Uma visão popular do Brasil e do mundo
Circulação Nacional Ano 9 • Número 416
R$ 2,80 www.brasildefato.com.br
São Paulo, de 17 a 23 de fevereiro de 2011
Reprodução
Egito
Os novos desafios da revolução Hosni Mubarak, há 30 anos no cargo de presidente do Egito, foi derrubado pelo povo. Um primeiro passo. Agora, a nova etapa da revolução coloca como horizonte a ampliação de conquistas econômicas e sociais e a consolidação da democracia. No caminho do povo, contudo, permanecem fortes os setores conservadores, que apostam na desmobilização. Págs. 2 e 9
Fórum Social Mundial
As novas lutas globais Pág. 10 Corte de R$ 50 bi
A tesoura afiada do governo Dilma Pág. 6
ISSN 1978-5134
Leandro Konder
João Brant
Igor Fuser
Sade e Berlusconi
Em nome de Deus?
Novos Egitos virão
A glória do Marquês de Sade deriva de sua capacidade de gerar escândalos. Até que ponto o aristocrata fustigava a burguesia e agitava o Estado na Europa? Pág. 3
Ligar a televisão no horário nobre e ver um líder religioso utilizando o espaço para pregar e buscar fiéis é algo que parece fora do lugar. E é. Pág. 3
O panorama internacional apresenta quatro tendências importantes: a queda da influência dos EUA, persistência da crise econômica, carestia e ascenso das mobilizações. Pág. 3
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de 17 a 23 de fevereiro de 2011
editorial
As revoluções reaparecem no século 21 A VELHA TOUPEIRA segue ativa e as revoluções reaparecem no século 21, novamente causando surpresas pela energia que liberam e pela força do exemplo que não respeita fronteira. Retomam como um processo, onde cada vitória amplia os horizontes e coloca problemas mais complexos aos seus protagonistas. É cedo para prever os desdobramentos dos processos revolucionários desencadeados na Tunísia e no Egito, mas algumas conclusões já podem ser feitas. A primeira é a dimensão do impacto causado pela multidão determinada a derrubar um governo, despertando a solidariedade mundial, avançando aceleradamente na auto-organização independente, produzindo diariamente novas lideranças. Só o processo das experiências históricas dos próximos meses dirá quais perspectivas se abrirão. Mas já não restam dúvidas: estamos diante de revoluções populares. Situação revolucionária
Os clássicos ensinam que uma situação revolucionária se constitui quando os de cima não podem dominar como antes e os de baixo já não querem ser dominados como antes. Foi o que assistimos nos últimos dias. A multidão reunida na praça Tahrir (ou Libertação) no centro do Cairo fortalecia sua autoestima a cada dia. As ordens policiais para acabar com a ocupação da praça eram impotentes. O decreto de toque de recolher apenas ampliou a mobilização. Em pouco tempo as manifestações se espalharam nas grandes cidades como Alexandria, Suez, Port Said, se estendendo a todos os cantos do país. Nos últimos dias que antecederam a queda de Mubarak, o movimento operário entrou em cena e a explosão de greves alterou a cor-
opinião
relação de forças. Trabalhadores do canal de Suez, da saúde, dos transportes e telecomunicações do Cairo entraram em greve, paralisando a nação. Toda essa força social acarretou divisões nas fileiras do Exército. A confraternização popular foi decisiva para soldados rasos e a oficialidade média descumprirem ordens de repressão. Como narrou Robert Fisk: “Os soldados que conduzem os tanques, em uniforme de combate, sorridentes e às vezes aplaudindo os passantes não fizeram qualquer esforço para apagar das laterais dos tanques os grafites ali pintados com tinta spray. ‘Fora Mubarak! Caia fora, Mubarak!’ e ‘Mubarak, seu governo acabou’ aparecem grafitados em praticamente todos os tanques que se veem pelas ruas do Cairo”. Porém, existe ainda um terceiro elemento para caracterizar uma situação revolucionária: o súbito agravamento das condições de vida das massas. O Egito encerrou 2010 com desemprego a 20%. Em 2007, o mesmo número era de 10,1%. Já a inflação chegou a 11,9 % em 2010, enquanto em 2007 estava em 6,5%. Mais uma vez, foi porque se sentiram ameaçadas ao verem suas condições materiais de existência se deteriorarem ainda mais que as grandes multidões se levantaram no Egito. Não se trata do agravamento contínuo das desigualdades sociais, mas de súbitas mudanças que abrem as condições para a disposição revolucionária. Nos últimos anos, o desespero social na região é tamanho que se tornou quase habitual a autoimolação de jovens em protesto contra as condições de existência. Basta lembrar que o estopim da atual onda de lutas foi o autossacrifício, pelo fogo, em 17 de dezembro de 2010, do jovem tunisiano Mohamed Bou-
Ainda é cedo para prever os desdobramentos das revoluções na Tunísia e no Egito, mas o século 21 mostra sua força
azizi, informático desempregado, de 26 anos, após ser esbofeteado e humilhado pela polícia, que confiscou suas mercadorias de camelô. Bandeiras populares avançam
Confirmando as revoluções do século 20, o processo desencadeado na Tunísia e no Egito ganha força em torno de bandeiras democráticas e populares que se desdobram em reivindicações salariais e econômicas. Derrubado o governo Mubarak, o imperialismo e a burguesia egípcia pressionam pela desmobilização popular. E o maior desafio se coloca. Haverá organização política capaz de apontar uma perspectiva de poder? Embora venha perdendo espaço na juventude, a principal força social organizada no Egito segue sendo a Irmandade Muçulmana. É certo que um sindicalismo classista e independente se conformou nas gran-
des mobilizações contra o apoio, em 2000, do governo egípcio a Israel, e à invasão do Iraque, em 2003; nas greves de trabalhadores no Delta do Nilo, após dezembro de 2006; nas chamadas mini-intifadas, em Borollos e Muhalla, em 2008. Contudo, ainda é cedo para analisar a força dessas organizações. Não nos esqueçamos da Revolução Iraniana. Ainda que a unidade se dê contra o regime ditatorial e o imperialismo que o sustenta, o antagonismo entre a esquerda e os grupos islâmicos fundamentalistas irá se colocar ao longo do processo. Por maior que seja a consciência social e o sentimento anti-imperialista adquiridos no processo, são inevitáveis os confrontos entre os projetos do integralismo islâmico e das organizações de esquerda. A história recente tem demonstrado que a ascensão do islamismo fundamentalista acarreta o desaparecimento da esquerda secular nos países muçulmanos. O papel dos militares no Egito
As forças armadas têm sido a força dominante no Egito desde a queda da Monarquia em 1952. A influência dos EUA foi decisiva nas últimas décadas. Ocupando o 10º posto entre as forças militares do mundo, possuem um contingente de 468 mil militares e um orçamento de 3,4% do PIB. Receberam nas últimas três décadas cerca de 30 bilhões de dólares em ajuda dos EUA, além de enviar seus oficiais para estudar em colégios militares ianques. Documentos do Departamento de Estado de 2009, divulgados pela WikiLeaks, descrevem um encontro entre um general dos EUA e o Alto Comando egípcio, revelando o grau de cumplicidade: “O presidente Mubarak e seus líderes militares veem o nosso programa de
crônica
Wladimir Pomar
assistência militar como a pedra angular da nossa relação e consideram os bilhões de dólares como compensação intocável para fazer e manter a paz com Israel e em troca os militares dos EUA gozam de prioridade de acesso ao Canal de Suez e ao espaço aéreo egípcio”. O Exército egípcio controla diversas empresas. Segundo algumas estimativas, os militares chegam a controlar por volta de 30% da economia do país. Todo este cenário demonstra que os comando militares não possibilitarão nenhuma mudança estrutural e cerrarão fileiras para sustentar a relação com os EUA e Israel. A revolta popular derrubou Mubarak, mas o aparato de Estado se mantém intocável e aposta todas as suas fichas em desmobilizar o povo. O imperialismo derrotado
A derrubada revolucionária de Mubarak é uma contundente derrota histórica dos EUA e de Israel na região, mesmo que a Junta Militar egípcia proclame a disposição de manter os repudiados tratados de paz com Israel e assegurar-lhe o fornecimento de gás (o Egito é responsável pelo fornecimento de quase metade do gás consumido em Israel). Recordemos que durante a guerra do Golfo (1990-1991), o Egito se posicionou ao lado dos EUA, contra o Iraque. Em 1993, participou da mediação do acordo entre Israel e a Organização de Libertação da Palestina (OLP), assinado em 1993 e criticado por grupos palestinos como o Hamas e países como a Síria. Ainda é cedo para prever os desdobramentos das revoluções na Tunísia e no Egito, mas o século 21 mostra sua força e desmente os céticos que apostavam no fim das revoluções.
Marcelo Barros
Gama
Um outro mundo é possível
Os nós estão apertando É PROVÁVEL QUE a luta obstinada do governo Dilma pela erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidades para todos se veja dificultada tanto pela política monetária do próprio governo, quanto pela demora na adoção de medidas que acelerem a produção de alimentos e de outros bens de consumo corrente. As medidas de contenção da inflação, através da elevação dos juros e de forte contingenciamento fiscal, podem ser ótimas se a política geral não se incomodar com a compressão do consumo e a continuidade da miséria. No entanto, superar a miséria significa, em termos bem precisos, elevar o poder de compra ou de consumo de alguns milhões de brasileiros desprovidos dessa capacidade. Nesse contexto, a sustentação de um longo ciclo de crescimento pode ser, ao mesmo tempo, causa e efeito daquela superação. Por um lado, como disse a presidenta, é com crescimento que serão gerados os empregos e serão vencidas a desigualdade de renda e de desenvolvimento regional. Por outro lado, a geração de empregos, associada a programas que vençam a desigualdade de renda e de desenvolvimento regional, gera uma nova demanda que só pode ser atendida com mais crescimento e mais oferta. Temos, desse modo, a necessidade de manter uma estabilidade econômica que atenda àquele crescimento. Todos sabemos que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador e realmente não devemos permitir que, ainda como disse a presidenta Dilma, essa praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres. No entanto, também precisamos admitir que a contenção da inflação através da política de juros altos é um freio tanto ao crescimento, quanto ao aumento do poder de compra e do consumo das camadas de baixa renda, em especial se permitir que os capitais de curto prazo superem os investimentos diretos.
Até que ponto [o governo] já está agindo para desatar os nós que já começam a sufocar o crescimento
O governo Lula só conseguiu implantar um processo de crescimento na contramão da política de juros altos porque se beneficiou se uma situação internacional extremamente favorável. O problema do governo Dilma, nessa questão, consiste em que as condições internacionais se tornaram mais complexas e, em muitos aspectos, desfavoráveis. Quase certamente não será possível combinar os dois aspectos contrários: juros altos e crescimento. O que pode fazer naufragar a política de completa erradicação da miséria, desejada pela presidenta. Nessas condições, o combate à inflação deve ser travado pelo lado do aumento da oferta, e de uma oferta que atenda justamente ao acesso de camadas que estavam privadas de alimentos e bens de consumo corrente. A questão chave da estabilidade econômica reside, assim, no
aumento da produção de alimentos e de bens de consumo corrente, aumento que está condicionado tanto pela super-especialização do agronegócio, quanto pela reduzida capacidade da economia agrícola familiar e pela pouca agilidade de setores empresariais em investir em setores que consideram de rentabilidade duvidosa. Embora os nós dos juros altos e do contingenciamento fiscal estejam apertando o consumo e, em certa medida, possam conter a inflação por algum tempo, isso pode ter como subproduto uma redução no ritmo de crescimento, em especial nos setores que se tornaram vilões inflacionários, como os alimentos e vários bens de consumo corrente. Se isso ocorrer, e não forem adotadas medidas para elevar a produção nesses setores, poderemos ingressar num processo de confronto entre a necessidade de crescer para combater a miséria, e a necessidade de conter a inflação, causada por oferta insuficiente. Uma das dúvidas diante desse quadro é saber até que ponto o governo está disposto a intervir com firmeza para elevar a produção de alimentos e estimular os investimentos na fabricação daqueles bens de alta demanda pela população emergente. Em outras palavras, até que ponto já está agindo para desatar os nós que já começam a sufocar o crescimento. Wladimir Pomar é escritor e analista político.
MILHARES DE PESSOAS de todo o mundo voltam de Dakar, no Senegal, onde de 6 a 11 de fevereiro, se encerrou o 9º Fórum Social Mundial. Desde os anos de 1970, a cada ano, os homens mais ricos do mundo se reúnem em Davos, na Suíça, para um Fórum Econômico Mundial. Há dez anos, educadores e militantes de direitos humanos tiveram a ideia de promover um encontro diferente. Para mostrar que o dinheiro é importante, mas não é tudo, propuseram um encontro no qual as pessoas se encontrassem como cidadãs do mundo e para pensar a possibilidade de um mundo mais justo e de paz. Os grandes meios de comunicação, ligados aos proprietários do capital, ridicularizaram de todos os modos. Os promotores do 1º FSM, ocorrido em Porto Alegre (2001), pensaram em reunir umas cem pessoas. A surpresa foi que, espontaneamente, chegaram mais de três mil. No 2º Fórum, já eram mais de 20 mil e nos fóruns seguintes, o número ultrapassou cem mil. O regulamento do fórum o mantém como espaço aberto à participação de toda a humanidade. Não tem vínculos religiosos, nem político-partidários. Nos fóruns, nenhuma autoridade política é maior do que qualquer outro cidadão. Nele participam índios, comunidades afro-descendentes, lavradores e pessoas sem teto, discutindo de igual para igual com doutores de universidade e políticos profissionais. Desde o 4º FSM, ocorrido em Bangladesh, na Índia, centenas de dalits, considerados impuros por muitos de seu país, têm o direito de falar e propor outro modo de organizar a sociedade. Em 2009, o fórum aconteceu em Belém e assumiu a preocupação maior da defesa da Amazônia e da solidariedade aos povos indígenas. Neste ano, o FSM se reuniu pela segunda vez na África, desta vez no Senegal, um dos países mais pobres do continente.
“Há mil razões para acreditar no futuro e apostar no melhor” Se comparamos o mundo de 2001, quando ocorreu o primeiro fórum social e a realidade atual, constatamos mudanças imensas e nem sempre para melhor. Ao mesmo tempo que o sistema econômico capitalista vive uma crise estrutural imensa que já dura mais de dois anos, a maior parte dos governos não busca alternativas. Simplesmente investem somas de dinheiro para salvar bancos e concentrar mais ainda as grandes transnacionais, enquanto exigem dos pobres sacrifícios maiores e mais insegurança social. Em países antes equilibrados, as taxas de desemprego sobem às alturas e o número de pobres aumenta assustadoramente. Ao mesmo tempo, além das vítimas asiladas de regimes políticos opressores, agora se multiplicam também as vítimas de catástrofes naturais, cada vez mais frequentes e descontroladas. Para a sociedade dominante, ganhar dinheiro continua o objetivo fundamental, mesmo com métodos que, a médio prazo, incidem contra a própria vida e provocam mais gastos. Afinal, quem vai devolver aos desabrigados do Congo, da Austrália, do Brasil e tantas outras partes do mundo o que estas pessoas perderam, em termos humanos, emocionais e materiais? O FSM de Dakar retomou estas questões, procurou formas novas de apoiar os movimentos sociais organizados e fortalecer o processo de descolonização de países africanos e latino-americanos. Certamente, o sucesso deste fórum repercutirá em fóruns locais e temáticos que se espalharão pelo mundo todo. Apesar de todas as dificuldades e desafios, como dizia Dom Hélder Câmara: “Há mil razões para acreditar no futuro e apostar no melhor”. Marcelo Barros é monge beneditino e escritor. Tem 37 livros publicados, entre os quais O Amor fecunda o Universo (Ecologia e Espiritualidade) com coautoria de Frei Betto. Ed Agir, 2009.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Joana Tavares• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 17 a 23 de fevereiro de 2011
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Leandro Konder
instantâneo
Sade O MARQUÊS DE SADE pertencia a uma das famílias mais ricas e poderosas da França. Quando tinha apenas 15 ou 16 anos, foi levado a comparecer a uma execução penal. As execuções penais, naquela época, eram muito duras. Essa a que o jovem Sade fora levado era apresentada como a justíssima morte de alguém que cometera um crime abominável: tentara matar o rei. O assassino foi punido através de um ritual que havia demorado cerca de quatro horas, alternando bastonadas de ferro, queimaduras e óleo fervente. O Marquês de Sade ficou marcado pelo evento. Mais tarde, alugou um quarto de subúrbio. Uma das prostitutas pagas para a “farra” saltou pela janela e denunciou o evento à polícia. O organizador da bacanal era o Marquês de Sade, que acabou detido. Foi sua primeira prisão. Sade se declarou arrependido e deu algum dinheiro para os agentes policiais. Posteriormente, o Marquês aprendeu que assim procediam os cavaleiros das classes privilegiadas. Em sua segunda prisão, ele deixou de falar de arrependimento e passou a se aproveitar da reputação que, rapidamente, adquirira. Sade dizia que, se alguém matasse um gato em qualquer parte da França, todos o apontariam como responsável.
