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editorial

Mais democracia RECENTEMENTE o senador Renan Calheiros (PMDB/AL), presidente do Senado, escreveu um artigo na Folha de S.Paulo para tranquilizar os barões da mídia. Comprometeu-se em trabalhar para impedir um novo marco regulatório que reorganize o modelo de comunicações vigente no país. Agressivo e desrespeitoso com governos dos países andinos, que ousaram criar leis que democratizam as comunicações, o senador alagoano escreveu: “Outro passo relevante é a defesa do nosso modelo democrático, a fim de impedir a ameaça à liberdade de expressão, como vem ocorrendo em alguns países. O chamado inverno andino não ultrapassará nossas fronteiras.(...) A liberdade de expressão é um dos nossos direitos mais preciosos. Temos que nos inspirar, sim, nas brisas de uma primavera democrática e criar uma barreira contra os calafrios provocados pelo inverno andino. Vamos criar uma trincheira sólida, se preciso legal, a fim de barrar a passagem desses ares gélidos e soturnos” Seguramente o senador, se vivesse no Brasil do início do século 19, faria o mesmíssimo discurso quando, em 1804, Toussaint L’Ouverture proclamou a independência do Haiti. O senador trataria de tranquilizar a coroa portuguesa assegurando que aqueles ares de independência das colônias,

que começavam a soprar, sob a liderança de um escravo, (gélidos e sotunos?) não chegariam ao nosso território. Os ventos andinos provocados por Simón Bolívar, que promoveram a independência da Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia, anos antes da independência brasileira, certamente causariam os mesmos calafrios ao atual presidente do senado. Essas mesmas palavras - escritas no jornal paulistano que serviu de apoio à ações repressivas da ditadura militar (1964-84) e hoje tenta reescrever a história dizendo que o que existiu no período foi uma ditabranda – poderiam serem transcritas na segunda metade do século 19 para tranquilizar os senhores de engenho que enriqueciam às custas da mão de obra escrava. Os escravocratas, tão defensores de primaveras democráticas quanto é o Calheiros em sua trajetória política, poderiam ouvir do senador o compromisso de que os ventos que asseguravam a liberdade dos povos negros não ultrapassariam nossas fronteiras. Políticos como este senador, se jactam de um poder que não possuem frente aos acontecimentos da história. Suas retóricas servem apenas para renovar uma canina submissão aos donos do poder, sejam quais forem os tempos históricos.

Seria alvissareiro se a presidenta Dilma tivesse sensibilidade com a oportunidade histórica que bate à porta do seu governo O senador usa os novos marcos regulatórios dos meios de comunicações, promovidos na Venezuela, Bolívia e Equador – os ventos andinos – para ganhar a conivência dos barões da mídia. Em troca, quer sossego enquanto preside o Senado. O recado foi claro: não me incomodem no cargo e eu criarei uma trincheira sólida, se preciso legal, para defender seus interesses dos ares gelados quem vêm dos Andes. Calheiros, se estivesse realmente comprometido com os interesses do povo brasileiro, deveria se preocupar menos com os ventos andinos e mais com o bafo e os arrotos das elites brasileiras. Vêm de suas entranhas os ares gélidos e soturnos que vitimam o povo brasileiro e penalizam o país.

O que atenta para a liberdade de expressão, que o senador afirma defender, é o oligopólio das comunicações e a autorregulação da mídia. O presidente do senado ignora o exemplo vindo da Inglaterra que colocou no banco dos réus o senhor Murdoch, dono de um império de comunicações, e atestou a falência do sistema de autorregulação na mídia. Esconde que aquele país discute agora a criação de um órgão fiscalizador independente das empresas jornalísticas. Não menciona os ventos soprados pela Dinamarca, que criou um órgão de “co-regulação” para controlar os excessos prejudiciais à sociedade, preservando a liberdade de imprensa. E muito menos menciona os ventos soprados pela União Europeia (EU), o velho continente. Na ultima semana de janeiro, em Bruxelas, a UE divulgou o relatório Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia. O relatório, depois de 16 meses de trabalho, faz 30 recomendações sobre a regulamentação da mídia. Certamente o senador não fez menções ao relatório por não conhecê-lo, uma vez que a mídia brasileira ignorou-o completamente. Silencia sobre os exemplos vindos desses países porque é mais fácil criticar os governos que a mídia já elegeu como inimigos.

crônica

opinião Ana Karoline de Oliveira

É lamentável que a presidenta Dilma sinaliza, na terceira Mensagem ao Congresso Nacional, que não tem a disposição de empunhar a bandeira por um novo marco regulatório da radiodifusão brasileira. Não está no plano de governo, para 2013, iniciar um processo efetivo de democratização da comunicação em nosso país. Uma batalha tão importante quanto as reformas políticas e tributária. O Brasil poderá ser novamente o último país do continente, como foi na abolição da escravatura, a enfrentar o poder dos barões da mídia. Mas esta hora, inevitavelmente, chegará. E quando chegar, o senador Calheiros poderá poupar seus esforços de escriba e utilizar uma declaração já escrita, a do deputado escravista Lourenço de Albuquerque: “Voto pela abolição porque perdi a esperança de qualquer solução contrária; seriam baldados os esforços que empregasse; sendo assim, homenagem ao inevitável, à fatalidade dos acontecimentos.” Contra a vontade daquele parlamentar, que precedeu o de hoje, os acontecimentos mudaram o Brasil, para melhor. Também os barões da mídia serão derrotados. É visível como são figuras anacrônicas nos tempos de hoje. Seria alvissareiro se a presidenta Dilma tivesse sensibilidade com a oportunidade histórica que bate à porta do seu governo.

Luiz Ricardo Leitão

Gama

Entre signos sombrios e luminosos

Apagar a luz vermelha, acender a chama do feminismo! ALGUMAS DE NÓS, mulheres, nos sentimos muito mal de pensar qual seria nossa atitude com esses questionamentos: “Quanto cobrar para fazer sexo?”, “Cobro a mais para fazer anal?”, “Aceito essa grana extra para ele por sem camisinha?”. Repulsa, negação, indiferença, pena. Mesmo diante desses sentimentos, parece mais fácil a aceitação de que a venda do sexo é uma escolha própria da mulher. Uma situação a qual ela pode, ou deveria, negar-se. Muitas vezes, com a ajuda da mídia energizada de machismo, vincula-se a ideia de que as mulheres que se prostituem gostam do que fazem e, até mesmo, podem chegar a sentir prazer. E porque nos parece tão fácil acreditar nessas ideias? A construção midiática de uma vida com aventuras e prazer, a negação do Estado em concretizar políticas de mudança estrutural da vida das mulheres e o grande crescimento da indústria do sexo, aliando-se ao grande capital, nos cega os olhos para perceber que a prostituição nada mais é que a manifestação real da exploração da mulher pelo homem, representação de poder intrínseca do sistema patriarcal e, principalmente, para a grande humilhação e sofrimento que essas sujeitas, privadas de fazer uma história diferente de suas próprias vidas, estão expostas todo dia, toda noite, em todo bordel ou ruas da cidade. Aliando os fatores de mercantilização do corpo da mulher, base de um sistema patriarcal e capitalista, e da prerrogativa de aliar as necessidades de muitas mulheres pobres e sem perspectiva à crescente demanda do capital por mercados

Nossa tarefa é a conscientização de que a apropriação mercantil do corpo das mulheres nada tem a ver com a sexualidade livre, que prostituição não é trabalho, é exploração e violência e a falta de interesse real do Estado por políticas públicas de melhora da condição social e material de vida, justifica-se a necessidade de regulamentar o “trabalho” das “profissionais do sexo”. Red Light District, ou bairro da luz vermelha, em Asmterdam, seria o exemplo mais “exitoso” de tal proposta. O deleite de turistas e amantes do sexo ao passear pelos belos canais, com suas luzes vermelhas e neon, e com mulheres expostas em vitrines. Não pode haver melhor caracterização de como o mercado do sexo pode ser mais brutal e humilhante para essas mulheres. Além de terem que vender seu sexo, devem estar na sua mais bela forma e com a mais bela aparência para serem expostas como um produto de qualidade a ser vendido, por um preço tal-

vez nem tão barato, mas que com certeza elas pouco ganham na realidade, pois no caso, grande parte do dinheiro fica com o chefes dos bordéis. Não pode haver pior sistema de opressão e degradação da vida das mulheres. E o mais brutal, ingenuamente, ou não, acredita-se que a regulamentação da prostituição, com sua entrada no marco legal, daria, por fim, dignidade as mulheres que vendem seu corpo e, até mesmo, a diminuição do tráfico de mulheres e crianças para a prostituição. Quando, na verdade, fecham-se os olhos para o que de fato acontece: o grande beneficiamento a indústria do sexo, legalização do trabalho de cafetões e a legitimação dos homens como consumidores de mulheres. Não havendo mudança real e significativa na vida das mulheres que se prostituem ou de crianças que são exploradas sexualmente. É tarefa do movimento feminista, movimento antipatriarcal e anticapitalista, a luta contra as várias e diversas formas que o sistema opressor usa para mostrar o seu poder de dominação e aliar isso ao seu crescimento. Nossa tarefa é a conscientização de que a apropriação mercantil do corpo das mulheres nada tem a ver com a sexualidade livre, que prostituição não é trabalho, é exploração e violência. Há que lutar pelo fim do sistema de dominação da mulher pelo homem, há que lutar pela construção de uma sociedade de iguais, há que lutar até que todas sejamos livres. Ana Karoline de Oliveira é militante da Marcha Mundial das Mulheres no Ceará.

1. MENSAGENS INCANDESCENTES nos céus do planeta azul Em sua relação ambígua com a ciência, a humanidade habituou-se a perscrutar nos céus desígnios e revelações sobre o presente e o futuro. Cá mesmo, em Bruzundanga, Martinho da Vila nos lembra que o genial Noel Rosa “veio ao planeta com os auspícios de um cometa / naquele ano da Revolta da Chibata” – e, se não bastasse nascer na passagem do Halley, em 1910, sua triste e prematura partida, em maio de 1937, às vésperas do Estado Novo, também seria marcada pelo discreto Hermes, a quem a mitologia grega honra com o título de “mensageiro dos deuses”. Esses eventos raros e inquietantes costumavam pressagiar, na imaginação do povo, cataclismas e tragédias mil. Talvez no mundo globalizado do século 21 não haja mais espaço para tanta especulação, mas decerto não faltou quem ficasse com duas pulgas atrás da orelha depois do que se viu em fevereiro. Quiseram os fatos que, enquanto os doutos cientistas acompanhavam a trajetória do asteróide DA14 (com 45 m de diâmetro e 130 mil toneladas) entre a Lua e a Terra, um insólito meteorito, até então não detectado pelas agências espaciais, irrompesse nos céus da Rússia e explodisse a 15 km do solo, com um impacto comparável ao de 30 bombas atômicas. Shakespeare, de fato, tinha razão: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia”. E, assim, em meio ao pasmo da comunidade científica, este cronista logo assistiria a novas surpresas que a mídia tampouco soube digerir, entre a queda do velho meteorito Bento XVI e o regresso estelar de Hugo Chávez à Venezuela, após semanas de luta contra o câncer em Cuba.

Até a Copa, o que mais, além dos fogos de artifício da elite, explodirá em nossos céus? Não há como ignorar o halo de ironia que emana desse confronto de signos. Afinal, quem iria prever que o todo-poderoso Ratzinger abdicaria do seu posto em meio à crise profunda que se instalou no Vaticano? Como bem enunciou um analista, mesmo saudado como “a luz” pelos retratistas da Santa Sé, seu reinado primou pela opacidade, imerso em escândalos financeiros e de pedofilia clerical, além de obscuras relações com a Opus Dei, em uma Igreja avessa à Teologia da Libertação, porém cúmplice do ideário fascista de Monsenhor Levebvre e seus pares. E quem apostou na ‘ressurreição’ de Chávez? Decerto, só o povo mestiço da sua terra, que, não obstante os árduos desafios do projeto bolivariano, tem aprendido dia após dia a intervir na vida pública sob o firme alento de seu Comandante. Guardem os obituários, senhores! Há uma chuva miúda de estrelas nos céus da Pátria Grande. 2. Sob o rastro sinistro de um sinalizador A Bolívia é um país pobre, que desde a Guerra do Pacífico, em 1879, foi despojada pelo Chile dos portos e terras litorâneos. Sua grandeza mais recente, decerto, foi a eleição do líder indígena Evo Morales à presidência do Estado burguês. Lá, na distante Oruro, a 3.700 m de altitude, um sinalizador naval, usado por embarcações em alto-mar, foi disparado pela torcida de um clube visitante contra o público local e provocou a morte estúpida de um garoto de 14 anos. Muitos já escreveram sobre o criminoso episódio, mas ninguém se atreveu a dizer o que era possível ver sob o rastro sinistro daquele sinalizador. Aliás, não faltaram malabarismos retóricos na mídia para minimizar o ‘incidente’ ou, até mesmo, endossar o cinismo dos dirigentes corintianos, que chamaram o fato de mera “fatalidade”. Uma exceção, claro, é o craque-cronista Tostão, para quem a absurda morte retrata “a falta de civilidade, a desorganização e a violência no futebol sul-americano”. Mas há algo mais... Sob a névoa aziaga daquele foguete, pode-se ver a face opaca de Ricardo Teixeira, autoexilado em Miami, e também os óculos escuros, à la Médici, de Zé das Medalhas Marin, seu sucessor na CBF, o biônico da ditadura que delatou e levou à morte o companheiro Herzog. Repare bem, Tostão: sob o rastro sinistro, estão ainda os novos coronéis da ‘pátria’ e seus síndicos – gente como Sérgio Cabral (RJ), Jaques Wagner (BA) e Cid Gomes (CE) – , erguendo as arenas do futuro, pois o show não pode parar. Até a Copa, o que mais, além dos fogos de artifício da elite, explodirá em nossos céus? Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor associado da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível.

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Frei Betto

instantâneo

Duplo poder papal

Banksy

Altamiro Borges

Dilma enterra Ley de Medios NO DIA 20 DE FEVEREIRO, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez, confirmou o que todo mundo já desconfiava: a presidenta Dilma descartou de vez a possibilidade de o seu governo apresentar uma proposta de regulação democrática dos meios de comunicação. A Ley de Medios, como foi batizada na Argentina, foi enterrada no Brasil, um dos países mais atrasados do mundo neste debate estratégico. A notícia decepcionante foi postada primeiramente pelo sítio Tela Viva News: “Alvarez descartou a hipótese de que a reforma do marco legal das comunicações saia na forma de uma Lei Geral das Comunicações Eletrônicas, como o era previsto no anteprojeto de lei elaborado pelo ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins. Segundo Alvarez, que fez a abertura do Seminário Política de (Tele) comunicações, em Brasília, a questão, ‘com a qualidade e a profundidade que ela merece, necessitaria de uns dois ou três anos de discussão com a sociedade’”. O decepcionante anúncio gerou imediata e contundente reação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que congrega as principais entidades que lutam pela regulação democrática da mídia. Alguns

parlamentares também condenaram o recuo da presidenta Dilma. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação (Frentecom), lamentou a covardia política do poder executivo. Diante da confirmação do recuo, tanto o FNDC como a Frentecom defendem a urgência da mobilização da sociedade para pressionar o Congresso Nacional a debater o tema. Em sua plenária nacional de dezembro passado, o FNDC aprovou a elaboração de um projeto de lei de iniciativa popular pela regulação da mídia. O texto está em fase de elaboração e servirá de instrumento, a partir de abril, para os movimentos sociais coletarem mais de 1,3 milhão de assinaturas em defesa da democratização dos meios de comunicação. Dilma recebeu do governo anterior um projeto, elaborado pelo ex-ministro Franklin Martins, e o arquivou solenemente. Na sequência, o ministro das Comunicações jurou, num encontro com movimentos sociais, que seria feita uma consulta pública. Recuou. Agora, o governo confessa que enterrou o tema. O desafio é mobilizar diretamente a sociedade. O projeto de iniciativa popular só ganhará impulso com o ativo engajamento das forças políticas e sociais progressistas.

Vito Giannotti

Creches para cachorros NESTE MÊS LI VÁRIAS NOTÍCIAS sobre cachorros felizes da vida. Fiquei arrepiado ao ler, na Folha de SP de 10/2, uma manchete com artigo de quase página inteira: “Agora, cães vão para a creche e levam até lancheirinha”. Nada tenho contra cachorro. Não vivo na Coreia do Sul onde os cães são um prato delicioso. Mas logo pensei nos milhões de brasileirinhos que nunca viram uma creche. Eles não conhecem creche, mas há cachorrinhos felizes que conhecem. Vamos ver o que esta creche canina oferece. Diz o artigo: esta escola “é um espaço para cães passarem o dia com outros, cuidados por monitores, com atividades recreativas. Quais os benefícios? Reduzir a ansiedade e aumentar o bem-estar; diminuir quadros de estresse; socialização; controle de peso.” Maravilha. Onde ficam os filhos de empregadas domésticas que são forçadas pela situação a dormir na casa das caridosas patroas? São milhões! Em janeiro saíram muitas estatísticas sobre estas semi-escravas modernas que dormem nas casas das madames e deixam os filhos ...onde? Com quem? Quem cuida do estresse deles? Cadê as atividades recreativas destes pequeninos? O IBGE diz que o Brasil é o país com maior número de empregadas domésticas do mundo. E destas, milhões dormem na sua senzalazinha moderna que é o “quartinho de empregada”, lá na casa da patroa. Este exército de empregadas domésticas é uma das

heranças malditas da nossa escravidão. A imensa maioria acha isso normal. O preconceito e a exclusão social dos negros também são vistos como normais. Aliás, diz-se que não existem. E a situação vergonhosa da Saúde pública é por demais conhecida. E achada normal por muitos. Temos hospitais de altíssimo nível e altíssimo custo, como o Albert Einstein onde um dia na UTI custa R$ 55.000 reais. Lá, nem quem leva seu cachorrinho na creche pode entrar, mas só quem vai visitar sua empresa na Av. Paulista de helicóptero. E a saúde dos milhões de filhos das semi-escravas? Quantos meses devem esperar para fazer uma ressonância magnética ou outro exame mais apurado? De quem é a culpa? De Deus que não é. Nem do Papa que se mandou sem saber nada disso. A culpa é deste sistema social e político que precisa ser totalmente mudado. Como? Precisamos de um novo projeto de país. Um projeto popular. Para isso precisamos criar um espaço e um ambiente de discussão política. Precisamos de milhões e milhões de pessoas indignadas e dispostas a construir este novo país. Um país com creches iguais à dos cachorrinhos das madames, para toda criança brasileira. Mas para chegar a isso precisamos nos comunicar, divulgar essa ideia de novo país através de nossos jornais, nossas rádios, nossas TVs. Mas este papo fica para outra hora.

