Ano 2 • Número 55
R$ 2,00 São Paulo • De 18 a 24 de março de 2004
Centrais unem-se por jornada de 40h A
crise social do país é tal que uniu as seis centrais sindicais na luta em defesa do emprego, pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, e pela eliminação das horas extras. “Vamos botar o povo na rua”, declara João Felício, da CUT. Mas ele sabe que o desemprego só diminuirá com crescimento econômico. João Carlos Gonçalves, da Força Sindical, diz que as centrais vão recolher adesões para o abaixo-assinado que defende a tramitação, em caráter de urgência, da Proposta de Emenda Constitucional 393/01, que propõe a redução da jornada para 40 horas semanais e, logo depois, para 35 horas, além de aumentar o valor da remuneração das horas extras. Segundo o Dieese, uma jornada de 40 horas e a eliminação das horas extras resultariam na criação de 2,8 milhões de vagas. Págs. 3 e 6
Christophe Simon/AFP
Sindicalistas estão preparando luta por emprego e redução da jornada de trabalho sem redução de salário
Antes das eleições, espanhóis condenam ataque terrorista em Madri e participação do governo de José María Aznar na invasão do Iraque
Lula e Kirchner acertam táticas de negociação
Após um ano de invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em nome da guerra preventiva que resultou em mais de 10 mil mortos, manifestações de repúdio em todo o mundo devem marcar o dia 20 como data de combate às ações militares estaduniden-
ses. Além de exigir a retirada das tropas do território iraquiano, os manifestantes terão como alvo as estratégias de dominação dos EUA por meio da expansão das bases militares na América Latina e a batalha contra a guerra econômica declarada com a
implementação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Na sessão Debate, o sociólogo Emir Sader comenta as conseqüências da guerra preventiva de Bush para o seu país e para o mundo. Pág. 11 e 14
Douglas Mansur
O compromisso de impedir que o superávit primário prejudique o crescimento econômico foi firmado, dia 16, no Rio de Janeiro, pelos presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. A unificação de posições em negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) aumenta a força do bloco sul-americano. Em entrevista ao Brasil de Fato, Kirchner disse que “as mudanças podem ser feitas com responsabilidade, mas distribuindo renda”. Pág. 9
Mundo repudia invasão do Iraque
Proposta dos movimentos para reverter a crise A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) elaborou uma cartilha com sugestões para que o país volte a crescer de forma sustentada. Para ampliar o debate, a CMS vai realizar assembléias por todo o Brasil para discutir e criar estratégias de combate ao que, para os movimentos, é a tradução da crise social: o desemprego e o modelo de políticas econômicas neoliberais, como a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Pág. 5
O resultado das eleições na Espanha, dia 14, significou mais do que a vitória de José Luis Rodríguez Zapatero, do Partido Socialista Obrero Español (PSOE). Quatro dias depois dos atentados em Madri, mostrou a resposta dos espanhóis às mentiras e ao autoritarismo do governo de José María Aznar, do Partido Popular (PP). Págs. 2 e 11
Os violeiros e a riqueza da música caipira
Saldo de um ano de governo: um país mais pobre Ao fim de um ano de governo do PT, as estatísticas provam que é falso atribuir o empobrecimento do país a qualquer herança maldita ou ameaça de grave crise em 2003. Em entrevista ao Brasil de Fato, César Benjamin, coordenador do Consulta Popular, mostra que o conservadorismo do governo Lula vai além da adoção de uma política econômica neoliberal, e se manifesta também no seu relacionamento com a sociedade e o povo brasileiro. Pág. 7
Espanha elege socialista e diz não à mentira
Violeiros participam do 2º Encontro Nacional de Viola Caipira, promovido pelo MST, em Ribeirão Preto (SP)
E mais: EDUCAÇÃO - Fórum Mundial de Educação vai reunir cerca de 60 mil pessoas para discutir propostas pedagógicas alternativas ao modelo educacional reducionista do sistema de globalização. Pág. 4 TRANSGÊNICOS - Tribunal Internacional Popular, realizado em Porto Alegre (RS), dia 11, condenou a Monsanto e a Farsul por disseminarem ilegalmente sementes modificadas, gerando riscos ao ambiente e à biodiversidade. Pág. 8 COCA-COLA - Comprovado esquema comandado pela Coca-Cola para eliminar pequenos concorrentes. Proprietário de empresa de embalagens confirmou que sofreu pressão da transnacional para não fornecer material a pequenos empresários. Pág. 3
Reunidos pela segunda vez em um encontro nacional, tocadores de viola criaram uma associação para promover a cultura popular. Durante a festa realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, dia 13, em Ribeirão Preto (SP), 80 violeiros mostraram a dez mil visitantes a riqueza da música caipira. Pág. 16
Promotores defendem sem-terra Pág. 5
A hora e a vez dos pequenos agricultores Pág. 5
CNBB cria a Defensoria da Água Pág. 13
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De 18 a 24 de março de 2004
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
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As lições de Madri
O
mundo ficou assombrado com as cenas horrorosas do atentado aos trens de Madri, que ceifaram a vida de 200 pessoas. Eram trabalhadores, que iam cedo para suas atividades. Eram homens e mulheres inocentes, vítimas da insanidade do mundo contemporâneo. Seguiu-se um segundo atentado. O governo direitista do primeiroministro José María Aznar utilizou todos os meios possíveis para culpar o movimento separatista basco e, assim, colher votos no meio do horror. Terceiro atentado: a chamada grande imprensa servil, grande parte dela famosa entre nós – como o jornal El Pais, a agência EFE e a televisão TVE – não teve pudor em somar-se aos interesses do governo da burguesia fascista espanhola. Em grandes manchetes, repetiu as mesmas mentiras. Contudo, se por um lado lamentam-se os três atentados, por outro, o episódio pode ajudar a refletir sobre a conjuntura internacional e sobre a necessidade da luta contra a guerra e o belicismo cada vez mais incontro-
lável do capital estadunidense e do governo de George W.Bush. Explicitamente, foram vistas a manifestação de um eurocentrismo e a manipulação da imprensa, que reagiu revoltada aos atentados terroristas que vitimaram os civis espanhóis. Porém, não se vê tal contundência quando as vítimas são iraquianos, haitianos, africanos ou afegãos. Viu-se como a servidão ao capital estadunidense obrigou o Estado espanhol a assumir a aventura de enviar tropas para o Iraque, e como os atos de guerra podem trazer conseqüências incontroláveis para a população civil. Notou-se como, felizmente, o povo que vive na Espanha reagiu com elevada consciência, primeiro ajudando e de mil maneiras se solidarizando com as vítimas e seus familiares. Em segundo lugar, exigindo a verdade e o absoluto esclarecimento dos fatos. E, depois, comparecendo massivamente às urnas, para derrotar a direita neofascista e mentirosa, que para servir aos interesses do capital
enviou jovens soldados para o Iraque, sem depois querer assumir a responsabilidade por esse desatino. Viu-se como o capital internacional, em crise, se torna mais perigoso, mais belicista e inescrupuloso. Fatos semelhantes vêm acontecendo também no Haiti e na Venezuela, com a mão-fantasma do Império agindo. Que tudo isso sirva de lição, inicialmente ao povo dos Estados Unidos, para que tenha o mesmo comportamento dos espanhóis e derrote Bush. A nós, brasileiros, que as lições sirvam para que dobremos o trabalho para elevar o nível de consciência do povo. E para que aumentemos os esforços de luta contra a guerra, principalmente agora nas manifestações do dia 20, programadas para acontecer em quase todas as capitais, em solidariedade aos povos que estão resistindo. E, depois, que sigamos lutando contra o projeto da Alca, que não é nada além do que a dominação do capital estadunidense no continente.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES SUGESTÃO Gosto muito das matérias do jornal Brasil de Fato e aproveito para sugerir a realização de uma reportagem sobre o Juão Sebastião Bar. Esse famosíssimo bar da capital paulistana da década de 60 ficou conhecido como “templo da bossa nova”, onde tocaram artistas como Geraldo Vandré, Elis Regina e Johnny Alf. Edson Spressola Júnior por correio eletrônico SAUDAÇÕES Admiro as publicações e as matérias de responsabilidade social veiculadas pelo Brasil de Fato, um dos únicos ou, talvez, o único jornal comprometido com a sociedade e com a luta popular. Danielle Edite Ferreira Maciel por correio eletrônico MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO Acompanho o Brasil de Fato já faz algum tempo (desde o número 16) e sempre gostei de ler as notícias do modo limpo e claro que o jornal traz. No editorial da edição de número 52, “Em Defesa do Ensino Público”, o jornal aborda a questão da mercantilização do ensino. Concordo. Todavia, gostaria de saber se os cientistas sociais e políticos que escrevem para o jornal consideram a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) parte desse meio podre em que muitas universidades se transformaram, como a Unip, Uniban e outras “unis”. Erik C. G. por correio eletrônico CORRUPÇÃO DE ESQUERDA PODE? A abordagem jornalística que o jornal Brasil de Fato deu ao escândalo
envolvendo uma pessoa muito próxima ao Planalto e ao todo poderoso José Dirceu é ridícula. No fundo, transpareceu uma vontade de esconder o óbvio, que o problema não está apenas na questão da política econômica, mas que o atual governo segue a risca toda a política neoliberal, inclusive na ausência de ética. O Brasil de Fato perdeu uma oportunidade de mostrar como um fato de tamanha gravidade deve ser tratado. A construção de uma nova sociedade depende da postura (o fim nunca justifica os meios, como está tão em voga no governo Lula) daqueles(as) que lutam por uma transformação social. O que o Brasil de Fato pode oferecer aos seus leitores(as) é uma versão fidedigna do que está acontecendo. Joaquim Pinheiro Natal - RN A MULHER QUE BROTA Quando foram queimadas o vento docemente as espalhou e em cada canto do mundo de suas cinzas brotou: brotou índia foi sacrificada brotou negra foi escravizada brotou operária foi explorada o passado não tem retorno por isso não chora apenas cuida que no futuro seja outra sua história em todo tempo ela lutou sua luta nem sempre compensou mesmo assim nunca desanimou em cada cidade em cada nação com a força que brota do chão luta por igualdade contra a opressão. Onelia Passaroti Curitiba – PR
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CRÔNICA
Adultério à brasileira Luiz Ricardo Leitão Um jornaleco bem marrom da “grande imprensa” carioca estampa com sutil picardia a chamada: “Zeca escondia a outra num quartinho” (Extra, 15/3). O leitor mais desavisado não saberá dizer se a manchete anuncia um novo folhetim eletrônico da Vênus platinada ou se a notícia é apenas mais um badalado adultério das colunas “sociais”. A foto ao lado do texto logo nos esclarece a dúvida: a outra não é nenhuma mulher escultural, capaz de tirar o sono de cristãos e pagãos. Ela nunca foi miss, nem tampouco atriz de cinema ou TV. Na verdade, esse obscuro objeto de desejo do pagodeiro mais festejado da era Lula é simplesmente uma... cerveja! Ou, para ser mais exato, uma tradicional marca de cervejaria que, associada a outra megaempresa, lidera as vendas do produto no Brasil. Como todos sabem, a Ambev (monopólio criado com a fusão de Brahma e Antártica) sentiu-se bastante incomodada pela massiva campanha publicitária de sua concorrente paulista, a Schincariol, cujo garoto-propaganda era precisamente ele, Zeca Pagodinho, figurinha carimbada das rodas de samba cariocas. O menestrel do novo regime (eleito, ao lado de Ivete Sangalo, o
sucessor de Fafá de Belém, musa de Tancredo & Sarney, e da atriz Cláudia Raia, estrela da era Collor) apareceu desde o final de 2003 na telinha, recomendando a todos os halterocopistas que experimentassem sem medo o novo sabor da cerveja de Itu. É óbvio que o anúncio rendeu frutos: a participação da Schin no mercado nacional subiu de 11 para 14%, o que, em se tratando de cerveja, significa alguns milhões de reais a mais nos cofres da empresa. Finda a “paixão de verão”, a Ambev deu o troco: graças a uma surpreendente jogada publicitária, aliciou o malandro pós-moderno e o fez cantarolar, em público, o remorso pela “traição”. A mídia, como sempre, conseguiu revestir o episódio de cores melodramáticas: não foi o dinheiro do anunciante que fez o artista “arrepender-se”, mas sim o constrangimento de manter sua adorada loura no “quartinho dos fundos” e de ser obrigado a tomá-la às escondidas... Relembro os antigos malandros da Cidade Maravilhosa e me pergunto se Zeca Pagodinho merece estar, como deseja a mídia, no topo da nossa malandragem, onde já pontificaram figuras como Madame Satã, Kid Morengueira e Natal da
Portela. É claro que nenhum deles subiu no palanque do presidente ou era tão assediado por publicitários (essa raça que hoje elege nossos governantes e nos vende qualquer alimento transgênico), mas também é verdade que o Zeca só canta em Xerém e na Granja do Torto: ele nunca foi à Casa Branca, nem chorou nos ombros de W. Bush, como um compatriota (?) de grande sucesso em Miami e adjacências... Matreiro e ambíguo como tantos outros artistas do Grande Circo Brasil que deixam a vida levá-los por aí, o malandro oficial, depois desse adultério à brasileira, deveria ao menos ouvir os versos do velho Chico, na sua “Homenagem ao Malandro”: agora já não é normal o que dá de malandro regular, profissional, malandro candidato a malandro federal (...), mas o malandro pra valer aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal; dizem as más línguas que ele até trabalha, mora lá longe e chacoalha num trem da Central... Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e prof. adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba).
