusiva:

Cesare Battisti

Alipio Freire

Riscos do economicismo Economistas do campo da esquerda, inclusive vários não ligados ao governo Dilma Rousseff, anunciam que as finanças e a economia brasileira “vão bem, obrigado”; que a política desenvolvida nos últimos oito anos para essa área é sólida; e que a crise que afeta o Hemisfério Norte pouco ou nada atingiria nosso país. Pág. 3

Roberto Malvezzi

Um verão para Dilma A presidenta Dilma Rousseff visitou as áreas devastadas pelas chuvas. Pousou no lugar. Conversou com os prefeitos e o governador. Não riu das pererecas, dos bagres, nem criticou os ambientalistas, o Ministério Público, os indígenas e os quilombolas. Com humildade disse que era também um momento de aprender. Pág. 3

ISSN 1978-5134

“Meu julgamento é político ” O refugiado italiano Cesare Battisti, preso no Brasil desde 2007, sustenta que o seu julgamento tornou-se munição para atacar o governo federal. Em sua primeira entrevista após a decisão tomada pelo ex-presidente Lula de negar sua extradição, Battisti fala ainda sobre a vida na penitenciária, seu posicionamento político, a luta armada e o governo italiano. Pág. 7


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de 27 de janeiro a 2 de fevereiro de 2011

editorial

Quem julga o STF? HÁ QUE SE reconhecer mais um mérito do ex-presidente Lula. Graças a uma decisão sua, tomada no último dia do seu governo, é possível ver do que é capaz um presidente do Supremo Tribunal Federal: desrespeitar uma decisão tomada pelo próprio STF. O presidente da Corte, Cézar Peluso, inconformado com a decisão do presidente da República de conceder asilo ao militante político italiano Battisti, alterou uma decisão do próprio Supremo, mantendo-o preso. Não é crime desrespeitar uma decisão do STF? A Constituição Federal do Brasil já estabelece que o presidente da República é o representante da nação na política internacional. Além disso, há uma sólida jurisprudência que assegura ao chefe de Estado o direito de rejeitar ou acatar um pedido de extradição. Portanto, se já cabia ao presidente decidir pela extradição ou não, por que o STF provocou essa situação que desmoraliza o próprio Supremo? Exposto ao ridículo, alguns membros do STF fazem questão de evidenciar a histórica subserviência das elites brasileiras aos interesses estrangeiros e de se opor a quaisquer decisão soberana do governo brasileiro. A sabujice está no

DNA da burguesia brasileira e seus representantes, encastelados no monopólio das comunicações ou em setores do Poder Judiciário. Ainda em novembro de 2009, o STF autorizou, por 5 votos a 4, a extradição de Battisti. E pelo, mesmo placar, foi aprovado que o presidente deveria decidir entre executar ou indeferir a extradição. Essa decisão foi publicada no acórdão de abril de 2010. Ou seja, a palavra final, por decisão do próprio STF, deveria ser do presidente Lula. No entanto, ao indeferir o pedido de extradição, atendendo ao parecer elaborado pela Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente Lula teve sua decisão desrespeitada pelo presidente do STF. Parece aquelas brincadeiras de criança em que o perdedor, não satisfeito com o resultado, quer mudar as regras ou acabar com o jogo. E, como afirma o jurista Luís Roberto Barroso, advogado de defesa de Battisti, o julgamento já foi concluído, a decisão já tramitou em julgado e o processo de extradição já foi arquivado, restando apenas dar cumprimento ao que foi decidido. Se não haverá extradição, por decisão do presidente Lula, Battisti deveria ser imediatamente libertado. Pe-

Continuaremos esperando pelos dias em que a escolha dos membros do STF seja feita por mecanismos democráticos

luso decidiu mantê-lo preso. Decisão tomada na mesma época em que o governo italiano manifestou sua vontade de que fosse mantida a prisão. E, ainda por decisão de Peluso, o assunto será encaminhado ao relator do caso, Gilmar Mendes, para dar seu parecer. A decisão do STF de que o Lula deveria dar a palavra final transformou-se numa farsa.

A situação é tão vergonhosa e esdrúxula que o jurista Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional, questiona se não é o caso de solicitar a impugnação – o impeachment – do presidente do STF Cézar Peluso. Quem julgará a ação do presidente do STF que desrespeitou a decisão da Corte do Supremo? O seu antecessor no cargo, Gilmar Mendes, também frequentou o noticiário em que se pediu sua impugnação por decisões tomadas no exercício da presidência do STF. No entanto, nada sofreu. Assim, se a impunidade é propulsora da repetição de práticas condenáveis, então, certamente, ainda veremos novos casos que promovem o descrédito da mais alta instituição judiciária do país. E continuaremos esperando pelos dias em que a escolha dos membros do STF seja feita por mecanismos democráticos e que seus mandatos sejam por período definidos, acabando com a condição de cargos vitalícios. Ainda nos servindo desse processo de extradição do ativista político, cabe evidenciar as manipulações de informações feitas pela mídia burguesa sobre o caso. Consciente da luta de classes, a mídia não poupa esforços em defesa das forças políticas e

crônica

opinião Frei Betto

das práticas direitistas. Nada menciona sobre os outros países que já negaram pedidos de extradição feitos pelo governo de Berlusconi. Não noticiam a existência de mais de 50 pedidos feitos pelo governo italiano a vários outros governos. Dão a entender que a decisão do governo Lula é a única no cenário internacional. E muito menos falam dos ativistas políticos neonazistas italianos, promotores de assassinatos de sindicalistas e de atentados terroristas que resultaram em dezenas de mortos e que hoje estão vivendo impunes fora da Itália. Nos últimos dias, essa mídia não poupou espaços para propagandear que o Parlamento Europeu aprovou uma moção pedindo que o governo brasileiro reveja a decisão do presidente Lula. A moção foi aprovada numa sessão onde havia apenas 86 membros de um total de 736 que compõem o Parlamento. Dos presentes na sessão, 77 eram italianos. Desmoralizado internacionalmente, Berlusconi usa do Parlamento Europeu para tentar desacreditar uma decisão soberana do governo brasileiro. E a mídia daqui se junta ao direitista governo italiano. Nenhuma novidade nessa união.

Luiz Ricardo Leitão

Valter Campanato/ABr

Depois da chuva HÁ DUAS SEMANAS, às vésperas da tormenta que provocou centenas de mortes e deixou milhares de desabrigados na região serrana do Rio, este cronista expressou, nesta coluna, sua convicção de que a tragédia social não pode ser mais um espetáculo a exibir-se como mercadoria de consumo na tela da TV. Já farto da desfaçatez da burguesia tupiniquim, indaguei então, sem qualquer pretensão premonitória, sobre quantos ainda padeceriam submersos nas enchentes enquanto os “super-ricos” voam de helicóptero para os balneários “selecionados”, bebendo champanha Veuve Clicquot à beira-mar, por R$ 280,00 a garrafa A crônica ainda não tinha sido impressa quando tudo veio abaixo na serra fluminense. Sabíamos bem que esta era mais uma tragédia anunciada, mas ainda assim sua colossal proporção espantou a todos nós que maldizemos a terrível “pedagogia da catástrofe”. Em uma sociedade regida pelos dogmas do grande deus Mercado, em que a mobilização coletiva dos trabalhadores cede cada vez mais espaço à cantilena sedutora das (pseudo)redes sociais virtuais, a impiedosa rotina de Bruzundanga mais uma vez se impunha como a forma mais crucial de revelar-nos o quão desnudos estão os monarcas da província...

Darwinismo social A CATÁSTROFE NA região serrana do Rio de Janeiro é noticiada com todo alarde, comove corações e mentes, mobiliza governo e solidariedade. No entanto, cala uma pergunta: de quem é a culpa? Quem o responsável pela eliminação de tantas vidas? Do jeito que o noticiário mostra os efeitos, sem abordar as causas, a impressão que se tem é de que a culpa é do acaso. Ou se quiser, de São Pedro. A cidade de São Paulo transbordou e o prefeito em nenhum momento fez autocrítica de sua administração. Apenas culpou o excesso de água caída do céu. O mesmo cinismo se repetiu em vários municípios brasileiros que ficaram sob as águas. Ora, nada é por acaso. Em 2008, o furacão Ike atravessou Cuba de Sul a Norte, derrubou 400 mil casas, deu um prejuízo de quatro bilhões de dólares. Morreram sete pessoas. Por que o número de mortos não foi maior? Porque em Cuba funciona o sistema de prevenção de catástrofes naturais. No Brasil, o governo promete instalar um sistema de alerta... em 2015! O ecocídio da região serrana fluminense tem culpados. O principal deles é o poder público, que jamais promoveu reforma agrária no Brasil. Nossas vastas extensões de terra estão tomadas pelo latifúndio ou pela especulação fundiária. Assim, o desenvolvimento brasileiro se deu pelo modelo saci, de uma perna só, a urbana. Na zona rural, faltam estradas, energia (o Luz para Todos chegou com Lula!), escolas de qualidade e, sobretudo, empregos. Para escapar da miséria e do atraso, o brasileiro migra do campo para a cidade. Assim, hoje mais de 80% de nossa população entope as cidades. Nos países desenvolvidos, como a França e a Itália, morar fora das metrópoles é desfrutar de melhor qualidade de vida. Aqui, basta deixar o

O ecocídio da região serrana fluminense tem culpados. O principal deles é o poder público, que jamais promoveu reforma agrária no Brasil

perímetro urbano para se deparar com ruas sem asfalto, casebres em ruínas, pessoas que estampam no rosto a pobreza a que estão condenadas. Nossos municípios não têm plano diretor, planejamento urbano, controle sobre a especulação imobiliária. Matas ciliares são invadidas, rios e lagoas contaminados, morros desmatados, áreas de preservação ambiental ocupadas. E ainda há quem insista em flexibilizar o Código Florestal! Darwin ensinou que, na natureza, sobrevivem os mais aptos. E o sistema capitalista criou estruturas para promover a seleção social, de modo que os miseráveis encontrem a morte o quanto antes. Nas guerras, são os pobres e os filhos dos pobres os destacados para as frentes de combate. Ingressar nos EUA e obter documentos legais para ali viver é uma epopeia que exige truques e riscos. Mas qualquer jovem latino-americano disposto a alistar-se em suas Forças Armadas encontrará as portas escancaradas.

Os pobres não sofrem morte súbita (aliás, na Bélgica se fabrica uma cerveja com este nome, Mort Subite). A seleção social não se dá com a rapidez com que as câmaras de gás de Hitler matavam judeus, comunistas, ciganos e homossexuais. É mais atroz, mais lenta, como uma tortura que se prolonga dia a dia, através da falta de dinheiro, de emprego, de escola, de atendimento médico etc. Expulsos do campo pelo gado que invade até a Amazônia, pelos canaviais colhidos por trabalho semiescravo, pelo cultivo da soja ou pelas imensas extensões de terras ociosas à espera de maior valorização, famílias brasileiras tomam o rumo da cidade na esperança de uma vida melhor. Não há quem as receba, quem procure orientá-las, quem tome ciência das suas condições de saúde, aptidão profissional e escolaridade das crianças. Recebida por um parente ou amigo, a família se instala como pode: ocupa o morro, ergue um barraco na periferia, amplia a favela. E tudo é muito difícil para ela: alistar-se no Bolsa Família, conseguir escola para os filhos, merecer atendimento de saúde. Premida pela sobrevivência, busca a economia informal, uma ocupação qualquer e, por vezes, a contravenção, a criminalidade, o tráfico de drogas. É esse darwinismo social, que tanto favorece a acumulação de muita riqueza em poucas mãos (65% da riqueza do Brasil estão em mãos de apenas 20% da população), que faz dos pobres vítimas do descaso do governo, da falta de planejamento e do rigor da lei sobre aqueles que, ansiosos por multiplicar seu capital, ignoram os marcos regulatórios e anabolizam a especulação imobiliária. E ainda querem flexibilizar o Código Florestal, repito! Frei Betto é escritor, autor de A arte de semear estrelas (Rocco), entre outros livros.

Dom Cabral estava em Paris a comprar perfumes quando soube dos incômodos eventos na terrinha Reeleito com quase 2/3 dos votos em 2010, Dom Cabral estava em Paris a comprar perfumes quando soube dos incômodos eventos na terrinha. Contabilizou rapidamente o prejuízo político da notícia e voltou em sua caravela à colônia, temeroso de que seus projetos para 2014 possam soçobrar no barro de Friburgo, Petrópolis e Teresópolis. Afinal de contas, não há como ocultar a omissão e prevaricação das ditas “autoridades” no tsunami que devastou a região: mesmo os mais desinformados já estão a perguntar-se por que o playboy pagará R$ 1 bilhão às empreiteiras para “reformar” o recém-reformado Maracanã (lembramse do PAN em 2007?), em vez de usar essa dinheirama para reduzir o deficit de moradias populares no estado. “No hay mal que por bien no venga”, costumam dizer os cubanos, um povo muito sofrido, mas cuja organização social lhes permite enfrentar ciclones e furacões com um mínimo de perdas humanas, ao passo que certos vizinhos – uns paupérrimos, como o Haiti, e outros bem poderosos, como o Tio Sam – somam mortos e prejuízos inumeráveis após as intempéries ditas “naturais”. Por que Katrina provocou tamanha destruição em Nova Orleans? Culpar os ventos e a chuva, como certamente diria o DJ Cabral aqui no Rio, não convence mais ninguém – que o diga o desgoverno de Bush, cuja omissão e desdém às vítimas da tormenta jamais serão esquecidos ao sul do Império.