O êxito das historietas do Marquês colocam-no na posição de um pioneiro da indústria cultural, muito mais do que um inventor de valores literários
Igor Fuser
Novos Egitos virão O PANORAMA INTERNACIONAL apresenta ao menos quatro tendências importantes: 1 – A queda da influência dos EUA A derrubada das ditaduras na Tunísia e no Egito representa um novo marco no declínio da capacidade do imperialismo estadunidense em definir as questões mundiais conforme a sua vontade. A derrota se mostra mais grave por ter como cenário o Oriente Médio, região estratégica onde se situam dois terços das reservas petrolíferas. Os EUA tratam de reduzir o prejuízo manobrando para que os novos governantes daqueles dois países permaneçam sob o controle de Washington. O fato é que os EUA terão mais dificuldade em impor suas preferências. Lideranças novas e velhas buscarão maior autonomia em política externa a fim de diluir a imagem de submissão aos EUA. O perdedor mais direto é Israel, que vê sua margem de ação drasticamente diminuída. 2 – Persistência da crise econômica mundial A recuperação nos EUA é modesta e insuficiente para compensar os empregos perdidos. Na Europa e no Japão, o quadro é ainda mais sombrio. A falta de consenso entre as elites dirigentes globais estimula a guerra cambial entre as potências econômicas. O úni-
co ponto comum na reação à crise é a retomada da ofensiva neoliberal contra a classe trabalhadora e os benefícios sociais. 3 – Alta dos preços dos alimentos e da energia As causas são a especulação financeira, o aumento do consumo nos países “emergentes” e as catástrofes climáticas ligadas ao aquecimento global. Como resultado, agravam-se as condições de vida em boa parte do planeta, criando um terreno propício a rebeliões populares como no norte da África. Ao mesmo tempo, intensifica-se a compra de terras em países periféricos por empresas estrangeiras. O preço do petróleo também está aumentando, o que tornará mais difícil o fim da recessão. 4 – Ascenso das mobilizações populares As raízes da revolta árabe não se limitam a problemas regionais como autoritarismo e corrupção, mas envolvem os efeitos sociais perversos da globalização capitalista. Trata-se, pois, de um movimento que se articula com a onda de protestos contra as políticas neoliberais em boa parte do mundo, sobretudo na Europa. Vivemos um novo ciclo de lutas sociais em escala internacional. Novas “surpresas” devem surgir, em outros pontos do planeta.
João Brant
Em nome de Deus LIGAR A TELEVISÃO no horário nobre e ver um líder religioso utilizando o espaço para pregar e buscar fiéis é algo que parece fora do lugar. E é. Não por ser uma manifestação religiosa, algo que é parte da cultura brasileira, mas por tornar evidente que um espaço público está sendo utilizado para fins privados. O mundo todo discute como equilibrar os direitos à liberdade de expressão e à liberdade de crença, previstos em diversas Constituições, inclusive na brasileira. Há várias questões aí envolvidas. Primeiramente, manifestações religiosas devem ou não ser permitidas em veículos de comunicação que são concessões públicas, como rádio e TV? Se sim, deve ser permitido também o proselitismo religioso, ou seja, a prática de tentar ‘vender seu peixe’ e conquistar fiéis? Na busca de respostas, é preciso pensar como esse tipo de manifestação ajuda ou afeta a liberdade de crença – que é maior do que a liberdade religiosa e inclui até o direito de não se ter religião. E lembrar que, para outras manifestações similares, como o proselitismo político,
já há um consenso sobre a necessidade de regras claras para que espaços públicos não sejam tomados por grupos específicos. No caso das religiões, deve-se perguntar, também, como garantir às distintas manifestações de fé o mesmo direito, já que não chegam a 2% as denominações religiosas presentes no Brasil que têm espaço em meios de comunicação. Deve-se também impedir que esses espaços sejam usados para ataques a outras religiões, como os que sofrem as denominações de matriz africana. E há questões estruturais também fundamentais. Deve-se permitir canais inteiramente controlados por grupos religiosos, o que é proibido na maioria das democracias? Deve-se permitir o arrendamento de espaço – ou mesmo de canais inteiros – no rádio e na TV? Será que essa prática não configura uma verdadeira grilagem eletrônica, pela apropriação privada de um espaço público? Sejam quais forem as respostas, o nome de Deus não pode ser usado como álibi para evitar esse debate no Brasil.
Qualquer que fosse a sua intenção, o Marquês afinal organizou um poderoso sistema de exploração da prostituição. Com muito realismo, ele fez funcionar na área da sacanagem critérios inerentes ao capitalismo. Foi encarcerado em diversas ocasiões. Teve a habilidade de estimular aqueles que pensavam que a sua postura no final do século 18 e no início do século 19 era hostil ao modo de produção burguês. Um pouco depois, durante a sua viagem, ele alimentou em setores da opinião pública a imagem de um aventureiro que combatia os critérios e os interesses da burguesia. Foi preso e mantido prisioneiro na fortaleza da Bastilha até a véspera da revolução francesa. Após a revolução francesa, na época de Napoleão, foi internado em diversos hospícios. Num deles, segundo se apurou, negociou com o diretor do manicômio a apresentação de uma peça, que, no entanto, não chegou a ser encenada, pois foi considerada “subversiva” e provocara, durante os ensaios, a agitação dos internos. As tentativas de Sade voltadas para algum tipo de organização política dos internos fracassaram. O escritor tinha talento, conforme reconheciam os espíritos mais críticos da classe dominante. O público consumidor, entretanto, não conferia um significado maior ao encontro com o autor desequilibrado. A entrada do sexo de forma explícita no mundo da cultura precisava duma certa universalidade, que o Marquês de Sade não tinha ânimo ou competência para alcançar.
Hoje em dia, a burguesia não reconhece nenhum poder efetivo sobre a sua calhordice estrutural A massa dos habitantes dos hospícios se movia, de modo geral, a partir de um fascínio, porém, ao mesmo tempo, de uma repulsa pelo sexo. Uma abordagem dos textos (inúmeros!) promovida pelo Marquês era inevitavelmente ambígua. A perspectiva crítica da esquerda percebeu que, se algum autor pretendia extrair ideias significativas dos textos de Sade, seria necessário separar esse texto dos relatos ordinários que lhe asseguraram um sucesso bastante discutível: o êxito das historietas do Marquês colocam-no na posição de um pioneiro da indústria cultural, muito mais do que um inventor de valores literários. A glória de Sade deriva de sua capacidade de gerar escândalos. Até que ponto o aristocrata fustigava a burguesia e agitava o Estado na Europa, essa é a questão que devemos encarar. Hoje em dia, a burguesia não reconhece nenhum poder efetivo sobre a sua calhordice estrutural. Como demonstrou o primeiro ministro da Itália, a burguesia italiana inventou uma nova organização da “putaria”. Leandro Konder escreve semanalmente neste espaço.
comentários do leitor Leandro Konder - Ideologia
Quando me deparo com pessoas como o Konder, José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, sabendo que eles estão entre nós produzindo ainda mais conhecimento, é revoltante saber que tais conhecimentos são inacessíveis a muitos, não pela impossibilidade que a questão social dá conta, que é latente e deve ser combatida, mas pela dura cabeça da grande maioria.
Marcos Maciel, por correio eletrônico
Leandro Konder – Ideologia 2
Para mim está perfeita a ênfase no valor da ideologia. O que infelizmente já não posso concordar é que a esquerda tenha a solução. Falhou em suas tentativas de melhorar a vida dos pobres, falhou em proteger os desvalidos. Fui a Cuba, queria ver a Ilha, o sonho feito realidade, e quem for (desde que não como convidado do governo) verá que aí se implantou uma burguesia alimentada por salários do governo, formada para quem trabalha diretamente para o governo. Os pobres continuam na mesma situação ou até pior, porque lhes prometeram melhoras
que não vieram, nem comida se tem. A falta de empregos e o impedimento de que tenham seus negócios funcionando produziram uma falta de recursos materiais que vem assolando o povo cubano. Sábia sua referência de que sem autocrítica não é possível aprofundar. E a autocrítica que vejo necessária é que vamos ter que criar uma nova ideologia para solucionar as questões políticas, econômicas e sociais da humanidade. As que temos não funcionaram.
Zilney, por correio eletrônico
Egito
O mundo árabe vai aos poucos conseguindo livrar-se de todas as malditas “heranças” impostas pelo imperialismo. “Heranças” que vêm sendo carregadas como estigmas desde o tempo em que eram colônias das potências europeias. Agora o povo árabe diz : “basta!” E escrevem a sua história com muita luta! Os líderes políticos apoiados pelas grandes potências, que visam manter os países árabes no mais completo estado de atraso, estão sendo derrubados um por um. Um novo “amanhecer” voltado pa-
ra a melhoria das condições de vida aguarda o povo árabe! Parabéns ao povo da Tunísia e ao povo do Egito pelo feito heroico!
Bruno Santana, por correio eletrônico
Olga Benário
Obrigado, Profª. Anita Leocádia pelo emocionante depoimento sobre sua mãe, sobre seu pai, sobre a luta revolucionária e o exemplo que tudo isso se constitui para todos nós e não só para a juventude. Olga e Prestes são raízes profundas da alma revolucionária de nosso povo e da nossa embrionária revolução. Obrigado por não ter esquecido essa história e essa ideologia que anima tua corrente sanguínea e seus neurônios, óculos de tua existência. Forte abraço com alegria e orgulho. Dom Orvandil, Goiânia (GO), por correio eletrônico
lheiro do Araguaia Glênio Sá, que dedicaram suas vidas à luta em defesa de um mundo melhor, mais justo e humano, não foi em vão. Frutificará nas mais esplêndidas das colheitas, a da consciência de cada um da necessidade de continuar essa luta. O seu relato se apresenta como uma forma de resgate da dignidade humana ferida durante o período de exceção, quando o Brasil se encontrava no auge de um dos períodos mais difíceis para o exercício da democracia e para a proteção dos direitos fundamentais. Diversos cidadãs e cidadãos brasileiros sofriam na própria pele a opressão política e o desrespeito aos mínimos padrões da dignidade humana. O regime do medo que sustentava o passado não pôde servir de desculpa no presente democrático e precisa ser conhecido... Jana Sá, por correio eletrônico
Olga Benário 2
Anita, assim como afirma em seu artigo, tenho certeza que a luta da sua mãe, Olga Benário, e de milhões de jovens, como meu pai, o guerri-
Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico comentariosdoleitor@brasildefato.com.br
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brasil
As metamorfoses de um conflito Alexandre Anderson
ENERGIA Em Magé, combate a um projeto petroleiro e a busca por direitos dos trabalhadores transformaram-se na necessidade de se preservar a vida de uma liderança Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) NA CIDADE de Magé, município de 230 mil habitantes da região metropolitana do Rio de Janeiro, uma luta heroica contra os danos socioambientais de um empreendimento tem se transformado, com o passar do tempo, em disputa pessoal e na necessidade de se proteger a vida de uma liderança. O conflito começou quando foi firmado um consórcio entre as empreiteiras GDK e Oceânica para a instalação, na região, de gasodutos da Petrobras, sob terra e mar. Serviriam para o transporte de gás liquefeito de petróleo para a refinaria de Duque de Caxias (Reduc). A atividade das empresas apresentou algumas aparentes irregularidades ambientais e trabalhistas. A principal delas foi a redução massiva do volume de pesca na região, inviabilizando o sustento de milhares de famílias de pescadores, quantidade difícil de mensurar – na região toda, há pelo menos seis mil desses trabalhadores.
Paulo Cesar Santos foi morto em maio de 2009, próximo da mulher e do filho, apenas seis horas após a interdição das obras da GDK Em 2009, aqueles que habitavam o trecho próximo à praia de Mauá resolveram reagir. Eles já haviam criado, dois anos antes, a Associação de Pescadores Homens do Mar (Ahomar). Presidida por Alexandre Anderson, a instituição inclui profissionais de seis municípios e 723 associados. Em abril de 2009, os integrantes da Ahomar decidiram parar as obras das empreiteiras à força. Ancoraram seus barcos próximos aos dutos, utilizando redes para impedir a passagem de embarcações. O protesto durou 36 dias, em que a GDK ficou impossibilitada de operar livremente. Nesse período, todas as formas de dissuasão foram utilizadas. Os profissionais da empresa de segurança do pátio da GDK frequentemente apresentavam armas, e ameaçavam os pescadores. Durante a madrugada, rasgavam suas redes e armavam tocaias.
Protesto realizado por pescadores na praia de Mauá, em abril de 2009, e que durou 36 dias
O conflito teve uma série de episódios traumáticos ao longo desses quase dois anos de luta. Desde a operação de guerra armada, numa tarde, pelo Grupo Aéreo Marítimo (GAM), até o assassinato de dois dos pescadores ligados à Ahomar. O mais covarde e emblemático deles foi o do tesoureiro da associação, Paulo Cesar Santos. Ele foi morto em maio de 2009, próximo da mulher e do filho, apenas seis horas após a interdição das obras da GDK. Além das duas mortes, inúmeras ameaças foram feitas aos pescadores, especialmente à principal liderança, Alexandre Anderson. Três semanas antes da morte de Paulo, Alexandre já havia sofrido um atentado, depois do qual passou a dormir em casas distintas a cada noite. Em 2010, chegou a ser preso de forma preventiva, como suspeito do assassinato de Paulo – hipótese negada por todos os indicativos das informações colhidas. No final do mesmo ano, Alexandre e sua mulher, Daize da Costa, passaram a ser rigorosamente protegidos pelo Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos, do governo federal. Segundo Sandra Carvalho, da Justiça Global, dois policiais ligados à escolta de Alexandre já foram executados. A atuação dos pescadores da região despertou a ira do delegado titular da 66ª Delegacia de Polícia de Piabetá, Aroldo Costa. Responsável pela equipe que faz a segurança da obra da GDK, acusada de ser muito violenta, o delegado “passou a perseguir Alexandre”, segundo afirma fonte que pede anonimato. Agindo como quem considera a disputa um problema pessoal, Aroldo estaria
criando inúmeros subterfúgios para prejudicar Alexandre. Este mês, a liderança foi obrigada a sair do estado do Rio de Janeiro, junto de sua mulher e seu filho. A luta contra o projeto – cujo auge talvez tenha sido o forte ato em frente à Petrobras, em 2009, com a presença de mil manifestantes – está paralisada. A obra das empreiteiras também está parada, sem que se saiba o motivo exato – suspeita-se que seja por pressão da família Cozzolino, que controla a política local, por maiores recursos junto à Petrobras. “É um fracasso. Nem a conversa com a Petrobras avança, nem o enfrentamento ao projeto”, lamenta Sandra.