Uma fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) flagrou cinco bolivianos em condições análogas a de escravos em uma oficina de costura que fornecia roupas às Lojas Americanas. A relação entre a rede de lojas e a confecção era através da empresa HippyChick Moda Infantil (com a etiqueta “Basic+Kids”), ambas funcionam em Americana (SP). A informação foi divulgada pelo MPT no dia 19 de fevereiro. A fiscalização constatou que os bolivianos trabalhavam sem registro em carteira e cumpriam jornadas de até 12 horas diárias. Também foram encontrados indícios de aliciamento de mão de obra, fato que ainda está sob investigação. Cada peça produzida pelos tra-

O futuro papa provavelmente será um homem com menos de 70 anos Livre da sombra de Bento XVI (ou do superego, diria Freud), o novo papa se sentirá à vontade para imprimir aos rumos da Igreja a direção que lhe parecer conveniente. Convém lembrar que o papado é a única monarquia absoluta que resta no Ocidente. Isso significa que o pontífice romano não está sujeito a nenhuma instância humana que o possa questionar, julgar ou admoestar. Ao me perguntarem se prevejo candidaturas preferenciais, os chamados “papabiles”, fujo da questão regional, como a hipótese de se eleger um latino-americano, dado que o nosso continente abriga, atualmente, o maior número de católicos, 48,75 %. É óbvio que os italianos gostariam de retomar o monopólio do papado, mantido em suas mãos ao longo de 456 anos (1522-1978). Nesse caso, arrisco o palpite de que a disputa será entre o atual carmelengo, o cardeal Tarciso Bertone, e o arcebispo de Milão, Ângelo Scola. Bertone tem a seu favor ser homem de confiança de Bento XVI. Contra, a má administração da Santa Sé, cujas finanças pecam pela falta de transparência e frequentes casos de corrupção. Scola tem a seu favor ser renomado filósofo e teólogo, e também poliglota. Contra, tido como excessivamente conservador. O único palpite que me parece viável é que o futuro papa provavelmente será um homem com menos de 70 anos. O que restringe consideravelmente a lista dos virtuais candidatos. Roma já não suporta tantos conclaves em tão curto período de tempo. Eu mesmo me surpreendo ao constatar que, em quase sete décadas de existência, assisti à eleição de cinco papas e, agora, acompanharei a sexta. O tempo urge, o mundo já ingressa na pós-modernidade e a Igreja Católica ainda reluta em efetivamente aplicar a decisões do Concilio Vaticano II e admitir que fora da Igreja também há salvação. Frei Betto é escritor, autor de Um homem chamado Jesus (Rocco), entre outros livros, e assessor de movimentos sociais.

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fatos em foco

da Redação

Trabalho escravo em confecção das Lojas Americanas

BENTO XVI, AO RENUNCIAR, não perde o nome pontifício nem o direito de continuar no Vaticano, em cujas dependências já optou por permanecer após a eleição de seu sucessor, em março próximo. Como papa renunciante, Joseph Ratzinger poderia escolher, como sua nova residência, qualquer domicílio da Igreja Católica em um dos cinco continentes. Alguns arcebispos aposentados recolhem-se a mosteiros, como Dom Marcelo Carvalheira, arcebispo emérito da Paraíba, que vive com os beneditinos de Olinda (PE); ou em casa própria, afastado do burburinho urbano, como é o caso do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, que mora em Taboão da Serra (SP). Ao decidir permanecer no Vaticano, Bento XVI corre o risco de criar uma situação constrangedora. Ninguém duvida de que será ele o principal cabo eleitoral do futuro papa. Ratzinger nomeou 56% dos atuais membros do Colégio Cardinalício. E seu gesto de humildade, ao renunciar, o credencia a concorrer a um futuro processo de canonização. Com certeza passa pela cabeça de Ratzinger um ou dois nomes, entre os 209 cardeais (dos quais apenas 118 são eleitores), que considere mais aptos a assumir a direção da Igreja. Só um ingênuo supõe que o papa renunciante fica isento frente a uma eleição tão delicada e importante. Dela depende o êxito da missão confiada por Jesus a Pedro e os apóstolos. Os cardeais-eleitores não são obrigados a seguir possível sugestão de Bento XVI. Cada um tem o direito e o dever de votar de acordo com a própria consciência. Mas um bom número dos que dele receberam o chapéu cardinalício acredita ter com ele uma dívida de gratidão. Mesmo porque não gostariam de ver a barca de Pedro tomar rumos inesperados, como ousou João XXIII ao ser eleito, em 1958, para suceder Pio XII. Penso que o pontificado do futuro papa terá duas etapas bem nítidas: a primeira, enquanto Bento XVI viver. A segunda, após a morte do pontífice renunciante. Enquanto Bento XVI estiver vivo dificilmente o novo papa tocará em temas considerados, hoje, tabus (e proibitivos) por seu antecessor: fim do celibato obrigatório, acesso das mulheres ao sacerdócio, uso de preservativo, direito de relação sexual sem intenção de procriar, aplicação de células-troncos, união de homossexuais etc. Nenhum debate sobre tais assuntos será permitido, ainda que prossiga entre os católicos a dupla moral: a defendida pela doutrina oficial e a praticada pelos fiéis. Morto Bento XVI, e supondo que seu sucessor lhe sobreviva (o destino surpreende. Lembrem-se de João Paulo II, falecido 33 dias após ter sido eleito), então se iniciará a segunda etapa do novo pontificado.

balhadores era vendida por R$ 2,80 à HippyChick e depois repassada às Lojas Americanas.

McDonald’s pode ser multado em R$ 30 milhões

A empresa Arcos Dourados, que administra 640 restaurantes da rede de fast food McDonald’s no país (75% do total), teve, dia 25 de fevereiro, a última chance de apresentar ao Ministério Público do Trabalho uma proposta que regularize direitos trabalhistas dos funcionários, entre eles horários fixos e pagamento do salário mínimo. Caso as negociações não avancem, o órgão pedirá multa de R$ 30 milhões por dano moral coletivo. Já ocorreram outras duas reuniões, em outubro e novembro do ano passado, sem avanços na proposta.

Irregularidades concentramse em questões trabalhistas

As denúncias contra a rede, que começaram em Pernambuco, concentram-se principalmente em irregularidades na jornada de trabalho. Além dos funcionários terem a chamada jornada variável móvel, na qual eles começam a trabalhar cada dia em um horário – o que os impede de realizar outras atividades –, para muitos o início da jornada começa a contar a partir do retorno do horário de almoço. De acordo com investigações do MPT, o funcionário assina contrato de trabalho, mas não sabe qual é sua jornada nem o tempo diário de permanência na loja. Além disso, a rede é acusada de não pagar o salário mínimo e de proibir os funcionários de sair da loja durante o intervalo, o que faz com que eles sejam obrigados a fazer a refeição no local de trabalho.

Desde a edição 444, o jornal Brasil de Fato passou a ter quatro páginas a mais. Ou seja, agora são 16 páginas de informação e formação. Com isso, podemos levar para você mais reportagens, jornalismo inteligente e comprometido com as lutas da classe trabalhadora. Assim, acreditamos contribuir ainda mais para elevar o nível de consciência do povo, para que lute por mudanças e por uma sociedade justa. Quem ganha com isso é você, leitor. Assinatura anual: R$

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brasil

Em Minas, o primeiro presídio privado do país Governo MG

SISTEMA PRISIONAL Por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP), Ribeirão das Neves (MG) recebe quinto complexo prisional da cidade Maíra Gomes de Ribeirão das Neves (MG) O MUNDO dos negócios apresenta novidades no Brasil. No dia 28 de janeiro foi inaugurado o primeiro presídio privado do país. A unidade prisional formada por seis prédios será explorada por uma Parceria Público-Privada (PPP), tendo como responsável a empresa Gestores Prisionais Associados (GPA), consórcio formado por cinco empresas. O acordo, firmado em 2009 entre a GPA e o governo de Minas Gerais, estabelece o período de 27 anos para a parceria. Caberá ao Estado fiscalizar os serviços prestados e garantir a segurança da área externa do chamado Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP). Localizado no município de Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), o Complexo será composto por seis unidades penais. Três destinadas ao cumprimento de pena pelo regime fechado, duas unidades para o regime aberto (cada uma terá capacidade para 608 vagas) e um sexto edifício onde funcionará a administração do presídio, com capacidade para 3.040 detentos. A cidade, que conta com 300 mil habitantes, já abriga outros quatro presídios, totalizando cerca de seis mil presos. Esse número representa 12% de toda a população carcerária de Minas Gerais. A Penitenciária Agrícola José Maria Alkmin é a mais antiga da cidade, inaugurada em 1938. Desde então, não param de chegar presos e presídios no município. Com a chegada do Complexo, o número de presos deve chegar a 12 mil, quase 30% do total do estado. Crescimento desordenado O padre José Geraldo é morador de Ribeirão das Neves, e membro da Pastoral

Inauguração da Unidade I do CPPP em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte, primeira Parceria Público-Privada (PPP) no sistema prisional do país

Carcerária. Por seus envolvimentos com o tema e a cidade, é um dos fundadores da Rede Nós Amamos Neves. Ele afirma que menos de 7% do total de presos são provenientes da cidade de Ribeirão das Neves. Para ele, com a vinda de mais 3040 presos, aumentará significativamente o número de moradores na cidade. “Para a família ficar próxima do preso, acabam se mudando pra cá, criando então os aglomerados e as vilas”, afirma o padre. Ele conta que nos últimos quinze anos a população aumentou consideravelmente. “A cidade aqui aumentou muito devido ao déficit habitacional de Be-

A cidade dos presídios Saúde, educação e infraestrutura jurídica são áreas “esquecidas” pelo poder público de Ribeirão das Neves (MG) A psicóloga Francine Lopes é educadora popular e também membro da Rede Nós Amamos Neves. Ela narra que os moradores da cidade têm que lidar diariamente com as três principais consequências deste excesso de presídios na cidade. Afirma que o primeiro impacto observado na cidade é o psicossocial, criando um estigma para o município. “Além de ser cidade dormitório, é também chamada de ‘cidade carcerária’. Assim, a população tem uma baixa autoestima, não se orgulha de ser nevense e esconde que mora na cidade sob o risco de não encontrar serviço”, pontua Francine. Ela acredita que a vinda do Complexo PPP deve aprofundar este problema, incidindo principalmente sobre a vida os jovens que buscam trabalho. “Nós, da Rede, achamos que criar um estigma de ‘cidade dos bandidos’ é algo criminoso, porque a população perde sua capacidade de enfrentar a pobreza, de lutar por sua cidade, de buscar trabalho”, declara a psicóloga. Políticas públicas Francine afirma que não há interesse político em investimentos nos serviços públicos. Na área da saúde, a cidade conta com apenas um hospital público, com filas enormes para atendimento. Os mais de seis mil presos na cidade têm prioridade nos equipamentos de saúde, gerando mais espera e conflitos para a população nevense. A moradora Maria Marcolina Chaves mora em Ribeirão das Neves há 45 anos. Ela afirma sempre ter tido problema com o atendimento. “Eu, pra cuidar da minha saúde, tive que fazer um empréstimo e fazer um convênio em Belo Horizonte para me cuidar. Se for esperar aqui, a gente morre à míngua. Muita gente já morreu”, denuncia. Dona

Maria diz que diversas vezes já viu médicos levando materiais de trabalho de seus consultórios particulares para cuidar de pacientes da rede pública, tamanha é a falta de estrutura do hospital e dos postos. Na educação, o censo de 2010 demonstra o déficit do município. Naquele ano, 20,7% das crianças nentre 7 e 14 anos não frequentavam a escola. Outro dado mostra que a taxa de abandono do ensino fundamental de jovens entre 15 e 17 anos está acima de 50%. “O que mais me assusta aqui em Neves é ver construir presídio e não construir escolas. A maior parte das escolas daqui funciona em casas adaptadas, assim como os postos de saúde. Nos bairros periféricos, encontramos muitas crianças e jovens sem acesso à educação. Parece que estão sendo criados para irem para presídios”, declara a professora da rede municipal de Ribeirão das Neves, Nanci Ramos.

“O que mais me assusta aqui em Neves é ver construir presídio e não construir escolas” Estrutura Jurídica Segundo a psicóloga Francine Lopes, o terceiro impacto ocorre sobre a estrutura jurídica. O Fórum de Ribeirão das Neves tem prioridade para atendimento da Execução de Penas no município, dificultando o acesso do serviço à população. A Defensoria Pública deve abrigar quinze defensores, no entanto conta apenas com oito. E somente dois promotores trabalham no Ministério Público em Neves. A educadora afirma ainda que a estrutura física também é precária, sem salas de atendimento suficientes e nem mesmo espaço para arquivo de documentos. “Parte do arquivo do Fórum está no presídio José Maria de Alkmin, em um galpão com goteiras e à mercê de ratos. A infraestrutura geral do atendimento jurídico é muito precária e não suporta aumentar o número de presos”, aponta Francine. (MG)

A cidade já abriga outros quatro presídios, totalizando cerca de seis mil presos lo Horizonte. Por aqui ainda tem muita terra, o preço é mais barato e muitos vêm pra cá para arrumar um canto para morar e trabalhar em outras cidades vizinhas, como Contagem, Betim ou Belo Horizonte”, explica. Aliás, a pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/MG) afirma que o município de Ribeirão das Neves apresenta um dos maiores índi-

ces de aumento populacional de todo o estado de Minas Gerais, tendo quintuplicado a população local entre 1980 e 2007, data da pesquisa, de Tarcísio Bruzzi de Andrade. De 67.249 habitantes em 1980, Ribeirão das Neves passou a totalizar 329.112, em 2007. “Nós não estamos gritando contra as cadeias e sim contra o impacto que isso gera”, conclui o padre José Geraldo. O Plano Diretor da cidade foi criado apenas em 2006, demonstrando a falta de preparo das autoridades para receber esta população em busca de dormitório e as famílias que buscam proximidade com os detentos.

Irregularidades do Complexo PPP Segundo Ministério Público de Minas, presídio privado é ilegal e inconstitucional de Ribeirão das Neves (MG) O projeto do Complexo PPP foi apresentado no início de 2010. “Temos um governo claramente desenvolvimentista, neoliberal. Há uma tendência à privatização da saúde, da educação; essa é a política dos governos Aécio Neves e [Antônio] Anastasia”, afirma Francine Lopes, membro da Rede Nós Amamos Neves. O Ministério Público de Minas (MP/ MG) afirma que o formato de Parceria Público-Privada (PPP) para presídios é inconstitucional, uma vez que o estado está se desresponsabilizando da execução de penas e passando para a iniciativa privada. É também ilegal, já que não cumpre a Lei nº 12.936, que decreta o número máximo de 170 presos por unidade prisional, pois cada unidade do Complexo PPP terá 608 vagas. O projeto do Complexo Prisional foi aprovado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), em novembro de 2010, com algumas condicionantes. Dentre elas, a realização de três audiências para apresentar o projeto e esclarecimento à população. “Na primeira reunião, a Rede Nós Amamos Neves estava presente. Tínhamos vereadores do nos-

so lado, nós denunciamos muita coisa. Já nos outros dois encontros, a empresa realizou as audiências dentro do presídio José Maria Alkmin, intimidando a população em relação a sua participação. Assim, eles conseguiram a licença e inauguraram o presídio”, conta a psicóloga. Luta Ao longo do processo, a Rede Nós Amamos Neves realizou diversas atividades para divulgação e visibilidade da causa, como a paralisação da BR-040, encaminhamentos jurídicos e trabalhos com a comunidade nevense. Hoje, a luta da Rede é pela humanização do atual sistema prisional, buscando alternativas que possam, de fato, auxiliar na ressocialização do indivíduo. “Buscamos também tornar a cidade uma cidade com qualidade de vida, acesso à educação, saúde, moradia e, principalmente, ao transporte, principal problema de Ribeirão das Neves”, salienta Francine. O Padre José Geraldo diz que uma importante luta da Rede Nós Amamos Neves é pela criação de um espaço cultural na cidade. “Transformem a [penitenciária] José Maria Alkmin em um espaço para o povo, um espaço de educação, de cultura. Quem sabe até mesmo uma universidade?”, defende. “É um patrimônio, tem vinculo afetivo com a população, além da importância política, já que muito presos políticos de 1964 ficaram lá. Temos muitas propostas no campo do fortalecimento da identidade de Ribeirão das Neves”, conclui Francine. (MG) Maíra Gomes

Encontro de membros da Rede Nós Amamos Neves


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A legalização do cárcere privado Fred Wanderley/L5 Comunicação

SISTEMA PRISIONAL Juízes e especialistas avaliam que o modelo de privatização dos presídios é inconstitucional e, ao invés de reduzir o número de prisões, estimulará o crescimento da população carcerária José Francisco Neto da Redação SE UM COMÉRCIO, indústria, ou qualquer empresa, por intermédio de seu gerente, resolve prender alguém dentro do seu estabelecimento, é caracterizado como crime de cárcere privado. De acordo com o artigo 148 do Código Penal Brasileiro, a pena vai de dois a cinco anos de reclusão. É com esse exemplo que juízes e especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato comparam o modelo do primeiro presídio privatizado do Brasil. Inaugurado no final de janeiro deste ano pelo governo mineiro, o Complexo Prisional com Parceria Público-Privada (CPPP) está instalado em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte. O juiz de direito titular da Vara de Execuções Penais do Amazonas, Luís Carlos Valois, afirma que a administração de um presídio por uma empresa privada é algo “tremendamente temerário”. Ele esclarece que, por mais que o estabelecimento comercial tenha suas justificativas, o Estado, literalmente, pretende legalizar o cárcere privado. “As garantias de uma pessoa presa não podem ficar à mercê de um ente privado. Por isso que quem efetiva a prisão é sempre um policial, e quem deveria mantê-la é sempre um estabelecimento prisional público”, explica. Expansão Durante a inauguração do complexo prisional o governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia (PSDB), chegou a afirmar que a experiência mineira está sendo olhada com lupa, “não só por Minas, mas pelo Brasil todo”.