As chuvas da Serra também soterram o vazio das sociedades que o capitalismo globalizado erige Além de desvelar as falácias do discurso oficial e as maracutaias das elites Bruzundanga, as chuvas da Serra também soterram o vazio das sociedades que o capitalismo globalizado erige, sobretudo em sua periferia. O tão sublimado indivíduo da ideologia pós-moderna não valerá nada se este continuar alheio ao seu espaço social – alienado e desorganizado, ele é apenas uma presa fácil da tirania do Mercado, incapaz de propor uma nova ordem global ou de traçar o próprio futuro pessoal. Vive a esmo, submerso pela propaganda e por ideologemas baratos que o capital lhe vende como bijuterias tropicais. Que novas especiarias nos trarão as naves de Cabral, a fim de que a impiedosa e sarcástica pedagogia da catástrofe não faça o monarca sucumbir em meio à lama e aos corpos insepultos nas montanhas? Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e Lima Barreto: o rebelde imprescindível.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Edilson Dias Moura• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


de 27 de janeiro a 2 de fevereiro de 2011

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instantâneo Emiliano Sosa

Leandro Konder

Amor e política HAITI – Nas ruas da capital Porto Príncipe, o cenário, muitas vezes, é idêntico ao do dia seguinte ao terremoto que devastou o país há mais de um ano

Alipio Freire

Riscos do economicismo ECONOMISTAS DO CAMPO da esquerda, inclusive vários deles não ligados ao governo da presidenta Dilma Rousseff, anunciam que as finanças e a economia brasileira “vão bem, obrigado”; que a política desenvolvida particularmente nos últimos oito anos para esta área é sólida; e que a crise que neste momento afeta, sobretudo, o Hemisfério Norte, pouco ou nada atingiria nosso país. No campo da esquerda, os que não participam desse consenso, se existem, estão em silêncio. O bordão é sempre o mesmo. Variam os cálculos técnicos de índices e/ou nuances do jargão do economês. Mas, noves-fora, no final das contas, as contas dão no mesmo. CQD. O problema é que esquecem que, além do capital estar cada vez mais globalizado, seus movimentos continuam a depender da política a ser adotada pelos grandes centros. Não falamos apenas das políticas econômicas. Resumindo: o governo dos EUA não deixará sua economia sucumbir sozinha. Pelo bem, ou pelo mal, a Casa Branca arrastará todos que puder, para pagar sua falência. Ilusão imaginar que o Império se submeterá à lega-

lidade e acordos internacionais. Inútil esperar que apenas fóruns econômicos e/ou políticos mundiais (e menos ainda regionais) possam arbitrar a possível bancarrota de Washington. Enfim, mísseis não existem para garantir a paz, e produtos da indústria armamentista não se realizam enquanto mercadorias sem guerras, além das guerras reativarem diretamente muitos setores da economia. Mais que isto, sabe-se que toda a indústria estadunidense pode rapidamente ser redirecionada para a produção para guerras. Ou seja, é necessário começarmos a pensar desde agora o que fazer com a crise do grande capital. E não esqueçamos jamais, que esse grande capital tem uma forte base social interna ao nosso país. Talvez seja isto que a doutrina de segurança nacional – que está sendo reescrita pelo ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim – queira significar, quando diz que as Forças Armadas não mais têm que se ocupar do inimigo externo, pois esse inimigo hoje está no interior das nossas fronteiras. Bem, é tudo uma questão de ponto de vista de classe.

Roberto Malvezzi (Gogó)

Um verão para Dilma A PRESIDENTA DILMA visitou as áreas devastadas pelas chuvas. Pousou no lugar. Conversou com os prefeitos e o governador. Não riu das pererecas, dos bagres, nem criticou os ambientalistas, o ministério público, os indígenas e os quilombolas. Humildemente disse que era também um momento de aprender. Dilma tem aparência dura, mas muitas vezes chora em público. Chorar e sorrir são atitudes exclusivas do ser humano, sinais de inteligência e sensibilidade. Portanto, esperamos da presidenta atitudes coerentes com seu procedimento e com suas palavras. O primeiro passo do poder público é mesmo socorrer com o melhor essas populações. Em segundo, é preciso o mapeamento imediato das áreas de risco no Brasil e o investimento prioritário para remover essas populações. Será um custo econômico astronômico, mas ainda é melhor prevenir que remediar, porque muito além do econômico está a vida da população. Essa tragédia, ao soterrar condomínios de luxo, prova mais uma vez que, diante do que o mundo vem atravessando e vai atravessar, a natureza não distingue classe social. Muitos especialistas comparam o que aconteceu no Brasil agora com o que acontece na Austrália e outros países, como Bélgica. Oras, não se pode avaliar essas tragédias apenas pelas mortes, mas por todos os prejuízos e transtornos físicos e psicológicos que eles cau-

sam. Quem passa por essa situação, a cada chuva, revive a tensão emocional de situações do passado. O que acontece no mundo é muito mais grave que fortes chuvas de verão. O fracasso de Copenhague, Cancun, o avanço progressivo das cidades e agricultura sobre as florestas, desaba em fenômenos que agora presenciamos. Dilma precisa, enfim, vetar qualquer mudança no Código Florestal que venha a aumentar o desmatamento nas encostas e às margens dos rios. A força econômica e política do agronegócio não pode sobrepor-se aos direitos da esmagadora maioria do povo brasileiro. Sua racionalidade econômica é irracional para o bem do conjunto da nação. Sobretudo, a presidenta precisa entender que ela tem um papel histórico infinitamente maior que ser uma gerente dos interesses do capital. Precisamos ser um país melhor e equilibrado, não necessariamente a 5ª economia do mundo. A história lhe deu gratuitamente o papel de conduzir o país para um novo paradigma civilizacional, justamente nesse momento que atravessamos uma mudança de época. Tomara que ela compreenda a magnitude da tarefa que lhe cabe e não se abespinhe diante de interesses poderosos, mas profundamente mesquinhos. Lembremo-nos sempre: hoje foi na casa do vizinho, amanhã poderá ser na nossa.

comentários do leitor Drogas As drogas não surgiram junto com o capitalismo. Enquanto as pessoas tiverem a ilusão de que a humanidade vai parar de consumir drogas, e por isso são contra medidas racionais, as coisas não vão melhorar. É uma questão de ser pragmático. Você tem que jogar com o que se tem em mãos. Não dá para as pessoas continuarem com um pensamento irracional por causa de preconceito em relação a drogas. É necessário, sim, que as politicas antidrogas (que na verdade focam a repressão ao usuário) sejam revistas. Lucca Dutra, por correio eletrônico

Caso Battisti A atitude de Peluso configura com clareza o papel político e ideológico que envolve a questão de Battisti no âmbito do STF. No aspecto jurídico, a decisão de manter Bat-

tisti preso já se revelou abusiva e autoritária, porém revestida de interesses políticos. Peluso não o soltou, pois entendo que não admite, nas relações de poder com Lula e suas posturas políticas, que sua decisão anterior dada pela extradição de Battisti possa ser “descumprida”. Mostra a necessidade de uma avaliação da própria Corte se o STF realmente é uma Corte Constitucional ou uma Corte Constituinte, que molda a constituição conforme interesses meramente políticos e ideológicos.

Iohanas Ganesh, por correio eletrônico

Tragédia no Rio Para mim, mesmo morando em Porto Alegre, sem viajar para o Rio, a tragédia que aconteceu era previsível. E não tenho conhecimentos científicos, apenas o olhar de uma cidadã comum. Prevenção é uma palavra desconhecida da maioria dos polí-

ticos. E quem paga o preço, inclusive com a vida, como neste caso, é a população. Pena que não há uma assessoria judicial para processar os responsáveis, tirar de seus bolso um pouco do muito que ganham. É que deveriam ser processados prefeitos e governadores dos últimos dez anos, no mínimo. Utópico, mas talvez, mexendo com o bolso, houvesse políticos mais responsáveis e corretos, que efetivamente buscassem soluções para as questões básicas da população. Quando vejo reportagens sobre o Rio na TV, fico pensando no que aconteceria se houvesse um incêndio na parte baixa do morro. Desta vez foi a água. Que novas tragédias ainda estão por vir?

Rosa Cunha, por correio eletrônico

Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico comentariosdoleitor@brasildefato.com.br

O SENTIDO COM que a palavra amor costuma ser mais frequentemente utilizada é o de uma exasperação afetiva. O prestígio do amor na literatura e nas artes é antigo e imenso. A grande dificuldade para enfrentar os mistérios e as dores do amor é o problema da falta de entrosamento dos indivíduos tais como se dispõem (ou não se dispõem) a assumir sua pertinência a uma comunidade. Todos nós atravessamos a zona de dificuldades que, inevitavelmente, tumultuam a solidão em que o mercado – deus todo poderoso da sociedade burguesa – cria mecanismos cheios de sutileza e coerção para nos levar a fazer o que não queremos e a querer o que não fazemos. O amor é sempre posto à prova e nunca se sai inteiramente bem. Os jovens, sobretudo, são chamados a decidir se investem em relações duradouras ou em “casos” fugazes. A ternura pode ser temeridade de quem tem medo, ou desarmamento de quem quer e teme amar. Quase todos os heróis de romances da segunda metade do século 19 e do século 20 são pessoas completamente envolvidas nos problemas da relação amorosa possível na sociedade burguesa. Diversos leitores e críticos já apontaram essa convergência. Por mais que ela seja desejada, há um conflito inerradicável entre alguém que está amando e alguém que está calculando um prejuízo mensurável.

O amor é sempre posto à prova e nunca se sai inteiramente bem. Os jovens, sobretudo, são chamados a decidir se investem em relações duradouras ou em “casos” fugazes Recentemente, ficamos todos emocionados ao vermos a força do afeto amparando os sobreviventes da desgraça da região serrana do estado do Rio de Janeiro. E repetimos a nossa experiência de nos sentirmos envolvidos numa área obscura e incerta das relações entre indivíduos que se amam e indivíduos que não podem deixar de contabilizar prejuízos e distribuir recursos provenientes de movimentos de solidariedade. De nada adianta contarmos a cruel persistência do nosso problema e verificarmos que ele não se modifica. A correção de uma distorção funcional, como aquela que junta os indivíduos em torno de algumas ideias ou de alguns homens, é uma correção inviável. O que precisaria ser alcançado seria a reunião dos indivíduos, estimulados na sua generosidade, como vimos num movimento apenas esboçado no caso das inundações que causaram tanta destruição em Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, entre outras cidades da região. O que mais nos surpreende neste e noutros episódios é a força que o amor, geralmente vencido, mostra aos autonomeados vencedores. Mesmo golpeado sem clemência, o amor passa a ser a mais vigorosa das nossas reflexões. Um poeta espanhol, Antonio Machado, que morreu na primeira metade do século 20, assinalou essa força na linguagem: “a las palavras de amor les senta bien su poquito de exageración” (às palavras de amor lhes cai bem um pouquinho de exagero). O amor procura se expressar na esperança daquele que se declara amoroso, mesmo que uma vitória pouco sólida na esfera da vida privada tenha chegado a alimentá-lo, misturando-se a mentiras e mistificações.

Na verdade, estamos sempre julgando a nós mesmos. E, como não somos “neutros”, criamos artifícios para nossos “expedientes O amor é bem mais abrangente do que a paixão. Para o uso cotidiano do conceito, a diferença, quando reconhecida, legitimava o sentimento em sua forma lapidar e também no nível do enlouquecimento amoroso. Ainda hoje há pessoas que acham que um amoroso possuído por uma paixão se põe automaticamente fora do âmbito da justiça e é imune aos juízos humanos em geral. É extremamente difícil julgar grupos humanos em situação de conflito. Na verdade, estamos sempre julgando a nós mesmos. E, como não somos “neutros”, criamos artifícios para nossos “expedientes”. O fato de percebermos o caráter interessado de nossas manobras na esfera da autoilusão não deve enfraquecer a consciência que temos de um certo facciosismo, por nós combatido, mas reconhecido em suas características perversas. Não podemos deixar de hesitar quando nos defrontamos com o discurso cristão sobre o amor. Esse discurso ora parece ser demasiadamente consolador e inócuo; em outros momento, porém, constatou-se uma reação interna e forte à perspectiva conservadora de que estava embutido. Leandro Konder escreve semanalmente neste espaço.


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brasil Nils Vanderbolt

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Manobra aliada Várias contas bancárias da família do deputado Paulo Maluf (PP-SP) estão bloqueadas na Suíça, Jersey, França e Luxemburgo, com 48 milhões de dólares já confiscados à espera do pedido brasileiro para o repatriamento. Os processos para repatriar a fortuna surrupiada pelo meliante estão parados no Supremo Tribunal Federal porque a Procuradoria Geral da República tem enrolado há anos na apresentação de provas. Afinal, Maluf é da base aliada! Pesadelo haitiano O ex-ditador Baby Doc voltou inesperadamente para o Haiti, depois de 25 anos de exílio na França, e foi imediatamente indiciado por desvio do dinheiro público. Só falta agora ser processado e julgado pelos inúmeros crimes de violação de direitos humanos, como prisão, tortura, assassinatos e perseguição implacável aos adversários políticos. Será que o governo haitiano tem interesse e força para colocar o ex-ditador na cadeia?

Trem parado no meio da cidade em Alto Alegre do Pindará (MA)

Foi um trem que passou em minha vida FERROVIA A ambição do Corredor de Carajás à custa de vidas Márcio Zonta de São Luís (MA) ERA OUTUBRO DE 2010. Enquanto a Vale celebrava mais um lucro trimestral bilionário (R$ 10,5 bilhões), Dona Maria* sentia pela segunda vez uma mesma dor: a perda do marido no exato lugar e circunstância que havia perdido o filho há oito anos. Ambos morreram atropelados, nos trilhos que cortam o assentamento Palmares, em Parauapebas (PA). Sem muitas palavras desde o acontecido, a agricultora apenas colocou mais um porta-retrato, agora do marido, no altar com a imagem de barro de Nossa Senhora, onde já estava a foto do filho. A história de vida de Dona Maria se tornou rotina em diversas comunidades por onde a estrada de ferro de Carajás passa. Do Pará ao Maranhão, são 23 municípios. A cada mês, em média uma pessoa morre atropelada pelos trens operados pela Vale, segundo dados da Justiça nos Trilhos. Em 2007, foram contabilizadas 23 mortes; em 2008, o número caiu para nove vítimas fatais, mas foram registrados 2.860 acidentes ao longo da ferrovia. A cidade com maior índice de atropelamentos é Alto Alegre do Pindaré (MA), pois o trem de carga fica parado no meio da cidade entre três a quatros horas por dia, impedindo a passagem de pedestres e de carros. Quando sai, não avisa, atropelando muitas pessoas que estão tentando a travessia por debaixo dos vagões. Padre Denys, responsável pela igreja da comunidade indaga: “até quando nossas crianças devem passar debaixo do trem para ir até a escola? A Vale precisa urgentemente construir passarelas”.