“O que era uma luta de sucesso contra um empreendimento transformou-se numa perseguição pessoal” Criminalização
“O que era uma luta de sucesso contra um empreendimento transformouse numa perseguição pessoal. Enquanto antes os movimentos sociais se mobilizavam para auxiliar no enfrentamento, e organizar os pescadores, agora são obrigados a mobilizar forças para salvar a vida do presidente da Ahomar”, diz a mesma fonte. Em dezembro, até a ex-esposa de Alexandre, Alcelina Quintino, de quem ele se separou há 14 anos, foi ameaçada, além do filho dos dois, Rhuan Anderson Quintino. Mãe e filho foram levados duas vezes à 66ª DP, onde se tentou levantar informações so-
bre Alexandre. Também faziam perguntas como “você sabia que seu pai é bandido?”, “você continua tendo encontros amorosos com Alexandre?” e, ainda, “sabia que seu pai te abandonou?”. Alcelina e Rhuan foram ameaçados pelos policiais, caso revelassem a conversa a alguém. Ameaçaram divulgar até mesmo uma suposta atividade de Alcelina como prostituta, ainda antes do casamento com Alexandre. Mãe e filho, segundo relatos, estavam traumatizados com a abordagem policial, e a visita frequente de viaturas à sua rua. Até mesmo Andressa Caldas, também da Justiça Global, recebeu uma intimação de forma truculenta na sede da organização. Solidários, os outros pescadores tentam auxiliar. O movimento, porém, não dá sinais de manter a mesma articulação de dois anos atrás. A Petrobras estuda pagar uma indenização aos pescadores, que começou a ser acordada ainda na noite do ato em frente a empresa, no centro da capital. Ao que tudo indica, o projeto voltará a entrar em operação futuramente. E as forças, outrora mobilizadas contra o empreendimento, agora terão que se articular para salvar a vida dos moradores locais. A Secretaria de Direitos Humanos do governo federal considera Alexandre um dos casos de maior sucesso do Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos. “Na verdade, a maior rede de proteção à vida do pescador talvez esteja entre os movimentos sociais próximos a ele”, diz a fonte. A novela Alexandre Anderson tem inúmeros capítulos extras, para além dos aqui apresentados. Oxalá não guarde o mais triste para o fim.
MILÍCIAS
Cronologia da atuação dos pescadores de Magé Meados de 2007
É fundada a Associação de Pescadores Homens do Mar (Ahomar), reunindo pescadores de seis municípios. Alexandre Anderson é escolhido presidente.
Abril de 2009
Vendo a pesca reduzida em até 70% do volume anterior, com a instalação dos gasodutos no mar, os pescadores resolveram inviabilizar a obra. Ancoraram seus barcos próximos aos dutos e utilizaram redes para limitar o fluxo de embarcações. Acusavam a obra de não ter anuência do município nem licença de canteiro.
Maio de 2009
A ação dos pescadores dura 36 dias, enfrentando repressão da polícia, atentados, ameaças constantes, e campanhas difamatórias na cidade. No dia 24, Paulo Santos é assassinado, como um recado a Alexandre Anderson.
Junho de 2009
Organiza-se um ato em frente à Petrobras, com participação de mais de mil pessoas e apoio de organizações sindicais do meio energético. Os pescadores abraçam a Petrobras. Ao final de intensa negociação, os executivos da empresa aceitam negociar.
Julho de 2009
Pescadores que trabalhavam no empreendimento perdem emprego.
Junho de 2010
Alexandre é preso por suspeita de ter matado Paulo – acusação que contraria todas as informações do crime. É solto em seguida. A 66ª DP, de Piabetá, começa a aparentemente perseguir Alexandre.
Agosto de 2010
Alexandre passa a ser protegido pelo Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos da Presidência da República (PPDDH)
Dezembro de 2010
Mês de maior tensão e risco de vida para Alexandre. As ameaças constantes e inúmeras abordagens de representantes da 66ª DP são sistemáticas.
Janeiro de 2011
Polícia contra polícia Operação Guilhotina, da PF, leva à cadeia dezenas de policiais civis e militares do Rio de Janeiro (RJ) No dia 11, uma operação da Polícia Federal (PF), em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, prendeu 35 policiais civis e militares. Eles são acusados de corrupção, roubo e proximidade com o tráfico. Entre eles estava o delegado Carlos de Oliveira, ex-subchefe da Polícia Civil (PC) e subsecretário de operações da Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop). A Operação Guilhotina da PF desmontou a milícia da favela de Roquette Pinto, no Complexo da Maré, prendendo ao menos um de seus comandantes – o inspetor Christiano Gaspar Fernandes. O grupo paramilitar tinha predominância de oficiais da 22º Delegacia de Polícia (DP). Citado numa denúncia, o chefe da PC, Allan Turnowski, teve de depor na PF.
Há pelo menos três informações importantes às quais não tem acesso aquele que acompanha apenas a mídia corporativa
Quatro policiais fortemente armados entregam uma intimação a Alexandre, com constrangimentos públicos.
Fevereiro de 2011
Alexandre sai do estado do Rio com toda a família. Dois dos policiais que o protegem já foram assassinados.
Quatro dias depois, Turnowski mandou fechar a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), comandada por Claudio Ferraz. Co-autor
do livro Elite da Tropa 2, Ferraz já prendeu 676 milicianos, e é respeitado junto à esquerda carioca. Suspeita-se de represália de Turnowski (que no dia 15 acabou sendo afastado da chefia da Polícia Civil), já que a Draco começou a investigação que resultou na Operação Guilhotina. Os acontecimentos da “disputa entre polícias” estão no início, e ainda há muito a ser revelado no decorrer das próximas semanas. Entretanto, há pelo menos três informações importantes às quais não tem acesso aquele que acompanha apenas a mídia corporativa. Em primeiro lugar, a 22ª DP tem um Caveirão, e é acusada de ter alugado o veículo a traficantes da Baixa do Sapateiro, na Maré, em 2009, para invadir a Vila dos Pinheiros. A constatação de que havia milicianos na delegacia reforça a denúncia. Depois, o delegado criminoso, Carlos de Oliveira, era o responsável na Secretaria de Ordem Pública por reprimir a atividade dos camelôs na cidade. Segundo o Movimento Unido dos Camelôs (Muca), o oficial seria o principal estimulador das arbitrariedades levadas a cabo contra os ambulantes pelo “choque de ordem”. Por último, e mais importante: uma gravação de conversa entre os policiais revelou que eles comparavam a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, em dezembro, a Serra Pelada, onde eles iriam buscar o “espólio de guerra”. A afirmação confirma a denúncia de entidades de direitos humanos de que, após a ocupação, houve roubos massivos das casas do Complexo. Vai na contramão do oba-oba midiático promovido na ocasião, segundo o qual a operação tinha sido um sucesso policial. Dentre os jornais, apenas o Brasil de Fato sustentou a versão agora confirmada. (LU)
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O desaguar do desenvolvimentismo BELO MONTE Avanço do projeto de hidrelétrica realça a vitalidade da perspectiva desenvolvimentista Antonio Cruz/ABr
Vinicius Mansur de Brasília (DF) “ESSAS FAMÍLIAS serão abençoadas com os assentamentos. Hoje, vivem em igarapés. Em períodos chuvosos ficam alagadas. Então, essas famílias, que estão em condições impróprias, tiraram a sorte grande: vão ganhar casas de alvenaria com todas as condições da vida moderna.” Assim, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), – ligada ao Ministério de Minas e Energia – Maurício Tolmasquim, se referiu às populações que serão afetadas com a construção da usina hidrelétrica Belo Monte, no Pará. O discurso, proferido no dia 31 de janeiro, em um congresso sobre energia, realizado no Rio de Janeiro, representa de maneira caricatural o que o antropólogo Luis Roberto de Paula – em artigo publicado na Revista de Antropologia Social da UFSCar – chamou de “expressão direta e cabal da perspectiva ideológica desenvolvimentista ainda hegemônica no país”. “Com o fim da ditadura militar, os sucessivos governos democraticamente eleitos deram continuidade a essa dinâmica desenvolvimentista que veio a ser denominada por organizações não-governamentais socioambientalistas como ‘desenvolvimento a qualquer custo’: a priorização de grandes e caras obras de infraestrutura (estradas, hidrovias, ferrovias, hidrelétricas etc.), que atendem demandas de determinados grupos socioeconômicos envolvidos diretamente no processo de inserção do país na economia mundial (por exemplo, a indústria da mineração e do agronegócio)”, assinala o antropólogo. Mais do que Belo Monte, os projetos do governo preveem, para os próximos anos, na Amazônia brasileira, a construção de cerca de 70 grandes barragens e 177 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), sendo 11 grandes hidrelétricas somente na bacia do Tapajós/ Teles Pires.
A pedido do Ministério Público Federal e Estadual do Pará, o licenciamento está suspenso pela Justiça Federal de Altamira Histórico
O projeto de Belo Monte, idealizado pela primeira vez pelos militares em 1975, foi retomado em 1989, dessa vez com o nome de usina Kararaô – tragicomicamente um grito de guerra kaiapó. A resistência dos povos indígenas emperrou o projeto e um episódio marcou essa luta. Durante um encontro realizado em Altamira (PA) entre os povos indígenas e a Eletronorte para discutir a barragem, a indígena kayapó Tuíra encostou a lâmina de um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes – hoje presidente da Eletrobrás –, num gesto de advertência contra a usina. A foto correu mundo e a pressão internacional fez com que o Banco Mundial desistisse do empréstimo. Reincorporado como projeto de governo no Avança Brasil, plano plurianual do governo FHC para 2000-2003, e, posteriormente, ao Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), no governo Lula, como obra prioritária, Belo Monte teve seu último avanço nos trâmites governamentais no dia 26 de janeiro deste ano, quando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) anunciou a concessão de uma licença parcial, dando direito à execução de parte das obras da usina no rio Xingu, em Altamira (PA). O presidente interino do Ibama, Américo Ribeiro Tunes, assinou uma autorização de supressão de vegetação, que permite o desmate de uma área de 238 hectares para construção de acampamento, canteiro industrial e área de estoque de solo e madeira. A pedido do Ministério Público Federal e Estadual do Pará, o licenciamento está suspenso pela Justiça Federal de Altamira, por liminar que considera insatisfatória as audiências públicas realizadas sobre Belo Monte. O Ibama entrou com recurso contra essa liminar que, até o fechamento desta edição (dia 15), não foi julgado pela Justiça Federal de Belém. Em nota de esclarecimento, o Ibama afirma ter realizado, ao menos, quatro audiências públicas. Entretanto, a dirigente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Sônia Guajajara, aponta que, além de insatisfatórias, as audiências não substituem o direito à consulta: “O que mais a gente tenta destacar é que a luta é por conta da falta do consen-
Indígenas realizam manifestação diante do Congresso Nacional contra a construção da usina de Belo Monte
timento. A Funai [Fundação Nacional do Índio] fez reunião para informar o projeto, mas pequena e somente de apresentação. Na época, os próprios técnicos falavam assim ‘isso aqui é só uma prévia, não é uma consulta, vamos voltar em outro momento, tal’. E isso não aconteceu. Não estão cumprindo a Constituição e os acordos internacionais.” Pressões
O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Eder Magalhães, lamenta a postura tomada pelas direções de Ibama e Funai, que, sistematicamente, ignoram os pareceres de seus técnicos que alertam sobre a gravidade de Belo Monte. Em 2009, cinco técnicos do Ibama foram postos para fora depois de apresentar seus levantamentos. Em seguida, o presidente também renunciou. Porém, Magalhães considera ainda mais grave outro tipo de pressão: “Diariamente há ações de cooptação. Barcos da Eletronorte – que agora tem convênio com a Funai, para facilitar a sua presença nas aldeias – entregando cesta básica. É uma questão vergonhosa como é tratada a política indigenista para abrir os caminhos para esse projeto desenvolvimentista, um verdadeiro rolo compressor.” De acordo com Sônia Guajajara, correm boatos de que, em reunião com os caiapós, a Funai já prometeu um carro por família. “Luis Xipaia, uma liderança na região que antes era contra, agora está defendendo muito Belo Monte. E já está andando de moto”, relata. Segundo Magalhães, vários ativistas já sofreram ameaças de morte, sendo o caso mais grave o do presidente do Cimi, Dom Erwin Kräutler, que há vários anos é acompanhado por dois policiais, 24 horas, quando chega em Altamira.
Dados de Belo Monte Localizada no Rio Xingu, na região norte do Pará, impactará, pelo menos, 11 muni• cípios e nove territórios indígenas. prevê a inundação de 516 km² de floresta amazônica, com a construção de • 52O projeto quilômetros de canais. Seriam realizadas escavações da ordem de 150,7 milhões de m³ e 50 milhões de m³ de rochas, superiores às escavação do Canal do Panamá. Seriam utilizados 4,2 milhões de m³ de concreto.
Segundo o Inesc, Belo Monte provocará o deslocamento compulsório de cerca de 40 • mil habitantes e atrairá cerca de 100 mil pessoas, sendo 18,7 mil trabalhadores empregados nas obras, 23 mil nas atividades que orbitam o empreendimento e 55 mil pessoas em busca do “novo Eldorado”.
Segundo o Inesc, a usina promoverá até 80% de redução da vazão de um trecho de • mais de 100 km do rio, denominado Volta Grande do Rio Xingu, podendo secá-lo. A capacidade planejada de geração de energia é de 11.230 MW. Porém, o estudo do • Painel de Especialistas aponta que, em média, seriam gerados apenas 4.428 MW, em função do longo período de estiagem do rio Xingu. Para os especialistas, a grande oscilação entre cheias e secas do rio Xingu transformará Belo Monte numa imensa usina “vaga-lume”.
• A previsão é que Belo Monte leve oito anos para ser construída. sabe ao certo o custo da obra. Ela é orçada em cerca de R$ 20 bilhões pe• loNinguém governo e R$ 30 bilhões por empresários.
Denúncias de irregularidades da Aliança dos Rios da Amazônia e aliados: 1.
O conceito de “atingidos” desconsidera as relações específicas de populações tradicionais com as florestas, várzeas, igapós e rios.
2. Subdimensionamento de problemas associados à chegada de milhares de migrantes.
3. Redução artificial das áreas geográficas impactadas. 4. Falta de abordagem dos impactos cumulativos de outros empreendimentos, co-
mo outras hidrelétricas na mesma bacia hidrográfica, linhas de transmissão, hidrovias etc.
5. Mudanças nos projetos de engenharia e localização de projetos após a concessão da Licença Prévia e leilão, sem a realização de estudos complementares.
“Na época, os próprios técnicos falavam assim ‘isso aqui é só uma prévia, não é uma consulta, vamos voltar em outro momento, tal’”
6. Falta de transparência e de participação informada das populações locais. Destaca-se a não nomeação dos representantes da sociedade civil e da universidade no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), conforme o Decreto 5.793.
7. Não realização das consultas, obrigatórias pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT.
8. A politização do licenciamento ambiental, com a desconsideração de pareceres de equipes técnicas do Ibama e da Funai por seus presidentes.
O governo
No dia 8 de fevereiro, a Aliança dos Rios da Amazônia realizou um ato em Brasília contra Belo Monte. A Presidência da República recebeu uma comissão dos manifestantes, que entregou uma carta denunciando as irregularidades do projeto e um abaixo-assinado com mais de 604 mil assinaturas. Porém, a resposta do governo não agradou aos manifestantes. O representante da presidência, Rogério Sottili, afirmou disposição do governo ao diálogo, mas sentenciou: “Dilma fará o que tem que ser feito”. “Daqui pra frente temos que ir pra rua. Essa mobilização aqui em Brasília deu uma repercussão e mostrou que o movimento está de pé. As pessoas ficaram mais indignadas ainda pelo tratamento que foi dado no Palácio do Planalto. Mas nós vivemos um momento muito difícil do movimento social hoje no Brasil. Precisa ser avaliada essa postura nesse governo”, concluiu Magalhães.
