Ano 1 • Número 46
R$ 2,00 São Paulo • De 15 a 21 de janeiro de 2004
Cúpula de Bush fracassa no México Convocada para forçar os países latino-americanos a aderir às questões de interesse dos EUA, a reunião se esvaziou
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antecipar o encontro, previsto para 2005, para “enquadrar” os países latino-americanos que se opõem à doutrina neoliberal e resistem à implantação da Área de Livre Comércio das Américas
(Alca). Mas a ofensiva fracassou. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, rejeitou qualquer interferência estadunidense em assuntos internos. Nestor Kirchner, presidente da Argentina,
manteve sua posição de reduzir em 75% o pagamento da sua dívida externa, apesar da pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI). Págs. 2 e 9 Sérgio Lima/Folha Imagem
s Estados Unidos não conseguiram impor seus interesses na reunião extraordinária da Cúpula das Américas, dias 12 e 13, em Monterrey, no México. O governo Bush quis
Lei garante renda básica para todos O projeto do senador Eduardo Suplicy que institui uma renda básica para todos os brasileiros foi finalmente transformado em lei, sancionada, dia 8, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nova lei se diferencia dos antigos programas pois estabelece um direito universal, ou seja, para todos os cidadãos. A proposta, considerada histórica por especialistas, tem potencial para se tornar um instrumento real de distribuição de renda, na avaliação do sociólogo Francisco de Oliveira. Pág. 7
Otimismo do mercado camufla crise recessiva
Juliana Bublitz/Zero Hora/AE
Milhares de ativistas marcham em protesto contra a Área de Livre Comércio das Américas pelas ruas de Monterrey, México, durante a Cúpula das Américas
Fumicultores são agredidos em manifestação Produtores de fumo do Rio Grande do Sul foram agredidos por militares durante manifestação em Santa Cruz do Sul, dia 9. Em uma marcha organizada pelo Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), os produtores exigiram o diálogo com os empresários do setor e reajuste dos preços para a safra 2003/2004, além da mudança do modelo tradicional de cultivo, baseado no uso de agrotóxicos. O MPA também cobra do governo a primeira reunião da recém-instalada Câmara Setorial do Fumo. Pág. 3
E mais: POVOS INDÍGENAS - Roraima continua sendo palco do caos patrocinado por latifundiários, com apoio do governo estadual. Eles usaram força, seqüestro e destruição da missão de Surumu para tentar barrar a homologação contínua da terra indígena Raposa/Serra do Sol. Pág. 3 MÍDIA – As Organizações Globo fecharam 2003 em meio a desastres: além de tentar barrar o processo judicial movido por antigos acionistas da extinta TV Paulista, a família Marinho enfrenta crise financeira, pedido de falência e procura ajuda do governo. Pág. 6 DEBATE – Plínio Arruda Sampaio analisa os rumos do governo Lula e defende um novo projeto para o Brasil, “sem medo do mercado”. Pág. 14
A euforia do mercado financeiro, com altas sucessivas na Bolsa de Valores e acelerada especulação financeira, não repercute na vida de milhões de brasileiros. De um lado, transações bilionárias geram recursos destinados ao pagamento da dívida externa. Do outro lado, além de ganhar menos ou amargar o desemprego, trabalhadores pagam impostos mas o dinheiro não é reinvestido nas áreas sociais e na geração de empregos. Pág. 5
EUA regem prisão de líder das Farc
Marcha do Movimento dos Pequenos Agricultores rumo a transnacional Universal Leaf Tabacos, em Santa Cruz do Sul (RS)
Com Estatuto, idoso ganha mais direitos Lançado dia 1º de janeiro, o Estatuto do Idoso traz avanços e polêmicas para quem tem mais de 60 anos. A nova lei estipula crimes específicos para protegêlos; oferece transporte coletivo público gratuito; impede planos de saúde de elevar tarifas com base em faixas etárias a partir dos 60; garante um salário mínimo para os que não tiverem condições financeiras; entre outros benefícios. Mesmo assim, para especialistas, as medidas podem aumentar o preconceito. Segundo Inês Büschel, promotora aposentada, a principal vantagem do Estatuto é simbólica, pois atrai os olhos dos brasileiros aos maus-tratos sofridos pelos idosos. Pág. 8
A prisão do guerrilheiro Simón Trinidad, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), foi vista por especialistas como a primeira ação conjunta entre Colômbia, Equador e Estados Unidos. Seria a segunda fase do Plano Colômbia, financiado pelo governo estadunidense. Pág. 10
Governo apóia esterilização de sementes Pág. 4
Liminar proíbe agressão ao ambiente em MG Pág. 13
Militantes do hip hop criticam comercialização Pág. 16
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De 15 a 21 de janeiro de 2004
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
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O show de Monterrey
C
om o pomposo nome de Cúpula Extraordinária das Américas, os chefes de governo de 34 países americanos encontraram-se em Monterrey, no México, durante dois dias, para tratar de uma agenda oficial que incluía, de maneira vaga e genérica, o desenvolvimento e a integração do continente. Na verdade, a reunião ganhou o carimbo de extraordinária porque atropelou o encontro da Cúpula das Américas, agendado anteriormente para 2005. O governo do Canadá pediu essa reunião extraordinária – provavelmente estimulado pelos Estados Unidos – com objetivos não esclarecidos, mas certamente para tentar contornar mal-entendidos entre o governo Bush e diversos países da América Latina. O desencontro de versões sobre a pauta de convocação foi tão grande que a imprensa – dos vários países – apresentou o que quis, desde o debate sobre a democracia e a corrupção, as questões econômicas relacionadas com a Àrea de Livre Comércio das Américas (Alca) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), até itens mais específicos como políticas sociais, a dispensa de visto de entrada nos países e outros. Os jornais estadunidenses, por exemplo, exploraram o prato preferido do presidente George W. Bush, que é o combate ao terrorismo internacional e a necessidade de afir-
mação dos EUA como potência interessada em controlar os seus domínios. Inclusive porque inúmeras pesquisas detectaram o aumento do sentimento antiestadunidense nos últimos tempos. Alguns veículos dos países latino-americanos deram mais ênfase aos “conflitos” políticos entre o governo Bush e os governos de Hugo Chávez, na Venezuela, e de Nestor Kirchner, na Argentina, considerados os mais “rebeldes”, inclusive porque, junto com o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva, estão mantendo boas relações com a Cuba de Fidel Castro. Nessa linha do macartismo dos anos 50, vários jornais de direita evidenciaram a “grande preocupação” do governo Bush com as novas lideranças populares e de esquerda que têm surgido na América Latina. Entre elas, a significativa representatividade de Evo Morales, que é hoje a principal liderança política da Bolívia. O governo Bush convocou recentemente uma reunião extraordinária dos comandantes do exército do Chile e da Argentina, que se realizou em Washington, com a presença do secretário de Segurança Donald Rumsfeld, para analisar a situação da Bolívia. O governo brasileiro anunciou que não queria discutir Alca na reunião de Monterrey e colocou a
questão da reciprocidade do visto de entrada no Brasil e nos Estados Unidos como o assunto principal da conversa de Lula com Bush, como se os interesses dos dois países estivessem limitados a essa questão menor. A reunião de Monterrey, portanto, mais do que um encontro de integração dos representantes de 34 nações soberanas, acabou reduzido a um show organizado pelo governo Bush – no território de seu fiel vassalo Vicente Fox, do México – para impor diretrizes específicas para um e outro, tanto para reenquadrar todos nos rumos da Alca e da OMC, como para conter eventuais “desvios esquerdistas” às políticas neoliberais. A Cúpula Extraordinária das Américas serviu para lembrar que a luta por independência e soberania, na América Latina, passa por processos de afirmação nacional, pela existência de governos muito mais comprometidos com seus povos do que com os capitais e os mercados, e por uma integração verdadeira entre os países latino-americanos baseada na solidariedade econômica, cultural e social. No show de Monterrey, a maior parte dos governantes ainda preferiu fazer o papel de palhaço no circo de George W. Bush. Nada mais do que isso.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES LULA Em dezembro de 2001 enviei a alguns dos principais dirigentes do PT uma espécie de advertência: “Ao completar sua maioridade e, portanto, já devidamente preparado para a responsabilidade máxima, qual seja, a de assumir o poder político do Brasil, mudando o seu perfil atual e, por conseguinte, procurando acabar com o continuismo secular que tem sido tão pernicioso aos interesses do nosso país, espero que o PT não enverede jamais por caminhos outros que não os de fazer desta nação uma nação de fato e de direito socialista, com a predominância de oportunidades e justiça para todos”. Porém, após o primeiro ano de governo, eu e muitos outros já estamos deveras preocupados. O prometido e ansiosamente esperado por todos os brasileiros continua na estaca zero. Já há, inclusive fortes indícios de que o presidente Lula e sua equipe estão seguindo a agenda FHC, com o atendimento na íntegra da cartilha do FMI. Dessa forma, parece que continuaremos servis a interesses alheios aos do nosso povo. Os compromissos, sem rever os contratos unilaterais que nos enfiaram goela abaixo, estão sendo cumpridos. As reformas exigidas estão em pleno andamento mesmo que desrespeitando até os direitos adquiridos, não os dos privilegiados de sempre, mas sim os da maioria dos trabalhadores. A não ser que o governo tenha uma boa carta na manga para virar e vencer o jogo, não acredito em qualquer mudança. Será que ainda podemos esperar que as coisas melhorem? Não é possível que 2004 venha a ser pior. Também não é possível que, para manter a governabilidade do país, sejamos mais sacrificados ainda. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS)
ANISTIA Os ex-presos e perseguidos políticos da ditadura militar estão fazendo um apelo para as organizações sociais: sindicatos, movimentos populares, partidos, inclusive partidos políticos que se apresentam como esquerda, jornalistas, enfim, a toda a sociedade, no sentido de manifestarem apoio a todas essas pessoas que estão sendo esquecidas. Esses defensores da democracia e da dignidade, hoje, estão com grandes dificuldades financeiras e, sem contarmos os falecidos que deixaram seus familiares na penúria. Como grande número de “personalidades” do alto escalão já foram contemplados, não podemos consentir que muitos fiquem à margem do atendimento. A anistia foi aprovada só que os mais “chegados” estão recebendo seus direitos. Então que se cumpra a lei para todos. É um dever de humanidade e justiça. Solicito aos leitores que enviem cartas, telegramas, correio eletrônico (anistia@mj.gov.br) em favor de nossa campanha. Antônio Lourenço Membro do Fórum de ex-presos perseguidos políticos SAUDAÇÕES Feliz ano-novo para este tão importante jornal. Concordo que Brasil para todos, só com mobilização, a começar pela questão de gênero, pois queremos um Brasil para todas. Maria Rosana, por correio eletrônico Parabéns pelo trabalho apresentado e sucesso em 2004. Certamente estaremos juntos na defesa dos interesses populares e pressionando para ver se o governo Lula honra os compromissos históricos com seu povo. João José Barbosa Sana Vitória (ES)
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CRÔNICA
Olhar e enxergar Juarez Soares Sempre achei que no mundo do futebol existe uma grande diferença entre olhar e ver, entre olhar e enxergar. Não vai aqui nenhuma ofensa à nossa língua, por si só tão difícil e complicada. Escrevo isso por causa da Copa São Paulo de Futebol Júnior, e em plena caminhada pelas cidades que têm a responsabilidade de serem sedes da competição. Esse é o momento em que os técnicos se espalham por todos os cantos, exercendo a sublime missão de garimpeiros em busca das pepitas de ouro. A imagem é surrada mas sempre chega em boa hora. É isso mesmo, cada olheiro se acomoda pelos cantos dos estádios na ânsia de descobrir um jovem atleta que possa se transformar em craque. Aí é que entra a conjugação do verbo acima. Bem à frente deste profissional, desfilam pelo menos duas dezenas de jogadores ao mesmo tempo, na mesma hora, no mesmo jogo. É nesse momento cru-
cial que se estabelece a diferença entre os muitos que olham e os poucos que enxergam. Como saber se aquele garoto à sua frente vai chegar um dia a jogar na Seleção Brasileira ou no mínimo ser o titular do time do seu coração? Não são poucos os que se enganam, que passam batidos e depois choram o erro pela vida afora. Quantas vezes você já ouviu histórias de jogadores que foram desprezados em grandes clubes e depois se tornaram campeões do mundo? Bastam apenas dois exemplos: a história de Rivellino, que treinou no Palmeiras e o técnico de plantão olhou e não viu, ou então a fantástica história do capitão Cafu, da Seleção Brasileira, que tentou a sorte em oito times, sempre reprovado nos testes, até que um dia alguém “enxergou” o seu potencial. Assim é a vida. Às vezes a pessoa tem talento e não surge oportunidade, outras ocasiões tem oportunidade e não tem talento. Quando
as pontas se encontram, nasce um craque. Um dia, Jairzinho, o Furação da Copa de 70 no México, olhou um menino jogar. Por insistência de amigos, levou-o a um time profissional. O garoto tinha 14 anos. Um ano depois era profissional. Em seguida, foi para a Europa. Antes dos 18 já era campeão do mundo pelo Brasil. Jairzinho não percebeu o que tinha nas mãos. Não viu justamente Ronaldinho, hoje chamado de Fenômeno. Fico aqui pensando quantas histórias serão contadas depois da Copa São Paulo de 2004. Por isso, ao assistir a um jogo de garotos, preste bem atenção: não basta olhar simplesmente a partida, é preciso ter olhos para enxergar o craque. P.S.: este modesto texto é dedicado aos privilegiados heróis anônimos que descobrem craques e depois são esquecidos. Juarez Soares é comentarista esportivo e escreve uma vez por mês neste espaço
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De 15 a 21de janeiro de 2004
NACIONAL MOBILIZAÇÃO
Produtores de fumo protestam no Sul Fotos: Sabrina Mello
Militares agridem manifestantes, que exigem reajuste dos preços da safra 2003/2004 e mudança do modelo de produção Sabrina Mello de Porto Alegre (RS)
A
cidade de Santa Cruz do Sul, região central do Rio Grande do Sul, foi palco de mobilizações dos pequenos produtores de fumo, no dia 9. Contrariados com a falta de diálogo, por parte da indústria fumageira, nas negociações sobre os preços da safra, centenas de representantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) partiram de diversas localidades do Estado e realizaram uma marcha que percorreu o principal distrito industrial de fumo do Sul do país. Ao chegarem à Universal Leaf Tabacos, os manifestantes derrubaram um portão e foram agredidos pela Brigada Militar, que já estava nas dependências da empresa. Enquanto os produtores protestavam em frente às transnacionais, executivos das empresas reuniam-se em Florianópolis (SC) para negociar o reajuste da safra. A atitude incomodou ainda mais os pequenos agricultores, que anteriormente enviaram três ofícios ao Sindicato da Indústria do Fumo (Sindifumo), solicitando uma audiência para discutir o assunto. “Não admitimos que as empresas fujam da região onde o fumo é produzido e se reúnam na praia para discutir a
REPRESSÃO A Polícia Militar montou
barreiras nos principais acessos à cidade: quem chegava, era barrado e revistado
safra do agricultor”, disse José Santana, da coordenação do MPA.
PROPOSTA INSATISFATÓRIA As empresas e entidades presentes à reunião de Florianópolis não chegaram a um acordo sobre
os preços da safra. A indústria oferece reajuste de 23,25% sobre a tabela do ano anterior, mas o valor é considerado insatisfatório pelos produtores. Mesmo sem acordo, desde dia 12 o preço pago à classe de fumo mais valorizada, chamada
BO1, fica em R$ 4,93 o quilo (R$ 73,95 a arroba). O MPA reivindica remuneração de R$ 9,13 por quilo, equivalente a R$ 137 por arroba. “O valor oferecido é uma afronta para os produtores de fumo. Estamos orientando os agricultores a só vender a parte do fumo realmente necessária para pagar contas imediatas”, afirma Áureo Paulo Scherer, da coordenação do MPA. O MPA exigirá do governo federal a realização da primeira reunião da recém-instalada Câmara Setorial do Fumo, para debater os preços da safra. Para Erno Raddatz, pequeno produtor da cidade de Agudo, o aumento dos custos de produção da safra 2003/2004 é preocupante. Ele lembra, também, que as reivindicações do MPA não referem-se apenas ao preço. “Lutamos para sair desse modelo tradicional de agricultura, baseada nos químicos, e partir para a agricultura ecológica. Esse modelo tradicional, além de destruir as nossas terras, acaba com a saúde do agricultor.”
REIVINDICAÇÕES
Pequenos agricultores foram agredidos pela PM durante protesto em frente à Universal Leaf Tabacos, em Santa Cruz do Sul
Aumentar a remuneração e mudar o modelo de produção são algumas bandeiras de luta dos pequenos produtores de fumo no Rio Grande
POVOS INDÍGENAS
Latifundiários aliciam e isolam Roraima André Vasconcelos de Boa Vista (RR) Durante quatro dias, latifundiários plantadores de arroz, apoiados por uma parcela de índios cooptados, isolaram Roraima do restante do Brasil. Bloquearam as rodovias federais, fecharam a fronteira com a Venezuela, baixaram as portas do comércio e suspenderam o fornecimento de gasolina. O movimento, denominado “Pró-Roraima”, ainda invadiu a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Boa Vista, destruiu uma missão católica e seqüestrou três missionários. O caos patrocinado pelos rizicultores teve apoio do governo estadual e de toda a bancada parlamentar. A intenção do movimento foi avisar o governo federal sobre as possíveis conseqüências da homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol, demarcada administrativamente pelo Ministério da Justiça desde 1998. Na aldeia Contão, a 200 quilômetros da capital do Estado, três missionários aliados dos indígenas
do Sul. Na terceira assembléia estadual do fumo, realizada em novembro de 2003, com a presença de 4 mil agricultores, o MPA aprovou uma pauta com várias demandas. Na lista consta, por exemplo, a exigência de liberdade para o agricultor buscar empréstimos e adquirir diretamente seus insumos – hoje isso só pode ser feito pelas empresas. Os agricultores sugerem a modificação dos critérios de classificação do fumo – existem 48 diferentes tipos, sendo que a classificação é muito complexa e pode ser reavaliada pelo comprador – e o pagamento de insalubridade aos lavradores enquanto continuar existindo um modelo de produção baseado no uso de agroquímicos. Demandas como a reposição de perdas, a renegociação de dívidas e o seguro agrícola também estão na pauta do MPA.
estiveram mantidos em cárcere privado, como reféns, por mais de 60 horas. Foram seqüestrados às 3h da missão católica de Surumu, que foi completamente destruída e saqueada. Os missionários pertencem ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Irmão João Carlos Martinez, coordenador da missão e um dos seqüestrados, teve medo de morrer justamente na hora que estava sendo libertado. Não entendeu a razão de ser conduzido da maloca para um helicóptero do governo de Roraima.