“Até quando nossas crianças devem passar debaixo do trem para ir até a escola? Intrusa

Em operação desde 1986, a via férrea mudou a rotina de vida de moradores, tirou muitos de suas casas, mudou trajetos, isolou povoados e foi percebida, até pelas crianças, como uma intrusa. Se não isso, o que explicaria crianças de 6 a 12 anos apedrejarem o trem cargueiro da Vale, no bairro conhecido como Km 07, em Marabá (PA), a ponto de acertarem uma pedra fatal num maquinista, causando a sua morte em 2001? Jeane dos Santos, professora na comunidade, tem a resposta: “O bairro se instalou antes da ferrovia em 1974, e o espaço ocupado era onde antes essas crianças brincavam. Elas sentiram seu espaço invadido, era o quintal delas. Fora que começaram a ver os pais reclamando do barulho, das rachaduras das casas e dos telhados caindo com a trepidação daquele sujeito estranho para elas, que era o trem”. Antes, em 1998, outro incidente gra-

ve no bairro já havia acontecido. “Uma menina de 12 anos atirou uma pedra no trem, que voltou nas suas próprias pernas com uma força violenta, o que a deixou paraplégica, levando-a à morte anos depois”, conta Santos. Para a professora, era preciso agir, fazer algo. Ela procurou a Vale, mas foi em vão. Logo, outra morte: o atropelamento de uma menina com problemas mentais que frequentava os trilhos junto a outras crianças. A educadora não pensou duas vezes e, com parcos recursos, abriu uma escola de dança e teatro, que passou depois a incluir esporte, informática, tornandose, com a ajuda de alguns vereadores, o programa Adote Cultura Viva. Hoje, com o espaço consolidado, ela apenas recorda das crianças – que chama de os meninos dos trilhos de Marabá – com fotos e matérias de jornais. “Olha, consegui tirar todos dos trilhos. Se não, acho que não estariam vivos”, diz. Meninos do trem

Se existiu os meninos dos trilhos de Marabá, ainda existem os meninos do trem. Trata-se de crianças e adolescentes que entram sem serem percebidas nas estações e se escondem nos vagões de minério que vão para São Luís (MA). “São crianças que sofrem maus tratos em casa ou passam por algum tipo de dificuldade financeira e vão para a capital maranhense, geralmente, para se prostituírem ou mendigarem”, explica a coordenadora do Conselho Tutelar do município de Buriticupu (MA), Ivonete de Matos dos Santos. Marisa*, uma negra de estatura baixa e de um sorriso lindo, foi uma dessas crianças. Desde os 12 anos, viajava no trem. “Várias vezes a recolhemos para o conselho tutelar ao ser encontrada. Ela chegava em Buriticupu fétida, suja, faminta, depois de horas viajando nos vagões de minério”. Hoje com 14 anos e mãe de uma menina, fruto da prostituição em São Luís, voltou para a casa pobre que mora com a mãe em Marabá, com quem tem sérios problemas de relacionamento, inclusive relatos de espancamento. “A Vale se isenta do problema, não pensa numa fiscalização adequada para saná-lo e, tampouco, trata com dignidade as crianças e adolescentes quando encontradas em seus vagões ou nos trilhos, geralmente por mero acaso”, critica Ivonete. Quando a reportagem esperava o embarque, na estação de Açailândia, o que foi dito pela coordenadora do conselho tutelar pôde ser presenciado. Três crianças adentraram sem dificuldade pelo acesso dos trens de carga. Avisados, os funcionários da empresa Cefor, prestadora de serviço da Vale nas estações, apenas sorriram e caminharam sem pressa em direção às crianças.

Os margeados

Na parada de São Pedro Água Branca, também interior do Maranhão, o que se vê é um mundaréu de homens, mulheres e crianças se acotovelando e andando nas pontas dos pés para conseguir vender seus produtos aos viajantes do trem, debruçados nas janelas, enquanto ocorre o embarque e o desembarque na estação. É vendido água a R$ 2,00, em garrafas de dois litros nas embalagens de refrigerante, além de sucos e refrigerantes, também pelo mesmo preço, e de refeições de galinha caipira, boi ou frango, por apenas R$ 5,00.

Joana de Amaral Lima é uma dessas mulheres que vende o prato preparado por ela mesma. “Trabalho aqui já faz um tempo, meu marido está desempregado, vive de bico de pedreiro na cidade, assim sustentamos nossos quatro filhos”. Sobre a renda mensal, ela não quis revelar: “ah dá para o básico de casa, sem luxo”. Vivendo à beira de tanto progresso, ela diz que seu marido nunca conseguiu um emprego na Vale. “Ele já procurou trabalho lá, mas o que dizem é que ele não tem qualificação”. Na opinião do sociólogo e engenheiro agrônomo, Raimundo Gomes da Cruz Neto, presidente do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp) e hoje a frente de um movimento que organiza os atingidos pela mineração, “esses são os que sobraram nos projetos da Vale e nunca serão incluídos, a não ser dessa forma, pela rebarba, com um trabalho ainda mais precário do que os que estão lá dentro da mineradora ou em suas siderúrgicas diariamente como funcionários”, explica.

“Vale a pena morrer ou sofrer em nome do progresso? Quantos atropelamentos de todos os tipos deveremos ainda aceitar? Quantos povoados, cidades ainda sofrerão com a gigante mineradora?” O progresso

Dividido em classe econômica e executiva, o trem que sai de Parauapebas e vai até São Luis entrecorta paisagens alternadas, de casas de cidades ou ocupações, passando pela reduzida mata secundária que resiste ainda à pastagem e ao eucalipto. Bois, fazendas e as obras de duplicação da linha, junto aos vagões dos trens de cargas carregados de minério, que passam paralelos, completam o cenário da viagem. “Também não é para menos, no Maranhão tem mais bois do que gente. São aproximadamente 6,5 milhões de população contra aproximadamente 7 milhões de cabeças de gado”, comenta o advogado do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, Nonato Masson. Marlucia Azevedo, coordenadora do Fórum de Políticas Públicas de Buriticupu, ironiza: “a compensação ambiental da devastação da mata para o pasto é a plantação de eucalipto. Muito curioso já que o eucalipto serve para as siderúrgicas alimentarem seus fornos”. Na televisão do trem, porém, nada disso é dito e os programas de canal educativo da emissora Globo, patrocinados pela Vale, falam a todo instante de preservação do meio ambiente. Sistemas de sons nos vagões propagam jingles institucionais, que enfatizam o progresso trazido pela Vale, através da ferrovia, para o Brasil e as comunidades ao seu redor. “Vale a pena morrer ou sofrer em nome do progresso? Quantos atropelamentos, de todos os tipos, deveremos ainda aceitar, quantos povoados, cidades ainda sofrerão com a gigante mineradora antes de exigir um limite a essa fome de ferro e dinheiro?” é a pergunta que deixa no ar o Padre Dario Bossi, um dos coordenadores da Justiça nos Trilhos. *Nomes fictícios

Concentração No primeiro mês do governo Dilma, o Banco Central decidiu aumentar a taxa básica de juro de 10,75% para 11,25%, o que aumenta de imediato a transferência de renda dos milhões de trabalhadores brasileiros para aproximadamente 20 mil capitalistas que especulam com os títulos públicos. Por isso mesmo os banqueiros e os grandes empresários nacionais e estrangeiros apoiaram a continuidade do governo Lula. Jogada Wikileaks O site Wikileaks propôs a um grupo de blogs brasileiros uma entrevista “exclusiva” com Julian Assange, com regras estabelecidas por seus representantes no Brasil, como o teto de dez perguntas selecionadas por eles, respostas já traduzidas e igual para todos e veiculação conjunta no dia 26 de janeiro às dez horas. Alguns blogueiros aceitaram o esquema marqueteiro e não deixaram o assunto transparente para seus leitores. Jornalismo crítico e ético é isso aí! Tribunal Popular O movimento Tribunal Popular iniciou em janeiro o processo de debate e mobilização que vai culminar, até o final de 2011, com a realização de um grande evento nacional denominado Tribunal Popular da Terra. O primeiro debate tratou de “Políticas e Direitos Indígenas”, já que nos últimos anos os povos indígenas foram as principais vítimas da violência no campo, pela não demarcação dos seus territórios e o avanço predatório do agronegócio. Mobilizações já De manifestação em manifestação, está crescendo – em São Paulo – a mobilização contra o aumento das passagens de ônibus, de R$2,70 para R$3,00, que, nos últimos anos, foi bem acima da inflação e dos reajustes salariais. Finalmente os estudantes e os trabalhadores estão saindo da passividade e ganhando as ruas em protestos. É preciso fazer o mesmo em defesa do petróleo e contra a privatização da saúde e da educação. Devastação Depois do festival de horrores promovido pelas chuvas de janeiro em várias regiões do Brasil, especialmente no estado do Rio, só mesmo quem for muito insano pode concordar com o novo Código Florestal que tramita no Congresso Nacional e que reduz as áreas de proteção dos rios e lagos, das encostas e dos topos de morros – como querem os ruralistas e os especuladores imobiliários. De olho nos deputados e senadores! Violência política Cassados em 2008, por acusação de compra de votos em 2002 e 2006, o senador João Capiberibe e a deputada federal Janete Capiberibe, ambos do PSB-AP, foram reeleitos em 2010, mas novamente cassados pelo TSE com base na lei da Ficha Limpa. Acontece que se sabe agora que o processo inicial de compra de votos foi uma farsa, com testemunhos falsos, montado por políticos ligados ao grupo Sarney. A injustiça vai continuar? Salário mínimo O governo fixou o novo salário mínimo em R$540,00, abaixo da inflação medida nos últimos 12 meses. As centrais sindicais querem que o novo mínimo seja de R$580,00, com alguma recomposição do poder aquisitivo perdido nas últimas décadas. Essa é a primeira queda de braço entre o novo governo Dilma Rousseff e as centrais. A decisão final pode sinalizar como será a mobilização dos trabalhadores em 2011.


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Vale mantém monopólio no setor de fertilizantes e ataca trabalhadores ENTREVISTA Diretores do Sindiquímica/PR denunciam assédio moral e práticas antissindicais da Vale Fertilizantes Divulgação

Pedro Carrano de Curitiba (PR) OS TRABALHADORES da planta da antiga Fosfértil/Ultrafértil, em Araucária (PR), e a direção do Sindiquímica, que os representa, estão diante de um fato político novo, em plena data-base, que se prolonga desde 2010. O setor de produção de fertilizantes no Brasil, controlado pelo oligopólio formado pela Bunge, Cargill e Iara, que tornaram o Brasil dependente do insumo desde a privatização do ramo, agora está nas mãos da Vale, por meio da Vale Fertilizantes, desde 2009. Porém, em entrevista ao Brasil de Fato, os dirigentes do sindicato afirmam que não há sinais de que a nova gestão rompa com a dependência, o oligopólio e os preços inflacionados, o que prejudica os pequenos agricultores. Para os dirigentes Paulo Roberto Fier e Otêmio Garcia de Lima, as práticas antissindicais e os riscos no trabalho do período da Bunge continuam. E, logo na primeira campanha salarial, até se intensificam. Brasil de Fato – Como foi o processo de privatização da empresa de fertilizantes?

Otêmio Garcia de Lima – No final do governo Collor, essa planta que era da Petrofértil entrou no processo de desestatização. Na época era a Goiasfértil, Ultrafértil e a Fosfértil, sendo essa última a que arrematou as demais de fertilizantes. Para arrematar a Fosfértil foi construído um consórcio de misturadoras, todas elas de capital nacional, que era a Maná, a IAP, Solo Rico, Cutia e a Takenaka. Eram as principais misturadoras que constituíram esse consórcio chamado Fertifós. Então, esse grupo, Fertifós, detinha a maior parte das ações e controlou a Fosfértil durante todos esses anos até 2009, quando a Vale assumiu e extinguiu o Fertifós. E esse grupo, ao longo do período, por ter maioria de ações, sempre deu as cartas e, ao longo de 1992 para cá, foi modificando a composição do grupo. Bunge, Cargill e Iara foram comprando todas as misturadoras que tinham as ações da Fertifós. As três empresas passaram a dominar a Fertifós. Sendo que a Bunge é que teve ação mais ativa e obteve, em 2006, o controle acionário do grupo Fertifós e, a partir daí, fez a gestão da política da Fosfértil no ramo de fertilizantes. Ela deu um tombo nas outras ‘companheiras’ dela e destituiu todo o conselho de administração e assumiu as onze cadeiras no conselho. Foi gestora de políticas desastrosas para o país, concentrando o setor, não fazendo investimentos, controlando preço, o país ficou refém de três empresas, refém de trazer fertilizantes de fora, foi quando fizemos, em 2008, todo um trabalho de balanço de quinze anos da privatização. As lutas políticas do sindicato na época da privatização repercutiram na categoria?

Paulo Roberto Fier – Em 1993, tivemos o apoio completo dos trabalhadores. Na época foi mobilizada toda a sociedade, todas as escolas públicas de Araucária participaram de passeatas na porta da fábrica, agricultores, lideranças locais, o MST, foi muito bem articulado. Nesse período, compramos essa briga não tão preocupados com o desemprego, lógico, também com ele, mas principalmente pela questão do modelo de sociedade e projeto de país, um país agrícola entregando todo o setor de fertilizantes para a iniciativa privada. Fizemos uma CPI puxada pelo Dr. Rosinha (PT). A iniciativa privada busca só o lucro, então o preço da ureia iria inviabilizar o pequeno agricultor, e foi o que de fato aconteceu.

“A iniciativa privada busca só o lucro, então o preço da ureia iria inviabilizar o pequeno agricultor, e foi o que de fato aconteceu” Em 2008, houve a criação do comitê em defesa dos pequenos agricultores.