9. Deficiências nos procedimentos de aprovação da viabilidade econômica. Os cus-
tos de construção subiram quase R$ 10 bilhões desde o leilão e, ao invés de rever as contas, o governo lançou um pacote inédito de incentivos creditícios e fiscais, bancados pelo contribuinte.
10. Intimidação, por parte da Advocacia Geral da União (AGU), dos procuradores da República e juízes federais que questionam Belo Monte. Assim como outros representantes do governo, como o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que demonizam povos indígenas e organizações sociais.
11.
Belo Monte não é energia “limpa”. Além de expulsar populações inteiras, matar rios e florestas e trazer o crescimento descontrolado das cidades do entorno, as hidrelétricas emitem metano, gás de efeito estufa com 25 vezes mais impacto sobre o aquecimento global do que o gás carbônico.
12. Grande parte da energia não atenderia às populações mais pobres, mas seria
destinada às indústrias eletro-intensivas que exportam alumínio e minério de ferro com baixo valor agregado, gerando pouquíssimos empregos na região.
13. A obsessão em construir hidrelétricas na Amazônia vai contra estratégias de de-
senvolvimento pautadas na eficiência energética, diversificação de matriz, inovação tecnológica e ampliação de escala de fontes verdadeiramente limpas, desafios do século 21.
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brasil
Governo exibe tesoura afiada Marcello Casal Jr./ABr
POLÍTICA Equipe econômica anuncia contingenciamento recorde no orçamento e alega temor inflacionário Renato Godoy de Toledo da Redação NO DIA 9 de fevereiro a equipe econômica do governo federal anunciou um corte de gastos recorde. Segundo os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) mais de R$ 50 bilhões serão cortados do orçamento da União de 2011. O valor é mais do que o dobro do contingenciamento do ano passado (R$ 21,8 bilhões), que fora recorde no governo Lula. Os ministros e a presidenta Dilma Rousseff procuraram assegurar que os programas sociais como o Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida não serão afetados pelo orçamento mais enxuto. Porém, medidas impopulares como o salário mínimo de R$ 545 (o que representa quase 0% de reajuste, em termos reais) e a anulação de concursos públicos são considerados como os primeiros impactos desse anúncio. O Senado Federal, por exemplo, que tinha concurso previsto para o segundo semestre de 2011, já anunciou o adiamento, sem previsões, em função da readequação orçamentária. A medida do governo Dilma tem recebido elogios de comentaristas ortodoxos, como forma de “alfinetar” a gestão anterior, por sua vez, criticada pelo “inchaço da máquina pública”. Ainda não está definido sobre quais áreas, especificamente, o corte deve incindir. Porém, para o contentamento da imprensa corporativa, a área que deve ser mais afetada é o custeio da administração pública. Também devem sofrer com os cortes emendas parlamentares, o que pode causar dificuldades para o governo na aprovação de matérias nas casas legislativas.
Para Ávila, o governo Dilma dá sinais de que haverá um “recrudescimento na política neoliberal” Segundo o governo, o corte de diárias, viagens e outros gastos para a manutenção dos serviços públicos não devem afetar o crescimento econômico e os gastos sociais. O ministro Guido Mantega negou que a redução do investimento no setor público, sobretudo no funcionalismo, deva trazer retração econômica e social para o país. “Não se trata daquele ajuste fiscal que derruba a economia, que leva a uma retração do investimento. Estamos falando de uma consolidação que é justamente para garantir que o crescimento sustentável tenha continuidade”, afirmou. Gasto social O economista Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida, discorda da versão governista. “O problema é definir o conceito de gasto social. Se formos tomar
da Redação Após aumentar de R$ 540 para R$ 545 a proposta do salário mínimo o governo demonstra não estar mais aberto para negociações. O assunto é tratado como a primeira batalha entre o governo Dilma Rousseff e os movimentos sociais. Até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu de sua postura reclusiva em 2011 e criticou as centrais sindicais por exigirem um aumento acima do que foi acordado durante sua gestão. Lula referiu-se ao acordo de reajuste anual do mínimo baseado no cálculo da inflação do ano anterior somado à média do crescimento dos dois anos anteriores (2008 e 2009, no caso atual). Como o Brasil apresentou um crescimento le-
Desigualdade O sistema bancário registra que aproximadamente 63 mil pessoas mantiveram, em 2010, mais de R$ 371 bilhões em aplicações financeiras. São os brasileiros com alta renda e com contas bancárias superiores a R$ 1 milhão. Eles foram muito bem remunerados nos fundos de investimentos e nos títulos públicos de renda fixa; o bolo dos milionários cresceu 23% em relação a 2009. Já o rendimento bruto da caderneta de poupança não passou dos 6,7%. Sem noção Após manifestação de representantes de dezenas de etnias indígenas e de 84 entidades nacionais e internacionais, dia 8 de fevereiro, em Brasília, contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, o porta-voz do governo, Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, afirmou que o movimento era “orquestrado por cineastas internacionais”. Besteira! A resistência mobiliza os povos do Xingu há quase 30 anos! Pequenos delitos Relatório da Controladoria Geral da União denuncia que, em 2010, pelo menos 1.327 funcionários públicos municipais receberam – ilegalmente – os recursos do programa BolsaFamília, apenas no estado de Minas Gerais. Em muitos casos foram beneficiados também as mulheres de vereadores e de secretários municipais que ganham salários acima do limite estabelecido pelo programa. A corrupção graça também nos baixos escalões.
A ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, Miriam Belchior
como gasto social apenas os programas focalizados como o Bolsa Família, pode ser que o corte realmente não afete esses benefícios. O governo pode dizer que o corte de diárias atinge uma área supérflua, mas como se dá o combate ao trabalho escravo, que é uma grande bandeira dos movimentos sociais? Por meio de diárias. Os fiscais do trabalho e da Polícia Federal recebem diárias para realizar as inspeções”, aponta. Para Ávila, o governo Dilma dá sinais de que haverá um “recrudescimento na política neoliberal”. “No início do governo Lula, houve um aumento do superávit primário [que atingiu 4,25% do PIB]. Agora há esse contingenciamento recorde, que não deve ser revertido, como garantiu a equipe econômica”, afirma Ávila. Para o economista, o argumento de que o corte de gastos no governo ajudará a combater a inflação é falacioso. “A única área que não será afetada por esse corte é a do pagamento da dívida. O último dado que temos na Auditoria é o de 2009, em que foram gastos R$ 380 bilhões. Ou seja, mais de 7 vezes o valor do corte. Então esse gasto com a dívida não gera inflação? Esse argumento é falso”, acredita. Muito barulho... Já um pesquisador do Ipea, o economista Guilherme Delgado, acredita que o contingenciamento, por ora, não deve afetar os direitos sociais, que estão previstos por lei. “Para as rubricas que são afetadas [pelo anúncio] é um corte grande, mas não mexe com salários, com a exceção de concursos públicos que se-
rão adiados. Também não mexe com a despesa ligada a direitos sociais. Isto me parece uma readaptação de conjuntura, uma tentativa de acomodação das pressões inflacionárias, que o governo pretende interpretar dessa forma”, avalia Delgado.
Na visão de Delgado, não há motivos suficientes para preocupação com esse contingenciamento Na visão de Delgado, não há motivos suficientes para preocupação com esse contingenciamento, já que anualmente o governo anuncia um corte, após avaliar o orçamento aprovado. De acordo com ele, muitas vezes esses cortes iniciais são ignorados ao longo do ano fiscal, de acordo com a necessidade de gastar mais imposta por fatores conjunturais. No final do ano fiscal, faz-se um novo projeto que é sancionado e aprovam-se as mudanças. “Tem-se dado muita importância para esse assunto dos cortes na mídia. Porém, a margem de manobra do governo para os cortes é muito pequena, não se pode tirar tanto do orçamento, se não para a máquina pública. O governo sempre acaba gastando mais ao longo do ano, mas, no final, nenhuma mídia mostra isso”, explica Delgado. O economista, entretanto, aponta que o governo tem de ter cautela ao realizar cortes para não afetar a qualidade de serviços como o Sistema Único de Saúde e a Previdência Social, o que geraria uma perda no aspecto social.
A batalha do mínimo Governo “cede” R$ 5 e tem primeiro estranhamento com movimentos
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
vemente negativo em 2009 (-0,2%), o governo alega que o salário terá um reajuste menor neste ano em função daquele cenário recessivo. O governo tenta esfriar os ânimos das centrais assegurando que em 2012 haverá um aumento real de 14% para o salário mínimo. Os R$ 545 oferecidos pelo governo contemplam o acordo feito durante a gestão Lula, mas os movimentos apontam que o país passa por um momento em que os empresários estão em condições de dividir um pouco de seus ganhos com os trabalhadores. “No ano que vem, vamos ter um reajuste que deve girar em torno de 13% ou 14%, dependendo de quanto for a inflação e o PIB. Vai ser o maior aumento do salário mínimo, nenhuma categoria vai ter 7% de aumento real. Nem bancário, nem metalúrgico, nem químico. Nós estamos defendendo que é possível construir uma alternativa antecipando uma parte do aumento real para este ano, descontando do ano que vem”, afirmou Artur Henrique, presidente da CUT, pouco antes de uma ocupação realizada por centrais no Congresso Nacional, no dia 15 de fevereiro. Artur lembrou os incentivos fiscais
dados pelo governo ao setor financeiro e produtivo durante a crise econômica. “Queremos garantir que em 2011 o salário mínimo também seja tratado de forma excepcional, da mesma maneira que foram tratados de forma excepcional os bancos e os empresários no momento da crise.”
Desmistificação Dois estudos divulgados recentemente desmistificam o poder de fogo e o papel democratizador da Internet: o primeiro comprova que as chamadas mídias sociais são mais influenciadas pelo conteúdo dos meios tradicionais de imprensa, e não o contrário; o segundo comprova que as maiores audiências estão nos blogs e sites vinculados às redes de comunicação. A democratização da comunicação depende de redistribuição dos meios e diversificação de conteúdo. Opção política Para ficar bem com a ortodoxia econômica e a mídia burguesa, o governo Dilma endureceu na negociação com as centrais sindicais sobre o valor do salário mínimo. Uma queda de braço desnecessária, já que a questão poderia ter sido acordada com alguma concessão acima dos R$ 545. O governo tucano de São Paulo aproveitou a deixa e decretou o mínimo de R$ 600 no estado. Pergunta obrigatória: quem dá razão para a direita? Reparo urgente Novas testemunhas confirmaram, na última semana, que o processo de compra de votos contra o casal João e Janete Capiberibe (PSB-AP) foi forjado com depoimentos comprados. Os tribunais eleitorais foram induzidos ao erro da cassação política. Devolver os mandatos de senador e de deputada federal é o mínimo a se fazer – em nome da Justiça. E é preciso punir os verdadeiros culpados pela armação contra os Capiberibe! Mais perto A Operação Guilhotina, da Polícia Federal, prendeu 35 pessoas ligadas aos esquemas de milícias e tráfico de drogas no Rio de Janeiro, entre as quais 19 policiais militares e oito policiais civis, inclusive um delegado com cargo no alto escalão da Secretaria de Segurança Pública. Agora sim começaram a cair algumas peças importantes do crime organizado naquele Estado. Até parece que a PF segue o roteiro do filme Tropa de Elite 2!
“Queremos garantir que em 2011 o salário mínimo também seja tratado de forma excepcional”
Ameaça geral Centenas de famílias que residem há vários anos nas ocupações urbanas de Belo Horizonte (MG) estão agora ameaçadas de despejo, nos próximos dias, pela Prefeitura Municipal e governo do Estado, para que os terrenos sejam usados em obras viárias e instalação de indústrias. Os moradores das ocupações Camilo Torres, Irmã Dorothy e Dandara lutam por uma negociação que não seja deixar todo mundo na rua – sem destino.
A votação do mínimo estava marcada para o dia 15, depois do fechamento desta edição. As lideranças governistas já davam como certo o encerramento da discussão em torno dos R$ 545. A oposição de direita chegou até a cogitar levar o candidato derrotado à presidência, José Serra (PSDB), para explicar sua proposta de um salário mínimo de R$ 600. (RGT, colaborou Jorge Américo, da Radioagência NP)
Fora ianque! A última plenária da campanha “O Petróleo Tem que Ser Nosso!”, realizada no Sindipetro-RJ, decidiu convocar manifestações de protestos contra a presença do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Brasil, agora no mês de março. Os militantes da campanha acreditam que um dos objetivos da missão de Obama seja o de acelerar a extração de petróleo do pré-sal e favorecer as empresas estadunidenses.
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Rumos da política social! DECORRIDOS CERCA de 50 dias do governo Dilma, permanecem ainda muitas incógnitas sobre os rumos estratégicos da política social. A mídia tem insistido muito nas notícias sobre cortes de até 60 bilhões no Orçamento da União de 2011 e no reajuste do salário mínimo, sem incremento real. Mas este noticiário toca apenas em ajustes conjunturais de execução orçamentária. São de certa forma uma resposta simbólica e convencional do governo às pressões para conter a demanda pelos chamados “BensSalário”. O governo convencionalmente acomoda essas pressões na conjuntura, operando com decreto de contingenciamento do Orçamento. Decidiu limitar fortemente os gastos de custeio, diga-se de passagem, sem grande raio de manobra. Resolveu também, a título de política anti-inflacionária (neste caso o Banco Central), elevar os juros internos. Esta medida sim, não é apenas simbólica, pois tem efeito imediato em todo o arranjo macroeconômico, com incerta contenção sobre os preços dos alimentos, mas com piora no desequilíbrio externo.
Quanto à política do salário mínimo, deve-se esclarecer que há aí uma inversão de prioridades do noticiário. A política de longo prazo, anunciada pela presidenta Dilma por ocasião de sua fala na reabertura do Congresso, é de converter em Lei a regra informal vigente desde 2005 - reajuste pela inflação do INPC, mais incremento real com base na média do crescimento do PIB dos últimos dois anos. Mas essa regra, diga-se de passagem, não está sendo aplicada ao reajuste de 2011. Cortou-se o incremento real médio do biênio 2009-2010 e se aplicou apenas o INPC, com arredondamento, que resultou no valor de R$ 545. Por outro lado, conquanto a presidenta anunciasse na sua fala ao Congresso uma prioridade à Reforma Tributária, a única notícia concreta sobre este tema é a intenção de Dilma de desonerar parte da contribuição patronal da folha de salários para a Previdência Social, o que em princípio não significa Reforma Tributária. Mas ao desonerar a folha, cria-se a necessidade de compensar esta com tributos, sob pena de sérios malefícios à Se-
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Guilherme C. Delgado
guridade Social. Se realizar tal compensação, abre-se caminho para uma Reforma Tributária e esta terá que revelar na fonte a ser tributada o seu caráter-progressivo, regressivo ou neutro, com o que se define o sentido da política tributária para a política social. A área social clássica da política social – Trabalho-Previdência, Saúde e Educação – compõe um campo muito vasto de benefícios e serviços públicos, que ao que tudo indica irá no mínimo manter direitos sociais básicos, já constitucionalizados e regulamentados em texto legal subsequente. Mas provavelmente, o que ainda não está claro para este governo, como de resto não esteve também para o anterior, é a existência de uma autônoma e desejável demanda por direitos sociais já regulamentados, princialmente dos benefício monetários da Seguridade Social de forma direta e dos serviços do SUS de forma indireta, para os quais a estrutura orçamentária vigente não está calibrada com recursos tributários suficientes. Daí os apelos conjunturais e recorrentes aos cortes de custeio, vendidos sob o selo enganoso da austeridade fiscal, considerada ape-
Quanto à política do salário mínimo, devese esclarecer que há aí uma inversão de prioridades do noticiário
nas a restrição tributária existente para a área social. Ora, tanto a desoneração de parte da Contribuição Patronal, quanto a ampliação de cobertura da população atendida pela Seguridade Social, agora cada vez mais acossada por novos riscos ambientais, requerem recursos fiscais que, nas democracias de perfil Estado social, envolvem uma forte disputa distributiva. Isto tudo teria de passar pela sociedade, ir ao Congresso e suscitar vivo debate político, para, ao fim e ao cabo de uma disputa democrática, gerar mudanças na política tributária de caráter progressivo sobre a renda e a riqueza sociais. Mas isto não está na agenda declarada da presidenta. Não está na mídia, nem repercute no Congresso desta forma. Mas virá à tona cedo ou tarde porque é real. Para fechar, quero deixar claro que nada tratei da política agrária do novo governo neste texto, em parte porque nada foi anunciado de novo, em parte porque não cabe nos limites deste texto. Mas é assunto fundamental, se se quiser pensar o sentido distributivo do conjunto da política pública. Tratarei oportunamente deste tema, de forma específica.
