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Ano 2 • Número 49

R$ 2,00 São Paulo • De 5 a 11 de fevereiro de 2004

Banco da Terra financia miséria Assentados são enganados por projeto de FHC e Banco Mundial, que prometeram e não garantiram terra e produção

P

No Equador, líder é vítima de atentado

doso criou o projeto Banco da Terra, que prometia facilitar o acesso à terra aos trabalhadores rurais. Com o auxílio do Banco Mundial, financiou proprieda-

Alvo de um atentado no dia 1º, Leonidas Iza, dirigente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), responsabilizou o governo equatoriano pelo ataque. Dois dias antes, durante o III Encontro Hemisférico de Luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), realizado em Havana, Cuba, ele denunciou o crime em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato: “O governo Gutiérrez é perigoso e eu já recebi ameaças de morte”. Pág. 11

só aumentou a pobreza e a concentração fundiária. No interior de São Paulo, os bóias-frias que sonhavam com a própria lavoura continuam a trabalhar como

bóias-frias, só que endividados. Para os ruralistas, o projeto é um prêmio com o pagamento à vista da propriedade. Pág 5

Assentados de Itapeva (SP), vítimas da chamada reforma agrária de mercado, promovida pelo Banco Mundial, e implantada pelo governo FHC

Mercosul defende livre comércio

Governo e igreja discutem reforma agrária

Mais pobreza, a herança de 2003 No ano passado, o rendimento real médio dos trabalhadores caiu 12,9%, segundo o IBGE – o sexto ano consecutivo de queda. Em dezembro, perto de 2,3 milhões de empregados ganhavam menos

do que um salário mínimo/hora. E das 812 mil novas vagas abertas em 2003, 99% eram empregos sem carteira assinada ou trabalho por conta própria. Uma precariedade tal que leva José Carlos de

Assis, coordenador do “Desemprego Zero”, a dizer que, sem uma política de pleno emprego, o país viverá enorme crise social e política. Págs. 6 e 7

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, dom Orlando Dotti, da Pastoral da Terra, e Rolf Hackbart, presidente do Incra, avaliam o Plano Nacional de Reforma Agrária. Para o bispo, falta uma lei que transforme a distribuição de terras em uma reforma real. O ministro anuncia um cadastro nacional de terras. Pág. 4

Flávio Neves/AE

O Mercosul está propondo um acordo com ampla abertura comercial para a agricultura e a indústria e restrições em investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual. Desde o dia 3, o Comitê de Negociação Comercial (CNC) discute avanços da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), no México. Pág. 9

des a milhares de agricultores, que poderiam pagar a dívida em até 20 anos, com dinheiro gerado pela produção agrícola. À espera de recursos, o projeto

Renato Stockler

ara tentar barrar as ocupações de terra no país, e buscando contemplar os latifundiários, o então presidente Fernando Henrique Car-

CIA promove tráfico de armas para a Colômbia

Trabalhadores recuperam e dirigem fábricas

Manobra do serviço secreto do ex-presidente Alberto Fujimori, do Peru, encobriu a ação da Central de Inteligência Ame ricana acusada de vender cerca de 10 mil armas para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 1999. Pág. 10

Quase não se divulga, mas a ocupação e recuperação de fábricas falidas e abandonadas pelos donos são freqüentes no país. Mais de 300, sobretudo em 1990, resultado do escancaramento da economia, que desencadeou falências e desemprego. Pág. 7

Pesquisas com Mulheres levam transgênicos direitos humanos crescem no país para a periferia Pág. 3 Piora situação de atingidos por barragem Pág. 8

Prefeitura do Rio deturpa cultura popular Pág. 16

Conhecidas como promotoras legais populares, elas levam a Justiça para perto do povo e combatem violações dos direitos das mulheres. Primeiro, freqüentam cursos de capacitação, onde aprendem conceitos básicos sobre direito familiar. Depois, muitas delas abrem pequenas associações de apoio à questão feminina nas periferias, como o Centro Maria Miguel, na zona leste paulistana. Essa é a segunda de uma série de reportagens do Brasil de Fato sobre as questões femininas, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, 8 de março, e à lei que institui o ano de 2004 como o ano da mulher. Pág. 13

Marcio Baraldi

Desempregados do MTD reivindicam 2.100 frentes de trabalho prometidas pelo governador do RS, Germano Rigotto

E mais: ÍNDIOS – Depois de reunião com Mércio Pereira Gomes, presidente da Funai, os Guarani concordaram em deixar 11 das 14 fazendas ocupadas desde dezembro, no Mato Grosso do Sul. A expectativa, agora, é que o governo atenda à reivindicação de demarcar 7,8 mil hectares de terra. Pág. 8 DEBATE – Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social, e dom Tomás Balduino, presidente da CPT, discutem os rumos do governo. Para o petista, a hora é de investir no social, enquanto o ativista acha que a política do PT ainda é muito baseada no econômico, apesar da gestão Lula ser responsável por algumas mudanças, como o fim da criminalização dos movimentos camponeses. Pág. 14


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De 5 a 11 de fevereiro de 2004

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 5555 Natália Forcat, Nathan, Ohi • Diretor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Bruno Fiuza 55 Programação: André de Castro Zorzo 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

Impedir a Alca, uma luta do continente

A

té poucos anos atrás, tudo indicava que a humanidade estava condenada ao “livre comércio”. E o principal projeto estratégico do governo estadunidense, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), parecia inexorável. Nossos países pareciam fadados a aceitar passivamente o retorno à condição colonial. Desde o levante indígena mexicano contra a Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), em janeiro de 1994, até a rebelião popular boliviana que derrubou um governo subserviente aos interesses dos Estados Unidos, passando por consultas populares que atingiram milhões, e envolveram milhares de ativistas, jamais uma mesma luta mobilizou tanto o nosso continente. A luta contra a Alca desencadeou a unidade entre os movimentos sociais de quase todos os países da América, gerando um processo de articulação antes nunca visto. Em todas as principais cidades, regiões e países surgiram comitês de luta contra a Alca, que abarcam trabalhadores, estudantes, povos indígenas, religiosos, mulheres, artistas, ambientalistas, juristas e parlamentares. Agora, as negociações da Alca

chegaram na reta final e a luta para impedi-la encontra-se na fase decisiva. Nos próximos dois anos nossos destinos serão decididos. Que tipo de sociedade, de economia e até mesmo nosso futuro enquanto nações se definem nesse curto período da história. O III Encontro Hemisférico de Luta contra a Alca, realizado entre os dias 26 e 29 de janeiro, em Havana, Cuba, consolidou uma ampla Coordenação Continental da campanha, aprovou uma estratégia comum e definiu um Plano de Ação. Um verdadeiro salto de qualidade na articulação e na capacidade de luta dos movimentos sociais. Ao analisar o atual momento da luta contra a Alca, os 1.042 representantes das organizações sociais do continente concluíram que, por meio da chamada Alca light e dos acordos bilaterais de “livre comércio”, o projeto do governo dos EUA mudou sua forma e seu procedimento, mas manteve sua essência. A proposta de uma Alca light defendida pelo Brasil é ainda mais perigosa. Ao manter a essência do projeto estadunidense, limitandose a alargar os prazos e reduzir

momentaneamente os conteúdos, deixa a porta aberta para as desproporcionais negociações bilaterais. Com a Alca light o governo dos EUA ficaria mais liberado para negociar em condições de maior desigualdade, isolando os países que demonstrarem resistência. Porém, seu pior efeito é o caráter desmobilizador. Transforma a Alca num processo aparentemente aceitável. Legitimando sua existência e permitindo que gradualmente se agregue os aspectos mais ofensivos da estratégia estadunidense. Não nos resta outro caminho senão fortalecer a campanha. Construir uma grande Jornada Continental de Luta, a partir do primeiro dia da reunião ministerial da Alca, prevista para realizar-se no Brasil, durante o segundo semestre deste ano. Tratase de uma ação conjunta envolvendo simultaneamente todas as forças populares de nosso continente. Para os lutadores populares brasileiros não poderia haver desafio maior. Desde já é preciso retomar a campanha contra a Alca, reorganizar os comitês populares e preparar-se para grandes mobilizações. É possível impedir a Alca. Está a nosso alcance essa vitória.

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES PROPAGANDA ENGANOSA Leitor do jornal Sem Terra há muitos anos, passei a ler semanalmente o Brasil de Fato, que considero, junto com o mensal Nova Democracia, os melhores jornais informativos do país. Como amigo colaborador e participante do MST no que é possível a um octogenário, desejo externar minha opinião discordante sobre artigo publicado na edição número 43, pelo senhor Renato Rabelo, presidente do PC do B. Em minha opinião, artigo como esse só serve para desinformar por ser uma propaganda enganosa. De antemão, quero informar que sou marxista leninista desde a infância, e só não estou filiado a nenhum dos partidos comunistas existentes no Brasil por discordar de suas linhas eleitoreiras, por estarem afastados das lutas populares e dos movimentos sociais como o MST e outros. Blasco Miranda de Ourofino Caldas Novas (GO) NÃO CONCORDO Não concordo com a política econômico-financeira, inteiramente danosa para a absoluta maioria dos países, seguida por alguns governos fantoches e ditada pelo neoliberalismo no chamado Consenso de Washington (1991), onde o mundo passou a ser do “mercado”, o deles, do Primeiro Mundo, naturalmente. Não concordo que, com a imposição acima, queiram liquidar o poder do Estado – também o Estado dos outros e não o deles, é claro, pois continuam cada vez mais fortes e poderosos. Não concordo com as

privatizações feitas em nosso país, envolvendo a maioria das nossas maiores e melhores empresas estatais, absurdamente financiadas por nós mesmos por contratos unilaterais, dando ao comprador garantia de lucro certo. Não concordo com o continuismo do governo atual quanto às imposições anteriores e atuais do FMI, do Banco Mundial e da OMC e ou outros organismos internacionais – por exemplo, ONU e OEA – sob o comando do império estadunidense e seus aliados. Não concordo com o absurdo aumento do superávit primário dos 3,75% do senhor FHC para os 4,25% do senhor. Lula. Tal aumento não chegou nem a ser exigido pelo FMI. Não concordo com o engodo do que chamam de reforma agrária, sobretudo considerando-se que só será realmente feita dentro da lei e da ordem. Equivale a dizer que não será feita como outras nações o fizeram. Não concordo com a entrega do filé do sistema previdenciário brasileiro – público e privado – para ser explorado pela iniciativa privada. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS) SAUDAÇÕES Cumprimento a iniciativa de fazer um jornal para o povo. É do povo que que surge a democracia, o desenvolvimento sustentável, a justiça e a paz social. Felicito esse tipo de projeto e me adiciono a seus esforços. Orlando Bravo Jesús Lima, Peru

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 3038 1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: brasildefato@teletarget.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

Pé pra fora... do estádio Juarez Soares O ano de 2004 mal começou, avizinha-se o carnaval, motivo de orgulho nacional e festa popular em que todos os cidadãos brasileiros tornam-se iguais, e o futebol já causa seus dissabores. E não dentro de campo, apesar de todos os problemas enfrentados pelos grandes clubes para compor suas equipes em patamares mais próximos da realidade, sem a orgia dos times nos quais poucos são destaques com salários milionários. O enredo deste início de ano está fora de campo, literalmente: fora dos estádios de futebol. A Federação Paulista de Futebol (FPF) estipulou o preço do ingresso para arquibancada, reduto do povão torcedor fiel e às vezes sofredor, em R$ 20. Por esse mesmo valor foi criado o ingresso para que o torcedor leve sua família – ou seja, esposa e filhos, com direito a cinco pessoas em lugares separados dentro dos estádios. Criou-se uma confusão protagonizada por três vertentes: de um lado, a Federação Paulista; de outro, os presidentes de clubes de futebol, que querem ver aumentados esse tipo de arrecadação, e as torcidas organizadas, que formam o contigente

principal dos freqüentadores da modalidade esportiva. Pois bem, no programa de televisão que apresento, o “Fala Torcedor”, estiveram lado a lado os presidentes das torcidas organizadas Gaviões da Fiel e Alviverde. Fato inusitado, que dá uma chance de as torcidas mostrarem um outro aspecto da questão, de se posicionarem diante de uma situação que julgam arbitrária, fora da realidade do torcedor comum. É uma forma de pressão para que as pessoas não compareçam aos jogos e utilizem o direito sagrado e constitucional de expressarem-se diante de suas equipes prediletas. O valor do ingresso, num país em que o salário mínimo é de R$ 240 e não supre as necessidades básicas do trabalhador comum (quando tem um emprego!) é no mínimo uma afronta e desrespeito por aqueles que compõem com emoção o espetáculo deste esporte tão popular. Considerando que seu time jogue no mínimo quatro vezes por mês até o fim do campeonato, um torcedor gastaria R$ 80 apenas para pisar no estádio – isso fora o estacionamento, a passagem de ônibus e o lanche.

Cobra-se por uma atividade de entretenimento que sabidamente não oferece segurança, nem condições mínimas de conforto e higiene. Os clubes acataram o valor do ingresso considerando que, de agora em diante, a violência diminuirá porque o público será mais “selecionado”. Acham que a arrecadação aumentará. Não dizem publicamente, mas pressionam o presidente da Federação Paulista, que arca com o ônus de ser o vilão da história. Pois bem, o impasse está formado. As torcidas comparecem aos estádios e não entram, promovendo manifestações de repúdio pelo que consideram uma violência ao direito de torcer por suas equipes. A Federação está irredutível e os clubes devem estar sentindo no bolso o inexpressivo número de torcedores que têm comparecido aos jogos. Mas, como todos somos filhos de Deus, e tudo no Brasil de um jeito ou de outro se resolve, vamos pular o carnaval e esperar que este samba do crioulo doido acabe sem vencedores e vencidos. Juarez Soares é cronista esportivo e escreve uma vez por mês neste espaço

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De 5 a 11 de fevereiro de 2004

NACIONAL SOBERANIA ALIMENTAR

Pesquisa com transgênico invade o campo Claudia Jardim da Redação

E

nquanto não se define se o Brasil adotará ou não o plantio de alimentos transgênicos em suas lavouras, laboratórios nacionais e internacionais trabalham a todo vapor em pesquisas com organismos geneticamente modificados (OGMs). A corrida contra o tempo oferece como troféus o direito de patente e o controle da produção daquele alimento modificado em todo o mundo. Algodão, cana-de-açúcar, mamão, milho e soja modificados são alguns dos experimentos que saíram dos laboratórios brasileiros e já estão em testes de campo em vários Estados, autorizados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Isso significa que estão a um passo, se liberados pela Lei de Biossegurança em tramitação no Congresso, de fazer parte da realidade da agricultura nacional, mesmo sem testes conclusivos sobre seus efeitos na saúde e no meio ambiente. A maioria dos centros de pesquisas com transgênicos estão em Minas Gerais e em São Paulo. Nos pedidos encaminhados à CTNBio, as indústrias dão garantias de total segurança: as áreas são reservadas e distantes de áreas agricultáveis. No entanto, basta percorrer alguns quilômetros nas estradas que levam ao interior paulista, por exemplo, para comprovar que muitos campos de pesquisa são separados das lavouras convencionais apenas pelas cercas que dividem as propriedades. “O que é pior: fazem propaganda nas estradas, contando com a cumplicidade do Estado”, critica o engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro.

É TUDO FAZ-DE-CONTA Para Pinheiro, as relações comerciais conduzidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) impedem qualquer autonomia dos Estados, em nome dos interesses das transnacionais. “As empresas fazem o que querem porque não há nenhum controle. É um fazdeconta. Se essas empresas estão interessadas em cultivar e pesquisar é proibido impedir”, afirma o agrônomo, ao se referir às regras da OMC que determinam que os países membros não podem impedir o livre comércio internacional. “Caso contrário são processados, como a União Européia, por impor regras à entrada de transgênicos nos países”, reitera. O exemplo claro de mais um fazde-conta é a lei de agrotóxicos, que proíbe a aplicação do herbicida glifosato no pós-emergência (depois que a planta nasce). Mesmo com a proibição, o governo federal permite o cultivo de soja transgênica, o qual não existe sem a aplicação do herbicida diretamente na soja.

MAIS CONTAMINAÇÃO No ano passado, em meio a discussões sobre os possíveis danos da liberação do plantio e comercialização da soja transgênica, a CTNBio autorizou pesquisas com o algodão RR da Monsanto, resistente ao glifosato, no interior de São Paulo e Goiás. O cultivo dessa variedade sem proteção a possíveis contaminações e à transferência de genes pode contaminar outras lavouras. O cientista Luiz Antônio Barreto de Castro, defensor dos transgênicos, admite que os riscos de contaminação com algodão modificado é bastante elevado. “O pólen do algodão é levado por insetos e pode ser carregado até distâncias muito grandes, sem controle”, diz o pesquisador, que já presidiu a CTNBio e a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen). Em 2002, a Novartis Seeds foi autorizada a fazer pesquisa com o milho BT 11, sob o argumento

Fotos: Embrapa

Ainda sem segurança, indústrias recebem aval para testar novos alimentos geneticamente modificados ONDE ELES ESTÃO Indústrias e experimentos de campo com transgênicos (2001 a 2003)

> São Paulo Algodão - Monsanto Cana-de-açúcar- Basf; Copersucar; Milho - Aventys; Basf ; Dinamilho Carol; Dow Agroscienses;Monsanto; Syngenta, Pioneer Soja - Aventys; Basf > Paraná Soja - Basf ; Embrapa Milho - Monsanto; Pioneer > Minas Gerais Milho - Dinamilho Carol Dow Agroscienses; Novartis Seeds Syngenta; Pioneer; Monsanto Soja - Aventis , Monsanto > Goiás Algodão- Monsanto Milho-Pioneer, Monsanto Soja- Monsanto > Rio Grande do Sul Milho- Monsanto > Mato Grosso Algodão- Monsanto > Bahia Mamão- Monsanto Milho- Dinamilho Carol fonte: CTNBio

Basta percorrer alguns quilômetros nas estradas que levam ao interior paulista para comprovar que muitos campos de pesquisa não são eficientemente separados

da CTNBio de que tal variedade não tem parentes silvestres no país – o que, na avaliação dos técnicos, elimina os riscos de contaminação.