Otêmio Garcia de Lima – Pudemos provar, na Assembleia Legislativa (PR), que nesses quinze anos de privatização só ganharam as empresas que compraram, deixaram o país dependente de 70% da importação e o preço da ureia de 154 dólares chegou agora a R$ 1,6 mil. O lucro de 2007 foi de R$ 777 milhões. O faturamento de um ano foi o que eles pagaram por duas empresas. Paulo Roberto Fier – Tivemos dois grandes momentos, esse na Assembleia

Passeata dos trabalhadores na Fosfértil/Ultrafértil, que pertence à Vale

Legislativa e uma versão menor que fizemos em Ponta Grossa [PR]. Tentamos nesse período conciliar também, além da questão institucional, um ato político, ao lado dos sem-terra, para dar maior visibilidade para essas ações. Fechamos em Ponta Grossa a BR-277, criamos o Comitê em Defesa dos Pequenos Agricultores, que foi esse grupo maior que se reuniu e levou essa discussão. Quisemos evidenciar o estrago na sociedade por uma questão política e ideológica. O neoliberalismo na lógica de passar tudo para a iniciativa privada, quais são as consequências para a sociedade?

“Ao contrário da propaganda, ela não explora apenas minério de ferro, ela explora trabalhadores” Como se dá a política da Vale para o ramo de fertilizantes?

Otêmio Garcia de Lima – Ainda que não de forma clara, a ação política da Vale entrar nesse segmento de fertilizantes não se deu só por uma opção de viabilidade financeira. Lógico que é um segmento importante, que dá muito dinheiro no mundo, concentrado em poucas empresas. Mas é um segmento onde houve uma ação determinada para tirar tanto a Bunge, Cargill e a Iara desse grupo de monopólio. A denúncia que fizemos culminou em que o governo tenha entendido o monopólio como prejuízo para o país e, de certa forma, a Vale foi intimada para entrar nesse jogo e quebrar esse monopólio. O monopólio continua. E quais as consequências desse processo?

Otêmio Garcia de Lima – É cedo para analisar. Há três segmentos: o fosfatado, nitrogenado e o potássio. No potássio, o país é mais dependente, só tem uma mina em Sergipe, 90% dos fertilizantes são importados, e não tem muita alternativa a se fazer no país. A questão do fosfato a Vale conhece, tem desde antes parcerias no setor de fertilizantes. Agora a questão do nitrogenado, nós acompanhamos pela imprensa que a Petrobras vai voltar a investir, porque a base dos nitrogenados depende de gás natural, e Petrobras, que tem o monopólio estatal, anunciou duas fábricas grandes, no Mato Grosso do Sul e em Minas Gerais. É uma questão indefinida, o foco da Vale é o fertilizante que usa como base a mineração. Foi criada uma empresa nova, chamada Vale Fertilizantes, com todos os ativos da Fosfértil, que era a parte da Bunge de mineração, a mina em Cajati (SP), então são três grandes: Fosfértil, a Bunge e essa parte de Sergipe do potássio, ela incorporou tudo isso. Criou-se uma nova empresa. Na produção de fertilizantes, o monopólio é da Vale. Em que consistem as denúncias contra a Vale durante a data-base desde o final de 2010?

Paulo Roberto Fier – O assédio moral. As chefias que se usam disso já eram da Bunge, só que está se acentuando nos últimos meses quando começou a nego-

ciação coletiva. Por exemplo, os trabalhadores tiraram em assembleia que, durante a negociação coletiva, enquanto não fechar, eles não vão fazer hora-extra e não vão mais trabalhar. Então, o trabalhador que se recusa está tendo a jornada alterada como retaliação. Isso nunca havia acontecido. Uma outra questão no atual momento é que estamos sem uniforme. Em uma fábrica petroquímica, o uniforme é um Equipamento de Proteção Individual (EPI), ou seja, é obrigatório, não pode entrar sem uniforme lá dentro, devido aos riscos, é de tecido de algodão, tem uma especificação. E atualmente a empresa não tem nem uniforme, nunca havia acontecido. Otêmio Garcia de Lima – Percebemos que eles põem a posição deles, não abrem, não negociam. Temos feito ações, antes do Natal fizemos uma passeata com participação maciça, forçando nova rodada de negociação. É a primeira vez que chegamos em janeiro sem fechar o acordo. O exemplo do Canadá é bastante emblemático. Ao contrário da propaganda, ela não explora apenas minério de ferro, ela explora trabalhadores. Com a Vale, segue a repressão no interior da fábrica e a proibição da entrada do sindicato, fatos que ocorreram na gestão da Bunge?

Paulo Roberto Fier – Um diretor do sindicato, que já foi assediado anteriormente, de onde saiu ação junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT), que acatou e condenou o governo brasileiro. Esse diretor novamente recebeu advertência pela Vale, por motivos de improbidade. Levamos isso para a SRT, delegacia regional do trabalho, fizemos a denúncia que mostra claramente a intenção de a empresa de preparar uma justa causa para esse diretor do sindicato, por ele ter conversado com os trabalhadores, ela criou essa situação. Da época da Bunge, tudo havia sido revertido graças à denúncia na OIT, que condenou e a empresa teve que fazer um Termo de ajustamento de Conduta (TAC), pois a OIT caracterizou prática antissindical. E agora a empresa retoma, via Vale, com atitudes semelhantes.

“No mesmo local de trabalho, havia quatro mecânicos, um de cada empresa, cada um com condição diferente de trabalho, salário, benefícios etc.” A precarização das formas de contrato é crescente?

Paulo Roberto Fier – Depois da privatização, a empresa tentou terceirizar por completo toda a manutenção, laboratório, engenharia e carregamento. Denunciamos no Ministério Público, que entendeu que a terceirização era fraudulenta, porque atingia atividade fim da empresa. O MP entrou com ação civil pública contra a terceirização, da qual resultou um acordo para não ser julgada a ação. A empresa voltou atrás e contratou 40 trabalhadores terceirizados a mais no seu quadro. Estabeleceu critérios para a terceirização. E hoje, nesse movimen-

to de negociação coletiva, a empresa está quebrando o acordo, porque, como os trabalhadores se recusaram a fazer hora-extra, a Vale colocou o ‘terceiro’ [para trabalhar] como forma de quebrar a mobilização dos trabalhadores. Como foram as mobilizações em torno dos trabalhadores terceirizados das obras de ampliação da Repar (Petrobrás), ao lado de outros seis sindicatos (em 2009)?

Paulo Roberto Fier – Nas obras da Petrobras, quatro consórcios tinham dezenas de empresas terceirizadas, essas empresas tinham subempresas, que por sua vez tinham outras empresas. Chegamos assim a níveis de “quarteirização”. No mesmo local de trabalho, havia quatro mecânicos, um de cada empresa, cada um com condição diferente de trabalho, salário, benefícios etc. A CUT procurou uniformizar um acordo só para todo mundo, no local de trabalho, nas mesmas condições e salários. A Petrobras concordou e apoiou esse tipo de ação, mas não no sentido da mobilização, e aí que os sindicatos fizeram a greve. Eram em média 10 a 14 mil trabalhadores, e ali que se costurou um acordo que envolvia os trabalhadores das ‘terceiras’ na Ultrafértil. Por quê? Porque a mesma empreiteira na Petrobras estava na Ultrafértil, então como ela pagaria uma condição para o trabalhador na BR e outra na Ultrafértil, se era a mesma empresa? Foi costurado um acordo que, na prática, estabeleceu uma relação para 80% dos trabalhadores. Muitas empresas não cumpriram o acordado, usando subterfúgios, mas houve um avanço significativo nas condições desses trabalhadores. (Para mais informações sobre o sindicato, acesse http://sindiquimicapr.com.br.)

PARA ENTENDER Petrofértil – Setor da Petrobras que controlava o setor de fertilizantes dentro do país. Das cinco empresas, três foram privatizadas, uma extinta e uma ficou na Petrobras (Nitrofértil). Além dela, a ICC foi extinta; e Fosfértil, Ultrafértil e Goiasfértil foram privatizadas.


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Um modelo perfeito para tragédias ENCHENTES Concentração e especulação de terras potencializam os desastres humanos e ambientais provocados pela chuva Valter Campanato/ABr

Eduardo Sales de Lima da Redação ANOS DE OMISSÃO por parte de governos municipais e estaduais, que ignoraram os impactos ambientais e humanos ao permitirem ocupações irregulares; seja de famílias pobres, de classe média ou ricas. Em parte, isso explica o alto número de mortes em desastres causados pela chuva no Brasil, como no caso do último desastre da região serrana do Rio de Janeiro. Há, entretanto, um fator de fundo, estrutural, político, ideológico, responsável diretamente pelo excesso de mortes e pelo caos urbano nas cidades e que não é citado tanto por governos como pela mídia corporativa: o histórico de concentração de terras e o favorecimento à especulação imobiliária no Brasil, seja no campo ou na cidade. Esse modelo não só influiu no número de mortos; sobretudo, pobres. Estimativas do governo federal, baseadas em dados enviados pelos Estados, revelam que hoje vivem cerca de cinco milhões de pessoas em áreas de risco no Brasil, em 300 áreas sujeitas a inundações e 500 com risco de deslizamento. Vejamos o triste exemplo do Rio de Janeiro. “A região serrana do Rio cresceu pela presença de indústrias de médio porte, pelo turismo e sobretudo pelo fato de ser a região de descanso e lazer da elite carioca. É uma região marcada por uma enorme concentração de terra, com fazendas gigantescas pertencentes a uma população cujo poder aquisitivo permitiu a ocupação das melhores áreas e a melhoria delas, inclusive se protegendo da natureza, moldando-a”, explica o especialista em sociologia urbana, Tiaraju Pablo D’Andrea.

Área atingida pelas chuva, no município de Nova Friburgo, região serrana fluminense

“O fato de casas de ricos terem sido atingidas é justamente a exceção que confirma a regra: foram atingidas porque o nível pluviométrico foi muito maior que o esperado” À população mais pobre daquela região, segundo ele, restou o assentamento em áreas de risco e irregulares do ponto de vista jurídico. “O fato de casas de ricos terem sido atingidas é justamente a exceção que confirma a regra: foram atingidas porque o nível pluviométrico foi muito maior que o esperado. No entanto, na grande maioria, os atingidos foram pobres que habitavam áreas de risco, que neste caso é um fato mais relevante do que o fato de serem irregulares”, destaca o sociólogo. A tragédia da região ser-

rana do Rio de Janeiro contabiliza mais de 700 mortos, sendo que existem ainda mais de 300 desaparecidos. Como afirma a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Ermínia Maricato, em recente artigo, “reorientar o processo de urbanização no Brasil implica contrariar interesses poderosos que dirigem o atual modelo que exclui grande parte da população da cidade formal”. Segundo Maricato, a falta de controle sobre o uso e ocupação adequada do solo e a lógica da especulação imobiliária são as principais causas dessas tragédias.“Controlar a ocupação da terra quando esta é a mola central e monopólio de um mercado socialmente excludente (restrito para poucos, apesar da ampliação recente promovida pelos programas do governo federal) viciado em ganhos especulativos desenfreados é inviável”, pondera em seu artigo. É por isso que os trabalhadores migrantes e seus descendentes “não encontram alternativa de assentamento urbano senão por meio da ocupação ilegal da terra e construção precária”, segundo argumenta Maricato.

Assentamento Mas, e agora? Para onde irão as famílias que tiveram suas casas perdidas por causa do alagamento? Segundo Tiaraju, no caso da região serrana do Rio de Janeiro, os regularizados, certamente os mais abastados, manterão suas propriedades, possuindo recursos para recuperá-las ou pressionando o Estado a fazê-lo por uma série de mecanismos. “Quanto aos pobres irregulares, restará ficarem nessas áreas, até que novas tragédias aconteçam, ou haverá uma intervenção massiva do Estado para resolver o problema e assentá-las em soluções paliativas ou recorrendo às formas tradicionais de produção e venda de moradia popular, com todos os problemas decorrentes desse tipo de solução”, afirma. Fato é que, sempre que possível, as soluções estruturais ficam veladas por meio do que Tiaraju denomina de entrave “tautológico”. “A chamada opinião pública (mídia corporativa) se detém na análise rasa e factual; as causas reais das tragédias não são discutidas de fato; não há força/vontade política para mudar o

quadro; as tragédias voltam a ocorrer; a opinião pública se detém na análise rasa e factual...”, descreve. Esse ciclo que, segundo ele, induz à não resolução real do problema, trabalha uma comoção que apenas reforça a possibilidade de outras tragédias acontecerem. “Logo, dificilmente haverá uma intervenção nessas causas, que nesse caso é a concentração de terra nas mãos de poucos e as regras do mercado imobiliário que impedem o acesso dos mais pobres”, elucida. Questionado sobre uma solução imediata em relação a maior parte das famílias atingidas, Tiaraju entra com uma receita simples.“A verdadeira solução seria reforma agrária, parcelando os latifúndios da elite que reside na região para o assentamento da população que hoje não tem acesso à cidade nem à moradia digna”, conclui.

Para entender Tautológico – Relativo à repetição inútil da mesma ideia em termos diferentes.

Chuvas concentradas em áreas devastadas Wilson Dias/ABr

Mudanças climáticas colaboraram para chuvas extremas no sudeste

Fator Amazônia da Redação

da Redação Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as últimas seis décadas testemunharam o aumento gradativo da intensidade das águas. O órgão indica que as chuvas acima de 50 mm por dia, raras até a metade do século passado, atualmente ocorrem com mais frequência em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No dia de maior temporal em Nova Friburgo, foram 182,8 mm. Devido às mudanças climáticas, agora, os eventos como as chuvas, por exemplo, são mais extremos e intensos. O engenheiro florestal Luiz Zarref, membro da Via Campesina, elucida que na região da Mata Atlântica sempre chove cerca de dois mil mm. “Acontece que, o que choveria em cinco, seis dias, chove em um dia; o que choveria em um mês, chove em uma semana”, explica.

Estragos causados pela enxurrada no rio Santo Antônio, no Buraco do Sapo, em Itaipava, região serrana do Rio

“A serra bloqueia uma parte da quantidade de água que vem do oceano e cai naquela região; se fosse plana, cairia continente adentro”

compreender a frequência de chuvas. “A serra bloqueia uma parte da quantidade de água que vem do oceano e cai naquela região; se fosse plana, cairia continente adentro”, explica. A outra característica é a própria vegetação da Mata Atlântica, que produz a chamada “evapotranspiração”, que ocorre quando a atmosfera “puxa muita umidade do solo (por meio da evaporização), ao mesmo tempo que recebe a transpiração da floresta, por causa do clima mais quente”, afirma.