CPPP em Ribeirão das Neves: juristas temem que outros Estados copiem a iniciativa inconstitucional

Essa visão preocupa a ex-diretora do sistema prisional do Rio de Janeiro, Julita Lemgruber. “A sensação que eu tenho é que a gente vai enfrentar um tsunami. Isso vai invadir o país.” Ela ressalta que outros estados, aos poucos, estão aderindo a esse projeto. “São Paulo vai entrar para esse caminho. Pernambuco já entrou, Ceará já entrou, tem vários estados já. A curto prazo é muito atraente. Mas implica numa série de problemas em longo prazo”, ressalta. O crime compensa Com a privatização dos presídios o crime passará a ser “compensativo”. Essa é a avaliação do juiz de direito em São Paulo, Marcelo Semer. “Uma vez que o mercado da prisão passa a ser lucrativo, mais pessoas estarão interessadas em mantê-lo, e não diminuí-lo”, explica. O juiz de execução penal da Comarca de Joinville (SC) João Marcos Buch, lembra que, a partir da privatização dos presídios nas últimas décadas nos Estados Unidos, a população carcerária teve um crescimento abundante. “No Brasil, a seguir o modelo da privatização, corre-se o mesmo risco”, ressalta. Mercadoria O governo estadual também pagará às empresas administradoras R$ 2,7 mil por preso, mais que os R$ 2,1 mil que gasta atualmente com cada detento do sistema público. Para receber a remuneração definida na assinatura do contrato por vaga ocupada, a empresa gestora terá que cumprir todas as atividades definidas no do-

cumento. Caberá ao consórcio construir, implantar, manter e operar o complexo. O não cumprimento das condições estabelecidas, de acordo com o governo, implica em desconto automático no valor a ser pago pelo Estado. Para o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Valdir João Silveira, esse tipo de gestão só beneficia os empresários. De acordo com ele, quem privatiza não está preocupado com a reintegração social do preso. “Quanto mais tempo segurar um preso será melhor, porque ele vai produzir para a firma que está privatizando”, explica.

“Quanto mais tempo segurar um preso será melhor, porque ele vai produzir para a firma que está privatizando” Outro lado A assessoria de comunicação da Defesa Social de Minas Gerais informou em nota que o valor repassado por cada preso leva em conta fatores de manutenção dele no local (como pagamento de água, energia, salário dos monitores que atuam na segurança, acesso à educação etc.) Ressaltou ainda que no sistema público, se levasse em conta as mesmas variáveis, esse valor seria mais alto.

Um “recheio” de inconstitucionalidades Responsabilidades exclusivas do Estado serão, a partir da privatização, administradas pela empresa gestora do presídio da Redação O modelo do primeiro Complexo Prisional privatizado adotado em Minas Gerais é inspirado na experiência inglesa. De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds-MG), o consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), vencedor da licitação, é o responsável por construir e administrar o complexo. Ele terá que obedecer 380 indicadores de desempenho definidos pelo governo. O grupo será responsável pela manutenção do complexo e gestão dos serviços exigidos pelo Estado, que incluem atividades educativas e de formação profissional. A empresa também ficará responsável pelo fornecimento de refeições

e uniformes, tratamento de saúde, atendimento psicológico e assistência jurídica aos presos. Kenarik Boujikian, integrante da Associação Juízes para a Democracia, ressalta, entretanto, que essas responsabilidades são exclusivamente do Estado. “Como se vê essa ‘privatização’ está recheada de inconstitucionalidades, e as parcerias nem poderiam ser usadas para tal fim”, esclarece Kenarik. Em nota, a assessoria de imprensa do Consórcio GPA informou que a PPP prisional prevê a gestão compartilhada dos complexos pelo governo e pelo parceiro privado. Disse ainda que toda a administração da empresa será acompanhada de perto pelo governo e por uma auditoria independente, “o que faz com que o contrato seja seguido à risca pelo parceiro privado.” De acordo com os artigos 10 e 11 da Lei de Execução Penal (LEP), o Estado é quem deve prestar assistência material, social e jurídica ao detento. Determina também o atendimento médico e a orientação para a sua reintegração na sociedade. Advogado do diabo O juiz de direito em São Paulo Marcelo Semer vê conflito de interesses nessa

proposta de assistência jurídica terceirizada. Para ele, essa é uma prerrogativa da Defensoria Pública. “Ou o advogado custeado pela empresa estará em condições de noticiar abusos cometidos por seu próprio patrão?”, questiona. A Lei 12.313, de 19 de agosto de 2010, altera a Lei de Execução Penal para prever a assistência jurídica ao preso e atribuir competências à Defensoria Pública. Para o coordenador do Núcleo de Situação Carcerária e defensor público do Estado de São Paulo, Patrick Lemos Caciedo, essa é uma medida que fere a Constituição. Ele esclarece que um advogado vinculado à empresa gestora do estabelecimento prisional jamais tutelaria qualquer direito que fosse contrário ao seu empregador. “Somente uma instituição autônoma como a Defensoria Pública pode prestar a assistência jurídica gratuita, pois só ela tem condições de realmente tutelar os direitos das pessoas presas de forma independente”, argumenta. A reportagem entrou em contato com as assessorias da Defesa Social de Minas Gerais e a do Consórcio GPA para responder essa questão, mas até o fechamento dessa edição não obteve respostas. (JFN)

Estão faltando cadeias ou estão prendendo demais? Apesar dos 550 mil presos, o Brasil precisaria de mais 170 mil vagas para preencher o déficit das cadeias da Redação Em 68% das prisões brasileiras há mais do que nove presos por vaga. Em números absolutos, os maiores déficits estão no estado de São Paulo, que tem 62.572 mil presos a mais do que o número de vagas; Minas Gerais, com 13.515; e

Pernambuco, com 15.194. Ao todo, o Brasil tem um déficit de aproximadamente 170 mil vagas. Os dados são do sistema Geopresídios, do Conselho Nacional de Justiça. Dessa forma, os presídios ficam superlotados, sem higiene e com ambientes fétidos e insalubres. Locais onde o homem e a mulher estão devidamente abandonados pelo Estado. Hoje, no Brasil, a população carcerária se aproxima dos 550 mil presos, número suficiente para lotar seis Maracanãs e meio. De acordo com o levantamento feito pela equipe Direito Direito, apenas nove crimes são responsáveis por 94% dos aprisionamentos no Brasil. Entre eles o tráfico de drogas, com 125 mil presos, e os crimes patrimoniais – furto, roubo e estelionato - com 240 mil.

Mais penitenciárias? Para o juiz de direito titular da Vara de Execuções Penais do Amazonas, Luís Carlos Valois, só há duas formas de resolver o problema da superlotação: construindo mais penitenciárias ou prendendo menos. Ele explica, entretanto, que nem toda conduta deve ser criminalizada. “A questão das drogas é um grande exemplo. Misturam-se pequenos traficantes com homicidas, latrocidas e estupradores em razão dessa superlotação e em prejuízo da sociedade. Eu entendo que a prisão deveria ficar somente para os casos mais graves, de crimes cometidos com violência contra a pessoa. Esse sim seria um bom começo”, comenta. (JFN)

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brasil Douglas Mansur/Novo movimento

espaço sindical da Redação

Sindicatos comandam greve geral na Grécia Milhares de pessoas saíram às ruas da Grécia no dia 20 de fevereiro para protestar contra o alto desemprego e as medidas de arrocho impostas pelo governo. Os dois maiores sindicatos do país convocaram a paralisação de 24 horas, que fechou o comércio e afetou o funcionamento de vários serviços públicos. Médicos, advogados e professores também foram convocados à greve pelos sindicatos do setor privado (GSEE) e do setor público (Adedy). A paralisação foi a 30ª desde o início da crise econômica. A taxa de desemprego no país é a mais alta da Europa, tendo atingido o recorde de 27% em novembro. O desemprego entre jovens de 15 a 24 anos chega a 61,7%.

Educadoras da reforma agrária Turma do Curso de Pedagogia da Terra: 47 assentados graduados pela UFSCar

PEDAGOGIA DA TERRA Assentadas formadas em Pedagogia da Terra narram os desafios e obstáculos que enfrentaram para alcançar vitórias coletivas e pessoais Helton Ribeiro de São Paulo (SP) MORANDO e trabalhando na roça, no Ceará, Albertina Pereira dos Santos só teve oportunidade de começar a estudar aos 13 anos, quando a família se mudou para Guaraçaí, em São Paulo. Hoje ela é educadora formada pelo curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), financiado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e elaborado em parceria com os movimentos de trabalhadores rurais. O curso foi iniciado em 2008, com uma turma de 60 assentados da reforma agrária, dos quais 47 se graduaram em 2011. Os educadores formados pelo curso de Pedagogia da Terra estão habilitados a dar aulas em educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos (EJA). De acordo com a UFSCar, cinco egressas do curso trabalham atualmente como educadoras em escolas do campo, duas em escolas particulares e duas atuam como coordenadoras pedagógicas em seus municípios. Outra educadora foi contratada como assessora na área de educação no campo em uma editora. Há dois egressos cursando mestrado, três cursando especialização e dois como bolsistas de um grupo de pesquisa. Outros três estão na militância do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e três conseguiram empregos em atividades diversas na iniciativa privada. Prestando concursos na área de pedagogia estão 18 egressos.

O trabalhador rural levanta às 4 horas da manhã para tirar leite. O educador tem que se adequar a esses horários Albertina é uma das três que estão cursando especialização em Linguagens nas Escolas do Campo. O curso também é financiado pelo Pronera e foi elaborado pela Universidade de Brasília (UnB). As aulas são ministradas na Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, em Guararema. Ela planeja trabalhar com EJA. Sua monografia de conclusão do curso de Pedagogia da Terra foi sobre um acampamento de trabalhadores rurais sem-terra, em Guaraçaí, interior de São Paulo. “Quando sair o assentamento, pretendo montar um projeto para instalar uma sala de aula. Muitos jovens e adultos querem estudar, mas não têm condições de se deslocar até a cidade. O trabalhador rural levanta às 4 horas da manhã para tirar leite. O educador tem que se adequar a esses horários. E quando o educador está ali, no assentamento, dá para conciliar com o trabalho do educando”, justifica. Exemplo de vida Além do conhecimento adquirido no curso, Albertina tem outra coisa preciosa a oferecer aos seus futuros educandos: o próprio exemplo de vida. “Encontrei muitas barreiras para estudar e até hoje encontro. A diferença é que hoje sei enfrentar as barreiras.”

Entre os assentados paulistas ainda há

% 6 2 , 1 8 % 66 0 , 1 de não alfabetizados. Apenas

completaram o nível médio.

Albertina também tinha que conciliar os estudos com o trabalho, ora como empregada doméstica, ora como boia-fria. Sua educação formal não só começou tardiamente, como sofreu várias interrupções. Em 1972, concluiu o supletivo, que abrangia da 1ª à 4ª séries, ingressando no antigo ginasial. Depois de concluir a 5ª série, ela ficou um ano sem estudar porque a sala de aula do município foi fechada por insuficiência de estudantes matriculados. Entre a 6ª e a 7ª séries, perdeu mais um ano porque sua matrícula foi rejeitada na transferência para outra escola. “É a burocracia para impedir a classe trabalhadora de estudar”, acusa Albertina. Quando estava cursando a 7ª série, sofreu outra injustiça. Ela precisava apresentar uma declaração assinada pelo empregador para comprovar que trabalhava durante o dia e obter dispensa da disciplina Educação Física. Ao apresentar o documento, sujo e amassado por ter sido levado à roça, recebeu do diretor da escola suspensão de três dias. Revoltada, abandonou os estudos. Passaram-se 12 anos até que ela retomasse a 7ª série, em 1989. Já casada, superando as dificuldades, ela concluiu também o magistério e iniciou o curso superior de Letras em 1995. Mas, sem condições de pagar as mensalidades, teve que desistir do sonho de cursar uma faculdade no ano seguinte. “Eu nem pensava mais nisso, achava que nunca ia conseguir. A única chance que eu tive foi por meio do movimento social.” Exceções Albertina e seus colegas de curso ainda são exceções nos assentamentos da reforma agrária. Em São Paulo, onde existem aproximadamente 64 mil pessoas (16 mil famílias) vivendo em assentamentos rurais, apenas 1,42% dos assentados completaram o nível superior e 1,47% têm nível superior incompleto. Os dados são da Avaliação da Qualidade dos Assentamentos, Produção e Renda, realizada em 2010 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A dificuldade de acesso à educação formal se dá em todos os níveis. Entre os assentados paulistas ainda há 12,68% de não alfabetizados, 35,43% que cursaram apenas da 1ª à 4ª série e 27,85%, da 5ª à 9ª. Com nível médio incompleto são apenas 10,48%. E apenas 10,66% completaram o nível médio. O Pronera surge em 1998 justamente para atender às reivindicações dos movimentos sociais que alertavam para o alto índice de analfabetismo e os baixos níveis de escolarização entre os beneficiários da reforma agrária. A situação era agravada pela inexistência de políticas públicas voltadas à educação no campo. Inicialmente, o Pronera esteve vinculado ao então Ministério Extraordinário de Política Fundiária. Passou a ser de responsabilidade do Incra a partir de 2001. Para adequar o programa à realidade dos assentados, tem sido adotada uma metodologia conhecida como Pedagogia

da Alternância, em que o educando desenvolve parte de suas atividades na escola e parte na sua comunidade de origem. Com isso, preserva-se o vínculo com os assentamentos rurais. Aprendizado político O curso de Pedagogia da Terra abriu portas que vão além da reforma agrária. Muitos dos egressos estão prestando concursos públicos para atuar na área educacional. É o caso de Ana Carolina Hepe, aprovada em concurso da prefeitura de Piracicaba em 2012. Hoje, ela trabalha em uma creche municipal, com crianças de um ano e meio a quatro anos. E adora! “O nenezinho também é um ser pensante e a educação infantil oferece uma oportunidade de formar o caráter.” O idealismo com que se dedica à profissão é o mesmo que a fez, com apenas 11 anos de idade, convencer o pai a entrar na luta pela terra em 1999. A longa espera debaixo da lona preta foi recompensada em 2005, quando a família recebeu um lote no Projeto de Desenvolvimento Sustentável Comunidade Agrária 21 de Dezembro, em Descalvado (SP). Embora hoje Ana Carolina trabalhe e resida na cidade, o vínculo com o assentamento se mantém. “Meu pai está bem lá. A casa está pronta, ele acessou o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que oferece crédito para atividades produtivas] e plantou banana.”

“O curso me fez crescer tanto profissionalmente quanto pessoalmente. Foi um aprendizado político” Em relação ao curso de Pedagogia da Terra, sobram elogios: “o curso me fez crescer tanto profissionalmente quanto pessoalmente. Foi um aprendizado político”, avalia. Mesmo as falhas são justificáveis, na opinião de Ana Carolina. “Foi o primeiro curso. As condições de alojamento, por exemplo, eram precárias no começo. Mas, no final, o alojamento estava ótimo!” Ela conta também que possui outra visão de educação graças aos sete anos vividos em um acampamento de trabalhadores sem-terra. Às vezes, essa visão de mundo se choca com as práticas mais corriqueiras nas instituições de ensino. “No acampamento a gente aprende a decidir as coisas coletivamente. E isso não é tão comum em outros espaços”, exemplifica. Atualmente, o Incra e a UFSCar estão discutindo a criação de uma nova turma de Pedagogia da Terra. Em São Paulo, o Pronera mantém uma turma de Agronomia também em parceria com a UFSCar e já formou uma turma de Geografia em parceria com a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Além disso, são oferecidos diversos outros cursos, entre educação de jovens e adultos e cursos técnicos profissionalizantes. O mais recente projeto financiado pelo Pronera é a Residência Agrária, com investimento previsto de R$ 40,5 milhões para instituições de ensino executarem projetos de pesquisa e extensão rural voltados à inovação tecnológica e ao desenvolvimento de assentamentos da reforma agrária. Por meio de chamada pública lançada em outubro de 2012, foram selecionados 36 projetos de 24 universidades em 18 estados brasileiros. Ainda não há em São Paulo um curso de mestrado para os assentados da reforma agrária. Essa é uma reivindicação dos movimentos sociais. “Se tivesse um mestrado pelo Pronera, adequado à realidade dos trabalhadores rurais, eu faria”, reforça Albertina.

Farmacêuticos aprovam pauta de reivindicações No dia 22 de fevereiro, os trabalhadores compareceram a uma assembleia no Sindicato dos Químicos de São Paulo e aprovaram a pauta de reivindicações que neste ano, além da reposição salarial, contempla as cláusulas sociais, cujo acordo é válido por dois anos. Dentre as principais bandeiras do setor, estão: reajuste de 13%, piso salarial de R$ 1.500,00, redução de 10% da jornada de trabalho, licença- maternidade de 180 dias, garantia de emprego e de Organização no Local de Trabalho. A pauta de reivindicações foi construída em conjunto com a Federação dos Trabalhadores Químicos (Fetquim), que coordena a campanha unificada de 7 sindicatos – Químicos de São Paulo e região; Químicos do ABC; Químicos Unificados de Campinas, Osasco e Vinhedo; Químicos de Jundiaí e Químicos de São José dos Campos. Senado aprova regulamentação da profissão de comerciário No dia 20 de fevereiro, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 115/ 2007, que prevê a regulamentação da profissão de comerciário. A aprovação no plenário da Casa foi unânime e em caráter definitivo. Agora, o texto segue para a sanção presidencial. O PL, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), determina uma jornada de trabalho de oito horas diárias e 44 semanais para os trabalhadores do comércio e permite jornadas diárias de seis horas em caso de turnos de revezamento, desde que não ocorram perdas na remuneração e que o mesmo empregado não seja utilizado em mais de um turno de trabalho. O texto também estabelece que horários diferenciados – como, por exemplo, do trabalho aos domingos – sejam pactuados em convenções coletivas. A proposta ainda obriga que empresas e trabalhadores contribuam com as entidades sindicais, de acordo com normas a serem estabelecidas em assembleias da categoria, e oficializa o dia 30 de outubro como o Dia do Comerciário. A estabilidade da gestante segundo o TST Uma mulher teve reconhecida a estabilidade no emprego por ter engravidado depois da rescisão contratual, ainda no prazo do aviso prévio indenizado. O direito foi garantido pelo TST. A trabalhadora tinha sido derrotada duas vezes em instâncias inferiores, mas recorreu e acabou vencendo. A empresa alegava que a concepção ocorrera depois do desligamento da empregada. Ela havia sido demitida em 01/10/2009 e imediatamente desligada, com aviso prévio indenizado. De fato, a gravidez foi confirmada apenas em 18/11, mas a trabalhadora conseguiu provar que o bebê fora concebido ainda em outubro. Servidores da Bahia aguardam anúncio de reajuste salarial Os servidores públicos estaduais aguardam o anúncio do reajuste salarial do funcionalismo público, a ser aplicado retroativamente a partir de 1º de janeiro deste ano, quando ocorreu a data-base da categoria. Para o Auditor Fiscal Augusto Ferrari, diretor de Mobilização Sindical do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia (IAF), o assunto é de interesse dos mais de 270 mil servidores estaduais e deveria ser prioritário na agenda do governo, evitando assim, eventuais tensionamentos nas relações de trabalho. Segundo os dados do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia (IAF), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado por muitos o termômetro oficial da inflação no país, chegou no período a 5,84%, apontando uma expressiva defasagem no salário dos servidores estaduais, que precisa ser corrigida urgentemente pelo governo estadual.