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De 18 a 24 de março de 2004
NACIONAL MOVIMENTO SINDICAL
Luta conjunta pela redução da jornada Centrais sindicais querem mais emprego, redução da jornada de trabalho sem redução de salários, fim das horas extras Jefferson Coppola/ Folha Imagem
Bruno Fiuza e Luís Brasilino da Redação
D
e forma coesa como há muito não se via, as seis centrais sindicais em atividade no país lançaram, dia 15, na Assembléia Legislativa de São Paulo, uma campanha que retoma uma das grandes reivindicações históricas da classe trabalhadora: a redução da jornada de trabalho. A campanha conseguiu unir Força Sindical, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT), Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e Social Democracia Sindical (SDS) em torno de uma causa comum, a redução da jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais sem corte de salário, além do combate às horas extras. As centrais, no entanto, não vão agir conjuntamente todo o tempo.
Movimento pela redução de jornada de trabalho reúne as seis maiores centrais sindicais do país
grandes bandeiras dos trabalhadores em todo o mundo, desde o século 19. O próprio Dia do Trabalhador é comemorado em homenagem a manifestações nos Estados Unidos que, em 1886, reivindicavam a redução da carga diária de 16 para 8 horas de trabalho. No Brasil, a primeira greve por redução das horas de trabalho aconteceu em 1907, mas foi só a Constituição de 1934 que definiu a jornada de 48 horas semanais. Em 1988, a Assembléia Constituinte estabeleceu as atuais 44 horas. No entanto, a grande diferença entre as lutas históricas e a atual é que no passado essa foi uma reivindicação que visava garantir condições de trabalho e conquista
EMPREGO & RENDA “Vamos botar o povo na rua”, conclama João Felício, secretário geral da CUT, sobre a estratégia da sua entidade. Para os dias 14 e 15 de abril, está agendado um seminário sobre trabalho em São Paulo (SP), e dia 16 será celebrado o dia nacional de mobilizações por emprego e salário. Felício conta que a campanha é motivada pelas duas questões principais para o movimento sindical nesse ano, ocupação e renda. Mas ele destaca: “Sabemos que o desemprego só vai diminuir com políticas afirmativas do governo e crescimento econômico”. A reivindicação para diminuir a jornada também faz parte da cartilha que a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) acaba de divulgar e que vai embasar a mobilização nacional contra o desemprego. (Leia mais sobre a cartilha na página 7)
LUTA HISTÓRICA O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), órgão mantido por centrais e sindicatos, apresentou, simultaneamente ao lançamento da campanha, um estudo que prevê a geração de mais de 1,8 milhão de empregos com a redução para 40 horas semanais. Fora esses, mais 1 milhão de vagas seriam criadas com a eliminação das horas extras. A redução da jornada é uma das
OUTRA POLÍTICA Uma delas seria uma mudança profunda da política econômica envolvendo, por exemplo, a reforma agrária e o estímulo à produção de bens de consumo de massa voltados para o mercado interno.
Um outro ponto a ser considerado, segundo Antunes, é o fato de que a lógica atual do capital tem como meta reduzir o “trabalho vivo” (realizado por trabalhadores), e aumentar o “trabalho morto” (executado por máquinas). Esse processo eliminou, ao longo dos anos 90, 10,8 milhões de postos de trabalho no Brasil, segundo dados de pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pedido da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Para Antunes, a luta por uma jornada de trabalho menor é, antes de mais nada, uma forma de confronto com o capital, e a redução não pode ser confundida com flexibilização. Dentro desta perspectiva,
CONTRATAR COMPENSA Cássio Calvete, economista do Dieese e professor da PUC-RS, explica por que, mesmo diante do aumento de custo para o empresário, compensaria a contratação de novos trabalhadores. Segundo ele, apesar de representar uma elevação de custo no curto prazo, contratações se traduziriam em aumento de produtividade a longo prazo. O crescimento da produtividade no país, durante a última década, foi de 100%, a uma taxa média anual de 4,84%. Calvete explica que esse ganho pode ser apropriado pelos empresários, por meio do lucro; pela sociedade, através da diminuição de preços; ou pelos trabalhadores, sob a forma de aumento na renda, ou da geração de empregos. Como, nesse período, não se verificou nem diminuição de preços, nem aumento na renda do trabalhador, nem geração de empregos, o aumento de produtividade só pode ter sido apropriado pelos empresários. Prova disso é que a participação da remuneração do trabalho no PIB, por exemplo, caiu para 36,1% em 2002 em comparação aos 40% de 1994, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A redução da jornada de trabalho, segundo Calvete, seria justamente uma forma de fazer com que os trabalhadores se apropriassem do aumento de produtividade por meio do crescimento da oferta de trabalho.
ARAGUAIA
Familiares estão inconformados com descaso
35 HORAS SEMANAIS
Tatiana Merlino da Redação A declaração do ministro da Defesa, José Viegas, dia 9, de que os arquivos da guerrilha do Araguaia foram incinerados há mais de vinte anos irritaram familiares de desaparecidos políticos e organizações de direitos humanos. “O ministro está mal-informado, está desrespeitando a nossa luta e defendendo os militares. Eu não aceito as desculpas dele”, protesta Suzana Lisboa, integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Suzana questiona a
veracidade da declaração, lembrando que tais provas não poderiam ter sido queimadas há mais de vinte anos pois em 1993 um documento sobre a guerrilha foi preparado pela Marinha, Aeronáutica e Exército. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos enviou uma equipe para a região de Xambioá (TO), dia 5, à procura de ossadas de participantes da guerrilha. Depois de uma semana, o trabalho foi encerrado sem sucesso. A ida do grupo a Xambioá aconteceu depois que a revista Época revelou declarações de ex-soldados sobre locais onde
estariam enterrados guerrilheiros. Para Criméia de Almeida, exguerrilheira, a busca foi feita “para parecer que o governo é democrático”. “O governo Lula já mostrou a que veio quando recorreu da decisão da juíza Solange”, acrescenta ela. No ano passado, o governo recorreu da sentença dada pela juíza federal, Solange Salgado, que determinou a abertura de todos os arquivos das Forças Armadas e a intimação dos militares envolvidos. “Se quisessem nos ajudar, não teriam recorrido. Em vez disso, foram para a região da guerrilha e ficaram cavando lugares
indeterminados”, reclama Criméia. A maneira como o governo Lula está conduzindo o esclarecimento da morte das vítimas da guerrilha também desagrada Elizabeth Silveira, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro. Para ela, apesar do governo ser formado por ex-militantes, o tratamento para a questão é o mesmo dos governos anteriores. Segundo ela, existe um pacto entre governo e militares: “ninguém precisa entregar os nomes dos executores, dizer como aconteceu. Aparecendo os corpos, já é suficiente para eles”.
COCA-COLA
Lauro de Almeida/ Folha Imagem
Segundo João Carlos Gonçalves, secretário geral da Força Sindical, as centrais vão incentivar os sindicatos a incluir a redução da jornada em todas as suas negociações. Além disso, elas vão recolher, até 1º de maio (Dia do Trabalhador), adesões para o abaixo-assinado “Reduzir a Jornada é Gerar Empregos”, que defende a tramitação, em caráter emergencial, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 393/01. Se isso acontecer, será criada uma comissão especial com a função exclusiva de apreciá-la. Caso contrário, o projeto entra em uma comissão já existente e seu processo de tramitação se torna muito mais lento. A decisão é do presidente da casa, João Paulo Cunha (PT/SP). A PEC, apresentada pelo senador Paulo Paim (PT/RS) e pelo deputado federal Inácio Arruda (PCdoB/CE), propõe não só reduzir a jornada para 40 horas semanais, como transformá-la em 35 horas, num intervalo curto de tempo. A PEC também encarece a hora extra, elevando-a para 100% a mais do que a hora normal de trabalho, ou 200% a mais quando ocorrer em domingos e feriados. Assim, o empregador é desestimulado a lançar mão desse recurso e pressionado a contratar mais.
de direitos. Hoje, ela é uma forma de tentar expandir o trabalho formal e minimizar o desemprego. A avaliação é do sociólogo e professor Ricardo Antunes, titular do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, para quem a proposta de reduzir a jornada sem diminuir salários é positiva para combater o desemprego, mas precisa estar casada com outras medidas.
não basta diminuir a jornada, mas é preciso também exigir que as horas abertas pela redução sejam preenchidas pela contratação de um novo contingente de trabalhadores.
Ministério pede abertura de inquérito Bruno Fiuza da Redação
Dia 21 de março, organizações e movimentos que atuam contra o racismo realizam diversas atividades para celebrar o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial. Nesse dia, em 1960, a polícia da África do Sul reprimiu com violência uma manifestação pacífica contra as leis do apartheid (regime de segregação racial). Em 1966, a Assembléia Geral da ONU instituiu essa data para incentivar esforços para a eliminação de todas as formas de discriminação racial.