SOB PRESSÃO Passada uma semana do seqüestro e da destruição da missão Surumu, a Polícia Federal ainda não fez exames periciais para avaliar os danos no local. A demora deve-se ao fato de as rodovias estaduais que dão acesso a Raposa/Serra do Sol estarem bloqueadas. Uma centena de indígenas favoráveis à homologação contínua, liderados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), estão acampados no prédio em ruínas, para que não seja novamente invadido.
As rodovias federais foram desobstruídas por ordem do juiz federal Helder Girão Barreto. A partir de uma ação impetrada pelo Ministério Público Federal, ele ordenou o uso de força para abrir as estradas. Também acertou o alvo ao mirar o bolso da Associação dos Arrozeiros de Roraima: multa de R$ 50 mil se as estradas não fossem liberadas. O líder dos rizicultores, Paulo César Quartineiro, maior plantador de arroz de Roraima, informa ter nove mil hectares de terras e três mil cabeças de gado dentro da área indígena. Junto com outros cinco latifundiários, utilizam as várzeas dos Rios Cotingo, Tacutu e Surumu, numa área cercada por aldeias. Os caciques denunciam que o uso indiscriminado de agrotóxico coloca em risco a vida dos indígenas. Enquanto isso, Quartineiro consegue produzir arroz em escala altamente competitiva e não paga impostos nem licenças ambientais por estar utilizando terras da união. A aliança entre a elite de Roraima e os Macuxi que seqüestraram os religiosos é feita sob dois alicerces. O primeiro é a dependência histórica a que fazendeiros da região sub-
meteram os indígenas. O segundo pilar é feito dos favores oferecidos a um grupo restrito de índios, pelo governo e pelos fazendeiros.
FOME ZERO Um exemplo concreto: no final de 2003, no clima criado pelas campanhas de doações, produtores de arroz tomaram a iniciativa de destinar 20 toneladas de alimentos ao programa Fome Zero. O produto foi direto para comunidades indígenas que lutam contra a reserva. A aldeia Contão, onde os missionários foram mantidos reféns, tem o aspecto de uma pequena vila de interior. Cerca de 800 moradores vivem em casas de alvenaria doadas pelo governo do Estado. Até uma nota dos índios contrários à reserva foi enviada a jornalistas de Roraima a partir do endereço eletrônico do governo do Estado. Nas contas do CIR, menos de um quinto dos 15 mil índios da região são contra os limites da reserva. De acordo com a entidade, existem 178 comunidades na área, apenas 27 delas contra a homologação da Raposa Serra do Sol em área contínua.
No dia 9, desde as 6h, a Polícia Militar montou barreiras nos principais acessos a Santa Cruz do Sul. Os ônibus que chegavam à cidade eram barrados e revistados. Pouco tempo depois, já se observava a presença da Brigada Militar nos pátios das empresas fumageiras. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) havia anunciado, durante a semana, uma assembléia no Parque da Oktoberfest, em Santa Cruz. A assembléia transformou-se em ato público, com início na frente da Universal Leaf Tabacos. No enfrentamento, diversos agricultores foram agredidos com cassetetes pelos policiais.
JUSTIÇA
Condenado assassino de lavrador Geraldo Ramos e Rafaele Gasparini de Vitória (ES) Os movimentos sociais do Espírito Santo comemoram: foi condenado a 16 anos e seis meses de prisão, em regime fechado, o policial civil aposentado Romualdo Eustáquio Faria da Luz, conhecido como Japonês. Ele é acusado do assassinato do trabalhador rural Valdício Barbosa dos Santos, o Leo, em Floresta do Sul, município de Pedro Canário, Norte do Estado. “Essa condenação é uma vitória histórica da luta contra a impunidade no Espírito Santo, e dá esperança de que outros processos referentes a crimes contra trabalhadores sejam retomados e tenham o mesmo resultado”, sintetizou Adenilson Pereira, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O Movimento de Defesa dos Direitos Humanos e centros locais de apoio, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), o Sindicato de Trabalhadores Rurais, além do MST, foram fundamentais para que o caso Valdício não fosse “engavetado”. O primeiro julgamento, marcado para 9 de setembro de 2003, foi adiado por causa de problemas com o inquérito policial e a ausência de testemunhas importantes. Na época, movimentos sociais e a comunidade local realizaram manifestos pelas ruas de Pedro Canário. Em dezembro, o júri decidiu, por 6 votos a 1, pela condenação de Japonês. “Esse resultado nos estimula a continuar acreditando na luta”, enfatizou Marta Falqueto, conselheira do Centro de Defesa dos Direitos Humanos no Espírito Santo.
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De 15 a 21 de janeiro de 2004
NACIONAL
Semente estéril cria amarras para agricultor
Fotos: Divulgação
SEGURANÇA ALIMENTAR
Com a aplicação do gene terminator, os produtores ficam obrigados a comprar sementes a cada plantio Claudia Jardim da Redação
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Brasil surpreendeu em mais uma negociação internacional – só que, desta vez, em defesa dos interesses dos Estados Unidos. Durante a reunião da Convenção de Diversidade Biológica (CDB), dia 10 de novembro de 2003, em Montreal (Canadá), a delegação brasileira se negou a apoiar um documento elaborado por movimentos camponeses e indígenas que alertava sobre as conseqüências da tecnologia terminator nas sementes. Proibido em todo o mundo, o gene terminator impede que as plantas produzam sementes férteis, ou seja, as sementes não se reproduzem. Assim o produtor é obrigado a comprar sementes das indústrias detentoras das patentes dessa tecnologia a cada novo plantio. A decisão da delegação brasileira foi duramente criticada pelas organizações contrárias ao uso de transgênicos na agricultura. “Ficamos chocados ao ver o governo brasileiro apoiar o desenvolvimento de frentes de trabalho reguladoras para a introdução do terminator”, critica Hope Shand, diretor do ETCGroup, organização mexicana que denunciou a postura brasileira em defesa da tecnologia transgênica. “Ao impedir que os agricultores replantem as sementes de suas colheitas, o terminator amplia os lucros da indústria”, reitera. O secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco, defende o grupo brasileiro e diz que a delegação teve de “obedecer aos procedimentos” da reunião. Ele explica que, por não constar na pauta, o documento apresentado pelos movimentos não poderia ser avaliado. “O Ministério é contrário à introdução do terminator na agricultura, mas tivemos que cumprir o protocolo, que não permite deliberar sobre um assunto fora da
pauta”, justifica. Se a decisão foi protocolar, o secretário admite que o assunto não é consenso entre os delegados representantes dos Ministérios de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente, que compõem a CDB: “Existem posições que não são definitivas no governo”.
capacidade reprodutiva da planta inibida pelo terminator. “Se ocorrer qualquer atrito comercial e os países detentores da tecnologia resolverem não vender o insumo, a soberania alimentar dos países dependentes estará comprometida”, alerta o agronômo. Lavínia Pessanha, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vai além: “Adotar essa tecnologia significa oferecer às indústrias de sementes o que elas querem: controle total sobre o genoma agroalimentar, até então controlado pela cobrança de royalties”. Justamente para defender a soberania alimentar dos países a CDB ressalta que o genoma deve ser tratado como um bem público, utilizado prioritariamente para o bem dos Estados e de seus povos. De acordo com o ETCGroup, mais de 1,4 bilhão de pessoas, principalmente agricultores de países subdesenvolvidos, dependem de suas lavouras como fontes de sementes.
MONOPÓLIO A posição do MMA, visto como um aliado na briga contra os transgênicos e em defesa de uma agricultura sustentável, surpreendeu também os movimentos sociais brasileiros. “Apesar das divergências internas no governo, o ministério sempre defendeu o princípio da precaução em relação aos transgênicos. A decisão surpreende porque significa avançar no processo de dependência dos agricultores às indústrias produtoras de transgênicos”, avalia o engenheiro agrônomo Ciro Correa, do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST). Correa explica que a introdução do terminator nas sementes transgênicas aprofunda o monopólio das transnacionais sobre a produção de alimentos do mundo. Isso porque, além do herbicida glifosato, utilizado nos transgênicos como a soja Roudup Ready (RR), da Monsanto, o agricultor necessitaria de um novo produto para desenvolver a
IMORALIDADE Nos últimos seis anos, a tecnologia terminator tem sido condenada como uma aplicação “imoral da engenharia genética”. Hope Shand recorda que a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), a Fundação Rockfeller e o grupo de Consulta
Milho transgênico da transnacional Monsanto que procovou a contaminação de variedades convencionais no México
em Pesquisa Agrícola Internacional estão contra essa tecnologia. A cautela também é a orientação da Convenção de Diversidade Biológica (CDB), que recomenda a moratória nos testes em campo e na introdução comercial da tecnologia até que sejam realizados estudos conclusivos sobre as conseqüências dessa tecnologia. A proposta brasileira, no entanto, vai de encontro à orientação da CDB. Para Edélcio Vigna, responsável pelas Políticas para Segurança Alimentar do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os testes de campo ameaçam a autonomia da produção de alimentos pois “podem esterilizar sementes crioulas e colocar em risco a diversidade dessas espécies”.
TESTA DE FERRO Para o pesquisador do Inesc, a postura brasileira atende a mais uma estratégia das transnacionais e do governo estadunidenses de terem seus interesses defendidos na Conferência das Partes (COP 7), que ocorrerá na Malásia, dias 19
Às vésperas de completar um ano, o decreto de rotulagem assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2003, finalmente sai do papel para dar ao brasileiro o direito de escolher se quer consumir transgênicos. A partir de 26 de fevereiro, todos os alimentos com mais de 1% de elemento transgênico deverão trazer no rótulo um símbolo padrão criado pelo Ministério da Justiça. O símbolo – a letra T dentro de um triângulo – terá que ser usado nas embalagens de produtos destinados a consumo humano e animal. Com isso, a fiscalização federal será colocada à prova. Na prática, os alimentos deveriam estar rotulados desde março de 2003, a partir da edição da MP 113 que liberou a comercialização da soja transgênica do Rio Grande do Sul. Apesar do governo não ter cumprido a lei que criou, o secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, garante que desta vez será diferente: “O governo vai cumprir o decreto e garantir o direito de informação à população”. Capobianco aposta na atuação da sociedade e dos movimentos sociais para popularizar o símbolo que identifica os transgênicos, pois o governo não pretende fazer campanha. “Qualquer campa-
Greenpeace
Rótulos serão obrigados a exibir símbolo
Símbolo que a partir de fevereiro identificará os alimentos que contêm transgênico Greenpeace alerta os consumidores sobre os produtos transgênicos que já estão nas prateleiras, sem rótulo
nha de conscientização poderia ser confundida com posicionamento contrário ou a favor dos transgênicos”, afirma o secretário. Para Sizefredo Paz, diretor executivo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a rotulagem é uma importante conquista do consumidor e o processo deve ser estimulado: “Vamos fazer testes para ver se há transgênicos sem identificação nas prateleiras. A sociedade precisa cobrar das indústrias a identificação do produto”.
A atuação dos fiscais e das indústrias – que terão de arcar com os custos da rotulagem – preocupam o pesquisador do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Edélcio Vigna. “As indústrias só vão respeitar a lei se de fato sofrerem sanções ao desrespeitá-la. Caso contrário, vão testar o limite da legislação e o nível de corrupção dos fiscais”, alerta Vigna. O Projeto de Lei de Biossegurança que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscali-
zação de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados foi incluído na pauta da Convocação Extraordinária do Congresso Nacional, prevista para dia 19. A Comissão Especial da Câmara que analisa o projeto aguarda apresentação do relatório final do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para votar a matéria, que teve retirado o pedido de urgência no ano passado. Só depois de votada na Comissão a matéria seguirá para votação pelo
e 20 de fevereiro. Por não serem signatários da CDB, os EUA, em tese, dependem de outros países para defender sua opinião. “Com isso o Brasil se alinha à Argentina e ao Canadá, como testa de ferro dos interesses dos EUA”, avalia Vigna. Surpreso com a posição do MMA, o pesquisador enviou um pedido de esclarecimento público a Capobianco, em audiência pública em Brasília, no final de dezembro. O secretário de Biodiversidade rebate as críticas: “Os EUA não precisam que ninguém os defenda”, diz Capobianco, ao reiterar a posição do MMA sobre o tema. “Não podemos apoiar uma tecnologia de monopólio que impede o agricultor de continuar uma prática de séculos, que é fazer a reserva de sementes para o próximo plantio. Não aceitamos uma decisão unilateral”, garante o secretário, ao lembrar que cabe aos representantes dos países que participam da CDB definir se o tema fará parte da conferência na Malásia.
Canadá abandona apoio a transgênico Preocupados com a segurança alimentar e temendo afetar os mercados consumidores, o governo canadense abandonou o incentivo à transnacional Monsanto para desenvolver o milho transgênico. Diante das pressões dos ambientalistas e da falta de perspectivas de comercialização, o Canadá rompeu com os investimentos que chegaram a 400 mil dólares. A justificativa da Monsanto, ao explicar o término da colaboração, é que o projeto para desenvolver a variedade do milho modificado já havia terminado e, por isso, “não havia razão para estendê-lo”. Há um ano a transnacional solicitou o registro do milho Roundup Ready e, em processo semelhante ao que tenta implacar no Brasil, garante que a variedade não provoca danos à saúde e ao ambiente. No final do ano passado, um dos jornais mais lidos no país – Toronto Star, que denunciou pesquisas ilegais em campos canadenses – publicou artigo no qual afirmava que a última coisa que os já afetados agricultores canadenses necessitavam era de uma agência que ameaçasse a segurança alimentar e as relações comerciais do país, referindo-se à ligação do Ministério da Agricultura com a Monsanto. (Agência Notimex)
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NACIONAL CONJUNTURA
Euforia de investidores não gera empregos Jorge Pereira Filho da Redação
A
faxineira da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) Maria Lucia Silva vive, diariamente, a contradição da economia brasileira. Enquanto limpa as salas e os painéis luminosos do prédio onde negócios milionários são fechados, faz malabarismos para passar o mês com o salário de R$ 350 que recebe da empresa terceirizada responsável pelo serviço de limpeza. Maria Lucia, no entanto, está habituada a ouvir no noticiário noturno da televisão que a sua situação está prestes a melhorar. O mercado financeiro está otimista e os números comprovam. O “risco Brasil” caiu 68% no ano. O índice Bovespa bateu recorde de valorização, subindo 97,3%. Os títulos da dívida se valorizaram. Estão dadas as condições para o crescimento sustentável, dizem os jornais. O problema é que Maria Lucia deveria ficar feliz com tantas notícias boas, mas continua apreensiva porque seu orçamento não fecha. “Só consigo pagar as contas básicas porque meu marido me ajuda com a renda de vendedor autônomo”, explica a mãe de dois filhos. Depois de quatro anos trabalhando na Bovespa, sua situação não melhorou. Suas colegas no trabalho de limpeza vivem situação pior. “Muitas são sozinhas, com filhos pequenos e aluguel, e não conseguem viver com esse salário”.
Anderson Barbosa
Indicadores financeiros criam falso ambiente otimista enquanto economia real continua em recessão A faxineira vê com desconfiança o otimismo do noticiário. “Falam que a bolsa de valores está subindo, mas o desemprego também está crescendo. Aqui mesmo, havia mais operadores trabalhando. Hoje, não é nem a metade, foram todos demitidos”, conta a funcionária que, a cada ano, percebe que fica mais difícil fazer as compras. “O pão, o leite, o arroz, tudo sobe, só o nosso salário que não”.
DÍVIDA ETERNA Todo esse dinheiro foi repassado aos credores da dívida brasileira. Mesmo assim, o Brasil não conseguiu pagar ao menos os juros da sua dívida e teve de contrair mais empréstimos no mercado internacional. Em vez de diminuir, o endividamento subiu de R$ 890 bilhões, em outubro, para R$ 905 bilhões, em novembro. Nessa história, só ganharam os credores da dívida, que aumentaram seus ganhos com os juros altos e, ainda, contam com o compromisso de que o governo continuará a cortar verbas do seu orçamento para pagá-los. “Os credores estão otimistas porque vêem um ambiente favorável para seus negócios. O mercado analisa a disposição de o governo honrar compromissos da dívida e os contratos com as transnacionais. Mas isso não tem nada a ver com a economia real”, critica Delgado. Para ele, os problemas da economia brasileira não foram enfrentados e, por isso, o desemprego permanece. “Só o serviço da dívida pública consome mais do que o nosso superávit. Esse gargalo não está resolvido”, explica.
ROBIN HOOD ÀS AVESSAS Mas, se o mercado financeiro voltou a apostar no Brasil, por que a vida da auxiliar de limpeza não melhorou? Segundo o economista Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a situação de trabalhadores como Maria Lucia não mudou porque seu dinheiro e os recursos públicos sustentam os ganhos dos especuladores financeiros. “Esses indicadores não significam melhoria de situação econômica. Estamos tirando dos assalariados e da renda pública e transferindo para o setor financeiro”, afirma Delgado. Em 2003, os trabalhadores sentiram na pele o funcionamento desse circuito. Além da ameaça do desemprego, os assalariados passaram a ganhar menos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda média do trabalhador brasileiro, em novembro de 2003, era 13% menor do que em outubro de 2002. Isso significa que o cidadão empregado
ram impostos, mas o dinheiro não foi reinvestido nas áreas sociais e na geração de empregos. Até novembro de 2003, o governo federal havia economizado R$ 70 bilhões para honrar compromissos da dívida externa. Tal corte nos gastos ultrapassava a economia exigida como meta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que estipulou o “esforço fiscal” em 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB).
Euforia financeira não reflete na vida da maioria dos trabalhadores brasileiros
ficou mais pobre no decorrer de 12 meses. “A queda da renda dos trabalhadores e o encurtamento das verbas governamentais é a con-
trapartida desse modelo”, analisa Delgado. Além de ganhar menos, trabalhadores como Maria Lucia paga-
BANCO CENTRAL
Começa o regime de engorda de dólares O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, com sua habitual fleuma britânica, anunciou na semana passada uma virada na política cambial (ou seja, na política de compra e venda de dólares executada pela instituição). Meirelles, obviamente, prefere sacrificar a verdade dos fatos a reconhecer que houve, de fato, uma mudança importante numa área vital para a economia brasileira. Empertigado, ele proclamou que o BC passará, de agora em diante, a comprar dólares no mercado para reforçar as reservas internacionais, hoje em níveis tão baixos que não conseguiriam suportar o equivalente a mais de quatro meses de importações. A decisão foi apresentada como a continuidade de uma política já desempenhada timidamente pelo Tesouro Nacional nos últimos meses. A instituição vinha comprando dólares antecipadamente para pagar compromissos externos (juros e prestações da dívida externa), vencidos no ano passado e a vencer no começo deste ano. Na prática, houve mesmo uma “virada”, aparentemente forçada pelo próprio Fundo Monetário Internacional (FMI). Até agora, o BC e a equipe do Ministério da Fazenda limitavam-se a repetir, em tom monocórdio, que o preço do dólar deveria “flutuar” (variar) livremente, ao sabor dos humores dos mercados financeiro e cambial. Em outras palavras, recusavam qualquer possibilidade de intervenção – um palavrão para a equipe econômica – do BC no mercado de dólares, mesmo que para regular abusos.