PESQUISA BRASILEIRA Além de representar uma ameaça, os inúmeros testes solicitados pelas indústrias produtoras de sementes e herbicidas têm como instrumento principal a utilização de gens que cientificamente foram reprovados em outros países por suas conseqüências. No México, país de origem do milho, toda a diversidade dessa semente foi contaminada pelo plantio do seu equivalente transgênico, modificado com o gene BT. Pinheiro lembra que nos Estados Unidos dezenas de pessoas sofreram choque anafilático por

comer o milho BT, patenteado pela Aventys. Na corrida pelas patentes, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem investido em parcerias e novas pesquisas com transgênicos. A empresa brasileira e a transnacional Monsanto, detentora da patente do gene RR, fizeram uma parceria para reproduzi-lo no que será a soja transgênica brasileira. O pesquisador da Embrapa, Alexandre Nepomuceno, afirma que o órgão tem dez variedades de soja, adaptadas a variadas regiões do Brasil, prontas para serem comercializadas. O ônus, ao que tudo indica, mais uma vez ficará para o agricultor que optar pela semente modificada: terá de pagar royalties para as duas empresas. “O acordo permite à Embrapa cobrar royalties por desenvolver

a semente e a Monsanto cobraria taxa pela transferência da tecnologia”, afirma Nepomuceno. Quanto à segurança sobre novas pesquisas em campo, a única certeza é de que não existem certezas. “Nada em biossegurança é 100% seguro”, admite. A escassez de recursos em pesquisa nacional tem sido a principal reclamação dos cientistas, que dizem estar “ficando para trás” em relação a outros países. Castro conta que, em 2000, quando os recursos para biotecnologia “desapareceram” das unidades do Cenargen, ele continuou as pesquisas. “Transferia recursos excedentes de outros projetos para continuar as pesquisas com transgênicos. Fiz isso para que os projetos não parassem. Não tenho que me preocupar com conflitos com multinacionais”,

afirma Castro, que defende o uso de transgênicos na agricultura porque considera o uso de agrotóxicos reduzido. Quando questionado sobre o aumento do percentual de resíduos nos alimentos, como no caso da soja que de 0,2mg/kg terá um salto para 10 mg/kg de herbicida direto no grão, o cientista recua: “Não obtenho essa informação”. Pinheiro condena as pesquisas autonômas realizadas pelo Cenargen: “O pior é que isso é dinheiro público. Cerca de 80% das pesquisas financiadas pelo CNPQ são em biotecnologia, para atender aos interesses das indústrias e dos mercados”. Além da soja, a Embrapa já desenvolveu batata, feijão, mamão e outras variedades que, segundo o pesquisador Alexandre Nepomuceno, “ainda não foram divulgadas”.

Produtor destrói lavoura transgênica da Redação O produtor de soja Dorvalino Bonetti decidiu destruir sua lavoura de um hectare, plantada com soja transgênica, em Pato Branco (PR). Bonetti teve a propriedade interditada por técnicos agrícolas da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab), dia 19. A inutilização da lavoura, acompanhada por funcionários da secretaria, aconteceu dia 28. Bonetti disse que tomou a decisão para evitar mais prejuízos, já que a multa a ser aplicada para produtores que usam o agrotóxico glifosato – indispensável Lei federal sobre para lavouras transgênicos - Metransgênicas dida Provisória nº 131, assinada pelo – pode chegar vice-presidente José a R$ 19 mil. O Alencar, que liberava agricultor, que o plantio de geneticamente modificagastou cerca de dos no país. R$ 4 mil para fazer o plantio, calcula que, destruindo a lavoura agora, terá prejuízo de aproximadamente R$ 10 mil. Para destruir a plantação, ele teve de gastar outros R$ 1 mil, preço da locação de um trator de grade pesada que arranca as plantas do solo. O agricultor tinha a expectativa de colher 120 sacas da oleaginosa, que pretendia vender por um preço entre R$ 40 e R$ 44 a saca de 60 quilos. O produtor, porém, não

A Seab aguarda o resultado das amostras para verificar a existência de glifosato

perde toda a plantação, pois plantou soja convencional nos outros cinco hectares de sua propriedade.

LUCRO FÁCIL Bonetti disse que plantou a semente transgênica porque pensava estar amparado pela legislação federal e que, depois da fiscalização do governo estadual, a lavoura se

tornou um problema do qual ele queria se livrar. Ele confessou que a semente veio do Rio Grande do Sul, mas afirmou desconhecer o fornecedor. O plantio foi feito numa tentativa de experimentar uma “semente desconhecida”. Apesar de não saber “no que iria dar”, ele frisou que optou pela variedade geneticamente modificada porque

esta reduziria significativamente a aplicação e o gasto com herbicidas. O engenheiro agrônomo Rudmar Luiz Pereira dos Santos, da Secretaria da Agricultura de Pato Branco, responsável pela interdição, disse que a destruição da lavoura ilegal é o melhor caminho que o agricultor poderia ter seguido. “A soja geneticamente modificada é totalmente ilegal (neste caso), pois o agricultor sequer subscreveu o Termo de Compromisso, exigido pelo Ministério da Agricultura”, comentou. Afirmou ainda que essa é a primeira lavoura transgênica destruída no Estado – uma medida que não encerra o processo administrativo movido contra o agricultor pela Seab, mas atenua a situação do produtor perante o governo estadual. Nesta safra, o produtor não poderá mais plantar soja e os técnicos vão pedir apenas uma advertência por escrito. O agricultor não será mais réu primário em relação à lei dos agrotóxicos. A Seab ainda aguarda o resultado das amostras colhidas na lavoura para verificar a existência de glifosato. No dia 26, os técnicos tiveram a comprovação que 5 lavouras das 22 analisadas na região do Sudoeste têm presença de variedades transgênicas, quatro delas no município de Coronel Vivida e uma em Sulina. (Ambiente Brasil)


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De 5 a 11 de fevereiro de 2004

NACIONAL REFORMA AGRÁRIA

Está faltando uma lei ampla e drástica O

Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), anunciado pelo governo federal no final de 2003, tem gerado polêmica entre setores envolvidos na democratização da propriedade da terra no país. Presentes ao 12º Encontro Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto e o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, defendem o plano destacando-o como uma iniciativa histórica em termos de metas. Na outra ponta, o bispo dom Orlando Dotti, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), esclarece que o programa de distribuição de terras proposto pelo governo Lula segue a mesma lógica de governos anteriores e tecnicamente não pode ser enquadrado como um plano de reforma agrária. Brasil de Fato – Como o senhor avalia o primeiro ano do governo Lula em relação à questão agrária? Dom Orlando Dotti – Não vimos nada de novo. O que está se fazendo são alguns encaminhamentos muito próprios dos governos anteriores. Não tem nem qualidade, nem quantidade diferente. O que se fez nessa área não responde às expectativas do povo, criadas com as promessas feitas durante toda a campanha eleitoral e por toda a trajetória histórica do presidente, que sempre foi em defesa da reforma agrária.

Quem é

BF – Há uma estimativa do número de terras devolutas no país? Rossetto – Um dos trabalhos que faz parte do Plano Nacional de Reforma Agrária é um cadastro nacional de terras, que o Brasil nunca teve. Se somarmos todas as terras registradas formalmente em alguma estrutura estatal, como o cadastro do Incra, e somarmos as áreas urbanas, lagos, rios, estradas, ferrovias, dos 850 milhões de hectares que o país dispõe, faltam 200 milhões de hectares. O que isso significa? É muito provável que sejam posseiros e que haja áreas importantes griladas. Por isso queremos, já no mês de março, iniciar o cadastro nacional de terras. Será feito o levantamento fundiário completo por meio do geo-referenciamento. BF – E esses 200 milhões de hectares? Rossetto – São áreas que podem ser devolutas, mas que são ocupadas por posseiros, por exemplo. Isso é muito comum no Nordeste. Há mais de um milhão e 200 mil posseiros. É muito provável que parte dessas áreas possam ser arrecadadas para a reforma agrária. Por isso a importância do cadastro. O

BF – Quais as suas expectativas para os próximos anos do governo Lula? Dom Orlando – Eu não tenho muita expectativa. Dentro da minha concepção de reforma agrária, Lula nunca irá fazê-la por depender justamente de um Congresso que nunca vai lhe dar instrumentos para tal.

Bispo aposentado da diocese de Vacaria (RS), dom Orlando Dotti foi duas vezes presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Defensor da reforma agrária, foi responsável pela distribuição de 38 mil hectares de terra que pertenciam à diocese da Barra (BA) para as 700 famílias atingidas pela construção da barragem do Sobradinho, no início dos anos 80.

BF – O senhor afirma que seria difícil o governo realizar uma reforma agrária por não haver uma lei que permita isso. O que seria essa lei e qual a diferença entre uma reforma agrária baseada em uma lei e a que é feita hoje? Dom Orlando – A Constituição diz que cabe à União desapropriar terras para fim de reforma agrária. Isso foi regulamentado por lei complementar, que é muito tímida porque prevê apenas em que condições pode-se desapropriar e em que condições a terra deve ser entregue. Então, o que o governo pode fazer é apenas desapropriar, nada além disso. BF – O que impede o governo de fazer a reforma agrária? Dom Orlando – A ausência de uma lei de reforma agrária, que deveria vir do Legislativo, ou então deveria ser apresentada pelo governo. Parece que o governo sabe que está em desvantagem nessa correlação de forças. Hoje não há como fazer ou propor uma lei de

reforma agrária ampla, radical e drástica porque as forças são contrárias. Estamos trabalhando com aquilo que existe, mas devemos ter em mente a reforma da lei para que haja uma reforma agrária. Eu sei que o MST tinha uma proposta junto com a deputada Luci Choinacki (PT/RS) mas não foi apresentada porque não havia condições. Entre os elementos essenciais a serem transformados estava a delimitação do módulo máximo de terra. Sem isso, não dá. BF – O senhor acredita que haverá reforma agrária com esse plano do governo Lula, cujos números estão muito abaixo dos propostos pelo grupo liderado pelo professor Plínio de Arruda Sampaio? Dom Orlando – Não. Tecnicamente falando, não vai haver reforma agrária. O que há é a possibilidade de distribuir terras, arrecadando-as e distribuindo-as para quem não tem. Uma coisa é fazer a reforma agrária tecnicamente, outra é distribuir terras que o governo consegue arrecadar. São coisas bem diferentes. A primeira seria automática, assim como a reforma da Previdência:

Douglas Mansur

Governo anuncia elaboração de cadastro nacional de terras Brasil de Fato – O senhor declarou que a reforma agrária será feita em 2004. Os movimentos sociais podem contar com isso? Miguel Rossetto – Sim. Neste ano, 140 mil famílias terão acesso à terra e vamos avançar muito na qualificação dos nossos assentamentos. Estamos preparados para que 2004 seja o ano que a agenda da reforma agrária entre definitivamente no governo.

Plínio fosse aceita, haveria mais condições. Também não quero ser derrotista; então, vamos trabalhar com o que temos.

fato da União dispor de áreas não significa que elas não sejam povoadas. São situações que queremos regularizar para os pequenos posseiros, e obviamente arrecadar de quem ocupa ilegalmente essas áreas. Vamos buscá-las, mas iremos priorizar o trabalho de vistorias em cima das grandes propriedades improdutivas do país. BF – Os críticos do Plano Naciona de Reforma Agrária dizem que ele é muito tímido. Por que o plano elaborado pelo grupo liderado pelo professor Plínio de Arruda Sampaio não foi adotado pelo ministério? Rossetto – O Plínio trabalhou com o ministério e com um grupo de pesquisadores com muita experiência na questão agrária do país. A diferença é que quando um governo estabelece metas, ele tem obrigação de cumprílas. A meta que estabelecemos é audaciosa. Nunca na história de um país um governo assumiu um compromisso de assentar 530 mil famílias em quatro anos. Falar em assegurar acesso à terra

Quem é Ministro do Desenvolvimento Agrário, o petroquímico gaúcho Miguel Rossetto pertence à tendência Democracia Socialista do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi eleito deputado federal pelo PT em 1994 e, em 1998, tornouse vice-governador do Rio Grande do Sul durante a gestão Olívio Dutra. a 530 mil famílias significa gerar mais de 2 milhões de postos de trabalho. Não há nenhuma divergência de conceito estratégico, de concepção com a proposta original. O plano apresentado pelo professor previa o assentamento de um milhão de famílias, sendo que 400 mil seriam assentadas no ano de 2007. Já os números que o governo se compromete são absolutamente fortes, não concordo que haja timidez. O grande desafio que temos é exatamente executar integralmente essas metas. BF – Qual é o papel dos movimentos sociais nesse cenário? Rossetto – Um papel fundamental na organização da sociedade, insubstituível. Quem faz a reforma agrária é quem trabalha na terra. Os movimentos não são adversários desse projeto, mas parceiros na transformação deste país. Porém, é evidente que o governo tem a sua agenda e a sua dinâmica própria, não necessariamente idênticas às dos movimentos sociais. O fundamental é a relação de diálogo muito respeitosa, que não implica a concordância sobre todos os pontos. (BF e TM)

publicada, já começa a valer. Com a lei que temos, fazemos projetos de desapropriação para dividir um pouco melhor a terra, mas não uma divisão radical como supõe, tecnicamente, uma reforma agrária.

BF – Qual é o desafio dos movimentos sociais diante de uma situação assim? Dom Orlando – Devem continuar fazendo pressão e mobilizações para que pelo menos se venda a idéia correta do que é uma reforma agrária. Tem muita gente que discorda do meu parecer, que diz “vamos fazer o que é possível, isso também é reforma agrária”. Tudo bem, aceito: essa seria uma reforma agrária por analogia, mas não é a verdadeira reforma agrária.

BF – A proposta apresentada por Plínio de Arruda Sampaio também não estipulava limite de propriedade agrária. Seria uma reforma real ou um instrumento de distribuição de terras? Dom Orlando – Eu nunca vou dizer que isso é uma reforma agrária. Mas é trabalhar com as possibilidades que temos. Nesse sentido, com algumas melhoras, é um bom plano. Porque há sempre o perigo de deixarmos de trabalhar por não ter uma reforma agrária real, legal. Essa proposta trabalha as possibilidades oferecidas pela lei. Nesse sentido, é válida, uma proposta consistente.

BF – Em relação ao desenvolvimento econômico, o que iria mudar com a reforma agrária? Dom Orlando – Muita coisa. Iríamos produzir muito alimento e certamente menos produtos de exportação. Parece que hoje o governo está mais interessado em produzir grãos para exportação porque pagam a dívida externa; e menos interessado em produzir grãos de alimentos. Mudaria toda uma concepção de produção: produziríamos para o consumo interno e não para o consumo externo.

BF – Qual a sua avaliação sobre as modificações feitas pelo governo na proposta original? Dom Orlando – A mudança da primeira proposta reduziu, piorou o texto e as possibilidades. Se a proposta apresentada pelo

Incra garante prioridade a desapropriações Brasil de Fato – A reforma agrária será feita nos latifúndios improdutivos? Essas terras serão desapropriadas como prevê a Constituição? Rolf Hackbart – A nossa prioridade, o principal instrumento do Incra para obtenção de terras é a desapropriação da terra improdutiva. Mais de 70% das terras que o Incra obteve nos últimos cinco, seis, anos vêm das desapropriações das terras improdutivas. Todos os outros instrumentos, como o crédito fundiário, a compra de terra, são instrumentos complementares. BF – O Incra tem um levantamento das terras improdutivas do Brasil? Hackbart – Estamos sempre levantando. Certamente, hoje nós temos mais de 90 milhões de hectares de terras agricultáveis que não estão sendo utilizadas. BF – No plano elaborado pelo professor Plínio de Arruda Sampaio as terras devolutas são vistas como a forma mais barata de se fazer reforma agrária. Hackbart – Uma das nossas prioridades é a recuperação de terras da União. No final do ano passado, no Estado do Mato Grosso, nós recuperamos 23 mil hectares de terras griladas cuja matrícula está em nome da União. A recuperação dessas terras é uma prioridade, mas a principal é a desapropriação das terras improdutivas. BF – O Incra tem um levantamento das terras devolutas do país? Hackbart – Eu não tenho esse número exato, mas é muita terra. Há cerca de dois milhões de posseiros neste país. Há muitas terras devolutas, principalmente na região Norte.

Gervásio Baptista/ABR

Bruno Fiuza e Tatiana Merlino da Redação

Douglas Mansur

Dom Orlando Dotti, da Pastoral da Terra, diz que programa de Lula segue a mesma lógica de governos anteriores

Quem é Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o economista gaúcho Rolf Hackbart foi técnico da Coordenadoria Estadual de Planejamento Agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul (19821983). Atuou como economista e educador popular no Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp), no meio rural de três Estados do Sul do Brasil, entre 1983 e 1990.

BF – Há falta de dados para estimar exatamente qual é o potencial de terras disponíveis, hoje, no país? Hackbart – O Brasil não conhece a sua malha fundiária. Estamos iniciando um trabalho muito importante nesse sentido. BF – A hipótese de fazer uma reforma agrária pela mudança da lei agrária do país é uma possibilidade? Hackbart – Hoje, o arcabouço legal é mais do que suficiente para fazer reforma agrária. Qualquer alteração da legislação vai ser uma decisão de governo, e depende do Congresso. (BF e TM)


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De 5 a 11 de fevereiro de 2004

NACIONAL TERRA

Banco da Terra joga assentados na miséria Claudia Jardim de Itapeva (SP)

Renato Stockler

Projeto gerado no governo Fernando Henrique Cardoso é marcado pelo descaso e falta de esclarecimentos financeiros

C

onseguir terra e crédito para produzir e viver com dignidade. Esse era o sonho de milhares de agricultores que assistiam pela televisão a propaganda do governo federal, cujas imagens mostravam porteiras das fazendas se abrirem para a entrada dos trabalhadores rurais, sem conflitos. O Banco da Terra concretizaria o sonho. Mas o projeto da “terra prometida”, implementado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999, revela hoje a vida real aos milhares de agricultores que aderiram ao projeto. Criado para conter os avanços das ocupações, para contentar ruralistas e para realizar o modelo de reforma agrária ditado pelas instituições financeiras internacionais, o Banco da Terra já deu frutos: mais miséria e concentração fundiária. A bóia-fria Beatriz dos Santos acorda às quatro horas da manhã e segue o caminho que leva à estrada onde pega o ônibus. Viagem longa, três horas até chegar à propriedade da Cargill, onde enfrentará mais um dia na roça. Em dias bons recebe R$ 6 e volta para casa, na Fazenda Tofani, em Itaberá (SP), uma das propriedades incluídas no Banco da Terra. O que mudou na vida de Beatriz e de outros rurais é que agora eles têm uma grande dívida a pagar, sem saber como. A proposta feita aos agricultores era de financiamento das terras, que poderiam ser pagas em até 20 anos, crédito para infra-estrutura, assessoria técnica e recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) para o plantio.

FALÊNCIA ANUNCIADA Na prática as coisas não caminharam tão bem assim. O agricultor Dorival Barbosa Tristão, presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais de Tupã, no interior paulista, conta que depois de três anos de espera, ele e os demais associados foram ver a Fazenda Santo Antonio, onde ergueriam suas casas. “Compramos a terra por R$ 450 mil, com tudo dentro, menos os animais. Era como realizar um sonho. A gente sabia que no fundo ele [governo] queria prejudicar o MST, mas quem não tem nada se segura no que aparece”, diz, referindo-se ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Quando finalmente ocuparam a terra, passaram a construir as casas para as 12 famílias que a partir de então seriam responsáveis pela produção. Dos R$ 170 mil previstos para a infra-estrutura, parte era para arcar com custos da mão-de-obra da construção. “Os técnicos ficaram bravos porque a gente mesmo construiu as casas. Eles diziam que não podia usar o dinheiro para comprar comida, se fizesse isso não ganhava o Pronaf. Como vamos trabalhar sem comer?” conta Tristão.

Produção é feita com sementes compradas com o dinheiro ganho no trabalho como bóia-fria

neficiado. Godinho nega qualquer participação nesse processo e alega que o aumento do preço da propriedade deve ter ocorrido porque “nos seis meses que durou o processo de compra o preço da terra foi valorizado. O alqueire que custava R$ 10 mil passou a custar R$ 30 mil”, afirma.