O esquema de eliminação de pequenos fabricantes de refrigerantes – comandado pela CocaCola e denunciado na edição 51 do Brasil de Fato pelo presidente da Dolly Refrigerantes, Laerte Codonho – vem sendo comprovado por investigações de órgãos da administração federal. Dia 9, o subprocurador do Ministério Público Federal (MPF) que trabalha junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Moacir Guimarães Morais Filho, enviou um ofício para a Polícia Federal (PF) pedindo abertura de inquérito para apurar denúncias referentes a concorrência desleal e improbidade administrativa envolvendo a transnacional. A grande novidade surgida durante as investigações do subprocurador foi o depoimento de Geraldo Denardi, sócio-proprietário da
Videplast, empresa catarinense produtora de embalagens plásticas, que confirmou a pressão exercida pela Coca-Cola sobre sua empresa para que parasse de fornecer material aos chamados “tubaineiros” (pequenos produtores de refrigerante, no vocabulário da Coca-Cola), entre eles a Dolly. Segundo o subprocurador, essa informação é “um indício de que outras empresas possam ter sido pressionadas também”. No mesmo ofício em que relata o depoimento de Denardi, o subprocurador sugere que “os fatos, pela gravidade da denúncia, devem merecer uma apuração no âmbito da Polícia Federal, que dispõe de meios para investigações mais detalhadas, como a quebra do sigilo telefônico das pessoas envolvidas”. As investigações que o subprocurador solicita à PF, no entanto, não se restringem à acusação de concorrência desleal. A outra denúncia, que Moacir Guima-
rães considera mais importante, diz respeito a um suposto jantar do executivo Daniel Mendonça, especialista em assuntos governamentais da Coca-Cola, com um assessor técnico da SDE, e a um almoço do executivo com dois nomes ainda não identificados, mas que, segundo Codonho, seriam ligados ao Cade. Por trás dessa articulação estaria a contratação do lobista Alexandre Paes dos Santos pela Coca-Cola, com o propósito de bloquear as investigações do caso na SDE e na Câmara dos Deputados. O lobby da Coca-Cola também foi denunciado na edição número 51 do Brasil de Fato. A Secretaria de Direito Econômico informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que convocou tanto a Coca-Cola quanto a Dolly para prestar esclarecimentos sobre o assunto. Segundo a assessoria da SDE, a Coca-Cola negou as acusações e a Dolly não quis formalizar a denúncia.
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Espelho da mídia
De 18 a 24 de março de 2004
NACIONAL EDUCAÇÃO
Fórum vai propor novo modelo Luís Brasilino da Redação
Governo na novela Segundo especialistas, a dívida total das empresas de mídia no Brasil deve alcançar R$10 bilhões, dos quais mais da metade é de responsabilidade das Organizações Globo, que já teve seu pedido de falência solicitado por três credores de Nova York. Enquanto não sai o “Proer da Mídia” (nome como ficou conhecido o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional, voltado aos meios de comunicação), uma novela da TV Globo, em fase de gravação, terá apoio institucional da Petrobras, no valor de R$ 30 milhões. Publicidade em TV educativa Não bastasse o Brasil ter uma das televisões com mais publicidade no mundo – inclusive a sua TV paga, o que configura dupla cobrança –, o deputado Rogério Teófilo (PFL-AL) quer propaganda também nas TVs educativas., o que hoje é proibido. Essas emissoras, exatamente por não se submeterem à lógica comercial, têm programação sem baixarias e linguagem cultural e estética mais apurada. Sofrem por falta de verbas, conseqüência do desmonte do Estado, que penaliza a maioria da população com o corte de recursos para todos os serviços públicos. Enquanto isso, gordas verbas públicas escorrem para a TV privada, qualquer que seja o governo. Rigidez para rádio comunitária As rádios comunitárias sofrem nova ameaça, além da repressão que fecha, apreende equipamentos e agride moral e fisicamente seus integrantes. A ameaça está contida no Projeto de Lei nº 2.126/03, do deputado Gilberto Kassab (PFL-SP), que estabelece restrições à outorga do serviço de radiodifusão comunitária e prevê a fiscalização periódica pelo poder concedente. Pelo projeto, só poderão receber a outorga do serviço fundações e associações que comprovarem existir há mais de dez anos e apresentarem atestado de idoneidade expedido pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário locais. Num país em que boa parte dos pobres sequer tem documentação, a burocracia vai intimidar ainda mais as iniciativas populares. Notícia que a TV não mostra Um quilo de cristal de quartzo (matéria-prima utilizada na fabricação do chip do computador) exportado pelo Brasil custa R$ 0,35. O preço médio de um microcomputador que chega aos consumidores brasileiros: R$ 1.400,00. Notícia que a TV destaca Apenas 73 empresas operam com sucesso na Bolsa de Valores de São Paulo, apesar da propaganda diária, nas emissoras de televisão, que acabam passando a ilusão de que a economia brasileira depende da Bovespa. Em qualquer noticiário, todo dia há notícia sobre o mercado de ações.
“C
Estudantes da Universidade Estadual de Ponta Grossa protestam contra a falta de professores e fechamento de cursos
de comemorações dos 450 anos de São Paulo. Representantes da Educação formal, informal e nãoformal devem apresentar contribuições à construção de uma plataforma mundial em favor do direito à Educação. O evento vai promover conferências temáticas, painéis de aprofundamento, mesas-redondas e oficinas em torno da defesa do direito universal à Educação e contra a mercantilização do ensino. Com o tema geral “Educação Cidadã para
PLATAFORMA MUNDIAL Com um público estimado em mais de 60 mil pessoas de vários países dos diferentes continentes, esse será, segundo os organizadores, o maior evento do calendário
uma Cidade Educadora”, o Fórum se constituirá em espaço de autogestão, juntando poder público e sociedade civil organizada (educadores, entidades estudantis, sindicatos, movimentos sociais, escolas, universidades, centros de pesquisa, fundações, ONGs, órgãos governamentais e outros). Confirmaram presença os ministros Tarso Genro (Educação) e Gilberto Gil (Cultura); o assessor da Presidência frei Betto; o senador (DF) Cristóvam
Buarque (ex-ministro da Educação); o vice-prefeito de São Paulo Hélio Bicudo; o cientista político Emir Sader; o teólogo Leonardo Boff;; a psicanalista Maria Rita Kehl e o educador Roberto Leher, entre outros. A sede central do Fórum será o Palácio das Convenções do Anhembi, mas haverá atividades em várias outras localidades da cidade. As inscrições podem ser feitas pela internet: http: //fmet.terra.com.br, até o dia 22.
REFORMA UNIVERSITÁRIA
Sindicalista critica “compra” de vagas ociosas Maíra Kubík Mano da Redação
Divulgação
Mídia rasga a fantasia Estabeleceu-se oficialmente a desarmonia entre as empresas nacionais de comunicação. Uma comitiva de descontentes visitou Carlos Lessa, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e representando algo muito próximo de uma declaração de guerra. Luiz Sandoval, presidente do Grupo Sílvio Santos, Amílcare Dallevo Júnior, presidente da RedeTV!, e Dennis Munhoz, presidente da Rede Record, foram dizer ao governo que não aceitam um programa de socorro às empresas de mídia nos termos propostos pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), juntamente com a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editoras de Revistas (Aner), grupo capitaneado pela família Marinho.
onsiderando que o Fórum Social Mundial constitui-se uma resposta necessária e urgente ao sistema destrutivo da globalização, surge a necessidade de gerar, ao mesmo tempo, um projeto pedagógico alternativo ao modelo educacional reducionista do neoliberalismo. Essa é a essência do Fórum Mundial de Educação (FME)”. Com essas palavras, o professor sueco Azril Bacal, do conselho internacional do FME, define a importância do Fórum Mundial de Educação São Paulo, que se realizará entre os dias 1º e 4 de abril, na capital paulista. O professor Moacir Gadotti, presidente do Instituto Paulo Freire e um dos principais organizadores do FME-SP, explica que o Fórum será dividido em duas frentes de atuação, o movimento e o evento. O primeiro é permanente e baseia-se em dois princípios: fazer frente ao neoliberalismo e criar pluralidade de propostas. Nesse sentido, “o Fórum se sustenta na luta histórica dos trabalhadores, construindo uma plataforma de luta por meio do aproveitamento do acúmulo de experiência dos trabalhadores de todo o mundo”, diz Gadotti.
Henry Mileo/Gazeta do Povo/Folha Imagem
Cerca de 60 mil pessoas de vários países vão participar do evento, em São Paulo
Quem é
O projeto “Universidade para Todos”, que estabelece a reserva de 25% das vagas das universidades particulares para estudantes de baixa renda, deve ser implementado por meio de medida provisória, nos próximos dias, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Proposto pelo ministro da Educação Tarso Genro, o programa é alvo de críticas de educadores e profissionais da área. Para o professor Luiz Antonio Barbagli, presidente do Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP), o governo não deve investir verbas públicas no ensino privado. Brasil de Fato – Qual é a posição do Sinpro sobre o programa Universidade para Todos? Luiz Antonio Barbagli – Na última semana, o Ministério da Educação (MEC) chamou a iniciativa de “estatização das vagas”, mas o que vai ser feito é a compra de vagas pretensamente ociosas nas universidades particulares. Nós somos historicamente contra essa tendência. Desde os debates para a elaboração da Constituição de 1988 fomos a favor das verbas públicas somente para instituições públicas. Naquela época, o ensino privado já tinha uma característica comercial e não apenas educacional. E nossa experiência nos diz que as escolas públicas trazem mais retorno à sociedade brasileira do que as escolas privadas. Outro agravante do programa é o fato de que, a partir do governo Itamar Franco e, mais acentuadamente durante os governos Fernando Henrique Cardoso, muitas instituições se tornaram universidades ou centros universitários. Porque a universidade, constitucionalmente, é autônoma. Ou seja, pode gerir todos os seus atos, inclusive administrativos. A idéia
Luiz Antonio Barbagli é presidente do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP) e professor licenciado da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). reprimida de alunos carentes. Nós precisamos achar um equilíbrio para essa situação, mas será não injetando dinheiro público nas instituições privadas.