PRESSÃO DO FMI Não por coincidência, a mudança ocorreu pouco mais de três semanas depois de o FMI acusar a
ainda extrema “vulnerabilidade” da economia a crises externas. Em relatório divulgado, dia 15 de dezembro, o FMI aponta, entre as principais dificuldades do país, a “grande necessidade de financiamento externo” para pagar todos os compromissos internacionais assumidos: os juros e as prestações de empréstimos e financiamentos contratados no exterior, as despesas com importações e com o transporte de bens e mercadorias importadas, viagens internacionais etc. O comunicado do FMI acrescenta: para agravar essa dependência, as reservas internacionais, que correspondem aos dólares que o país “poupa” ao longo do tempo, para pagar aqueles compromissos, encontram-se em níveis “relativamente” baixos, na faixa de 17,3 bilhões de dólares. Ainda assim porque o Brasil conseguiu gerar, em 2003, um superávit comercial (exportações maiores do que importações) recorde, de 24,8 bilhões de dólares – quase 90% a mais do que em 2002. E nem assim as reservas cresceram de forma expressiva, o que já demonstrava que o país precisava de uma política mais agressiva de compra de dólares no momento em que há sobra de recursos em todo o mundo.
Ernesto Rodrigues/AE
Lauro Jardim de São Paulo (SP)
SOBRAM DÓLARES Com a queda dos juros estadunidenses para os níveis mais baixos em 40 anos e a manutenção de taxas reduzidas no continente europeu e no Japão, os investidores passaram a buscar alternativas de ganhos maiores e mais rápidos nos mercados financeiros dos chamados países “emergentes”, como o Brasil. Somente a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recebeu uma injeção bruta de R$ 52,8 bilhões no ano passado (algo como 18,2 bilhões de dólares), referente à compra de ações por investido-
A Bovespa recebeu uma injeção bruta de R$ 52,8 bilhões em 2003
res estrangeiros. Na verdade, as bolsas viraram o ano em alta em praticamente todo o mundo e continuaram subindo nas primeiras semanas de 2004.
Numa escala de zero a 100, a “sobra” mundial de recursos, disponíveis para investimentos e empréstimos, superou a marca dos 71% no ano passado, de acordo
com a CrossBorder Capital, uma empresa britânica de consultoria. Em 2001, o índice não chegava a 30%. Essa “sobra” de dólares explica, ainda, o tombo verificado no tal “risco Brasil”, que afere a capacidade de o país pagar sua dívida externa. Depois de superar os 2 mil pontos em 2002, o “risco” caiu para 410 pontos na semana passada. O que significa dizer que o governo e as empresas brasileiras estariam pagando juros, sobre empréstimos tomados no exterior e sobre títulos vendidos lá fora, de 4,1% além das taxas em vigor para os títulos emitidos pelo Tesouro dos Estados Unidos. O mesmo motivo – extrema “liquidez” (sobra de recursos) no mercado financeiro mundial – explica a alta dos títulos da dívida brasileira. Como pagam juros mais altos do que aqueles oferecidos pelo Tesouro estadunidense, os papéis da dívida brasileira passaram a ser alvo dos investidores/especuladores internacionais, causando o final de uma fase de descontos recordes nas negociações envolvendo os títulos brasileiros. Por teimosia, o BC chegou atrasado neste mercado. Entre as formas de engordar as reservas, além da compra direta de dólares e da venda, no exterior, de papéis e títulos emitidos pelo governo, o BC poderia recomprar uma parte de sua dívida externa. Até o ano passado, isso poderia ser feito com descontos de 20%, 30% e até 40%. Mas houve fases, como em 2002, que os descontos chegaram a atingir até 60%. A compra antecipada da dívida, obviamente, traria gastos imediatos para o BC, em dólares, com conseqüente redução momentânea de reservas. Mas, a médio prazo, o país tenderia a lucrar, já que teria recomprado dívidas com grandes descontos, reduzindo a necessidade futura de desembolsos em dólares.
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NACIONAL MÍDIA
Prossegue novela dos crimes da Globo Eugênio Neves
Superfaturamento de serviços e pedido de falência enriquecem lista de irregularidades da empresa da família Marinho Alberto Carvalho de São Paulo (SP)
P
cessivas trocas de juízes que acompanham o processo contra a família Marinho foram oficialmente comunicados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também chegaram ao Ministério das Comunicações, que, por mais de 12 anos, permitiu que a emissora paulista da Rede Globo funcionasse sem a indispensável documentação e registro junto ao Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel). O momento talvez seja o pior
Para entender o caso Em abril de 2003, Brasil de Fato trouxe, com exclusividade, a matéria “TV Globo – Uma novela cheia de intrigas. Mas a televisão não vai mostrar”. A reportagem relatava a existência de um processo judicial contra a família Marinho, proprietária da Rede Globo, acusada de falsificar documentos na operação de aquisição da TV Globo de São Paulo, antiga TV Paulista. A filial paulista atualmente é responsável por 53% do faturamento da quarta maior rede televisiva do mundo.
Peritos mostram a falsificação de documentos para a transferência fraudulenta da antiga emissora. Da lista, consta documentação de acionistas já falecidos que, obviamente, não puderam comparecer à assembléia-geral da extinta TV Paulista, convocada de modo silencioso e discreto. Nessa assembléia, a despeito das irregularidades apontadas pelos acionistas lesados, se efetivou a transferência do controle acionário para a família Marinho, ocorrida na década de 70, sob o manto da ditadura militar.
para as Organizações Globo. Além do processo judicial, em dezembro três fundos de investimentos dos EUA entraram com um pedido de falência contra a Globopar, holding que controla o conglomerado, exigindo o pagamento de uma dívida de 94 milhões de dólares. Além do golpe sofrido com a morte do patriarca Roberto Marinho, em agosto de 2003, a Globo amarga uma dívida muito acima da receita normal da empresa, de cerca de 2 bilhões de dólares.
INFERNO ZODIACAL Conforme o balanço de junho de 2002, a Globopar encerrou o primeiro semestre daquele ano com dívida total de R$ 7,042 bilhões (2,475 bilhões de dólares ao câmbio oficial da época). Desse total, 86% correspondiam a dívidas em moeda estrangeira, a maior parte em títulos nas mãos de investidores, como fundos de pensão e seguradoras. Grande parte da dívida deve-se à aventura de tentar implantar um serviço de tevê paga em um país de maioria esmagadora de pobres. Atualmente, a Globocabo teria apenas 1,5 milhão de assinantes, com tendência decrescente. O Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) concedeu, em 2002, um aporte de capitais no valor de R$ 284 milhões para a Globocabo. Ou seja, dinheiro público para tevê de elite. Face às dificuldades, que não atingem apenas as Organizações Globo mas várias empresas de mídia, uma articulação de empresários do setor, capitaneada pela família Marinho, bateu às portas do BNDES. Solicitavam a abertura de uma linha de crédito, operação já batizada de Humbertto Nicolino/Jornal Hoje em Dia /AE
rossegue a novela do processo judicial contra a família Marinho, proprietária da Rede Globo de Televisão. Como em um folhetim que nunca chega ao fim, o último capítulo trouxe um recurso da família Ortiz Monteiro, em nome dos lesados acionistas da antiga TV Paulista, contra o despacho da juíza Maria Regina Chuquer. O recurso tenta invalidar os honorários cobrados pela perita Denise Gonçalves, que pediu R$ 126 mil para analisar os documentos utilizados na operação de transferência do controle acionário da emissora. Especialistas alertam para a exorbitância dos honorários pedidos. Como exemplo, lembram que o respeitado Instituto Del Picchia de Documentocospia realizou a mesma perícia, a um custo de R$ 5 mil. Os documentos foram considerados irregulares e imprestáveis. O laudo do instituto, com sede em São Paulo, atesta que até mesmo documentos como o CPF foram utilizados com data de 1965, apesar de o Cadastro de Pessoa Física só ter sido implantado na década de 70 pela Receita Federal. As irregularidades detectadas na transferência das emissoras e as su-
“Proer da mídia”, destinada a salvar o segmento das dificuldades econômicas em que se encontra. A operação levanta inúmeras questões. Uma delas é do articulista Paulo Henrique Amorim, da TV Record, indagando do governo se considera justo colocar recursos do contribuinte em uma empresa que possui dívidas superiores às suas receitas e que já tem falência solicitada por credores dos EUA. Outro questionamento: qual será o preço a ser pago pela empresa para fazer jus aos recursos públicos do BNDES? Especula-se com o retalhamento do conglomerado e a venda de ativos para o pagamento das dívidas. Experiências do passado podem dar respostas às perguntas. Um artigo da Folha Universal, jornal com tiragem de 1,53 milhão de exemplares, distribuídos gratuitamente, afirma: “O declínio das Organizações Globo lembra, em muito, o que aconteceu com os Diários Associados, consórcio que monopolizou a mídia no país durante boa parte do século passado e que detinha os direitos de veículos influentes, como a revista O Cruzeiro, o Jornal do Commercio e a TV Tupi. Controlado por mãos de ferro do seu proprietário, Assis Chateaubriand, foi quase extinto depois da sua morte”.
Torcida protesta contra a parcialidade da emissora, ao transmitir jogos de futebol
RÁDIOS COMUNITÁRIAS
O governo Lula está sendo mais eficiente que o governo FHC na repressão às rádios comunitárias. Pelo menos uma emissora é fechada por dia no Brasil. Agentes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Polícia Federal, armados de metralhadoras e fuzis, ocupam a rádio de baixa potência, algemam e humilham pessoas. Prendem e indiciam. Levam cartazes, papéis, agendas, CDs, computadores, transmissores etc. As ações são espetaculares. Mais parece que ocupam um ponto de tráfico de drogas. Ninguém tem arma para encarar a polícia. A grande maioria não dispõe nem de um advogado para questionar a legitimidade das ações. A grande mídia, metida a defensora da imprensa e da liberdade de expressão, se cala nessas horas. O latifúndio da comunicação sabe: uma rádio comunitária é perigosa porque significa a propagação da inteligência, da reflexão, do pensar. Para a imprensa burguesa, só há liberdade de expressão quando a emissora se enquadra na legislação em vigor. Quem não se enquadra é tratado como bandido, ladrão, saqueador, marginal, isto é, pirata. Nada mudou. Se esperar a vontade política dos atuais detentores do poder, o povo brasileiro não terá uma legislação decente para rádio comunitária nos próximos dois séculos. Hoje, só lhe cabe duas opções: ou continua resistindo e
Roberto Barroso/ABR
Dioclécio Luz
Antônio Gaudério/Folha Imagem
Um exemplo de onde o medo venceu a esperança
Locutor da rádio Leopoldina FM, do Rio de Janeiro
sendo tratado como marginal por não se enquadrar na legislação em vigor, ou se enquadra e faz uma rádio comunitária no galinheiro do latifúndio da comunicação. O governo se recusa a discutir o tema. O discurso oficial é pela “universalização” das rádios comunitárias, de querer rádios em todos os municípios. O debate fundamental – sobre mudanças na legislação, a democratização dos meios de comunicação, política de distribuição de canais – não é feito, para não incomodar os ruralistas do ar.
LEI E ORDEM A Anatel começou a reprimir em 1997, logo ao ser criada por Fernando Henrique. A Lei Geral de Telecomunicações (LGT, ou Lei nº 9.472), em seu artigo 19, dá à Anatel poderes de “realizar buscas e apreensão de bens no âmbito de sua com-
petência”. Tal poder fere a Constituição, que no artigo 5º estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O PT e o PC do B entraram com ação no Supremo Tribunal Federal, que a acatou determinando que o artigo da LGT não fosse usado. O que fez a Anatel? Continuou apreendendo. Seus agentes, tão legalistas, não cumpriram a lei. Foi efetivada uma reclamação ao STF contra a Anatel, que parou de descumprir a lei. Contudo, mais uma vez ciosa de seu serviço, criou uma resolução interna dizendo que tinha poder de lacrar emissoras. Diz o juiz federal aposentado Paulo Fernando Silveira: “A apreensão ou lacração com base em dispositivo penal – ainda que estivesse em vigor e fosse aplicável às rádios comunitárias – foge da competência
O ministro Miro Teixeira (à dir.), e o presidente da Anatel, Pedro Jaime Zilder
administrativa da Anatel, razão pela qual age com abuso de poder”. Neste momento, centenas de pessoas no Brasil estão respondendo a processo na Polícia Federal por “operação de emissora clandestina”. Existem projetos no Congresso Nacional anistiando os comunicadores. Como não interessa ao governo, os processos não andam.
ANISTIA Em junho de 2003, em uma reunião das entidades de rádios comunitárias da Bahia com o ministro das Comunicações, Miro Teixeira foi questionado sobre isso. Imediatamente chamou um assessor e determinou: “Faça, agora, uma minuta de decreto ou medida provisória para anistiar essa gente, que eu levarei pessoalmente até Lula para ele assinar”. Até hoje não se tem notícia dessa minuta. Era somente uma bravata.
Por medo ou vassalagem, o fato é que o governo Lula tomou uma posição: ficar ao lado dos coronéis da comunicação. Infelizmente, ao tomar esse partido, enterra a esperança dos que acreditavam que finalmente poderiam falar. Continuam mudos. O medo venceu a esperança. Quem faz rádio comunitária tem medo da repressão, tem medo do futuro – porque não vislumbra futuro. Fazer com que o povo domine os meios de comunicação, construa seus meios, é a largada para a mudança. Vai haver um fome zero para comunicação? Quando? Dioclécio Luz é jornalista, autor do livro Trilha das rádios comunitárias, e membro do Conselho de Acompanhamento da Mídia da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
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NACIONAL DIREITOS HUMANOS
Lula aprova renda mínima para todos Em ato histórico, presidente transformou em lei o projeto do senador Suplicy e garantiu benefício a todos os cidadãos Flávio Cannalonga
Bruno Fiuza da Redação
T
IDÉIA INTERNACIONAL
A lei prevê a criação da renda básica a partir de 2005, com implantação gradual, priorizando as camadas mais carentes
Oliveira, universalização significa equalizar as oportunidades, o que se traduziria no pagamento de um benefício substancial que atendesse à maior parte da população com renda abaixo da média nacional.
“SÓCIO” DO PAÍS A universalização do benefício gerou polêmica. Mas Suplicy defende a proposta de permitir que qualquer pessoa tenha uma remuneração mínima, independentemente da atividade que desenvolve. O senador argumenta que determinadas atividades não remuneradas, ainda que não quantificáveis economicamente, são tão importantes para a sociedade quanto as demais. Essa seria, em sua opinião, uma forma de concretizar o direito garantido pela constituição de que todo brasileiro seja “sócio” do seu país. A lei institui a criação da renda básica a partir de 2005, mas não para toda a população de uma única vez. A implantação seria gradual, de acordo com a disponibilidade orçamentária do país, priorizando as camadas mais carentes. Ainda não existem números concretos em termos de valores e beneficiados; caberá ao Poder Executivo definí-los. Suplicy propõe que 5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro seja distribuído como renda básica de cidadania. Tomando por base o PIB de 2003, esse valor seria da ordem de R$ 83 bilhões, o que garanti-
OEA quer saber sobre Operação Castelinho da Redação O governo brasileiro tem prazo até final de fevereiro para dar, à Organização dos Estados Americanos (OEA), sua explicação sobre a chamada Operação Castelinho, que em 5 de março de 2002 provocou a morte de 12 presos, suspeitos de pertencer à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Trata-se do primeiro passo para que a OEA faça uma apuração sobre o caso, que pode colocar novamente o Brasil no banco dos réus em questões relativas a violação dos direitos humanos. A abertura do caso no âmbito de um organismo internacional de direitos humanos foi pedida pela Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo, presidida pelo jurista Hélio Bicudo. A OEA baseou o pedido de informações após averiguar o relatório divulgado pelo Ministério Público (MP) no início de dezembro. A investigação do MP apurou a
farsa da operação da PM paulista na rodovia Castelo Branco, envolvendo 53 policiais militares, acusados de homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, cruel e emboscada. Na época, a Secretaria de Segurança Pública alegou que, com base em escutas telefônicas, teria barrado uma megaoperação do PCC, que seqüestraria um avião pagador com R$ 28 milhões ou o resgate de presos. Conforme revelou reportagem de Brasil de Fato, de 13 de dezembro, entre os acusados estão o coronel José Roberto Martins Marques, na época comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota); seu subcomandante, o major Augusto Fernando da Silva; o tenente-coronel reformado Roberto Mantovan, ex-coordenador do Gradi; e o chefe do policiamento rodoviário na região, tenente-coronel Romeu Takami Mizutani. Dos 53 denunciados, dez são oficiais da Polícia Militar e até agora ninguém foi afastado.
ria renda mensal de R$ 40 para todos os brasileiros. A previsão do senador é de que essa meta seja atingida até 2010, mas ele reconhece: “A implementação da lei também vai depender da mobilização da sociedade”.
E sugere que essa reivindicação seja adotada pelos movimentos que lutam por justiça social, “da mesma forma como a reforma agrária”. O otimismo de Suplicy, no entanto, não é compartilhado por Francisco
A bandeira da renda mínima já foi defendida pelas mais diferentes linhas de pensamento, desde pensadores de tendência socialista até liberais ferrenhos. Suplicy conta que a primeira proposta de renda mínima está contida na obra Utopia, de Thomas More, mas utiliza a definição do filósofo inglês Bertrand Russel segundo a qual “toda pessoa receberia uma renda suficiente para atender às suas necessidades e daí para frente cada um iria receber aquilo que conseguisse por meio do seu trabalho”. Francisco de Oliveira lembra, no entanto, que a renda mínima é uma política de origem liberal, proposta por Milton Friedmann, um dos grandes ideólogos do neoliberalismo, como parte da política econômica implementada no Chile de Pinochet. Oliveira lembra ainda que a idéia de vincular cidadania à renda é essencialmente liberal, mas a proposta se torna positiva na medida em que “o emprego formal está em extinção.”