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São Paulo para os paulistanos Claudio Manculi/Folhapress

CIDADE JUSTA Novo Plano Diretor Estratégico da cidade deverá trazer respostas a desafios como mobilidade urbana e déficit habitacional Patrícia Benvenuti da Reportagem A CENA É UM clássico no verão dos paulistanos. Depois do almoço, ao longo da tarde, o céu ensolarado vai ganhando uma cor cinza. É o sinal da forte chuva que se aproxima. Só que depois da tempestade não vem o arco-íris, e sim o caos. Alagamentos, ônibus e trens superlotados e engarrafamentos quilométricos são algumas das situações mais comuns depois da chuva. Ruim para todos, pior ainda para quem mora longe do seu local de trabalho. Os problemas estruturais de São Paulo, no entanto, não são exclusivos do verão e, durante todo o ano, se tornam inimigos do bem-estar da população. Segundo uma pesquisa da Rede Nossa São Paulo, oito em cada dez paulistanos estão insatisfeitos com a qualidade de vida na cidade. Dos entrevistados, 56% afirmaram que sairiam da capital paulista se tivessem oportunidade de viver em outro lugar. Em 2013, os paulistanos têm a chance de traçar um novo caminho para a metrópole. Neste ano, será elaborado o novo Plano Diretor Estratégico (PDE) da Cidade de São Paulo. Definido na Constituição Federal como “o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”, o PDE determina, na prática, como devem ser usados todos os espaços do município, bem como o que poderá ser construído ou o que deve ser proibido. De acordo com a lei federal, o PDE é obrigatório para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes e, a cada dez anos, é necessário que seu conteúdo seja revisto. O atual plano paulistano foi aprovado em 2002, por meio da Lei nº 13.430. Para 2013, a ideia não é começar do zero, e sim aperfeiçoar o Plano feito há uma década, aproveitando as propostas lançadas naquele momento e adequando-as ao cenário atual.

“Hoje não se constrói habitação popular, se constroem casas. Mas habitação é outra coisa” Relator do PDE em 2002, o vereador Nabil Bonduki (PT) considera que o mais importante hoje é dar um “rumo” para a cidade, a fim de reverter um quadro marcado por déficit habitacional, péssima mobilidade e problemas ambientais, dentre outras questões. Nes-

Ponto de alagamento em via de acesso à avenida Paulista, na região da Consolação, em São Paulo (SP)

se sentido, ele destaca a importância de um Plano participativo e abrangente. “O Plano Diretor vai dar as diretrizes para essa cidade, estabelecer os objetivos e as metas que se pretende. Não é o Plano Diretor que vai mudar a cidade, mas ele vai estabelecer estratégias que serão decisivas para a mudança”, explica.

Segundo uma pesquisa da Rede Nossa São Paulo, oito em cada dez paulistanos estão insatisfeitos com a qualidade de vida na cidade As primeiras discussões sobre o PDE já se iniciaram. Em 19 de fevereiro, durante um debate na Câmara Municipal, o prefeito recém eleito Fernando Haddad (PT) frisou a necessidade de se discutir novas políticas para a cidade, com o objetivo principal de aumentar o bem-estar da população. “Precisamos debater a cidade com transparência e tranquilidade, mas com determinação. São Paulo está exigindo providências”, declarou. Cidade mais justa Transporte, habitação, emprego, saneamento, mais áreas verdes, menos poluição. Muitas são as demandas que afetam desde os bairros mais ricos até as periferias. Os prejuízos, no entanto, recaem principalmente sobre a população mais pobre. Luiz Gonzaga da Silva,

Na mira das críticas Promessa de campanha, projeto Arco do Futuro provoca polêmicas da Reportagem Promessa de campanha do prefeito Fernando Haddad (PT), o projeto Arco do Futuro deverá ser o carro-chefe da Prefeitura de São Paulo nos próximos quatro anos. A obra prevê a reurbanização da cidade a partir da geografia dos rios que cortam a capital, com criação de empregos e moradias. O objetivo é reduzir o número de deslocamentos em direção às regiões centrais, “O Arco [do Futuro] passa por grande oferta de emprego e baixa capacidade demográfica. É uma oportunidade fantástica de criar emprego e adensar uma área”, afirmou o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, durante um debate na Câmara Municipal sobre o Plano Diretor Estratégico de São Paulo. O coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi, porém, vê o projeto com cautela. “O Arco do Futuro, para ser realizado, vai precisar fazer parte do Plano Diretor. E nesse sentido, ele vai precisar ser discutido com profundidade no processo de construção do novo Plano”, diz. Não são apenas as críticas de falta de participação popular que rondam o Ar-

co do Futuro. Em 21 de fevereiro, o vereador Gilberto Natalini (PV) anunciou ter feito uma representação no Ministério Público para que seja investigado um comunicado de chamamento emitido pela Prefeitura no início de fevereiro. O documento convoca empresas a manifestarem interesse na elaboração e apresentação de estudos de transformação urbana do chamado Arco Tietê, que integra o Arco do Futuro. Suspeita de favorecimento Para Natalini, há indícios de que o documento privilegie a empreiteira Odebrecht. Em dezembro do ano passado, Haddad visitou as obras do projeto Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, a convite da empresa, que já manifestou interesse em participar do projeto paulistano. De acordo com o edital, o estudo tem que demonstrar a viabilidade do projeto de intervenção, já definido de antemão como uma parceria público-privada. As empresas terão 60 dias para apresentar um estudo de viabilidade. “A publicação do edital pela prefeitura parece partir de uma manifestação clara de interesse por parte de uma empresa que já desenvolve um projeto semelhante em outra cidade”, afirmou em seu blog a relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik. “E, cá pra nós, só quem faz um estudo de viabilidade em 60 dias é quem já está estudando área ou tem estudo pronto, ou seja, a própria Odebrecht”, conclui. (PB)

Continuidade A elaboração de um bom Plano Diretor, porém, pode ser não suficiente. Para o coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi, é preciso aumentar a capacidade executiva do poder municipal. “Não adianta fazer um plano bonito no papel e depois não ter capacidade de execução”, alerta.

o Gegê, da Central de Movimentos Populares (CMP), defende que as novas diretrizes do PDE garantam às famílias de baixa renda não apenas habitação, mas toda uma rede de serviços. “Hoje não se constrói habitação popular, se constroem casas. Mas habitação é outra coisa: é você sair da sua casa e passar um ônibus público na sua porta, ter um hospital em frente. Tem que ter tudo”, diz. Para a geógrafa e integrante do Fórum Suprapartidário por uma São Paulo Saudável e Sustentável Ros Mari Zenha, a elaboração do Plano deve priorizar a construção de uma cidade mais justa. “Nós temos que fazer com que as camadas que têm menos poder aquisitivo possam morar próximo ao centro. Temos que misturar um pouco esse caldeirão que é a nossa cidade”, afirma.

“Não adianta fazer um plano bonito no papel e depois não ter capacidade de execução” Outra questão levantada por Broinizi diz respeito à efetivação das metas do Plano Diretor. Válido por uma década, o instrumento de planejamento passa por três administrações municipais, que nem sempre cumprem as diretrizes do Plano. O exemplo vem do próprio PDE 2002. Aprovado durante a gestão de Marta Suplicy em 2002, muitos dos seus pontos – como IPTU Progressivo e Zonas Especiais de Interesse Social – foram deixados de lado pelo prefeito que veio a seguir, Gilberto Kassab. Além de prejudicar a melhoria da cidade, o não cumprimento do planejamento urbano afeta diretamente os cofres públicos. “O que acaba acontecendo é muito dinheiro jogado no lixo, dinheiro que não é direcionado para aquilo que a cidade já tinha planejado e iniciado”, acrescenta Broinizi.

“É o Estado que tem que dizer onde pode construir, você não pode deixar isso nas mãos do mercado imobiliário” O planejamento de uma São Paulo diferente, contudo, tem um desafio pela frente: a sanha do mercado imobiliário. Segundo Ros Mari, o Plano deve marcar a retomada do controle do Estado sobre os espaços públicos. “É o Estado que tem que dizer onde pode construir, você não pode deixar isso nas mãos do mercado imobiliário. E é hoje o que está acontecendo”, salienta.

Entidades se mobilizam para garantir participação Envolvimento de diferentes entidades foi ponto positivo em 2002 da Reportagem Um dos pontos mais elogiados na elaboração do Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo (PDE) em 2002 foi seu caráter participativo. Na época, houve uma série de reuniões, espalhadas pela capital paulista, que tinham como objetivo capacitar a população para os debates. Em 2013, ano de revisar todo o conteúdo do Plano proposto há uma década, a expectativa é de que a participação seja novamente um aspecto positivo. A Prefeitura promete diálogo. “O Executivo depende desse debate [com a sociedade civil] para produzir o melhor”, afirmou o prefeito Fernando Haddad (PT) durante um debate realizado na Câmara Municipal em 19 de fevereiro. Segundo a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, a agenda de elaboração do PDE deverá contar com debates e seminários, sempre abertos à população, em vários pontos da cidade. O coordenador do Instituto Pólis, Nelson Sauler Júnior, no entanto, lembra que não basta que as atividades sejam públicas; é preciso que a população esteja preparada para participar. “O problema é como você garante que um tema tão complexo e difícil de ser apropriado, com uma linguagem muito técnica e às vezes

científica, seja transformado em um linguajar mais fácil”, explica Júnior, que destaca a possibilidade de usar recursos tecnológicos, como transmissões via internet, para envolver mais pessoas nas discussões. De olho As entidades da sociedade civil prometem acompanhar de perto a elaboração do Plano Diretor, a fim de evitar “surpresas” ao longo do caminho. O temor das organizações tem no que se basear. Em 2006, o então prefeito Gilberto Kassab enviou à Câmara um Projeto de Lei com a revisão de alguns pontos do PDE. A iniciativa atendia ao Estatuto da Cidade, que determina que, após quatro anos, alguns itens do Plano Diretor deverão ser reavaliados. No entanto, o PL era praticamente um novo Plano, cujas diretrizes beneficiavam diretamente o mercado imobiliário. “Naquele momento sentíamos que era uma coisa ‘casada’, o envio ao Legislativo de uma nova proposta sob o nome de uma “pseudorevisão” do Plano Diretor, que nada mais era que liberar estoques para o mercado imobiliário”, relembra a geógrafa e integrante do Fórum Suprapartidário por uma São Paulo Saudável e Sustentável, Ros Mari Zenha. A imposição de um novo Plano Diretor mobilizou 211 entidades da sociedade civil, que deram origem à Frente em Defesa do Plano Diretor. Com apoio da Defensoria e Ministério Públicos, elas conseguiram barrar a revisão na Justiça. Em 2013, a Frente volta à ativa para assegurar participação no novo Plano. (PB)


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Companhias querem o pré-sal Leandro Uchoas

PETRÓLEO Rodada de leilões prevista para maio aponta a tentativa das grandes petroleiras, com o apoio da mídia, de desestabilizar a Petrobras para se apropriarem do pré-sal Pedro Carrano de Curitiba (PR) A 11ª RODADA de licitações de blocos de petróleo nas áreas que não fazem parte do pré-sal (off shore), está prevista para os dias 14 e 15 de maio, já com a expectativa por parte das empresas e do governo federal de assinatura dos contratos em agosto. É a primeira tentativa de leilão de um bloco de petróleo na gestão de Dilma Roussef, tema que havia gerado polarização contra a candidatura de José Serra à presidência, durante o segundo turno das eleições de 2010. A atual medida é alvo de críticas de entidades ligadas ao tema do petróleo e da soberania nacional. A oposição aos leilões é uma bandeira recorrente que deu origem, inclusive, à campanha “O petróleo tem que ser nosso”. O sindicalista João Antônio de Moraes, da Federação Única dos Petroleiros (FUP), defende que não basta haver restrições na lei somente em relação ao pré-sal. “Isso não traz nada de positivo. A agenda neoliberal tem grande peso dentro do governo e afeta nossa soberania nacional, que poderá ficar nas mãos de empresas privadas”, critica. Emanuel Cancella, integrante da Frente Nacional dos Petroleiros (FNP), enxerga tal comportamento como submissão do governo brasileiro aos países estrangeiros e suas transnacionais. “Isso só se explica pela influência do grande capital”, afirma ao Brasil de Fato.

Manifestação contra os leilões do petróleo realizada em Brasília em 2011

“A agenda neoliberal tem grande peso dentro do governo e afeta nossa soberania nacional, que poderá ficar nas mãos de empresas privadas” Pressão No geral, as análises das organizações trabalhistas apontam que uma forte pressão da mídia, aliada aos interesses das transnacionais do petróleo, tem o objetivo de desqualificar a atuação da Petrobras (BR). Com isso, abre-se espaço para a abertura de leilões e participação dessas companhias estrangeiras, rompendo com a centralidade da Petrobras nas operações. O atual marco regulatório garante que, em áreas consideradas estratégicas pelo governo, a BR pode ser contratada com exclusividade. A crítica à Petrobras nos meios de comunicação se deu por conta da queda de seu lucro em cerca de 40% comparado com os R$ 33,3 bilhões de lucro líquido em 2011. Cabe ressaltar, entretanto, que o lucro segue na casa dos R$21 bilhões. A mídia corporativa segue a linha de elogiar a gestão da atual presidente da Petrobras, Maria das

Graças Foster, devido à medida de colocar os poços em leilão. O outro alvo de crítica da mídia corporativa está na concepção dada durante o governo Lula sobre o marco regulatório do pré-sal, focado na partilha de produção, que garante a participação da estatal. “Sem uma Petrobras saudável, será impossível explorar as riquezas do présal. E, sem dividir o fardo da exploração com outras empresas, o investimento em novos campos seguirá paralisado”, defende o texto publicado na revista Exame (20/02/13), da editora Abril, do empresário Victor Civita. De acordo com Emanuel Cancella, tal articulação pretende retomar o contexto da privatização dos anos 1990. “Primeiro lançam mão da depreciação, para, depois, vender. A [Maria das Graças] Foster também entra em uníssono, admitindo a empresa como insuficiente. Mas como? Se a própria Agência Internacional de Energia (AIE) disse que a Petrobras é a empresa mais brilhante do setor”, argumenta Cancella.

“Primeiro lançam mão da depreciação, para, depois, vender” Autossuficiência O posicionamento das organizações sociais e trabalhistas é de que a auto-suficiência atingida pela produção brasileira de petróleo e as descobertas recentes nos blocos do pré-sal eliminam a necessidade de licitação e a exploração de novas reservas. “O leilão é um absurdo. Quando o Brasil atingiu (reservas de) 14,2 bilhões de barris, tornou-se auto-suficiente para 15 anos. A Petrobras já descobriu 50 bi-

lhões de barris a mais, ou seja, não temos que procurar petróleo de forma açodada”, comenta Fernando Siqueira, da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), para quem leiloar e permitir a exploração por parte de empresas estrangeiras garante apenas de 30 a 40 por cento da renda petrolífera para o país.

“O leilão é um absurdo. Quando o Brasil atingiu (reservas de) 14,2 bilhões de barris, tornou-se autossuficiente para 15 anos” Ele defende que a prioridade de projeto para o país é investir no processamento daquilo que já foi descoberto. “Temos que investir na área de refino, porque importar derivados do petróleo dá prejuízo, o governo perde 32% em impostos, e a Petrobras perde em cima do derivado. Temos que investir em refinarias. Não tem que ter leilão para descobrir mais petróleo, uma vez que petróleo nós já temos”, defende Siqueira. As descobertas de óleo em poços, alguns deles até mesmo acima do que era estimado (leia box), reafirma a necessidade de planejar a extração, em uma conjuntura marcada pela escassez do recurso e possível aumento dos seus preços. “O leilão passa a idéia de que precisamos produzir. É, entretanto, lamentável tratar dessa forma errônea um recurso estratégico para o futuro”, defende Emanuel Cancella, da FNP. Segundo revela João Antônio Moraes, da FUP, a cada quatro poços perfurados no mundo, três são secos, e, no pré-sal a

cada dez poços perfurados, oito tem petróleo. O sindicalista afirma que, atualmente, estamos produzindo 200 mil barris diários da Petrobras na área do pré-sal, o que equivale a 10% da produção total. A campanha O Petróleo Tem que Ser Nosso manifestou-se contrária à decisão dos leilões. “A volta dos leilões representa a privatização de um dos maiores recursos naturais do Brasil. É entregar um patrimônio que, controlado pelo Estado, estará a serviço de todos. Será possível, por exemplo, subsidiar o preço de derivados, como o gás de cozinha (poderia custar R$ 1,00 para os mais pobres), melhorando a vida do brasileiro. Já se for privatizado, por meio dos leilões, o petróleo estará a serviço dos interesses imediatos do capital”, defendem em nota movimentos sociais ligados à campanha”. (Colaborou Eduardo Sales de Lima)

Reservas do Pré-sal 25 é o número de poços explorados

no pré-sal pela Petrobras, que descobriu até aqui um potencial superior a 50 bilhões de barris de reservas: Campo de Tupi – 9 bilhões de barris de reservas de óleo equivalente (Óleo, gás e condensado); Iara – 4 bilhões; Carioca – 10 bilhões; Franco – 9 bilhões; Libra – 15 bilhões; Guará – 2 bilhões; Fonte: Aepet

Diferente das grandes petroleiras ABr

Sindicalistas defendem que empresa nacional não faz seus cálculos apenas a partir de interesses de mercado de Curitiba (PR) Emanuel Cancella, coordenador da Frente Nacional dos Petroleiros (FNP), ressalta que a Petrobras apresenta um projeto que se diferencia das petroleiras estadunidenses. Isso porque não faz apenas seus cálculos a partir de interesses de mercado. Ele exemplifica que a companhia financia 50% do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Dessa forma, é, ainda, a empresa que mais paga impostos para União, estados e municípios. “Alguma outra empresa ficaria oito anos com o preço da gasolina congelado, para impedir que a inflação e os preços disparassem? E isso pode ser considerado ruim para o povo brasileiro?”, questionou Cancella. Fernando Siqueira, da Aepet, explica que a Petrobras apresenta a necessida-

Mancha de óleo provocada pelo vazamento no poço da Chevron na Bacia de Campos, no norte fluminense (RJ)

“A empresa estrangeira leva uma parte muito grande em detrimento da nação, que é a verdadeira dona do petróleo”

de de contratar empresas perfuradoras, mas não tenta realizar economia, atenta ao risco de acidentes. “As empresas contratantes e a Petrobras nunca tentam esse tipo de economia, não há preocupação com o meio ambiente por parte das outras empresas. O fato é que a Petrobras é a que mais entende da perfuração em água profunda. Então, não tem nenhuma explicação lógica para contratar empresa estrangeira para fazer isso”, argumenta. Casos de destruição ao meio ambiente ocasionados pelas grandes companhias se multiplicam. O delta do rio Níger está destruído devido à ação da petroleira Shell. A Exxon está sendo processada por um derramamento de óleo no Alasca. A Chevron, no Brasil, foi multada, em setembro de 2012, em R$ 35,16 milhões, também por danos ambientais. No Equador, essa mesma companhia foi multada em 20 bilhões de dólares. “A empresa estrangeira leva uma parte muito grande em detrimento da nação, que é a verdadeira dona do petróleo. No caso que houve no Golfo do México e no campo de Frade (Brasil), a British Petroleum e Chevron mandaram fazer economia, o que acabou resultando em desastres e mortes de pessoas”, afirma Siqueira. (PC)


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Povo não é dono da democracia Marcello Casal Jr/ABr

“FORA RENAN” Mobilizações contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) vocalizam insatisfação popular, mas sistema político impede controle social dos mandatos eletivos Pedro Rafael de Brasília (DF) O MOVIMENTO “Fora, Renan”, que pretende destituir o cargo do recém eleito presidente do Senado Federal, é o mais novo caso de militância virtual a canalizar a insatisfação popular com os vícios da prática política institucional no país. A mobilização começou antes mesmo da escolha do senador para a função mais importante do Congresso Nacional, no último dia 1º de fevereiro. O presidente do Senado é o terceiro na linha sucessória da Presidência da República.