Como o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos João Zinclar
ENTREVISTA A pesquisadora Lia Giraldo, da Fiocruz, analisa o papel do lobby que transformou o país no principal consumidor de venenos agrícolas Raquel Júnia do Rio de Janeiro (RJ) A PESQUISADORA Lia Giraldo explica como os agrotóxicos foram introduzidos no Brasil a ponto de o país ser hoje o campeão mundial no uso de venenos. Lia é pesquisadora do departamento de saúde coletiva, do laboratório Saúde, Ambiente e Trabalho, da Fiocruz Pernambuco. Ela coordena um grupo de pesquisadores responsáveis por revisar os estudos científicos existentes sobre onze agrotóxicos que estão em processo de revisão pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio é a explicação para o Brasil ser campeão no uso de agrotóxicos
O uso de agrotóxicos no Brasil vem crescendo ano após ano. O país lidera o ranking dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Por que consumimos tanto veneno?
“As cinco maiores produtoras de agrotóxicos têm fábricas no Brasil – Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto” Lia Giraldo – Desde a década de 1970, exatamente no ano de 1976, o governo criou um plano nacional de defensivos agrícolas. Dentro do modelo da Revolução Verde, os países produtores desses agroquímicos pressionaram os governos, através das agências internacionais, para facilitar a entrada desse pacote tecnológico. Em 1976, o Brasil criou uma lei do plano nacional de defensivos agrícolas, na qual condiciona o crédito rural ao uso de agrotóxicos. Assim, parte desse recurso captado deveria ser utilizada em compra de agrotóxicos, que eles chamavam, com um eufemismo, de defensivos agrícolas. Então, com isso, os agricultores foram praticamente obrigados a adquirir esse pacote tecnológico. E também com muita rapidez foi formatado um modelo tecnológico de produção que ficou dependente desses insumos, e isso aliado ainda a uma concentração de terras, mecanização, com a utilização de muito menos mão de obra. Tivemos um grande êxodo rural: de lá para cá o Brasil mudou completamente, era um país rural e virou um país urbano, seguindo um fenômeno que aconteceu também em outros países. Então, o Brasil se rendeu às pressões econômicas internacionais na defesa desse mo-
delo. Depois disso houve muito lobby político, inclusive, tivemos ministro ligado a empresas produtoras de agrotóxicos. E isso fez com que o Brasil não só passasse a ser consumidor, mas também produtor desses produtos. As cinco maiores produtoras de agrotóxicos têm fábricas no Brasil – Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto. E depois, dentro dessa linha, e associado ao ciclo de algumas monoculturas como a soja, o algodão, o café e a cana-de-açúcar, esse modelo casou bem com o modelo de produção de monocultura extensiva, demandando cada vez mais terras, cada vez expulsando mais o pessoal do campo para a cidade. Na divisão internacional do capital, o Brasil ficou com esse perfil de exportador de commodities, com um modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio e essa é a explicação para sermos os campeões no uso de agrotóxicos.
“Criaram uma estrutura por dentro do governo, que é o Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], onde passam os interesses do agronegócio” A pressão para que os agricultores passassem a usar agrotóxicos também foi colocada em prática nos outros países do hemisfério sul?
Sim. Se analisarmos países da América Latina, como a Argentina e o Uruguai, cada um com suas características, perceberemos que isso se repete. Mas no Bra-
sil esse quadro ganha proporções maiores com o nosso gigantismo territorial e também facilidades e estratégias de abertura para o capital externo, com um governo absolutamente permeável. O Brasil estranhamente tem dois ministérios da agricultura, um para o agronegócio, que é o “gordão”, com bastante dinheiro, e outro para a agricultura familiar, que é magrinho e com pouquinho dinheiro. São dois ministérios da agricultura com políticas completamente divergentes. E por onde a bancada ruralista consegue pressionar a Casa Civil? Por dentro. Criaram uma estrutura por dentro do governo, que é o Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], onde passam os interesses do agronegócio. E quais são as características desses agrotóxicos hoje? Eles são mais tóxicos do que nos anos 1970?
A evolução da toxidade tem mais a ver com a resistência das pragas aos produtos. A motivação da evolução não é para produzir produtos menos tóxicos para a saúde ou o meio ambiente. Mas sim porque a natureza reage e as pragas se tornam mais resistentes, e as empresas são obrigadas a produzir novas moléculas para os agrotóxicos serem efetivos. Isso está aliado também com o aumento da quantidade de uso, porque enquanto eles não conseguem produzir uma nova molécula a qual a praga seja mais sensível, eles aumentam a carga de agrotóxico. Então, existe uma toxidade e um perigo com a introdução de novas moléculas, que são mais tóxicas para os seres vivos, portanto para nós, seres humanos também – para as células, para o DNA, para as estruturas biológicas. Mas também há um grande perigo quando se aumenta a concentração de um produto que está tendo baixa eficácia e se aplica esse produto sozinho ou associado a ou-
tro ou a um coquetel de outros produtos tóxicos. Se, aumentando a concentração de determinado produto, ele já começar a ameaçar a saúde pública, esse produto já não pode mais ser usado. Aí inventam uma outra molécula, e assim vai. E como as experiências feitas para o registro são baseadas apenas em efeitos agudos – ou seja, a morte – e não há testes de longo prazo principalmente para a saúde humana, a nova molécula é registrada. Mas uma coisa é ver se um ratinho desenvolve câncer em seis meses ou um ano e outra coisa é uma pessoa ficar exposta durante muitos anos. Então, esses aspectos não são levados em consideração para o registro de novos produtos e, com isso, eles têm conseguido registrá-los, até que nós comecemos a registrar novamente danos à saúde e ao meio ambiente e uma série de efeitos negativos que vão então permitir que a agência reguladora casse o registro ou restrinja os produtos.
“Uma coisa é ver se um ratinho desenvolve câncer em seis meses ou um ano e outra coisa é uma pessoa ficar exposta durante muitos anos” E quais as consequências disso para o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores rurais e também para a população de modo geral?
As consequências vistas em estudos experimentais são evidências importantes, mas não são suficientes. Porque pode-se alegar que foi em determinado contexto, que é para uma determinada espécie e não para outra, então cria-se sempre uma flexibilidade na hora de extrapolar os dados para a saúde humana. É muito difícil estabelecer essas regras de consumo e de proteção baseando-se nos parâmetros que são adotados, porque eles são criados justamente para proteger o capital. É necessário, portanto, que tenhamos outros indicadores de vigilância da saúde que não sejam apenas esses restritos a estudos experimentais em animais, mas sim baseados em estudos clínicos e epidemiológicos. Há uma resistência quanto a esses estudos serem internalizados como parâmetros para tomar as decisões de registro ou de captação de uma molécula, porque ou os estudos não existem, ou são muito restritos. O governo, as universidades e mesmo as empresas não incentivam esses estudos e a falta desse tipo de informação é uma política para manter a outra política, porque obviamente favorece a manutenção do modelo. Mas existem muitas evidências de danos dos agrotóxicos à saúde, só que, infelizmente, pelos protocolos que são estabelecidos, esses danos não são reconhecidos para a tomada de decisão. (Publicada no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz)
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cultura
Redenção, capitalismo e emigração Reprodução
FESTIVAL DE BERLIM Mostra de filmes, que acontece entre os dias 10 e 20 de fevereiro, destaca Tropa de Elite 2 Rui Martins de Berlim (Alemanha) O FESTIVAL INTERNACIONAL de Cinema de Berlim mostrou o capitão Nascimento, da Tropa de Elite 2, redimido e, com ele, o diretor do filme, José Padilha, que concedeu uma longa entrevista à imprensa internacional. Logo no primeiro dia do festival, que vai do dia 10 ao dia 20, houve um filme revelando como um banco de investimentos trapaceou seus clientes lhes vendendo ações tóxicas sem valor, no filme Margin Call, de JC Chandor. O filme foi inspirado na crise dos sub-primes e na crise financeira de 2008. Outro ponto alto do festival foi a história de uma família turca integrada na Alemanha, filme feito pela neta de um imigrante dos anos de 1960, Almanya, de Yasemin Samdereli. Confira nesta páginas mais detalhes sobre essas três histórias.
Tapete vermelho em Berlim: redenção do capitão Nascimento
A redenção do capitão Nascimento de Berlim (Alemanha) O capitão Nascimento se redimiu em Tropa de Elite 2 e acabou depondo numa comissão parlamentar de inquérito, denunciando governador, secretário da Segurança, deputados e políticos, que transformaram o combate ao tráfico nas favelas em manobras para ganhar votos.
Maria Ribeiro acentuou o fato de Padilha ter ensinado os brasileiros a ver os políticos de outra maneira Enquanto o herói do primeiro Tropa de Elite chegou a ser acusado de fascista por torturar e matar, a sequência denuncia políticos e, embora feito depois da invasão do Complexo do Alemão, em 2010, trata justamente da questão da criação
de milícias policiais que achacam diretamente a população, depois de terem eliminado os traficantes. O público do teatro Friedrichstadtpalast de Berlim gostou e aplaudiu longamente. A estreia de Tropa de Elite 2 na Europa é promissora e deverá seguir a trilha do filme precedente, laureado com o prêmio máximo do Festival de Berlim, o Urso de Ouro. José Padilha, com seu gorro de lã e malha vermelha, foi também aplaudido pelo público. Durante a tarde, ele e os atores Wagner Moura e Maria Ribeiro tiveram encontros com a imprensa internacional. Falando inglês perfeito de antigo aluno de Oxford, Padilha tratou da corrupção no Brasil e criticou o governo do ex-presidente Lula, pelo mensalão. Por sua vez, Maria Ribeiro acentuou o fato de Padilha ter ensinado os brasileiros a ver os políticos de outra maneira, por isso esse novo filme não é uma simples continuação. “O primeiro filme”, disse ela, “queria mostrar as relações da
Um filme político
sobre capitalismo de Berlim (Alemanha) Será que os bancos de investimentos têm algum código de ética? Pela crise de 2008, se deduz que não. Como no filme Margin Call, para se salvar da falência seus negociadores venderam aos incautos seus títulos “tóxicos”, numa operação trapaceira e desonesta, não punida pelas bolsas de valores. O primeiro filme exibido na competição, no Festival de Berlim, poderia ser definido como um retrato do capitalismo. Os estadunidenses também fazem filmes críticos do capitalismo, mas sem nomeá-lo, e tudo pode se perder como um caso isolado, envolvendo simplesmente pessoas. Margin Call trata de um tema bastante atual – a recente crise financeira dos sub-prime com falência de grandes bancos como o Lehman, nos EUA, e a necessidade dos países injetarem bilhões de dólares de dinheiro público em seus bancos, para salvá-los da liquidação.
Os atores são excelentes: Kevin Spacey, Zachary Quinto, Jeremy Irons e mesmo Demi Moore O filme, versando sobre um tema tão econômico, capaz de não interessar ao grande público mesmo este sendo o mais afetado, toma aspecto final de um thriller. Mas o herói pode ser considerado como bandido, pois se não tivesse percebido e denunciado o buraco criado com a compra de um número excessivo de “ações podres ou tóxicas” e sem valor, como os títulos emi-
tidos pelo banco Lehman ou hipotecas ou investimentos do banco suíço UBS, sua empresa de negociadores teria ido à falência. O filme é de JC Chandor e vale a pena ser visto quando passar no Brasil, porque mostra o clima selvagem entre os negociadores predadores, sem piedade uns com os outros. Sem piedade com a humanidade, pois são eles, os negociadores, que fazem jogos nas bolsas para aumentar os preços dos produtos básicos da alimentação e do petróleo. Os atores são excelentes: Kevin Spacey, Zachary Quinto, Jeremy Irons e mesmo Demi Moore. A história, no alto de um daqueles altos edifícios de Manhattan é a seguinte: um jovem analista, depois de estudar o ativo e passivo do banco de investimentos, descobre não haver mais reservas suficientes para cobrir seus títulos “tóxicos” de risco. A falência é iminente. O chefe dos negociadores, capaz de chorar por sua cadela doente, que lhe custa mil dólares por dia no veterinário, mas frio e implacável quando se trata de renovar sua equipe, convoca uma reunião noturna de crise, à qual comparece o chefão. Depois de ouvir a situação catastrófica, ele propõe a salvação: se desfazer tão logo abram as bolsas do máximo de títulos tóxicos, e sem alertar aos compradores quanto à nulidade desses títulos. Tudo acontece como previsto, o banco passa para a frente seus títulos, numa verdadeira trapaça, legal nas bolsas, e o chefe dos negociadores tem uma crise de consciência, mas tudo fica por isso mesmo. Depois da crise de 2008, tudo já se esqueceu e os bancos de investimentos continuam especulando nas bolsas. Apenas algumas leis foram mudadas. O filme não chega aí, mas sugere, e também não fala ser isso um dos traços do capitalismo, mas fica por conta do espectador. (RM)
polícia com os traficantes de drogas, porém o segundo cavou mais fundo, mostrando a relação que há entre a polícia e os políticos e, sobretudo, como os políticos manipulam as instituições policiais para manter o poder”. “Meus dois filmes se complementam”, acrescenta Padilha, “eles seguem uma certa lógica inerente. No primeiro, vê-se a violência sob a ótica de um policial violento e a pergunta decorrente é: por que temos policiais assim, o que produz isso? O personagem principal, que faz parte de uma patrulha, é violento no seu cotidiano, mas não entende de onde vem a violência, acha ser normal e nós o seguimos segundo o seu raciocínio”. “Porém”, prossegue Padilha, “em Tropa 2, esse policial vai entender porque ele é o que é. Ele é só uma peça no tabuleiro. No segundo filme, ele vê quem mexe nessas peças, ele olha para cima, ou seja, o segundo filme dá mais atenção à ligação entre os policiais e os políticos e explica porque a polícia age violentamen-
te, esclarecendo o Tropa 1”. Um jornalista africano perguntou: “A corrupção que se vê no filme significa que o governo de Lula fracassou?” Padilha respondeu que o Brasil é um país muito grande e o governo tem de lidar com diversas questões. “Eu diria que o Lula foi bem sucedido ao lidar com certas questões e falhou com outras. Queria ver quem conseguiria solucionar todos os problemas de um país. Mas na questão da corrupção falhou de maneira lamentável, pois o governo Lula foi corrupto, envolvido num esquema enorme de corrupção e todos sabem disso. O esquema se chamava de mensalão, boa parte do governo estava envolvida nisso e será julgado este ano pelo STF. Mas Lula escapou de alguma maneira, saiu bem, saiu incólume porque conseguiu bons resultados noutros setores. Ele conseguiu que boa parte da população pobre se transformasse em classe média e isso é importante. Esse sucesso econômico lhe garantiu eleger sua candidata”. (RM)
A integração dos turcos na Alemanha de Berlim (Alemanha) Vivem hoje dois milhões de turcos na Alemanha. A imigração turca começou nos anos 50 do século passado, pois mesmo com emigrantes espanhóis e portugueses, faltavam braços na indústria e na construção na Alemanha. No dia 10 de setembro de 1964, ao entrar na Alemanha o milionésimo emigrante, o governo alemão assinalou essa passagem e ofereceu prêmios de boas-vindas a ele, um português. O filme Almanya – Bem-vindo na Alemanha conta a história do emigrante que chegou a seguir, o de número 1.000.001, um turco, e da família que trouxe para a Alemanha, até uma homenagem da chancheler Angela Merkel aos emigrantes daquela época.