Militares oferecem ajuda e vítimas da repressão desconfiam Tatiana Merlino da Redação “Espero que algum corpo seja encontrado, mas isso está parecendo mais uma tentativa de calar a boca dos familiares e sobreviventes”, desconfia Cecília Coimbra, vicepresidente do Grupo Tortura Nunca Mais, sobre a disposição de militares em ajudar na procura de corpos dos guerrilheiros que combateram a ditadura militar, na região do Araguaia, Sul do Pará, nos anos 70. Em portaria confidencial, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, determina que “todo esforço possível seja feito no apoio à busca dos restos mortais dos guerrilheiros”. Para Criméia de Almeida, sobrevivente da guerrilha, a declaração é uma “palhaçada, pois os militares já sabem há muito tempo onde os corpos estão”. Ela se declara surpresa não com a posição dos militares, mas sim “com o governo, que se presta ao papel de enganar a sociedade”. Criméia comenta que “o poder deve ser muito sedutor”, referindo-se a pessoas que foram presas e torturadas e hoje, atuando no governo, questionam a quebra de sigilo das informações sobre a guerrilha. O porta-voz do Exército, general Augusto Heleno Pereira Ribeiro, disse que a “tarefa do Araguaia será cumprida sem nenhuma conotação de caráter ideológico e sem revanchismo, pois trata-se de uma tentativa justa de buscar corpos de brasileiros”. O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, autor do pedido à Justiça para identificação dos corpos, defende o direito das famílias dos mortos de homenagear seus entes queridos. Além do direito dos familiares de localizar os restos mortais das vítimas, a vice-presidente do Tortura Nunca Mais ressalta a importância de abrir os arquivos do Araguaia e esclarecer as circunstâncias em que as pessoas foram torturadas e mortas.
PSEUDO-ESFORÇO Para o brigadeiro Antonio Guilherme Telles Ribeiro, integrante da comissão interministerial para localizar os restos mortais dos mi-
Agência Estado
ransformado na Lei 10.835, a primeira sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva este ano, o projeto de renda mínima constituiu uma conquista histórica não apenas na opinião de seu autor, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), mas também do ponto de vista do economista Celso Furtado e de um dos principais teóricos mundiais da renda mínima, o professor de ética econômica e social da Universidade Católica de Louvain, Philippe Van Parijs. Aprovada dia 8, a lei institui o direito de “todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros residentes há pelo menos cinco anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário”. Trata-se da instituição de um direito universal que prevê a garantia de uma renda suficiente para atender às despesas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde. Essa não é a primeira experiência de renda mínima implantada no Brasil. Programas como o BolsaEscola, o Fome Zero e demais ações sociais reunidas sob o recém-criado Bolsa-Família, são modalidades de programas de renda mínima implementadas nos últimos anos. Esses programas, no entanto, seriam instrumentos de “funcionalização da miséria”, segundo o professor e sociólogo Francisco de Oliveira. Um dos principais críticos do governo Lula, Oliveira explica que programas como o Fome Zero, por serem extremamente focalizados em uma parcela da população, se constituem em uma espécie de “ajuda humanitária” para garantir a sobrevivência dos mais pobres sem alterar a condição social destes. Ou seja, esses programas não alteram a estrutura de distribuição de riquezas do país. A avaliação positiva que o professor faz da proposta de uma renda básica de cidadania se baseia justamente na sua tendência universalista, embora com ressalvas: “A renda básica só se converterá em um instrumento efetivo de distribuição de renda na medida em que atender amplamente a população com benefícios razoavelmente elevados”, diz Oliveira, que discorda também da idéia de que todos os brasileiros recebam a renda. “Pagar benefícios para o Antônio Ermírio de Moraes é um escárnio”, brinca. Segundo
de Oliveira. O sociólogo acredita que o governo não tem interesse em implementar a lei da renda básica, que entraria em contradição com a política econômica.
Militares em ação no Araguaia, nos anos 70: Exército favorecido com “sigilo eterno”
litantes que lutaram na guerrilha, “os trabalhos da Força Aérea terão motivação no dever profissional e no respeito à história do Brasil”. O brigadeiro afirmou que, entre os oficiais que devem prestar informações está o coronel Pedro Corrêa Cabral, integrante das operações aéreas contra a guerrilha. “Mas esse homem sofre de amnésia”, questiona Criméia, lembrando que, em 1993, o coronel Cabral sobrevoou por 15 horas a região da guerrilha, acompanhado de Greenhalgh, mas não se lembrou de onde ficava um cemitério de guerrilheiros. “Se ele se lembrar do local agora, onze anos depois, será ótimo. Lá estão mais de sessenta corpos”, ironiza Criméia. Segundo o Tortura Nunca Mais/ RJ, a comissão interministerial “representa clara proteção àqueles que prenderam, assassinaram e desapareceram com os opositores políticos ao regime ditatorial”. Para Criméia, a comissão significa um retrocesso, e foi criada para adiar uma decisão judicial da Advocacia Geral da União (AGU).
AMEAÇA O resgate da história ficou ameaçado desde o final de agosto de 2003, quando a AGU recorreu parcialmente do pedido de localização dos corpos, feito pela juíza Solange Salgado, da 1ª Vara da Justiça Fede-
ral, dentro de um processo iniciado em 1982 por parentes de vítimas. O governo reconhece o direito das famílias de localizar os restos mortais e sepultá-los, mas questiona a quebra de sigilo das informações e o fornecimento de dados relacionados à guerrilha. Outro fator que impede o esclarecimento do episódio histórico é o decreto 4.553. Conhecido como decreto de “sigilo eterno”, ele assegura o sigilo de documentos de um órgão público por tempo indefinido.“Os arquivos existem, tem gente viva que poderia esclarecer muita coisa, além de haver muitos documentos do Exército”. Editado por Fernando Henrique Cardoso em sua última semana de governo, o decreto foi referendado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fevereiro de 2003 e amplia o prazo de sigilo dos documentos públicos (reservado, confidencial, secreto e ultra-secreto). No caso dos ultra-secretos, eleva o prazo para cinqüenta anos, com renovação por tempo indeterminado. “Fico indignada do governo Lula se prestar a tal papel. Eles têm informações, mas apelam para esse decreto e para essa comissão”, diz a vice-presidente do Tortura Nunca Mais, considerando essa atitude um desrespeito com os familiares dos desaparecidos e com a sociedade.
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De 15 a 21 de janeiro de 2004
NACIONAL CIDADANIA
Idosos ganham respeito e novos direitos Já em vigor, o Estatudo do Idoso traz benefícios, mas ainda apresenta pontos críticos para serem solucionados Fotos: Renato Stockler
Luís Brasilino e Tatiana Merlino da Redação
“A
gora poderei visitar minha família”, comemora o vendedor ambulante Antônio Rodrigues de Amorim, 79 anos, cinqüenta deles vividos em São Paulo (SP). Nascido no Ceará, Amorim ficou muito feliz ao saber que o Estatuto do Idoso, em vigor desde o dia 1º de janeiro, estabelece a obrigatoriedade de duas vagas gratuitas por veículo de transporte coletivo interestadual para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos. Morando na capital paulista desde 1945, Amorim só voltou a sua terra natal uma vez, há sete anos. A lei, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de outubro de 2003, garante direitos e define deveres para melhorar a vida de pessoas idosas – pela definição do Estatuto, todas aquelas com mais de 60 anos. Maria José Barroso, presidente do Conselho Nacional de Direitos do Idoso, afirma que o Estatuto é um grande benefício para o país e para os idosos, que se sentiam “maltratados e desprestigiados”. A camelô Zita Vieira Mendes, de 62 anos, pretende ter o documento em mãos “e, se alguém me desrespeitar ou discriminar, vou dizer que ele está procurando chave de cadeia. Como no Brasil o idoso é muito discriminado, a lei é muito bem-vinda”, acredita. Ela conta que trabalhou muitos anos como copeira e faxineira de empresas, mas há oito anos não consegue emprego por conta da idade avançada.
CONSCIENTIZAÇÃO As resoluções, no entanto, precisam ser informadas à população para serem cumpridas – evitando uma triste tradição brasileira segundo a qual certas leis simplesmente “não pegam”. Armidoro Turini, Pe-
em hospitais públicos há muita demora, fizemos um plano de assistência privada”. Porém, depois de um tempo, o plano ficou muito caro, a mensalidade aumentava com freqüência e eles tiveram que desistir. Com o estatuto, nos novos contratos dos planos de saúde ficam proibidos de realizar reajustes em razão da idade. Agora, quem sabe, Gomes poderá pensar em fazer um novo plano para sua esposa.
CONTROVÉRSIAS
Sociedade precisa ficar atenta para que o Estatuto seja cumprido, dizem Armidoro Turini, Pedro Custódio e Olga Bertolani
dro Custódio e Olga Bertolani, que desconheciam o Estatuto, desconfiam de uma lei em “um país onde ninguém liga para os idosos”. Mas disseram que, se a lei for cumprida, “será muito bom”. Na opinião de Inês do Amaral Büschel, promotora de justiça de São Paulo, aposentada e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático, a grande vantagem do Estatuto é simbólica. “Cultural e politicamente o Estatuto tem um valor muito importante pois dá destaque para um grupo historicamente inferiorizado”, afirma, chamando a atenção para o fato de algumas das proposições, como o transporte coletivo gratuito, constarem da Constituição Federal desde 1988. Para Inês, os conselhos de idosos espalhados por diversas cidades do país cumprirão um importante papel cobrando dos governos (federal, estaduais e municipais) o
cumprimento das normas. Adão Pretto, deputado federal (PT-RS), concorda e vai além: “Se ficarmos esperando apenas os idosos reclamarem seus direitos, o Estatuto não será seguido”. Ele acredita que só a sociedade integrada será capaz de fazer essas leis serem respeitadas. Nesse sentido, Inês comemora uma das novas resoluções: a definição dos crimes contra maiores de 65 anos e a descaracterização da dependência de representação; ou seja, agora, não é só a vítima que pode processar seu agressor; qualquer cidadão pode denunciar uma violação. Essa disposição não só aumenta as chances dos culpados serem condenados como também constitui um valioso instrumento de conscientização. No início do ano, esse quadro começou a mudar. A delegacia do idoso, em São Paulo (SP), teve um aumento significativo de denúncias
desde que o Estatuto passou a vigorar. “Passamos de dez para vinte pessoas atendidas por dia”, conta o delegado titular Camillo Lellis de Salles Netto, “além de inúmeras consultas telefônicas sobre as alterações no transporte coletivo e na saúde”. O aposentado Raimundo Gomes acredita que, se funcionar, o Estatuto vai ajudar muito os idosos. Sua esposa tem sérios problemas de saúde, “mas como no atendimento
Quando o Estatuto foi sancionado, em outubro, a proibição de reajuste de planos de saúde para novos contratos para pessoas com mais de 60 anos foi objeto de discussões. Na ocasião, o ministro da Saúde, Humberto Costa, se posicionou contra a medida com o argumento de que as operadoras iriam repassar o ônus a conveniados de outras faixas etárias. Para a presidente do Conselho Nacional de Direitos do Idoso, esse é um ponto preocupante “pois as pessoas vão se sentir prejudicadas e isso pode aumentar o preconceito com os idosos”. Algumas medidas da área de saúde, como a obrigatoriedade de atendimento imediato aos idosos, são questionadas por Maria José: “Com o sucateamento dos hospitais públicos, fica difícil cumprir essa meta”. Outra medida crítica é a que se refere ao atendimento domiciliar, um procedimento que exige pessoas capacitadas. “Mas faltam até médicos nos sistemas públicos”, diz Maria José.
AS CONQUISTAS DO ESTATUTO Confira alguns dos novos direitos do idoso, segundo a Lei Federal 10.741, que tem 118 artigos, e está em vigor desde o dia 1º de janeiro > os planos de saúde estão proibidos de realizar reajustes em novos contratos, por razão de idade, a partir dos 60 anos; nos contratos antigos, vale o que tiver sido estabelecido > o governo se compromete a distribuir gratuitamente para idosos medicamentos, especialmente os de uso continuado, além de próteses e órteses > o idoso tem prioridade no atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) > quando internado nas redes pública ou privada, o idoso pode exigir acompanhante > se estiver impossibilitado de se lomomover, o idoso tem direito a atendimento domiciliar > o idoso tem direito a internação domiciliar, se necessária > o idoso com mais de 65 anos e sem condições financeiras tem direito a receber um salário mínimo > o idoso tem direito a transporte coletivo público gratuito > as empresas de transporte coletivo interestadual são obrigadas a oferecer duas vagas gratuitas para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos; e desconto de 50% para os demais passageiros idosos de mesma renda > o idoso tem desconto de pelo menos 50% nos ingressos para eventos culturais, de lazer e esportivos, no setor público ou privado > o reajuste dos benefícios da aposentadoria será feito na mesma data do reajuste do salário mínimo > o idoso tem prioridade na tramitação dos processos judiciais > os meios de comunicação devem manter programas educativos, informativos, artísticos e culturais voltados ao processo de envelhecimento > as instituições de ensino devem inserir nos currículos escolares matérias sobre terceira idade e valorização do idoso > será criada uma universidade aberta para idosos e haverá incentivo para publicação de livros e periódicos em padrão editorial que facilite a leitura pelo idoso > o idoso tem prioridade nos programas habitacionais, mediante reserva de 3% das unidades; e os critérios de financiamento devem ser compatíveis com seus rendimentos de aposentadoria ou pensão > toda instituição que abrigar idosos deverá manter a identificação externa visível FIM DOS MAUS-TRATOS
O Estatuto do Idoso prevê medidas para eliminar os casos de maus-tratos de idosos e punir responsáveis pelos seguintes atos, considerados crimes: > apropriar-se ou desviar bens, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso. Pena: reclusão de um a quatro anos e multa > negar acolhimento ou permanência do idoso em abrigo. Pena: detenção de seis meses a um ano e multa > reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios ou pensão do idoso. Pena: detenção de seis meses a dois anos > exibir ou veicular informações ou imagens depreciativas do idoso. Pena: detenção de um a três anos e multa > coagir o idoso a doar, realizar testamento, contratar ou emitir procuração. Pena: de dois a cinco anos de reclusão > discriminar o idoso, impedindo ou dificultando o acesso a operações bancárias e meios de transporte. Pena: reclusão de seis meses a um ano e multa; se o idoso estiver sob cuidado do infrator, a pena aumentará em um terço > negar, recusar, retardar ou dificultar a assistência à saúde. Pena: detenção de seis meses a um ano e multa; se a negligência levar à morte do idoso, a pena será triplicada > abandonar o idoso em hospital público. Pena: detenção de seis meses a um ano e multa > submeter o idoso a condições desumanas, privá-lo de alimentação ou obrigá-lo a trabalho excessivo ou inadequado. Pena: detenção de dois meses a um ano e multa > submeter o idoso a maus-tratos que resultem em lesão corporal grave. Pena: reclusão de um a quatro anos > expor o idoso a situação que resulte em morte. Pena: reclusão de quatro a doze anos > negar emprego ao idoso ou negar o acesso a cargo público por motivo de idade. Pena: reclusão de seis meses a um ano e multa > deixar de cumprir ou retardar a execução de ordem judicial quando o idoso for parte do processo. Pena: detenção de seis meses a um ano e multa
A camelô Zita Vieira Mendes promete defender seus direitos
ONDE OBTER INFORMAÇÕES Para ler o Estatuto do Idoso na íntegra entre na página da internet http://portal.saude.gov.br/saude/arquivos/pdf/estatuto_do_idoso.pdf ou consulte o Ministério Público de seu Estado.
ONDE DENUNCIAR
Ceará Alô Idoso - 0800-850022 Distrito Federal Disque-Idoso - 0800-6441401 Maranhão Promotoria Especializada dos Direitos dos Cidadãos Portadores de Deficiência e Idosos - (98) 219-1816/1836 Mato Grosso do Sul Promotoria de Justiça da Cidadania, Idoso e Deficiente - (67) 321-3250 Minas Gerais Disque-Idoso - (31) 3277-4646 Paraná Promotoria dos Direitos do Idoso - (41) 219-5254 Paraíba Procuradoria-Geral de Justiça do Estado da Paraíba / Procuradoria de Defesa dos Direitos do Cidadão - (83) 241-7094 Pernambuco Disque-Idoso - 0800-2812280 Rio de Janeiro Ligue Idoso - (21) 2299-5700 Delegacia de Atendimento e Proteção ao Idoso - (21) 3399-3181/3182 Rio Grande do Norte Promotoria de Defesa do Idoso - (84) 232-7244 Rio Grande do Sul Conselho Estadual do Idoso - (51) 3228-8062 Santa Catarina Centro de Apoio Operacional de Cidadania do Ministério Público Estadual - (48) 229-9210 São Paulo Núcleo de Atenção ao Idoso - (11) 3874-6904 Promotoria do Idoso - (11) 3119-9082/9083 Delegacia do Idoso - Estação República do Metrô, (11) 3104-3798
Ano 1 • número 46 • De 15 a 21 de janeiro de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO ALCA
EUA tentam brecar resistência. E falham Governos dos países latino-americanos frustram nova ofensiva de Bush e mantêm discurso contra livre comércio Jorge Pereira Filho e Claudia Jardim da Redação
José Mendez/EFE/AE
NA MIRA DO IMPÉRIO
O
s Estados Unidos não conseguiram atingir seus objetivos com a Cúpula Extraordinária das Américas, que dias 12 e 13 reuniu chefes de governo de 34 países do continente em Monterrey, no México, para uma reunião extraordinária. Defensor da necessidade do encontro, o presidente estadunidense George W. Bush esperava obter um compromisso dos governantes em torno de questões centrais para a sua estratégia imperialista – que inclui o fortalecimento do discurso pela implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a obtenção de um acordo sobre corrupção que infringia princípios de soberania das nações. Bush planejava também “enquadrar” países cujas posições não estariam agradando a Casa Branca, como a Venezuela e Argentina. A Cúpula foi precedida por uma ofensiva verbal dos Estados Unidos. Antes do encontro, funcionários do governo Bush criticaram governos de Cuba, Venezuela e Argentina. Acusaram Fidel Castro e Hugo Chavez de promover o antiamericanismo na região. O secretário-assistente de Estado para as Américas, Roger Noriega, um cubano estadunidense anticastrista, disse que a Argentina havia dado uma guinada à esquerda, decepcionando a Casa Branca. O líder cocalero Evo Morales foi acusado de receber dinheiro do governo venezuelano para desestabilizar o governo boliviano de Gonzalo Sánchez de Lozada, deposto pelo povo em outubro de 2003. O endurecimento do discurso do governo Bush respondia ao anseio dos seus apoiadores ultra-conservadores, que cobram mais vigor na relação com os países da América Latina. Os últimos anos foram marcados pelo enfraquecimento da hegemonia estadunidense no continente e pelo crescimento do sentimento popular contrário às políticas neoliberais. Governantes chegaram ao poder adotando um discurso de rompimento com o receituário de Washington – Nestor Kirchner, na Argentina; Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil; Hugo Chavez, na Venezuela; Lucio Gutierrez, no Equador. Movimentos populares do continente se fortaleceram na luta contra o impe-
anunciou que seu país só vai pagar 25% da dívida externa e que apesar das pressões do FMI não irá recuar. Em 2003 a Argentina ameaçou decretar moratória. Os EUA criticam o governo argentino pela sua “esquerdização”, se referindo às relações comerciais do país com Cuba.