FALSAS PROMESSAS

Em vez de promover a desapropriação de terras improdutivas, Programa produziu miséria e concentração fundiária

De acordo com os agricultores, eles sofriam pressões do engenheiro agrônomo Luiz Carlos Godinho, técnico responsável por implementar projetos como o cultivo de hortaliças e frutas e a produção de leite. Segundo Tristão, o técnico receberia 1,5% do valor do empréstimo. De acordo com as regras do Banco da Terra, o recurso não poderia ser destinado para compra de alimentos. Os trabalhadores poderiam comprar as máquinas, mas não as sementes para plantar. “O projeto tem como premissa que o agricultor possui alguma forma de sustento, o que não acontece na prática”, avalia o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, chefe do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).

EXPLORAÇÃO PREVISTA Reunidos na entrada da fazenda, os trabalhadores contam que o técnico que teria de assessorar os projetos arrendou cerca de 29 hectares de terra para cultivar soja. Em troca, pagaria 10% da produção, quando o preço médio pago por ar-

rendatários é de 30%. “Fazer o quê? Para quem não tem nada, já é alguma coisa”, resigna-se o presidente da associação. Luiz Carlos Godinho, que acredita que assim que os recursos do Pronaf forem liberados os projetos podem caminhar, admite ter arrendado a terra. Quando questionado sobre o fracasso dos projetos implementados na fazenda sob sua responsabilidade, recua. “A minha responsabilidade na Fazenda Tofani já expirou. O prazo é de um ano depois de liberado o crédito do Pronaf. Pergunte aos agricultores por que o projeto não deu certo”, rebate.

IRREGULARIDADES DE COMPRA No Estado de São Paulo, o Banco da Terra foi intermediado pela Força Sindical e não pelo governo estadual, como ocorre em outras regiões. O preço original da Fazenda Tofani era R$ 300 mil. Quando os agricultores da Associação dos Trabalhadores Rurais de Itaberá foram assinar o acordo, o preço foi para 350 mil. “Aceitamos porque a gente precisava da terra”, conta o

Terras que valem ouro Longe de ser “o maior programa de reforma agrária do mundo”, como alardeava o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Banco da Terra foi uma política oposta à de reforma agrária prevista no Estatuto da Terra, que determina a desapropriação de terras improdutivas a serem pagas pelos Títulos da Dívida Agrária, em até 20 anos. O modelo, gerenciado pelo Banco Mundial, contempla o proprietário com pagamento à vista da propriedade, determina que o governo federal subsidie parte do empréstimo (com programas como Pronaf) e estabelece o compromisso do agricultor pagar a propriedade em até 20 anos. “Esse não é um instrumento de reforma agrária e

sim de contra-reforma. É mais um mecanismo para viabilizar o mercado capitalista de terras”, analisa Ariovaldo Umbelino de Oliveira, chefe do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. De acordo com especialistas, além de “aprisionar” o agricultor em dívidas impagáveis, o Banco da Terra provocou a supervalorização das propriedades, premiando os proprietários – que passaram a determinar o valor de suas terras, em períodos que o mercado de terras estava em queda de preços. Oliveira explica que, a menos que houvesse uma valorização “de forma artificial, como um acordo entre o proprietário e comprador”, o programa por si só não teria força para promover essa elevação de

agricultor Benedito Carlos Pinto. O preço da terra não subiu de uma hora para a outra. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itaberá, José Mariano Oliveira, conta que os agricultores o procuram com a suspeita de ter havido superfaturamento das terras. “Alguns indícios levam a crer que houve irregularidade, mas não posso afirmar. Quando encaminhei a denúncia para a Força Sindical disseram para eu ficar de fora que eles cuidariam disso, não sei o que deu”, afirma Oliveira. As hipóteses levantadas para o aumento do preço da terra é que um dos técnicos que participou da negociação poderia ter se be-

Apesar do alto valor da dívida assumida pelas 11 famílias, os agricultores acreditavam que com a produção poderiam arcar com os custos. De acordo com eles, representantes da Força Sindical asseguravam a venda de toda a colheita. “Eles diziam que era só produzir que eles davam um jeito pra vender”, conta Dirceu Lourenço, um dos trabalhadores assentados. Mas, depois da colheita, os trabalhadores não conseguiram vender os produtos e o auxílio não veio. “A Força Sindical realmente fez a promessa de comercializar os produtos e não cumpriu. Eles se afastaram alegando que só fazem parte da gestão dos recursos”, assegura Godinho. No dia 15, os trabalhadores rurais envolvidos no Banco da Terra devem se reunir para formalizar um pedido de apoio, que deve ser encaminhado ao Ministério de Desenvolvimento Agrário. “Queremos a anistia da terra e renegociar as dívidas do crédito. Só assim vamos conseguir”, afirma Dirceu Lourenço.

preços. Na prática, a maior parte dessas negociações artificiais foi feita por intermediários que acertavam o valor da terra com o proprietário antes de apresentá-la aos agricultores interessados no financiamento. Assim, terras em regiões desvalorizadas do interior de São Paulo foram avaliadas como terras de primeira. Comparando os dados do Instituto de Economia Agrícola, o hectare com benfeitorias (caso da Fazenda Santo Antônio, em Itapeva) custava, em junho de 2002, cerca de R$ 2.100. O máximo pago por hectare nesse período foi de R$ 4.958,68. No entanto, cada hectare da Fazenda Santo Antônio custou aos trabalhadores rurais, no mesmo ano, R$10 mil. (CJ)

RIO GRANDE DO SUL

Agricultores bloqueiam estrada em protesto Miguel Enrique Stédile de Porto Alegre (RS) Para exigir investimentos dos governos estadual e federal em infra-estrutura, cerca de 800 agricultores assentados organizados pelo Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) bloquearam a BR 293 no município de Hulha Negra, região de Bagé (RS), dias 2 e 3. A região tem o maior número de famílias assentadas do Estado – 1.800 famílias em 56 assentamentos, nos municípios de Candiota, Aceguá e Hulha Negra. Melhoria nas estradas, energia elétrica, melhores condições de educação e de saúde são as principais reivindicações. Em doze assentamentos, 500 famílias não têm acesso a estradas, o que prejudica a comercialização do leite produzido, sua principal fonte de renda. O leite também não pode ser resfriado em 19 assentamentos onde falta de energia elétrica. Além

disso, não existe atendimento de saúde na região – para receber cuidados médicos, as famílias são obrigadas a se deslocar para Bagé e Colônia Nova. Não existe escola de nível médio na região e as escolas de ensino fundamental funcionam em condições precárias. “Queremos que o poder público viabilize um projeto global de desenvolvimento para a região”, afirma o coordenador regional Marino Debortoli. De imediato, os assentados querem a reforma de 144 km de estradas e a construção de outros 150 km; a autorização para o funcionamento de duas escolas de nível médio e a viabilização de recursos para a estruturação de outras duas escolas já existentes, além de investimento em redes de energia e a liberação imediata dos recursos para o plantio. Até o fechamento desta edição, o governo federal não havia recebido as famílias para negociações e a mobilização permanecia, por prazo indeterminado.


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NACIONAL TRABALHO

Ou o pleno emprego, ou o caos social Afinal, numa sociedade capitalista, a contrapartida do direito da propriedade é o direito ao trabalho remunerado Marlene Bergamo/Folha Imagem

Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)

“S

e não for feita uma política de pleno emprego, nós vamos mergulhar numa crise social e política de proporções nunca enfrentadas”, prenuncia José Carlos de Assis, coordenador da campanha Desemprego Zero. Para ele, “uma política de pleno emprego não é só necessária, mas é inadiável no Brasil”. Argumentando que numa sociedade capitalista a contrapartida do direito de propriedade deve ser o respectivo direito ao trabalho remunerado, com um programa de pleno emprego, Assis defende um socialismo democrático. Ou seja, o Estado como regulador da economia de mercado, e não proprietário de todos os meios de produção. Neste sentido – em relação aos meios de produção – para ele, Marx “tornou-se superado”. Abaixo, a entrevista que Assis concedeu ao Brasil de Fato.

Com a recessão dos últimos anos, taxa do desemprego do IBGE para o Brasil inteiro é muito maior que os 15,4% de 2000

Alívio no fim do ano

Brasil de Fato – O subsecretário do Tesouro dos EUA disse, recentemente, que o Brasil não mostrou resultados em relação às expectativas de crescimento. A seu ver, o governo tem uma política de desenvolvimento? José Carlos de Assis – Não. Este governo ainda não conseguiu formular uma política de crescimento. Ele continuou com a política anterior, que foi de recessão e de desemprego. Uma política de crescimento implica em uma mudança de fundo na macroeconomia e contempla cinco pontos centrais. 1) Redução da taxa de juros, em complemento da política fiscal de estímulo à retomada dos investimentos privados. 2) Enquanto perdurar o alto desemprego, redução do superávit primário pelo aumento responsável do dispêndio público, induzindo a retomada do desenvolvimento e do emprego. 3) Controle do fluxo de entrada e saída de capitais externos de curtoprazo. 4) Administração do câmbio em nível favorável às exportações, o que é relevante à credibilidade internacional. 5) Ampliação dos gastos públicos, com prioridade para dispêndio com ampliação dos serviços de educação, saúde, segurança, habitação e reforma agrária, com os bilhões de reais de superávit primário.

BF – Como assim? Assis – A reforma agrária cria unidades familiares de consumo que têm um impacto direto no mercado interno como um todo. Quer dizer, na medida em que você dá a terra e esta se torna uma unidade produtiva em condições de participar do mercado,

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Out Dez Fev Mar Jun Jul Dez Jun Jul Ago Out Nov Dez 2003 2002 2001

na medida em que ela vende e obtém capacidade de compra tem um efeito multiplicador tremendo. BF – A reforma ainda é possível? Assis – Reforma agrária só se faz com recursos de investimento público. Achar que é possível fazêla com orçamento contingenciado é uma piada. Achar que vai fazer a reforma agrária e, simultaneamente, o superávit primário no orçamento, não faz. Tem que mudar a política macroeconômica. Liberados os R$ 70 bilhões do orçamento que estão contingenciados para fazer o superávit primário, direcionando-os para investimento público, produtivo, e uma pequena parcela desses recursos destinada à reforma agrária, mudaria a cara do campo no Brasil em cinco anos. Então, isto é fundamental: a idéia de que a reforma agrária é um programa de combate ao desemprego, de retomada da prosperidade com importantes reflexos sociais e políticos. Douglas Mansur

BF – Então o pleno emprego não passa, necessariamente, pela reforma agrária? Assis – Eu a citei em último lugar porque falava de memória, mas ela vem em primeiro. A reforma agrária tem sido esquecida há mais de cem anos no Brasil. Começou a ser esquecida na Lei Agrária de 1850, que impediu que fizéssemos uma reforma histórica pela incorporação de imigrantes e mesmo de escravos na quantidade imensa de terra que tínhamos disponíveis. No entanto, aquela lei fechou o acesso à terra que, depois disso, nunca mais foi aberto. Quando é aberto, é aos pouquinhos. Eu penso que na década de 50, quando entramos no processo de industrialização, uma deficiência do nosso sistema social muito grande foi o fato de não termos feito ali a reforma agrária. Se a fizéssemos, hoje estaríamos disputando os 5º, 4º, 3º lugares no mundo em matéria de produção.

15 Taxa de desemprego aberto - 30 dias - em seis regiões metropolitanas (%)

BF – Como anda a campanha Desemprego Zero? Assis – Está em fase de articulação com a Coordenação dos Movimentos Sociais. Temos uma reunião prevista para dias 11 e 12 de fevereiro, em São Paulo, com os integrantes dos movimentos sociais de vários Estados. Esperamos que essa reunião, cujo tema central será o emprego, possa dar um mote da campanha daí para frente. Temos um cronograma envolvendo uma série de palestras, debates, mobilizações, eventualmente passeatas, manifestações públicas, para convergir no 1º de Maio, quando tentaremos um grande movimento político em defesa do emprego. BF – O senhor tem dito que o desemprego tem sido escamoteado pelas estatísticas. Como é isso? Assis – Em primeiro lugar, temos uma estatística que é explícita, é política. Outra, é técnica. Ocultar tecnicamente dados sobre o desemprego foi característico

Quem é Jornalista econômico, bacharel em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, foi assessor da Secretaria de Planejamento do Estado do Rio de Janeiro (1977-79), e da presidência da Confederação Nacional da Indústria (1987-1991). Como jornalista, trabalhou no Jornal do Brasil, Folha

do governo Fernando Henrique Cardoso, quando as taxas de desemprego estavam claramente subestimadas em razão de erros metodológicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A escamoteação política é você empurrar o tema para debaixo do tapete, fingindo que o problema não existe. É claro que a escamoteação técnica ajuda isto, porque diz que a taxa é baixa, não a considera em seu aspecto político, então esconde. BF – Como se esconde o nível de desemprego tecnicamente? Assis – A taxa oficial de desemprego no Brasil não é uma taxa para o país inteiro, mas mede o desemprego em seis regiões metropolitanas – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre. Então, aí, já há uma limitação. No segundo mandato FHC, a taxa de desemprego foi subestimada em 7% a 8%, comparados os levantamentos do IBGE e os do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos SócioEconômicos (Dieese). Uma taxa de desemprego de 10% é muito alta, mas esta é a taxa oficial. Ora, o Censo de 2000 apurou uma taxa de 15,4% para o Brasil inteiro, e é essa que tomo como referência. Como de 2000 para cá tudo continuou na mesma, a taxa de hoje provavelmente é muito maior. Tivemos recessão em 2001, 2002 e 2003. Imagino que a taxa real de desemprego esteja na casa dos 18%. Felizmente, no governo Lula isto não está sendo escamoteado, quer dizer, há um reconhecimento do governo de que o desemprego é alto e que isto desencadeia um problema social grave e uma crise social grave. BF – Por que a taxa de desemprego do Dieese é maior do que a do IBGE? Assis – Porque aquela – do Dieese – considera o desalento (sem ânimo), ou seja, a pessoa que

de S. Paulo, O Globo. Autor, entre outros livros, de O Grande Salto para o Caos – A Economia Política e a Política Econômica do Regime Autoritário (Zahar Editores, em co-autoria com a professora. Maria da Conceição Tavares), Análise da Crise Brasileira (Forense, 1988), A Nêmesis da Privatização (MECS, 1997), Trabalho como Direito, (Contraponto, 2002). É coordenador do Movimento Desemprego Zero e editor-chefe do sítio www. desempregozero.org.br

desistiu de procurar emprego como também desempregada. Esta inclusão do desalento é que faz com que em São Paulo, pela taxa do Dieese, você tenha uma taxa de desemprego de 20%. Enquanto que pela taxa do IBGE – que considera o desalentado como alguém (crianças, idosos e deficientes) fora da força produtiva – esteja em 12,13%. BF – Que instâncias do governo reconhecem a gravidade do desemprego? Assis – No momento em que o próprio presidente da República faz uma reunião com oito ministros, para discutir programas de incentivo ao emprego, ele está reconhecendo explicitamente que há um problema grave. Isto não quer dizer que as medidas que estão sendo adotadas, sobretudo a política macroeconômica adotada, sejam medidas que de alguma forma ajudem a resolver o problema do desemprego. Muito pelo contrário. A política macroeconômica é recessiva e é geradora de desemprego. BF – Por que há diferença nas taxas de desemprego entre São Paulo e Rio de Janeiro? Assis – A estrutura de mercado de trabalho no Rio é completamente diferente da de São Paulo, onde se tem um mercado formal mais desenvolvido. A indústria brasileira está quase que concentrada em São Paulo (50%), portanto, a área de serviços é relativamente menor que no Rio. No Rio, se tem uma área de serviços (turismo e cultura, por exemplo) muito ampla, e nela, em comparação com a industrial, tradicionalmente os salários são menores, as condições de trabalho são piores, a informalidade é muito maior. Essa informalidade característica da região metropolitana do Rio de Janeiro, é, na verdade, subemprego. Alguém diz: a taxa de desemprego é mais baixa no Rio que em São Paulo, de fato, mas a taxa de subemprego é maior. BF – Voltando às premissas do crescimento. Diminuir a taxa de juros não dificultaria os empréstimos estrangeiros? Assis – Diminuir a taxa de juros significa desestimular o investimento estrangeiro especulativo no Brasil. Não tem nada a ver com investimento estrangeiro produtivo. O investimento estrangeiro que vem fazer fábricas, negócios, que vem ampliar a produção, é um investimento que não depende das taxas de juros, mas das expectativas da ampliação do mercado interno. Tem uma expectativa de aumento da demanda? O sujeito vem, investe, vende e remete lucro. A partir da atividade produtiva dele. BF – Por que o investimento produtivo tem caído no país? Assis – Porque a economia brasileira está estagnada. Por que investir mais no Brasil se não há demanda? BF – Conter o mercado interno não ajuda a conter a inflação? Assis – Isto é outra conversa fiada. Olha, se política de taxa de juros alta combatesse inflação, estaríamos há muito tempo com inflação zero. Combater inflação de custo (alimentada pela alta do câmbio, por exemplo), como se fosse inflação de demanda, é um crime contra a população, porque se está fazendo recessão e desemprego e não combatendo alta de preços. Deixar a inflação só a cargo do Banco Central é fazer um pacto com a recessão e o desemprego.


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De 5 a 11 de fevereiro de 2004

NACIONAL TRABALHO

A informalidade avança cada vez mais Brasil 2003: menos carteiras assinadas; mais gente ganhando abaixo do mínimo; quanto mais estudo, menos vagas Lauro Jardim de São Paulo (SP)

P

arece ruim, mas pode ficar pior, é o que mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não só o desemprego aumentou, em 2003, como dos minguados 812 mil novos postos de trabalho criados no ano, nada menos do que 806 mil (99,3% do total) foram ocupados por empregados sem carteira assinada e trabalhadores por conta própria, na maioria tra-

balhadores domésticos, ambulantes e camelôs que tentam a sorte vendendo roupas a preços populares, CDs piratas, imitações de óculos importados, cartões telefônicos e quinquilharias variadas. Somados, os trabalhadores sem carteira e por conta própria já respondem por quase metade do total de ocupados (exatos 43%). Os trabalhadores com carteira assinada, um contingente que representava 46,2% dos ocupados em 2002, perderam participação no grupo de ocupados para 43,5%, no ano passado. Para

Salários caem pelo sexto ano consecutivo O rendimento real médio recebido pelos trabalhadores no ano passado, sempre de acordo com o IBGE, anotou queda real (depois de descontada a inflação) de 12,9%, murchando de R$ 983,85 para R$ 856,85. Foi o sexto ano consecutivo de queda, refletindo o aumento do total de desempregados. A redução dos salários, obviamente, tende a influenciar negativamente o desempenho das vendas do comércio e da produção industrial, que tem crescido praticamente apenas nos setores que exportam seus produtos e mercadorias para outros países. O dado permite antecipar, ainda, uma demanda ainda fragilizada neste começo de ano – o que, mais uma vez, torna irracional a decisão do BC de congelar as taxas de juros por prazo indeterminado. Mais claramente, com uma economia enfraquecida, mesmo que as empresas revelem disposição para aumentar preços, haveria pouco espaço para isso. Aumentos, neste caso, representariam perda de vendas e de mercados, menor faturamento para as empresas, que tenderiam a repensar sua política de preços ou rever eventuais altas mais adiante, ainda que os juros continuassem baixando.