O momento de sua exibição, paradoxalmente, mostra tanto na Alemanha como na União Europeia, um clima desfavorável à emigração Sem dúvida, esse filme positivo sobre a integração dos emigrantes turcos na Alemanha, que omite as lembranças amargas, dirigido por uma neta de emigrante, Yasemin Samdereli, e com cenário de sua irmã Nesrin Samdereli, seria um forte concorrente ao Urso de Ouro, mas não participa da competição. O momento de sua exibição, paradoxalmente, mostra tanto na Alemanha como na União Europeia, um clima desfavorável à emigração. Faz pouco tempo, a chanceler Angela Merkel afirmou ter sido um fracasso a política alemã multicultural, enquanto a UE
decretou ser crime punível com prisão e expulsão a emigração clandestina. O filme não é de contestação, mas parte da constatação de que os primeiros emigrantes são hoje avós de netos integrados na Alemanha, alguns deles nem sabendo mais falar o idioma de origem. É verdade que a Alemanha não ajuda nisso, pois embora nas escolas existam o inglês e o espanhol nos currículos, não há o ensino do turco. Entretanto, a integração é um fato, tanto que, faz alguns anos, a revista Spiegel publicava uma capa na qual um turco de bigode era mostrado como o futuro alemão, diante da taxa de natalidade muito mais alta que a dos alemães. Isso, porém, não impede que muitos emigrantes e seus filhos e netos tenham uma crise de identidade – se são alemães ou se são turcos, no caso do filme exibido no Festival de Berlim. A história da integração do imigrante turco Hueseyin Yilmaz é plena de momentos de emoção, como o momento de receber seu passaporte alemão. O filme tem momentos de humor que lembram um filme suíço sobre a mesma temática do imigrante, Os fazedores de suíços, sobre as absurdas exigências aos estrangeiros para se tornarem suíços. A história dos imigrantes, e particularmente dos turcos, vem sendo contada por eles próprios ou por cineastas alemães. Porém, a maioria desses filmes fala de não integração, de racismo ou problemas vividos por mulheres impedidas de se integrar por seus maridos. A diferença religiosa parece deixar de ser problema em pouco tempo, com turcos muçulmanos com árvores de Natal e seus filhos cantando cânticos católicos. No filme Almanya, mostra-se que um dos filhos do imigrante Yilmaz tinha medo do crucifixo e que a ideia de comer Cristo, na hóstia ou na Santa Ceia, soa como antropofagia. (RM)
áfrica
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A revolução continua EGITO Embora respeitados pela população, militares podem frear mudanças profundas Reprodução
Eduardo Sales de Lima da Redação A POPULAÇÃO egípcia se rebelou por causa da falta de perspectiva de uma vida digna, de emprego, saúde, educação. Também não suportava mais a permanência de um déspota no poder. Foi às ruas e fez sua revolução. E continua fazendo. “Está em curso um revolução, mas o caráter não está claro, se ela vai democrático-popular ou se terá outra característica”, explica o sociólogo e arabista Lejeune Mirhan. Parece que isso vem ocorrendo. No dia 14, logo após o exército ter evacuado a Praça Tahir, principal palco das manifestações que clamavam a renúncia de Hosni Mubarak, cerca de 2 mil trabalhadores, entre bancários, policiais e funcionários da indústria do turismo e do transporte, marcharam reivindicando melhores salários. Para o sociólogo estadunidense de família egípcia Alexander Hanna, que retornou do Cairo para os Estados Unidos no dia 13, apesar da ausência de direção central no movimento, o país vive uma espécie de “efervescência coletiva”. Para ele, esse clima pode levar a população a outros avanços, extrapolando o campo político-institucional em direção a mudanças econômicas e sociais. Assim enxerga a historiadora Arlene Clemesha, professora de história árabe da Universidade de São Paulo (USP). Para ela, parece claro que há setores que não vão parar por aqui. “As reivindicações ainda não foram atendidas”, afirma. O bacharel em relações internacionais Fernando Bissacot teve a mesma impressão. Ele permaneceu em Cairo por três meses e retornou ao Brasil no dia 11. Após testemunhar os protestos, ele chegou à conclusão que um grande desafio para o futuro da revolução será exatamente com relação à canalização das expectativas populares de maneira organizada, “capaz de exercer uma força política de caráter nacional”.
Manifestantes comemoram a queda de Mubarak na praça Tahir, no centro do Cairo
nuo aqui, mas acredito que as pessoas descobriram que elas têm poder coletivo e que quando chegar a hora de começar a redigir a Constituição, com delegados e representantes para esse processo, ele vai em geral refletir a vontade do povo”, afirma.
“A população, com comitês, tem sustentado a necessidade de um governo de transição, com o exército e a presença de alguns representantes civis”
Provisório?
Já nesse momento de transição é possível organizar essas expectativas, de acordo com Alexander Hanna, que também é graduando da Universidade de Wisconsin-Madison e pesquisador de movimentos sociais e mídia social. Para ele, enquanto os aspectos da nova constituição forem escritos para “salvaguardar o espírito do movimento”, o declínio de poder democrático pode ser evitado. “Claro, nenhum documento é 100% invulnerável a abusos. Posso parecer ingê-
Mas agora, já no processo de redigir as mudanças na Constituição, aparecem entraves. No dia 13, o Exército anunciou que havia dissolvido o Parlamento e suspendido a Constituição, e que governará o país durante seis meses ou até que eleições possam ser realizadas. Até o fechamento desta edição (dia 15), o conselho da junta militar ainda não dava detalhes sobre a participação de civis ou de outros grupos na alteração da Constituição durante a transi-
ção. Nada foi dito também sobre o fim da Lei de Emergência, que vigora há 30 anos no país. “A população, com comitês, tem sustentado a necessidade de um governo de transição, com o exército e a presença de alguns representantes civis. A situação, contudo, não está indicando que o Exército vá atender a essa exigência”, critica Clemesha. Fé
No momento, a situação política no Egito é contraditória. Como conta Arlene Clemesha, o Exército tem um história de participação em guerras como as de 1956, 1967, 1973. Além disso, “nessa revolta popular, o Exército foi simpático à população, juntando-se a ela, tirando fardas, se recusando a reprimir”, lembra. Assim também pensa Alexander Hanna. “As pessoas parecem ter fé nos militares”, afirma. Ele lembra de uma palavra de ordem nos 18 dias de manifestações ocorridas a partir de 25 de janeiro e que levaram à queda de Mubarak: “O povo e o Exército são uma mão”. Essa palavra de ordem, segundo Hanna, é estratégica. Pode funcionar, de acordo com ele, como um tipo de defesa, de
Forças políticas tomam sua forma Três campos se sobressaem a partir da renúncia de Mubarak da Redação A partir dos 18 dias de manifestações no Egito, três grandes forças políticas se sobressaíram. Existiria, de acordo com o sociólogo Lejeune Mirhan, um conjunto de forças mais conservadoras, apoiada pelos militares; outro campo político formado por forças religiosas, liderado pela Irmandade Muçulmana; e, por último, um conjunto de forças progressistas ligadas às bases populares. Segundo ele, o primeiro campo tem um caráter laico conservador, que poderia representar a Junta Militar. “É um Mubarakismo sem (Hosni) Mubarak. Isso é uma possibilidade real”, pondera Mirhan. Para ele, até mesmo o próprio ministro da Defesa, Mohamed Hussein Tantawi, “conhecido como poodle de Mubarak, pró-americano ferrenho”, pode ser candidato a presidente. Sobre esse setor, o professor de Relações Internacionais da UnB, Virgílio Arraes, acrescenta que, no momento, as forças armadas egípcias e a diplomacia estadunidense analisam os nomes dos possíveis sucessores de Mubarak para as eleições presidenciais de setembro. Arraes vai além e acredita que é possível que haja um consenso até mesmo com a “incipiente oposição”, mesmo civil. A segunda força política, segundo Lejeune Mirhan, seria a união das forças islâmicas em torno do grupo chamado Irmandade Muçulmana. Entretanto, não é muito provável que esse campo dispute as eleições à presidência da república, visto que o laicismo na política egípcia já é algo consolidado, como explica o historiadora Arlene Clemesha. “O Egito tem uma população muito religiosa, mas
que defende o laicismo na política. Mesmo a Irmandade conseguindo uma parcela dos votos ao parlamento, por exemplo, tem que ser tratada com normalidade. Os Estados Unidos e a Europa precisam olhar com mais normalidade para partidos islâmicos. Não são partidos radicais, anti-ocidentais”, explica.
Para Lejeune, a maior parte das forças progressistas queria um governo provisório, não uma Junta Militar Força popular
O terceiro campo, de acordo com Lejeune, é o que engloba os valores do nacionalismo e do pan-arabismo. Abrangeria uma linha mais popular e democrática. Para ele, uma aliança entre sindicatos progressistas, os jovens do Movimento 6 de abril, e figuras como Mohamed El Baradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e Amr Moussa, ex-ministro de relações exteriores de Mubarak e secretário geral da Liga Árabe, poderiam direcionar esse processo. Contudo, apesar de o Egito viver um momento revolucionário, existem fragilidades consideráveis quanto à organização dessa terceira via, supostamente a mais progressista. Como conta o estadunidense Alexander Hanna, que retornou do Egito no dia 13 de fevereiro, o país tem um movimento trabalhista muito vi-
brante em alguns setores, mas que foi em grande parte sufocado desde que a Federação de Sindicatos (única central do país) foi controlada pelo partido de Mubarak, o PND (Partido Nacional Democrático). Outra dificuldade em aglutinar as forças mais progressistas poderá residir no foco sobre El Baradei, que apesar de criticar tanto os Estados Unidos quanto as medidas que a Junta está tomando, não se transformou em fator de consenso. “El Baradei é um nome importante e respeitado no Egito. No entanto, pelo que pude perceber durante minha estadia por lá, ele não é considerado um líder capaz de defender as aspirações do povo egípcio e sofre duras críticas por ter passado grande parte de sua vida e carreira fora do país”, defende Fernando Bissacot, brasileiro e bacharel em Relações Internacionais, que esteve três meses no Egito e retornou no dia 11. Para Lejeune, a maior parte das forças progressistas queria um governo provisório, não uma Junta Militar. Por isso, ele conclui que o primeiro campo já está sendo vitorioso, de certa forma. “Mas de qualquer forma haverá eleições”, afirma. Fato é que, bruscas ou não, não há como fugir das mudanças políticas após as eleições. Para Arlene Clemesha, passadas as eleições programadas para setembro, seja qual força as vença, um cenário possível é o estabelecimento de políticas mais autônomas. “E essas políticas mais autônomas vão, portanto, resguardar os interesses do Egito, dos países árabes em geral também, e podem significar a formação de um entrave a toda ingerência externa, hoje muito grande”, explica.(ESL, colaboraram RGT e LB)
compromisso, de respeito à cumplicidade, caso o Exército venha, a partir de agora, responder às futuras manifestações com violência.
“Nessa revolta popular, o Exército foi simpático à população, juntando-se a ela, tirando fardas, se recusando a reprimir” Fato é que as Forças Armadas assumiram o poder e já corre pelos jornais de todo o mundo que foram eles que forçaram a saída de Mubarak. Agora, emerge a seguinte pergunta: a transição para a democracia ocorrerá, também, entre os limites democráticos? “O perigo é que o Exército conduza essa transição de forma a não permitir muita abertura. Isso é o que se teme”, pondera a historiadora Arlene Clemesha. (Colobaram Renato Godoy de Toledo e Luís Brasilino, da Redação)
Forças armadas do Egito ou dos EUA? Por acordo com Israel, militares egípcios recebem anualmente quase 1,3 bilhão de dólares da Redação O povo egípcio vive uma situação de desespero. Seu governo provisório é formado por uma Junta Militar, que tem como principal chefe Mohamed Hussein Tantawi, ministro da Defesa, considerado por especialistas, como o sociólogo Lejeune Mirhan, mais um fantoche estadunidense. Os militares egípcios, apesar de respeitados pela população e de terem apoiado as manifestações populares, sofrem de uma relação de dominação por parte de Washington. Desde a assinatura do Tratado de Paz com Israel, em 1979, os Estados Unidos passaram a auxiliar militarmente o Egito com uma quantia em torno de 1,3 bilhão de dólares por ano. Aliás, o que ocorreu após a queda de Hosni Mubarak foi sintomático. As Forças Armadas do Egito emitiram uma nota dizendo que estão mantidos todos os acordos internacionais. Ou seja, os acordos de paz com Israel e os acordos de paz com os Estados Unidos, sobretudo, estão de pé. “Desde 1979 não dá para os caras prescindirem desse dinheiro, que vai direto para eles; para essa cúpula, esse establishment militar”, ironiza o sociólogo Lejeune Mirhan. A continuidade desse “benefício” após a revolução soará no mínimo estranha ao povo que passou dias na Praça Tahir.“O Conselho Supremo do Exército sempre se beneficiou muito durante a época de Mubarak com o apoio estadunidense ao regime. O receio é que continue havendo o mesmo regime de Mubarak”, explica Arlene Clemesha. Por toda essa relação de controle por parte de Washington sob o Exército egípcio, o que contou mesmo para a queda de Mubarak, sob o ponto de vista da pressão internacional, foi a ação dos Estados Unidos. Para Virgílio Arraes, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a queda de Mubarak se deu sobretudo devido a sua incapacidade de manter o país estável, fator primordial aos estadunidenses. (ESL, colaboraram RGT e LB)
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internacional
As novas lutas globais dos movimentos populares Abdullah Vawda/IPS
FSM 2011 Para além das questões permanentes, discussões do evento deste ano se concentraram no crescimento da apropriação de terras em todo o mundo e nos perigos do debate sobre o clima Igor Ojeda enviado especial a Dacar (Senegal) A EDIÇÃO DE 2011 do Fórum Social Mundial (FSM), realizada em Dacar, Senegal, entre 6 e 11 de fevereiro, acabou não dando a atenção que se esperava aos problemas do continente que o abrigou. Porém, dois dos principais temas debatidos por movimentos sociais e ONGs participantes durante os seis dias de evento afetam diretamente sua população, assim como a de outras regiões mais pobres do planeta, como América Latina e Ásia: o crescimento acentuado da apropriação de terras nos últimos anos e o chamado “capitalismo verde”, que procura incidir no debate mundial sobre as mudanças climáticas para propor a utilização de novas tecnologias que supostamente as mitigariam. Tais inovações, nem é preciso dizer, muitas vezes requerem terras e recursos naturais em abundância, o que faz com que seja um dos elementos por trás da apropriação massiva de territórios do Terceiro Mundo. Segundo os movimentos e ONGs que lutam contra essa “nova” realidade, os principais agentes da compra ou expropriação de terras são os governos estrangeiros e, especialmente, as corporações transnacionais, devidamente assessorados ou apoiados por instituições multilaterais, como o Banco Mundial. De acordo com a Action Aid, mais de 20 milhões de hectares de terra em todo o mundo foram apropriados por Estados e empresas desde 2006. Essa preocupação, aliada ao contexto de crise econômica, climática e alimentar em que o mundo vive, fez acender o sinal de alerta das organizações presentes em Dacar. Motivações
Entre as razões que levam a tamanha apropriação privada, aponta-se o crescimento da produção de agrocombustível e biomassa, a busca cada vez maior por reservas de água doce e a especulação por parte de investidores privados, que apostam no aumento futuro do preço das terras e dos produtos agrícolas. Por outro lado, o crescimento da população e da urbanização em certos países, combinados com o esgotamento dos recursos naturais, vem levando os Estados a adquirirem terras estrangeiras para realocar sua produção agrícola e garantir a própria soberania alimentar em longo prazo.