CUBA Apesar do bloqueio econômico dos Estados Unidos, há 45 anos Cuba barra a avalanche neoliberal e representa o foco de resistência do continente. Os EUA ameaçam intervir no país para restabelecer a “democracia” e para impedir que Cuba mantenha alianças com outros países latino-americanos, como Venezuela e Argentina.
VENEZUELA Mesmo após a tentativa de golpe apoiada pelos EUA em 2002, o governo mantém a política de desenvolvimento social e de combate ao neoliberalismo. As relações entre
ARGENTINA O presidente Nestor Kirchner
rialismo e contra a implantação da Alca.“A nova ofensiva dos EUA é puramente ideológica. A Alca não emplacou e os EUA estão sentindo aumentar o grau de seu isolamento”, analisa o cientista político Emir Sader.
DIVERGÊNCIAS A Cúpula das Américas começou a fracassar a partir do desencontro entre países já na definição da agenda que seria discutida durante o encontro. Os Estados Unidos e o Canadá, países que convocaram a reunião, queriam impor temas como ampliação do livre comércio e medidas de segurança contra o terrorismo, com o apoio de governos mais próximos a Washington – México, Colombia e Chile. Brasil, Argentina e Venezuela defendiam que o encontro deveria discutir o combate à pobreza e o estímulo ao desenvolvimento econômico. No final, cada presidente cumpriu uma agenda particular, discursou sobre o que quis e praticamente não houve consenso. Emir Sader considera que os Estados
A Cúpula das Américas, em Monterrey, foi convocada em caráter extraordinário pelo Canadá e pelos Estados Unidos. A próxima reunião dos líderes dos países do continente estava marcada para 2005, na Argentina. Antes disso, houve três cúpulas e, em todos, os Estados Unidos conseguiram ter sucesso na estratégia de obter mais compromissos dos presidentes na consolidação da Alca.
Unidos perderam com o encontro. “Foi uma reunião negativa para os EUA pois eles estão vendo que o discurso deles não ecoa mais como antes. Não se falou de terrorismo, nem dos temas da pauta deles”, avalia Sader.
Após acusar Cuba e Venezuela de criar um sentimento antiestadunidense e sustentar que o presidente venezuelano colaborou com levante popular na Bolívia, os Estados Unidos lançaram, em Monterrey, uma nova ofensiva à Venezuela. O presidente estadunidense, George W. Bush, anunciou que seu aliado Vicente Fox, presidente do México, participará do processo de verificação das assinaturas colhidas pela oposição venezuelana no final de 2003 para tentar revogar o mandato do presidente Hugo Chavez. Fox pretende intervir junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para assegurar a “integridade do processo de referendo presidencial em curso na Venezuela”, afirmou Bush. Esse é o anúncio de que o apoio à oposição venezuelana, que ameaçou a democracia na tentativa de golpe em 2002, será mantido, sob o comando do secretário-geral da OEA, César Gavidia. A explicação para essa nova ofensiva, na avaliação do cientista político Emir Sader, é de que a oposição não tenha conseguido a quantidade de assinaturas necessá-
Wilson Dias/ABR
Bush prepara novo golpe na Venezuela
Chavez e Lula: encontro no México
rias para o referendo (2,5 milhões) e por isso há uma nova articulação para culpar Chavez por qualquer rejeição ao referendo. “Os EUA estão preparando o clima para dizer que houve irregularidades e o Conselho Nacional Eleitoral não reconheceu
as assinaturas. A oposição sabe que o referendo não vai dar certo”, avalia Sader. O economista Mark Weisbrot, do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas de Washington, concorda com essa avaliação e lembra que a retórica de defesa da democracia é injustificável para um país que financiou o golpe contra o presidente venezuelano em 2002. “Os EUA, que apoiaram um golpe militar contra o governo democraticamente eleito – incluindo o financiamento de grupos de oposição, e nunca se desculparam por isso – realmente não deveriam tentar interferir no processo de democracia venezuelano. Chavez não financia grupos antiBush nos EUA”, critica Weisbrot. O presidente da Venezuela foi incisivo ao rebater as acusações feitas a seu governo e disse que não vai permitir qualquer intervenção na política de seu país. “Esse é um problema interno, só dos venezuelanos”, afirma Chavez, que diz não temer o resultado, caso o referendo ocorra. “Mesmo que tiver (o número), eu ganho o plebiscito”, assegura. (CJ)
Todos os países latino-americanos rejeitaram a proposta dos Estados Unidos de incluir um artigo, na declaração final da Cúpula, prevendo a punição de presidentes considerados corruptos. Na avaliação dos diplomatas, seria uma brecha para permitir intervenções nos governos dos países da região. Mas o presidente George W. Bush não saiu de mãos abanando da reunião. Conseguiu incluir uma referência à Alca no documento final, reforçando o compromisso dos países de concluír o acordo dentro dos prazos previstos. A Venezuela foi o único país que rejeitou a referência por discordar do “conceito e da filosofia contidos no modelo proposto”. Bush também envolveu o presidente do México, Vicente Fox, na sua empreitada contra Chávez (veja o texto abaixo).
MODELO INSUSTENTÁVEL A tentativa de intimidar os governos latinos, no entanto, não deu certo. Kirchner, por exemplo, repudiou iniciativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para que a Argentina aumentasse o pagamento da dívida externa. Em discurso, o líder platino afirmou que o crescimento da dívida havia sido resultado de um “modelo eco-
Cuba e a Venezuela, com parcerias em projetos de saúde e educação, incomodam o governo Bush, que acusou os dois países de criar instabilidade no continente. BOLÍVIA O líder indígena Evo Morales está na mira dos EUA por ter liderado o levante popular que derrubou o presidente Gonzalo Sanchez de Lozada, aliado de George W. Bush. Washington acusa Morales de ter recebido apoio financeiro da Venezuela para promover o levante.
nômico insustentável”, estimulado e sustentado pelos organismos internacionais (veja o texto abaixo). O presidente Lula discursou em defesa do combate à desigualdade social e criticou as políticas neoliberais no continente durante os anos 90. “Depois dos anos 80, a década perdida, os anos 90 significaram uma década de desespero”, disse o presidente, lembrando que o número de pobres na América Latina passou de 48 milhões para 57 milhões nesse período. Para Lula, esse foi o resultado de um “modelo perverso que separou o plano econômico do plano social, opondo estabilidade a crescimento e divorciando responsabilidade e justiça social”. O presidente reafirmou a estratégia brasileira de priorizar a integração sul-americana e defendeu um novo padrão de desenvolvimento para superar essas dicotomias. “A distribuição de renda não deve ser mera conseqüência do crescimento, mas sua alavanca fundamental. A desigualdade social e a miséria são o principal obstáculo para nossa adequada inserção no mercado mundial”, enfatizou Lula, embora o seu governo, até agora, não tenha primado por essa combinação.
Argentina resiste à pressão O presidente argentino Nestor Kirchner resistiu, na Cúpula das Américas, a mais uma ofensiva dos credores internacionais. O país está submetido a uma dupla pressão dos Estados Unidos. Enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) defende o aumento do pagamento feito pelos argentinos, o governo de George W. Bush quer imunidade para seus militares realizarem operações no país. Em dezembro, o secretário de Segurança Donald Rumsfeld encontrou-se, em Washington, com o responsável pelo mesmo cargo na Argentina, José Pampuro. Rumsfeld disse que os Estados Unidos tinham interesse em fazer operações militares no país porque estavam preocupados com a possibilidade de o conflito na Bolívia se estender na região. Em outubro, o povo boliviano depôs o presidente Gonzalo Sanchez de Lozada, que havia passado a maior parte de sua vida em Miami e era conhecido como El Gringo,
por adotar políticas neoliberais. Diante da hesitação de Pampuro, Rumsfeld afirmou: “Vocês sabem o que fazem...” O governo argentino também enfrenta a pressão dos credores da sua dívida externa, que cobram uma revisão da reestruturação anunciada em 2003, depois de dois anos de moratória. Kirchner afirmou que as condições econômicas do país não permitiam pagar além dos 25% que o país devia. A proposta não agradou a Washington. Antes de sair de Buenos Aires, o presidente argentino prometeu que não iria recuar. Em Monterrey, reuniu-se com o presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Hoerst Khoeler, que pediu uma negociação mais “amigável” com os credores. “Podem me pressionar muito, mas não vou mudar minha posição. Não porque sou atrevido, mas é o que a Argentina pode pagar”, respondeu Kirchner. (JPF)
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AMÉRICA LATINA EQUADOR
Guerra civil colombiana bate à porta Prisão de guerrilheiro das Farc, em Quito, revela ação conjunta entre os dois países latino-americanos e os Estados Unidos Jorge Vinueza/AFP
Kintto Lucas de Quito (Equador)
A
captura, dia 3, em Quito, do guerrilheiro Simón Trinidad, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), envolve diretamente o governo equatoriano no conflito armado interno da Colômbia. Essa é a análise de especialistas em América Latina, que vêem na prisão de Trinidad a primeira ação conjunta entre os dois países e os Estados Unidos. Segundo um oficial equatoriano que não quis ser identificado, a movimentação faz parte da segunda fase do Plano Colômbia, de luta contra a “narcoguerrilha”, financiado em grande parte por Washington. Nas entrevistas após a captura do guerrilheiro, o ministro do Interior do Equador, Raúl Baça, e seu colega da Defesa da Colômbia, Jorge Alberto Uribe, entraram em contradição. Além disso, há vários indícios de que houve coordenação dos dois países, diz o militar. Até agora o Equador se mantinha neutro diante da guerra civil no país vizinho. O próprio Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, declarou que a detenção de Trinidad “é o resultado de uma ação exemplar de nossas forças da ordem – polícia e Exército neste caso – e com o apoio vital do alto escalão de governo e da polícia do Equador, bem como do governo estadunidense”. Contudo, o ministro Baça negou que tenha havido ação conjunta entre as polícias colombiana e equatoriana. Segundo ele, “a ação foi realizada pela Polícia Nacional (equatoriana) como um ato absolutamente normal de controle na cidade de Quito. O cidadão colombiano foi levado à chefatura de polícia por não possuir a documentação que lhe permitisse permanecer na cidade de Quito em condições normais”. Já o sociólogo e analista político Alejandro Moreano lembrou a reu-
Prisão é usada como moeda de troca da Redação Ricardo Ovidio Palmera Pineda, conhecido pelo nome guerrilheiro de Simón Trinidad, foi preso no dia 3, por policiais equatorianos. Considerado um dos sete comandantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), ele foi enviado em seguida para a Colômbia. A prisão de Trinidad foi comemorada pelo governo colombiano como um dos principais feitos para garantir a “segurança democrática” no país e como o golpe mais duro contra as Farc nos últimos tempos. Para Raul Reyes, do estadomaior das Farc, a prisão está sendo tratada com sensacionalismo pelo governo colombiano, para que o país receba mais recursos dos Estados Unidos. Em entrevista à agência de notícias Nova Colômbia, ele nega que Trinidad seja um dos principais dirigentes da guerrilha, bem como que tenha ocupado todos os cargos atribuídos a ele pela imprensa e pelo governo colombiano. No entanto, Reyes e Trinidad eram os negociadores oficiais das Farc junto ao governo do ex-presidente Andrés Pastrana para as questões relativas à zona de distensão de San Vicente del Caguán, em conversas que duraram de janeiro de 1999 a fevereiro de 2002, em busca de uma solução pacífica para o conflito. Além disso, Reyes propõe a troca de prisioneiros para conseguir a liberdade de Trinidad. (Adital)
Equatorianos protestam contra decisão do presidente Gutiérrez de congelar os salários dos funcionários públicos
nião, há um mês, entre Otto Reich e o presidente do Equador, Lucio Gutiérrez. “Parece que o encontro serviu para que este último fortaleça sua posição clara, de apoio às pretensões geopolíticas dos Estados Unidos na região”. Reich, assessor para a América Latina do presidente George W. Bush, chegou ao Equador no início de dezembro, na época em que Gutiérrez enfrentava a denúncia de ter recebido dinheiro do narcotráfico para sua campanha eleitoral. A denúncia surgiu com a detenção do suposto traficante César Fernández, que apoiou a campanha de Gutiérrez. Houve rumores, logo desmentidos, de destituição do presidente.
RELAÇÕES BILATERAIS A diretora de Assuntos Públicos da embaixada dos Estados Unidos no Equador, Marty Estell, também contradisse Baça e garantiu que a
detenção de Trinidad é “um exemplo de cooperação entre as polícias do Equador e da Colômbia, uma operação conjunta que teve resultado perfeito”. Outro fato que confirmaria a ação conjunta é que o próprio presidente Uribe, no sábado, felicitou a força pública de seu país e do Equador e comemorou a cooperação do presidente equatoriano nessa captura. “Essa operação dá toda confiança aos colombianos de bem”, disse Uribe, que também agradeceu ao povo colombiano. Por sua vez, Gutiérrez disse, à RCN Rádio, da Colômbia, que a detenção de Trinidad ajuda a manter a segurança e as relações bilaterais. “Ajuda a melhorar a segurança entre nossos países e talvez seja mais um ingrediente para que nossos povos entendam que o único caminho a seguir é o do diálogo e da paz”, destacou. O presidente do Equador tam-
bém confirmou que conversou por telefone com seu colega colombiano em razão da prisão do guerrilheiro das Farc. Mas, antes da deportação de Trinidad, o general Jorge Poveda contradisse a versão inicial, na qual se baseou Baça, dizendo que a polícia agiu com ajuda de informação entregue por sua similar colombiana sobre a permanência de Trinidad no país. Apesar disso, Baça insistiu: “Continuamos discutindo o Plano Colômbia, mas temos que desenvolver o Plano Equador”. Para o general da reserva René Vargas Pazos, ex-ministro da Defesa e atual integrante do Grupo de Monitoração dos Impactos do Plano Colômbia no Equador, seu país começou a envolver-se no conflito colombiano no momento em que cedeu, em 1999, a base aérea do porto de Manta às forças armadas dos Estados Unidos. (IPS/Envolverde)
BOLÍVIA
Governo propõe diálogo para evitar protestos Dia 20, completa-se o prazo de 90 dias que os movimentos sociais bolivianos deram ao presidente Carlos Mesa, para a mudança nos rumos políticos do país. O descontentamento causado nos setores sociais e políticos com as medidas anunciadas, dia 4, repercutiu e fez o governo acenar com propostas de diálogo com os dirigentes indígenas, sindicais e camponeses, além de prometer transparência administrativa perante o povo. O prazo de 90 dias, dado a Mesa pela Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB), continua a vigorar, segundo o líder da organização, Felipe Quispe. “Exigimos diálogo. Depende deles, nós exigimos apenas que cumpram os 72 pontos e outras mesas de trabalho negociadas”, disse. O discurso de Mesa, proferido dia 4, não agradou aos bolivianos, que esperavam respostas e medidas imediatas para as questões que levaram à crise social e econômica, que resultaram nas manifestações de outubro do ano passado e à queda do presidente Sánchez de Lozada, atualmente exilado em Miami. A principal reação à mensagem de Mesa veio da Central Operária Boliviana (COB). O secretário executivo da COB, Jaime Solares, prometeu mobilizações a partir deste mês, exigindo do governo a revogação do Decreto Supremo 21060 e das Leis de Hidrocarbonetos e Pensões , que segundo ele provocaram a atual crise econômica do país.
Aizar Raldes/AFP
da Redação
Bolivianos cobram do presidente Carlos Mesa cumprimento de promessas que fez quando assumiu o poder em outubro
O Decreto Supremo 21060, promulgado em 1985 pelo presidente Víctor Paz Estensoro, instituiu na Bolívia a chamada “nova política econômica”, com a adoção do câmbio flutuante, a liberação das importações e a redução da presença do Estado na economia. As medidas significaram, de imediato, a demissão de 20 mil dos 27 mil empregados da empresa de mineração estatal Comibol e a redução em um terço dos funcionários da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). A mineração, a atividade exportadora mais importante do país, entrou em colapso com as cidades mineiras sendo abandonadas e os desempregados afluindo para as principais metrópoles bolivianas.
A principal proposta da COB é de que o controle da exploração dos recursos naturais deve passar para o Estado e feito através de empresas nacionais estratégicas como a YPFB e a Comibol. Conforme a resposta do presidente Mesa a essas demandas, a COB pretende convocar outros grupos para o protesto, pedindo apoio ao líder dos cocaleros e presidente do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales, e a Felipe Quispe, presidente da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB), “para que definam suas posições, se com o povo ou com o governo”. A mensagem presidencial também não foi bem recebida pelos
partidos políticos bolivianos, cujo tom geral das críticas converge para a reclamação sobre a falta de medidas concretas para se sair da aguda crise econômica e para realizar mudanças profundas que afetem o modelo neoliberal, responsável pela situação atual dos bolivianos.
FALTA DE PROPOSTAS Para Evo Morales, do MAS, o discurso presidencial não abordou as causas dos problemas da Bolívia, pois “não se refere à recuperação da propriedade dos recursos naturais, dirigindo o referendo do gás ao tema da exportação e não o do combustível, quando o que se trata, na verdade, é do domínio absoluto dos bolivianos sobre os hidrocarbonetos”, comenta.