Em dezembro, especificamente, o rendimento médio habitualmente recebido pelo trabalhador ficou 12,5% mais baixo do que em igual mês de 2002. Todas as categorias analisadas tiveram perdas, com destaque para os trabalhadores por conta própria, que sofreram um arrocho de quase 19%. O salário médio dos empregados sem carteira anotou queda de 12,1%, diante de um recuo de 4,6% no rendimento dos trabalhadores com carteira assinada.

TODOS PERDERAM

complicar o cenário, entre os ocupados, quase 17% eram considerados subocupados, ou recebiam menos de um salário mínimo regular por hora trabalhada. Há um ano, aquela relação era de menos de 12%.

JOVENS DESEMPREGADOS Em dezembro passado, perto de 2,3 milhões de empregados tinham um rendimento inferior ao salário mínimo/hora, representando pouco mais de 12% do total de ocupados. Na comparação com idêntico mês de 2002, quando 1,5 milhão de

empregados estavam na mesma situação (8,3% do total de ocupados), houve um salto de 51,8%. O crescimento do desemprego afetou, principalmente, os trabalhadores com idade entre 15 e 24 anos, e aqueles com 11 anos de estudo, ou mais. No primeiro caso, o total de desempregados aumentou 14,5%, de 928 mil para 1,063 milhão. Ou seja, mais 135 mil trabalhadores daquelas faixas etárias perderam o emprego, correspondendo a 73,4% das pessoas demitidas entre dezembro de 2002 e o mesmo mês do ano passado.

O total de desempregados com mais de 11 anos de estudo, que chegava a 819 mil em dezembro de 2002, aumentou 14,4%, para 937 mil. Em números absolutos, foram demitidos 118 mil a mais do que em 2002, o que representou 64% do total de novas demissões registradas nas seis regiões pesquisadas pelo IBGE. Não por coincidência, com o trabalhador tendo que buscar alternativas no mercado informal para sobreviver, houve queda de 3% no total de desempregados sem instrução e com menos de oito anos de estudo.

Renda cai ladeira abaixo (%)

Variaãí o mensal do rendimento módio real habitualmente recebido, em relaãí o ao mesmo mús do ano anteriorõ

-5

-10

-15

-20

-7,2

-7,7

-14,7

-13,4

-16,4

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

(*) Só empregados do setor privado Fonte: IBGE

-13,8

-14,6

-15,2

-13,0

-12,5

Ago

Set

Out

Nov

Dez

A corrida dos trabalhadores em busca da sobrevivência no mercado informal, além da insegurança, trouxe um outro tipo de perda, como se percebe. Em 2002, o rendimento médio dos trabalhadores sem carteira e por conta própria era, respectivamente, 35% e 12% mais baixo do que os salários pagos aos empregados com carteira. No ano passado, a diferença subiu para 40%, em desfavor dos empregados sem carteira, com o rendimento dos trabalhadores por conta própria situando-se 25% abaixo da média salarial dos empregados formais. (LJ)

AUTOGESTÃO

Os trabalhadores assumem o comando Letícia Baeta da Redação Pouco divulgadas, as ocupações de fábricas já aconteceram às centenas no Brasil. São o último recurso dos trabalhadores para continuar trabalhando e conseguir obter algum ganho para seu sustento e o de sua família. Em dezembro, a Flakepet, fábrica de reciclagem de garrafas plásticas localizada em Itapevi, Grande São Paulo, foi abandonada pelos donos, que não tinham mais recursos para continuar tocando a operação. Foram embora deixando para trás uma dívida de R$ 52 milhões. Metade dos 140 funcionários não tem dúvidas: vestiu os uniformes e continuou batendo o cartão até agora. Reorganizados, buscam apoio de sindicatos e prefeitura e, timidamente, retomam a produção. Na semana passada, cada trabalhador conseguiu retirar R$ 250. Mesmo sem chegar ao conhecimento da sociedade, ocupações de fábricas falidas são freqüentes. Só a Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão (Anteag), criada há dez anos, acompanhou 307 ocupações, que se multiplicaram em 1990, com a desordenada abertura da economia brasileira, o aumento de falências de empresas e do desemprego. Hoje, o ritmo é menor, analisa Luidi Verardo, técnico da Anteag. Ele explica que, quando a dívida com os trabalhadores é maior do

Passo-a-passo para formar uma empresa auto-gestionária > > > > > >

Contatar e sensibilizar trabalhadores e o sindicato da categoria; Fazer auditoria (saber quais são as dívidas) e diagnóstico da empresa; Negociar com os clientes a continuidade dos negócios; Mobilizar o poder público ligado à área trabalhista; Negociar com os donos a transferência da empresa para os trabalhadores; Constituir uma comissão especial para formalizar um projeto de manutenção e sobrevivência da atividade empresarial; > Assinar um protocolo de intenções com os controladores da empresa; > Constituir uma cooperativa autogestionária para formalizar a assunção do controle acionário da empresa pelos trabalhadores; > Formar uma comissão de bens para fazer inventário, levantamento da dívida trabalhista existente com exfuncionários, do total das dívidas e do patrimônio da empresa; > Executar um projeto de viabilidade econômica e estruturar a cooperativa.

que o patrimônio da empresa, ela é transferida para os funcionários, que precisam se organizar em uma cooperativa ou associação.

DIFICULDADES Na Flakepet, os trabalhadores ainda não formaram uma cooperativa e, por isso, não assumiram a propriedade da indústria. “Trabalhamos na insegurança. A qualquer momento, o dono pode aparecer com um pedido de reintegração de posse”, afirma o ajudante de produção Chaolin, como prefere ser chamado. Hoje, a maior parte das cooperativas apenas sobrevive, avalia Verardo. Entretanto, diz, apenas 25% das ocupações não deram certo. Entre as dificuldades incluem-se a falta de confiança do trabalhador na sua capacidade de administrar, seu

pouco conhecimento de tecnologia e obstáculos para conseguir financiamento para quitar dívidas e tocar o negócio. “Aparentemente, parece fácil ser empresário. Mas, além das atividades normais, tem que saber administrar e assumir riscos”, afirma José Reitor, consultor da cooperativa Cooper-Jeans.

CASOS DE SUCESSO A Cooperativa dos Trabalhadores Metalúrgicos de Canoas Ltda. (CTMC), no Rio Grande do Sul, antiga Wolg Metalúrgica, comemora, em abril, três anos de existência. Fabricante de bens de capital, a Wolg faliu em 2000, com uma dívida de R$ 40 milhões – 94% tributária. Durante seis meses, os trabalhadores ficaram acampados. “Não tí-

nhamos perspectivas, nem patrão”, conta João Henrique Barbosa, presidente da cooperativa. Depois de seis auditorias no Tribunal Regional do Trabalho, a cooperativa foi formada. Atualmente, além de compradores antigos como a Petrobras e a Gerdau, a CTMC aumentou a carteira de clientes em 30%. E continua pagando uma dívida de R$ 26 milhões. Em 1996, a indústria têxtil Starup fechou uma de suas unidades, em Avaré (SP). Os 200 trabalhadores demitidos, na maioria mulheres, abriram uma cooperativa, a CooperJeans, que passou a utilizar o prédio e as máquinas, em sistema de comodato. Nesse caso, não havia dívidas trabalhistas, nem falência. Começando do zero, agora, as costureiras ganham, no mínimo, R$ 100 a mais

do que antes, e conseguem exportar parte da produção. A Cooper-Jeans tem 70 cooperados. Os que saíram não se adaptaram ao modelo de autogestão, avalia José Reitor. “Muitos preferem ser empregados, ter patrão e carteira assinada”, observa.

ADEUS À MONOCULTURA Autogestão também foi o caminho escolhido pela Companhia Agrícola Harmonia, antiga Usina Catende, na Zona da Mata em Pernambuco. Em 1993, foram demitidos sem indenização 2.300 mil trabalhadores. Dois anos depois, os usineiros pediram a falência da empresa. Com um patrimônio de R$ 62 milhões, a usina devia R$ 57 milhões só em créditos trabalhistas. Uma decisão judicial passou o título de propriedade da empresa para os trabalhadores, em troca da dívida. Em julho de 1998 foi criada a Harmonia, cujos trabalhadores são sócios da companhia. Além dos acionistas, a usina conta com 2.500 trabalhadores assalariados. Nos 26 mil hectares de terra da propriedade, extensão antes usada para plantar apenas a cana-de-açúcar, agora também se desenvolve a agricultura familiar. Muitos dos que foram demitidos antes da falência da usina continuam morando e plantando na área. Ao todo, são 20 mil pessoas beneficiadas direta ou indiretamente.


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De 5 a 11 de fevereiro de 2004

NACIONAL POVOS INDÍGENAS

Guarani aceitam trégua temporária Enquanto aguardam a demarcação definitiva de suas terras, índios deixam onze das quatorze fazendas ocupadas Celso Junior/AE

Spensy Pimentel de Dourados (MS)

D

epois de receber em sua aty guasu (reunião grande) o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, os líderes guarani da região sul de Mato Grosso do Sul desocuparam onze das 14 fazendas onde entraram desde o dia 22 de dezembro de 2003. Dia 30 de janeiro, pelo menos por ora, eles tomaram o “tereré da paz”. A bebida, sinal de amizade que costuma acompanhar visitas e reuniões de brancos e índios em toda a região, é feita com água fria e erva-mate – o cobiçado “ouro verde”. Foi justamente essa riqueza que, tornando preciosas as áreas onde se concentrava, gerou o afastamento dos guarani da Yvy Katu, a Terra Boa. Esse é o nome com que eles batizaram a extensão de terras que hoje reivindicam na beira do Rio Iguatemi, entre os municípios de Iguatemi e Japorã, cerca de 350 km ao sul de Campo Grande. Para aguardar o processo legal atestando que essas terras são realmente de sua ocupação tradicional, os indígenas concordaram em manter seu protesto em apenas uma parte de três das 14 fazendas constituídas sobre a área reivindicada. A demarcação solicitada, de cerca de 7,8 mil hectares contíguos à área que eles já ocupam hoje, significará, na prática, uma ampliação da reserva indígena de Porto Lindo. Atualmente moram ali cerca de 2 mil índios guarani nhandeva, em 1.648 hectare. Um relatório preparado pelo antropólogo Fábio Mura ainda aguarda aprovação da Funai para ter seu resumo publicado no Diário Oficial. O texto defende essa ampliação com base em documentos históricos e

depoimentos de anciãos indígenas. Segundo Mura, o estudo revelou o duplo engodo a que foram submetidos os índios. Além de terem sido, à revelia, instalados na atual área em torno do córrego Jakarey, os nhandeva de Porto Lindo “perderam 2 mil, dos 3,6 mil hectares a que teriam direito na época, segundo os padrões do Serviço de Proteção ao Índio de 1928”, explica o antropólogo. A cobiçada erva-mate predominava nas margens do Rio Iguatemi, por isso um ervateiro organizou um lobby junto ao governo e conseguiu que os índios fossem “empurrados” morro acima.

PLANO DE PAZ O presidente da Funai assumiu o cargo em setembro de 2003 com o compromisso de que 2004 seria o Ano dos Guarani. Segundo o órgão, um grupo de trabalho está elaborando um plano para enfrentar o problema fundiário desses índios no MS. O objetivo é afastar os conflitos com fazendeiros e evitar violências como os assassinatos do líder kaiowá Marcos Verón, em 13 de janeiro do ano passado, e do guarani Marçal de Souza, cuja morte completou 20 anos no último 25 de novembro (veja o quadro). O MS abriga, em cerca de 40 mil hectares demarcados de 22 áreas, quase 30 mil guarani – cerca de 9 mil a 11 mil nhandeva e o restante kaiowá, segundo a Funai. Para o Ministério Público Federal, o Conselho Indigenista Missionário e a Comissão Pró-Índio, há cerca de 80 tekoha guarani, áreas de ocupação tradicional, identificadas por informantes na região. Todo esse conflito em Iguatemi resolve o problema de apenas três tekoha. O que resta ainda pode ser combustível para dezenas de anos de conflitos.

Guarani deixam fazendas ocupadas e reivindicam ampliação da reserva de Porto Lindo (MS)

Vinte anos da morte de Marçal. Sem culpados Além do magistério, uma coincidência une as índias Edna de Souza, 53, e Valdelice Verón, 24. Ambas tinham 23 anos quando seus pais foram assassinados na luta pela terra dos guarani. As investigações em torno da morte do líder kaiowá Marcos Verón, espancado até a morte após a ocupação da Fazenda Brasília do Sul, em Juti, no ano passado, podem, entretanto, impedir que sua família veja repetido um triste desfecho. O pai de Valdelice foi morto há um ano. O de Edna, há 20. Há alguns dias ela

conta ter recebido uma carta da Justiça. O crime prescreveu, sem que se encontrassem e punissem os culpados. Marçal de Souza, pai de Edna, viveu um tempo em que os guarani ainda não se haviam cansado de denunciar as desgraças que vinham sofrendo. Órfão aos oito anos, foi educado em uma missão presbiteriana e “reconverteu-se” à sua própria cultura ao servir de intérprete e guia para antropólogos famosos como Egon Schaden e Darcy Ribeiro. Em 1980, foi escolhido para representar os índios brasileiros

diante do papa João Paulo II, em sua visita ao Brasil. Três anos depois, denunciava a tentativa de expulsão de uma comunidade kaiowá na área de Pirakuá, em Bela Vista. Segundo a família, o fazendeiro Líbero Monteiro de Lima queria que Marçal convencesse os índios a se mudarem dali. Às negativas de Marçal, seguiu-se sua execução, com cinco tiros, dia 25 de novembro de 1983. Lima foi julgado e absolvido por falta de provas por duas vezes, a última delas em 1998.

ATINGIDOS POR BARRAGEM

Chuvas agravam a trágica situação na Paraíba Chico Martins/Diário do Povo/AE

Ivandro de Sá Campina Grande (PB)

H

á vinte anos não chove tanto na Paraíba. Sem a infra-estrutura básica para comportar uma quantidade de água tão grande, o Estado agora sofre com a falta de planejamento, ao mesmo tempo em que festeja as chuvas que caem e acumulam água para os próximos anos. Conhecido como um Estado seco e com boa parte de território de clima semi-árido, a Paraíba hoje mostra um cenário bem diferente daquele que a fez famosa: açudes estão sangrando, pontes estão encobertas, cidades alagadas e plantações ameaçadas de perda por excesso de chuva. Cerca de 18 municípios já decretaram estado de calamidade pública, entre eles Aroeiras, onde se localiza a comunidade de Pedro Velho, que foi alagada pelas águas da barragem de Acauã.

FAMÍLIAS ATINGIDAS Parte do “Plano das Águas”, projeto do então governador e hoje senador José Maranhão, a barragem de Acauã teve sua construção iniciada em 1999 e inaugurada em 2002. Considerada a terceira maior barragem da Paraíba, Acauã é capaz de comportar até 250 milhões de metros cúbicos de água e custou, de acordo com fontes oficiais, R$ 68 milhões. A barragem também faz divisa com os municípios de Natuba, Itatuba e Aroeiras, no vale do Rio Paraíba, agreste paraibano, e irá abastecer diversas cidades, como Campina Grande (segunda maior cidade do Estado). Aproximadamente 800 famílias de seis comunidades diferentes tiveram sua história, suas casas e seus bens cobertos pelas águas.

Moradores de 18 municípios da Paraíba sofrem com as fortes chuvas e o descaso do governo

Em Pedro Velho, maior comunidade atingida, com aproximadamente 450 famílias, a situação é de total desolamento. Desde 2000, as famílias esperam por ações do Estado, que pouco fez. De acordo com Abel Andrade, um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) da Paraíba, “a comunidade não participou das primeiras negociações com o Estado e, se houve, foi com outras pessoas que não têm nenhum vínculo ou compromisso com o nosso povo”. Deslocados de sua cidade para

uma área mais alta, as famílias tiveram que optar por duas formas de indenização: aceitar uma casa em um conjunto habitacional ou receber o dinheiro da indenização – que só previa o ressarcimento das casas, deixando de fora os lotes e todo tipo de benfeitoria. Os que optaram pela casa frustraram-se ao perceber que não existiam os três modelos anunciados pelo governo, mas um único modelo, baseado no “Projeto Mariz”, que consiste em uma casa pequena e quente, feita de placas de concreto.

Os que optaram por receber o dinheiro da indenização também não se sentiram ressarcidos. “A indenização consistia apenas na construção das casas e mesmo assim a avaliação foi muito mal-feita, os valores eram irrisórios. Quando recebemos, dois anos depois, a desvalorização era muito grande e já não podíamos construir mais nada porque nem o dinheiro dava, nem havia local”, conta Andrade. Para fins de comparação, os moradores lembram que, na época da avaliação, um saco de cimento custava um pouco mais de

R$ 7 e, quando receberam o dinheiro, o mesmo saco estava custando em torno de R$ 16.

PROMESSAS DO GOVERNO Enquanto esperavam ações governamentais, os que ainda viviam na cidade de Pedro Velho foram pegos de surpresa com o rápido acúmulo de água decorrente das chuvas. Técnicos afirmaram que a barragem só estaria completamente cheia em seis a oito anos, mas em sete dias a barragem saltou de 3% de sua capacidade para mais de 50%. Em torno de 200 famílias tiveram que sair, apressadamente de suas casas, deixando seus animais e bens materiais, além de terem perdido plantações e sementes. Alojadas na igreja, na escola e em casas de amigos, as famílias sofrem também com a fome, a falta de trabalho e o isolamento. Morando em um local de difícil acesso, com estradas extremamente acidentadas e cortadas por rios que se formaram com as chuvas, as famílias não têm como se deslocar, nem onde trabalhar. Articulado com o governo federal, o MAB conseguiu a liberação de 18 toneladas de alimentos, entregues em dezembro e distribuídos a todas as comunidades atingidas por Acauã. O atual governador Cássio Cunha Lima visitou Pedro Velho e se comprometeu a arranjar uma nova área para a construção das demais casas, mas não apresentou proposta de trabalho para as famílias. Disse apenas que as famílias poderiam colocar os animais sobreviventes em uma área do Denocs. Segundo Andrade, “é dever do governo dar condições a essas famílias, pois foi ele que criou essa situação. Exigimos melhores condições de vida e de trabalho”.


Ano 2 • número 49 • De 5 a 11 de fevereiro de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO

Mercosul defende abertura comercial Bloco não aproveita fragilidade momentânea dos EUA e faz proposta que prejudica trabalhadores e pequenas empresas

N

a primeira reunião depois da 8ª Rodada Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o Mercosul está defendendo a assinatura de um acordo que contempla uma abertura comercial abrangente, mas entendimentos mínimos em temas como propriedade intelectual, compras governamentais e investimentos. Esse foi o eixo da proposta apresentada pelos quatro países do bloco comercial (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) em Puebla, durante a reunião do Comitê de Negociação Comercial (CNC), durante os dias 3 e 6. A oferta rivaliza com a proposta de um grupo de cinco países – Canadá, Chile, Costa Rica, Estados Unidos e México – que querem uma Alca com acordos ambiciosos nas áreas sensíveis para o Mercosul. Embora se mantenha no processo negociador, a Venezuela foi o único país que tinha como perspectiva apresentar uma nova proposta de integração das Amércias. Até o final do primeiro dia das negociações, os diplomatas estavam otimistas com as conversas preliminares. “O tom g eral é que, pela primeira vez, há muito mais convergência do que antes”, explica Ademar Mineiro, representante da Rede Brasileira de Integração

a proximidade das eleições, George W. Bush seria prejudicado se a estratégia estadunidense fosse combatida. Isso faz com que o país seja condescendente com a proposta da Alca light, embora tente ampliar um pouco esse leque de ofertas.