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A marcha de abertura da 11ª edição do FSM reuniu 70 mil pessoas nas ruas de Dacar
milhões de hectares de terras foram apropriados por Estados e empresas desde 2006, segundo a Action Aid
Além das diversas mesas realizadas durante o Fórum Social Mundial, o problema foi assunto principal de uma das assembleias finais do evento, ocorrida no dia 11. Na ocasião, movimentos e ONGs lançaram o “Apelo de Dacar contra a apropriação de terras”. O documento denuncia que essa concentração agrária cada vez maior “priva os camponeses(as), pastores e pescadores de seus meios de produção, restringindo seu acesso aos recursos naturais ou limitando sua liberdade para produzir o que quiserem, e exacerba as desigualdades no acesso e controle da terra, afetando as mulheres”. Nesse sentido, o texto exige de parlamentos e governos nacionais ações que ponham fim a tal prática. Mudanças climáticas
Já em relação ao clima, os movimentos participantes do FSM deixaram claro que o tema está diretamente vinculado à crescente monopolização dos territórios. Durante o evento, a atenção ficou voltada para a preparação para as cúpulas de Durban, na África do Sul (COP17, a ser realizada no fim de 2011) e Rio + 20, que acontecerá no Rio de Janeiro em maio de 2012. As organizações sociais alertaram para a ameaça das solu-
ções “de mercado” para as alterações climáticas, que, segundo elas, servem apenas para aumentar os lucros das corporações. “A mudança climática é um produto do sistema capitalista de produção, distribuição e consumo (...) Denunciamos o ‘capitalismo verde’ e rechaçamos as falsas soluções para a crise climática, como os agrocombustíveis, os transgênicos e mecanismos de mercado de carbono, que iludem os pobres com falsas promessas de progresso enquanto se privatizam ou se transformam em commodities as florestas e territórios onde essa população tem vivido por milhares de anos”, dizia um dos trechos da Declaração da Assembleia dos Movimentos Sociais, divulgada no dia 10.
Modo de vida estadunidense
Já em relação ao clima, os movimentos participantes do FSM deixaram claro que o tema está diretamente vinculado à crescente monopolização dos territórios Para os que combatem tais supostas soluções, o fracasso das negociações para o corte das emissões de gás carbônico pelos países industrializados é, sob o ponto de vista corporativo, o melhor cenário, pois, assim, vem à tona o plano B: novas tecnologias que supostamente mitigam as alterações no clima do planeta. Dessa forma, o padrão de consumo e desenvolvimento das potências ocidentais poderia permanecer intocado. Com o objetivo de alertar sobre a ameaça desse discurso, a organização ETC Group realizou no dia 9 o debate “Rio + 20: a apropriação da Terra?”. Nas exposições dos debatedores, ficou clara a preocupação de que, por meio das novas
tecnologias, poucas corporações passem a controlar toda a vida no planeta. Um dos palestrantes foi o canadense Pat Mooney, diretor-executivo do ETC, que explicou que são três as novas tecnologias: a nanotecnologia, a biologia sintética e a geoengenharia. Segundo ele, a nanotecnologia se propõe a “reciclar e reduzir nossos dejetos enquanto aumentase o nível de renda e consumo”. Já a biologia sintética procura produzir qualquer material a partir da biomassa. “Eles costumam dizer: qualquer coisa que o dinossauro [petróleo] pode fazer, as plantas também podem”. Dessa forma, a porta estaria aberta para o controle total sobre a produção agrícola do planeta. Segundo o especialista, inúmeras empresas petrolíferas e o Departamento de Energia dos Estados Unidos estão investindo pesadamente nessa tecnologia. Por último, de acordo com Mooney, há algo ainda mais “assustador”: a geoengenharia, ou seja, a manipulação de elementos do clima para combater o aquecimento. Entre as modalidades, exemplificou, está a de introduzir nanopartículas sobre a superfície dos oceanos para que se criem certos tipos de plânctons que absorvam o excesso de gás carbônico no planeta. “O que estão dizendo é: não se preocupem com o clima. Nós não precisamos mudar nosso estilo de vida. Criaremos novas tecnologias para solucionar os problemas”. Já Naomi Klein, escritora e ativista canadense, fez um alerta: “a privatização da Terra não é ficção científica. Está acontecendo”. Segundo ela, depois do fracasso da Cúpula do Clima de Copenhague, realizada em dezembro de 2009, tal processo se acelerou, e o “plano B” foi posto em prática. Para Naomi, as novas tecnologias permitem que se privatizem novas fronteiras, que não são mais físicas. Já para o ativista do Mali, Mamadou Goïta, diretor-executivo da organização IRPAD África (Instituto de Pesquisa e Promoção de Alternativas em Desenvolvimento), a África tem muito o que ensinar ao mundo em relação ao enfrentamento dessa situação. Ele explicou que em todo o continente existem exemplos de novas técnicas e instrumentos utilizados pelos agricultores para lidar com os efeitos da alteração do clima, como novos materiais e a produção de novas espécies de sementes. “O ponto-chave é a diversidade. Produzimos sementes para serem compartilhadas: não é o lucro sendo maximizado, mas os riscos sendo minimizados”, afirmou.
Agenda de mobilizações Em um auditório da Universidade de Dacar lotado, organizações populares de todo o mundo, reunidas na Assembleia dos Movimentos Sociais, definiram no dia 10 duas datas comuns de luta para 2011. Para 20 de março, está prevista uma mobilização global em solidariedade justamente às rebeliões no mundo árabe. Em 12 de outubro, dia já vinculado à resistência indígena na América Latina, ocorrerá uma jornada global de luta contra o capitalismo.
Vida universitária que segue Imensa maioria dos estudantes da universidade que abriga o FSM-2011 participa do evento apenas na condição de observadores curiosos
de Dacar (Senegal) “Minha utopia é ver um Senegal melhor, com dirigentes competentes”, dizia um dos muitos escritos de uma grande faixa de pano branco estendida sobre a calçada de uma das ruas do campus da Universidade Cheikh Anta Diop, a Universidade de Dacar. O exercício proposto estava escrito em outra faixa menor, pendurada num galho de árvore logo acima. “Qual é a sua utopia?”, dizia a mensagem em cinco línguas: francês, inglês, wolof (a principal língua originária do Senegal), português e espanhol. Criada para receber a adesão de pessoas de todo o mundo que circulavam por ali (o que de fato ocorreu), a iniciativa seduziu, na maioria dos casos, os estudantes locais.
“Minha utopia é que Wade se vá”, escreveu Pape Sambaindiaye, estudante de direito de 22 anos, sobre o atual presidente senegalês, Abdoulaye Wade. “Estamos cansados. O presidente é muito velho, já está há muito tempo no poder. As condições de vida no Senegal estão muito difíceis”, disse ao Brasil de Fato. Ele é um dos muitos estudantes que estavam bastante curiosos com as movimentações em torno do Fórum Social Mundial (FSM). Para Pape, o evento é uma assembleia de todos os povos do mundo. “Estou muito interessado, mas tenho aula”, diz o universitário, que, perguntado se gostaria que as aulas tivessem sido canceladas durante esse período, abre um sorriso sem-graça, mas responde afirmativamente.
“Estou muito interessado, mas tenho aula”, diz o universitário, que, perguntado se gostaria que as aulas tivessem sido canceladas durante esse período, abre um sorriso semgraça, mas responde afirmativamente O FSM-2011 mudou a vida da Universidade de Dacar, mas, para a maioria de seus 60 mil estudantes, a vida se-
guiu normalmente. Muito devido às aulas que continuaram a ser ministradas, os universitários senegaleses participaram do evento principalmente na condição de observadores curiosos. Mas não por falta de vontade. Abdourahimoune Bassirou, de 30 anos, é outro dos que gostariam de ter participado das atividades, mas não pôde. Estudante de relações internacionais, ele acredita que a realização do FSM em Dacar é muito importante por proporcionar a interação entre pessoas que vêm de muitos países. “Muitas questões importantes para a África são discutidas, como a migração, os refugiados, o próprio capitalismo”. Para ele, o debate sobre tais temas em um evento realizado em seu país servirá para que eles alcancem muitos senegaleses. “Atualmente, são poucas pessoas que sabem dessas questões. Com o Fórum, os senegaleses e os africanos ficarão sabendo”. Espaço de diversidade
Sem poderem tomar parte do FSM, muitos dos alunos da Universidade de Dacar observavam a movimentação numa das concentrações principais do evento. Inúmeras tendas brancas cobriram o espaço ao lado da Faculdade de Ciências Econômicas e Gestão. Como num típico Fórum Social Mundial, havia de tudo. Barracas das mais diversas organizações, movimentos e fundações, esteiras com artesanatos típicos, locais
de venda de produtos alimentícios orgânicos, vendedores ambulantes... e gente. Muita gente circulando. Estudantes curiosos se misturavam entre os participantes do evento, muitos destes procurando por entre as tendas o local do debate que escolheram assistir (muitas vezes, sem encontrar). Senegalesas de trajes típicos cantavam para atrair a atenção do público para seus mais variados grãos à venda. Um grupo de percussão de Gâmbia tocava e dançava um ritmo muito parecido com o samba. De repente, passava uma marcha em solidariedade aos povos do Egito e da Tunísia ou contra a violência na região de Casamance, que reivindica a independência do Senegal. Entre os comerciantes senegaleses que vieram tentar a sorte no espaço do evento estavam as vendedoras de peixe Maguelle Seyrrabor Sankharé e Fatoumata Cissé, vice-presidente da União de Mulheres Peixeiras. Normalmente trabalhando no porto de Dacar, onde têm um pequeno estande, ambas reclamaram das condições em que vivem. “Com o que trabalhamos, não dá para viver. É muito sofrido. Faltam políticas do governo para ajudar”, disse Maguelle. De pé atrás de uma caixa que exibe os atuns que vendem, ela reclamou da dificuldade de criar os três filhos. “Meu marido foge numa hora dessas. Ele não ajuda em nada”, diz. Para ela, nem o Fórum Social Mundial pôde mudar essa dura realidade. (IO)
américa latina
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Crescimento alto, dinheiro curto ARGENTINA Governo federal maquia números da inflação, oposição se aproveita, mas quem sai perdendo é o trabalhador Gama
Dafne Melo de Buenos Aires (Argentina) EM UMA VENDA na Grande Buenos Aires, a cliente pede por um maço de cigarros. “Seis pesos”, diz a vendedora, no que a cliente puxa da carteira uma nota de 100. A vendedora faz cara de quem não vai trocar a nota, mas logo desiste. “Se fosse há alguns anos, não te trocaria em hipótese alguma, mas hoje, a verdade é que 100 pesos já não valem muita coisa”. A percepção da comerciante não é nada falsa. De acordo com consultorias privadas, nos últimos cinco anos a nota de 100 pesos de desvalorizou pela metade. A consultoria Analytica revela que a nota de 100 pesos correspondia a 35% das notas em circulação em 2005; hoje, são 46%. No final de 2010, em plena época de festas de fim de ano, chegou a faltar notas de 100. Nos caixas automáticos de bancos, saíam apenas notas de 10 ou 50 pesos e muitos saques foram limitados em diversas cidades do país. A oposição saltou a gritar e alguns setores chegaram a pedir que Banco Central começasse a imprimir notas de 200. O governo argentino de Cristina Kirchner, entretanto, não reconhece os índices e estatísticas de boa parte das consultorias e institutos de pesquisa privados. Por meio do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), afirma que a inflação de 2010, por exemplo, foi de 10,9%. Cálculos feitos por outros economistas chegam a pouco mais de 30%. A página na internet www.inflacionv erdadera.com, mantida por um grupo de economistas que afirmam comparar diariamente o preço de produtos nos mercados, afirma que a inflação anual, levando-se em conta apenas os preços de bebidas e alimentos, é de 34%. Já o aumento anual da cesta básica fica em 28%.
“Na década de 1980 não houve inflação na Argentina e a pobreza aumentou muito”
Mal necessário?
Demian Panigo, economista e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet, na sigla em espanhol), afirma que hoje há dois debates principais acerca da inflação. Um, de natureza mais ortodoxa, que afirma que o problema é o crescimento econômico acelerado pelo qual vem passando a Argentina nos últimos anos e o excesso de gastos públicos. A saída seria desacelerar a economia e intervir no câmbio. Outra posição, mais heterodoxa, defende que a inflação é um mal necessário para um país que escolhe crescer e gerar emprego; a inflação deve ser controlada, mas através de outros mecanismos que não desacelerar a economia. “Recessão é deflação garantida, mas é também algo que prejudica o país”, afirma Kicillof, para quem o desafio do governo federal é gerar meios de conseguir mais controle sobre os preços, a exemplo do que faz hoje com as tarifas aéreas depois da compra das Aerolíneas Argentinas. Hoje, entretanto, afirma Kicillof, o governo Kirchner ainda não consegue ter a força política necessária para implementar algumas dessas medidas, interferindo de maneira mais direta na economia, devido à resistência de setores empresariais que seriam atingidos, a exemplo do conflito que o governo tem com o setor agroexportador. (Ver matéria abaixo). Panigo também acredita que a inflação não é necessariamente ruim e que sua existência não é necessariamente danosa para os trabalhadores, sobretudo os informais. Para ele, a não existência de inflação não garante menos pobreza. “Na década de 1980 não houve inflação na Argentina e a pobreza aumentou muito”, argumenta. Além disso, Panigo afirma que se o país quer crescer, é inevitável que tenha que conviver com aumento dos preços. “Curiosamente, os dois países que mais crescem hoje e mais diminuem a pobreza são os que mais têm inflação, Venezuela e Argentina”, defende o economista.
Crescimento
Uso político
O fato é que ninguém acredita muito nos índices do Indec, e a sensação geral é de que os preços de alguns produtos, sobretudo alimentícios, duplicaram nos últimos três ou quatro anos. Os aluguéis também sofreram alta devido à grande especulação imobiliária existente em toda a região metropolitana da capital argentina. A regra tem sido uma elevação de cerca de 200 pesos por ano, ainda que o governo proíba o aumento, que muitas vezes não está previsto em contrato, mas é acertado verbalmente entre as partes. A oposição não deixa de apontar essa insatisfação e certamente fará uso político da sensação de pobreza e insatisfação gerada pela inflação nos debates eleitorais deste ano, já que em outubro a Argentina escolhe um novo presidente – ou a mesma presidenta, já que Cristina deverá tentar a reeleição. A oposição também ressalta a falta de transparência na contagem dos índices. De acordo com o jornal conservador La Nación, em reportagem do dia 23 de janeiro, o Indec deixou de contabilizar 80 pontos percentuais da inflação entre os anos de 2007 e 2010. Para os economistas consultados pelo jornal, a inflação desse período foi de 120%. O Indec contabiliza um acúmulo de 39% apenas. Para o economista Axel Kicillof, pesquisador da Universidade de Buenos Aires (UBA), é fato que há inflação e a discussão não deve passar por aí, mas discutir as formas existentes para controlá-la. “Temos que discutir como atuar, se dentro de um modelo ortodoxo ou heterodoxo”, resume.