“Houve toda essa mobilização e o que foi possível ser feito?” Novas denúncias da Procuradoria Geral da República (PGR), encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma semana antes da eleição, reúnem provas sobre a falsidade de notas fiscais apresentadas pelo senador para justificar gastos pessoais. É o desdobramento das acusações que forçaram Renan Calheiros (PMDB-AL) a renunciar ao mesmo cargo em 2007, quando foram reveladas informações de que um lobista pagava despesas do parlamentar, em volume incompatível com sua renda. Poucos dias após a posse, uma petição criada na internet obteve 1,6 milhão de assinaturas a favor do impeachment de Calheiros. De forma simbólica, os grupos anticorrupção que criaram a petição vieram a Brasília entregar caixas com as assinaturas para a Mesa Diretora do Senado. A isso se seguiram protestos em pelo menos 30 cidades ao longo da última semana. As ações de rua, no entanto, não foram capazes de mobilizar mais do que algumas dezenas de pessoas.

“A origem de um mandato, que é quem votou, não tem nenhum mecanismo para cassação desses representantes” “Houve toda essa mobilização e o que foi possível ser feito? Entregar no Senado, para a mesa diretora, presidida pelo próprio Renan Calheiros, que é quem vai decidir se vai para o Conselho de Ética ou não. Faltam mecanismos para o controle social da representação”, demonstra José Antônio Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e coordenador da plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político. De fato, um processo de impeachment ou cassação de mandato parlamentar só pode começar a partir de uma denúncia no Conselho de Ética do Poder Legislativo, segundo a Constituição Federal. Projetos de iniciativa popular, que requerem a subscrição de ao menos 1% do eleitorado, ou cerca de 1,3 milhão de pessoas, não têm o poder de interromper um mandato eletivo.

“Não dá mais para a representação ter o poder absoluto” Democracia participativa Moroni, que coordena uma campanha nacional para recolher milhões de assinaturas em favor de um projeto de iniciativa popular de reforma política, cobra mudança nesse modelo. “A origem de um mandato, que é quem votou, não tem nenhum mecanismo para cassação desses representantes. Dentro da iniciativa popular, nós criamos a possibilidade da revogação do mandato ser proposta via iniciativa popular. Propomos que o eleitorado tenha poder para convocar referendo para perda de mandato”, analisa. Uma das ideias é abrir espaço para representantes da sociedade civil nos conselhos de ética dos parlamentos, das Câmaras de Vereadores ao Congresso Nacional. “Não dá mais para a representação ter o poder absoluto [sobre os mandatos] como tem no Brasil, isso tem que ser rompido”, completa.

Protesto diante do Congresso Nacional pela saída de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado

Militância virtual e falta de debate público Protestos pontuais na internet ainda não conseguiram deslocar o centro da luta política para as ruas, com ampla participação social de Brasília (DF) A diferença entre o tamanho da mobilização virtual e as ações de rua no movimento “Fora, Renan” expõe as limitações da internet como espaço principal da luta política. O jornalista e coordenador do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), Pedro Ekman, crê na capacidade agregadora da rede, mas pondera que o enfrentamento do poder deve ser disputado no embate físico das ruas. “Talvez essas pessoas não tivessem a oportunidade de falar categoricamente que elas não concordavam com essa movimentação do Senado se não tivesse uma petição, uma coisa que unisse a todos num movimento de rede social. Por outro lado, isso acaba sendo algo automático, uma terceirização [do protesto]. Há uma diferença muito grande en-

tre uma mobilização de rua e outra virtual. Ir para as ruas é um ato de desprendimento e de enfrentamento muito mais poderoso do que a internet”, pondera. José Antonio Moroni, do Inesc, sente que parcela importante da sociedade quer dar um basta no modo como determinadas figuras públicas se relacionam com a política e as instituições do Estado. Porém, segundo ele, não há um debate público que entre fundo nas questões fundamentais do sistema político.“O grande problema é que essa mobilização não se pergunta como o

“Há uma diferença muito grande entre uma mobilização de rua e outra virtual” Renan é eleito sempre que se candidata ou por que consegue tanto apoio dentro do PMDB. Como o nosso sistema político dá origem a políticos que tem esse tipo de prática e mantêm o poder que tem? Só o debate público é capaz de colocar essas questões, por meio da mobilização social mesmo, não apenas a virtual. Nada substitui a luta política coti-

diana, a ocupação das praças, as manifestações de rua”, observa. O papel da mídia, como “ator político”, também condiciona o escopo dos assuntos que se convertem em protesto público. É o que avalia o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, Francisco Fonseca. “Essas manifestações se dão muito no âmbito federal. O estado de São Paulo, por exemplo, tem uma vida política e administrativa bastante caótica, com graves problemas éticos, mas normalmente não se vê esse tipo de repúdio. Minha ponderação é que manifestações assim se dão muito mais em relação aos assuntos que tem uma vitrine, uma luminosidade midiática maior. No largo espaço de problemas que temos, creio que caberiam mais manifestações”, argumenta. Conchavos Compreender o círculo vicioso do atual sistema político brasileiro é primordial para fazer o debate público. “Não se trata de uma coisa isolada, personalizada no Renan Calheiros. Todos os estados têm figuras políticas como ele, com um poder enorme. Esse poder está ligado à nossa cultura política, que passa pelos acordos, pelo financiamento privado de campanhas, pelo domínio que esses grupos têm sobre os meios de comunicação”, aponta José Antônio Moroni. (PR)

Renan manda recado para oligopólio da mídia Fiador da governabilidade, presidente do Senado pode ser aliado estratégico dos empresários da comunicação contra democratização dos meios de Brasília (DF) Depois de ser eleito presidente do Senado em meio a uma onda de denúncias e protestos, Renan Calheiros (PMDBAL) lançou mão de dois movimentos políticos. O mais público deles foi manter uma postura silenciosa diante das acusações e anunciar cortes de despesa no Congresso Nacional, como forma de reagir à pauta negativa. O segundo movimento, bem mais implícito, está contido em um artigo publicado pouco antes do Carnaval, no jornal Folha de S. Paulo. Nele, Renan sapeca: “passo relevante é a defesa do nosso modelo democrático, a fim de impedir a ameaça à liberdade de expressão, como vem ocorrendo em alguns países. O chamado inverno andino não ultrapassará nossas fronteiras”. O senador se referiu à aprovação de leis que atualizam o marco regulatório das comunicações em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina. “Ele fez uma sinalização de que pode ser pe-

ça chave para impedir qualquer processo de regulação democrática dos meios de comunicação como tem ocorrido nesses países”, avalia Pedro Ekman, do Intervozes. Divisão do espectro A questão central tratada nas reformas de comunicação desses países andinos, segundo Ekman, é a divisão do espectro eletromagnético (os canais de rádio e TV) para cada setor: um terço para o setor comercial com fins lucrativos, um terço para o setor público sem fins lucrativos e outro terço para o setor estatal. “Ou seja, é uma reforma agrária da comunicação”, explica. A regulação das comunicações, como tem ocorrido na América do Sul, é fenômeno comum na maioria das democracias europeias e nos Estados Unidos. “Atualmente, no Brasil, o espaço é quase que absolutamente ocupado pelos setores comerciais”, acrescenta o jornalista. O mal da governabilidade Com o PMDB no controle total do Congresso Nacional pelos próximos dois anos, o governo Dilma Rousseff já assumiu publicamente ter desistido de levar adiante um debate sobre um novo marco regulatório das comunicações. Na última semana, em evento dos empresários de telecomunicações, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações, César Alvarez, descartou qualquer medida nessa direção, alegando ser um ano préeleitoral e sem tempo hábil para um “amplo debate”, segundo justificou.

“O Brasil está atrasadíssimo nessa pauta e não por incompetência, mas por posição política, por fazer esse tipo de acordo com os grandes meios, como o Renan Calheiros faz de forma indireta”, critica Pedro Ekman. O jornalista rebate o argumento de que o recuo do governo brasileiro se dá por causa da governabilidade e da correlação de forças. “Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner não tinha a melhor correlação de forças do mundo, sua popularidade e votação são bem menores que os governos petistas, mas ela fez. Teve desgaste, mas comprou o debate”, afirma. José Antônio Moroni, do Inesc, também critica a noção de governabilidade operada pelos agentes políticos no Brasil. “Os governos Lula e Dilma optaram por ancorar apoio político quase exclusivamente no sistema partidário, que é arcaico e corroído, e já não representa a diversidade da sociedade. Mas poderiam muito bem ter ancorado a governabilidade nas organizações, nos movimentos sociais e na própria sociedade”, avalia. Da forma como a governabilidade é atualmente construída, acrescenta Moroni, todos os vícios do sistema são trazidos para a prática política dos governos. O professor Francisco Fonseca, da FGV/SP, pondera que a coalização partidária é vital, mas também lamenta o excesso de “realismo” dos últimos governos. “Tem que negociar apoio e negociar o programa, essa é a lógica. O que chama a atenção, porém, é que tanto o governo Lula quanto a gestão Dilma não tentaram mudar as regras do jogo”. (PR)


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Portuários contra a MP 595 Paulo Passo

INFRAESTRUTURA Trabalhadores de portos realizaram paralisações e forçaram governo a negociar sobre concessões à iniciativa privada Pedro Carrano de Vitória (ES) TRABALHADORES do setor portuário realizaram uma paralisação nacional na manhã do dia 22 de fevereiro para discutir a presença da iniciativa privada no setor. A greve amedrontou o setor exportador e fez com que o governo abrisse um canal de diálogo com os portuários, que encerraram o movimento com saldo positivo. Em dezembro de 2012, o governo federal editou a MP 595, que permite uma maior participação da iniciativa privada no setor portuário e prevê investimentos da ordem de R$ 56 bilhões. O governo utiliza o argumento de que as concessões à iniciativa privada estimulam a competitividade no setor e ajudarão a superar gargalos na infraestrutura. Este argumento, somado à proximidade dos megaeventos, foi utilizado quando das concessões à iniciativa privada nos aeroportos, em 2012, medida que foi chamada de privatização por críticos.

Foi firmado que “não serão licitados pela União novos arrendamentos de terminais portuários ou concessões portuárias” Os que se opõem à MP 595, sobretudo os trabalhadores portuários, apontam a possibilidade de aumento da precarização do emprego, o uso de equipamentos públicos para fins privados e, de forma mais ampla, o aprofundamento de um modelo econômico exportador de commodities. Desde 1993, a iniciativa privada já está presente no setor portuário, porém, com a MP, a presença se tornaria ainda maior. José Renato Inácio de Rosa, da Federação Nacional dos Portuários, aponta que a iniciativa privada no setor utiliza-se dos portos organizados (públicos), sem qualquer custo adicional. “Eles não têm qualquer ônus. E ainda poderão utilizar trabalhadores dos portos públicos”, explica. Para o dirigente, a greve foi positiva e a categoria espera que o governo altere pontos importantes da MP. “O ministro

Trabalhadores portuários avulsos ocupam navio chinês atracado no porto de Santos (SP)

da secretaria dos Portos, Leônidas Cristino, afirmou que pode rever alguns pontos. Mas só teremos um termômetro disso nos próximos dias, quando apresentarmos ao governo quais são os nossos pontos inegociáveis”, avalia. As paralisações se deram em um momento em que o setor se preparava para exportar uma quantidade recorde de soja, cerca de 80 milhões de toneladas. Movimento A manhã inteira de paralisação, no dia 22 de fevereiro, pressionou o governo federal a sentar na mesa com os trabalhadores portuários para debater a MP 595. O governo, por sua vez, não retirou ou atrasou o trâmite da MP no Congresso Nacional. Porém, foi instalada uma Mesa de Diálogo com os representantes dos trabalhadores, com prazo de conclusão até 15 de março de 2013. Foi firmado ainda um Termo de Compromisso que estabelece que “não serão licitados pela União novos arrendamentos de terminais portuários ou concessões portuárias” até que a mesa chegue a uma definição sobre o assunto. A repercussão e o desdobramento da ação em diversos estados foi considerada importante pelo movimento, no entanto,

uma das avaliações é de que será necessário seguir pressionando por alterações na Medida Provisória de acordo com o interesse dos trabalhadores. “Não sabemos se a pauta vai ser retirada do Congresso, afinal as forças conservadoras ali são grandes”, diz Paulo Giovaninni, do Sindicato Unificado da Orla Portuária (Suport-ES). A MP apresenta 650 propostas de emendas, dentre as quais 80 partem das três federações existentes de trabalhadores portuários.

No Brasil, ocorreram protestos em todos os portos nacionais, entre eles Maranhão, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, e Sergipe. “Nosso problema é a ameaça contra o nosso campo de trabalho”, comenta Adão Ferreira Rocha, portuário há 20 anos em Vitória. Segundo ele, em 1998 sua categoria também realizou uma greve com grande capacidade de pressão. A atual greve não teve enfoque econômico, na realidade foi uma medida defensiva contra o risco de precarização nas relações de trabalho no interior dos portos. Os portuários argumentam que as mudanças trazidas pela MP permitiriam uma abertura de mercado a novos profissionais não cadastrados no Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), o que traria prejuízos salariais e risco de demissões para a categoria. “Isso também tem a ver com uma reserva de mercado. Pois a MP permite a contratação de empreiteiras de serviço temporário, o que tira a nossa garantia de trabalho”, esclarece Renan de Almeida, da base do Sindicato dos Estivadores do Espírito Santo, em paralisação em um dos terminais de Vitória.

“Não sabemos se a pauta vai ser retirada do Congresso, afinal as forças conservadoras ali são grandes” Contra a privatização Em Vitória, capital do Espírito Santo, houve dez pontos de manifestação, reunindo categorias com representações sindicais diferentes, tais como arrumadores, conferentes, estivadores, administradores e capatazia. Cerca de 1.800 trabalhadores paralisaram suas atividades.

Em Santos, trabalhadores ficam sem acesso a água Divulgação

Na luta por empregos, trabalhadores do porto de Santos são vítimas da violação aos direitos humanos Sandro Thadeu de Santos (SP) Os navios negreiros, palcos de muitas injustiças, violências e mortes, deixaram de existir. Tais práticas lamentáveis foram, infelizmente, uma realidade em razão da ganância dos empresários da época. Esse tipo de embarcação não existe mais. No entanto, as violações contra os direitos humanos ainda são uma realidade nesse meio. Um exemplo ocorreu no dia 17 de fevereiro, quando um grupo de trabalhadores portuários avulsos de Santos ocupou o navio chinês Zhen Hua 10, atracado no Terminal Embraport ao lado da Ilha Barnabé, no Porto de Santos. O motivo do protesto foi o fato de a empresa não utilizar a mão de obra avulsa no descarregamento de equipamentos.

“A única coisa que pensei assim que fui informado do caso é que precisava agir o mais rápido possível” Como forma de intimidar os trabalhadores nessa mobilização de dois dias pela manutenção de empregos, o fornecimento de água, comida e demais supri-

O representante da Cruz Vermelha em Santos, Bento Ferreira

mentos básicos para a sobrevivência foi interrompido. Foi um ato de resistência e coragem, devido à fome e ao intenso calor (a temperatura estava na casa dos 30 graus). Para representantes da categoria, a perda desse serviço foi um dos primeiros reflexos da Medida Provisória (MP) 595, o novo marco regulatório do setor portuário, que está em discussão no Congresso Nacional. Ajuda humanitária O desrespeito para com os avulsos que chegaram ao navio chinês sensibilizou a população. Diretores do Sindicato dos Estivadores tentaram levar comida e água para os trabalhadores, mas foram impedidos por uma lancha da Capitania dos Portos, ancorada a 40 metros

da embarcação estrangeira. Após ter conhecimento desse absurdo e de que alguns portuários passavam mal, o representante da Cruz Vermelha em Santos, Bento Ferreira, de 50 anos, prontificouse a ajudá-los imediatamente. Ele recebeu uma mensagem de um amigo pelas redes sociais, bem como um ofício assinado pelos diretores dos sindicatos dos Estivadores e dos Trabalhadores Portuários (Sintraport). “A única coisa que pensei assim que fui informado do caso é que precisava agir o mais rápido possível. Aquele não é um navio negreiro”, ressaltou. Ao embarcar no navio chinês sem nenhuma dificuldade, após rápida autorização do consulado do país asiático, trouxe uma refeição completa para cada um dos 34 brasileiros da embarcação,

um estoque de água para dois dias e gelo. Na sequência, fez uma avaliação física de cada um deles. Alguns eram hipertensos e diabéticos. “Se a Cruz Vermelha não atuasse, tenho certeza que a situação de saúde deles poderia piorar. A sede era intensa. Não tinham o direito de utilizar o banheiro”. “Avalio essa situação como uma vergonha. Eram humanos impedidos de se alimentar por semelhantes. Infelizmente, já me deparei com situações de autoritarismo como essa em todo o mundo”, desabafou o representante da Cruz Vermelha, que atua há 34 anos em atividades de ajuda humanitária. O vice presidente do Sintraport, Claudiomiro Machado, o Miro, era um dos portuários auxiliados por Ferreira. Ele disse que a única concessão da tripulação chinesa foi o fornecimento de um galão de água de 20 litros em temperatura ambiente, apesar da alta temperatura. “Os colegas a beberam como se estivessem em um deserto. Com o calor, não estava fácil aguentar. Isso não se faz nem com prisioneiros de guerra”, explicou. Diante do impasse, os sindicatos e a Embraport conseguiram fechar um acordo para a desocupação do navio, na última terça-feira (dia 19). Ficou acordado que a empresa requisitará a mão de obra do Ogmo para o desembarque dos equipamentos portuários. O presidente da Estiva, Rodnei Oliveira da Silva, parabenizou os “guerreiros”, após os portuários terem ficado dois dias em condições difíceis. “Agimos acertadamente ao ocupar o navio e defender o mercado de trabalho”, destacou. Conforme o presidente do Sintraport, Robson Apolinário, foi uma grande vitória da categoria, devido ao resultado obtido nas negociações. O impasse continua.