Zarref lembra ainda que a característica topográfica da região serrana do estado do Rio de Janeiro é fundamental para

Desproteção A consequência do excesso de chuvas fica pior justamente quando não há proteção florestal. Dados do Inpe e da ONG SOS Mata Atlântica, na última década,

mostram que municípios como Petrópolis e Teresópolis já perderam 70% de sua cobertura florestal de Mata Atlântica; e São João do Vale do Rio Preto teve quase 80% desmatados. “Quando cai uma quantidade de chuva maior num período menor e não se tem uma camada de floresta próxima da cabeceira dos rios, essa água rapidamente se transforma em tromba d’água”, explica. Dessa forma, a água não se infiltra no solo e escorre diretamente para os rios. Segundo Zarref, é como se imaginar uma calha. “Diferente de um planalto ou planície, onde haverá uma área para a chuva não correr tanto, na região serrana, a mínima devastação reflete diretamente no aumento da caudalosidade dos rios”, afirma Zarref. (ESL)

Também se tem dito, no meio acadêmico, que poderia haver uma correlação entre as mudanças no regime de chuvas do Bioma Amazônico (provocada pelo crescimento do monocultura e da pecuária floresta adentro) com as chuvas torrenciais no sudeste. Para o engenheiro florestal Luiz Zarref, membro da Via Campesina, entretanto, a única correlação comprovada até agora com o excesso de chuvas localizadas é o próprio aquecimento global. “O desmatamento da Amazônia tem mais importância com relação a secas do Rio Grande do Sul, por exemplo, do que com a intensidade de chuvas. Isso porque a Amazônia cria uma quantidade de vapor que é levado pelos ventos até ‘baterem’ nos Andes. E, dos Andes, eles descem para a região sul”, explica. Por isso, segundo ele, boa parte das chuvas que caem na região sul depende da Amazônia. Zarref cita outro exemplo da relação entre a Amazônia e a região sul do país. “Ouvi relatos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul de que estava tudo enfumaçado, e não houve grandes queimadas nessas regiões, ou seja, é bem provável que isso tenha ocorrido porque a fumaça que estava no arco de fogo no Mato Grosso, Pará, Amazonas, pegava essa corrente de ventos, chegava nos Andes, e vinham até a região sul”, elucida. (ESL)


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“Me derrotar também é derrotar o Lula” José Cruz/ABr

ENTREVISTA Para Cesare Battisti, interesses políticos superdimensionaram seu caso

Santa Marta, Tabajara e Cantagalo. No Cantagalo, Pavão, Pavãozinho, tudo isso aí. Virei o escrivão dos morros. E eu sempre trabalhei com isso. Na França eu tinha permissão do Ministério da Polícia e do Ministério do Interior para fazer oficinas de redação. Para mim foi natural e todas as viaturas da PM me conheciam, porque em todo morro do Rio tem uma viatura lá embaixo. “Aí vai o gringo”, falavam. Subia o morro para poder me sentir vivo.

Maria Mello e Vinicius Mansur de Brasília (DF)

Mas quando o senhor chegou, de quem recebeu apoio?

EM ENTREVISTA exclusiva, o refugiado italiano Cesare Battisti, preso no Brasil desde março de 2007, ressalta que seu julgamento fugiu da esfera jurídica depois que virou moeda de troca da política internacional e munição para atacar o governo federal, a ponto de colocar em xeque a soberania nacional e as competências da Presidência da República. Politização às escondidas, demonização midiatizada. A seguir, Battisti relata os impactos do sensacionalismo e da descontextualização dos fatos. Parlamentares prestam solidariedade a Cesare Battisti na Penitenciária da Papuda em 2009

Brasil de Fato – Como é sua relação com os demais presos?

Cesare Battisti – A ala onde estou é especial, para ex-policiais; mas tem também gente com curso superior, que são uns 10%. Tenho relações com todo mundo tranquilamente. A cadeia é um micromundo, se reproduzem as mesmas relações que existem na rua. Tem pessoa de todo tipo, você se relaciona mais com umas, menos com outras. Felizmente não tem problema de violência e não é muito bagunçado como outros pavilhões, que são um inferno, como o local onde me colocaram na cadeia da Polícia Federal, em que fiquei um ano e quatro meses, e também em Cascavel [PR], onde estive alguns dias. Todo mundo lhe conhece na prisão?

Claro. Todo mundo sabe. Quando tem visita, parentes de presos ficam surpreendidos, porque a mídia fala que eu sou terrorista, assassino. O psicólogo de um preso já perguntou: “E esse Cesare Battisti, onde está?”. E o preso disse, “está aí conosco”. E ele respondeu: “Sério? Está aí? E não está acorrentado? Como?”. Como o senhor tem visto a repercussão do seu caso na Itália e no Brasil?

É difícil falar disso, essa é a razão pela qual fiquei traumatizado e precisei de um psiquiatra. Só de ver alguma coisa que não tem muito diretamente a ver comigo eu já fico... meu coração dispara, já não me controlo, fico em um estado semiconsciente. Ontem, por exemplo, passou no SBT uma informação do Berlusconi com suas prostitutas. Só com o anúncio da notícia “Itália”, eu fiquei assim [trêmulo]. Fabricaram um monstro que não tem nada a ver comigo.

“‘E esse Cesare Battisti, onde está?’. E o preso disse, ‘está aí conosco’. E ele respondeu: ‘Sério? Está aí? E não está acorrentado? Como?’”

O senhor acha que se consumada a não extradição, a Itália retaliará o Brasil?

A Itália nunca teve força para estar entre os países mais ricos do mundo. Já teve por causa da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte] e da máfia que enche os cofres dos bancos do mundo. A Itália sempre foi um blefe. É a Itália quem precisa do Brasil. O que a mídia passa é muita mentira. Na Itália tem muita gente que me defende. Se eu for para lá, vai ter bagunça e o Berlusconi sabe disso. Qual seu sentimento hoje pela Itália?

Já não é meu país. Eu me formei como cidadão do mundo. Quando abandonei a Itália, eu ainda era muito jovem. Então, para mim, essa coisa da pátria não cola. Não cheguei a isso intelectualmente, como anarcocomunista. Foi pela vida mesmo, pela maneira como eu vivi, por escolha e por obrigação também. Para mim, essa coisa da pátria não tem sentido. Perdeu sentido, digamos.

Quem são seus inimigos na Itália?

Meus inimigos são os que querem esconder os anos de chumbo. A mídia faz de tudo para apagar o contexto histórico. Governo e oposição são os mesmos dos anos de chumbo: democracia cristã e PCI, Partido Comunista Italiano. O PCI era partido mais stalinista, mas que não podia controlar o poder. Eles foram os mais cruéis para nós. Torturadores. E hoje eles seriam a oposição ao Berlusconi. Mas não existe oposição, o PCI não tem nenhum programa político. Quando Berlusconi, que sabemos quem é, fala que a oposição quer ganhar as eleições com um golpe do Judiciário, está falando a verdade. Como já aconteceu uma vez. Eles chegaram uma vez, entre dois mandatos do Berlusconi, com um golpe. Porque o Judiciário era controlado pelo PCI, o PCI controlava os magistrados italianos. Nos anos de chumbo, os melhores magistrados eram do PCI e continuaram sendo, alguns de-

les são candidatos. Na ditadura eles organizavam e assistiam sessões de tortura. Torturavam o movimento revolucionário, desde as Brigadas Vermelhas até a autonomia, os PAC. Um deles era Armando Spataro, que não era filiado, mas tem relações com o PCI. Ele era o torturador de Milão. Na Anistia Internacional, tem documentação sobre isso. E ele é o procurador que hoje me persegue. Ele é o procurador geral de Milão e ainda é o procurador europeu-italiano de terrorismo. E qual é o seu vínculo com o Brasil?

Se existe um recanto de patriotismo, ele seria o Brasil. Pode parecer um pouco oportunista isso, mas cheguei aqui, não conhecia ninguém e se criou um movimento a meu favor. Isto acalenta muito o coração.

“Imagina se essa decisão tomada pelo Judiciário brasileiro acontecesse em outro país, como na França, por exemplo? Seria um absurdo, impensável” Quem o senhor procurou quando chegou?

Quando cheguei já tinha minha foto por todos os lados. Sabia que estava sendo monitorado; então não tomei nenhum contato com os italianos refugiados aqui, nem com nenhum movimento. Tentava preservar a eles e a mim. Mas como eu não posso ficar longe de problemas, subia os morros todos os dias. Sentava no boteco, tomava uma cervejinha e a dona do boteco tinha um filho preso. Ela era analfabeta e me pedia para ler as cartas do filho e também responder. E assim, eu estava aí em três morros, tinha contato excelente com todo mundo.

LINHA DO TEMPO Nasce em dezembro de 1954 em Sarmoneta, Itália.

Qual é o interesse nisso? Perseguem-me porque sou escritor, tenho imagem pública. Se eu não fosse isso, seria mais um, como vários italianos que saíram do país pelo mesmo motivo. Sou perseguido pelo Estado italiano e pelo Judiciário brasileiro. Essa perseguição não é gratuita. Não se desrespeitaria por nada uma decisão do presidente da República. Não existe um país no mundo onde a extradição não é decidida pelo chefe do Executivo. Imagina se essa decisão tomada pelo Judiciário brasileiro acontecesse em outro país, como na França, por exemplo? Seria um absurdo, impensável. E quando eu virei um caso internacional, virei uma moeda de troca para muitas coisas. Se o Lula desse esta decisão antes, iam em cima dele, porque me derrotar também é derrotar o Lula. Agora o objetivo principal da direita brasileira, nesse caso, é afetar o governo Dilma. Como o senhor recebeu a decisão do Lula?

Foi ato de coragem. Por ser chefe de Estado do tamanho do Lula, com a responsabilidade que tem, envolvido na geopolítica. Claro que a escolha do momento não foi por acaso. O caso Battisti foi usado com outras razões políticas.

Sua extradição abriria quais precedentes?

Mudaria a história, porque até hoje os italianos nunca foram extraditados. Então prejudicaria muito. E não só italianos.

Quais morros?

Após iniciar sua militância na Juventude Comunista, passa a ter contato com a “Autonomia Operária”, em meados de 1970, em Milão. Aos 22 anos, integra o grupo marxista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), formado em 1976. Em junho de 1979, é preso em meio a uma onda de repressão violenta a todos os militantes de esquerda do país, em decorrência do assassinato da principal liderança da Democracia Cristã italiana, Aldo Moro. Em seguida, assina carta rompendo com a luta armada. Acusado por formação de quadrilha, subversão e posse de armas, recebe condenação de 12 anos e dez meses de prisão. Em outubro de 1981, foge com a ajuda de outros militantes do PAC. Depois de atravessar os Alpes a pé, chega à França. Muda-se para o México em 1982, onde inicia carreira de escritor de romances policiais. Nesse período, seu processo na Itália é reaberto. Sem provas novas ou testemunhas, é condenado à prisão perpétua por participação em quatro homicídios ocorridos na Itália entre 1977 e 1979. Todas as acusações foram baseadas na palavra de Pietro Mutti, ex-companheiro dos PAC que se tornou um “arrependido”. Em 1990, sob a proteção da “Doutrina Mitterrand”, volta para Paris, passando a viver de sua literatura e do salário de porteiro do prédio onde viveu até fevereiro de 2004. Em junho de 2004, a pedido do governo italiano, o Tribunal de Apelação de Paris autoriza sua extradição às autoridades da Itália. Battisti foge para o Brasil. É preso no Rio de Janeiro em março de 2007, em uma operação conjunta das polícias brasileira e francesa. Em 2009, o então ministro Tarso Genro (Justiça) concede refúgio político ao ativista. Em novembro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) anula a decisão, mas determina que a palavra final caberia ao ex-presidente Lula. No último dia de seu mandato, 31 de dezembro de 2010, Lula nega a extradição. Em seguida, a defesa do italiano entra com o pedido de liberdade. O presidente do STF, Cezar Peluso, nega a petição e determina que todos os pedidos relativos ao processo sejam encaminhados para o relator Gilmar Mendes, que deverá levar o assunto ao plenário do tribunal no início de fevereiro.

De muita gente, do PT e até do PSDB. Quando eu fui preso, o Fernando Gabeira chegou com alguns deputados do PSDB. Claro, eles não sabiam muito bem o que estava acontecendo e logo se afastaram, inclusive o Gabeira. Ele me recebeu no Brasil, me ajudou, mas não como um sujeito político pensante. Recebeume como um detido dos anos de 1970, que achava que não iria representar perigo para ninguém, porque já tinha italianos aqui nessa condição. Quando ele se deu conta de quem era eu, ou melhor, do que a mídia fez de mim, ele tomou distância.

“A Itália sempre foi um blefe. É a Itália quem precisa do Brasil. O que a mídia passa é muita mentira” Como o senhor se define politicamente?

Sou anarcocomunista desde sempre, por considerar leninismo acabado. Mas sou do anarquismo organizado, um anarcomarxista, porque existe um outro núcleo forte do anarquismo que é individualista.

E como vê o socialismo no mundo hoje?

Acredito que estamos criando condições para o socialismo. A socialdemocracia no norte da Europa, com políticas de bem estar social, avançou. Mas está caindo porque o bloco liderado pelos Estados Unidos, de liberalismo selvagem, que não tem custo com seguridade social, é uma concorrência muito difícil, cruel. A Venezuela está fazendo o melhor que pode. Não avançou mais porque o país não permitia. Era quase feudal. Não se pode achar que trocando de presidente o país vai mudar do dia para a noite. E Cuba, se não fosse o embargo, poderia ser a melhor democracia do mundo.

Qual é a sua avaliação sobre a luta armada?