João Peschanski

Jorge Pereira Filho da Redação

DE BOBEIRA

Em Cuba, movimentos iniciaram a discussão de um projeto alternativo de integração das Américas

dos Povos (Rebrip), que está em Puebla. Tudo indicava que eram mínimas as divergências entre os negociadores, que mantêm a perspectiva de implantar a Alca em 2005.

TREM EM MOVIMENTO A Alca batizada de light foi lançada em Miami como uma cartada para superar os impasses que estavam bloqueando as negociações. A proposta, apresentada pelo Mercosul, consiste em fazer

um acerto mínimo entre os países e seguir avançando na discussão de um acordo mais amplo. O problema é que todos os temas continuam em negociação, ameaçando a soberania dos povos. “A Alca light, como querem chamá-la, contém o principal da proposta anterior estadunidense. Querem colocar o trem da Alca para andar, mesmo que esteja com alguns vagões vazios. Depois, vão tratar de preenchê-los”, analisa o economista mexicano Alberto

Arroyo, que está em Puebla com a Aliança Social Continental (associação dos movimentos sociais contra o livre comércio). O que causou surpresa, na reunião do CNC, foi a postura flexível do Mercosul. “É preocupante que esses países estejam realmente muito interessados em chegar a um acordo, em vez de manter uma posição mais crítica”, observa Arroyo. Os Estados Unidos chegam em Puebla em uma posição frágil. Com

Já o Mercosul não estaria aproveitando essa vantagem momentânea. Os países do bloco querem uma abertura comercial indiscriminada para os setores agrícola e industrial, o que reforça a defesa do livre comércio como base de integração das Américas, favorecendo grandes exportadores e transnacionais. Quem perde, com essa posição, são pequenos empresários e trabalhadores. “É uma falácia que o livre comércio poderá resolver as questões sociais. Nós, no México, sabemos quantos problemas o Nafta (Área de Livre Comércio da América do Norte) trouxe em dez anos. Os trabalhadores ganham menos, por mais tempo de trabalho”, critica Arroyo. Até o fechamento desta edição, eram três os temas principais que concentravam a discussão em Puebla, e impediam o consenso. Os Estados Unidos não aceitavam reduzir subsídios agrícolas, ao mesmo tempo em que insistiam para arrancar um acordo ambicioso na regulação da atuação das empresas públicas, nos setores de telecomunicações e financeiro.

João Alexandre Peschanski Enviado especial a Havana (Cuba) “Derrotar a Área de Livre Comércio das Américas em todos os seus formatos – total, light ou à la carte, além dos tratados de livre comércio bilaterais ou sub-regionais.” Este é o objetivo da Campanha Continental de Luta contra a Alca em 2004, segundo o plano de luta divulgado dia 29, no encerramento do III Encontro Hemisférico de Luta contra a Alca, em Cuba. Lá, 1.230 pessoas, de 35 países, participaram do evento que começou no dia 26. Para João Pedro Stedile, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da campanha continental, a meta é ambiciosa, mas, mais do que nunca, possível. “Em 2003, conseguimos organizar diversas mobilizações, e muitas delas foram vitoriosas, como em Cancún, na resistência à Organização Mundial do Comércio (OMC). Com maior acúmulo de forças, podemos barrar a Alca ainda este ano”, comentou. Segundo o acordo estabelecido na 8ª Reunião Ministerial da Alca, em Miami (EUA), em novembro passado, a área de livre comércio está prevista para começar no início de 2005. O encontro reforçou a unidade dos movimentos sociais em torno da estratégia comum de barrar a ofensiva dos Estados Unidos sobre a América Latina. Além do combate à Alca, as organizações presentes se articulam contra o livre comércio e a Organização Mundial do Comércio (OMC), opõem-se à militarização do continente e defendem o não-pagamento da dívida externa. “O inimigo dos povos das Américas não é apenas este acordo de livre comércio, mas toda a agenda neoliberal e o imperialismo do governo estadunidense”, afirma Ricardo Gebrim, da Consulta Popular.

AÇÕES SIMULTÂNEAS Em Cuba, os movimentos avançaram também na construção de uma agenda continental de mobilizações e iniciaram a discussão

Victor Rojas/AFP

Movimentos unificam estratégia contra Alca

Movimentos sociais da América Latina prometem intensa mobilização contra a estratégia de dominação do capital financeiro e a hegemonia dos Estados Unidos

de um projeto alternativo de integração das Américas. “Entramos na reta final das negociações e chegou a hora de reforçar as ações em todos os países”, explica Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres. Quatro mobilizações simultâneas estão agendadas para 2004. A primeira será em 20 de março, dia mundial de protestos contra a guerra e a ofensiva militar dos

Estados Unidos. Em 24 de abril, as manifestações serão contra o pagamento da dívida externa e as instituições financeiras multilaterais, como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 29 de agosto, os movimentos vão sair às ruas em solidariedade aos estadunidenses que estarão mobilizados em Nova York, durante a convenção do Par-

tido Republicano, quando deve ser definida a candidatura de George W. Bush para concorrer à reeleição à presidência dos Estados Unidos. E ainda, no segundo semestre, é aguardada uma grande jornada de luta contra a Alca, durante a 9ª Reunião MInisterial, prevista para ocorrer no Brasil. O documento final do encontro de Havana propõe, também, ações

Fidel ataca política imperialista de Bush Encarregado do discurso de encerramento do III Encontro Hemisférico de Luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o presidente cubano, Fidel Castro, afirmou que George Bush acentuou a política imperialista dos Estados Unidos, com o objetivo de assegurar a dominação da América Latina e isolar Cuba. Segundo ele, Bush, com o apoio de grupos anticastritas exilados em Miami, pretende assassiná-lo e invadir o país.

Durante seu discurso de cinco horas e meia, o líder cubano afirmou que os movimentos sociais do continente estão cada vez mais fortes e prontos para criar várias alternativas para construir um mundo melhor, respeitando as diferentes culturas e situações dos países. Segundo Fidel, “o importante é ter claro a direção e o caminho da luta - e é isto que a Campanha Continental de Luta contra a Alca trouxe”. Ele salientou que a crise é

o motor da mudança e o momento em que surgem as revoluções. Fidel exaltou o espírito de luta e a seriedade que sentiu no encontro de Havana, fazendo-o lembrar da resistência do povo de seu país durante os 45 anos transcorridos desde a Revolução Cubana. Para ele, na luta contra a Alca, é preciso usar todas as formas disponíveis de comunicação para levar idéias e informação ao povo, para darlhe educação e mobilizá-lo. (JAP)

estratégicas para intensificar a resistência ao livre comércio. Os movimentos planejam estimular a construção de comitês ou plataformas unitárias para lutar contra o neoliberalismo. Também se pretende criar uma frente de parlamentares e de uma rede jurídica hemisférica contra a Alca. Outra ação é se aproximar de outras campanhas específicas, como os movimentos que lutam contra a privatização ou a apropriação de recursos naturais. As organizações presentes no encontro também assumiram a tarefa de construir uma alternativa de integração das Américas, com participação popular. “Vamos estimular o debate e a formulação de uma proposta que atenda às necessidades dos povos, e não aos interesses do capital e das transnacionais”, explica Nalu Faria. O Fórum Social das Américas, que deve ocorrer de 25 a 30 de julho, em Quito (Equador), foi definido como principal evento para a elaboração deste plano alternativo. (Colaborou Jorge Pereira Filho)


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De 5 a 11 de fevereiro de 2004

AMÉRICA LATINA PERU

CIA é suspeita de tráfico de armas Ive de Santana Cunha de Lima (Peru)

G

anha força a versão de que a Central de Inteligência Americana (CIA) estaria envolvida na operação de venda de armas para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 1999. A manobra clandestina teria sido articulada por Vladimiro Montesinos, ex-assessor do serviço secreto da ditadura de Alberto Fujimori no Peru, resultando na entrega de 10 mil fuzis AKM-47 alemães para a guerrilha colombiana. “Há vários indícios que provariam esta relação”, afirmou o procurador anticorrupção da Justica peruana, Ronald Gamarra, para o jornal El Comercio. O assunto retornou às primeiras páginas dos jornais peruanos em janeiro, com o início do julgaPlano Colômbia – mento público Pacote antidrogas de Montesinos do governo estadunidense, que cone outros 35 ensumiu 1,3 bilhão de volvidos, pelo dólares e que inclui crime de violaapoio financeiro e ção e conspiraassessoria militar. ção contra um Estado estrangeiro (Colômbia) e de tráfico de armas. Em suas declarações, Gamarra pondera que a natureza da operação escaparia do raio de ação da máfia montesinista, envolvendo uma rede internacional de informações. Segundo ele, soma-se aos indícios a negativa da CIA em colaborar com a investigação oficial peruana. As conclusões de

Paco Medina/AFP

Ex-assessor do serviço secreto da ditadura de Fujimori é acusado de entregar dez mil fuzis para as Farc

Justiça peruana investiga participação da CIA na corrupção que envolveu Vladimiro Montesinos e o ex-presidente Fujimori

Gamarra baseiam-se em dois anos de investigação.

SUSPEITAS CONFIRMADAS A CIA teria interesse na operação para acirrar o conflito e colocar em marcha o “Plano Colômbia”, apressando a entrada do exército estadunidense na Amazônia colombiana. Diante dos documentos e entrevistas com os principais envolvidos, haveria duas hipóteses: ou a CIA estaria ciente da operação e teria deixado acontecer, ou desem-

penhou um papel ativo no caso. Hoje, já se sabe que houve participação direta de pelo menos dois personagens conhecidos internacionalmente por prestarem serviços como informantes para a CIA, entre eles o traficante de armas Sarkis Soghanalian, conhecido como “O mercador da morte”. Sabe-se também que no depoimento dos principais envolvidos há menção da CIA de alguma forma. O chefe de protocolo do Ministério de Relações Exteriores da Jordânia, Atef Halasa,

declarou em 2 de outubro de 2000 que o governo estadunidense estava ciente da venda de armas para o Ministério da Defesa peruano e que teve aval da CIA.

GOLPE JURÍDICO A menção de que Montesinos havia “trabalhado com a CIA” veio de um dos irmãos Áybar Cancho, o Luis Frank, em entrevista à revista Cambio, de Bogotá. Dois protagonistas do caso, os irmãos Luis Frank e José Luis, teriam pa-

HAITI João Peschanski

PRESOS CUBANOS

Cresce pressão pela renúncia de Aristide da Redação

Campanha internacional pede liberdade para os cinco cubanos presos nos Estados Unidos, acusados de conspiração

Advogados apostam em nova audiência da Redação Os advogados de defesa dos cinco cubanos detidos em prisões dos Estados Unidos preparam os detalhes do pronunciamento ante a corte de apelação do 11º Circuito, previsto para acontecer em Miami, Flórida, dia 10 de março. Leonard Weinglass, representante legal de Antonio Guerrero, explicou que a equipe de defesa está otimista em relação ao resultado do pronunciamento, apesar do clima anticubano rodeando o caso e que pode inibir que os fatos e a lei prevaleçam. Além de Guerrero, René González, Fernando González, Gerardo Hernández e Ramón Labañino cumprem severas penas, que variam de 15 anos de privação de liberdade até duas penas de prisão perpétua.

De acordo com o portal Cuba Debate (www.cubadebate.cu), o caso é apenas um dos quatro que a corte estadunidense escutará em 10 de março, em um tempo considerado “excelente”: 15 minutos. Será apresentada uma moção formal ante à corte, para solicitar tempo adicional devido à extensão do julgamento e à amplitude das provas documentais. Weinglass, referindo-se aos principais aspectos da apelação, disse entre outras coisas que os advogados sustentarão que Miami

foi a pior jurisdição para esse julgamento, por causa do ambiente anticubano criado pelos grupos de extrema direita. Para ele, as sentenças são excessivas e ilegais, de acordo com a lei estadunidense. A defesa leu cerca de 700 páginas de argumentos escritos, assim como a resposta da fiscalização, de aproximadas 100 páginas. Indiciou e considerou que, baseados nos argumentos escritos, o caso é caracterizado como ação contra o governo. (Prensa Latina)

A renúncia do presidente Jean Bertrand Aristide é essencial para resolver a atual crise que vive o país, afirmam os organismos civis reunidos na Plataforma Haitiana em Defesa de um Desenvolvimento Alternativo (PAPDA, na sigla em francês). A oposição destaca que Aristide traiu as reivindicações centrais do movimento Lavalas, tornando-se cúmplice das políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Dizem que ele se recusa a desenvolver as verdadeiras políticas que permitam transformar a situação de marginalização e exploração das massas haitianas. Acusam o governo de submergir na imoralidade, na corrupção e na violação sistemática dos direitos mais elementares dos cidadãos. Entre os presumíveis atos de corrupção, a Plataforma menciona a comercialização de arroz importado dos Estados Unidos, para enriquecimento pessoal de alguns dirigentes da organização oficial

Fanmi Lavalas. Acusa também o roubo de poupanças e dos bens de uma faixa importante da população, através de um sistema de pseudo-cooperativas, e o tráfico de influências a favor de uma universidade privada da Fundação Aristide em detrimento da Universidade Estatal do Haiti. Milhares de pessoas marcham quase diariamente pelas ruas de Porto Princípe exigindo a renúncia imediata de Aristide, que anunciou sua intenção de convocar eleições legislativas em seis meses. Desde novembro de 2003, os enfrentamentos entre detratores e seguidores do presidente haitiano deixaram como saldo 40 mortos e dezenas de feridos. O país vive uma grave crise, particularmente porque a oposição e o governo não conseguem concordar sobre a formação de um conselho eleitoral, encarregado de organizar novos comícios. Além disso, o Haiti encontra-se sem parlamento desde 13 de janeiro, depois do fim do mandato de 83 deputados e de dois terços de seus 27 senadores.

REPÚBLICA DOMINICANA

País vive crise em tempos de eleição Evandro Bonfim de Santo Domingo (República Dominicana)

ILEGAIS ATÉ NOS EUA A defesa insiste que os cubanos foram sentenciados sem que a fiscalização apresentasse provas de sua culpa. “Os cinco”, como ficaram conhecidos internacionalmente, foram acusados de conspirar e atuar como agentes estrangeiros, quando apenas recolhiam informação sobre ações terroristas que se desenvolviam contra Cuba no sul da Flórida.

pel operacional na compra e venda das armas. O chefe nominal do Serviço de Inteligência Nacional (SIN) do Peru na época, Humberto Rozas, revelou que Montesinos teria dito: “Traíram-me”, ao perceber que perdia a solidariedade dos agentes de inteligência estadunidense. O indício mais contundente, porém, permanece obscuro. Os agentes da CIA, supostamente citados por Montesinos em suas declarações, teriam se recusado a prestar testemunho oficial. Isso impediria a divulgação de seus nomes. O FBI teria declinado em responder se investigava o caso, segundo o livro El Espía Inperfecto, das jornalistas Sally Bowen e Jane Holligan, publicado em 2003. A investigação do governo dos EUA sobre tráfico de armas para as Farc também não deixa claro se inclui o papel de Montesinos nesse episódio. No último dia 20, quando da primeira audiência do julgamento de Montesinos, sua defesa exigiu o depoimento do chefe máximo da CIA, George Tenet, como tentativa de adiar a sessão. O pedido foi negado. Dentre a enxurrada de processos contra o ex-homem forte da ditadura Fujimori, este caso conta com as provas mais sólidas e tem a maior penalidade prevista, 20 anos de prisão, notou o procurador Gamarra. A próxima audiência acontece no dia 7, na Base Naval de Callao, em Lima.

Em 11 de janeiro, os trabalhadores da República Dominicana paralisaram o país com uma greve geral em repúdio aos esforços do presidente Hipólito Mejía, do Partido Revolucionário Dominicano. O presidente quer se candidatar à reeleição na disputa eleitoral deste ano através de manobras jurídicas. A jornada de protestos resultou na morte de sete pessoas e 30 feridos.

O presidente Mejía não demonstra a intenção de renunciar à tentativa de se reeleger. Depois das mortes na última manifestação – pelas quais ainda não foram apontados os responsáveis –, os setores sociais, encabeçados pelos partidos políticos de oposição, realizaram uma greve geral nos dias 28 e 29. As paralisações gerais têm sido a principal forma de reivindicação dos dominicanos, resultando sempre em repressão governamental. Segundo a Confederação Dominicana de Unidade Evangélica (Codue), que

representa mais de 4 mil igrejas no país, o motivo da rejeição popular a um novo mandato de Mejía deve-se ao agravamento do quadro social. Mais de 60% da nação vivem em extrema pobreza. A crise energética produz constantes cortes no abastecimento doméstico. Constam da lista o crescimento da inflação, a desvalorização da moeda, o desemprego (perda de mais de 650 mil postos de trabalho no país), o endividamento externo e o gasto público em decorrência do acordo com o Fundo Monetário Interna-

cional (FMI) para a realização dos Jogos Panamericanos em 2003 na capital Santo Domingo. A crise no país também se evidencia pela possibilidade do presidente da Suprema Corte de Justiça, Jorge Subero, renunciar ao cargo por pressões que vem sofrendo para que se demita. A Codue teme ainda a radicalização dos conflitos pelo lado popular, pois a organização foi acusada de apoiar Mejía pelo simples fato de ter comparecido a um encontro, para tratar das questões do país. (Adital)


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INTERNACIONAL EQUADOR

Líder indígena sobrevive a atentado I

ndignação e revolta. Esse é o sentimento manifestado pelos equatorianos, depois da tentativa de assassinato de Leonidas Iza, dirigente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). O atentado aconteceu dia 1º, quando Iza voltava do 3º Encontro Hemisférico de Luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), realizado em Havana, Cuba. Iza foi atacado por dois desconhecidos ao chegar à sede social da Conaie, localizada ao norte de Quito. No atentado ficaram feridos a mulher de Iza, seu sobrinho Camilo e seu irmão Rodrigo. Contudo, a vítima mais grave foi Javier, filho de 22 anos do líder indígena, atingido à queima-roupa no abdome e no rim. Leonidas Iza é um dos principais líderes sociais que encabeçam a oposição às políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) do governo presidido pelo coronel Lucio Gutiérrez. Segundo ele, o atentado ocorreu por dizer as verdades e opor-se à política nefasta do governo nacional. “Estamos fazendo oposição à Alca, à privatização das empresas públicas, para que não subam os preços da luz e do gás. Mas isso não atemoriza o povo equatoriano. Os pobres continuarão a luta”, acrescentou.