inicial, colocada na Constituinte, foi fazer uma blindagem para evitar que o governo mandasse na universidade e impedir a perseguição a professores. Só que os nossos patrões inverteram essa tese – adotaram a autonomia para a parte administrativa da universidade. Existe um número muito grande de universidades e centros universitários, que podem montar o curso que quiserem, com o número de vagas que quiserem. Conseqüentemente, existem vagas ociosas, sem alunos. Portanto, o governo deve verificar se o número de vagas ociosas não é fruto da própria ganância de quem está criando os cursos, mesmo sem noção de demanda. BF – A entrada de Lula no governo não modificou em nada essa situação? Barbagli – Não. Continuamos da mesma forma. O ex-ministro Cristóvam Buarque não conseguiu barrar o que acontecia. E o ministro Tarso Genro (Educação) veio com a proposta de compra de vagas. A troca dos ministros fez apenas com que o MEC investisse primeiro no ensino superior, tentando readequar a demanda
BF – O que o senhor acha das propostas de modificar a regulamentação das instituições filantrópicas, colocando vagas à disposição? Barbagli – Quase todas as universidades do município de São Paulo são filantrópicas. Durante o governo FHC, as escolas filantrópicas foram autorizadas a se tornar empresas com fins lucrativos. Em São Paulo, apenas três mudaram sua situação. As outras continuaram com a mesma idéia de não ter fins lucrativos. Agora o ministro quer obrigá-las a ser empresas com fins lucrativos. A questão é que essas empresas já estão classificadas como filantrópicas, o que as obrigam a conceder bolsas. Por que motivo elas vão se tornar empresas? Para ter que dar bolsas? Claro, muitas dessas instituições realmente não dão bolsas, investem o dinheiro da filantropia em outras áreas. Portanto, se já existe um sistema de filantropia, basta direcionar corretamente as regras para o aumento e a manutenção de bolsas. BF – A proposta de reforma universitária pode trazer a privatização do ensino público? Barbagli – O governo não entende o papel que a universidade tem na sociedade. A impressão que se passa sempre é de que apenas um grupo restrito de pes-
soas se beneficia da universidade pública. Isso é verdade. Só que a universidade pública produz ciência para toda a população brasileira. O investimento deve continuar focado na universidade pública não pela raiz do ensino, mas pela raiz da pesquisa e da extensão. Não investir em Educação, hoje, gera problemas para o futuro porque o país fica cada vez mais dependente de tecnologia externa. Investir em Educação significa investir em liberdade. BF – O senhor acredita que a Educação vai entrar como serviço na Organização Mundial do Comércio (OMC)? Barbagli – Se a Educação for considerada um serviço pela OMC, e isso vale também para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a cultura, o conhecimento serão comandados por grupos externos. Como ter soberania sobre a Educação se o FMI indica que não se investa em Educação e a OMC a considera como um serviço? O resultado será a tecnologia paralisada, o parque industrial diminuído, o investimento em pesquisas dirigido aos interesses da matriz, não aos do país. Imagine que venha uma universidade do exterior, invista em uma pesquisa e descubra a vacina da Aids. De quem será a patente? Do Brasil ou da universidade? É o neocolonialismo, ditado pelas regras econômicas mundiais, que segura o desenvolvimento de países como o nosso.
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NACIONAL TERRA
Alimentos, só de pequenos agricultores Uma questão de decisão política: dirigir as compras governamentais exclusivamente para a agricultura familiar
RESPONSABILIDADE Parece absurdo que o pequeno agricultor possa atender quase toda a alimentação da população brasileira. Mas não é. Pesquisa realizada pela FAO, em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 1998, mostra que a agricultura familiar é responsável por 52% do leite
PROGRAMA SEMELHANTE Quando Plinio de Arruda Sampaio e equipe elaboraram o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), o Programa de Compras Antecipadas vinha no seu bojo. Com a modificação do PNRA, sobrou apenas um “esboço” do PCA original, batizado de Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). O PAA se transformou em lei, sancionada em julho de 2003, que integra o Plano Safra da Agricultura Familiar 2003/2004. Ou seja, o PAA é lei, mas conseguir verbas para sua execução “será uma novela, a cada ano”, afirma seu coordenador, Arnoldo de Campos. Diferente do Programa de Compras Antecipadas, o PAA não beneficia todos os agricultores. “O programa do governo restringe o número de agricultores e sua verba é insuficiente”, diz Sampaio. Dispõe de R$ 400 milhões para comprar alimentos, e R$ 5,4 bilhões para financiar agricultores durante a safra 2003/2004. Desde setembro, atendeu 41,2 mil famílias e dispendeu R$ 1,83 bilhão.
São mais de cinco milhões de pequenos agricultores no país
produzido, 67% do feijão, 46% do trigo e quase 90% da mandioca. Os pequenos agricultores somam cerca de 5 milhões de pessoas, que dinamizam a economia de 4.500 dos 5.500 municípios do país. No entanto, eles pouco ganham com o que produzem. “Os pequenos agricultores são os que mais passam fome”, garante Sampaio. Segundo o último Censo Agropecuário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1996, existiam 5 milhões de estabelecimen-
tos agropecuários, dos quais 4,1 milhões familiares. Metade desses estão no Nordeste.
FORA DO MERCADO A produção em pequena escala e fora do padrão exigido pelos grandes compradores faz com que o pequeno produtor perca a concorrência no mercado comum, analisa Sampaio. “Numa mesma safra, uma batata sai grande, outra pequena. A ausência de agrotóxicos torna os alimentos ‘feios’, mas isso não
Abra retoma atividades A Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) volta à ativa depois de dois anos parada. Plínio de Arruda Sampaio, eleito o novo presidente da associação, alerta: “ O desafio para esse ano é assentar um milhão de trabalhadores rurais, ao invés de 450 mil, como propõe o governo”. Criada em 1967, a Abra reúne intelectuais, agrônomos, funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), militantes de movimentos sociais e brasileiros comuns em torno da luta pela reforma agrária. Uma luta em várias frentes, que inclui desde a realização de seminários, e elaboração de manifestos, até a “pressão física” e trabalhos de convencimento junto a deputados. A Revista da Abra, que era publicada de uma a cinco vezes por ano, também deve voltar a circular.
Em defesa dos direitos humanos dos sem-terra Da Redação “Enquanto o sonho da reforma agrária não se realiza, não podemos permitir que os direitos humanos dos trabalhadores sem-terra sejam violados”. Para Westei Conde y Martín Jr., coordenador da Promotoria de Defesa da Cidadania, essa deve ser a visão dos 37 novos promotores do Ministério Público de Pernambuco que participaram de uma oficina de trabalho no acampamento agrícola da cidade de Escada, Pernambuco, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Promovido pela Escola Superior do Ministério Público, o objetivo do curso é aproximar os promotores de uma das regiões de maior conflito de terras no país à realidade das milhares de famílias
Cátia Fonseca
O
objetivo é todos os pequenos agricultores escoarem sua produção para garantir alimento nas escolas, creches, abrigos, albergues, asilos e hospitais públicos; bancos de alimentos; restaurantes populares, cozinhas comunitárias e o exército. Não é delírio, mas a meta do Programa de Compras Antecipadas (PCA), parte integrante da proposta original do Plano Nacional de Reforma Agrária, coordenado pelo professor Plínio de Arruda Sampaio, entregue ao Ministério da Reforma Agrária dia 15 de outubro de 2003. Como esse plano, aprovado há três meses, foi modificado, o programa acabou deturpado. Por isso, dia 18, Sampaio deve reapresentá-lo na Conferência Alimentar, em Recife (PE). O PCA propõe que todas as compras governamentais de alimentos passem a ser feitas de pequenos agricultores e assentados pela reforma agrária. Se executado por todas as esferas de governo, Sampaio estima que 1,3 milhão de agricultores serão beneficiados, sem gastos extras para o governo. “A renda do pequeno agricultor não chega a um dólar por dia, para cada membro da família. Com o programa, a família poderá ganhar uma média de um salário mínimo mensal”, afirma Sampaio, que também é consultor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Ele acredita que, para a implementação do PCA, “basta a boa vontade do governo. O governo federal pode direcionar as compras”. No caso das prefeituras e governos estaduais, Sampaio pretende elaborar um projeto de lei para que a atuação do programa seja mais “eficiente”.
significa que o alimento não tenha qualidade”, argumenta Sampaio.
Agência Brasil
Letícia Baeta da Redação
Promotor Martin Jr. fala no acampamento agrícola de Escada (PE)
acampadas no Estado. Para o procurador-geral do Estado, Francisco Sales, é necessário conhecer in loco a realidade. “Espero que antes de se pronunciar, os promotores reflitam sobre a vida dos acampados e não se baseiem apenas no texto seco da
lei”, observa Sales. Mais do que mostrar aos promotores as conseqüências do problema secular de concentração de terra, o Ministério Público pretende criar uma promotoria de Defesa da Função Social da Propriedade para ten-
tar acelerar a desapropriação, intermediar conflitos entre latifundiários e sem-terra e cobrar ações do governo federal para atendimento efetivo das familias assentadas. “Não basta distribuir terra e o agricultor não ter crédito, comida e água para plantar. Isso não é reforma agrária. É contra a violação desses direitos básicos que temos que lutar”, afirma o procurador-geral do Estado. A visita à área ocupada há três anos e sete meses, onde estão acampadas 1,7 mil famílias semterra, “contribuiu para modificar a visão preconceituosa criada pela mídia. O contato com a realidade de pessoas que cometeram o crime de lutar pela terra para ter onde morar, comer e educar seus filhos nos dá outra visão do conflito pela terra”, de acordo com o promotor Martin Jr.
MOVIMENTOS SOCIAIS
Da Redação A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) elaborou uma série de sugestões para que o país volte a crescer de forma sustentada. A cartilha servirá de instrumento para as mobilizações previstas na Campanha Nacional contra o Desemprego, que começam neste mês, com a realização de assembléias em todos os Estados. Os caminhos apontados pela CMS objetivam reverter a crise social do país que, segundo os movimentos, se traduz principalmente no desemprego e na manutenção das políticas econômicas neoliberais implantadas na década de 90. Essas medidas se contrapõem, em grande parte, à estratégia adotada pelo governo Lula em seu primeiro ano. Os movimentos condenam a posição do governo na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e na Organização Mundial do Comércio (OMC), e também criticam o fato de o governo aceitar regras supranacionais que “diminuiriam as possibilidades do Estado atuar na economia em favor dos pobres”.
DE OLHO NO EMPREGO Para a CMS, a geração de empregos depende de vários fatores como
o aumento dos gastos públicos em infra-estrutura, educação e saúde, a diminuição imediata dos juros e o controle de capitais. “É preciso mudar esta política (econômica), controlar a entrada e saída de capitais (principalmente os de curto prazo), limitar as remessas de riquezas para o exterior e também renegociar a dívida externa”, diz a cartilha. E continua: “A economia traduzida no superávit primário deve ser destinada a investimentos públicos essenciais, principalmente aqueles voltados para a geração de novos postos de trabalho. Em vez de reduzir gastos orçamentários para satisfazer credores, queremos que os impostos do povo sejam usados para gerar empregos no Brasil”, propõe. O documento reafirma a necessidade do fortalecimento do mercado interno e investimento em infra-estrutura.