O Estado nos empurrou para a luta armada, porque só assim poderia derrotar o fortíssimo movimento cultural que havia. O movimento revolucionário italiano chegou a ter mais de um milhão de pessoas. Mas caímos na armadilha e acabamos fazendo o jogo do poder. Eu não posso dizer que a luta armada não é viável no mundo inteiro, mas no mundo que eu conheço não é mais. Acho que a revolução é eliminar as classes, mas não passa pelas armas, mas sim pela cultura e educação.

“Eu não posso dizer que a luta armada não é viável no mundo inteiro, mas no mundo que eu conheço não é mais” Saindo da prisão, o que pretende fazer?

Não sei fazer outra coisa além de escrever e trabalhar com coletividades. Pretendo fazer um trabalho social a partir da escrita. Talvez não tenha o direito de fazer política, mas vou fazer cultura. A fronteira aí é tênue, mas como eu gosto de discutir, tudo bem.

O senhor vê riscos se solto?

Há abaixo-assinados de agentes carcerários contra mim; é preocupante. Se acontecer algo comigo, Berlusconi terá de prestar contas.

QUEM É Cesare Battisti, de 56 anos, é escritor italiano e ex-integrante da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), que optou pela luta armada na década de 1970. Foi condenado à prisão perpétua por participação, direta e indiretamente, em quatro assassinatos ocorridos naquela época. Fugiu para o Brasil em 2004, onde foi preso em 2007. Está no presídio da Papuda, em Brasília, aguardando a definição sobre seu pedido de extradição por parte da Itália.


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cultura

Olhar em defesa do

Velho Chico

LIVRO João Zinclar retratou em imagens, nos últimos cinco anos, a resistência à transposição e ao capital no rio São Francisco Michelle Amaral da Redação ENTRE 2005 E 2010, o fotógrafo João Zinclar percorreu as margens do rio São Francisco em oito estados e registrou a cultura do povo ribeirinho e sua luta em defesa do rio. Uma retrospectiva deste trabalho está reunida no livro O rio São Francisco e as águas no sertão, lançado no final do ano passado, Algumas dessas imagens podem ser vistas nesta página. Na entrevista a seguir, Zinclar conta que a ideia de realizar o ensaio surgiu com a intensificação das discussões e mobilizações contrárias à decisão do governo federal de realizar a transposição das águas do rio. “Senti necessidade e vontade política de contribuir nesse debate através da fotografia, nesse cenário de conflitos em torno do uso e controle das águas do Velho Chico”, conta. O fotógrafo afirma que, apesar do início das obras, o conflito em torno do projeto da transposição continua. “É uma questão mal resolvida e que pode ter desdobramentos futuros”, explica. Nesse sentido, ele acredita que o livro possa contribuir no debate e luta em defesa do rio. Brasil de Fato – Como nasceu a idéia de produção do livro fotográfico?

João Zinclar – Esse livro é a conclusão de um ensaio que vem sendo realizado desde 2005 no rio São Francisco e no sertão nordestino. É uma obra coletiva, pois contou com a valiosa contribuição de várias pessoas amigas, que escreveram textos que enriqueceram a publicação. A ideia de fotografar essa pauta surgiu com a intensificação das mobilizações contrárias à transposição do São Francisco. Senti necessidade e vontade política de contribuir nesse debate através da fotografia, nesse cenário de conflitos em torno do uso e controle das águas do velho Chico. Antes de virar livro, essas fotos já foram expostas em vários lugares, serviram para estimular debates e ilustrar varias reportagens sobre a transposição, principalmente as realizadas pelo Brasil de Fato ao longo desses cinco anos.

“Conhecer melhor aquele povo, suas aspirações, sua cultura e suas lutas foi uma experiência rica em fundamentos” Você poderia falar da experiência vivida no período em que percorreu o rio São Francisco?

Conhecer melhor aquele povo, suas aspirações, sua cultura e suas lutas foi uma experiência rica em fundamentos. O contato e a interação nas beiradas do rio São Francisco com os povos tradicionais, indígenas, quilombolas, pescadores ribeirinhos, sem-terra, pequenos agricultores, vazanteiros, em sua lutas por terra e água, fizeram ampliar meu entendimento sobre a luta de classes no Brasil. À sua maneira, esse povo contribui na linha de frente no conflito com o capital, resistindo e procurando construir alternativas à nova fase do avanço do agronegócio no campo e do capitalismo no Brasil.

Quais dificuldades você enfrentou no período de produção da obra?

Fui assaltado na estrada em Cabrobó [PE], juntamente com o jornalista e amigo Flaldemir Sant’ana. Sofri ameaças de morte fotografando carvoarias em Buritirama (BA). Tirando esses fatos indesejáveis, na verdade, não encontrei muita dificuldade, pois contei com apoios logísticos importantes de sindicatos de trabalhadores e pessoas amigas de Campinas (SP), cidade onde moro, e principalmente com a receptividade política, o desprendimento e a solidariedade ativa do povo lutador da bacia hidrográfica do Rio São Francisco e do sertão nordestino. Veio deste povo e de suas organizações políticas, sociais e pastorais, todo apoio necessário com transporte, alimentação e hospedagem, contatos e informações valiosas que ajudaram a compreender realidades pelos caminhos do velho Chico. Sem essa solidariedade seria impossível percorrer diversas vezes, os mais de dez mil quilômetros rodados em oito estados (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará) desde 2005.

O livro pode ser adquirido na Editora Expressão Popular (www.expressao popular.com.br)


américa latina

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Evo Morales perde batalha contra os movimentos sociais bolivianos ‘GASOLINAZO’ Para especialistas, levante contra o aumento dos combustíveis reflete distanciamento entre movimentos e governo Emerson Alecrim

Renato Godoy de Toledo da Redação O PRESIDENTE boliviano Evo Morales enfrentou o maior protesto de movimentos sociais desde o início de seu governo em 2006. Nos últimos dias de 2010, os movimentos sociais, que sempre foram a maior base de apoio de seu governo, protestaram contra um decreto presidencial (de número 478) de 26 de dezembro que autorizava a elevação do preço da gasolina (em 83%) e do diesel (em 72%). Segundo o governo, a medida visava equiparar o mercado boliviano às condições impostas internacionalmente e estancar a sangria ocasionada pelo contrabando de combustível que, de acordo com dados oficiais, representava 150 milhões de dólares anuais. Mas os movimentos sociais não ficaram convencidos por essa argumentação e foram às ruas em protestos intensos. Conseguiram fazer com que o governo recuasse e revogasse o decreto 478 no dia 31 de dezembro. Os protestos foram engrossados ainda por setores não contemplados por um aumento salarial de 20% anunciado por Morales no dia 29 de dezembro. A medida beneficiou apenas quatro setores da sociedade: magistrados, trabalhadores da saúde, policiais e militares. O epicentro dos protestos se deu na cidade de El Alto, onde Evo sempre gozou de ampla margem de apoio, tendo mais de 80% dos votos na última eleição em 2009. Apesar de ser uma manifestação de descontentamento baseada em demandas reais dos mais pobres, é certo que parte da oposição de direita e as oligarquias de Santa Cruz de La Sierra tiraram proveito da medida impopular. Para os movimentos sociais que se opuseram ao chamado “gasolinazo”, a justificativa de que a Bolívia precisa se adequar aos padrões de preço internacional do combustível pode até ser pertinente, mas não para um governo de esquerda comprometido com as transformações sociais. Os movimentos avaliam que a necessidade de “competitividade” e “inserção no mercado” são agendas do neoliberalismo e não da pátria plurinacional comandada por Evo Morales. Evo e os movimentos

Na opinião de Juan Carlos Balderas, do Grito dos Excluídos da Bolívia e do Centro de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento Local (Ceadel), ao sancionar o aumento da gasolina, Evo Morales tomou uma medida que nem mesmo os governos anteriores, neoliberais, tinham ousado tomar. E, pior, o aumento dos combustíveis seria uma forma de os pobres pagarem os erros dos neoliberais. Balderas também aponta que a medida visava a favorecer os interesses de transnacionais petrolíferas e questiona o porquê de o governo não cortar a subvenção a outras empresas, como a Petrobras, e deixar de pagar dívidas à Argentina e ao Chile. Mesmo alcançando o seu objetivo de barrar o aumento, os movimentos não tiveram um grande ganho, segundo Balderas, pois permaneceram na mesma situação. O mesmo não pode ser dito em relação ao governo.

“O governo agiu sem planejamento e até com ausência de clareza. Pôs em ação uma prática neoliberal com um discurso de esquerda, de mudança, que não encontra base na realidade” “Os movimentos não saíram fortalecidos, porque ninguém ganhou nada de concreto. Mas o grande perdedor, lamentavelmente, foi o governo. O governo agiu sem planejamento e até com ausência de clareza. Pôs em ação uma prática neoliberal com um discurso de esquerda, de mudança, que não encontra base na realidade. E as transnacionais se aproveitam dessa situação, agindo sobre o desgaste permanente do governo. E esse processo foi condecorado com a crise que agora o governo enfrenta”, analisa. Fica evidente a perda de apoio do governo Evo Morales entre os movimentos sociais. Para Balderas, esse processo

Movimentos realizam protesto em La Paz contra o aumento da gasolina

é acelerado pela despolitização das bases sociais. “Há uma ‘desideologização’ nos movimentos. Muito se fala em ‘Madre Tierra’, mas a luta de classes está ausente do debate e na formação dos movimentos”, opina. Raúl Prada, ex-deputado constituinte do MAS, partido do presidente, afirma que a crise enfrentada por Evo Morales é grave. “O apoio ao presidente diminuiu muito. Foi um impacto muito forte, uma crise muito forte. Creio que a imagem do presidente como líder caiu. Temos agora um homem comum, não aquele carismático do imaginário popular. O apoio dos movimentos a Evo vem diminuindo, pouco a pouco, desde 2006. E, além de distanciamento, agora há um enfrentamento”, aponta

CHILE Emerson Alecrim

Balderas aponta que, apesar do enfraquecimento do governo e da crise política criada após o gasolinazo, não existe uma força de direita capaz de se impor nacionalmente Direita fraca

Por outro lado, as forças conservadoras da Bolívia aproveitaram-se da situação para obter ganhos políticos. Mas não chegaram a liderar os movimentos. O comitê de emergência contra o gasolinazo repudiou a “carona” que alguns setores tentaram pegar junto aos protestos. “Repudiamos as ações oportunistas do Partido Sem Medo (do ex-prefeito de La Paz), dos representantes da oligarquia cruceña e paceña [de Santa Cruz e de La Paz, respectivamente] e do Comitê Cívico de Santa Cruz, que distraem a opinião pública com suas marchas e discursos em defesa dos setores sociais pobres e vilipendiados há mais de 518 anos”, dizia uma nota do comitê. Juan Carlos Balderas vê com naturalidade o proveito que as elites tiraram da situação. “Sempre, na América Latina, as direitas tentam tirar proveito de situações de contradição. Nesse caso, nas mobilizações contra o decreto 478, não foi diferente. Contudo, seria um erro dizer que o movimento contra o decreto foi dirigido pela direita ou por uma força em particular”, aponta. Balderas aponta que, apesar do enfraquecimento do governo e da crise política criada após o gasolinazo, não existe uma força de direita capaz de se impor nacionalmente. “A direita aproveitou bem a situação. Mas não existe hoje na Bolívia um movimento de direita que possa se estruturar nacionalmente e fazer frente ao presidente Evo Morales. E não há uma expressão da direita que possa dirigir qualquer movimento”, diz.

Paralisação em estrada próximo a Magallanes no Chile

Chilenos também protestam contra aumento de combustível Como na Bolívia, manifestações foram bem-sucedidas e arrancaram recuo do governo da Redação O Chile também foi palco de protestos contra aumento do preço de combustíveis no início de 2011. O foco das manifestações foi a cidade de Magallanes, no extremo-sul do país, na Patagônia chilena. A população local revoltou-se contra o reajuste de 17% no preço do gás, muito utilizado na região para aquecer as casas.

Além da diminuição do reajuste, os movimentos que promoveram os bloqueios na Terra do Fogo conseguiram obter mais 15 mil subsídios para famílias pobres da região Os manifestantes fizeram greves e bloquearam estradas, deixaram dois mil turistas isolados na região. Tal como na Bolívia, os protestos chilenos obtiveram êxito. Após se mostrar inicialmente intransigente, o governo do presidente Sebastián Piñera negociou com os manifestantes após as autoridades alertarem para o risco de desabastecimento de produtos básicos em toda a região da Terra do Fogo. O reajuste foi reduzido de 17% para 3%. Além da

diminuição do reajuste, os movimentos que promoveram os bloqueios na Terra do Fogo conseguiram obter mais 15 mil subsídios para famílias pobres da região. Atualmente, o benefício é concedido a três mil famílias. O subsídio governamental aos moradores da região é concedido em função das temperaturas baixas e do solo inapropriado para diversas culturas. Repressão

O governo Piñera lançou mão de um expediente de repressão para conter as manifestações – a maior que ele enfrentou desde que assumiu o governo em 2010. O ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter, ordenou a Lei de Segurança Interna do Estado na região sul do país para inibir as manifestações. Essa lei permite triplicar as sanções contra os detidos e, em casos extremos, as Forças Armadas podem ser autorizadas a intervir para garantir a “manutenção da ordem”. Nas repressões ao protesto, morreram duas mulheres e um menor ficou gravemente ferido, enquanto 33 pessoas foram detidas. As manifestações são avaliadas como o fim da “lua de mel” da opinião pública chilena com o presidente, muito fortalecido após o resgate dos 33 mineiros. Em meio aos protestos, Piñera enfrentou uma crise ministerial, com a renúncia de quatro ministros (Defesa, Transporte, Trabalho e Energia). (RGT)


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américa latina Fotos: Emiliano Sosa

“Com Duvalier, só nos restava a paz do cemitério” HAITI As vítimas denunciam à Promotoria o ex-ditador Baby Doc por torturas e assassinatos Daniel Lozano de Porto Príncipe (Haiti) LILIANE PIERRE-PAUL é várias vezes sobrevivente. A Rádio Kiskeya, a emissora que dirige, balançou durante o terremoto tanto quanto seu corpo durante as torturas selvagens dos tonton macoutes, os milicianos paramilitares empregados pelos dois ditadores da dinastia Duvalier. Mas ela não delatou seus companheiros de luta, manteve-se tão firme como seu escritório, que ainda resiste apesar da queda do teto e de uma parede. “Me salvei milagrosamente no dia 12 de janeiro de 2010”, rememora orgulhosa, abrindo a porta para mostrar o que já é um símbolo de resistência em sua emissora. “Igual que com Baby Doc”, acrescenta. Dois milagres, mas não os únicos: “Também sobrevivi aos militares. Y a Lavalas [o partido do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, deposto em 2004]”.