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Quem matou QUADRINHOS Em entrevista, os autores de Sabor Brasilis falam sobre a HQ e o mercado editorial brasileiro

Olívia Ribeiro? Reprodução

Aldo Gama da Redação “OLÍVIA RIBEIRO está com os dias contados”, avisa a resenha de Sabor Brasilis, a telenovela de maior audiência no Brasil. O assassinato dessa personagem, uma das principais do folhetim, desperta a curiosidade do país com relação à identidade do autor ou mandante do crime. O problema é que essa ansiedade é dividida pela equipe de redatores da novela – que não têm qualquer ideia de como resolver a questão mantendo a integridade da trama em meio às suas próprias crises pessoais. Como num jogo de espelhos, a novela dentro da novela se desenvolve paralelamente à disputa entre produtores, patrocinadores, criadores e telespectadores. E é claro, nós, leitores. Autores dessa intrincada trama, os roteirista Hector Lima e Pablo Casado e os desenhistas Felipe Cunha e George Schall, falam com o Brasil de Fato, entre outras coisas, sobre teledramaturgia em HQ (história em quadrinhos), nerds e mercado editorial desta arte que nem sempre é devidamente reconhecida.

Muitos brasileiros estão conseguindo destaque internacional como desenhistas para editoras como Marvel e DC. Existe algo produzido aqui, com características nacionais, que seja publicado fora do país? Pablo – Acho que só o fato de ter um artista brasileiro trabalhando lá fora já leva um pouco daqui. De alguma maneira, você vai ver algo no trabalho do Ivan Reis, novo desenhista da Justice League, que remeta à base e formação dele enquanto brasileiro. E puxando pela memória, creio que o trabalho mais recente e que é 100% nacional publicado lá fora, foi o Daytripper, do Gabriel Bá e Fábio Moon. Inclusive, foi publicado primeiro nos Estados Unidos e depois saiu aqui. Existe alguma novidade em termos de movimento ou autores/ desenhistas no Brasil? Hector – No momento há uma pequena movimentação para a criação de uma lei de cotas para a publicação de HQs nacionais, mas não há grandes novidades nesse sentido pelo que sei. Mas sem dúvida a maior e melhor novidade é a quantidade de projetos que conseguiram financiamento coletivo através do www.catarse.me sem depender de editoras.

Brasil de Fato – Sabor Brasilis é uma história em quadrinhos, uma novela em quadrinhos ou uma novela dentro de uma novela em quadrinhos? Hector Lima – É uma história em quadrinhos sobre a novela que são os bastidores de uma novela e que teve sua própria novela pessoal. Como surgiu a idéia de uma HQ com o tema de novela? Pablo Casado – A ideia veio de usar um tema que remetesse a algo brasileiro, e a novela estava lá, intocada. Era até uma opção bem óbvia, e seguimos com a história dos bastidores de uma telenovela de sucesso do horário nobre tendo como protagonistas os roteiristas da mesma. Como funcionou a divisão de tarefas, já que o roteiro e a arte são assinados por duas pessoas? George Schall – Nos dividimos de forma que cada artista fizesse uma cena e os estilos ajudassem a situar o leitor com a troca de lugares. O Felipe (Cunha) fez praticamente todas as cenas da novela, o que já ajuda também. Vale destacar em Sabor o fato de se tratar de um quadrinho com uma linguagem brasileira, algo que é um problema para boa parte da produção nacional. Isso foi uma preocupação durante a execução do projeto? Pablo – Sim, a história e a arte tinham que ter algo que gerasse empatia tanto para o leitor habitual como para o não leitor de quadrinhos. O reconhecimento dos lugares, do jeito de falar, das situações tinha que acontecer. Que tipo de público vocês pretendem ou esperam atingir? Hector – Todo o possível (risos). Uma coisa boa que percebemos é que não só os leitores costumeiros de HQ estão lendo, mas também quem gosta de novela. E isso é ótimo porque é difícil um quadrinho sair do nicho. Qual a “novela” por trás da criação da Sabor? Quais foram os caminhos percorridos desde a criação até a publicação? George – Primeiro nós decidimos trabalhar juntos, os quatro, em uma HQ nossa. Quem surgiu com o tema foi o Pablo, e fomos digerindo em cima dele. Tendo uma boa ideia do projeto e personagens, preparamos um documento explicando o projeto e um preview, que foi distribuído no FIQ 2011, a fim de encontrarmos uma editora para publicá-lo. Neste momento já estávamos concorrendo ao edital Proac de quadrinhos daquele ano, no qual fomos contemplados entre os ganhadores. O Claudio da Zarabatana Books nos contatou em seguida, oferecendo um contrato para publicarmos com a editora, e iniciamos o processo de produção da revista, que durou mais de seis meses em 2012. A revista começou a ser vendida em Janeiro deste ano e agora é lançar e esperar um bom retorno! Como a crítica está reagindo ao trabalho? Hector – Até o momento tem sido ótima a reação da crítica. Estamos compi-

tumado a fazer e produziu uma narrativa com páginas dinânicas, quadros grandes, arte sangrada, alto contraste nos moldes de Frank Miller e (Mike) Mignola. Até hoje ele continua sendo original, usando um texto forte e honesto, como poucos ainda conseguem. Fábio Moon e Gabriel Bá abriram portas, levaram nossa produção pro resto do mundo e isso é muito importante. Lá fora temos Will Eisner como, provavelmente, o maior pioneiro. Foi ele quem enxergou o potencial que tinha em mãos com as histórias em quadrinhos e levou isso para o grande público.

lando as críticas em nossa fanpage (http: //facebook.com/saborbrasilis). Como está sendo o relacionamento com a editora? Pablo – O nosso trabalho com o Claudio e a Zarabatana foi muito tranquilo. Ele nos deu liberdade e confiança para desempenharmos a nossa parte e toda a burocracia da coisa ficou por conta dele. E a questão da distribuição? Hector – A distribuição ainda não está completa, mas a Sabor Brasilis está chegando aos poucos nas livrarias e em algumas lojas online. Estamos compilando os links no site do projeto (www.saborbrasilis.net). Quando vocês começaram a se interessar por quadrinhos? George – Desde criancinha. Lia muito “almanacão” e Turma da Mônica em geral. Na adolescência, colecionava revistas do Homem-Aranha e super-heróis, e depois dos 20 comecei a ler mais HQs sobre cotidiano e a vida em geral. Sempre foi um hobby, mas as temáticas mudaram de acordo com o meu crescimento também. Felipe – Meu interesse começou como colecionador. Queria ter o maior número de revistas possível e, até certo ponto, tive uma estante bem “gorda”, na maior parte material do Mauricio de Sousa. Não demorou muito pra querer eu mesmo produzir minhas HQs e, na escola, aos nove anos, fiz meu primeiro fanzine. Daí a coisa não parou mais e seguiu um curso natural. Comecei a ler Disney quando fiquei um pouco mais velho e depois segui pros “supers”. A coisa ficou um pouco mais séria quando descobri quadrinhos independentes e procurei uma variedade maior de estilos e histórias, algo que enriqueceu muito meu trabalho e foi o aprendizado mais valioso pro material que produzo hoje em dia. Pablo – Aos 12 anos, quando comecei a colecionar quadrinhos. Já havia lido Turma da Mônica e algumas coisas da Disney que abriram uma brechinha da porta, mas foi quando comprei um exemplar do Homem-Aranha que eu disse: eu quero trabalhar com isso. Hector – Aprendi a ler com Turma da Mônica, Disney, Marvel e DC. Não consigo lembrar idade exata, é difícil pensar quando HQ não esteve na minha vida. Antes de saber ler eu refazia cenas de filmes, HQs e animações a que assistia como painéis em folhas de A4, com todos os personagens juntos ao mesmo tempo.

Estar envolvidos com o mundo das HQs na idade adulta ainda é exclusividade dos “nerds”? George – Não acho que seja exclusividade dos “nerds”, até porque existem HQs para adultos cujas temáticas passam longe desse universo. Mas é definitivamente um hobby de nicho. HQs incrivelmente bem sucedidas no mercado internacional alcançam por volta de 1 milhão de vendas, valor que para qualquer mídia de grande abrangência (cinema, videogames) não é sinônimo de sucesso. Não sei se algum dia HQs serão tão populares quanto gostaríamos. Parece existir uma barreira cultural (até pelo comportamento do tal “nerd” de quadrinhos) que impede que elas sejam mais acessíveis ao grande público. Como se comporta o mercado editorial brasileiro com relação à produção nacional? Felipe – Ainda não existe um mercado no sentido de haver demanda por parte dos leitores, de modo que os autores tenham trabalho suficiente para garantir seu sustento. Atualmente vivemos um bom momento, temos bons autores, bons trabalhos e boas editoras se aventurando por esse caminho, coisa que não víamos poucos anos atrás. Acredito que, mantendo um crescimento no mesmo ritmo, podemos um dia ter um mercado rentável. Mas isso é coisa de médio a longo prazo, muito difícil de saber onde vamos de fato. Mauricio de Sousa é uma exceção dentro do mercado? Hector – Ele é no sentido de ter conseguido não só sobreviver no mercado, mas de ser o mais bem sucedido homem de negócios do meio no Brasil, por ter entendido como licenciar os personagens para vários produtos. Existem muitos que tentaram seguir esse modelo, mas ninguém com o mesmo sucesso – por não ter a visão dele nem personagens tão carismáticos como a Turma da Mônica e tantos outros. Quais são os maiores autores nacionais e internacionais de HQs? Quais características tornam suas produções relevantes? Felipe – O Laerte com certeza é um dos nossos grandes. Ele vem da nossa tradicional leva de cartunistas dos anos 70 e 80 que fizeram um barulho e se estabeleceram como referência inabalável. Destaco o Laerte porque ele é o que mais se aventurou por caminhos diferentes e explorou linguagens com maior eficiência, não se prendendo às charges e tiras. Tem uma fase dos Piratas do Tietê na Chiclete Com Banana em que ele extrapola toda as limitações daquilo que ele estava acos-

Quais são seus novos planos? Algum novo projeto em andamento? George – No momento, trabalho com a editora americana Dark Horse Comics em projetos pessoais, mas não posso revelar muito mais que isso por enquanto. Felipe – Estou trabalhando em um projeto novo com o Pablo, vamos divulgar imagens e mais detalhes depois do lançamento oficial da Sabor. Tem também uma webcomic com o George, que sai ainda esse ano (uma retomada quase ‘reboot’ da nossa série Schematics), e por fim algo com o Rodrigo Alonso. Ele foi meu parceiro de fanzines por vários anos e queremos retomar a parceria. Pablo – Tenho um novo projeto com o Felipe que pretendemos lançar na edição deste ano do FIQ [Festival Internacional de Quadrinhos] – que também deve ser o lugar para lançamento de outro projeto que está em gestação no momento. Hector – Em breve, finalmente sai a coletânea Inkshot, que organizei com o apoio desses três cavalheiros. Estou trabalhando em alguns roteiros curtos e em dois projetos mais longos: a história de crime, Macaco-Rei e a de mistério Um Homem Prevenido. Por que criamos uma tradição de cartunistas mas não de quadrinistas? George – Porque é o mais próximo de se trabalhar com quadrinhos no Brasil e ainda ganhar alguma quantia interessante. Isso e o fato de o Brasil ser sempre muito ligado em humor, o que nos faz o maior mercado de quadrinhos do gênero. Pro desenhista, pelo menos, a ilustração sempre foi o caminho mais rentável. Os quadrinhos no jornal e revistas tinham demanda, coisa que não há para graphic novels. Começamos a desenvolver um mercado para isso recentemente. A demanda é baixa ainda (o selo Barba Negra de HQs da editora Leya foi fechado, por exemplo), mas estamos crescendo exponencialmente. A boa qualidade e venda dos quadrinhos da Cia das Letras e Zarabatana Books prova isso. Para terminar: quem matou Olívia Ribeiro? Hector – Esta informação é confidencial, mas posso revelar que está contida na última página de Sabor Brasilis.

Serviço Site oficial: http://www.saborbrasilis.net/ Editora: Zarabatana Autores: Pablo Casado e Hector Lima (roteiro) e Felipe Cunha e George Schall (arte). Número de páginas: 128 Preço: R$ 45,00


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cultura

A crise do

movimento comunista Reprodução

RESENHA Este livro é um grande projeto intelectual, simultaneamente ambicioso e necessário

forço honrado para reconstruir a verdade do movimento comunista, num período muito determinado, rompendo com a apologia, constitui uma paradigmática operação que reforça a luta para suprimir o mundo burguês. Não se pode temer o esclarecimento dos erros (e dos crimes); só ele pode impulsionar criticamente o pensamento e a prática do movimento comunista. Neste trabalho, Claudín não se portou como arqueólogo nem tomou o passado como exemplo: situouo como lição. Reconhecer como seu este passado significa, para os comunistas, em boa medida, não repeti-lo.

José Paulo Netto EM DEZEMBRO de 1969, Fernando Claudín finalizou a primeira etapa de um grande projeto intelectual: terminou a redação do livro I que haveria de constituir a obra A crise do movimento comunista, dividido em duas partes (“A crise da Internacional Comunista” e “O apogeu do stalinismo”). Claudín planejava um livro II (a ser intitulado Do XX Congresso do PCUS à invasão da Tchecoslováquia), que nunca foi escrito. Assim, A crise do movimento comunista permaneceu, na sua totalidade, um projeto inconcluso: Claudín não pôde chegar ao fecho do seu estudo, analisando os processos de ruptura no movimento comunista posteriores a 1956 e os impasses que levaram os rumos da revolução à deriva. Contudo, o livro I, dada a sua particular inteireza, não teve a sua relevância nem a sua legibilidade comprometidas. Publicada em 1970, a obra, nos anos seguintes, ganhou versões em vários idiomas e tornou-se, realmente, um texto de referência. Ainda hoje, é um dos raros materiais que não trata de aspectos singulares e/ou específicos, mas incide sobre toda a trajetória da Internacional Comunista (Komintern) e do Centro de Informação dos Partidos Comunistas (Kominform).

Além disso, estou igualmente convencido de que este livro presta um inestimável serviço à causa comunista A crise do movimento comunista tratase de um grande projeto intelectual, simultaneamente ambicioso e necessário. Ambicioso é o mínimo que se pode dizer do projeto de um pesquisador que, individualmente, se debruça sobre meio século de história do movimento comunista – realizado inteiramente, o projeto cobriria os 49 anos entre a fundação da In-

Pouco importa se aceitamos ou não as conclusões de Claudín (e quem escreve esta resenha recusa várias delas) – há que agradecerlhe por nos ajudar a nos compreender melhor

ternacional Comunista e o aborto da Primavera de Praga. E necessário pois a operação analítica empreendida por Claudín é uma preliminar indescartável para aquele que quiser pensar os rumos e as perspectivas dos que se reclamam herdeiros de Marx na via do socialismo revolucionário. Por outra parte, a necessidade deste projeto era o grande desafio pessoal de Claudín: tratava-se de compreender também as suas três décadas de inserção no movimento comunista, sua honrada dedicação e seu enorme fracasso político. Estou convencido de que a perspectiva metodológica de Claudín obedece à melhor inspiração do pensamento marxiano. É por isto que, na sua exposição

Pouco importa se aceitamos ou não as conclusões de Claudín (e quem escreve esta resenha recusa várias delas) – há que agradecer-lhe por nos ajudar a nos compreender melhor. Certa feita, o jovem Marx observou que “a exigência de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita de ilusões”. Esta obra de Claudín contribuiu e contribui vigorosamente para que os comunistas se libertem de uma tal condição – e, menos crédulos, ingênuos e desinformados, se tornem efetivamente melhores comunistas. (Esta resenha é constituída de trechos editados da “Apresentação” de A crise do movimento comunista)

textual, a paixão da vontade revolucionária solda todas as passagens crítico-analíticas; o sujeito que mergulha no objeto sobre o qual reflete (assim como Claudín mergulhou na práxis política) ultrapassa a incompatibilidade mistificada entre “juízo de fato” e “juízo de valor”; o tratamento do material histórico é direcionado pelo movimento de uma razão e uma vontade que só se explicam referenciadas ao objetivo revolucionário do comunismo – não um fim ideal, mas uma construção histórico-concreta, uma processualidade que se desenvolve na história real. Além disso, estou igualmente convencido de que este livro presta um inestimável serviço à causa comunista. Seu es-

Reprodução

SERVIÇO A crise do movimento comunista Fernando Claudín Tradução e apresentação de José Paulo Netto, prefácio de Jorge Semprún Editora Expressão Popular 736 páginas R$ 35,00

www.malvados.com. br

dahmer

PALAVRAS CRUZADAS

Verticais: 1.Pastor da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo que recentemente entrou em um debate sobre genética e homossexualismo no programa Marília Gabriela. 2. Dar nós – Sexta nota musical. 3.Tolo, (personagem de quadrinhos). 4.“Seis”, em inglês – “Azedo”, em alemão. 5.Movimento (sigla), fundado em 1962, em Belo Horizonte, resultado da atuação de militantes da JUC e de outras agremiações da Ação Católica – “Ir”, em inglês. 6.Contração da preposição “de” com o pronome “isso”. 8.Em tupi, diz-se “y”. 9.Pronome pessoal da 2.ª pessoa, dos dois gêneros e do singular. 10.Desbastar pouco a pouco com os dentes – Participo. 11.Grito que a torcida dá quando acontece um drible marcante. 12.Segunda nota musical – “Seu (?)”, como é chamado o mais velho militante do MST, que tem 104 anos, e que foi tema de curta-metragem que acaba de ganhar um prêmio no Chile. 13.Dá risada – Movimento de mulheres camponesas (sigla) que acaba de realizar seu primeiro encontro nacional em Brasília. 14.Praia de Maceió que tem um nome quase idêntico ao nome de uma marca de cachaça – Unidade da federação (sigla). 15.Sadia – Grupo de pessoas dispostas em círculo. 16.Pôr fogo. 17.Projeto de lei (sigla). 18.Rede de fast food investigada pela Polícia Federal por submeter seus funcionários a condições análogas à escravidão.

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Horizontais: 1.Passado para trás – AM. 2.IPI – AA. 3.Marx – Ate. 4.AR – Seguro emprego. 5.TO – Mi. 6.Alas – Rafael Correa. 7.Fatal – CO. 8.EU – Unidade. 9.Integração. 10.Aro. 11.Yoani – Safatle. Verticais: 1.Malafaia. 2.Atar – Lá. 3.Pateta. 4.Six – Sauer. 5.AP – Go. 6.Disso. 8.Água. 9.Tu. 10.Roer – Atuo. 11.Olé. 12.Ré – Luiz. 13.Ri – MMC. 14.Ipioca. 15.Sã – Roda. 16.Atear. 17.PL. 18.McDonald’s.