VONTADE POLÍTICA Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, as propostas da CMS são interessantes, mas a sua implementação depende, acima de tudo, de fatores políticos. Para ele, o PT assumiu o governo sem uma idéia fechada de como conduzir a economia, o que o deixou à deriva e vulnerável às pressões do mercado internacional. “Acredito
que é preciso uma grande pressão popular para equilibrar as pressões do mercado sobre o governo. Se esta é a proposta da CMS, acho que está no caminho certo.” Mas o desafio é grande, porque os miseráveis e a classe média ainda não estão preparados para assumir ou participar de um movimento massivo por mudanças, alerta Belluzzo. “Os muito pobres são completamente despolitizados, e a classe média é individualista. A política econômica não vai mudar facilmente, mesmo sob pressão, porque o governo teria que estar disposto a pagar um alto preço político se resolver confrontar os interesses do mercado internacional. Qualquer mudança aumentaria o risco Brasil, causaria fuga de capitais, enfim, desestabilizaria a economia como ela está sendo planejada.” Para Belluzo, a melhor estratégia para implementar uma campanha como a proposta pela CMS seria trabalhar as várias demandas de forma progressiva. “Primeiro, há que se buscar a recuperação do emprego, depois do salário, depois a redução da jornada de trabalho, e assim sucessivamente. Assim a campanha pelo emprego teria mais chances de ser bem-sucedida.” (Com Agência Carta Maior)
Agência Folha
Cartilha critica política econômica do governo
Movimentos querem reforçar a luta pelo emprego
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NACIONAL POLÍTICA ECONÔMICA
Até aliados querem fim do arrocho
Fé inabalável O presidente Lula, no entanto, continua acreditando piamente na política econômica. “É a primeira vez, na história do Brasil, que estamos conquistando a estabilidade sem invenção econômica”, discursou, dia 12, na abertura de reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social (CDES). Lula pediu paciência aos críticos e reforçou a crença de que é possível crescer sem mudar a política econômica: “Não há como a economia não crescer esse ano”. Os antecedentes, no entanto, não ajudam: em 2003, a fé não bastou para impedir o recuo de 0,2% do PIB. “Azneira” Endossando as palavras do primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) apressou-se em condenar veementemente o grupo separatista basco ETA como responsável pelo atentado em Madri, dia 11. Triste sina da ONU, que fez coro à mentira de Aznar e acabou desmoralizada com a derrota do Partido Popular, de Aznar, nas eleições do dia 14. E a tese de que o ETA armou o atentado vai se mostrando tão verídica quanto as armas de destruição em massa que o Iraque possuía. Iraque não é Brasil Há dois pesos e duas medidas no sistema político-econômico internacional. Credores e os países mais ricos do mundo mostraram complacência aos clamores dos Estados Unidos, que querem perdoar a maior parte da dívida do Iraque. Já o cauteloso pedido de Brasil e Argentina, que querem flexibilizar as políticas do FMI, não arrancaram os mesmos suspiros. Dia 10, o vice-presidente do Banco Central alemão, Jürgen Stark, disse que é contra a proposta. O motivo: “Repercussões para os acionistas do FMI”. Ralos da RBS O grupo de mídia do Rio Grande do Sul, RBS, está sendo acusado de enviar R$ 96,5 milhões para o exterior ilegalmente, via contas CC5. Dia 11, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Banestado, que investiga crimes de lavagem de dinheiro e remessas ilegais de recursos para o exterior, chegou até a empresa controladora do jornal Zero Hora e retransmissora da TV Globo no Rio Grande do Sul. O pedido para a CPI investigar a RBS partiu da deputada Iriny Lopes (PT-ES), que quer quebrar o sigilo bancário, fiscal e telefônico da empresa e de mais 56 companhias e pessoas ligadas ao grupo. Suínos e porcos Recado do secretário de Estado dos Estados Unidos, Colin Powell, ao governo russo, dia 13: “É preciso trabalhar melhor para fazer a democracia funcionar”. Vladimir Putin acabou sendo reeleito, dia 14, sob a acusação de ter colocado as televisões públicas para trabalhar a seu favor. Tempos difíceis esses em que o governo de George W. Bush, eleito com uma escandalosa fraude eleitoral na Flórida, se arroga o direito de defender os valores republicanos pelo mundo.
Nelson Breve de Brasília (DF)
A
tolerância com a política econômica continuísta do governo está por um fio. A pressão das bases eleitorais sobre os parlamentares governistas chegou a um ponto em que a equipe econômica terá de ser flexível para evitar um bombardeio no Congresso. Isso ficou evidente na audiência pública que a Comissão Mista de Orçamento realizou dia 10 para ouvir as explicações do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, sobre a avaliação do cumprimento da meta de superávit primário em 2003. Ao contrário do que ocorrera um ano antes, quando Levy foi poupado de explicar a herança maldita do governo tucano, ao qual também servira, parlamentares do governo e da oposição se uniram nas críticas ao arrocho fiscal do governo petista. Mesmo os que cumpriram a obrigação de defender a política do governo, como o vice-líder governista na Comissão, Virgílio Guimarães (PT-MG), não escondiam sua frustração. “Queria que o senhor nos indicasse as perspectivas para a superação dessa situação. O senhor diz que o tamanho bom para a dívida é aquele que permite ao país conviver com ela. Mas também é aquele que permite a redução das taxas de juros para crescer e gerar empregos”, cobrou Virgílio.
Ed Ferreira/AE
Pela esquerda ? “Se necessário, vamos às ruas, vamos aos palanques para combater essa política”. O autor da frase não é líder de movimento popular nem de corrente da esquerda do PT, mas o vice-presidente José Alencar, do Partido Liberal (PL), dia 12. Três dias depois, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que Palocci não tem competência para tocar a economia. Parece que a insatisfação com a orientação da dupla Palocci e Meirelles é tão grande que até a paciência dos aliados mais conservadores está acabando.
João Zinchan
Números de Joaquim Levy são contestados, mas ele insiste na contenção de gastos
À esquerda, a equipe econômica segura o gasto público porque teme o fantasma da inflação mais que o drama do desemprego (acima)
FRUSTRAÇÃO AUMENTA “Entendo que o deputado Virgílio Guimarães fez o papel de defender o governo, mas ele teve ao menos a dignidade de ficar vermelho”, ironizou o deputado Paulo Afonso (PMDB-SC), advertindo que a frustração do povo com a condução da economia está aumentando. “A desilusão vai crescendo, pois a idéia de um governo diferente, transformador, está fazendo água”, completou. Levy apresentou uma série de tabelas e gráficos para convencer os parlamentares de que a saúde fiscal do país é melhor hoje do que no início do governo Lula. Melhora do perfil da dívida, maior equilíbrio da execução orçamentária e alcance da meta de superávit primário, com folga. O governo central deixou de gastar R$ 38,7 bilhões do total arrecadado em 2003. Somados aos R$ 9,6 bilhões economizados pelas empresas estatais, totalizaram um superávit federal de R$ 48,3 bilhões. De acordo com os ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Guido Mantega (Planejamento), o resultado superou em R$ 8,5 bilhões o que foi estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
SUSPEITA DE MAQUIAGEM Mas por que LDO? O governo não tinha aumentado a meta de superávit por decreto? Então, por que comparar com a LDO? O deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG) suspeita que o governo maquiou os dados para parecer que a meta do decreto foi alcançada e, como sabe que os números verdadeiros vão aparecer, se escora na LDO, que registra meta em relação ao PIB menor que a do decreto presidencial (2,80% versus 3,15%). Miranda criticou o relatório inteiro, cobrando comparações com o orçamento efetivamente aprovado pelo Congresso. Nervoso, Levy esbravejava com assessores que não encontravam os dados para rebater os pontos contestados. Insistia em afirmar que diversos indicadores melhoraram em 2003, levando em conta que o país perdera recursos da ordem de R$ 60 bilhões nas turbulências ocorridas durante o processo eleitoral. “A gente deu a volta por cima”, sustentou o secretário. Mesmo como técnico, Levy foi reprovado. A maioria das questões dos parlamentares referia-se ao
superávit primário. Queriam saber quanto da economia forçada foi utilizado para amortizar a dívida pública, que aumentou, mesmo com o sacrifício de se paralisar a economia e aumentar o desemprego. O secretário desconversou sobre os números, mas defendeu a política. Disse que o superávit não impede o crescimento e que um afrouxamento fiscal pode ser fator de incerteza dos agentes econômicos, e provocar reações ruins para a economia. “Nós temos alguns problemas sérios, que não têm solução fácil ou confortável”, observou, sem apontar os problemas.
FANTASMA DA INFLAÇÃO Levy insistiu no argumento de que o superávit é importante para reduzir a proporção da dívida pública em relação ao PIB, e ainda desdenhou de quem questionava a ineficácia do ajuste diante do efeito inverso. Nos últimos cinco anos, o go-
verno federal deixou de gastar R$ 140 bilhões dos tributos arrecadados. Destes, apenas cerca de 40% foram utilizados para amortizar dívidas ou pagar juros. Os R$ 80 bilhões restantes estão ociosos no caixa único do Tesouro Nacional. “O governo não pode abater a dívida porque são recursos vinculados”, alertou Miranda. Trata-se de verbas destinadas a gastos específicos, que não podem ser usadas para outras finalidades. Só no ano passado, foram esterilizados R$ 27 bilhões – mais da metade da soma dos quatro anos anteriores de arrocho fiscal. Estão aí R$ 5,3 bilhões da Cide, R$ 3,3 bilhões de royalties do petróleo, R$ 1,4 bilhão do Fundo de Combate à Pobreza, entre outros. Portanto, o governo não pode abater a dívida, mas também não deixa que se gaste. O secretário do Tesouro não tem coragem de explicar o verdadeiro motivo desse arrocho
porque a provável explicação é cruel. A equipe econômica segura o gasto público porque teme o fantasma da inflação mais que o drama do desemprego. Pela cartilha dos economistas do governo, mais dinheiro na praça pode estimular a remarcação de preços. Por isso, seguram R$ 20 bilhões por ano para não deixar o país consumir, forçando o aumento da poupança interna por intermédio das atrativas taxas de juros, que travam o desenvolvimento. Arrependida de ter derrubado o parecer do senador Saturnino Braga (PT-RJ), que reduzia progressivamente o superávit previsto no Plano Plurianual de Investimentos 2004-2007, a bancada do PT vai defender a revisão anual das metas por ocasião da LDO, apesar da contrariedade da equipe econômica. “Os indicadores apresentados pelo secretário podem ser bons, mas queremos bons indicadores também no desemprego e na renda. Se em 2003 tivemos de fazer uma inflexão por causa da crise, agora temos de voltar ao programa de governo. Um ano e quatro meses é um tempo razoável para o navio fazer a curva”, sustentou o deputado Gilmar Machado (PTMG), fazendo referência à imagem usada por Palocci para manter a política econômica anterior, com o argumento de que não é possível mudar a rota de um navio dando cavalo-de-pau.
De novo, os fatos desmentem o Banco Central Lauro Jardim de São Paulo (SP) Numa demonstração de irrealismo e alheamento total da realidade, a direção do Banco Central decidiu manter os juros congelados nas alturas. Motivo? A inflação não estaria se comportando como deveria, e seria mais prudente não mexer nos juros. Apesar das evidências de que não havia motivos para temer novas disparadas de preços. Em janeiro, as vendas de alimentos e produtos de primeira necessidade, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), registraram queda de 2,26% em relação ao primeiro mês de 2003, mostrando que o consumidor continuava sem dinheiro até para despesas essenciais. Além disso, a renda continuava em queda e o desemprego em alta, mostrando que a recuperação da economia ainda não era visível.
Nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, o número de desempregados passou de 2,30 milhões de pessoas, em dezembro, para 2,44 milhões em janeiro (mais 6%), ou 6,5% mais do que os 2,29 milhões sem emprego em janeiro de 2003. A taxa de desemprego voltou a subir, contrariando as previsões oficiais, passando de 10,9% em dezembro, para 11,7%. A pesquisa de janeiro sugere que a ligeira reação dos últimos meses de 2003 tinha fôlego curto e resultou das festas: o total de pessoas com algum tipo de ocupação – quase 18,9 milhões em dezembro –, recuou para 18,5 milhões no mês seguinte, com fechamento de 389 mil vagas, que eram empregos temporários. O desemprego voltou a castigar aqueles com maior tempo de instrução e mais jovens. Entre os 140 mil novos desempregados, 93 mil deles (66,4%) têm 11 ou mais anos
de estudo; e 115 mil (ou 82%), entre 18 e 49 anos. O rendimento médio habitualmente recebido pelas pessoas ocupadas encolheu mais 6,2% em relação a janeiro de 2003. Considerando os rendimentos totais pagos aos ocupados, deixaram de circular na economia R$ 810 milhões, 5% a menos do que em janeiro de 2003. Mais grave, como indica a pesquisa sobre emprego e desemprego realizada em conjunto pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese): na Grande São Paulo, onde o desemprego atingiu 19,1% em janeiro, a renda dos 10% mais pobres chegou ao menor nível do ano em dezembro de 2003, com queda de 8,7% em relação a dezembro de 2002. Entre os 10% mais ricos, houve um avanço de quase 2% no mesmo período. Ou seja, os mais pobres têm pago a maior conta da crise.