Indec em descrédito de Buenos Aires (Argentina) O Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) é o órgão público de caráter técnico ligado ao Ministério de Economia e Finanças Públicas, responsável, na Argentina, por medir a inflação, níveis de desemprego e crescimento, dentre outras atribuições. Em outubro de 2006, pouco antes das eleições presidenciais que colocou Cristina Kirchner na Casa Rosada, o governo, então com Néstor Kirchner, interveio no órgão. Na ocasião, o Executivo pediu a Graciela Bevacqua, titular da Diretoria do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), os nomes dos estabelecimentos comerciais pesquisados para o cálculo da inflação. A diretora negou-se a fazêlo, com base na lei de sigilo estatístico.
Em janeiro seguinte, a diretora, que estava há dez anos na direção, foi demitida sem aviso prévio, assim como vários técnicos. Em seu lugar, assumiu Beatriz Paglieri, pessoa vinculada politicamente à Secretaria de Comércio. Funcionários do instituto denunciaram então uma mudança da metodologia – que não foi publicada nem discutida entre os técnicos. Um mês depois, Manuel Garrido, fiscal de Investigações Administrativas, intimou a depor tanto os funcionários que fizeram a denúncia como os de oposição. Graciela, que hoje trabalha em um instituto vinculado à Universidade de Buenos Aires, denuncia até hoje a intervenção, afirmando que o governo federal não queria gastos domésticos nos índices de preços. (DM)
De fato, a Argentina tem conseguido manter bons índices de crescimento nos últimos anos e reduzir os níveis de pobreza e de desemprego. Em 2010, o governo divulgou os índices de crescimento, em clima de festa, e propagandeou que crescimento equivalente ocorreu apenas há 200 anos, no final do século 19, quando o país chegou a ser a sexta economia do mundo. Entretanto, há de se levar em conta que as altas porcentagens aparecem após uma intensa recessão entre 2000 e 2003, quando o país entrou em crise e as taxas de crescimento chegaram a menos 14%. Desde 2004, o país vem registrando taxas acima de 6%, chegando a um pico de 9,2% em 2006. Em 2010, o crescimento estimado também foi alto, próximo ao de 2006. No geral, desde 2002, o Produto Interno Bruto (PIB) do país avançou mais de 80% e o desemprego, no mesmo período, abaixou 30%. A atual taxa de desemprego fica em torno dos 7%, mas a informalidade continua alta. Estima-se que 35% da força de trabalho não está registrada, sendo que a maioria dela está concentrada no campo, explorada pelo agronegócio, sobretudo. Para Axel Kicillof, é justamente esse segmento da população – que não é registrada – que mais sofre com o aumento dos preços, sobretudo dos alimentos. Outro problema são os trabalhadores terceirizados, que são contratados por salários baixos e possuem pouco poder para negociar aumentos. Assim, embora o governo também tenha adotado uma postura de valorizar o salário mínimo, que hoje está em torno de 1840 pesos (R$ 760), em relação a 2007, o valor absoluto do salário dobrou.
Retenções agrícolas seriam uma política de controle inflacionário de Buenos Aires (Argentina) Em 2008, o setor agropecuário argentino protagonizou uma série de bloqueios em estradas – os chamados locautes – após o governo federal tomar uma medida que aumentava as retenções (impostos sobre as exportações) do setor. A medida se deu em meio à crise de aumento do preço das commodities – e dos alimentos – em todo o mundo. Um dos argumentos do governo Kirchner, na época, para a medida, foi justamente obter maior controle do preço de produtos básicos de consumo no país, como grãos – sobretudo trigo –, carnes e laticínios, evitando que os preços internos acompanhassem os externos e o preço dos alimentos – e a inflação – subissem muito.
Na época, centenas de milhares de argentinos foram às ruas protestar, contra ou a favor. O governo não conseguiu sustentar a forte polarização política e foi obrigado a ceder. O clima pesado entre “o campo” e o governo é tenso até hoje, devido às tentativas de intervenção. Entre janeiro e fevereiro deste ano, novas tentativas de locautes foram feitas, mas obtiveram pouca adesão do próprio setor. Em seus discursos, a presidente Cristina Kirchner sempre atribuiu ao setor sua parcela de culpa em relação a inflação. Recentemente, criticou a todos “os empresários formadores de preços em toda a cadeia produtiva”, que reclamam “como se não tivessem nada a ver e não fossem atores importantes no tema relacionado à inflação”. (DM)
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Recursos saqueados à luz do dia CHILE Economista aponta como recursos naturais foram o centro para a consolidação do neoliberalismo no país Reprodução
Pedro Carrano enviado a Santiago (Chile) A ECONOMIA chilena descreve, desde 1973, um longo período, com o golpe encabeçado pelo general Augusto Pinochet contra o governo popular de Salvador Allende e que, hoje, consolida-se em uma economia controlada por grandes empresas nacionais e estrangeiras, que detêm a pauta de exportação e mantêm um mercado interno estrangulado – apesar de representarem somente 1% das unidades produtivas do país. Assim mesmo, controlam 80% do mercado interno e dão trabalho a apenas 20% da população. Esta é a análise do economista chileno José Manuel Flores. No país onde o neoliberalismo obteve hegemonia e produziu uma alteração radical na economia, a exportação do cobre é central, alvo de controle e exportação. “Antes se exportava cobre e agora se explora concentrado de cobre, sua matéria-prima. As transnacionais controlam 76% do cobre chileno”, analisa o economista. Em entrevista ao Brasil de Fato, Flores fala da relação entre os recursos naturais e a economia chilena, o fracasso da Concertação como alternativa de governo após a saída de Pinochet, e agora na condição de oposição ao governo do direitista Sebastián Piñera, há um ano no poder. Nesse cenário, movimentos populares ganham nova importância. A recente revolta popular na província de Magalhães, contra o aumento do preço do gás, o demonstra. Brasil de Fato – Há pouco ocorreu uma manifestação popular no departamento de Magalhães, no sul do Chile, devido à alta do preço do gás. Quais as razões desse movimento?
José Manuel Flores – Não é a primeira vez que ocorre. Desde a época de Pinochet, Magalhães teve uma reação similar ao que se vê agora, em termos de unidade cidadã, de rechaço ao que significou em seu tempo a ditadura. Sobre o tema do gás, por certo que se dá em um outro contexto, que pode parecer como algo reivindicativo talvez. Há que considerar que Magalhães é uma zona produtora de gás, e quem trabalha nessa zona é uma empresa estatal. Pelas condições climáticas, o gás é um insumo básico para a povoação. No verão, você vê o calor que faz na capital [Santiago], e lá faz 12 graus negativos. E estamos no verão. Em Magalhães, à parte o consumo domiciliar, tudo o que se move com energia se move com base no gás, até a eletricidade. Encarece o gás e todas as condições de vida se encarecem. E Sebastián Piñera, no transcurso da campanha [presidencial de 2009], prometeu aos magalhanicos que não ia reajustar o gás, logo essa promessa foi ratificada no ano passado, sendo já presidente. O ex-ministro de energia, nos dias prévios ao conflito, usou palavras que detonaram a reação das pessoas, disse que “acabou a festa aos magalhanicos em relação ao gás”, e disse que ia subir 16,8%. Fez o anúncio de uma maneira desrespeitosa e grosseira. Essa atitude de prepotência desencadeou a reação da gente como se viu.
“O ex-ministro de energia, nos dias prévios ao conflito, usou palavras que detonaram a reação das pessoas” E a alta de 3% foi considerada uma vitória pelo movimento?
Mitigaram a alta, mas houve aumento. Além disso, derrubaram o ministro. E o ministro de mineração é o que controla a pasta de energia, quem fecha as negociações com a assembleia cidadã – uma organização latente, que antes era invisível para o resto da cidadania, que tomou as rédeas políticas do conflito. Creio que o novo dessa experiência é isso: que aparece como sujeito de ação política uma organização que antes não estava visível. Dito de outra maneira: os partidos políticos tradicionais não são sujeitos nesse conflito. Nem os da Concertação, nem os da Aliança, nem os para além da Concertação. É um fenômeno que estamos vendo no período de Piñera, que estamos percebendo no primeiro ano de governo da Aliança: neste período, a Concertação não existe no cenário político, não tem presença, ademais tem os seus conflitos (internos, resultado de pequenos fracionamentos).
A questão da mineração é central para entender a economia política chilena. Qual o papel que a empresa estatal Codelco jogou antes e hoje?
Manifestação no departamento de Magalhães contra a alta do preço do gás
Tem a ver com o modelo econômico que se impôs ao país a partir de 1973. Até este ano, a Codelco tinha o controle quase total da produção de cobre, não de 100%, pois havia um nível de mineração da ordem de 2% com a empresa estrangeira. Mas a maioria da produção da grande mineração estava nas mãos de Codelco. Isso até o momento do golpe. O que faz depois Pinochet é criar um marco jurídico que permitisse a incorporação de investimento estrangeiro na exploração dos recursos naturais chilenos. Isso nos anos de 1974/75. Até então, a produção de cobre era monopólio do Estado chileno?
Durante todo o governo de Pinochet, o cobre esteve em mãos do Estado. Ao final da ditadura, a Codelco controlava 90%. No momento que Pinochet sai do poder, a Codelco produzia 1,1 milhão toneladas. Isso dava conta de 90% da produção. Com esse antecedente, Pinochet não desnacionalizou na realidade o cobre, e sim criou ferramentas jurídicas que, com os governos de Concertação, possibilitaram a desnacionalização. Por exemplo, uma ferramenta jurídica foi o decreto Lei nº 600, uma criação de Pinochet para facilitar o investimento estrangeiro no Chile. Quando se dão uma série de privilégios, uma série de royalties aos estrangeiros para investir no Chile, no fundo se reduziam custos para o investimento. Posteriormente, em 1980, o irmão do presidente atual, José Piñera, pôs em prática o que é o código de mineração, com as chamadas “concessões plenas”.
Parece que a privatização é ininterrupta, entre o período Pinochet e após a sua saída.
Tínhamos dito que Pinochet estabelece as normas legais, a estrutura básica legal para privatizar os recursos do país. Agora, há que fazer uma ressalva. Quando Salvador Allende nacionaliza o cobre, a riqueza básica, ele incorpora essa nacionalização à Constituição política. O Chile se regia até esse minuto pela Constituição política de 1925. Então, através do Congresso, Allende incorpora o direito inalienável, imprescritível e irrenunciável dos direitos do povo sobre todas as riquezas básicas da nação. Essa reforma legal, Pinochet não a pôde derrubar na sua Constituição de 1980. A lei orgânica que rege o Estado é a Constituição. No entanto, José Piñera faz posteriormente um código de mineração onde cria o conceito de “concessão plena”, e o que significa? Dar direitos perpétuos sobre os recursos naturais de Chile. Vale dizer: através desse artifício legal, ele viola essas características que Allende havia dado à propriedade dos recursos. Então, por um lado a Constituição estabelece o direito dos chilenos sobre os recursos, e por outro lado um código de mineração, uma lei de nível inferior, estabelece que terceiros podem ter direitos sobre esses recursos. É evidente que há uma contradição. A Constituição tem uma hierarquia sobre qualquer lei infe-
rior a ela. Há um ato claro de ilegalidade. Vale dizer, todas as concessões mineiras que se dão desde essa data são atos claros de ilegalidade, porém se faz na prática, e segue sendo feito. A Codelco, ao final do período de Pinochet, em 1990, controlava 90% de produção mineira, o que significa 1,1 milhão toneladas de cobre. Ao final de 18 anos, essa produção chega a 6 milhões de toneladas ponderadas. O que significa: o que Pinochet não conseguiu lograr em 20 anos, a Concertação o quintuplicou.
social da economia, e em três meses Allende fez um controle da atividade econômica bastante significativo.
Por que “estatísticas ponderadas”? Trata-se de uma commodity vendida sem valor agregado?
Na sua avaliação, qual a razão da derrota da Concertação para a direitista Aliança nas últimas eleições e qual o porquê da falta de uma alternativa política?
Todas são estatísticas ponderadas, porque em realidade o que se está retirando não é cobre, mas concentrado de cobre, que é uma submatéria-prima que eles a classificam segundo leis que as transnacionais definem. Aqui no Chile é a Cochilco a instituição pública, fiscal, que se encarrega supostamente de vigiar as operações. Eles entregam uma estatística que condensa toda essa extração.
“Quando Salvador Allende nacionaliza o cobre, a riqueza básica, ele incorpora essa nacionalização à Constituição política” É citado o período Allende como uma encruzilhada histórica para o país. Como foi a relação do governo popular com a indústria, uma vez que o setor mineiro foi privatizado com o golpe civil-militar?
Agora estamos fazendo 40 anos do primeiro ano do governo de Salvador Allende. Quando ele inicia, no ano de 1971, a primeira ação que faz é nacionalizar a indústria têxtil. Havia articulação técnica e essa indústria absorvia grande quantidade de trabalhadores urbanos. Para garantir vestimenta para a população, Allende nacionaliza essa indústria, os trabalhadores têxteis são os primeiros a conformar o que se conheceu posteriormente como a área social da economia, um conceito que na Venezuela ainda não está em prática, se bem é certo que Chávez nacionalizou empresas, mas não criou uma área social.
O que seria isso, uma área estratégica?
Claro. O primeiro que fez Allende foi começar a construir uma área estratégica na economia. O que se traduziu em que os trabalhadores urbanos tomassem consciência política mais rápido do que vinha historicamente se desenvolvendo, com isso tomaram consciência do que podiam eles como trabalhadores. Com isso, criaram-se novas necessidades. O primeiro que se fez foi tomar a indústria têxtil e logo os bancos. E outros setores da economia. De janeiro a março de 1971, grande parte dos bancos chilenos havia entrado na área
“Pinochet concebeu um modelo neoliberal e a Concertação segue em marcha este modelo”
Porque [a Concertação] não deu cumprimento ao que supostamente ia realizar, na prática as pessoas se vão dando conta, e em particular no primeiro ano de governo [na década de 1990], quando se diz que há que fazer as coisas na medida do possível, o que significou não mudar nada do que Pinochet havia feito. Talvez os setores mais conscientes politicamente se deram conta que a Concertação é o que o imperialismo nos pôs em xeque, com o tema do plebiscito. O plebiscito foi feito em 1988, quando Pinochet perguntava se seguia governando ou se chamava eleições. Nesse minuto, não existia padrão eleitoral. A população adulta foi chamada a inscrever-se no padrão eleitoral por todos os partidos de esquerda e a Concertação. Foram chamadas eleições e ganhou a Concertação. Nessa encruzilhada, nos damos conta que firmaram um pacto de garantia plena em que o centro de poder se manteria no aparato estatal, não se tocaria nisso. Entre 1988 e 1990, são feitas manobras políticas e muita gente toma consciência que essa situação não ia mudar. Pinochet concebeu um modelo neoliberal e a Concertação segue em marcha este modelo que não se havia desenvolvido. Começou a privatização dos recursos naturais. Abre-se o Estado chileno para receber investimentos estrangeiros na lei mineira.
QUEM É? José Manuel Flores é militante chileno desde o período da ditadura de Pinochet, economista e professor da Universidade de Santiago de Chile. Membro fundador do Comitê de Defesa do Cobre, colabora com a TV comunitária TV Umbrales, no bairro de Villa Francia (periferia de Santiago de Chile).
O que é a Concertação Coalizão entre os partidos de centro-esquerda, em oposição à ditadura de Pinochet – Socialista (OS), Radical (PRSD), Pela Democracia (PPD) e Democrata-Cristão (DC) –, a Concertação incentivou a população para o voto pela abertura no país, ainda em 1988. Governou o país desde a década de 1990, até a sua derrota, nas eleições presidenciais de 2009, para a Alianza para o Câmbio, de Sebastián Piñera.