ONDA DE VIOLÊNCIA Humberto Cholango, presidente da Ecuarunari, a maior organização indígena da Conaie, lembrou que a ordem de perseguir dirigentes vem da presidência. “No Equador, se respira um ar de perseguição política, de assassinatos e de ditadura”, disse. Gilberto Talagua, do movimento Pachakutik, responsabilizou as “atitudes ditatoriais e criminais do presidente Gutiérrez, porque, segundo ele mesmo disse aos grupos de oposição, aplicaria todo o peso das armas. Ricardo Ulcuango, deputado e integrante do movimento Pachakutik, exigiu que as autoridades iniciem uma séria investigação para determinar os responsáveis pela tentativa de assassinato do presidente da Conaie. “O governo tem a obrigação de cuidar da vida dos equatorianos e particularmente da vida de dirigentes indígenas que vêm sendo ameaçados faz muito tempo”, disse. Ele explicou que há alguns meses vários dirigentes indígenas recebem ameaças. Segundo o deputado, as ameaças”fazem parte de um projeto político repressivo que se vai consolidando no país, contra a própria democracia”. O atentado contra Iza se produz em um clima de crescente insegurança e intimidação. No dia 30, foi assassinado Patricio Campana, funcionário da empresa estatal Petroecuador, que desenvolvia uma investigação sobre roubo de combustíveis. (Com agências)

Leonidas Iza e a mulher Josefina Anguisaca visitam o filho, Javier após o atentado sofrido pela família: lideranças indígenas acusam governo

Antes do crime, Iza denuncia ameaças João Alexandre Peschanski enviado especial do Brasil de Fato a Havana (Cuba) Dois dias antes de sofrer um atentado em Quito, o presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), Leonidas Iza, afirmou que recebera ameaças de morte por causa da resistência de sua organização ao projeto neoliberal do presidente equatoriano, Lucio Gutiérrez. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, durante o 3º Encontro de Luta contra a Alca, que ocorreu de 26 a 29 de janeiro em Havana, Cuba, Iza disse que a mobilização do povo de seu país é a única forma de mudar os rumos do governo. Brasil de Fato – Há alguns meses, a Conaie rompeu com Gutiérrez. Como está a relação com o governo agora? Leonidas Iza – Nós da Conaie temos um projeto político muito claro para o povo equatoriano. Queremos acabar com as desigualdades sociais e dar condições para o trabalho digno e com salário justo. Queremos um projeto alternativo de país. Na medida em que o governo não se mostrava disposto a lutar conosco por este projeto, saímos do governo. Não houve esforço do governo para viabilizar nossas propostas

João Peschanski

da Redação

Jorge Vinueza/AFP

Leonidas Iza, da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), responsabiliza o governo Gutiérrez

Quem é Leonidas Iza, líder indígena com origens na Ecuarunari, é presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) desde outubro de 2001.

e alterar os rumos de nosso país. Há muita corrupção no governo e ainda domina uma mentalidade política em que se beneficiam os ricos. Em resumo, Gutiérrez mantém o projeto neoliberal. Ele fala da macroeconomia e nunca da economia do povo, das necessidades do povo. De forma hipócrita, o governo diz que está dando autonomia para os pequenos agricultores, comerciantes e empresarios, mas sua política é não ter projeto para estes setores, deixa-os sem ajuda, enquanto dá incentivo às grandes corporações. Em todos os níveis do governo, não há benefícios para o povo. Em manifestações que devem ocorrer nos próximos meses, vamos mostrar ao governo que o movimento indígena não está desaparecido e que estamos prontos para lutar por nossos direitos.

BF – A grande imprensa equatoriana diz que o movimento indígena está dividido. Iza – Há alguns dirigentes que continuam com o governo, mas é uma minoria. Isso não afeta o núcleo da Conaie, que agora faz resistência a Gutiérrez. Não vamos tolerar um governo que faz acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) negociando nossa soberania. Os ajustes econômicos sacrificam o povo, pois desencadeiam um processo de privatização das empresas estatais que restam, sem falar da privatização de recursos naturais. BF – Já foi estabelecido um plano de lutas contra Gutiérrez? Iza – Em primeiro lugar, a Conaie está disposta a tornar públicas as mentiras do governo Gutiérrez. Em segundo, vamos organizar manifestações de rua em diversas cidades do país,

pois não temos outra alternativa. Tentamos durante muito tempo o diálogo com o governo, mas quando o diálogo é uma farsa, em que nada de positivo para o povo acontece, é hora de organizar a luta. Em terceiro, temos de ter claro que o governo Gutiérrez é perigoso, que reprime violentamente. Muitos dirigentes da Conaie estão sendo perseguidos. Até eu recebi ameaças de morte. A repressão aos movimentos sociais faz parte de um projeto de governo que prioriza as corporações ao povo. BF – A Conaie é uma das organizadoras do Fórum Social das Américas, que deve ocorrer em Quito (capital do Equador) de 25 a 30 de julho. Quais são os objetivos do evento? Iza – Mais uma vez pretendemos organizar meios e redes efetivas de lutar em conjunto pelos direitos do povo das Américas. Também queremos formular nossas propostas para uma outra integração do continente, que não se funde na Alca ou livre comércio, mas no respeito aos povos. Ao mesmo tempo será o momento de planejarmos nossa luta contra o neoliberalismo, pois acho que não se faz mudança nas Américas hoje sem luta e mobilização.

ARGENTINA

Kirchner fecha cerco às empresas privatizadas Daniel Merli de São Paulo (SP)

C

hega ao Congresso argentino, esta semana, um projeto de lei do presidente Nestor Kirchner que define regras mais claras para as empresas privatizadas. O projeto foi anunciado oficialmente quinta-feira, durante a visita de Kirchner à Espanha – um cenário simbólico, uma vez que os principais serviços terceirizados argentinos são operados por empresas espanholas, como Telefonica e Endesa, de energia. Se aprovada a nova lei, a mudança mais importante será o retorno da Casa Rosada ao centro do

planejamento econômico do país. Segundo o ministro do Planejamento, Julio de Vido – que apresentou o projeto em Madri – a lei deve instituir um modelo parecido com o implantado no caso dos pedágios argentinos. A concessão das rodovias, que terminou ano passado, foi renovada por Kirchner de forma diferente. Pela nova licitação, as empresas privadas cumprem funções bem menores – apenas administram os pedágios, cobram as tarifas e fazem tarefas mínimas de manutenção. O restante da cobrança é repassado ao governo, que utiliza a verba para novas obras. Kirchner também cortou o subsídio para as administradoras das estradas, que chegou ao equi-

valente a cerca de R$ 300 milhões por ano. O mesmo modelo, segundo de Vido, pode ser usado para as concessões de água, telefone e energia.

SERVIÇOS EM RUÍNA “A política de Kirchner em relação às privatizadas ainda não está definida, nem parece direcionada às nacionalizações massivas”, avalia Andrea López, professora de História na Universidade de Buenos Aires e autora do livro Fora de controle – a regulação dos serviços privatizados. “Mas, na ruína em que está a maior parte dos serviços privatizados, exigir que as empresas cumpram rigorosamente seus contratos já seria quase revolucionário”.

Segundo Andrea, o governo argentino tem se dedicado, até agora, às privatizações mais recentes, feitas no final do governo do expresidente Carlos Menem: “Foram contratos assinados por decreto, enfrentando forte oposição política”. Entra nesse grupo a privatização dos Correios, cancelada para que fosse feita nova licitação.

DENÚNCIA NA IMPRENSA E também a terceirização do controle do espaço radioelétrico (ondas de celular e rádio), que havia sido concedida por decreto a uma empresa militar francesa, a Thales Spectrum. O contrato foi anulado, semana passada, depois que o jornal francês Le Point denunciou

que a Thales vendia informações militares sobre a Argentina para o banco suíço Finego. O ministro argentino da Justiça, Gustavo Beliz, afirmou que o “escândalo será alvo de ações penais”. E anunciou que o serviço não voltará a ser privatizado por “também manejar informação de caráter reservado das Forças Armadas”. Ainda segundo Beliz, a empresa cumpriu apenas “30% do contrato de concessão”, já que teria desviado as tarifas arrecadadas – cerca de 900 milhões de dólares – para contas no exterior, em vez de investir em infra-estrutura. (Colaborou Natalia Alvarez. Portal Porto Alegre, www.planetaportoalegre.net)


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Um mês de mochila pela África Mirella Domenich especial para o Brasil de Fato em Moçambique e no Malauí

Alexander Joe/AFP

Conhecer Moçambique e Malauí por preços razoáveis, de ônibus e barco, é mais possível do que se imagina

O

Crianças da cidade de Beira, sudeste de Moçambique, ponto de partida da rota para o Malauí Alexander Joe/AFP

s guias turísticos classificam Moçambique, no Sudeste da África, como o tesouro escondido do continente. Se eles se referem às belezas naturais que fogem da rota dos resorts espalhados pela costa do país, os guias bem que têm razão. As praias, o povo, a cultura, a mata que dão vida a Moçambique são privilégio daqueles turistas que colocam a mochila nas costas e fogem do roteiro oficial de visita. Tome, por exemplo, como ponto de partida, Beira, na província (Estado) de Sofala, na região central, a segunda maior cidade do país. Não que Maputo, a capital, no Sul, não tenha lá seu interesse. Mas a proposta aqui é uma rota algo mais desconhecida – ou nem tanto. Em Beira há “chapas” (microônibus) como em Maputo, cinema, praças, vendedores ambulantes e caos, muito caos. É tão cosmopolita quanto a capital. Mas há praias mais bonitas, lá mesmo, na cidade. Menos gente – são cerca de 500 mil habitantes – e mais sujeira (a questão do lixo persiste como grave deficiência da administração pública em Moçambique). Em Nampula, no Norte, vale a pena conhecer o Museu Nacional Etnográfico, que documenta a história e a vida moçambicanas. Na parte de trás do museu, há uma galeria de arte onde artesãos preparam e vendem esculturas lapidadas na madeira. Se você estiver em Nampula num domingo de manhã, não perca a feirinha ao lado do Hotel Tropical. De Beira para Nampula, a paragem obrigatória é a cidade de Quelimane, à beira do Rio Bons Sinais. A cidade foi parcialmente destruída pela guerra civil de 17 anos, que terminou em 1992. Dos tempos antigos, restam a catedral e a mesquita, só freqüentada por homens, mas que permite a visita de mulheres. Se o interesse é ver uma cidade africana moderna, vá até Nacala, a três horas de Nampula. Só não passe antes pela praia Fernão Veloso, porque a curiosidade pela cidade vai ficar de lado. Nacala fica a três horas da Ilha de Moçambique, um dos lugares mais fascinantes do país. A “ilha”, como é conhecida, foi a primeira capital de Moçambique. Tem três quilômetros de comprimento e apenas 500 metros de largura, no trecho mais largo. É um convite à caminhada. A população muçulmana e da nativa cultura makua são dominantes e vivem em harmonia com uma minoria cristã e hindu. Depois da construção de um terminal ferroviário em Nacala, em 1947, e de um porto, nos anos 50, a ilha perdeu seu interesse econômico. Hoje metade da cidade é fantasma, com ruínas de antigos casarões. Seu conjunto arquitetônico foi tombado pelo Patrimônio Histórico Mundial em 1991.

Moçambique Localização: Sudeste da África Nacionalidade: moçambicana Capital: Maputo Línguas: português (oficial), chona, tonga, chicheua, macondé Divisão política: dez províncias Regime político: república presidencialista População: 19 milhões de habitantes (2002) Moeda: metical (cotação: 1 dólar = 23 mil meticais) Religiões: animismo (50%); cristianismo (38%); islamismo (10%) Hora Local: + 5 Malauí Localização: sudeste da África Nacionalidade: malauiana Capital: Lilongüe Línguas: chicheua, inglês (oficial) Divisão política: quatro regiões Regime político: república presidencialista População: 11,8 milhões de habitantes (2002) Moeda: quacha malauiana (cotação: 1 dólar = 110 quachas) Religiões: cristã (76%); islâmica (14%) Hora Local: + 5

Grupo de dança tradicional recepciona turistas em Blantyre, principal cidade do Malauí

Malauí é coração caloroso do continente O Malauí, no Sudeste da África, gosta de se auto-intitular “o coração caloroso do continente”. Se é sua população que está sendo levada em consideração, a fama faz muito sentido. O povo é amável, tímido e hospitaleiro. Não que o moçambicano não o seja. Malauí é um dos países mais seguros da África. Um exemplo: basta comparar o passeio pelo centro de Blantyre, a segunda maior cidade do país, com uma caminhada em Beira, em Moçambique. O número de pessoas que param o turista na rua, para pedir dinheiro ou comida, é muito menor do que em Beira. Em Blantyre, há muitos bares, restaurantes e mercados. Algumas

das construções lembram a colonização inglesa, com casas e igrejas feitas de tijolinhos. Blantyre tem mais diversidade de serviços do que Beira, mas não tem praia. A cidade é parada obrigatória para quem entra no país sem visto, vindo da África do Sul, ou, se seguir nosso roteiro, direto do Norte de Moçambique. Nas fronteiras, o turista recebe um papel de entrada que deve ser levado à sede da polícia, em Blantyre, onde o visto é conferido por 3 mil quachas malauianas (cerca de 27 dólares ou R$ 78). A grande atração do país, no entanto, é o lago Malauí, que

DICAS DE VIAGEM

Orçamento: Recomenda-se calcular, em média, 3 dólares (cerca de R$ 9) por dia em Moçambique, e 2 dólares no Malauí para acomodação. Se preparar sua própria comida, a média, por dia, será de 1,5 dólar. Acomodação: Sempre que se chegar em alguma cidade, é bom perguntar qual a pousada mais barata. Se não se frisar bem isso, haverá indicação de hotéis que fogem do orçamento. Não é preciso fazer reservas, e, na maioria dos casos, nem é possível. Transporte: Quando as distâncias levarem menos de 4 horas ou 5 horas, é preferível ir de microônibus. Eles são mais rápidos porque não fazem muitas paradas. Há a possibilidade, em alguns lugares, de existirem ônibus expressos, sem paradas. Segurança: Os casos mais comuns contra estrangeiros são os de batedores de carteira. Aconselha-se evitar carregar mochilas nos centros comerciais. Nas pousadas, recomenda-se verificar se o quarto tem chave, e não mostrar seus pertences a ninguém. Comunicação: Em Blantyre e Beira pode-se acessar a internet por 3 dólares a hora. O preço de uma ligação telefônica para o Brasil é de 0,5 dólar o minuto, de Moçambique, e 1 dólar do Malauí.

ocupa praticamente metade do território malauiano. E é para lá que nós vamos. A primeira parada é Cape McClear, onde há várias pousadas à beira do lago. A praia é formada por uma pequena extensão de areia. À noite, com a luz da lua, o lago apresenta diferentes tonalidades. Parte de Cape McClear pertence a uma reserva natural. Por isso, não se assuste se um guarda se aproximar e cobrar uma entrada de 500 quachas (cerca de 4,5 dólares ou R$ 7) mesmo que você esteja

apenas nadando, observando os peixinhos. O melhor é deixar o local e ir para a parte do lago que não pertence à reserva. A próxima visita é a Monkey Bay, a uma hora dali. É de lá que parte o barco Ilala, rumo a Nkhata Bay, no Norte do país. Viajar no Ilala pode despertar dois sentimentos, de conforto ou de pesadelo. Na cabine de primeira classe, o ambiente é agradável, há acesso ao deque superior do barco e ao restaurante. Custa 5.5 mil quachas por pessoa. Na cabine de segunda classe, as pessoas dormem em bancos. Quem chegar primeiro, leva a melhor. Mas, para quem é mochileiro, tudo vale. Por 1,2 mil quachas chega-se ao mesmo lugar. A terceira classe não é aconselhável. Depois de dois dias e meio, chega-se a Nkhata Bay, também na beira do lago. Vale visitar as várias oficinas de artesãos. Hora de comprar lembrancinhas. A viagem está no fim. De Nkhata Bay a Blantyre. E, de lá, para Johannesburgo e Brasil. (MD)


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NACIONAL MULHERES

Promotoras populares fazem Justiça Donas de casa e representantes de comunidades da periferia fazem curso para atuar em defesa dos direitos das mulheres Tatiana Merlino da Redação

Formatura das alunas do curso de promotoras legais populares, em 2002

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres está em ritmo de reorganização – com a reforma ministerial, a ex-ministra Emília Fernandes deu lugar à ex-reitora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Nilcéa Freire. A nova ministra será uma surpresa, na

opinião de Nalu: “Ela não é conhecida no meio feminista, vamos ver no que vai dar”. Com governo, ou sem governo, os movimentos feministas já começam a se preparar para o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Entre os principais temas que prometem

Paulo Pereira Lima

Em novembro do ano passado, foi criada uma lei (nº 10.750) que designa o ano de 2004 como o “ano da mulher”. Com isso, o governo federal pretende estimular debates, promover atividades e buscar políticas públicas para que as mulheres conquistem igualdade e justiça social. Até agora, a principal atividade está marcada para o meio do ano: a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, programada para 17 a 19 de julho, em Brasília. No entanto, os movimentos populares do setor ainda não foram convocados para participar das atividades. “Ainda não vi propostas, políticas, recursos, nem diálogo com o movimento feminista”, afirma Nalu Faria, coordenadora da Sempre Viva Organização Feminista (Sofi), que teme que a lei seja uma estratégia de marketing político.

divulgação

Comemorações, mobilizações e debates

“A

prendi a brigar pelos meus direitos”, conta Roseli Aparecida Pavan. O orgulho tem razão de ser, pois em 2003 ela se tornou promotora popular legal, assim como centenas de mulheres que atuam como conselheiras em direitos humanos nas periferias das grandes metrópoles do país. As promotoras legais populares orientam casais em litígio, crianças, adolescentes, ajudam pessoas vítimas de qualquer tipo de violência, mas, principalmente mulheres. Em 2002, Roseli foi procurar o conselho tutelar do bairro onde mora, Itaquera, zona leste de São Paulo, para resolver problemas de seu filho. Lá foi convidada a participar do curso de promotoras legais populares. Hoje, a vida da exdona de casa mudou. Ela aconselha desde moradores de seu bairro até qualquer pessoa que encontre “na rua, supermercado, ônibus, que não tenham seus direitos respeitados”. Assim como Roseli, Maria Aparecida de Lima dedica grande parte de seu tempo à defesa de vítimas de violações de direitos humanos. Cida, como é conhecida, participou do segundo curso de promotora legal popular de São Paulo, em 1995. Um ano depois, ajudou na fundação do Centro Maria Miguel, criado para defender direitos das mulheres. Situado no bairro de Vila Mara, São Miguel Paulista, zona leste da capital paulista, o Centro atende mulheres vítimas de violência física, moral, psicológica e sexual. Na equipe há cerca de dez pessoas, das quais três advogados voluntários. A casa atende de oito a doze mulheres por dia, mas é nas manhãs de quinta-feira que acontece o encontro com os advogados, após uma sessão de relaxamento. “Procuramos resgatar a auto-estima dessas mulheres”, conta Cida. “Desde a fundação, o Maria Miguel já atendeu mais de oito mil casos”, orgulha-se a promotora popular, que tinha uma trajetória militante no movimento feminista, mas acredita que o curso foi fundamental para sua formação.

de promotoras, que começa dia 7, há 200 mulheres inscritas, mas Inês acredita que nem todas poderão participar. “Nossa capacidade é de 100, 110 participantes, mas vamos ver o que podemos fazer”, diz. Ela lembra que nos últimos anos a procura aumentou muito. A promotora Roseli é prova disso, pois indicou 20 pessoas de seu bairro para participarem do curso este ano.