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NACIONAL CONJUNTURA
Governo do capital contra o trabalho Em um ano de administração do PT, o país empobreceu, a renda ficou mais concentrada, o mercado interno encolheu Arquivo JST
Nilton Viana da Redação
E
m um ano de governo Lula, o Brasil empobreceu e concentrou ainda mais a renda; a capacidade produtiva instalada diminuiu; o mercado interno despencou, como decorrência de quedas acentuadas nos rendimentos dos trabalhadores. Esse é o balanço de um ano de governo do PT que faz César Benjamin, em entrevista ao Brasil de Fato. O mercado de trabalho se desorganizou ainda mais, com a manutenção de elevado desemprego e o aumento da informalidade. Por outro lado, os bancos, o agronegócio e os grandes grupos empresariais obtiveram lucros extraordinários. Cerca de 54% do orçamento federal foram gastos em juros pagos ao sistema financeiro e aos grupos econômicos a ele associados. Temos mais um governo do capital contra o trabalho. “A esquerda brasileira tem que tomar vergonha. Ela não tem o monopólio da história”, ensina Benjamin, acrescentando que “muita gente que se dizia de esquerda já foi jogada no lixo, no mundo inteiro, e em todas as épocas, com razão. A crise terminal do PT coloca para todos nós o imenso desafio de refundar a esquerda brasileira em novas bases, para abrir um novo ciclo na sua história. Ou fazemos isso ou vamos para o lixo”.
César Benjamin é autor de A Opção Brasileira (Contraponto Editora, 1998, nona edição) e integra a coordenação nacional do movimento Consulta Popular. Mensalmente, Benjamin faz análise de economia brasileira e política econômica na página www.outrobrasil.net, um projeto do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Fundação Rosa Luxemburgo. Em abril, lança mais um livro pela Contraponto, Bom Combate, coletânea de artigos escritos nos últimos três anos. Lula ao neoliberalismo não foi um passo tático e transitório, ditado por necessidades momentâneas. Foi um ato deliberado de traição. Só gente avoada ou inexperiente pensa que o governo Lula está em disputa. Se estivesse, a burguesia estaria nervosa. Ela está calmíssima, sabe que não há qualquer disputa.
“Passou a época em que o FMI tinha de dizer ao Brasil o que fazer. Agora o Brasil faz tudo sozinho.” Eles estão encantados. Não são mais vilões.
BF – Você não está sendo muito pessimista? Benjamin – Estou sendo realista. O mínimo que poderíamos esperar de um governo de esquerda é que contribuísse para aumentar o grau de organização e consciência do povo, e ampliando os canais de participação. O governo Lula, porém, se baseia no marketing e dissemina alienação, desmobilização e despolitização. Seu conservadorismo não se manifesta apenas na economia, mas na política e nas relações que estabelece com o povo.
BF – E há alternativas? Benjamin – Essa pergunta me irrita. O Brasil tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados, 170 milhões de habitantes, a maioria jovens. Tem milhões de hectares de boa terra, com água e sol abundantes, durante o ano inteiro. É auto-suficiente em energia e alimentos. Tem uma indústria relativamente completa. Tem quadros técnicos, em todas as áreas, instituições científicas de alta qualidade. Tem todos os recursos naturais, inclusive petróleo. É campeão mundial em biodiversidade. Não tem inimigos externos, nem conflitos internos relevantes. Agora, eu pergunto: pode um país assim não ter alternativa? Um país assim está mesmo condenado a se comportar como um pedinte junto a meia dúzia de bancos estrangeiros? Francamente... Entregue-se o poder ao povo brasileiro e, em dez anos, nossos problemas fundamentais estarão equacionados. A partir daí, começaremos a edificar uma nova proposta civilizatória, tropical, mestiça e alegre, cheia de cultura e de espiritualidade, que será um exemplo para o mundo. É disso que eles têm medo.
BF – Como você analisa as relações do Brasil com o FMI? Benjamin – No mundo inteiro, o FMI usa o governo Lula como exemplo. Durante os últimos dez ou quinze anos, o Fundo impôs aos países periféricos políticas desastrosas, e passou a ser considerado um grande vilão. Suas políticas começaram a ser questionadas até pela direita. Quando um grande país, como o Brasil, governado por Lula, resolve adotar espontaneamente essas políticas, estabelece um novo padrão de comportamento que agora o Fundo quer disseminar pelo mundo. Horst Köhler, o então diretor-gerente do FMI esteve recentemente no país, e declarou:
BF – Qual o argumento para manter essas políticas? Benjamin – O argumento de que não há alternativas.
BF – Voltando ao momento atual. O governo está anunciando a re-
Agência Brasil
Brasil de Fato – Qual sua avaliação sobre o governo Lula? César Benjamin – Passado mais de um ano de governo, não precisamos mais fazer avaliações subjetivas. Já temos um conjunto de dados oficiais consolidados sobre a evolução da situação socioeconômica do Brasil a partir de 2003. Com base nele, podemos dizer, sinteticamente, que o Brasil empobreceu e concentrou ainda mais a renda. A capacidade produtiva instalada diminuiu. O mercado interno despencou, como decorrência de quedas acentuadas nos rendimentos dos trabalhadores. O mercado de trabalho se desorganizou ainda mais, com a manutenção de elevado desemprego e o aumento da informalidade. Menos trabalhadores têm direitos assegurados pela carteira assinada. Por outro lado, os bancos, o agronegócio e os grandes grupos obtiveram lucros extraordinários. Cerca de 54% do orçamento federal foram gastos em juros pagos ao sistema financeiro e aos grupos econômicos a ele associados. Sem dúvida, temos mais um governo do capital contra o trabalho.
Quem é
BF – Uma conjuntura internacional desfavorável não pode ajudar a explicar esse desempenho ruim? Benjamin – Não. A conjuntura internacional em 2003 foi a mais favorável possível, com aumento de preços dos produtos que o Brasil exporta, ampla oferta de financiamento externo, juros baixos, crescimento expressivo do comércio internacional. O crescimento negativo do Brasil foi exceção, e não regra. Resultou das decisões tomadas pelo governo Lula. BF – E a herança maldita de Fernando Henrique Cardoso? Benjamin – Que o modelo econômico herdado do período anterior é ruim, isso é óbvio. Por isso sempre fizemos oposição a ele. Mas, falar em herança maldita para insinuar a existência de uma crise, que nos impedisse de adotar outro caminho, é mistificação. A situação do Brasil, em 2002, era até confortável. Com o tempo, vai ficando cada vez mais claro que a adesão do governo
Para Benjamin, conservadorismo de Lula se manifesta também nas relações que estabelece com o povo
tomada do crescimento... Benjamin – Em dezembro de 2003 a produção brasileira foi 1,5% superior à média do ano. Logo, se, em 2004, a produção ficar estagnada, haverá, mesmo assim, um crescimento automático de 1,5% sobre 2003, por simples efeito estatístico. Quando o governo fala em crescer 3,5%, está falando, na verdade, em 2%. Talvez não consiga nem isso. BF – O governo alega que precisa ser cauteloso por causa da ameaça de inflação. Benjamin – Como pode haver inflação com desemprego de 20%, alta capacidade ociosa, economia deprimida? As pressões inflacionárias existentes não decorrem de excesso de demanda, que está reprimida, mas da instabilidade cambial e dos preços administrados pelo próprio governo, parte dos quais está indexada ao dólar. Essa inflação residual não pode ser combatida com maior arrocho sobre a demanda. O custo disso é insuportável. A massa salarial está em declínio e os investimentos do governo estão em colapso – esses são dois componentes decisivos para o desempenho da economia nacional. O consumo das famílias e o do governo representam cerca de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. BF – Qual o papel do capital estrangeiro no desenvolvimento brasileiro hoje? Benjamin – O capital estrangeiro desempenha um papel importante no desenvolvimento em duas situações. Uma, é quando o país não tem capacidade de investimento na escala necessária para obter as taxas de crescimento que deseja (é o que os economistas chamam de hiato de poupança). Outra, quando, mesmo tendo poupança interna, o país não é capaz de gerar, nas exportações, as divisas estrangeiras suficientes para sustentar o nível de importações que o seu desenvolvimento exige (o chamado hiato de divisas). O Brasil nunca teve hiato de poupança, mas sim de divisas. Com o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), no fim da década de 70, parecia que íamos superar este último, mas a manipulação dos juros e a crise da dívida externa, impostas pelo governo dos Estados Unidos na década de 1980, impediram isso. Depois, as políticas neoliberais da década de 90 ampliaram a vulnerabilidade externa do Brasil. Mas, basta uma conta simples para ver como não podemos depender do capital estrangeiro para crescer. Nosso PIB está em torno de 500 bilhões de dólares. Para crescer, precisamos atingir uma taxa de investimento de pelo menos 20%, ou seja, 100 bilhões de dólares por ano. Em 2003, fazendo todas as concessões possíveis, conseguimos atrair cerca de 6 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros... BF – É muito pouco. Benjamin – Para desenvolver-se, um país do tamanho do Brasil depende, antes de tudo, de sua própria capacidade, e o investimento estrangeiro pode desempenhar um papel complementar. Não é o capital estrangeiro que
impulsiona o país. É o contrário: se o país tiver um impulso interno forte, ele se torna capaz de atrair esse capital. E, nesse caso, pode negociar soberanamente as condições. BF – O que isso quer dizer? Benjamin – Quer dizer que cabe ao país selecionar os investimentos que lhe interessam. Os asiáticos, por exemplo, têm economias robustas, do ponto de vista de sua inserção internacional. Isso decorre, em parte, porque impõem condições aos investimentos de fora. Eles sabem, por exemplo, que uma entrada de capital estrangeiro hoje corresponde a uma saída amanhã, pois ninguém investe se não for para ter lucro. Por isso, estabelecem metas de exportações para investimentos estrangeiros. Assim, esses investimentos geram os dólares que vão sustentar as suas próprias remessas de lucros e, com isso, o país não perde reservas. É o contrário do que ocorre aqui. A maior onda de desnacionalizações na economia brasileira atingiu o setor de serviços (telecomunicações, distribuição de energia, supermercados), que não exporta. Assim, cada remessa de lucros sangra as nossas reservas internacionais. Agora, por meio das chamadas parcerias público-privadas, o governo Lula está oferecendo ao capital estrangeiro um pacote de investimentos em infra-estrutura. É uma loucura. Ferrovias, estradas e hidrelétricas não geram dólares. Por isso, têm de ser controladas pela sociedade. Felizmente, essa iniciativa não vai dar certo. BF – Por que o projeto de parcerias público-privadas (PPPs) não vai dar certo? Benjamin – O governo brasileiro oferece hoje, aos capitalistas, a possibilidade de ganharem 16,5% ao ano na especulação financeira, sem que façam qualquer investimento. Que condições e que rentabilidade esses capitalistas vão exigir para, em vez de colocar o dinheiro a juros, colocar numa ferrovia, uma obra física que leva anos e que só pode ser amortizada em décadas? Essa rentabilidade será incompatível com o projeto em si, a menos que o próprio governo faça concessões espantosas. Ou retomamos a capacidade de investimento do Estado, ou não sairemos do lugar. Para isso, o Estado tem de deixar de ser refém do capital financeiro. Não adianta fingir que o problema não existe e inventar soluções mirabolantes. BF – Qual o seu prognóstico? Benjamin – Se tiver sorte, se der tudo certo, se todos os santos ajudarem, Lula fará um governo medíocre. Se tiver um pouco de azar, será um desastre. Não afasto a possibilidade de uma crise de grandes dimensões. Ninguém coloca impunemente o desemprego em 20%. BF – Como fica, então, a situação da esquerda? Benjamin – A esquerda brasileira tem que tomar vergonha. Ela não tem o monopólio da história. Se ela não está junto do povo, não é solidária com o povo, não compartilha seu sofrimento, sua batalha cotidiana, seus sonhos, então por que o povo deve confiar na esquerda? Muita gente que se dizia de esquerda já foi jogada no lixo, no mundo inteiro, e em todas as épocas, com razão. A crise terminal do PT coloca para todos nós o imenso desafio de refundar a esquerda brasileira em novas bases, para abrir um novo ciclo na sua história. Ou fazemos isso ou vamos para o lixo.