Ainda segundo Morales, o presidente Mesa deixou espaço aberto para a intromissão dos EUA no país ao afirmar, na mensagem, que discutirá a problemática da folha de coca somente dentro do marco do cumprimento da Lei 1008, que estipula a erradicação das plantações de coca excedentes. A repercussão negativa do pronunciamento de Mesa levou a uma reunião entre Quispe e o defensor do povo Waldo Albarracín. O dirigente camponês mostrou-se disponível para buscar soluções do problema através do diálogo, mesmo tendo deixado claro reiteradas vezes que foram enganados pelo governo, que acertou acordos e convênios com o setor, logo desconsiderados, gerando motivos para a desconfiança. Albarracín está colocando em marcha um plano de “alerta antecipado” para evitar conflitos similares aos de fevereiro e outubro do ano passado. Ele espera se reunir com diversos setores sociais para posteriormente marcar um encontro com Mesa. No encontro devem ser transmitidas as demandas dos setores, “para possibilitar um diálogo aberto e sincero, além de efetivo, entre ambas partes”. Até o momento, Albarracín conversou com a Confederação dos Aposentados e a Central Operária Boliviana, cujo dirigente, Jaime Solares, também prometia o pronto início de manifestações caso o governo não mostrasse intenção de derrubar o Decreto Supremo 21060 e as leis de hidrocarbonetos e pensões. (Adital)
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INTERNACIONAL IRAQUE
Bastidores da captura de Sadam Hussein S
adam Hussein foi preso antes do dia 13 de dezembro e as imagens de sua captura foram guardadas para serem veiculadas em um grande show de mídia, montado estrategicamente pelas forças invasoras estadunidenses. Segundo Adbelbari Atwan, diretor do al-Quds al-Arabi, a fotografia do momento da detenção do ex-presidente do Iraque, distribuída pelos Estados Unidos, corresponde a pelo menos duas semanas antes. Yabar al-Kubaysi, dirigente da Aliança Patriótica Iraquiana, confirma a informação, acrescentando que Sadam Hussein estava dopado no momento da captura. Conforme al-Kubaysi, a prisão fortaleceu a resistência iraquiana, que continua exigindo o respeito à autodeterminação e soberania do Iraque. Brasil de Fato – Qual sua opinião sobre a prisão de Sadam Hussein? Yabar al-Kubaysi – É óbvio que Sadam estava sob efeito de alguma droga ministrada em descarada violação dos direitos humanos básicos. Segundo nossas informações, ele foi capturado duas semanas antes. As forças de ocupação usaram esse tempo para prepará-lo e para calcular o espetáculo de mídia, transmitido em todo o mundo. Sem a ajuda do serviço de inteligência iraniano, a prisão não teria sido possível. BF – A participação dos peshmergas curdos na prisão de Sadam é surpreendente, já que Tikrit é uma cidade inteiramente árabe. al-Kubaysi – A direção curda está totalmente vinculada aos ocupantes dos Estados Unidos, que a utiliza como infantaria barata. Se uma pessoa percorre apenas uma dezena de quilômetros ao norte de Bagdá, vê que os controles estão sob vigilância dos soldados curdos, que desenvolvem as inspeções enquanto os soldados estadunidenses ostentam o poder de decisão. Isso não é novo, mas se estabeleceu justamente desde a ocupação. BF – A prisão de Sadam Hussein significa um obstáculo à resistência? al-Kubaysi – Não, pelo contrário. Em poucas semanas já vemos um maior fortalecimento do movimento de resistência iraquiana. Para algumas pessoas, a prisão pode significar uma decepção temporal. Apesar de Sadam não exercer nenhuma função de direção, de mandatário, ainda assim representava o homem que governava e o domínio de seu clã familiar. Muitos membros do partido que por essa razão até agora permaneciam passivos se uniram à resistência. Conforme se produzem os últimos passos da fragmentação do partido Ba’az, cada um decide por si mesmo, sem esperar à cadeia de ordens que, de todas formas, tampouco era operativa desde o colapso do regime. Em relação às correntes islâmicas, foi anulado um importante pretexto para não cooperar com outras forças da resistência. Muitos recordavam o papel de Sadam e estavam pouco dispostos a colaborar com suspeitos seguidores de seu antigo inimigo. Os dirigentes islâmicos poderiam continuar empregando esse argumento mas se perderam definitivamente. Assim, as diferentes correntes da resistência se aproximaram e ganharam com isso. BF – É possível que Sadam tenha capitulado, assim como fez Abdullah Öcalan (dirigente do Partido dos Trabalhadores Curdos, na Turquia)? al-Kubaysi – Definitivamente, não.
Abdel Yabar al-Kubaysi considera ilegais a ocupação e o tribunal instaurado pelos EUA para julgar Sadam Hussein
Quem é Yabar al-Kubaysi é dirigente da Aliança Patriótica Iraquiana, coalização que luta para unificar os movimentos de resistência iraquiana em uma frente nacional de libertação. As fotografias publicadas pelos estadunidenses mostram Sadam como uma máquina privada de sua vontade, devido a medicamentos. Porém, quando ele parecia estar sob controle de si mesmo, recusou-se a cooperar com seus torturadores. BF – Qual sua opinião sobre o julgamento que os Estados Unidos anunciaram contra Sadam Hussein?
al-Kubaysi – É pura propaganda. Não existe um sistema judicial legal no Iraque. A ocupação é ilegal, assim como são ilegais os juizes instaurados por Paul Bremer. O povo não respeitará o julgamento. De qualquer forma, não se arriscarão a terminar sequer uma farsa de julgamento sem as preparações e falsificações que vão requerer ao menos um ano. Temem que Sadam revele um montão de segredos que contradigam suas mentiras propagandísticas. BF – Como evoluem as tarefas para formar uma frente da resistência? al-Kubaysi – Depois de intensas conversas, vamos poder proclamar a Frente de Resistência dentro de poucas semanas. Os principais elementos de nosso
programa são: a libertação do Iraque da ocupação e a completa retirada de todas as tropas da região, inclusive as que possam estar sob ordem das Nações Unidas. Em segundo lugar, qualquer autoridade instaurada pelos ocupantes, ou seja, o denominado Conselho de Governo de Bremer, é ilegítimo e o combateremos. A colaboração com os ocupantes será proibida. Os agressores anglo-estadunidenses deverão pagar pelas reparações da invasão e da ocupação e a Frente de Resistência lutará por construir um governo democrático. BF – Muitos ativistas contra a guerra, assim como muitos árabes, colocaram suas esperanças na França e na Alemanha. Que balanço faz do papel desses países?
al-Kubaysi – Temos de basear nossa luta de libertação nacional em nosso próprio povo e na solidariedade dos movimentos populares, no mundo árabe e em todas as partes. Os governos europeus podem não concordar com a agressão unilateral dos Estados Unidos, mas definitivamente não estão interessados em apoiar nossa luta de resistência. Basta ver Jacques Chirac, que recebeu oficialmente a Yalal Talaban e al-Hakim (membros do conselho de governo iraquiano designados pelos Estados Unidos), esses traidores que cooperam com os ocupantes. Não esqueceremos nunca. Schröder não é melhor, parabenizou o presidente dos Estados Unidos pela captura de outro presidente. Por que não protesta contra esse ato ilegal e criminoso? Porque somos um país do Terceiro Mundo a quem se nega o direito à autodeterminação e à soberania. BF – Que mensagem quer enviar ao Movimento contra a Guerra? al-Kubaysi – Recentemente houve a 2ª conferência internacional “Pela resistência no Iraque e Palestina, contra a globalização capitalista e a hegemonia dos EUA”, no Cairo. Em geral, o congresso pediu para que o passado fosse deixado para trás e começasse um novo período. Mas, como podemos esquecer a agressão, a invasão e a ocupação? Toda nossa política se baseia nesse fato. Pedimos ao Movimento contra a Guerra que permaneça ao nosso lado. A neutralidade não é possível. Seguiremos lutando até que nossa ação seja liberada. Esse é nosso direito e nossa obrigação. Aqueles que de verdade estão do lado da paz e da justiça têm de aceitar nosso direito à autodeterminação e devem apoiar a resistência. (Rebelión)
EUROPA
Estados Unidos invadem indústria militar Julio Godoy de Paris (França) As crescentes aquisições de indústrias militares européias por parte de grandes empresas dos Estados Unidos preocupam cada vez mais os governos da Alemanha e França. A gota d’água foi a compra, há algumas semanas, por 1,9 bilhão de dólares, da empresa aeronáutica alemã Motoren und Turbinen Union (MTU) pela companhia de investimentos estadunidense Kohlberg Kravis Roberts & Co. (KKR). A MTU produz motores para aviões de guerra europeus e é a principal fornecedora das forças armadas da Alemanha. A aquisição da MTU ocorreu dias antes de o governo alemão aprovar uma nova lei que dava à companhia, entre outras vantagens, o direito de vetar compras estratégicas de firmas estrangeiras. A lei também estabelece um limite de 25% de investimento estrangeiro no setor de defesa. A União Democrata Cristã da Alemanha, de oposição, afirmou que a lei é “hostil” à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Contudo, Wolfgang Clement, ministro das Finanças, a defendeu dizendo que “equivale a outras leis similares para setores estratégicos aplicadas nos Estados Unidos, na França e Grã-Bretanha”. A lei foi aprovada depois de, em 2002, a firma de investimentos estadunidense One Equity Partner comprar instalações da companhia
France Press
da Redação
Karim Sahib/AFP
Agentes dos EUA sedam ex-presidente iraquiano, esperam duas semanas e escolhem o local para o espetáculo da prisão
Base dos Estados Unidos em Aviano, Itália: soberania em jogo
alemã HDW, a maior produtora de submarinos. A empresa militar estadunidense Nothrop Grumman, fabricante aeroespacial e naval, entre outras áreas, esteve vinculada a essa aquisição. A nova legislação será testada logo. A firma de alta tecnologia alemã Siemens estuda vender sua parte na Krasuu-Maffei Wegmann, fabricante de tanques e outros veículos blindados. E várias empresas dos EUA já estão interessadas.
INTERESSES ESTRATÉGICOS Assim, as companhias estadunidenses começam a tomar o controle
do setor na Europa. A General Dynamics, por exemplo, nos últimos anos assumiu as firmas Styers, da Áustria; Mowag, da Suíça, e Santa Bárbara Blindados, da Espanha. A General Dynamics opera desde 1952 nos setores aeronáutico, naval, de combate e inteligência militar. A mesma companhia estadunidense tentou comprar a fabricante britânica de veículos blindados Alvis, mas a BAE Systems, também britânica, foi mais rápida. “Como resultado de suas aquisições na Europa, a General Dynamics tem uma considerável influência na produção de motores para
automóveis blindados Leopard”, diz um porta-voz da indústria francesa. “A indústria militar dos EUA há anos quer entrar no mercado europeu, e agora está nos rondando”, acrescenta. O próximo objetivo das empresas dos EUA poderia ser a fabricante francesa de motores SNECMA, pois o governo do presidente Jacques Chirac analisa sua privatização. O chefe executivo da gigante General Electric, Jeffrey Inmelt, disse ao periódico francês Les Echos que “a empresa francesa é de importância estratégica vital na construção de motores para aviões de guerra”. A indústria européia está fragmentada e, portanto, o campo é propício para as compras de grandes companhias, disse ao jornal Le Monde Dominique Gallois, especialista francês em defesa. “A indústria deve se reestruturar para contraporse à ofensiva das grandes corporações dos EUA. Uma possibilidade é criar um conglomerado, como a companhia de aeronáutica e viagens espaciais européia”, ressaltou. Para o diretor do Instituto Francês para Estudos Estratégicos, Pascal Boniface, as companhias européias deveriam formar uma aliança para manter sua independência dos Estados Unidos. “Depois da guerra no Iraque, o governo estadunidense e seus aliados na indústria militar não querem ver uma Europa poderosa e independente. Isso mostra a importância estratégica da indústria’, disse. (IPS/Envolverde)
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INTERNACIONAL
Governo de Mugabe prefere isolamento
Alexander Joe/AFP
ÁFRICA
Após deixar a Comunidade Britânica, impulsionado pelas críticas de membros do órgão que se opõem ao governo zimbabuano, país segue na incerteza Marilene Felinto da Redação
E
m dezembro último, o Zimbábue deixou a Comunidade Britânica de Nações (Commonwealth), resultado ainda da política de reforma agrária por confisco de terras de fazendeiros brancos, implantada pelo governo do presidente Robert Mugabe desde 2000. A Comunidade Britânica de Nações é uma associação de Estados soberanos independentes, formada pelo Reino Unido e suas antigas colônias, cujo objetivo é promover os laços entre seus membros e colaborar para seu desenvolvimento econômico e social. Com 54 países e uma população total de 1,7 bilhão
de habitantes, inclui tanto países desenvolvidos, como Canadá, Austrália, Grã-Bretanha e Nova Zelândia, quanto países em desenvolvimento como Nigéria e África do Sul e mesmo membros que não falam inglês, como Moçambique, por seus laços comerciais estreitos com países da Comunidade. Inclui ainda microestados da Polinésia. Mais da metade dos Estados que a integram tem população inferior a 1,5 milhão de habitantes, enquanto seu membro maior, a Índia, tem cerca de um bilhão de habitantes. Em julho de 2000, o presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, deu início a uma reforma agrária acelerada (“Fast Track”), a que chamou de Reforma Agrária e Plano
de Implementação de Reassentamentos, alegando querer dotar de poder econômico a maioria negra do país. Desde então, mais de três mil dos 4,5 mil fazendeiros brancos do Zimbábue tiveram suas terras confiscadas e supostamente redistribuídas entre camponeses negros sem terra. Os fazendeiros brancos eram donos de um terço das terras mais
férteis do país, enquanto aproximadamente 1,5 milhão de pequenos produtores negros dividiam os outros dois terços. O principal grupo de oposição a Mugabe, o Movimento pela Mudança Democrática, acusa o presidente de usar o problema da terra para aumentar a tensão no país e justificar sua permanência no poder. Os críticos da política agrária também culpam
A nova reforma agrária Odd Andersen/AFP
Chris Anold Msipa de Harare (Zimbábue) O governo do Zimbábue mostra-se satisfeito com o resultado de sua polêmica reforma agrária, mas beneficiários das terras repartidas há três anos alertam que o processo foi corrompido em benefício de pessoas próximas ao presidente Robert Mugabe. A reforma foi implementada mediante a ocupação (“jambanja”), freqüentemente violenta, de fazenda de agricultores brancos e sua entrega a integrantes de maioria negra, em particular combatentes na guerra pela independência contra a Grã-Bretanha, encerrada em 1980. Agora, os negros ricos voltam-se contra esses camponeses. Foram registrados choques violentos entre os ocupantes das terras e próximos da governante União Nacional Africana de Zimbábue-Frente Patriótica (Zanu-PF). Por sua vez, os ex-guerrilheiros e atuais camponeses ameaçam com represálias. “Camaradas (ex-combatentes) agora são expulsos da terra que ocuparam para dar lugar a alguns civis que haviam se distanciado da jambanja”, afirmou o secretário-geral da Associação de Veteranos da Guerra da Libertação de Zimbábue, Endy Mhlanga. Mhlanga convidou todos os exguerrilheiros deslocados de suas terras recém-ocupadas a fazerem denúncias na Associação, a qual “está preparada para lutar”, mas também se coloca na “mesma linha do partido (Zanu-PF) e do governo. Descobrimos muitas anomalias no esquema” da reforma agrária, acrescentou. “Respeitamos o presidente e não podemos revelar a informação até que falemos com ele, que depois poderá dizê-la a quem quiser. Não queremos lavar a roupa suja em público”, disse o ex-combatente. De todo modo, alguns desses incidentes já são públicos, como a expulsão de cinco ex-combatentes inválidos de uma fazenda em Beatrice, perto da capital Harare, e sua entrega à viúva de um legislado. Há três meses, a polícia incendiou mil casas na fazenda Windcrest, na região de Masvingo, para forçar seus ocupantes desde 2001 a voltarem às suas antigas comunidades e deixar o lugar para um funcionário da chancelaria. Uma decisão judicial paira sobre centenas de colonos da fazenda Little England, no distrito de Zvimba, povoado natal de Mugabe. A viúva de um sobrinho do presidente e outras 70 pessoas foram escolhidas para
Camponesa da aldeia de Chemhere, em Siyahokwe, a 250 km de Harare, capital do Zimbábue
Estudantes retornam da escola rural, a 40 km de Harare: minoria branca agora ocupa 3% das terras cultiváveis
ZIMBÁBUE Localização: África Austral (do Sul) Nacionalidade: zimbabuana Cidades principais: Harare (capital), Bulawayo, Chitungwisa Línguas: inglês (oficial), shona, ndebele Divisão política: dez Províncias Regime político: república presidencialista Moeda: dólar do Zimbábue Religiões: protestante, animista, católica
serem donas de seis mil hectares, mas as pessoas desalojadas resistem a aceitar o fato. “Os ocupantes, os veteranos de guerra, foram usados para tirar as fazendas dos brancos. Agora, são obrigados a unirem-se a centenas de trabalhadores agrícolas desamparados que perderam trabalho e casa nas invasões”, disse um líder tradicional de Zvimba que pediu para não ser identificado por medo de represálias. Cerca de um milhão de trabalhadores perderam o emprego quando o governo de Mugabe tomou as terras de 4.500 proprietários brancos, entre 2000 e 2002, segundo organizações de direitos humanos. O líder de Zvimba disse que o problema agrário no país é
“uma dor de cabeça. Há muitos escândalos envolvendo funcionários de alto escalão do partido e do governo. Alguns, inclusive, estão vendendo as fazendas a aspirantes a colonos e pedem subornos”. Um contador aposentado, que pediu para ser identificado apenas como Nyani, afirmou que “o que o mundo ouve e lê é muito diferente da realidade. Ninguém em Zimbábue está contra a distribuição de terras, mas o modo como ocorre não é o correto”, afirmou. A propriedade de múltiplas fazendas é outro problema que cria discórdias quanto à reforma agrária. Circulam versões sobre ministros com propriedades registradas em nome dos filhos. Mugabe ordenou em julho que altos funcionários que haviam ocupado mais de uma fazenda ficassem com apenas uma, em uma
política denominada “um homem, uma fazenda”. Ao que parece, esta política foi ignorada, embora o presidente do Zanu-PF, John Nkomo, tenha garantido que foram devolvidos 60 mil hectares. Se o governo não estabelecer diretrizes claras, o conflito se agravará, advertiu Bright Garikai Mombeshora, analista de questões agrícolas. “O problema fundamental no setor agrícola agora é a direção que o governo deseja tomar. Não parece ter uma política clara”, afirmou. Segundo Mombeshora, não havia necessidade de destruir a infra-estrutura estabelecida pelos fazendeiros brancos para realizar a reforma agrária. As autoridades deveriam simplesmente registrar os nomes e o número de pessoas interessadas em obter terras e a superfície necessária para atender às suas necessidades, sem eliminar produtores já estabelecidos, acrescentou.
o governo pela atual crise alimentar no país, que afeta metade dos 13 milhões de habitantes, e alegam que Mugabe entregou as terras a agricultores despreparados para cultivá-las, quando não a partidários e aparentados seus. O Zimbábue já tinha sido suspenso da Comunidade Britânica de Nações em 2001, por um período de 12 meses, pelo mesmo motivo.