VISITAS A PRESÍDIOS

CAPACITAÇÃO NA PERIFERIA

No Centro Maria Miguel, na zona leste de São Paulo, mulheres estudam a Constituição brasileira fazem relaxamento antes do encontro com advogados

Cida conta um dos muitos casos bem-sucedidos que passaram pelo Maria Miguel: “Ela chegou aqui toda machucada, depois de ter sido espancada pelo marido. Tinha 36 anos e já era avó. Fez o curso de promotora legal popular e hoje está terminando a faculdade de biologia. Divorciou-se, tem um namorado e dá palestras contando sua experiência de vida”. Entretanto, nem todos os casos podem ser comemorados. Cida lembra de muitas mulheres que “acabam voltando para a situação de violência”. Ela atribui isso ao machismo na sociedade e diz que, mesmo com o trabalho de centros de defesa da mulher e dos cursos de promotoras, “o trabalho é árduo, ainda falta muito a ser conquistado”. A idéia de capacitação de mulheres para a questão jurídica surgiu em países como Chile e Peru, há mais de 20 anos. No início da década

atribuições, conceitos básicos sobre direito familiar, Ministério Público, Estatuto da Criança e do Adolescente, ginecologia e atendimento à saúde da mulher. As aulas são dadas por voluntários, entre eles profissionais da área de direito e saúde e do movimento feminista. O curso começou na capital paulista. Hoje abrange cidades como Campinas, Santo André, São José dos Campos, Sorocaba, Suzano e Taubaté. “Nosso trabalho é de formiguinhas”, diz Inês, lembrando que depois dos cursos muitas mulheres abrem pequenas associações nas periferias, como o Centro Maria Miguel. Com duração de seis meses, o curso acontece aos sábados, das 9h às 13h, no Espaço Cidadania, uma sala cedida pela Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, no centro da capital. Para o décimo curso

de 90, o projeto veio para o Brasil durante um seminário latino-americano sobre direitos da mulher. Duas advogadas feministas gaúchas participaram do encontro e um ano depois fundaram a associação Themis. Funcionando em Porto Alegre, a associação promove cursos para capacitar mulheres de periferia. Em São Paulo, o curso existe desde 1994 e é fruto da parceria da entidade União das Mulheres com as

organizações não-governamentais Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (Ibap) e Ministério Público Democrático (MPD).

PROFESSORES VOLUNTÁRIOS Inês Büschel, promotora aposentada e uma das coordenadoras do projeto paulista explica que o curso não é jurídico. As aulas são sobre temas como constituição brasileira, divisão dos Poderes e suas

Rio Grande do Sul é pioneiro no serviço A organização não-governamental (ONG) gaúcha Themis é pioneira na formação de promotoras legais populares no Brasil. Fundada em 1993, com sede em Porto Alegre, a ONG tem um projeto diferente do que é desenvolvido em São Paulo. Os cursos duram de quatro a cinco meses e as líderes comunitárias são capacitadas na área legal: noções básicas de direito, direitos humanos das mulheres e funcionamento do Estado.

vir a debate estão a mercantilização do corpo, a inserção da mulher no mercado de trabalho, saúde e campanha contra a Alca. O debate sobre violência ganhará mais destaque em 25 de março, Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher. Líderes indígenas estarão reunidas no IV Encontro Continental de Mulheres Indígenas, marcado para março, no Peru – a data, celebrada há 23 anos, relembra as irmãs Mirabal, brutalmente assassinadas na República Dominicana durante o regime do ditador Rafael Trujillo, em 1960. Dentro desse espírito, o Brasil de Fato promove uma série de reportagens sobre as questões femininas. Na edição anterior (número 48), foi abordado o problema do tráfico de mulheres. Nesta edição, um exemplo de iniciativa de sucesso: as promotoras legais populares.

Os professores são profissionais de direito, da área de saúde, educação, ciências humanas e integrantes de movimentos sociais. Em 1996, surgiu o Serviço de Informação à Mulher (SIM), espaço de atuação das promotoras para orientação sobre as violações de direitos humanos de mulheres da comunidade. O SIM também planeja e articula ações de educação comunitária em parceria com escolas, conselhos tutelares e postos de

saúde localizados em cinco microregiões de Porto Alegre. O projeto resultou na multiplicação da metodologia de capacitação legal junto a 22 ONGs de sete Estados brasileiros. Além disso, a Themis coordenou a implantação do programa de formação de Promotoras Legais Populares (PLPs) em onze municípios do Rio Grande do Sul. Hoje, existem 180 PLPs na cidade de Porto Alegre, além de 600 em todo o Rio Grande do Sul.

Além das aulas semanais, o curso prevê visitas a presídios, hospitais, fóruns, tribunais, delegacias comuns e da mulher, além de outras instituições do Estado. Com isso, as promotoras legais populares aprendem a reivindicar e passam a circular com naturalidade por delegacias, conselhos tutelares e promotorias de Justiça. Algumas até fazem estágios em delegacias da mulher. “São mulheres que têm experiências de vida riquíssimas e que depois do curso dizem que não sabem como puderam viver sem saber tais coisas”, diz Inês. As promotoras aprenderam tão bem a reivindicar que, uma das reclamações que fazem, segundo a coordenadora do curso, é a falta de uma sede para as promotoras legais populares. Porém, parece que o problema será resolvido. Roseli conta que em breve as promotoras terão uma sede, dentro de uma microempresa, no bairro de Guaianases. Além da associação, está sendo articulado o primeiro Congresso Nacional das Promotoras Legais Populares, ainda sem data e local definidos. Segundo Maria Amelia de Almeida Telles, da União das Mulheres, o congresso pretende reunir representantes dos cursos de promotoras de São Paulo, Rio Grande do Sul (Themis) e do Rio de Janeiro (Grupo Crioula), além de promotoras de todos os Estados. “Queremos reunir pessoas para elaborar uma política de acesso à Justiça e aos direitos humanos”.


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DEBATE RUMOS DO GOVERNO

Unindo esforços para o desenvolvimento Patrus Ananias oordenar as políticas sociais, integrar programas, melhorar a gestão pública da área social. Esses foram os grandes desafios lançados pelo presidente Lula quando ele apresentou o novo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no último dia 27 de janeiro. A unificação do Ministério da Assistência Social, do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e da Secretaria do Bolsa-Família permite que os esforços do governo federal sejam maximizados. Estamos responsáveis por interagir os programas da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e de transferência de renda com as políticas estruturais de segurança alimentar que vinham sendo realizadas sob a marca do Fome Zero, hoje com sua importância reconhecida internacionalmente, sendo elogiado pela Unesco, FAO e com sua idéia central sendo adotada por outros países e cidades, como Bogotá, que lançou no começo de 2004 o programa Bogota sin Hambre. Assim, atuaremos para garantir a interação de políticas de assistência social com políticas de desenvolvimento local. Vemos os atores municipais dispersos, sem uma melhor coordenação entre as ações da sociedade e dos governos, nos três níveis: municipal, estadual e federal. Então, atuaremos diretamente visando ampliar essa integração, através das prefeituras, dos conselhos municipais e da sociedade

C

civil organizada em cada localidade do país, sem esquecer do importante papel que os governos estaduais representam, como catalisadores e responsáveis por articular sua rede de recursos materiais e humanos em prol da melhoria de condições de vida da população carente. O ano de 2003 foi um marco importante para o Brasil. A posse de um operário como presidente da República trouxe novos ares à política nacional, revigorando as esperanças de um povo tão sofrido. E o novo governo, ciente de sua importância histórica, começou a trabalhar para garantir que todos os brasileiros tenham seus direitos humanos e constitucionais respeitados. Já no primeiro ano do Programa do governo federal, vários sucessos já foram obtidos: aumento dos recursos para investimento no Plano Safra da Agricultura Familiar, atingindo a marca de R$ 5,6 bilhões; lançamento de um Plano Nacional de Reforma Agrária muito mais amplo do que a simples titulação das terras, garantindo que os produtores assentados possam iniciar sua lavoura de forma sustentável; desenvolvimento de uma política

de convivência com a seca no semi-árido, com a construção de cisternas e outras pequenas obras hídricas, além do beneficiamento e distribuição de sementes; ações de educação d e jovens e

adultos e de erradicação do subregistro civil, garantindo cidadania; unificação dos programas de transferência de renda através do Bolsa-Família, que permitiu a ampliação do benefício médio de R$ 25 para R$ 75 por família/mês; entre várias outras. Agora, em 2004, o desafio

é maior. Temos que trabalhar de forma transversal com outros ministérios para melhorar a situação nas grandes cidades. Não podemos atuar apenas na causa e esquecer que a carência econômico-social da população dessas áreas é enorme, déficit gerado por consecutivos erros de governos anteriores. Por isso, priorizaremos nesse ano a aplicação de ações que possam garantir a segurança alimentar – como os restaurantes populares, os bancos de alimentos e a agricultura urbana – e o desenvolvimento econômico-sustentável dessas regiões, por meio da ampliação de obras de infra-estrutura e o crescimento da economia brasileira. E, para atuar nas duas frentes – campo e cidade – teremos que melhorar o processo de gestão dos recursos e programas do governo federal. Não precisamos reinventar a roda. Estamos analisando todos os programas já existentes, vendo os sucessos e pontos passíveis de aprimoramento, e vamos integrá-los, coordená-los. Assim, estaremos maximizando os esforços do governo federal e melhorando a aplicação dos recursos públicos, que são de todos nós, brasileiros. Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e membro da Academia Mineira de Letras

P

e idealista equipe que está à sua frente, na oportuna articulação com outros programas promocionais, notadamente com a Reforma Agrária. Vale destacar o Plano Nacional de Reforma Agrária, visando paz, produção e qualidade de vida no meio rural. Se for realizado, de acordo com a proposta do Ministério do Desenvolvimento Agrário, vai ser a primeira vez que acontece um plano assim, embora modesto, nestes quinhentos anos do Brasil. Ele é fruto da elaboração solicitada pelo governo ao professor Plínio de Arruda Sampaio, com apoio de uma notável equipe técnica e a participação de funcionários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e de representantes dos movimentos sociais do campo. QUESTÃO ECONÔMICA

Entretanto, não obstante estas e outras saudáveis mudanças sociais advindas com este governo, o modelo sobre o qual ele vem se fundando e se estruturando é o econômico, o mais ortodoxo, com suas componentes monetárias e financeiras, sua visceral ligação com o grande capital internacional, seu prioritário cumprimento dos intocáveis e inquestionáveis compromissos de pagamento aos ricos credores internacionais, para isso amealhando de todas as fontes possíveis, até do social, o fatídico superávit primário, num subalterno acordo com o FMI. Aqui reside o cerne, a espinha dorsal e o perfil fundamental do modelo adotado até agora pelo governo Lula. Comparado com o modelo do governo anterior devese dizer, sem sombra de dúvida,

pe

ermitam-me a liberdade de parafrasear a atrevida pergunta de João Batista levada por dois de seus discípulos a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Lc 7,19). Depois de termos sofrido 21 anos de retrocesso com a ditadura militar, depois de termos sido forçados a engolir a eleição indireta de Tancredo e do seu vice Sarney, apesar do compromisso jurado deles dois com as “Diretas Já”, depois do grande azar do nosso povo com a intromissão de Collor e, por fim, depois de termos penado oito anos sob Fernando Henrique Cardoso, só tínhamos mesmo que festejar, como nunca se festejou neste país, a vitória eleitoral de um presidente da República de nome Luiz Inácio Lula da Silva. “Ontem, o Brasil votou para mudar. A esperança venceu o medo e o eleitorado decidiu por um novo caminho para o país. (...) A maioria da sociedade brasileira votou pela adoção de outro modelo econômico e social, capaz de assegurar a retomada do crescimento, do desenvolvimento econômico com geração de emprego e distribuição de renda. (...)” (Lula - discurso da vitória – 28 de outubro de 2002). Ora, já está fazendo mais de ano da empolgante celebração desta liturgia, porém a tão esperada “mudança” não aconteceu, o “outro modelo econômico e social” não chegou e o “novo caminho” não apareceu... Alguns já começam a se perguntar: “E se o governo Lula não mudar?” Daí a paráfrase à interpelação

do profeta: Caso Lula não mude, como sonhou o seu eleitorado, por quem, ou o que devemos esperar? Por uma questão de justiça, entretanto, devemos reconhecer mudanças importantes com a entrada deste governo e que o distingue nitidamente do anterior: Em primeiro lugar os movimentos camponeses respiraram com o fim da criminalização e da repressão. Logo no início do mandato de Lula houve ocupações de terra e de prédio do Incra até com quebra de alguma vidraça. O ministro do Desenvolvimento Agrário e o presidente do Incra não acionaram nem a polícia nem o judiciário. A mídia, naturalmente, pediu a cabeça de ambos. O Ministério da Justiça está cumprindo um papel histórico de serviço à pátria no cerco e combate ao crime organizado e, de modo exemplar, no cumprimento do plano nacional de erradicação do trabalho escravo. Antes do lançamento deste oportuno plano, os fiscais dos grupos móveis, só pelo fato da chegada de Lula, deram um salto de eficiência e qualidade na sua atuação. E estão marcados para morrer, como vimos em Unaí (MG). É justiça também mencionar o trabalho admirável dos ministros e ministras do Meio Ambiente, das Cidades, da Energia, da Educação, das Comunicações, bem como a singular atuação do presidente do BNDES. O Fome Zero merece respeito pela sua inspirada intuição de atenção emergencial e urgente aos brasileiros e brasileiras que carregam a secular chaga da fome, e também pela competente

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Dom Tomás Balduino

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A esperança está na mobilização popular

que é sua continuidade e, mais ainda, o aprofundamento do mesmo, haja vista as reformas previdenciária e tributária, que lhe dão um caráter de irreversibilidade ou de longevidade. Aqui está o núcleo duro definidor e ordenador das demais políticas que por ele são subordinadas na forma de políticas secundárias, marginais e compensatórias, por mais sábias e meritórias que sejam. Daqui da chapada, a impressão que se tem é que o alto comando desta política, ou seja, o ministro Antonio Palocci, seus assessores e conselheiros, com o imperturbável apoio do presidente, vivem atualmente um clima de grande euforia no manejo da máquina deste macro universo do mercado e do capital financeiro, sobretudo depois de exorcizado e imobilizado o genuíno espaço da crítica no seio do PT. Por outro lado, os conhecidos e nefastos efeitos deste modelo injusto, como a recessão, o aprofundamento do fosso das desigualdades sociais, a elevada concentração da renda, o desemprego, o trabalho informal e o aumento do cinturão da pobreza estão avançando a galope. E agora, o que devemos espe-

rar? Há esperança? Existe esperança, sim! E ela está no coração do mesmo povo que levou Lula à Presidência. Não é preciso recomeçar da estaca zero, porque o grande potencial nascido entre nós na década de 70 está bem vivo, de cabeça erguida e atuante hoje e ainda não foi desmobilizado. Estas organizações nasceram e se fortaleceram em meio aos diversos embates políticos e sociais acima citados e estão bem vivas. Estão cientes do que vem acontecendo com o povo do nosso Continente. Estão a par do fenômeno que foi o Fórum Social Mundial, na Índia. Esperemos, pois, as mobilizações. Elas vêm aí e serão bem-vindas! A maioria das lideranças fala hoje em mobilização da massa popular. Seria melhor, é claro, se Lula estivesse incluído aí. E João Batista, na cadeia, deprimido e angustiado, exultou de alegria ao ouvir a resposta de Jesus, trazida pelos mesmos discípulos: “Os cegos estão enxergando, os surdos estão ouvindo, os mudos estão falando, os pobres estão se libertando”. Dom Tomás Balduíno é presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra


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AGENDA

agenda@brasildefato.com.br

NACIONAL SÃO PAULO

NACIONAL

PORTAL SOBRE SAÚDE SEXUAL Trabalhar com as questões referentes à sexualidade é o objetivo do portal www.yosexual.com, lançado na cidade de Monterrey, México. A página eletrônica oferecerá, segundo a instituição Comunicação e Informação da Mulher (Cimac), responsável pelo projeto, dados confiáveis e informações profissionais sobre saúde sexual. A equipe do portal é formada por profissionais das áreas de psicologia, sexologia, desenvolvimento humano, medicina, administração de empresas, computação, desenho gráfico e editorial. LIVRO - NOVA GEOGRAFIA DA FOME O jornalista Xico Sá e o fotógrafo U. Dettmar percorreram, durante o ano de 2003, uma trilha de 60 mil quilômetros de sertões, veredas, periferias e mangues para a realização deste livro-documentário, uma homenagem ao clássico Geografia da Fome, com o qual Josué de Castro (1908-1973), médico, geógrafo e antropólogo pernambucano denunciou, ainda em 1946, esse flagelo. A mesma tragédia foi testemunhada pelos jornalistas nessa viagem pela nação semi-árida e pelos arredores das metrópoles. Publicado pela editora Tempo d´Imagem, o livro custa R$ 50 e os recursos da venda serão destinados ao programa Fome Zero. Mais informações: (85) 488-4100

CEARÁ II CONFERÊNCIA ESTADUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL Dias 5 e 6 O tema da conferência será “Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional: o direito à alimentação e à inclusão social”. Entre os assuntos que serão debatidos estão a segurança alimentar e nutricional no contexto nacional e internacional, as políticas de transferência de renda e o Programa Bolsa Família. Local: Centro de Convenções Edson Queiroz, Centro Administrativo Governador Virgilio, s/n, térreo do Ed. da Seplan, Fortaleza Mais informações: (85) 9994-8421, pomelza@ufc.br CD - EXPRESSÃO JOVEM Dia 12 Todas as dioceses e entidades estarão engajadas na divulgação, junto a rádios regionais e comunitárias, do CD em que adolescentes esclarecem o que são políticas públicas

VÍDEO - PROFECIA DAS ÁGUAS O documentário/ficção trata da Campanha da Fraternidade de 2004, que tem como tema “Fraternidade e Água” e, como lema, “Água, fonte de vida”. A partir da festa de batizado da personagem Edinho, o filme trata da importância da água para a manutenção de uma vida digna. Na fita, a atriz Marta Aurélia introduz, entre outras, questões como o problema da privatização da água, em meio a depoimentos de teólogos sobre a sacralidade da água. O vídeo tem duração de 18 minutos e custa R$ 30 Mais informações: (85) 225-0321 1º SEMINÁRIO REFORMA AGRÁRIA E DESEMPREGO URBANO Dia 7, das 8h30 às 13h Entre os convidados estarão Gilmar Mauro, da direção nacional do MST; Luiz Eduardo Greenhalgh, deputado federal (PT/SP); Geraldo Cruz, prefeito de Embu; Beto Custódio, vereador (PT/SP). O evento tem apoio de diversas entidades, como sin-

e como intervir nelas. O trabalho é considerado um exemplo de protagonismo dos adolescentes na gestão de políticas públicas. O CD foi produzido e editado pelos adolescentes do Programa de Defesa e Promoção dos Direitos da Infância, Adolescência e Juventude, integrantes do Projeto “Participação de Adolescentes na Gestão de Políticas Públicas” dos Estados do Ceará, Pernambuco, Maranhão, Bahia e Minas Gerais. Mais informações: (85) 231-4783 SEMINÁRIO - MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS Dia 18, das 8h30 às 17 h Promovido pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), o seminário estadual “Encare o MNDH” tem como objetivo fortalecer a rede de organizações sociais de defesa e promoção dos direitos humanos no Ceará, bem como a disseminação dos valores éticos e solidários. Também será definida a pauta política para a Assembléia do MNDH-NE, que acontecerá em Recife, dias 4, 5 e 6 de março. Durante o seminário, o presidente da regional Nordeste, Manoel Messias da Silva, fará uma análise de conjuntura sobre os Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc). Estarão presentes representantes de 30 entidades filiadas ao movimento no Estado. Local: Auditório da Assembléia