No país dos milagres desesperados, Liliane é exemplo de lutadora da liberdade e pela memória histórica No país dos milagres desesperados, Liliane é exemplo de lutadora da liberdade e pela memória histórica. Jornalista perseguida, como tantos outros, durante a tirania hereditária dos Duvalier, não dava crédito quando a notícia do retorno de Jean Claude, o Baby Doc, chegou à reda-

ção de sua rádio no dia 17 de janeiro. “Tive que pedir cautela a meus jornalistas, parecia inacreditável. Mas, depois, me embarguei de dor. E de raiva”, queixa-se. O caudilho do “regime de terror” estava aterrissando em Porto Príncipe. Lágrimas

Essa mulher, valente e forte como tantas no Haiti, desmancha-se por alguns minutos. As lágrimas afloram enquanto relata as torturas que recebeu quanto foi detida em 1980. Assim, dói menos. “A vitória de Reagan [Ronald Reagan, ex-presidente estadunidense, entre 1981 e 1989] foi celebrada com champanhe no Palácio Presidencial. Os tonton tomaram as ruas para impor o medo, depois de anos de relativa tranquilidade que havia sido a presidência de Jimmy Carter [1977-1981]. Prenderam-me na rádio. Horas mais tarde, também levaram 13 familiares e amigos que me procuravam em casa. Na prisão de Dessalines, tiraram minha roupa na frente de meus torturadores. Fazia muito frio; me bateram. Minhas costas doem deste então”. Liliane respira fundo, se procurando nas recordações. Seu filho, sentado junto a ela, tampouco contém as lágrimas. “Só nos restava a paz do cemitério”. Dói o corpo. E também a alma. A jornalista se declarou em greve de fome. E depois de muita pressão nas ruas e nos EUA, a embarcaram em um avião sem visto. “Sabiam que podiam me mandar de volta, era o que esperavam. E, no meu retorno, queriam-me executar. Mas em Curaçao ameacei cortar meu pulso: ou me exilava, ou me matava”. Assim começou seu exílio na Venezuela (“os serviços secretos me vigiavam, me acusavam de ser comunista”) e no Canadá. Já de volta ao Hai-

Baby Doc “fuzilou, torturou, roubou milhões de dólares e arruinou o meio ambiente” do Haiti

ti, tem vivido intensamente as convulsões do país mais golpeado do planeta: “Baby Doc fuzilou e torturou 30 mil haitianos e enviou centenas de milhares ao exílio. Roubou milhões de dólares, também arruinou nosso meio ambiente. Por tudo isso, sonho com um processo judicial baseado na verdade e não na demagogia. Mas não há justiça no Haiti. Depois de Baby Doc, chegaram os militares e Aristide. E cometeram tantas atrocidades quanto ele. Por isso, não vão condená-lo. Todos são cúmplices. Eu não busco vingança, só quero justiça diante da impunidade”.

Dói o corpo. E também a alma. A jornalista se declarou em greve de fome. E, depois de muita pressão nas ruas e nos EUA, a embarcaram em um avião sem visto Lutas por memória

Para a sorte do Haiti, Liliane não é a única lutadora com memória. Um grupo de perseguidos e sobreviventes, com outra mulher no comando, Michele Montas, apresentou ao Promotor-Geral uma nova demanda contra Duvalier. “O acusamos de detenção ilegal,

exílio, destruição da propriedade privada, tortura física e mental e violação de direitos políticos e civis”, anunciou Montas, mulher de um dos símbolos da luta contra a ditadura, o jornalista Jean Dominique. A esta denúncia, somaram-se Alix Fils-Aime, Nicole Mangloire e Rosiers Claude, torturado e encarcerado por dez anos. Como o atleta Bobby Duvall, que sobreviveu graças a sua fortaleza. “Vi gente morrer na cadeia, perseguida e espancada com bastões de beisebol. Uma situação desumana e inimaginável”, conta. Ou como Evans Paul, ex-prefeito de Porto Príncipe e símbolo da luta contra a ditadura. Sua voz foi a primeira que se levantou quando o mundo contemplava como Baby Doc passeava impune pelas ruas de Porto Príncipe, gritando aos quatro ventos a “história de sangue e roubo” do ditador. É um sonho impossível julgar Duvalier no Haiti? “O melhor seria devolvê-lo à França com um mandado judicial e que seja a Corte Internacional que lhe julgue no exterior”, afirma convicto Patrick Elie, antigo ministro do Interior e outra das vítimas do genocida. “É muito duro para todos nós. Não parece só uma provocação. Ele também está nos intimidando”. (Público) Tradução: Igor Ojeda.

Uma nova desgraça para o Haiti ANÁLISE O rastro deixado pela dinastia Duvalier na empobrecida nação haitiana é muito profundo e triste Manuel E. Yepe A VIAGEM SURPRESA ao Haiti de Jean Claude “Baby Doc” Duvalier, depois de 25 anos de exílio, foi uma notícia agravante das tensões geradas pelo terremoto que deixou milhares de falecidos e centenas de milhares de feridos, pela epidemia de cólera igualmente dura e por outras calamidades naturais e políticas adicionais, que se juntaram a este inesperado retorno do sanguinário exditador, em tempos de tenso desenlace das eleições presidenciais. O rastro deixado pela dinastia Duvalier na empobrecida nação haitiana é muito profundo e triste. François Duvalier (Porto Príncipe, 1907-1971), que se fazia chamar Papa Doc, contando com o apoio do exército, ganhou as eleições presidenciais de 1957, que lhe deram um mandato de seis anos. Sua campanha eleitoral foi de corte populista, levando a cabo uma estratégia pró-negritude que convocava a maioria negra a se opor à elite mulata que estava no poder. Renovou a tradição do vudu e a usou depois para afirmar seu poder identificando-se como hougan (sacerdote), imitando a imagem do Baron Samedi (deus da morte e dos cemitérios no panteão vudu).

Em 1964, François Duvalier titulou-se presidente vitalício, cargo que exerceu despoticamente até sua morte em 1971 Milícia

Depois de sobreviver a um atentado contra sua vida em 1958, Papa Doc depurou o exército e seu governo se tornou brutal e repressivo. Em 1959, inspirado nos camisas negras do fascismo italia-

Menina se banha em meio aos escombros do terremoto: país arrasado também por 29 anos de ditadura dos Duvalier

no, criou uma milícia, a VSN (Voluntários da Segurança Nacional), que passou a ser conhecida como os tonton macoute: uma temida força que não recebia remuneração, mas impunha seus próprios meios de financiamento através do crime e da extorsão. Em 1964, François Duvalier titulou-se presidente vitalício, cargo que exerceu despoticamente até sua morte em 1971. Seu sucessor foi Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier, designado para o cargo por seu pai aos 19 anos (nascido em 1951). Foi o mais jovem chefe de Estado na história republicana da América. Diz-se que, inicialmente, Jean-Claude Duvalier havia resistido à designação, preferindo que sua irmã mais velha, Marie Denise, ocupasse o cargo, e que depois se contentou com que sua mãe desse conta dos assuntos políticos e administrativos da presidência – auxiliada por Luckner Cambronne, ministro do Interior de seu pai – para poder levar uma vida libertina, mais própria de sua idade, interesses e formação. Isso facilitou a influência dos “dinossauros”, ou velhos duvalieristas, e seu controle sobre aspectos do governo. Mas, na medida em que Jean-Claude foi se interessando, utilizou seus pode-

res quase absolutos que lhe dava uma Constituição desenhada por seu pai para fazer algumas reformas, como a libertação de alguns presos políticos e o afrouxamento da forte censura de imprensa existente, atendendo aos conselhos da embaixada dos EUA.

Foram 29 anos de ditadura que fizeram com que o povo haitiano merecesse um respiro democrático que ainda não teve Corrupção

A gestão de Richard Nixon tornou-se cada vez mais tolerante e amistosa para com a política de “respeito” aos direitos humanos sob a gestão “Baby Doc”, embora esta, objetivamente, não tivesse mudado um milímetro em relação a de seu pai. A corrupção no governo crescia tanto quanto a pobreza e a indigência do povo. A cerimônia nupcial que uniu Jean-

Claude Duvalier a sua nova esposa, Michèle Bennett Pasquet, uma mulata divorciada com má reputação, custou três milhões de dólares e isso, unido à transcendência de uma série de negócios fraudulentos de familiares da nova primeira-dama, fez o ditador se distanciar das maiorias negras, principalmente, e dos velhos duvalieristas linha-duras. A chamada cleptocracia dos Duvalier, pai e filho, terminou em 1986. Foram 29 anos de ditadura que fizeram com que o povo haitiano merecesse um respiro democrático que ainda não teve. Jean-Claude Duvalier e sua família se estabeleceram na França para viver luxuosamente. Foram objeto de denúncias e processos que conseguiram arquivar, ainda que as autoridades francesas não lhes tivessem concedido formalmente o asilo político desejado. Dizem que uma boa parte de sua enorme fortuna se perdeu ao se divorciar de Michele em 1993. Em 2006, para promover aspectos positivos da tirania de seu pai e algum apoio político no Haiti e no exílio, criou a Fundação François Duvalier. Ensaios

Em 2004, na ocasião da derrubada de Aristide, Duvalier anunciou sua intenção de voltar ao Haiti e se postular à presidência nas eleições de 2006 pelo Partido da Unidade Nacional, mas nada disso aconteceu. Em setembro de 2007, foi transmitido via rádio no Haiti um discurso de Duvalier em francês (não crioulo) anunciando que o exílio o havia arruinado, mas que a sorte crescente do Partido da Unidade Nacional o havia “revigorado”. Não falou de planos para voltar. Em fevereiro de 2010, uma corte suíça liberou mais de quatro milhões de dólares de uma conta sua que estava bloqueada. O anúncio do eventual regresso à vida pública de um dos mais emblemáticos representantes das ditaduras promovidas pelos EUA ao sul de suas fronteiras, em um passado muito recente, é motivo de grave preocupação em um continente onde ainda consternam o evento golpista de Honduras e as fracassadas tentativas na Venezuela, Equador e Bolívia. (Rebelión) Manuel E. Yepe é jornalista cubano Tradução: Igor Ojeda


áfrica

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Os dias depois da revolução Nasser Nouri

TUNÍSIA Depois da queda do ditador, o povo tunisiano se organiza para trazer de volta a tranquilidade nas ruas e impedir que o levantamento seja “sequestrado” Gladys Martínez López de Madrid (Espanha) NA TARDE DE 14 de janeiro, a Tunísia iniciava “uma nova era”, nas palavras do secretário-geral da Liga Árabe. O ditador que durante 23 anos havia dirigido o país, Zine el-Abidine Ben Ali, havia fugido em seu avião presidencial, derrotado pelos fortes protestos populares que durante um mês foram se incendiando por toda a geografia tunisiana e que acabaram inflamando a capital. Os militares, cujo papel, de momento, está sendo o de manter a ordem e que contam com a simpatia da população por não ter participado em sua repressão, mantêm o controle dos pontos estratégicos, e continua vigente o estado de exceção, que lhes permite o controle da segurança, mas que também põe em suspensão certas liberdades. De momento, continua havendo insegurança nas ruas, embora muitos comércios e o transporte tenham começado a funcionar. “Os cidadãos formaram comitês de vigilância em todos os bairros e cidades e se coordenam com o Exército para fazer frente às milícias” formadas por policiais e jagunços do ditador deposto, que começaram a semear o pânico “para criar uma situação de caos que justificasse o retorno de Ben Ali”, explica ao Diagonal o advogado Mohamed Jmour. Depois da prisão do Chefe de Segurança do ditador, Ali Seriati, responsável por essas milícias, e com a auto-organização popular para defender os bairros, espera-se a progressiva recuperação da calma. Enquanto isso, os acontecimentos se sucedem vertiginosamente no plano político, que ferve como nunca se viu neste país, agora presidido de maneira interina por Fouad al-Mebaza, anterior presidente do parlamento.

“Inquieta-me a presença do partido de Ben Ali [no novo governo], que é corrupto e que se confunde com o Estado” Mal assumiu, o novo governo já viveu sua primeira crise com a saída de três ministros e um secretário de Estado. Os demissionários, uma independente e três membros da central sindical UGTT, ocupavam a Secretaria de Estado de Transporte e os Ministérios de Trabalho e Cultura, além de outro sem pasta. Além disso, o ministro de Saúde suspendeu sua participação. Sua saída do governo se deu por causa da presença de membros do partido oficialista RCD no Executivo, que ocupam, entre outras pastas, os Ministérios-chave das Relações Exteriores, do Interior, da Defesa e das Finanças. Além do partido de Ben Ali e dos três partidos que já eram legais sob o antigo regime, embora estivessem marginalizados na vida política, esse primeiro governo provisório incorporava personalidades independentes.

Polícia tunisiana tenta impedir passagem de manifestantes em frente à sede do RCD, o partido do ditador deposto

san Qassar, professor de Ciências Sociais em uma universidade de Túnis, que afirma que “só deixaram participar os partidos que contaram com o aval dos EUA”, e que “os setores populares que iniciaram a revolução não se sentem representados por eles”. Outros âmbitos da sociedade, críticos ou não, pediam uma oportunidade ao novo Executivo, que deve se encarregar de organizar e convocar eleições legislativas e presidenciais. O governo “de unidade” havia anunciado que suas primeiras medidas de urgência serão a legalização dos partidos não reconhecidos pela gestão de Ben Ali, a anistia geral para todos os presos políticos e a liberdade total da informação. Hoje, o futuro político na Tunísia está carregado de esperança, mas também de medos. “Temo que essa revolução dos pobres seja sequestrada por políticos que vão se aproveitar do sacrifício realizado”, afirma Hassan Qassar. De momento, devemos esperar para ver como a situação política evolui e qual é o papel do povo tunisiano nessa nova etapa. Está em discussão também a criação de uma comissão nacional de reforma política, informa Mohamed Jmour, que acrescenta que “as pessoas exigem também que se julgue o ex-presidente e sua família, que os bens do Estado sejam re-

cuperados e que as comissões de investigação que vão ser estabelecidas para depurar responsabilidades e para investigar a corrupção sejam formadas por pessoas independentes, para que seu trabalho seja transparente e suas conclusões convincentes”.