Além disso, as instituições financeiras que tratavam com o setor agrícola comercial antes das invasões de terras também precisam saber quem pagará as dívidas deixadas pelos fazendeiros brancos expulsos, disse Mombeshora. Excombatentes teriam desafiado em 2000 ordens do vice-presidente, Joseph Msika; do então ministro do Interior, John Nkomo, e do ministro da Agricultura, Josehp Made, de não invadir fazendas. Mugabe estava fora do país quando começaram as ocupações. Ao voltar, o presidente declarou que as invasões eram uma “manifestação” contra a distribuição injusta da terra e proibiu a retirada dos invasores. O que levou o país ao caos e provocou escassez de alimentos, combustíveis e outros produtos essenciais. Mas o presidente necessitava do apoio dos veteranos de guerra e das massas de camponeses para as eleições presidenciais do ano passado. O governo afirma que a persistente seca é a causa da frustração da produção agrícola em várias partes do país, mas não explica a redução da irrigação nas fazendas confiscadas, que em muitos casos foram saqueadas por ex-empregados ou pelos novos ocupantes. Os equipamentos roubados são vendidos a preço muito baixo. Um relatório que Mugabe encomendou a funcionários públicos aposentados para revisar o programa de recolocação afirma que a minoria branca agora ocupa 3% das terras cultiváveis. Antes da invasão, ocupavam 30%, ou 11 milhões de hectares. O governo afirma que 300 mil famílias foram recolocadas, mas o estudo afirma que esse número é de apenas 127.200. Muitos dos fazendeiros que fugiram de suas terras junto com seus empregados instalaram-se nas vizinhas Zâmbia e Moçambique. Outros alugaram casas na cidade à espera do resultado de suas ações judiciais contra as expulsões. Alguns dirigentes do Zanu-PF esperam que Mugabe, no poder desde a independência da Grã-Bretanha em 1980, anuncie sua retirada no próximo mês, durante a conferência anual do partido. (IPS/ Envolverde)
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AMBIENTE MINERADORAS
Com ação popular, ambientalistas e movimentos sociais tentam evitar desastre ecológico e contaminação de águas na capital mineira da Redação través de medida liminar expedida em 17 de dezembro, foram suspensas as atividades da empresa Minerações Brasileiras Reunidas S/A (MBR) na mina de ferro de Capão Xavier, na Grande Belo Horizonte (MG). A medida foi emitida depois de julgamento de ação popular contra o Estado de Minas Gerais, Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e MBR, visando impedir as atividades que causem, na prática, danos ao meio ambiente. Com o projeto Capão Xavier, a MBR pretendia substituir a produção de ferro da Mina da Mutuca, que encerrou suas atividades após 40 anos de ação ininterrupta. A empresa prevê produção de 8 milhões de toneladas de minério por ano e acena com a criação de 360 empregos diretos e com um discurso de preservação ambiental. “É preciso reabrir a discussão sobre o interesse social na permissão de atividade tão agressiva ao meio ambiente e à própria vida. É necessário que a sociedade discuta a validade de atividades minerárias próximas às grandes cidades, onde grandes populações vivem e tra-
balham diariamente, dependentes dos recursos naturais adequados”, diz a advogada Delze dos Santos Laureano. Em Minas Gerais, a lei estadual nº 10.793/92 veda a atividade extrativa mineral sobre os mananciais destinados ao abastecimento público. Contudo, órgãos e entidades da área de Direito Ambiental vêm celebrando convênios que conseguem dar roupagem de legitimidade às atividades da MBR na mina de Capão Xavier. Segundo Delze, “sempre em nome do interesse público, da preservação da natureza e da proteção de mananciais. Pretendem sugerir a execução de seus projetos dentro dos princípios do desenvolvimento sustentável”. Virgilio de Matos, professor de criminologia e coordenador do Programa Pólos Reprodutores de Cidadania, da Universidade Federal de Minas Geral, antevê um irreversível comprometimento do lençol freático que abastece a cidade de Belo Horizonte, em especial o do complexo da Mutuca, a sudoeste da capital. Definindo-se uma “testemunha perplexa” da devastação produzida por mineradoras no entorno de Belo Horizonte, desde 1963, ele analisa que as mineradoras “seguem sua obsessiva devastação, agora com
ÁGUA
SERINGUEIROS
Indianos fecham fábrica da Coca-Cola
ONGs e movimentos sociais estão de olho na ação predatória das mineradoras
cínica política de relações públicas de que são muito preocupadas com o meio ambiente”. “O objetivo principal da exploração da Mina Capão Xavier é o lucro rápido, a todo custo, pouco importando a devastação que isso vá produzir. Mes-
mo que custe a água, bem escassa e valiosa”, afirma Matos.
CRIMES AMBIENTAIS Há tempos, ambientalistas e representantes de movimentos sociais de Belo Horizonte estão
de olho na ação das mineradoras, responsáveis pela degradação ambiental na região metropolitana. “A mineração de ferro é o agente reconhecido como o de mais grave deterioração da Serra do Curral, moldura natural da capital”, diz Delze dos Santos Laureano. Ela refere-se a uma das cristas da Serra do Espinhaço, divisa de Belo Horizonte e o município de Nova Lima e tombada como patrimônio natural da capital mineira. Os movimentos temem desastres como o que aconteceu em julho de 2003. O rompimento de uma cava da Mineração Rio Verde (MVR), em São Sebastião das Águas Claras, distrito de Macacos, deixou um rastro de cinco quilômetros de destruição e cinco operários mortos. A lama e os resíduos, depositados pela mineradora, danificaram uma das adutoras da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), que abastece parte da região metropolitana, além de assorear extensas faixas dos ribeirões Taquaras e Fechos, contribuintes do Sistema Alto Rio das Velhas. Outro acidente foi o desmoronamento de um marco do tombamento federal da Serra do Curral por deslizamento de uma encosta minerada pela Minerações Brasileiras Reunidas S/A (MBR). Antes, houve o extravasamento da barragem da Grota Fria, instalada na Mina de Tamanduá, de propriedade da MBR que, além dos danos ambientais comprometeu a captação de água pela Copasa.
Agência Estado
A
Agência Estado
Mananciais estão sob ameaça em Minas
da Redação No final de dezembro, um tribunal do Estado de Kerala, sul da Índia, emitiu a sentença que proíbe à Hindustan Coca-Cola Beverages extrair água do aqüífero local. Desde 1999, a fábrica da Coca-Cola, instalada em terreno de 16 hectares, abriu mais de 60 poços, provocando a seca do lençol de água e contaminando as reservas que abastecem a região. Segundo cálculos de ambientalistas locais, a fábrica da Coca-Cola extraía 15 milhões de litros de água por dia. O tribunal justificou a sentença observando que a água é um recurso nacional que diz respeito a toda a nação e não pode ser reduzida a um negócio. A corte considerou o direito à água como “parte integrante do direito à vida”. A direção local da Coca Cola anunciou que recorrerá da sentença. O Gabinete de Controle da Poluição de Kerala afirma que pode ter havido um esgotamento das águas subterrâneas, mas exclui a hipótese de poluição ambiental. Paul Thatchail, do gabinete governamental que concedeu o certificado de propriedade de 16 hectares à Coca-Cola, afirma que a fábrica é uma das melhores em matéria de não poluição no Estado. Desde abril de 2003 grupos ecológicos denunciam a poluição das águas subterrâneas de Kerala e região. A partir das primeiras manifestações, a empresa requisitou proteção policial e contratou advogados para tentar se manter no local. Em um dos principais protestos, mais de mil pessoas – ativistas e resisdentes em Plachimada, cidade ao norte de Kerala – se uniram para reivindicar o encerramento da fábrica. “É imperativo que a Coca-Cola reponha as condições ecológicas locais, pague indenizações pelos danos causados, feche a fábrica e saia do país”, disse Veloor Swaminathan, responsável por um comitê de luta.
Seringueiros de Costa Marques (RO) vão gerar eletricidade a partir do aproveitamento de resíduos de madeira
Dos resíduos de madeira à energia da Redação O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou recentemente cerca de R$ 1 milhão para a implementação de uma central termelétrica que produzirá eletricidade a partir do aproveitamento de resíduos de madeira por uma comunidade na reserva extrativista de Cautário, em Costa Marques, em Rondônia. A comunidade Cautário 1 é uma das integrantes da Associação dos Seringueiros do Vale do Rio Guaporé (Aguapé), a mais de 700 quilômetros da capital Porto Velho. As famílias de Cautário sobrevivem com a extração do látex, de castanha do Brasil, da copaíba, da atividade madeireira sustentável com planos de manejo autorizados e regulares, do beneficiamento da madeira em uma serraria, do artesanato e do ecoturismo. No entanto, devido à baixa qualidade da energia
disponível e aos altos custos de produção energética, com geradores movidos a óleo diesel, a produção a partir dos recursos madeireiros está abaixo do potencial.
NOVAS TECNOLOGIAS Para melhorar o fornecimento e produção local de energia, com geração descentralizada, a organização não-governamental Biomass Users Network (BUN) desenvolverá por dois anos um projeto piloto para produção de 200 kw com resíduos de madeira. A iniciativa conta com a parceria do Centro Nacional de Referência em Biomassa da Universidade de São Paulo (Cenbio/USP), Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) e Ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia, com apoio da Aguapé, da Ação Ecológica do Vale do Guaporé (Ecoporé) e governo de Rondônia, entre outros. O Ministério do Meio Ambien-
te, por meio do Projeto Negócios Sustentáveis do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), vai disponibilizar todas as informações sobre projetos e pesquisas já desenvolvidas na região nas áreas de treinamento, qualificação, estudos socioeconômicos sobre cadeias produtivas e organização comunitária. A implementação do projeto começa após o início do repasse dos recursos. O engenheiro Carlos Machado Paletta, do Cenbio/USP, explica que duas tecnologias serão testadas já na fase inicial do projeto piloto – a de gaseificação dos resíduos de madeira e a de ciclo a vapor – para definir qual poderá melhor atender às comunidades isoladas, tanto nos aspectos técnicos como financeiros. “Um projeto desse tipo e com esse porte será inédito no Brasil”, disse o engenheiro. Por fim, as entidades envolvidas no projeto pretendem
construir um modelo sustentável e replicável de geração de eletricidade a partir da biomassa. Os benefícios ambientais diretos do projeto serão a substituição total dos geradores atuais, que funcionam com diesel (combustível fóssil), lançando poluentes na atmosfera, e o uso de uma fonte renovável e sustentável – o resíduo de madeira. Só a economia com o corte do consumo de óleo pode chegar a mais de R$ 4 mil por mês. No Brasil, muitas linhas de transmissão se estendem por longas distâncias, levando a perdas de energia. Esse é um dos pontos com o qual a geração local e descentralizada pode contribuir, minimizando o desperdício de energia no transporte, democratizando o acesso à eletricidade e fazendo uso de fontes alternativas, como a biomassa, os ventos e a energia solar. (Ambiente Global)
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DEBATE RUMOS DO GOVERNO
Plínio Arruda Sampaio
m meio milênio de história, partindo de uma constelação de feitorias, de populações indígenas desgarradas, de escravos transplantados de outro continente, de aventureiros europeus e asiáticos em busca de destino melhor, chegamos a um povo de extraordinária polivalência cultural, um país sem paralelo pela vastidão territorial e homogeneidade lingüística e religiosa. Mas nos falta a experiência de provas cruciais, como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada. E nos falta também um verdadeiro conhecimento das nossas possibilidades e, principalmente, de nossas debilidades. Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera, e que a contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-Nação”. Celso Furtado, Brasil: a construção interrompida.
Sem medo do “mercado”
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O capitalismo voltou a revolucionar-se. Riqueza nova está à solta, destruindo com fúria riqueza velha, enquanto refaz as rotas do comércio e redesenha o mapa do mundo. Esse vertiginoso processo, que se iniciou com a crise dos anos 70, já tem hoje o seu rumo claramente definido. Agora expande-se a toda velocidade. Com a clarividência que o caracteriza, Celso Furtado, em um livro de 1992 (Brasil: a construção interrompida), deixou bem claro que esse processo não era nada favorável ao Brasil. Mas assinalou também que temos condições de não aceitar a posição subalterna que nos está reservada. Se as relações do Brasil com a comunidade financeira internacional e com as megaempresas transnacionais permanecerem inalteradas, não haverá a menor possibilidade de um crescimento econômico autônomo, estável, social e ecologicamente equilibrado, voltado para o atendimento das ne-
cessidades do conjunto da população. Havendo crescimento econômico, sem que esse contexto internacional adverso seja alterado, a própria unidade territorial do país estará ameaçada, como advertiu o mesmo Celso Furtado na obra já referida: “Em um país ainda em formação, como é o Brasil, a predominância da lógica das empresas transnacionais na ordenação das atividades econômicas conduzirá quase necessariamente a tensões inter-regionais, à exacerbação de rivalidades corporativas e à formação de bolsões de miséria, tudo apontando para a inviabilização do país como projeto nacional”. Ainda há tempo. Trata-se, porém, de um passo difícil e arriscado. Ao dá-lo, muito se poderá perder, assim como também se poderá ganhar muito nessa cartada. Com a unidade e o entusiasmo das grandes massas em torno de um governo popular teremos condições de jogá-la com chances de vitória. O Brasil não tem o menor interesse em isolar-se ou em romper com a comunidade financeira internacional. Mas precisa ficar bem claro que não tem igualmente nenhum interesse em permanecer nela se as condições atuais não forem modificadas. Não
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havendo da parte dos centros do capitalismo mundial abertura para um tipo de relações menos verticalizadas, que permitam o crescimento da nossa economia com autonomia e em ritmo compatível com o resgate da imensa dívida que a sociedade e o Estado brasileiros acumularam ao longo do tempo com as populações pobres e marginalizadas, não há nenhuma justificativa racional para continuar no sistema. Isto precisa ser dito com todas as letras a quem puder interessar. E para que o discurso não seja uma simples bravata, medidas
concretas deverão dar-lhe conseqüência. UM PROGRAMA ALTERNATIVO
A dívida externa terá de ser auditada e, se algum saldo devedor for apurado, o pagamento deverá ser feito de acordo com prazos e condições que não impeçam o governo de levar adiante sua política de desenvolvimento econômico e social. A reforma agrária está totalmente equacionada. É preciso assentar 1 milhão de famílias semterra, como reivindicam o Fórum Brasileiro da Reforma Agrária, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e várias outras organizações do campo, para dar inicio à construção de uma nova estrutura agrária e de um modelo de desenvolvimento agrícola compatível com os objetivos de justiça social e preservação do meio ambiente. A reforma urbana não pode esperar mais. A distribuição de renda que ela implica se somará à da reforma agrária para criar uma demanda dinâmica, apta a ativar as indústrias que fabricam bens-salário. A capacidade ociosa das nossas fábricas pode ser rapidamente eliminada, oferecendo milhões de empregos, por uma política industrial e de rendas. Está tudo maduro para um grande salto! Falta, contudo, ultrapassar um terrível obstáculo: o temor das represálias da comunidade financeira internacional, dos Estados Unidos e do famigerado “mercado”. As represálias são certas e afetarão o padrão de vida dos ricos e da classe média. Porém, não farão nenhum estrago de monta nos padrões de consumo dos escalões
mais baixos dessa classe, dos trabalhadores formais e informais do campo e da cidade e dos milhões de marginalizados. Pelo contrário, contingentes importantes desse conjunto se beneficiarão claramente com a mudança da política econômica. Imagens de regressão e barbárie caso o capital estrangeiro nos anatematize não passam de guerra ideológica dos que se beneficiam com a situação atual. No primeiro momento, o ritmo da modernização tecnológica poderá ser afetado. Nada, porém, que não possa ser recuperado em tempo oportuno. Em compensação, a modernização social e política adquirirá um ritmo vertiginoso, criando as condições para um verdadeiro desenvolvimento tecnológico. Sejamos claros: quem quiser falar seriamente em políticas alternativas, terá de enfrentar esse dilema. Caso contrário, ou estará enganando o povo ou não tem a menor idéia de onde nascem as dificuldades que o país enfrenta para crescer com autonomia e para organizar uma sociedade justa e civilizada. Quem tem em mente esses objetivos não perderá tempo em montar complicadíssimas engenharias macroeconômicas, pois o problema não está aí. Sua atenção se voltará para a discussão das premissas e dos parâmetros das nossas relações com o mercado internacional e para as reformas estruturais destinadas a redistribuir a riqueza e a renda criminosamente concentradas em uma ínfima minoria. ALTERNATIVA POSSÍVEL
O PT não conseguiu criar, nos seus vinte anos de existência, as condições políticas para que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva pudesse adotar a alternativa aqui esboçada. Sua tarefa, portanto, seria iniciar a preparação dessa mudança. Não é isto, contudo, o que se está vendo até agora. Pelo contrário, o que se viu foi um governo apavorado de medo de contrariar o “mercado”. Salvo no plano da política externa, em que pelo menos se busca assentar os alicerces de uma aliança que prepara o país para uma atuação independente no cenário internacional, tudo o mais seguiu, em 2003, a rota fatídica da inserção subalterna da economia brasileira no recém-estruturado sistema capitalista internacional. Se Lula estiver mesmo disposto a corresponder às esperanças dos milhões de eleitores que nele depositaram seu voto, não pode ficar mais tempo encolhido. Em 2004, terá de dizer a que veio. Se não der uma resposta mais concreta às necessidades do povo, Duda Mendonça algum será capaz de evitar o desgaste da sua popularidade nem o risco de uma séria reversão de expectativas. Se isto vier a ocorrer, aí sim, ele e o PT não terão como executar políticas que afetem o problema central da nossa conjuntura: a reversão da posição subalterna do Brasil no esquema de divisão internacional do trabalho atualmente em plena construção. Perderemos então, nos três anos que restam do mandato petista, a oportunidade de dar um passo, pequeno por certo, mas, pelo menos, na direção certa. Plínio Arruda Sampaio é ex-deputado federal constituinte, promotor público, consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), professor universitário, ex-secretário Agrário do Partido dos Trabalhadores (PT) e diretor do jornal Correio da Cidadania.