A História, sob a concepção marxista Esta obra reúne três textos indispensáveis ao estudo do materialismo histórico e da filosofia do marxismo. O primeiro, “Da filosofia da História”, analisa as diversas concepções filosóficas da História, finalizando com a apresentação da concepção marxista. No segundo, “Da concepção materialista da História”, o autor expõe o seu estudo dessa concepção e mostra que é a marxista a única concepção conseqüente da História. O terceiro texto, “O papel do indivíduo na História”, é uma grande contribuição ao pensamento marxista, ao mostrar que “... a história decorre em função de leis objetivas, mas os homens fazem a história...”: não haverá transformações revolucionárias sem indivíduos dedicados à organização, à teoria e à preparação das massas em lutas concretas. Lenin afirmou, em 1914, que “a melhor exposição da filosofia do marxismo e do materialismo histórico é a feita por G. V. Plekhanov”, o que foi confirmado pelo próprio Lenin, sete anos

dicatos, Centro Cultural Sítio dos Palmares, Associação dos Servidores Públicos Municipais de Embu, Instituto Zequinha Barreto e jornal Brasil de Fato Local: Câmara Municipal de Embu, R. Marcelino Pinto Teixeira, 50, Parque Industrial, Embu Mais informações: (11) 3277-8585

Legislativa do Ceará, Av. Desembargador Moreira, 2807, Fortaleza Mais informações: (85) 497-2162, 9131-0137 EXPOSIÇÃO - PADRE CÍCERO: AS MARCAS NA MADEIRA Até 31 de março A mostra é composta por 30 xilogravuras de dez gravadores de Juazeiro do Norte (CE). As obras ressaltam a importância do “Padim Ciço” como aglutinador e desencadeador de cultura, pela encruzilhada dos caminhos místicos em que se transformou a cidade que ele ajudou a criar. A exposição comemora os 160 anos de nascimento do padre Cícero, em 24 de março deste ano; e os 70 anos de sua morte, dia 20 de julho. Entrada gratuita. Local: R. Floriano Peixoto, 94, Centro, Fortaleza Mais informações: (85) 488-4100

RIO DE JANEIRO CURSO - ESPECIALIZAÇÃO EM ATENDIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA De 18 de março a 15 de julho Curso de especialização teóricoprática sobre violência doméstica contra crianças e adolescentes, proporcionando a capacitação de profissionais para atuar junto a essa realidade. Local: R. Marquês de São Vicente, 225, casa XV, Gávea, Rio de Janeiro Mais informações: 0800-909556

SÃO PAULO ENCONTRO DE GRUPOS AUTÔNOMOS De 6 a 8 Participarão do encontro rádios livres, coletivos feministas, movimentos populares, grupos estudantis autogestionários, ecologistas, cooperativas, grupos de hip hop, políticos, entre outros que buscam construir alternativas ao capitalismo. O encontro pretende reunir grupos e indivíduos de todo o Brasil mais tarde, quando enfatizou a necessidade do estudo de “... tudo o que Plekhanov escreveu sobre filosofia, pois é o que há de melhor na literatura internacional do marxismo”. Este é um livro de valor. CONFIRA O papel do indivíduo na História G. V. Plekhanov 160 páginas R$ 8,00 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista (11) 3105-9500 – 3112-0941 www.expressaopopular.com.br

que atuam na luta anticapitalista de forma autônoma. Os temas dos debates serão: comunicação livre – a experiência com veículos de comunicação como rádios livres, websites, fanzines, jornais impressos, editoras independentes etc.; movimentos sociais urbanos e rurais – coletivos feministas, grupos gays, grupos políticos, cooperativas, grupos que lutam pela reforma agrária, movimentos de moradia, movimentos de desempregados, coletivos ecologistas, movimentos contra as prisões etc.; gestão de espaços autônomos – centros (contra) culturais, cyber cafés, escolas etc.; estratégias e táticas para campanhas e manifestações – experiências sobre campanhas e manifestações e novos métodos de ação. Local: Será divulgado para os participantes após a inscrição Mais informações: www.encontro autonomo.linefeed.org, encontroau tonomo@riseup.net CAPACITAÇÃO PARA GESTORES MUNICIPAIS E CONSELHEIROS Dias 11 e 12 O curso pretende traçar um panorama da política de atendimento à criança e ao adolescente. Local: Centro de Eventos, Av. Olímpica, Parquera-Açu Mais informações: (11) 3811-0036, escola@cepam.sp.gov.br TEATRO - ARENA MOSTRA NOVOS DRAMATURGOS Até final de fevereiro Para comemorar meio século de existência de um dos palcos mais importantes do Brasil, o Teatro de Arena de São Paulo, a Cia. Livre reunirá leituras encenadas de textos inéditos, espetáculos, atrações musicais e conversas com os dramaturgos. Trazendo no repertório sucessos como as peças Toda Nudez Será Castigada e Um Bonde Chamado Desejo, a Cia. Livre venceu o edital público que lhe dá o direito de ocupar o Teatro de Arena ao longo de 2004, com o projeto Cia. Livre Conta Arena 50 Anos. O projeto consiste em uma série de apresentações, nas quais cada autor convoca um diretor de sua preferência para dirigir leituras encenadas dos seus textos que acabam sendo pequenas montagens descomprometidas, com direito a cenário, luz, som e elencos diversos. Para entrar, o pública “paga quanto der”. Local: R. Teodoro Baima, 94, São Paulo Mais informações: (11) 3256- 9463

CINEMA - MOSTRA SÃO PAULO QUADRO A QUADRO Até 5 de março O Cinusp Paulo Emílio programou uma mostra especial em comemoração aos 450 anos da cidade de São Paulo. A mostra apresenta filmes que marcaram a história da cidade e o desenvolvimento do cinema paulista. Confira a programação na internet. Local: R. do Anfiteatro 181, Favo 4, Colméia, Cidade Universitária, São Paulo Mais informações: (11) 3091-3540, www.usp.br/cinusp EXPOSIÇÃO - CONSTRUÇÃO DE UM CENTENÁRIO Até 19 de março, de segunda a sexta, das 14h às 17h Xilogravuras e litogravuras do artista plástico Lívio Abramo, morto em 1992, em Assunção, no Paraguai. Além das obras, também estão expostos livros ilustrados por Abramo e alguns de seus depoimentos já localizados em jornais, como, por exemplo, o de 1957, quando ocorreu importante debate sobre a gravura brasileira no Rio de Janeiro, registrado por Ferreira Gullar. Estão também expostas as gravuras do acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e da coleção do Museu de Arte Contemporânea (MAC). Local: Coleção de Artes Visuais do IEB - USP, Av. Prof. Mello Moraes, travessa 8, nº 140 Mais informações: (11) 3091-3199, 3091-3247 EXPOSIÇÃO - ARTE DA ÁFRICA Até 28 de março Objetos da cultura africana podem ser apreciados nas 150 peças de arte criadas entre o século 15 e 20 em 31 países africanos. Entre as obras expostas foram escolhidas cinco peças que serão estudadas pelos visitantes: a Harpa da República do Kongo (século 19), a Estátua de Nkishumweno (século 19), a Porta Arcos de Luba (século 19) e a Cabeça Humana da Nigéria (entre os séculos 12 e 15). Para aproveitar melhor a visita, cada estudante receberá um caderno de anotações que contém um glossário e questões a serem discutidas durante o percurso. A exposição conta com a ajuda dos 12 monitores, todos estudantes universitários, explicando a história de cada peça e sua importância. As informações vieram do Museu Etnológico de Berlim. Entrada gratuita. Local: R. Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo Mais informações: (11) 3113-3649


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CULTURA

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RIO DE JANEIRO

Prefeitura desvirtua iniciativa popular Freqüentadores da Feira de São Cristóvão e do Circo Voador criticam as deturpações dos dois eventos pela intervenção do poder público: “Além de perder meu ponto, onde cantava e vendia meus discos há 23 anos, estou proibido de me apresentar nos palcos”, reclama, indignado, em frente à Barraca do Tonhão, um dos dois boxes que ainda tocam forró em toda a feira. Os palcos aos quais o artista se refere são dois e estão localizados nas extremidades do Pavilhão. Lá, segundo Rossi, só Adriana Medeiros

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palcos. “Eles não mantêm o povo dançando, o que atrapalha os negócios dos comerciantes com pontos próximos ao palco”, justifica, negando que só cariocas cantem nesses espaços. Almeida também nega o favorecimento na distribuição dos lotes: “O pessoal é que foi muito preguiçoso; começamos a cadastrar os barraqueiros em 2001”, informa, acrescentando que a prefeitura

Marta Nogueira

Pedro de Oliveira: “Era uma mistura de sons, todo mundo dançando onde comia, um burburinho, um fuzuê maravilhoso” Adriana Medeiros

os últimos meses, a prefeitura do Rio de Janeiro passou a controlar duas das mais populares manifestações da sociedade civil carioca. Uma delas tem tradição de 59 anos: a Feira de São Cristóvão, organizada pela comunidade nordestina no bairro da zona norte de mesmo nome. Outra, o Circo Voador, consiste em um espaço cultural itinerante montado pela primeira vez no Rio em 1982. O resultado, na opinião dos freqüentadores tradicionais desses espaços, foi uma lamentável descaracterização dos dois eventos. “Antes eu vinha para cá à noite e só saía pela manhã. Era uma mistura de sons, cada barraca tocava o seu forró, todo mundo dançando onde comia, um burburinho, um fuzuê maravilhoso”, conta o potiguar de Espírito Santo (RN) Pedro de Oliveira, que chegou ao Rio 22 anos atrás e há pelo menos dez passa todos os fins de semana na Feira de São Cristóvão, ou “feira dos paraíbas” (como ela é, sem preconceito, carinhosamente chamada pelos cariocas). Pedro corrige: “Passava os fins de semana”, pelo menos até setembro do ano passado, quando a feira deixou a Praça do Campo do bairro e começou a funcionar no interior do Pavilhão de São Cristóvão.

entra quem é amigo do cearense Agamenon de Almeida, presidente da cooperativa de feirantes, ou toca o chamado forró de pé-de-serra, mais ao gosto dos cariocas e turistas. “Só tem menininho da zona sul cantando lá”, explica o cantor. Almeida, que diz ter colaborado com os arquitetos da prefeitura no projeto da nova feira, justifica a ausência de “cantores bregas” nos Marta Nogueira

Rodrigo Brandão do Rio de Janeiro (RJ)

TUDO “ORGANIZADO”

Adriana Medeiros

Geraldo Rossi lamenta: “Além de perder meu ponto, onde cantava há 23 anos, estou proibido de me apresentar nos palcos” Adriana Medeiros

Em setembro de 2003, a prefeitura inaugurou o Centro de Tradições Nordestinas Luiz Gonzaga, onde foram investidos cerca de R$ 20 milhões para a construção de 664 boxes que abrigam lojas envidraçadas, restaurantes fechados. O comércio passou a ser organizado em setores: alimentação, artesanato, música nordestina etc. “Não tem nem lugar para se esticar, quem dirá dançar agarradinho!”, reclama Oliveira. O cantor Geraldo Rossi se considera duplamente prejudicado

Ex-barraqueiro, hoje trabalhando como motorista de ônibus

Projeto arquitetônico do novo Circo Voador gera polêmica

instalou os feirantes sem custo nenhum, embora vários comerciantes afirmem ter pago pelo menos R$ 40 mil por uma loja.

“NOVO” CIRCO VOADOR Situação semelhante vive o Circo Voador, espécie de lona cultural itinerante que abrigava diversos espetáculos de teatro e de música. O Circo foi idealizado pelo ator Perfeito Fortuna, um dos líderes, ao lado de Luiz Fernando Guimarães e Regina Casé, do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone. No início, a finalidade era abrigar as apresentações do grupo. Mas no verão de 1982 a lona conquistou os cariocas com espetáculos de “rock Brasil”, cursos de interpretação e diversos eventos culturais durante praticamente as 24 horas do dia. Foi lá que Lobão, Cazuza, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial fizeram suas primeiras apresentações aos cariocas. O Circo foi fechado pela prefeitura em 1996 – diz-se que o prefeito César Maia teria se irritado com as vaias recebidas por seu afilhado político Luiz Paulo Conde, no dia em que este comemorava sua eleição para suceder Maia. Agora, a prefeitura anuncia a reabertura do circo para março – caso não haja problemas na justiça, uma vez que Perfeito Fortuna registrou a marca e não pretende cedê-la. A exemplo da Feira de São Cristóvão, o “novo” Circo já gerou descontentamento do público por conta do seu projeto arquitetônico. Além disso, Maia chegou a rebatizar o espaço de “John Lennon”, provocando protestos de roqueiros brasileiros. Diante da reação, Maia desistiu da homenagem. Em artigo publicado em vários jornais do Rio de Janeiro, o autor da idéia do circo, Perfeito Fortuna, pergunta: “Por que em vez de apoiar quem já faz, a administração pública – de maneira arbitrária – quer montar um palco ao lado do que ela mesma destruiu, para apropriar-se de sua história?”.

ENTREVISTA

Bruno Fiuza e Tatiana Merlino da Redação Ele nasceu no Paraná e seu nome de batismo é Felinto Procópio dos Santos. Mas – nem ele sabe explicar por quê – desde que chegou ao Pontal do Paranapanema, no começo dos anos 90, depois de morar em Rondônia, Mato Grosso, se tornou o Mineirinho. Dentro e fora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Mineirinho é conhecido pelo trabalho que desenvolve, há seis anos, no coletivo de cultura do movimento – em especial pelo trabalho de valorização da viola caipira. No ano passado, ele ficou preso no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes, no Estado de São Paulo, ao lado de José Rainha, depois que o juiz Átis de Araújo Oliveira expediu uma ordem de prisão preventiva a onze sem-terra, sob acusação de formação de quadrilha. “Sabemos que essa ofensiva jurídica faz parte da campanha de difamação e de criminalização do movimento dos sem-terra”, esclarece Mineirinho, que recebeu habeas corpus do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em novembro de 2003. Em entrevista ao Brasil de Fato, Mineirinho fala sobre a viola caipira e a valorização da cultura popular entre os sem-terra. Brasil de Fato – Conte sobre seu empenho no resgate da viola caipira.

Douglas Mansur

Sem-terra preparam brigadas culturais pelo país

Mineirinho – A viola é um instrumento misterioso, extraordinário. Acho que foi por isso que os jesuítas tiveram coragem de trazê-la, porque seduzia os índios. A arte de cantar Folia de Reis vem dos jesuítas. A viola vem dos árabes, dos mouros, mas foi trazida ao Brasil pelos jesuítas. Viola, roça e camponês estão casados desde os primórdios... Nos assentamentos, muita gente tinha guardado a viola porque os filhos não gostam, acham que viola é cafona, preferem o teclado. A idéia é reacender a mística da viola, que é uma coisa supermoderna, extraordinária, faz parte da vida do camponês, da alma dele. Minha tarefa não é tanto de resgate, eu me vejo mais como um animador cultural, propagandista da viola. BF – Os festivais de viola são resultado desse trabalho?

Quem é Mineirinho é integrante do coletivo de cultura do MST e um dos organizadores do Encontro Nacional de Violeiros. Está assentado há 13 anos na região do Pontal do Paranapanema, no Oeste do Estado de São Paulo. Em meados dos anos 80 sua família se mudou para Rondônia, onde conheceu o movimento por meio do trabalho nas Comunidades Eclesiais de Base. Mineirinho – O Encontro Nacional de Violeiros faz parte do sonho de alguns violeiros como eu e o Pereira da Viola, uma das pessoas fantásticas do grupo. No MST o terreno era fértil para semear essa plantação. Então fizemos o primeiro Encontro Nacional, no ano passado. Os encontros não são uma reunião formal. A gente se encontra para bater papo, fumar um cigarrinho de palha, comer uma carne de porco, afinar as violas e trocar impressões sobre a conjuntura. Juntamos as pessoas que sonham as mesmas coisas, que têm o compromisso com a cultura popular de raiz, com as coisas boas, e não estão preocupadas apenas em ganhar dinheiro e em fazer música para o mercado. Este ano, o segundo encontro será em março. Um dia para reunir a “violeirama” e outro para apresentações ao publico, das dez da manhã às dez da noite. BF – Como o MST trabalha a questão da cultura? Mineirinho – A nossa preocu-

pação – e principal desafio – é trabalhar a linguagem da luta pela terra com beleza, poesia, em uma sociedade onde a destruição dos valores é cotidiana, onde a competição se sobrepõe a tudo. Como nós somos militantes da frente de massa para quebrar as cercas do latifúndio, também temos que, no campo da arte, fazer trabalhar o coração. Falar de arte nesse contexto é muito difícil pois geralmente se trabalha a cultura no aspecto do entretenimento. Além disso, a arte também cumpre a função de formação de consciência, também desenvolve o espírito crítico das pessoas. Dentro do MST, temos claro que o jeito semterra de ser é cultura. A partir do momento que o sujeito vai para um assentamento, ele nunca vai deixar de ser sem-terra pois cultura é tudo que a pessoa adquire ao longo da sua existência, seu jeito de ser, de falar, de comer... toda a produção do ser humano faz parte da cultura. Nos últimos três anos, tivemos avanços significativos como a parceria

que fizemos com o teatrólogo Augusto Boal, que resultou no surgimento da Brigada Nacional de teatro Patativa do Assaré. Também fizemos uma experiência que começou com vinte companheiros e foi se multiplicando nos Estados. O Mato Grosso do Sul está fazendo um trabalho fantástico que chama Brigada Estadual de Cultura: são mais de 150 jovens, homens e mulheres, que trabalham com teatro e música nos assentamentos. Estamos buscando apoio do Ministério da Cultura para fazer brigadas culturais no Brasil inteiro. BF – Como você vê a cultura popular no país hoje? Mineirinho – O que a gente está assistindo, quase sem poder fazer muita coisa, é a brutalidade da indústria cultural na produção de porcarias. Dentro do MST, a gente tem trabalhado cada vez mais a defesa da cultura popular brasileira, o combate sistemático ao lixo cultural. Mas também queremos que o nosso pessoal se aproprie do erudito. Por que não termos acesso ao elaborado? Quem disse que estamos condenados a ouvir Zezé di Camargo e Luciano a vida inteira? Por que não ouvir também Beethoven, Vivaldi, Bach, Pixinguinha, Cartola, Adoniram, Chico Buarque e tantos outros? Por que não podemos entrar no teatro municipal? Quem disse que o camponês não gosta?


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