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NACIONAL TRANSGÊNICOS
Monsanto é condenada por contrabando Miguel Stédile de Porto Alegre (RS)
“A
Monsanto SA e a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) são responsáveis pela disseminação ilegal das sementes transgênicas, colocando em risco o meio ambiente, a biodiversidade, a saúde da população, o patrimônio genético agrícola existente e a economia brasileira”. Essa é uma parte do veredito do Tribunal Internacional Popular sobre Transgênicos, realizado em Porto Alegre (RS), dia 11, com a presença de três mil pessoas. Organizado por mais de 30 entidades ambientalistas, jurídicas, movimentos sociais e sindicatos, o júri simulado decidiu pela interpelação da Monsanto, para que esclareça quais as modificações genéticas estão contidas nas sementes que vendeu na Argentina, de 1995 a 2004, em particular as espécies de genes introduzidas nas sementes modificadas. O Tribunal solicitou também ao Ministério Público a instauração de inquérito para que se apure a prática de contrabando e disseminação ilegal de organismos geneticamente modificados (OMGs), bem como a responsabilidade de agentes públicos de fiscalização.
ESTADO-LABORATÓRIO A escolha da capital gaúcha para sediar o Tribunal não foi à toa: o Rio Grande do Sul foi a primeira área livre de transgênicos do país, derrubada na Assembléia Legislativa pelo lobby das empresas que controlam os OMGs e pelo contrabando sem fiscalização nas fronteiras. Em 2003, através de medida provisória, o Estado foi alçado a um símbolo oposto: área livre para o plantio. “O Estado se tornou um laboratório e vai pagar um alto custo por essa decisão, colhendo um produto barato e de baixa qualidade” denunciou o sub-procurador da República Aurélio Rios, responsável pela acusação no tribunal. Para emitir seu parecer, a acusação baseou-se no trabalho dos peritos Silvio Valle (Fundação Osvaldo Cruz), David Hathaway (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa/ASPTA) e Sebastião Pinheiro (Paz e Ecologia). E foi além, acusando a transnacional Monsanto de patrocinar uma campanha publicitária enganosa e de desrespeitar a decisão judicial, que impunha a realização de estudos de impacto ambiental. Convidados a participar do Tribunal e fazer sua defesa, os réus, a
Leonardo Melgarejo
Em Porto Alegre, Tribunal Internacional pede instauração de inquérito para apurar disseminação de OMGs
O júri simulado foi organizado por mais de 30 entidades ambientalistas, jurídicas, movimentos sociais e sindicatos
Monsanto e a Farsul, recusaram-se a aceitar a notificação e a participar do debate. Ausentes, dedicaram-se a atacar o evento pela imprensa. Olavo de Carvalho, em sua coluna no jornal Zero Hora, insinuou que o Tribunal fazia parte de “uma conspiração cubana”. No mesmo jornal, o engenheiro agrônomo Luis Mairesse definiu o evento como “nazista”, enquanto o governador do Paraná Roberto Requião era chamado de “Maria Louca” pelo assessor jurídico da Farsul, Nestor Heinze. A Farsul e a Monsanto não foram as únicas a ocupar o banco
dos réus. O perito Sílvio Valle defendeu que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) também deveria ser condenada, por ter autorizado experiências com transgênicos em áreas de 60 a 110 hectares. O ex-ministro da Agricultura, o governo federal e o governo gaúcho também foram citados como responsáveis pelos experimentos, conforme votos de jurados como Laymert Garcia dos Santos (Unicamp) e Christian Guy Caubet, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A jornalista Marilene Felinto, do Brasil de Fato,
sugeriu a condenação da mídia, por omitir informações sobre o tema e por preferir “reproduzir a propaganda da Monsanto a dizer a verdade.”
MINISTRO ROUNDUP READY “Foi um evento de excelente qualidade científica, sem nenhuma posição contra a ciência ou contra a pesquisa, mas pela precaução”, classificou o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS). Segundo ele, o júri simulado veio em boa hora, “pois a soja transgênica tem sido mais afetada pela seca no Estado do que a soja convencional,
causando um prejuízo econômico inestimável”. Roberto Requião, em testemunho gravado em vídeo, não poupou críticas ao ministro Roberto Rodrigues. “O que faz com que um ministro da Agricultura do Brasil tente impor ao país inteiro o monopólio de uma única empresa?”, questionou, “O ministro deveria estar sendo julgado aqui por seu comportamento antipatriótico e inexplicável”. O governador ainda brincou com as iniciais do nome do ministro, perguntando se elas não significariam “Roundup Ready”, espécie da soja transgênica da Monsanto.
Depois da soja, chegou a vez do feijão da Redação O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorizou pela primeira vez, dia 12, a pesquisa com feijão transgênico no campo. A Licença de Operação para Áreas de Pesquisa (Loap) foi concedida à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), para ser realizada no campo experimental da cidade de Santo Antônio de Goiás (GO). A licença, com validade de três anos, autoriza a pesquisa em campo envolvendo feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.) geneticamente modificado resistente ao vírus do
mosaico dourado, transmitido pela mosca-branca e considerada a principal doença que ataca a cultura do feijão. Para fazer o experimento, a Embrapa é obrigada a manter medidas de segurança e biossegurança para prevenir o fluxo gênico, a aumentar a freqüência das rondas de vigilância no local do experimento e a destruir posteriormente qualquer planta de feijão no local, seja OGM ou não, pelo processo de autoclavagem. A empresa também é obrigada a desenvolver um projeto de educação ambiental sobre o feijão geneticamente modificado junto à comunidade local. Josias Faria, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, revela
que as primeiras plantas transgênicas foram obtidas em 1999 e logo começaram a ser “desafiadas”, ou seja, expostas a moscas-brancas que possuem o vírus do mosaico dourado. Já foram geradas linhagens transgênicas de feijão preto, carioca e jalo, todas testadas no período de 1999 a 2003. Para o pesquisador Francisco Aragão, o domínio da tecnologia de transformação genética do feijão permite agora que outros genes possam ser inseridos e testados no produto, como, por exemplo, o gene de resistência à seca, cuja pesquisa já foi iniciada pela Embrapa. A licença determina que o campo experimental da Embrapa
em Goiás está em condições de realizar a pesquisa de campo, mas não autoriza o início dos trabalhos. Ela é apenas um dos documentos necessários para realizar a pesquisa de campo. É preciso ainda o Registro Especial Temporário (RET), emitido pelo Ibama, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Essa é a segunda licença concedida à Embrapa (a primeira foi a da pesquisa com mamão transgênico resistente ao vírus da mancha anular). O próximo produto transgênico da Embrapa a receber a licença será a batata. (Ambiente Brasil)
ESPÍRITO SANTO
Erick Schunig de Vitória (ES) No Espírito Santo, o dia 8 de março foi marcado por protestos contra a falta de políticas públicas para as mulheres, contra a expansão do deserto verde no Estado e contra a comercialização de produtos transgênicos. Cerca de 700 manifestantes, entre trabalhadores rurais sem-terra, pequenos agricultores, indígenas e quilombolas realizaram manifestações Deserto verde – na cidade de Denominação da São Mateus. expansão da monocultura do eucalipto Os manifespara a produção de tantes percorrecelulose e carvão ram as princivegetal no Espírito Santo, Bahia, Rio pais ruas da cide Janeiro e Minas dade e ocupaGerais, estimulando ram quatro suo modo de vida de comunidades locais permercados, ee provocando a dexigindo o cumgradação ambiental. primento da Lei
nº 8.078, que obriga a identificação de produtos transgênicos. Foram entregues cópias da lei aos gerentes dos supermercados e colocadas tarjas de identificação em alguns produtos geneticamente modificados. Os manifestantes também ocuparam por duas horas o trecho da BR-101, próximo ao trevo que dá acesso à cidade de São Mateus, para alertar a população em relação à expansão e aos impactos sócioambientais do deserto verde no Espírito Santo.
DESEMPREGO E DESTRUIÇÃO De acordo com Alacir Denadai, uma das organizadoras do protesto e a técnica da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), várias carretas das empresas Aracruz Celulose e Bahia Sul Celulose foram interceptadas, em protesto contra os impactos causados pela expansão do plantio
de eucalipto no Espírito Santo. “A expansão da Aracruz não tem levado à criação de mais empregos no Estado, como argumentam alguns órgãos federais. Recentemente, houve demissões na empresa, apesar da inauguração da terceira fábrica e da ampliação da capacidade de produção, financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social”, afirmou. Para Ademílsom Pereira, coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Espírito Santo, tanto a questão dos transgênicos quanto a expansão do deserto verde são preocupações de várias organizações não-governamentais locais. Segundo ele, ainda falta ser cumprida uma lei municipal na cidade São Mateus que proíbe a comercialização de produtos geneticamente modificados sem a devida identificação.