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AGENDA
3° CONCURSO REDE ANDI PARA PROJETOS EM COMUNICAÇÃO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Dirigido a organizações não-governamentais com sede no Brasil, o concurso é promovido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Os interessados devem apresentar projetos que contribuam para a qualidade da informação sobre os direitos da criança e do adolescente, promovendo o diálogo profissional e co-responsável entre atores sociais, jornalistas e meios de comunicação. Esse objetivo pode ser alcançado pela promoção de eventos, pesquisas, publicações, entre outras ações. As inscrições devem ser feitas por meio de formulário disponível na página da internet www.andi.org.br ou solicitado por correio eletrônico: redeandi@andi.org.br. O formulário deve ser enviado juntamente com material institucional da organização inscrita (folhetos, vídeos, matérias veiculadas na imprensa etc) à Andi, em Brasília. A data limite para recebimento das inscrições é 18 de abril de 2004. O 3° Concurso Rede Andi para Projetos em Comunicação pelos Direitos da Criança e do Adolescente é uma ação conjunta das organizações integrantes da Rede Andi, em aliança com a Fundação Avina e com a sueca Save the Children. Mais informações: (61) 322-6508, ramais 218 ou 212, redeandi@andi.org.br
MARANHÃO 1º ENCONTRO REGIONAL DE QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU 12 e 13 de fevereiro
RIO DE JANEIRO CURSO: INDICADORES PARA MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS Dias 22 e 23 Promovido pela Aiubá Projetos e Cidadania, o curso pretende desenvolver habilidades de elaboração de indicadores para a gestão de projetos sociais. A capacitação é voltada para profissionais e voluntários responsáveis pela coordenação ou supervisão de projetos sociais em organizações do terceiro setor. As vagas são limitadas. Local: R. Marechal Câmara, 186, 5º andar, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: www.aiuba.org.br, (21) 2292-4827, cursorj@aiuba.org.br EXPOSIÇÃO: CERÂMICA INDÍGENA Até 20 de fevereiro A exposição, realizada pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, reúne a produção dos índios Terena da aldeia de Cachoeirinha, localizada no município de Miranda, Mato Grosso do Sul. A cerâmica terena destaca-se pela beleza e variedade das formas, pela tradição e significado dos saberes e tecnologias envolvidos em sua produção. Signo da identidade de uma etnia, é patrimônio cultural brasileiro. Local: Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Sala do Artista Popular, R. do Catete, 179, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2285-0891, 2285-0441
SÃO PAULO ASSEMBLÉIA DOS LEIGOS DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO Dia 24, das 9h às 18h A assembléia, organizada pelo Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo (CLASP), tem por objetivo aprofundar e refletir a ação do laicato na igreja e na sociedade, e tem como lema principal “Avançar para águas mais profundas”. Local: R. Afonso Celso, 711, São Paulo Mais informações: egpos@uol.com.br, (11) 577-5948 II SEMINÁRIO JURÍDICO DO INSTITUTO JOSÉ LUÍS E ROSA SUNDERMANN
Tavares. Entre os ativistas internacionais, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a escritora e ambientalista canadense Maude Barlow, o editor da revista Z Magazine, Michael Albert, e o economista egípcio Samir Amin. As datas
de todas as atividades autogestionadas já estão disponíveis na página da internet do FSM (www.wsfindia.org/event2004). Local: Mombai, Índia Mais informações: www.wsfindia.org
De 23 a 25 Promovido pelo Instituto José Luís e Rosa Sundermann, que congrega juristas socialistas ligados ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), o evento é aberto e não há taxa de inscrição. Alguns dos temas que serão discutidos: “Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito e Revolução Socialista”, “Desafios dos Movimentos Sociais no Governo Lula”, “Questão das ocupações e desapropriações em áreas rurais e urbanas”, “Movimento sindical e reforma trabalhista”, “Prática da Criminalização dos movimentos sociais”, “Defesa dos direitos das
minorias”, “Projeto legal do partido e Reforma Política”. Local: Sede São Paulo do PSTU, R. Florêncio de Abreu, 248, São Paulo Mais informações: (19) 3237-5432 (11) 3101-5636, direitodeclasse@ig.com.br, espicav@terra.com.br EXPOSIÇÃO: RAÍZES DO POVO XAVANTE Até dia 25, de segunda a sexta, de 10h às 18h A mostra traz imagens da comunidade Xavante de Pimentel Barbosa, no Estado do Mato Grosso, realizadas a partir da vontade e da
visão dos próprios índios. A exposição será palco também para o lançamento do livro Raízes do Povo Xavante (144 páginas, 120 fotografias em cores, com apresentação do Xavante Sereburã e de Anna Carboncini). Esse trabalho tem mais de dez anos de pesquisa da fotógrafa Rosa Gauditano. Convivendo na comunidade, a fotógrafa registrou aspectos da vida dos Xavante, como os rituais que acompanham todas as fases de sua vida, o orgulho dos índios ao enfrentar uma nova etapa, a vivacidade das crianças e a serenidade dos mais velhos. Durante a permanência da exposição, serão exibidos dois vídeos realizados pelo professor Xavante Caimi Waiassé: “Tem que ser curioso” e “Saúde Bucal”. Além das imagens, os visitantes conhecerão objetos utilizados pelos Xavante. Entrada franca. Local: Pça. da Sé, 111, 3º andar, São Paulo Mais informações: (11) 31070498, remaisp@caixa.gov.br
A história que a TV Globo quis esconder Ana Carolina Diniz O livro Dossiê Tim Lopes – Fantástico/Ibope, de Mário Augusto Jakobskind, mostra os bastidores do caso Tim Lopes de um ângulo que foi praticamente omitido pela imprensa, com raras e honrosas exceções. Nesse dossiê, Jakobskind colheu depoimentos dos protagonistas do caso e teve acesso ao relatório policial. O autor mostra também como funciona o mecanismo do pensamento único e as conseqüências da corrida em busca de audiência por aqueles que entendem ser o jornalismo e a notícia meras mercadorias. Brasil de Fato - O que o livro apresenta de diferente, em relação ao noticiário veiculado na época? Mário Augusto Jakobskind - O Dossiê mostra o que levou um bando de delinqüentes, vinculados ao tráfico de drogas, ao assassinato do jornalista Tim Lopes. Há um capítulo sobre o crime organizado que ajuda a entender o caso Tim. Na época, prevaleceu uma única versão do crime, a versão oficial
iros
SOSACI NA INTERNET A Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci) acaba de lançar uma página na internet. A sociedade, criada em São Luiz do Paraitinga (SP), reúne os interessados em difundir a tradição oral, a cultura popular e infantil, os mitos e as lendas brasileiras. Seus integrantes acreditam no saci, na Iara, no boto, no curupira, na cuca, no boitatá e nos demais entes do folclore nacional. A meta da Sosaci, como o próprio nome indica, é observar e estudar o saci e seus companheiros, em suas diversas manifestações, e divulgálo por meio de textos, músicas e “outras artimanhas”. O saci simboliza a resistência aos super-heróis e aos personagens importados que dominam o imaginário de nossas crianças. Ele desafia e enfrenta os estrangeirismos que corroem o idioma nativo, em detrimento da nossa cultura e autonomia. Mais informações: www.sosaci.org
Organizado pelo Instituto de Apoio Comunitário, o encontro visa realizar um planejamento participativo para a região dos cocais na área do agroextrativismo. Local: Escola Maria de Loudes, R. das Flores, s/n, Timbiras Mais informações: (99) 668-1370/ 1320, institutodeapoiocomunitario @ig.com.br
II Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, reuniu milhares de ativistas
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9º FESTIVAL DE DOCUMENTÁRIOS: É TUDO VERDADE Inscrições até dia 17 O evento acontece em São Paulo e no Rio de Janeiro (de 25 de março a 4 de abril) e, pela primeira vez, em Brasília (de 6 a 11 de abril). As inscrições são abertas a filmes e vídeos documentais de qualquer duração – concluídos após junho de 2002 – e podem ser feitas pela página da internet www.etudoverdade.com.br
FÓRUM SOCIAL MUNDIAL De 16 a 21 A quarta edição do Fórum Social Mundial é a primeira a ser realizada fora do Brasil, na cidade de Mombai, na Índia. O evento é uma contraposição ao Fórum Econômico de Davos, realizado anualmente na Suíça. Em 2003, o FSM reuniu mais de 100 mil pessoas em Porto Alegre (RS). “Militarização, guerra e paz”, “Mídia, informação, conhecimento e cultura”, “Democracia, segurança ambiental e econômica” e “Exclusão, discriminação, dignidade, direitos e igualdade” são os eixos centrais das atividades, propostas por organizações de mais de 80 países. São conferências, reuniões públicas, painéis, mesas de diálogos e controvérsia, testemunhos, seminários, oficinas, encontros, reuniões e atividades culturais. Estarão presentes representantes do MST, da CUT e de organizações não-governamentais. Entre os conferencistas brasileiros, o sociólogo Francisco de Oliveira e a economista Maria da Conceição
Adrian
INTERNACIONAL LIVRO: COMENTÁRIOS À REFORMA DO JUDICIÁRIO A obra do advogado João José Sady discute as controvérsias da máquina retrógrada do Judiciário, esclarecendo ao leitor quais são as diversas propostas em relação à reforma. O autor é mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Conselheiro Seccional Efetivo da Ordem dos Advogados do Brasil seção de São Paulo (OAB/SP), onde também atua como vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos. Editora Manole, R$ 44,00 Mais informações: (11) 4196-6000
Renato Stockler
NACIONAL
agenda@brasildefato.com.br
da maior emissora de TV do Brasil, para quem Tim trabalhava. Mas há outras versões que fazem do caso Tim Lopes um exemplo de como funciona o esquema do pensamento único. BF - O que significa o “pensamento único”, nesse caso?
Jakobskind - Por meio de um fato, você apresenta ao público a “única verdade”, ignorando eventuais questionamentos sobre a versão oficial. A opinião pública só foi informada sobre o assassinato de Tim Lopes naquilo que interessava à rede Globo. Diretores da emissora, que antes nunca tinham passado perto da sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, participavam ativamente das mobilizações relativas ao episódio no sindicato. E a direção sindical, em vez de se posicionar de forma isenta, examinando os questionamento sobre o procedimento da Globo, simplesmente fechou questão em torno da versão da emissora. DOSSIÊ TIM LOPES – FANTÁSTICO/IBOPE Editora Europa 159 páginas R$ 25,00
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Show milionário descaracterizou movimento Organizado por famosos e cobrando ingressos caros, festival dividiu os militantes brasileiros Rodrigo Brandão, do Rio de Janeiro (RJ)
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festival “Hip Hop Manifesta”, que reuniu milhares de pessoas no Rio de Janeiro e em Florianópolis, dias 10 e 11 de janeiro, causou um verdadeiro racha entre os adeptos brasileiros do movimento – surgido há cerca de trinta anos nos Estados Unidos, como voz das periferias das grandes metrópoles na luta por justiça e igualdade. Expoentes do movimento no Brasil consideraram uma ameaça aos princípios da cultura hip hop o fato de a festa ter sido promovida por um grupo de empresários da noite do Rio e de São Paulo – o chamado “G-10”, do qual fazem parte o apresentador global Luciano Huck e o milionário Pedro Paulo Diniz, entre outros. A polêmica esteve nas páginas dos jornais e na internet (onde deve permanecer um bom tempo) durante a última semana. Para começar, o preço dos ingressos (R$ 40 e R$ 60) irritou os críticos. Nem a prometida “boa ação” dos organizadores – doação de um quilo de alimento não perecível a comunidades e organizações não-governamentais ligadas ao hip hop – acalmou os ânimos dos militantes do movimento. “Esse evento é o início de um processo de dominação e exclusão. Cobram uma fortuna para entrar e doam farinha para quem não pode pagar para ver seus ídolos”, protestou MV Bill. Sua irmã Nega Gizza também estava revoltada: “Nossa gente já perdeu tudo. Só sobrou o hip hop. Será que até isso eles vão levar?” O Manifesta, cuja marca os promotores pretendem comercializar, esteve cercado de polêmica até a véspera dos shows, que no Rio quase não aconteceram. O vereador carioca Edson Santos (PT) procurou a prefeitura, munido de vídeos nos quais os rappers estadunidenses Snoop Dogg e Ja Rule, convidados para o evento, faziam apologia do uso de drogas. As autoridades chegaram a cancelar os espetáculos, só voltando atrás depois que os organizadores se comprometeram a zelar pelo “bom comportamento” dos músicos.
CARRÕES E MULHERES
O DINHEIRO APARECEU O escritor e rapper paulistano Ferréz, em recente entrevista, previu que aqui no Brasil o movimento também vai acabar se dividindo. E MV Bill aponta: “Pela primeira vez, o dinheiro apareceu. E pela primeira vez eu me pergunto se somos do movimento. Aliás, quantos movi-
Os rappers estadunidenses Snoop Dogg e Ja Rule, participaram do evento promovido pelo grupo “G-10”, do qual fazem parte o apresentador global Luciano Huck e o milionário Pedro Paulo Diniz, entre outros, constituem uma ameaça aos princípios da cultura hip hop
símbolo da black music mundial, comemora os espaços que a música dos guetos vem ganhando na mídia e entre a rapaziada das camadas sociais privilegiadas, a chamada “playboyzada”. Mas também reconhece os riscos da comercialização de uma cultura: “Não acreditem no Marcelo D2 – que também tocou no Manifesta – ou outros rappers que se vendem, quando dizem que isso ajuda suas comunidades. Eles só querem fazer carreira”.
mentos existem, se é que existem? Quem são essas pessoas que estão chegando?” E confessa: “Não dá para ficar com cara de mau, dando uma de representante da favela para um bando de ricaços com um copo de uísque em um camarote vip”. Gaspar diz que, se for para ganhar dinheiro, também está interessado. Mas só se for para mostrar o trabalho do jeito que eu quero, não precisa desse dinheiro. “Os caras dos Estados Unidos têm muita grana, vendem 10 milhões de discos, né mano? O ZÁfrica vendeu 20 mil cópias e já estamos felizes da vida. Os caras (estadunidenses como os que vieram para o Hip Hop Manifesta) estão cantando a droga, estão cantando a arma, é isso que o Bush queria, tá ligado?”, acrescenta. Márcio, integrante da equipe de som Soul Train (que participou com um estande do Hip Hop Manifesta) e membro da Zulu Nation, entidade
PREÇOS POPULARES A presença de empresários da noite seria bem-vinda, dizem os militantes do hip hop, se eles se dispusessem a organizar shows a preços populares. “Vivo promovendo shows a R$ 1 e, nesses eventos, minha equipe traz rappers de várias regiões do país, como Norte e Nordeste. Isso que é legal, promover gente nova e fortalecer o hip hop nacional”. Márcio elogia o empresário e militante do hip hop brasileiro Celso Athayde, promotor do Prêmio Hutus, que consagra anualmente os melhores DJs e MCs do país: “Podem falar o que quiserem do Celso e do Hutus, mas
Liliane Braga
Os astros estadunidenses, aliás, há tempos são acusados de mercantilizar a cultura hip hop. Milionários, mantêm contratos com transnacionais do entretenimento e dos esportes, como Adidas e Sony, andam em carrões importados e aparecem cercados de mulheres seminuas em clipes na MTV. Nos Estados Unidos, o movimento militante já está restrito há algum tempo ao chamado underground, exatamente o que se teme que aconteça no Brasil.
Preto Ghoez, MC do Clã Nordestino (de São Luís do Maranhão), grupo que ganhou o prêmio de revelação do Festival Hutus (RJ), lembrou que “vivemos em uma sociedade capitalista, regida pelas leis capitalistas”. E alertou: “É preciso se ligar nas armadilhas. Ficar discutindo o Hip Hop Manifesta é uma delas. Ja Rule e Snoop Doog Dog são dois vermes capitalistas, tanto quanto Luciano Huck e companhia. Eles tratam a mulher como objeto, entre outras coisas. A gente tem que se voltar para as bases para fazer a nossa parte. Estamos deixando a mídia nos pautar em vez de discutir a realidade no Brasil. Quem está perguntando se o hip hop se vendeu é porque só conhece o hip hop de prateleira”. Gaspar, MC do ZÁfrica Brasil, grupo que em 2002 lançou o primeiro disco da carreira (Antigamente Quilombos, Hoje Periferia), em dez anos de trajetória, tem 25 anos de idade, 15 deles passados como militante do hip hop que trabalha para melhorar a vida dos moradores das periferias. Ele avalia as conseqüências do aspecto financeiro do festival: “No rap dos Estados Unidos rola o maior dinheiro; o Brasil ainda não está nesse nível. Então os caras estão fazendo uma festa envolvendo pessoas que têm grana, distantes da nossa realidade. Estão tentando aproveitar esse momento de ‘baile black’ em que os playboys vão gastar 40, 50 paus na balada, para viver esse universo estadunidense, já que aqui é o quintal dos Estados Unidos mesmo... É o capitalismo em prol do capitalismo. Os caras estão sem noção, agora só fala de mulher – que eu acho o maior barato, só que eu tenho outra militância na história que eu faço”.
bo cia Glo n/Agên Stepha o v ta s Gu Fotos:
HIP HOP
Preto Ghoez, do Clã Nordestino: “Estamos deixando a mídia nos pautar em vez de discutir a realidade no Brasil”
é outra coisa um show todos os anos a R$ 5 o ingresso”, diz Márcio. O DJ Cia, do RZO, que tocou no Hip Hop Manifesta, vê nas críticas o dedo da mídia burguesa: “Todo mundo atacou a gente quando assinamos com a Sony para distribuir nosso CD. É demais para os brancos que quatro pretos façam um show desses por eles mesmos; então colocam como contradição.” Gaspar declara: “Eu vejo o hip hop com várias dimensões, uma árvore infinita para ser explorada, desde os bailes da Vila Olímpia até o baile da quebrada. Falta os caras saberem usar o barato. Um projeto como o Hip Hop Manifesta é favorável e desfavorável ao mesmo tempo. O nosso trabalho não está voltado a esse capitalismo, ostentação e tal. A gente é militante, a gente vive da resistência. Agora, se a gente tá na militância e na resistência e tem muita coisa para passar e não vai lá falar, vai continuar eternamente assim. O hip hop estadunidense já ganhou o mundo e vem para o Brasil tomar o espaço de um movimento que ainda está crescendo”. Para Garnizé, do grupo pernambucano Faces do Subúrbio, a aproximação com os empresários pode ser traiçoeira: “O hip hop é, ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o movimento social mais importante do país. Não podemos deixar que a essência se perca”. (Colaborou Liliane Azevedo, de São Paulo)
Movimento surgiu nos anos 70, nas ruas de Nova York Para entendermos o que significa a essência do hip hop, é preciso recuar trinta anos no tempo, no começo da década de 70, nos Estados Unidos, onde a cultura hip hop e seus quatro elementos – DJ (disk-jóquei, que coloca a base da música), o MC (que canta o rap), o b.boy (dançarino típico das ruas das periferias) e o grafite – perdiam popularidade entre os negros para o soul. Em 1973, o DJ e militante pelos direitos civis estadunidense Afrika Bambaataa fundou a Zulu Nation, entidade que promove a cultura e os valores afro pelo mundo – o “quinto elemento” da cultura hip hop. Em 1974, o hip hop finalmente estourou nos EUA. Nessa época, as gangues de negros e latinos em
Nova York já executavam os passos mais populares do break, inspirados no jeito de andar dos soldados mutilados na Guerra do Vietnã e no movimento dos helicópteros, grande novidade daquele conflito em matéria de armamento. Era uma forma irreverente de protestar contra a guerra. O grafite, outro elemento da cultura hip hop, era usado pelas gangues para demarcar seus territórios. O hip hop também está fundamentado no PPP (Poder para o Povo Preto) – ou Black Power, como é conhecido mundo afora – movimento político-social de resistência contra a exclusão das populações de afro-descendentes nas cidades, especialmente nas Américas.