No plano internacional, diversos países ocidentais aliados de Ben Ali não demoraram em virar a casaca. São os casos de EUA e França Para que se conquiste um processo realmente democrático, Romdhani considera necessário, além das medidas já anunciadas, “uma separação entre o partido de Ben Ali e o Estado, a eliminação da presença militar nas ruas e, sobretudo, a elaboração de uma nova Constituição, que seja democrática, responda às aspirações do povo, dê voz a todos e assegure a laicidade do Estado. Deve-se lutar para que a revolução

não seja roubada e para que desemboque em uma verdadeira democracia e em um desenvolvimento sustentável para a Tunísia”. “Do lado do povo”

No plano internacional, diversos países ocidentais aliados de Ben Ali não demoraram em virar a casaca. São os casos de EUA e França, Estados com grandes interesses estratégicos e econômicos que mantinham excelentes relações com o ditador. A União Europeia (UE) também se posicionou ao lado do povo tunisiano na última hora, embora nos últimos anos, apesar das constantes denúncias dos defensores de direitos humanos, não teve pudores de negociar com o país um estatuto avançado que lhe permitisse consolidar seus interesses comerciais. Mas há dois atores internacionais que não reagiram, pelo menos publicamente, à revolução tunisiana: o FMI e o Banco Mundial, cujas políticas de ajuste estrutural, liberalização e abertura de mercados, aplicadas desde há três décadas na Tunísia – que era qualificada como sua “melhor aluna” na região – estão também na base do profundo descontentamento popular que levou o povo tunisiano a se levantar. (Diagonal) Tradução: Igor Ojeda.

Nasser Nouri

O fim de um tirano Revoltas tiveram início no interior e foram se alastrando por todo o país

O governo de “unidade”

Um dos aspectos que mais provocou indignação foi, precisamente, a presença do RCD no governo. Desde a formação do Executivo, milhares de pessoas se manifestaram, desafiando o estado de exceção, contra essa decisão. “Inquieta-me a presença do partido de Ben Ali, que é corrupto e que se confunde com o Estado”, queixa-se Massoud Romdhani, presidente da Liga Tunisiana de Direitos Humanos em Kairaouan, embora reconheça que em sua associação existam outras posturas.

“Temo que essa revolução dos pobres seja sequestrada por políticos que vão se aproveitar do sacrifício realizado” Deste modo, grande parte da população exige que o RCD, que até agora controlava todos os âmbitos da sociedade, seja separado das instituições do Estado. Por outro lado, esse governo só incluía os partidos da oposição reconhecida por Ben Ali, “que não possuem muita representatividade e que não atuaram muito. E estão ausentes os partidos não reconhecidos e os sindicalistas que fizeram a revolução com os desempregados e os jovens”, critica Romdhani. Uma opinião compartilhada por Has-

de Madrid (Espanha) Em 17 de dezembro, quando Mohamed Bouazizi, um vendedor ambulante de verduras de 26 anos, ateou fogo em si mesmo diante da prefeitura de Sidi Bouzid, uma cidade do interior da Tunísia, depois de a polícia o ter humilhado e requisitado sua mercadoria com a qual ganhava a vida, ninguém podia imaginar que esse ato de desespero provocaria uma reação em cadeia que acabaria antes de um mês com a fuga do ditador que durante 23 anos havia dirigido o país. Mas a paciência da população havia chegado a seu limite. Como pano de fundo, um profundo descontentamento latente com o desemprego endêmico, que afeta 30% dos jovens, a falta de perspectivas de futuro, as desigualdades econômicas e a corrupção dos círculos de poder, mas também com a ausência de liberdades civis e política e de democracia. As manifestações espontâneas que se seguiram ao ato desesperado de Bouazizi, e que começaram nas zonas mais desfavorecidas do interior, foram crescendo em tom e reivindicações. E sua repressão brutal por parte da polícia, que provocou dezenas de mortes, além de um apagão informativo dos meios de poder, não fez mais do que contribuir para a radicalização dos protestos, que tomaram um ca-

A resposta de Ben Ali aos protestos conjugou mudanças no governo com repressão armada

ráter cada vez mais político e que foram se estendendo gradualmente às regiões mais prósperas da costa e da capital. Aos protestos, somaram-se cada vez mais camadas da população, incluindo sindicalistas, advogados, artistas e estudantes. Facebook e Twitter se converteram nos meios de difusão do protesto.

Aos protestos, somaram-se cada vez mais camadas da população, incluindo sindicalistas, advogados, artistas e estudantes Repressão e “concessões”

A resposta de Ben Ali conjugou a repressão armada com mudanças no governo, algumas “concessões” e mais repressão. Destituiu o governador de Sidi Bouzid e os ministros de Informação e do Interior e, em 10 de janeiro, ao mesmo tempo em que qualificava os protes-

tos de “atos terroristas imperdoáveis perpetrados por bandidos com passa-montanhas”, prometeu investir para o desenvolvimento das regiões mais pobres e criar 300 mil postos de trabalho em dois anos, uma afirmação que os tunisianos consideraram uma nova piada. No dia 13, quando tomou consciência de que a situação saía de seu controle, Ben Ali anunciou que não se apresentaria às eleições em 2014, assim como a libertação de todos os detidos nas mobilizações, a criação de uma “comissão de investigação” da corrupção, a liberdade de imprensa e uma “profunda mudança política”, enquanto a polícia continuava matando manifestantes. “É muito tarde”, responderam os tunisianos, que mantiveram a greve convocada na capital Túnis. Centenas de milhares de pessoas se concentraram durante horas diante do Ministério do Interior ao grito de “Ben Ali, vá embora”. Depois de quatro semanas de revoltas e uma centena de mortos, o ditador abandonou o país. (GMF, para o Diagonal) Tradução: Igor Ojeda


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especial

Brasil de Fato,

8 anos de jornalismo popular ANIVERSÁRIO Personalidades saúdam a longevidade do jornal e apontam desafios para os próximos anos João Zinclar

Michelle Amaral da Redação NO DIA 25 DE JANEIRO de 2003, o jornal Brasil de Fato era lançado. O auditório Araújo Viana, em Porto Alegre, estava lotado. Cerca de cinco mil pessoas de diversas nacionalidades saudaram o surgimento do semanal em meio à realização do 3º Fórum Social Mundial. Nascido com a missão de produzir uma visão sobre a política, a economia e a sociedade a partir dos trabalhadores, o Brasil de Fato completa em 2011 o seu 8º aniversário. Este feito, na avaliação daqueles que o acompanham desde o lançamento, é uma vitória a ser comemorada. Milton Viário, metalúrgico da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Rio Grande do Sul, que participou do lançamento, considera a longevidade do jornal um fato inédito. Para ele, o semanário é “uma experiência vitoriosa, por ser um jornal vinculado aos movimentos sociais, portanto, com recursos muito escassos, que conseguiu se manter por oito anos”. A mesma opinião é compartilhada pelo jornalista Daniel Cassol, que fez uma tese de mestrado sobre o Brasil de Fato. Segundo ele, “muitas vezes por divisão da própria esquerda ou dificuldades financeiras, os jornais alternativos fecham”. “No caso do Brasil de Fato, é diferente por esse motivo, por durar bastante tempo. Imagino que seja um dos mais longevos do Brasil na imprensa alternativa”, afirma. O jornal foi lançado com o apoio da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e de movimentos como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Via Campesina, Consulta Popular, Pastorais Sociais e de outras entidades do movimento social internacional. Papel

Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), avalia que, atualmente, o Brasil de Fato é um dos mais importantes jornais da esquerda brasileira. De acordo com o bispo, “o jornal tem feito o esforço para o qual foi criado”, de ser um registro das lutas populares e aglutinar a sociedade, através de reflexões e críticas, em torno de uma linha de mudança. “Um jornal necessário”, define Olívio Dutra, ex-ministro das Cidades, que participou do lançamento do jornal. Em sua

Personalidades, como Aleida Guevara, Sebastião Salgado e Eduardo Galeano participam do lançamento do jornal

avaliação, o semanário torna-se necessário à medida que faz “uma crítica pela esquerda das coisas que precisam ser enfrentadas pelos governos e movimentos sociais”. Nesse sentido, Milton Viário aponta como positivo o fato de o Brasil de Fato, desde seu surgimento, ter conseguido manter uma linha política independente de governos. “O jornal conseguiu manter uma linha política que não foi de oposição ao governo nem de adesão, mas a partir da visão dos movimentos sociais”, resume. Daniel Cassol explica que historicamente os jornais da esquerda acabaram sendo instrumentalizados pela opinião política de determinados partidos e isso acabou resultando na pouca qualidade dos veículos. “Eu acho que o Brasil de Fato tenta superar isto, faz um jornalismo que é claramente vinculado às transformações da sociedade, se abre de uma forma honesta para os leitores e tenta com seu corpo jornalístico e com seus colaboradores fazer matérias de qualidade e relevância jornalísticas”, define o jornalista. Cassol afirma que o semanário tem-se colocado como uma experiência importante e avançada de jornalismo alternativo e que tem que ser potencializado. “O jornalismo por si só é uma forma de conhecimento, de revelação da realidade e precisa ser liberado, precisa receber autonomia”, defende. Renato Stockler

Cerca de 5 mil pessoas foram ao ginásio Araújo Viana no lançamento do Brasil de Fato

O jornalista destaca o esforço do jornal em produzir reportagens sobre a realidade da população e, ao longo de sua história, manter correspondentes pelo Brasil e em países da América Latina. Desafios

Dom Tomás conta que o jornal nasceu em um momento propício de avanço, quando se tinha o crescimento de diversas entidades e a esperança da construção de um projeto popular para o Brasil. No entanto, esse quadro foi pouco a pouco sendo arrefecido e a falta de um projeto mobilizador gerou consequências na cobertura do jornal. Segundo o bispo, o que temos é “uma esquerda que hoje em dia não tem a mesma coesão que tinha quando o jornal começou”. Entretanto, na contramão dessa desmobilização, Dom Tomás salienta que o Brasil de Fato se “consolidou entre nós com uma perspectiva que mantém uma esperança que não está tudo perdida”. Para ele, um desafio que se coloca ao jornal é justamente vencer a desmobilização da sociedade atual, começando por chegar nas camadas mais populares. Daniel Cassol, porém, ressalta que não é apenas necessário que o jornal amplie a sua abrangência no que diz respeito aos seus leitores, mas também nos assuntos que aborda. “O jornal poderia buscar ampliar o seu leque de informações para não ficar somente centrado na pauta imediata dos movimentos sociais, eu acho que isso contribui, inclusive, para o diálogo com camadas da população mais amplas”, afirma. Cassol afirma que a internet se coloca como um novo caminho para se fazer o jornalismo. Para ele, o Brasil de Fato “precisa entrar nesse mundo de uma forma autônoma, sem perder de vista o que é um jornal popular, que precisar ser mais lido e mais conhecido pelos setores mais amplos da população”. Nesse aspecto, o jornal tem concentrado esforços para produzir notícias diárias através de seu site na internet. A Agência Brasil de Fato faz a cobertura jornalística utilizando ferramentas online e amplia sua atuação por meio das redes sociais.

Um jornal tem que ser atual Seguindo seu caminho político, o Brasil de Fato se atualiza para se tornar mais leve, crítico e dinâmico da Redação Ao longo dos seus oito anos, o jornal Brasil de Fato tem procurado corresponder às expectativas políticas que o cercam atualizando seu formato e conteúdo. Com o passar dos anos, o semanário mudou de tamanho e layout, sempre visando facilitar a leitura de seus textos e imagens, sem perder a profundidade de cada tema. A mais recente reforma do Brasil de Fato, introduzida em outubro do ano passado, teve como objetivo torná-lo mais leve e analítico. Hoje, o jornal conta com treze colunistas fixos. Têm seu espaço regular os articulistas: Alípio Freire, jornalista, escritor e artista plástico. Altamiro Borges, jornalista. Anita Leocadia Prestes, professora e historiadora. Beto Almeida, jornalista. Guilherme C. Delgado, economista.

Hamilton Octavio de Souza, professor e jornalista. Igor Fuser, professor e jornalista. João Brant, membro do Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social. Leandro Konder, filósofo, professor e escritor. Luiz Ricardo Leitão, escritor e professor de literatura. Miguel Urbano Rodrigues, escritor e jornalista português. Roberto Malvezzi, músico e assessor da Comissão Pastoral da Terra. Silvio Mieli, professor e jornalista. No visual, o jornal passou a privilegiar fotos maiores e mudou de seis para quatro colunas, com uma coluna branca. As mudanças não diminuíram o tamanho dos textos e, ao mesmo tempo, trouxeram maior leveza para as páginas. Outra inovação foi abertura de espaço para os comentários do leitor, na página 3. Agora, por correio eletrônico

ou carta, é possível manifestar-se sobre o conteúdo do jornal. Coditiano

Complementando as mudanças do jornal, a Agência Brasil de Fato procura dar as respostas imediatas para notícias do cotidiano. Vídeos, fotos, redes sociais e debates são ferramentas usadas para ampliar o contato direto entre os jornalistas da redação e seus leitores. E, ainda, estreitar a distância entre leitores. Um bom exemplo dessa aproximação foi o “Debate dos Presidenciáveis de Esquerda”, organizado pelo Brasil de Fato em outubro de 2010, quando sete mil internautas trocaram impressões sobre os candidatos via Twitter e ao mesmo tempo participaram da dinâmica enviando perguntas. Por tudo isso, o nosso jornal pretende permanecer investindo em inovações com o intuito de fortalecer “Uma visão popular do Brasil e do mundo”. Em 2011, teremos novidades, aguardem!


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