Horizontais: 1.Manchete da edição passada do Brasil de Fato que tratava da renúncia do papa Bento XVI – Estado brasileiro (sigla) maior do que França, Espanha, Suécia e Grécia somadas. 2.Imposto (sigla) sobre produtos industrializados que o governo tem reduzido para aumentar o consumo – Movimento de ajuda mútua internacional (sigla) fundado em 1935, em Ohio, nos Estados Unidos, para lidar com o alcoolismo. 3.Pensador revolucionário alemão autor da frase: “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo” – “Comi”, em inglês. 4. Aviso de recebimento enviado pelos Correios (sigla) – Nova proposta da CUT que visa evitar que as empresas em tempos de crise demitam trabalhadores da noite para o dia. 5.Sua capital é Palmas (sigla do estado) – Terceira nota musical. 6.Divisões dos foliões em um desfile de escola de samba – Presidente reeleito do Equador. 7.Mortal – Símbolo químico do cobalto (sigla). 8.União Europeia, em sua sigla em inglês – Objeto único. 9.Incorporação. 10.Anel, círculo. 11.Blogueira cubana trazida ao Brasil pelo Instituto Millenium com o intuito de atacar Cuba por meio do uso dos veículos de comunicação de massa que controlam – Professor de filosofia da USP que escreveu recentemente o livro A esquerda que não teme dizer seu nome.


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Organizações de juventude lançam jornada por reformas estruturais Fora do Eixo

MOBILIZAÇÃO A atividade tem como temas centrais a denúncia do extermínio da juventude negra, a cobrança de mais recursos públicos para a educação, a democratização dos meios de comunicação Luiz Felipe Albuquerque de São Paulo (SP) MAIS DE 200 PESSOAS, que atuam em 30 organizações de juventude em 15 Estados e em Brasília, participaram de uma plenária no dia 23 de fevereiro, em São Paulo que lançou uma jornada de lutas da juventude brasileira. A jornada, que será realizada entre 25 de março e 1º de abril em todo o país, tem como temas centrais a denúncia do extermínio da juventude negra, a cobrança de mais recursos públicos para universalizar a educação em todos os níveis, a democratização dos meios de comunicação para dar voz ao conjunto da sociedade e a reforma política para impedir o financiamento privado de campanhas e ampliar a participação popular na democracia. Participam dessa articulação a União Nacional dos Estudantes (UNE), MST, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Levante Popular da Juventude, Fora do Eixo, Nação Hip Hop Brasil, Marcha Mundial das Mulheres e a Pastoral da Juventude, entre outras organizações. Articulação “Essa jornada da juventude é um pontapé inicial dessa articulação, que não vai cessar e construirá mais lutas. Essa jornada é um exercício da construção da unidade”, aponta Raul Amorim, do coletivo de juventude do MST. Para ele, é necessário identificar nesse processo quem são os verdadeiros inimigos da juventude brasileira. “Um ponto importante para as nossas ações po-

Mais de 200 pessoas participaram do lançamento da jornada de lutas da juventude brasileira

líticas é saber quem é o inimigo. Estamos lutando contra o capitalismo hegemonizado pelo sistema financeiro e pelas transnacionais, que são o verdadeiro inimigo do povo”, destacou. Amorim disse que 500 empresas no mundo controlam mais da metade da economia mundial e denunciou a movimentação da direita no Brasil, que se articula no Poder Judiciário, no agronegócio e nos meios de comunicação de massa. As organizações que participam dessa articulação construíram um consenso da necessidade de avançar na organização popular para que a juventude seja a protagonista das lutas sociais e motor de mudanças estruturais, que ocorrerão apenas como mobilizações nas ruas.

só é um encontro da juventude, mas um ponto de partida para disseminar, contaminar nosso país, com as causas que nos unem”, disse. “Representamos 67 milhões de brasileiros e brasileiras que compartilham conosco a condição de jovem. É um contingente que é protagonista das principais dificuldades da vida concreta e das principais soluções e esperanças que nutre nosso país”, acredita. Iliescu apontou como desafio massificar as lutas, organizando a juventude que não faz parte das organizações e sensibilizando os jovens a partir das contradições do cotidiano. “Massificar a nossa disposição de ir para as ruas sacudir o país é o principal desafio da nossa geração”, acredita o presidente da UNE.

Marco Daniel Iliescu, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), avalia que essa articulação é um marco importante que pode ter um papel decisivo na luta dos movimentos sociais brasileiros e para a juventude no país. “Temos que ter a dimensão da importância histórica dessa reunião, que não

Diálogo De acordo com Alfredo Santos, secretário de juventude do Central Única dos Trabalhadores (CUT), um dos desafios é dialogar com os jovens que melhoraram de vida sob o governo Lula. “Quantos desses jovens estão militando no movimento estudantil? Quantos milhares desses novos postos de traba-

lho estão militando no movimento sindical? Ainda não conseguimos, dentro da correlação de forças na sociedade, se apropriar das contradições desses avanços sociais”, avalia. “Como vamos disputar esse governo? Não será nos corredores. Tem que ser nas ruas, com organização de classe. Com esse recorte, precisamos organizar a juventude para que ela seja a protagonista”, destacou. Para Maria Julia, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), a sociedade de classe se estrutura sob o patriarcado e racismo. Ela destacou a necessidade de colocar uma perspectiva feminista para discutir as relações trabalhistas, já que as mulheres estão em condições ainda mais precarizadas. “Não dá para mudar o mundo sem mudar a luta das mulheres, mas não dá para mudar a luta das mulheres sem mudar o mundo”, defendeu. Felipe Altenfelder Silva, do Fora do Eixo, destacou a importância da utilização conjunta e coordenada das redes sociais durante a jornada para contrapor o poder dos grandes meios de comunicação de massa, que estão nas mãos da classe dominante. (Página do MST – www.mst.org.br)

Manifesto da jornada de lutas da juventude brasileira 25 de março a 1º de abril de 2013 Unir a juventude brasileira: “Se o presente é de luta, o futuro nos pertence”! Che Guevara As entidades estudantis, as juventudes do movimento social, dos trabalhadores/as, da cidade, do campo, as feministas, as juventudes partidárias, religiosas, LGBT, dos coletivos de cultura e das periferias se unem por um ideal: avançar nas mudanças e conquistar mais direitos para juventude. É preciso denunciar o extermínio da juventude negra e das periferias a quem o estado só se apresenta através da violência. O mesmo abandono se dá no campo, que alimenta a cidade e segue órfão da Reforma Agrária e dos investimentos necessários à permanência da juventude no campo, de onde é expulsa devido à concentração de terras, à ausência de políticas de convívio com o semiárido. Já na cidade, a juventude encontra a poluição, a precarização no trabalho, a ausência do direito de organização sindical, os mais baixos salários e o desemprego, fatores ainda mais graves no que diz respeito às jovens trabalhadoras. Essa é a dura realidade da maioria da População Economicamente Ativa no país, e não as mentiras da imprensa oligopolizada, que foi parceira da ideologia do milagre brasileiro e cúmplice da ditadura, ao encobrir torturas e assassinatos e sendo beneficiária da monopolização ainda vigente. É coerente que ela se oponha à verdade e à justiça, que se cale ante as torturas e ao extermínio dos pobres e negros dos dias de hoje, que busque confundir e dopar a juventude, envenenando a política, vendendo-nos inutilidades, reproduzindo os valores da violência, da homofobia, do machismo e da intolerância religiosa. Mas eles não falam mais sozinhos: estamos aqui pra fazer barulho. Queremos cidades mais humanas em vez de racismo, violência e intolerância. Queremos as garantias de um estado laico, democrático, inclusivo, que respeite os Direitos Humanos fundamentais, inclusive aos nossos corpos, à liberdade de orientação sexual e à identidade de gênero, num ambiente de liberdade religiosa. Queremos reformas estruturais que garantam um projeto de desenvolvimento social e que abram caminhos ao socialismo. Lutamos por um desenvolvimento sustentável, solidário, que rompa com os valores do patriarcado, que assegure o direito universal à educação, ao trabalho decente, à liberdade de organização sindical, à terra para quem nela trabalha e o direito à verdade e à justiça para nossos heróis mortos e desaparecidos. Para enfrentar a crise é preciso incorporar a juventude ao desenvolvimento do país. Incluir o bônus demográfico atual exige uma política econômica soberana que valorize o trabalho, a produção, o investimento e as políticas sociais, e não a especulação. Esse é o melhor cenário para tornar realidade os direitos que queremos aprovados no estatuto da juventude. Iniciamos aqui uma caminhada de unidade e luta por reformas estruturais que enterrem o neoliberalismo e resguardem a nossa democracia dos retrocessos que pretendem impor os monopólios da mídia, ou golpes institucionais como os que ocorreram no Paraguai e em Honduras. Desde essa histórica Plenária Nacional, unidos e cheios de esperança, convocamos a juventude a tomar em suas mãos o futuro dos avanços no Brasil, na luta pelas seguintes bandeiras consensualmente construídas: 1. Educação: financiamento público da educação 1.1. 10% PIB para Educação Pública 1.2. 100% dos royalties e 50% do fundo social do Pré-sal para Educação Pública

1.3 2% do PIB para Ciência, Tecnologia e Inovação 1.4 Por uma política permanente de valorização das bolsas de pesquisa 1.5 Democratização do acesso e da permanência na universidade 1.6 Pela expansão e a qualidade da educação do campo 1.7 Cotas raciais e sociais nas universidades estaduais 1.8 Curricularização da extensão universitária 1.9 Regulação e ampliação da qualidade, em especial, do setor privado 2. Trabalho – trabalho decente 2.1 Redução da jornada de trabalho sem redução de salário! 40 horas já! 2.2 Condições dignas de trabalho decente 2.3 Políticas que visem a conciliação entre trabalho, estudos e trabalho doméstico 2.4 Direito de organização sindical no local de trabalho 2.5 Contra a precarização promovida pela terceirização 2.6 Pela igualdade entre homens e mulheres no trabalho e entre negros/as e não negros/as 3. Por avanços na democracia brasileira –Reforma Política 3.1 Pela Reforma política 3.2 Combate às desigualdades sociais e regionais 3.3 Contra a judicialização da politica e a criminalização dos movimentos sociais 3.4 Pela auditoria da Divida Publica 3.5 Contra o avanço do capital estrangeiro na aquisição de terras e na Educação 3.6 Reforma agrária 3.7 Aprovação do Estatuto da Juventude 4. Diretos sociais e humanos: Chega de violência contra a juventude 4.1 Contra o extermínio da juventude negra 4.2 Contra a redução da maioridade penal 4.3 Garantia do direito à Memória, à Verdade e à Justiça e pela punição dos crimes da Ditadura 4.4 Garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, como à autonomia sobre o próprio corpo e o combate à sua mercantilização, em especial das jovens mulheres 4.5 Pelo fim da violência contra as mulheres 4.6 Pela mobilidade urbana e o direito à cidade 4.7 Pelo direito da juventude à moradia 4.8 Desmilitarização da policia 4.9 Respeito à diversidade sexual, aos nomes sociais e criminalização da homofobia 4.10 Apoio à luta indígena e quilombola e das comunidades tradicionais 4.11 Contra a internação compulsória e pelo tratamento da dependência química através de uma política de redução de danos 4.12 Pelo direito ao lazer à cultura e ao esporte, inclusive com a promoção de esportes radicais 5. Democratização da comunicação de massas 5.1. Universalização da internet de banda larga no campo e na cidade 5.2 Políticas públicas para grupos e redes de cultura 5.3. Apoio público para os meios de comunicação da imprensa alternativa 5.4. Apoio ao movimento de software livre (A relação das entidades que assinam este documento encontra-se em www.brasildefato.com.br)


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américa latina Mauricio Muñoz/Presidencia de la República

Em janeiro deste ano, Rafael Correa comemora o 6º aniversário do governo da revolução cidadã

“Pátria, revolução e renascimento”

Leonardo Wexell Severo e Felipe Bianchi de Quito (Equador) OS AVANÇOS do governo do presidente Rafael Correa e de sua Revolução Cidadã saltam a olhos vistos, cobrindo a cegueira de agências internacionais. Nesta entrevista, a ministra da Inclusão Econômica e Social, Doris Soliz Carrión esquadrinha as vitórias obtidas contra a miséria, a partir de um compromisso com o “Bem-Viver”. Doris denuncia a dolarização – uma bomba ainda a ser desarmada – como herança deixada pelo neoliberalismo, que ceifou empregos, achatou salários e desapareceu com poupanças, fazendo com que milhões de equatorianos tivessem de abandonar o país à procura de trabalho. Firme, fala de mais-valia, de salários dignos, de construção coletiva, de planificação, e descortina novos horizontes para a integração latino-americana. Confira a entrevista abaixo. Brasil de Fato – De forma breve, contextualize o antes e o depois da Revolução Cidadã. Doris Soliz Carrión – É importante conhecer o processo para compararmos o antes e o depois de 2006 e 2007. Naqueles anos, o Equador havia tocado o fundo do poço com a aplicação do modelo neoliberal, que privilegiou os interesses do sistema financeiro e socializou as perdas da crise bancária com todo o seu povo. Dolarizou-se a economia, gerando impactos desastrosos para a grande maioria dos equatorianos, gerando o êxodo de milhões de pessoas como migrantes, que tiveram de buscar condições de vida fora, já que o país não lhes oferecia esta oportunidade. Milhares de aposentados viram diminuir enormemente seus benefícios pela dolarização e houve até gente que se suicidou porque perdeu todos os seus depósitos nos bancos. Creio que a crise bancária colocou a descoberto uma velha institucionalidade, a de que o Estado estava absoluta e cinicamente a serviço de pequenos grupos de poder econômico e político. Daí surgiu a tese defendida pelo jovem ministro da Economia e depois candidato a presidente, Rafael Correa, de que devíamos caminhar para uma Constituinte com o objetivo de refundar o país. Correa vislumbrou que não havia condições do povo equatoriano fazer as transformações que necessitava dentro de um marco da velha Constituição, pois ela privilegiava o modelo neoliberal e estava claramente a serviço dos bancos. A lei era feita para eles, para assegurar seus lucros. A Assembleia servia a eles e as entidades, como o poder eleitoral, também. Tudo estava a serviço da “partidocracia”, termo que foi cunhado para designar esse velho sistema de partidos que abarcava todo tipo de interesses minoritários e particulares da sociedade, gerando a enorme exclusão da

grande maioria. Isso explica também o alto índice de pobreza que herdamos: quase 40% de pobreza e 17% de pobreza extrema. Números que temos revertido nos últimos seis anos. Houve uma enorme multiplicação dos investimentos do Estado, particularmente nas áreas sociais. De que forma a luta política garantiu que este seja mais do que o êxito de uma política de governo, mas de uma política de Estado? A própria Constituição estabelece prioridades para o Orçamento: investimentos em saúde, educação, nos setores sociais – se destina 25% do Orçamento a todas estas áreas. Mas, além disso, é um tema de políticas públicas, de racionalização e bom investimento dos recursos do Estado. Antes de 2007, boa parte dos recursos do Estado era direcionada ao pagamento da dívida externa. Este é um ponto muito importante. O presidente nomeou uma comissão de auditoria da dívida externa que determinou o que, de alguma forma, sabíamos, mas que nos deu muito mais certeza: a dívida estava praticamente paga e muito desta dívida era ilegal e imoral. Isso nos deu a base técnica e política para renegociar e para comprar parte desta dívida e aliviar a carga orçamentária que tínhamos comprometida. O Equador foi pioneiro e sem medo nesta questão da auditoria. Essa força moral tinha claro de que o primeiro que tínhamos de fazer era colocar os recursos do país para saldar a dívida histórica com o nosso povo. E temos investido nisso, incrementando em mais de 300% os investimentos em educação. As escolas do nosso país caiam aos pedaços. A chamada escola pública e gratuita simplesmente não existia. Todos os pais de família tinham que dar, no mínimo, a chamada “quota voluntária” de 20 dólares para a matrícula. Logo, tinham que investir nos uniformes escolares, nos livros, apostilas, e tudo era cobrado na escola pública. Para um lar pobre, com dois ou três filhos, era impossível matricular os filhos, porque uma família que vive com 200 ou 300 dólares não podia assumir este tipo de gastos de mais de 100 dólares mensais para a educação.

“Correa vislumbrou que não havia condições do povo equatoriano fazer as transformações que necessitava dentro de um marco da velha Constituição” Havia um grande contingente de crianças fora da escola... Havia muitíssimas crianças fora da escola. Hoje já cumprimos o Objetivo do Milênio para a educação básica e universal, com equidade de gênero: praticamente 100% dos meninos e meninas estão estudando. Mas garantir a gratuidade e a qualidade da educação pública não é tão fácil. Para isso houve a valorização e a dignificação da atividade docente. Antes os professores ganhavam 300 dólares, quando muito. Hoje o professor que recebe menos, aquele que recém ingressa na carreira docente, ganha 700 dóla-

res, recebe capacitação e é avaliado periodicamente para assegurar a evolução do nível e da qualidade. Aprovamos na Assembleia uma nova lei de educação, intercultural, que permite também ganharmos em eficiência e excelência com a aplicação de todos os princípios da educação pública.

este ritmo de investimento em políticas sociais, o que significaria baixar em 20 pontos a pobreza. Devemos ressaltar que a pobreza se mede por necessidades básicas insatisfeitas, carência de moradias, serviços básicos, educação, saúde. A outra forma de medir a pobreza é pelos salários. Esta é uma grande conquista que o presidente sempre destaca com justa razão: não é que diminuímos a pobreza com bônus ou medidas assistenciais, vamos diminuindo com redistribuição dos recursos, diminuindo a desigualdade e gerando oportunidades, que é o que assegura um país focado em políticas públicas voltadas ao bem comum e não para pequenos grupos.

“As escolas do nosso país caiam aos pedaços. A chamada escola pública e gratuita simplesmente não existia” O que também pode se comprovar na questão da saúde pública. Sim, o mesmo acontece na saúde. Os hospitais caiam aos pedaços. O enfermo que precisava ser hospitalizado tinha de levar a seringa, o gás e o medicamento, porque a linha neoliberal era a privatização total da saúde, o que excluía milhões de equatorianos do serviço de atenção pública. Junto com a Seguridade Social, os hospitais do Ministério da Saúde são cada vez melhores. Estamos também tapando os buracos históricos de um modelo territorializado que começa com o nível básico. Recuperamos o conceito de médico da família, com subcentros nos bairros para a medicina de atenção primária, a medicina preventiva, além de hospitais especializados da mais alta qualidade. Por isso alguns serviços públicos estão colapsados pelo crescimento da procura, porque hoje as pessoas estão buscando o serviço público. Há portanto uma recuperação significativa do público como sinônimo de qualidade, como sinônimo do direito que temos cada um dos equatorianos a estes serviços.

“Já cumprimos o Objetivo do Milênio para a educação básica e universal, com equidade de gênero: praticamente 100% dos meninos e meninas estão estudando” Como está a questão da seguridade social? Este é um dos méritos do esforço do Equador: combater a pobreza fechando as brechas da desigualdade. Aí entra a questão da geração de emprego digno. O presidente chegou inclusive a defender que entre as perguntas da consulta popular estivesse o fato de que fosse um delito penal o fato da não vinculação dos trabalhadores à seguridade social. Porque aqui isso era negado por muitas empresas. Havia muitos empregados domésticos a quem seus patrões simplesmente não pagavam a seguridade social, barrando o acesso a esse direito básico. Graças ao apoio popular, que disse um sim rotundo na consulta, agora esse é um delito penal e milhares de trabalhadores recuperaram esse direito, contando com a proteção do seguro social. Foram gerados mais empregos, mas dignos, em boas condições, não mais precários ou terceirizados. A Constituinte nisso foi bastante radical: eliminou a terceirização. O presidente tem uma filosofia bem clara, para nós vem primeiro o trabalho, depois o capital. Para essa revolução o ser humano está em primeiro lugar.

Os 100 maiores êxitos da Revolução Cidadã foram sintetizados num pequeno livro em que compara o antes e o depois do governo de Rafael Correa. O que consideras mais importante? Poderia citar nesta pequena síntese das 100 conquistas da nossa revolução o investimento forte em moradias sociais, construímos mais de 200 mil, número que supera a todos os últimos governos juntos. Também para resolver o déficit em infraestrutura, houve investimento junto aos governos locais em água potável, saneamento, serviços básicos... E projetamos que o país possa fechar as brechas para as necessidades básicas insatisfeitas até 2021, se seguir mantendo Felipe Bianchi/Comunica Sul

ENTREVISTA Ministra da Inclusão Econômica e Social, Doris Soliz Carrión explica as razões da reeleição do presidente Rafael Correa

A ministra equatoriana Doris Soliz Carrión

O Equador utiliza dois conceitos: o do salário mínimo e o do salário digno. Explique o seu significado. Esta é outra mudança bem interessante. Antes as empresas declaravam sua mais-valia, que era posteriormente repartida entre os trabalhadores. Entre as mudanças normativas importantes está o de que nenhuma empresa redistribua esses lucros sem antes haver assegurado um salário digno. Hoje o salário básico está em 329 dólares e o salário digno está em 351. Vamos chegando a este salário com a repartição dos lucros, porque não é justo que acionistas, empresários e trabalhadores recebam a participação nos lucros e resultados sem antes garantir o salário digno. Estamos realmente orgulhosos de que o aparato produtivo equatoriano vai melhorando a qualidade de vida das pessoas porém com trabalho decente, com direitos sociais.


internacional

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Não chore ainda pela Primavera Árabe OPINIÃO Não é o momento de chorar pela derrota das revoluções iniciadas no final de 2010 Immanuel Wallerstein NA TUNÍSIA, em dezembro de 2010, um único indivíduo acendeu a chama da revolução popular contra um ditador corrupto. A revolta foi prontamente seguida por uma explosão similar no Egito, contra um tirano parecido. O mundo árabe estava atônito e a opinião pública mundial tornou-se imediatamente muito simpática a essas expressões “modelo” das lutas ao redor do planeta por autonomia, dignidade e um mundo melhor. Três anos depois, ambos países estão atolados em lutas políticas acirradas. A violência interna cresce rapidamente; há grande incerteza sobre onde tudo irá parar, e em benefício de quem. Existem particularidades em cada país, aspectos que repercutem em outras revoltas pelo mundo árabe e árabe-islâmico, e outros que podem ser comparados ao que está acontecendo na Europa – e, até certo ponto, em todo o mundo.

Tanto a Irmandade Muçulmana quanto as forças seculares estão muito divididas internamente, em especial sobre as estratégias que desejam seguir O que aconteceu? Devemos começar com o levante popular inicial. Como ocorre muitas vezes, ele foi iniciado por jovens corajosos, que protestavam

contra atos arbitrários dos poderosos — localmente, nacionalmente, internacionalmente. Nesse sentido, eram anti-imperialistas, anti-exploração e profundamente igualitários. É possível estabelecer uma clara comparação com os tipos de manifestações que se espalharam pelo mundo entre 1966 e 1970, e que se tornaram conhecidas como a “revolução mundial de 1968”. Como naquela época, os protestos tocaram algo profundo em seu país e atraíram vasto apoio popular, espraiando-se muito além do pequeno grupo que os iniciou. O que aconteceu em seguida? Uma revolução antiautoritária generalizada é uma coisa muito perigosa para os que detêm autoridade. Quando as medidas de repressão iniciais pareceram não funcionar, muitos grupos procuraram domesticar as revoluções unindose a elas, ou fingindo se unir. Tanto na Tunísia quanto no Egito, o exército entrou em cena, recusando-se a atirar nos manifestantes, mas também procurando controlar a situação após a deposição dos dois ditadores. Irmandade Muçulmana Em ambos países, existira um forte movimento islâmico, a Irmandade Muçulmana. Ela fora banida da Tunísia e cuidadosamente controlada e restringida no Egito. As revoluções permitiramlhe emergir de duas maneiras. Ela ofereceu assistência social para os pobres que haviam sofrido com a negligência do Estado. E decidiu formar partidos políticos para conquistar a maioria nos Parlamentos e controlar a redação das novas Constituições. Na primeira eleição de cada país, a Irmandade Muçulmana emergiu como o partido político mais forte. No momento seguinte, havia basicamente quatro grupos disputando a arena política. Além do partido da Irmandade Muçulmana (Ennahda na Tunísia e Partido da Liberdade e Justiça, no Egito), destacavam-se as forças seculares mais ou menos à esquerda; as forças salafistas, na extrema direita, lutando pela adoção de uma versão muito mais rigorosa da sharia [a lei islâmica] que a

desejada pelos partidos da Irmandade; e os apoiadores ainda fortes, mas quase ocultos, dos antigos regimes. Tanto a Irmandade Muçulmana quanto as forças seculares estão muito divididas internamente, em especial sobre as estratégias que desejam seguir. Os muçulmanos moderados vivem os mesmos dilemas enfrentados, nos últimos anos, pelos partidos de centro-direita europeus. Seus países enfrentam problemas econômicos severos e persistentes. Isso dá origem a (e ou fortalece) partidos da extrema-direita — o que ameaça a capacidade dos partidos de centro-direita mainstream vencerem futuras eleições. Nessa situação, surge, em toda parte, gente que tenta atrair os eleitores da extrema direita adotando uma “linha dura” em relação à esquerda ou às forças seculares. E há os chamados “moderados”, para os quais o partido deve mover-se ao centro para reconquistar seus votos. As forças de esquerda, ou secularistas, reúnem por sua vez uma ampla gama de grupos: setores de esquerda verdadeira (porém múltiplos) e democratas de classe média, que procuram encorajar laços econômicos mais fortes com grandes forças de mercado na Europa e América do Norte. Em questões econômicas, esses grupos de classe média estão muito próximos, na verdade, daquilo que as forças islâmicas moderadas propõem. Enquanto isso, as forças ainda leais aos antigos regimes mantêm controle sobre uma instituição chave: a polícia. É a polícia quem atira nas manifestações das forças seculares. Quando estas protestaram contra assassinato de Chokri Belaid, um líder secularista chave, o primeiro-ministro da Tunísia, Hamadi Jebali, um islamista moderado, respondeu que estava igualmente chocado com o assassinato. Diante disso, os grupos seculares replicam que os partidos islâmicos, e especialmente seus chamados linha-dura, são, de qualquer forma, responsáveis — por terem suscitado o ambiente necessário para que assassinato ocorresse.

Mais: Tunísia e Egito não são países isolados. Seus vizinhos no mundo árabe e além estão também agitados. A intromissão geopolítica de forças de fora é muito grande. Ambos países são relativamente pobres e precisam de ajuda financeira estrangeira para lidar com o crescente e persistente desemprego, que se torna ainda mais severo devido à perda do turismo – antes, uma fonte central de receita.

Mas nesse mundo caótico, é cedo demais para fechar as cortinas e pensar que já não há espaço para uma força revolucionária renovada nos dois países Dois caminhos Para onde isso tudo está se encaminhando? Existem apenas dois caminhos possíveis. Um é o fim da revolução, pelo menos por enquanto. Os dois países poderiam ter governos de direita fortemente enraizados, apoiados (e talvez até controlados) pelos militares, com Constituições socialmente conservadoras e políticas externas cautelosas. Outro é o começo de uma revolução, no qual o espírito inicial de 1968 recupera suas forças e tanto a Tunísia quanto o Egito tornam-se novamente casos emblemáticos de transformação social — para si próprios, para o resto do mundo árabe e para todo o planeta. No momento, parece que as forças que pressionam pelo fim da revolução estão vencendo. Mas nesse mundo caótico, é cedo demais para fechar as cortinas e pensar que já não há espaço para uma força revolucionária renovada nos dois países. (Outras Palavras) Immanuel Wallerstein é sociólogo e professor da Universidade de Yale (EUA).


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áfrica

A instalação de tropas dos EUA em 35 países africanos U.S. Army Africa

OPINIÃO A invasão real da África não está nos noticiários John Pilger A INVASÃO POUCO tem a ver com “islamismo” e quase tudo a ver com a aquisição de recursos, nomeadamente minérios, e com uma aceleração da rivalidade com a China. Ao contrário da China, os EUA e seus aliados estão preparados para utilizar um grau de violência já demonstrado no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Iémen e Palestina. Tal como na guerra fria, uma divisão de trabalho exige que o jornalismo ocidental e a cultura popular providenciem a cobertura de uma guerra sagrada contra um “arco ameaçador” de extremismo islâmico, não diferente da falsa “ameaça vermelha” de uma conspiração comunista mundial. A recordar a luta pela África no fim do século 19, o Comando Africano dos EUA (Africom) construiu uma rede de pedintes entre regimes colaboracionistas africanos ansiosos por subornos e armamentos americanos. No ano passado, o Africom ensaiou a Operação Esforço Africano, com as forças armadas de 35 países africanos para nela tomarem parte, comandadas por militares estadunidenses. A doutrina “soldado para soldado” do Africom insere oficiais dos EUA em todo nível de comando, desde o general até o primeiro-sargento. É como se a orgulhosa história de libertação da África, desde Patrice Lumumba até Nelson Mandela, estivesse destinada ao esquecimento por uma nova elite colonial negra a serviço do mestre, cuja “missão histórica”, advertiu Frantz Fanon há meio século, é a promoção de “um capitalismo desenfreado, embora camuflado”. Um exemplo gritante é o Congo Oriental, um tesouro de minerais estratégicos, controlado por um grupo rebelde atroz conhecido como M23, o qual, por sua vez, é dirigido por Uganda e Ruanda, os procuradores de Washington. Planejada há muito como uma “missão” para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), para não mencionar os franceses sempre zelosos, cujas causas coloniais perdidas continuam em prontidão permanente, a guerra à África tornou-se urgente em 2011 quando o mundo árabe parecia estar se libertando dos Mubaraks e outros clientes de Washington e da Europa. A histeria que isto provocou em capitais imperiais não pode ser exagerada. Bombardeios da Otan foram despachados não para Túnis ou Cairo, mas sim para Líbia, onde Muammar Kadafi dominava as maiores reservas petrolíferas da África. Com a cidade líbia de Sirte reduzida a escombros, as forças especiais britânicas dirigiram as milícias “rebeldes” para o que se revelou como um banho de sangue racista.

Militar estadunidense participa de treinamento de membros do exército do Malawi

O rastro de sangue de vítimas do terror do exército britânico, todos muçulmanos, seus “sistêmicos” casos de torturas atualmente a caminho do tribunal, acrescenta ironia às palavras do general. Certa vez experimentei os meios “robustos” de sir David quando lhe perguntei se lera a descrição da corajosa feminista afegã Malalai Joya do comportamento bárbaro de ocidentais e seus clientes no seu país. “O senhor é um apologista do Talibã” foi a sua resposta (posteriormente desculpou-se). Mentiras Estes comediantes lúgubres são extraídos diretamente [do escritor] Evelyn Waugh e permitem-nos sentir a estimulante aragem da história e da hipocrisia. O “terrorismo islâmico”, que é a sua desculpa para o roubo continuado das riquezas da África, foi praticamente inventado por eles. Já não há qualquer desculpa para engolir a linha da BBC/CNN e não conhecer a verdade. Leiam Secret Affairs: Britain’s Collusion with Radical Islam, de Mark Curtis, ou Unholy Wars: Afghanistan, America and International Ter-

“Por mais pobres que possam ser, muitas vezes os tuaregues vivem em cima de grandes reservas de petróleo, gás, urânio e outros minérios valiosos” O povo nativo do Saara, os tuaregues, cujos combatentes berberes Kadafi havia protegido, fugiu através da Argélia para o Mali, onde os tuaregues desde a década de 1960 reivindicam um estado separado. Como destaca o sempre vigilante Patrick Cockburn, é esta disputa local, não a Al-Qaeda, que o Ocidente mais teme no Noroeste da África. “Por mais pobres que possam ser, muitas vezes os tuaregues vivem em cima de grandes reservas de petróleo, gás, urânio e outros minérios valiosos”. Quase certamente a consequência do ataque francês/estadunidense ao Mali em 13 de janeiro, com o cerco a um complexo de gás na Argélia que acabou de forma sangrenta, inspirou em David Cameron um momento “11 de setembro”. O antigo relações públicas da Carlton TV enfureceu-se acerca de uma “ameaça global” que exigiria “décadas” de violência ocidental. Ele falava da implementação dos planos de negócios do Ocidente para a África, juntamente com a violação da Síria multiétnica e a conquista do Irã independente. Cameron agora ordenou o envio de tropas britânicas para o Mali e enviou para lá um drone da RAF, enquanto o seu prolixo chefe militar, general David Richards, dirigiu “uma mensagem muito clara a jihadistas de todo o mundo: não nos provoquem e não nos embaracem. Trataremos disto de forma robusta” – exatamente o que jihadistas querem ouvir.

rorism, de John Cooley (Pluto Press) ou The Grand Chessboard,de Zbigniew Brzezinski, que foi o parteiro do nascimento do moderno terror fundamentalista. Com efeito, os mujahedin da Al-Qaeda e os talibãs foram criados pela CIA; por seu equivalente paquistanês, o Inter-Services Intelligence; e pelo MI6 britânico.

As notícias que pessoas inteligentes e educadas tanto distribuem como ingerem tornaram-se uma espécie de jornalismo Disney Brzezinski, conselheiro de segurança nacional do presidente Jimmy Carter, descreve uma diretiva presidencial secreta em 1979 que principiou aquilo que se tornou a atual “guerra ao terror”. Durante 17 anos, os EUA deliberadamente cultivaram, financiaram, armaram e fizeram lavagem cerebral a extremistas da jihad que “saturaram de violência uma

geração”. Com o nome de código Operation Cyclone, este foi o “grande jogo” para deitar abaixo a União Soviética, mas que deitou abaixo as Torres Gêmeas. Desde então, as notícias que pessoas inteligentes e educadas tanto distribuem como ingerem tornaram-se uma espécie de jornalismo Disney, fortalecido, como sempre, pela licença de Hollywood para mentir e mentir. Está para ser lançado o filme da Dreamworks sobre o WikiLeaks, uma trama inspirada por um livro de tagarelices pérfidas de dois jornalistas do Guardian que se enriqueceram. E há também o Hora Negra (Zero Dark Thirty), filme que estimula a tortura e o assassinato, dirigido pela ganhadora do Oscar, Kathryn Bigelow, a Leni Riefenstahl do nosso tempo, que promove a voz do seu mestre tal como fez a realizadora de estimação do Fuhrer. Este é o espelho de sentido único através do qual nós mal vislumbramos aquilo que o poder faz em nosso nome. (Publicado no Blog de John Pilger) John Pilger é jornalista. Tradução: Resistir.info

Angola suspende atividades da Igreja Universal Roberto Stuckert Filho/PR

Presidente José Eduardo dos Santos suspendeu as atividades da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola de Brasília (DF) As autoridades angolanas suspenderam as atividades da Igreja Universal do Reino de Deus e interditaram os cultos e demais atividades de outras seis igrejas evangélicas, não legalizadas, segundo um comunicado enviado no início de fevereiro à agência pública de notícias de Portugal, Lusa. A suspensão das atividades da Universal é uma das conclusões da Comissão de Inquérito nomeada pelo Presidente José Eduardo dos Santos, na sequência da morte de 16 pessoas, por asfixia e esmagamento, no último dia 31 de dezembro na capital angolana. “Dia do Fim” O culto, denominado “Vigília do Dia do Fim”, concentrou dezenas de milhares de pessoas que ultrapassaram, em muito, a lotação autorizada do Estádio da Cidadela. No comunicado enviado à Lusa, o governo anuncia que a Procuradoria Geral da República vai “aprofundar as investigações e a consequente responsabilização civil e criminal”. A Comissão de Inquérito (CI) concluiu ainda que as mortes ocorreram devido à superlotação no interior e exterior do Estádio da Cidadela, causada por “publicidade enganosa”. Dias antes da cerimônia, a Universal espalhou em Luanda publicidade sobre o evento, que chamou

O presidente angolano José Eduardo dos Santos

de “Dia do Fim”. A propaganda convidava todos a “dar um fim a todos os problemas: doença, miséria, desemprego, feitiçaria, inveja, problemas na família, separação, dívidas”. Para a Comissão de Inquérito esta publicidade criou, no seio dos fiéis, “uma enorme expectativa de verem resolvidos os seus problemas” e, socorrendose da legislação em vigor, classifica a difusão do evento como “criminosa e enganosa”. A igreja também é acusada de não ter suspendido a cerimônia, mesmo depois de ter tido conhecimento da existência de vítimas mortais. Outras igrejas Quanto à interdição de cultos e a outras atividades de seis igrejas evangélicas, a justificativa foi o fato de não estarem legalizadas. “Realizam cultos religiosos e publicidade, recorrendo às mesmas práticas da Universal”. As seis

igrejas proibidas de levarem a cabo qualquer tipo de atividade são as igrejas Mundial do Poder de Deus, Mundial do Reino de Deus, Mundial Internacional, Mundial da Promessa de Deus, Mundial Renovada e Igreja Evangélica Pentecostal Nova Jerusalém. O comunicado pede aos fiéis destas igrejas e a toda a população em geral, para que se mantenham “serenos”, e a cumpram “cabalmente as decisões tomadas”. A Comissão de Inquérito, criada em 2 de janeiro pelo Presidente José Eduardo dos Santos, foi coordenada pelo ministro do Interior, Ângelo Tavares, com auxílio da ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva, e integrada pelos ministros da Administração do Território, Bornito de Sousa, da Justiça, Rui Mangueira, da Saúde, José Van-Dúnem, e da Juventude e Desportos, Gonçalves Muandumba, além do governador da província de Luanda, Bento Bento. (Agência Brasil)


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