Arquivo Fase
Ato de protesto pede o fim do deserto verde
Paralisação das carretas com toras de eucalipto da Aracruz Celulose
Ano 2 • número 55 • De 18 a 24 de março de 2004 – 9
DÍVIDA EXTERNA
Argentina e Brasil unificam políticas
Jorge Sagastume/AFP
SEGUNDO CADERNO
Presidentes fazem pacto e se comprometem a não deixar superávit primário prejudicar crescimento econômico
O
s presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner unificaram, no Rio de Janeiro, dia 16, suas posições em negociações com os organismos financeiros internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird). Lula e Kirchner se comprometeram a assegurar que o superávit primário não interfira no crescimento econômico, preservando os investimentos em infra-estrutura. Com o acordo, cresce o poder de barganha de Argentina e Brasil. Ambos concentram 49% dos empréstimos totais feito pelo Fundo. O Brasil tem uma dívida de 33,4 bilhões de dólares (34%) e é o maior devedor, seguido pela Turquia, que deve cerca de 22,5 bilhões de dólares (23%), e pela Argentina, com dívida de 14,7 bilhões de dólares. A aliança entre os países sulamericanos chega em um momento em que seus governos têm adotado trajetórias diferentes na relação com o FMI, embora ambos estejam honrando seus compromissos com a instituição. No início da gestão Lula, o governo brasileiro aumentou – por iniciativa própria – o seu superávit de 3,75% para 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2003, o governo não ousou sequer discutir a necessidade do corte de investimentos públicos, como nas áreas de Saúde e Educação,
para pagamento da dívida externa. Depois da recessão em 2003, uma cautelosa proposta de superávit anticíclico começou a ganhar força no Planalto. A idéia era suavizar a obrigatoriedade do superávit primário, reduzindo os cortes de gastos públicos quando a economia do país não for bem e aumentando quando houver crescimento. No início deste ano, Lula telefonou a líderes de países ricos para pedir apoio a essa proposta que, até o momento, não conta com a simpatia dos credores (veja a seção Bestiário, na página 6). Néstor Kirchner também vem cumprindo suas obrigações com o FMI e respeitando, inclusive, a imposição do superávit primário. A diferença, no entanto, é que a discussão sobre o pagamento da dívida externa está na pauta do dia entre os argentinos. Entoando frases de efeito como “não pagarei a dívida com a fome dos argentinos”, Kirchner está bancando uma proposta de pagar apenas 25% dos 90 milhões de dólares cobrados pelos credores privados. O pagamento está suspenso desde o início da crise argentina, em 2001, e o grupo dos países mais ricos do mundo (G-7) e o FMI querem mais. Além disso, Kirchner ameaça ficar em moratória com o FMI para conseguir acordos menos desvantajosos.
TRATAMENTO DIFERENCIADO Kirchner e Lula segundo a declaração encontro, conseguir diferenciado na relação
planejam, oficial do tratamento com os or-
LIVRE COMÉRCIO
Reunião da Alca fracassa de novo em Buenos Aires A tentativa dos Estados Unidos de destravar as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não funcionou. A reunião informal – convocada a pedido do governo de George W. Bush para os dias 9 e 10, em Buenos Aires, com representantes de um pequeno grupo de países – foi adiada devido às divergências sobre o acordo. Mais uma vez, a discussão sobre acesso a mercado esteve no centro da polêmica. O Mercosul deseja a redução dos subsídios agrícolas que os Estados Unidos oferecem a seus agricultores. Os estadunidenses querem mais concessões do Mercosul em compras governamentais, investimentos, serviços e propriedade intelectual. “Na área de agricultura, os Estados Unidos resistem em aceitar uma solução para os efeitos distorcivos dos subsídios agrícolas. Esses recursos somam mais de 80 bilhões de dólares até 2010 e tiram a competitividade de outros países que negociam o acordo”, explica o diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Regis Arslanian. Os negociadores estão agendando uma reunião para o final de março. Porém, a julgar pela posição do governo estadunidense, tudo indica que o impasse permanecerá. “Desde 1994, quando o acordo começou a ser discutido, nunca houve concessões em
agricultura, um setor prioritário do Mercosul. Os Estados Unidos, pelo contrário, já afirmaram que não vão avançar em suas propostas”, conta Arslanian, comentando que dificilmente o governo vai mexer nos subsídios aprovados pelo Congresso, sobretudo em um período de disputa eleitoral. Bush está em plena campanha eleitoral e concessões na área de agricultura prejudicariam sua base eleitoral, como os produtores de cítricos da região da Flórida. O Brasil, de sua parte, reafirmou o interesse em não fazer concessões nas áreas sensíveis, como compras governamentais, serviços, propriedade intelectual e investimentos. No Itamaraty, a orientação é de que esses temas sejam tratados exclusivamente no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), e não na Alca, como querem os estadunidenses e suas transnacionais. Os diplomatas dos 34 países que negociam o acordo terão novo encontro em Puebla, México, no início de abril. Antes disso, representantes de um grupo restrito de nações vão se encontrar novamente na Argentina para ver se avançam nas negociações. Movimentos sociais de todo o continente criticam o caráter antidemocrático dessas reuniões, já que nem todos os países que negociam o acordo participam, e temem que o Mercosul ceda a pressões dos EUA para aceitar o acordo. (JPF)
Desempregados bloqueiam ruas de Buenos Aires, dia 16, pedindo restituição dos planos sociais
ganismos financeiros. Querem elaborar alternativas para “neutralizar nos nossos países os efeitos negativos derivados dos desequilíbrios gerados no mundo desenvolvido”. A declaração contém, também, a defesa da abertura dos mercados internacionais e da redução dos subsídios nos países ricos. Depois da reunião, Kirchner e
Lula tomaram caminhos opostos. Enquanto o presidente brasileiro abreviou o encontro para se dedicar a outros compromissos políticos, em Brasília, Kirchner deu entrevistas aos jornalistas e disse que não acredita em sensibilidade do FMI para mudar suas exigências. “Tem que haver responsabilidade da nossa parte com as pessoas, com a clas-
se média e com os excluídos”, discursou. No mesmo dia do encontro, a diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, deu entrevista exclusiva ao jornal argentino Clarin afirmando que a Argentina terá de aumentar seu superávit de 3% do PIB. Anne acusou Kirchner de “chantagear” o Fundo para conseguir acordos melhores.
ENTREVISTA
“Não deixo minhas convicções na porta de entrada”, diz Kirchner Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ) Ao término da reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente argentino Néstor Kirchner concedeu uma entrevista a jornalistas argentinos e ao repórter do Brasil de Fato. Bem-humorado e irônico em certas respostas, Kirchner defendeu a responsabilidade dos governos latino-americanos em promover as mudanças necessárias. O chefe de Estado argentino voltou a afirmar o que tem dito desde que entrou na Casa Rosada, sede do governo platino: “Não vim para o governo para deixar as minhas convicções na porta de entrada”. Kirchner mostrou-se otimista quanto às mudanças que o presidente Lula pretende levar adiante. Pergunta – Setores da esquerda do PT citam a sua gestão como exemplo do que Lula deveria fazer. Os senhores conversaram sobre isso? Néstor Kirchner – Na profunda conversa que tivemos, Lula disse para não termos medo das mudanças. Para mudar é necessário sempre ter capacidade transgressora. Que parem de nos ameaçar com fantasmas! As mudanças defendidas antes de chegar ao poder são as mesmas que se tem de colocar em prática, quando se chega ao poder. Alguns setores do Estado estão habituados a impedir avanços, dizendo que as mudanças nunca poderão ser feitas e são apenas meros discursos de campanha. Acredito que as mudanças podem ser feitas com responsabilidade, boa administração, cuidando das contas fiscais, mas distribuindo renda e apoiando os mais necessitados. Sempre repito que não vim para o governo do meu país deixar as convicções na porta de entrada.
Ricardo Stuckert/ABR
Jorge Pereira Filho da Redação
Quem é O advogado Néstor Kirchner foi eleito presidente da Argentina em 2003, eleitor pela Aliança Frente para a Vitória. Aos 53 anos, declara-se herdeiro político de Juan Domingo Perón (18951974), pai do “justicialismo”.
Tenho que defender o interesse dos argentinos. Pergunta – O que o senhor acha da proposta de Lula – quando um país estiver mal, poupar menos, e quando estiver melhor, poupar mais? Kirchner – Em termos de poupança doméstica? Está no documento que elaboramos, na parte onde diz que não há que defender tanto o mercado de capitais, mas sim a capacidade de gerar nossa própria poupança. Eu creio – e disse isso ao presidente Lula – que é muito importante continuar acreditando na mudança. Porque há muitos governantes, às vezes até de boa-fé, que falam muito de mudança até chegarem ao poder, mas depois se esquecem desses compromissos. Acho que, quando se tem poder, é preciso aumentar os compromissos com a mudança. É preciso ter mais força para seguir com a transformação. Precisamos lutar conjuntamente por uma região e por um país, para que haja crescimento com eqüidade. Temos que dar viabilidade a nossos povos, combater a indigência e a pobreza com muita força. Para isso, é
necessário solidariedade entre Argentina, Brasil e a região, para que entendam que não podemos ser condenados por toda a vida a gerar uma situação estrutural como a atual. Pergunta – Parece que Lula tem receio de colocar essas questões para o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os senhores conversaram sobre isso? Kirchner – Não. E o vi hoje muito bem, falamos muito bem, tanto que qualquer diferença que possa haver, vamos solucionar em conversações permanentes. Estamos avançando e Lula vai avançar naquilo que pensa. Isso é importante. Pergunta – Sua avaliação do encontro é positiva? Kirchner – Muito positiva, na mesma linha do que conversamos na Venezuela. A determinação do superávit primário, no pagamento de juros da dívida externa, não pode afetar o crescimento com eqüidade e os investimentos em infra-estrutura que devem ser feitos. Basta de (o FMI) pedir mais! Não podem continuar pedindo mais de nós.
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AMÉRICA LATINA DIREITOS HUMANOS
Cubanos vencem batalha na justiça Advogados de acusação se contradizem e não conseguem provar culpa dos ativistas presos na Flórida desde 1998 João Peschanski
da Redação
I
ncapaz de apresentar argumentos consistentes contra os cinco presos políticos cubanos no Estados Unidos, a promotoria do caso sofreu o que os observadores qualificaram como “derrota” no 11º Circuito de Apelação de Atlanta. A sessão, dia 10, foi mais um passo do longo processo, que pode demorar anos para ser concluído, mas significou uma vitória para os defensores dos ativistas Fernando González, René González, Gerardo Hernández, Ramón Labañino e Antonio Guerrero. A defesa abriu a sessão refutando as argumentações da promotoria, de que os cinco ativistas estavam envolvidos em uma conspiração. Um dos presos é acusado de participar da ação que abateu um avião proveniente da Flórida e que violou a fronteira cubana. Essa acusação foi firmemente refutada pelo advogado especialista em apelação, Richard Klugh. Depois, o advogado Leonard Weinglass apresentou os argumentos que desqualificam Miami como sede imparcial do julgamento, em especial a pressão de grupos de ultradireita, de origem cubana, que vivem na Flórida. Segundo observadores, as acusações contra “Os Cinco”, como são conhecidos, foram débeis e padeceram de argumentação. Para o advogado Roberto Gonzáles, os três juízes de Atlanta abordaram o caso
e exclusivamente obter informações sobre os planos terroristas das organizações anticubanas radicadas no Sul da Flórida. O processo e as penas ditadas pela juíza Joan provocaram uma onda de protestos em Cuba, cujo governo considerou o processo fraudulento e realizado “sob imensas pressões por parte das autoridades estadunidenses, a extrema direita da comunidade cubana de Miami e a mídia”.
CAMPANHA NA MÍDIA
Irregularidades do processo atraíram a Miami juristas de várias partes do mundo
com um “lógico sentido de Direito” e foram particularmente firmes com os promotores, de quem exigiram a sustentação das acusações. As irregularidades do processo atraíram a Miami vários juristas de várias partes do mundo, como o alemão Eberhard Schultz, da Liga Internacional de Direitos Humanos e observador da Berlín BAR Association. Também participaram a belga Edith Flamand (Rede Progressista de Advogados), o italiano Fabio Marcelli (Associa-
ção Internacional de Advogados Democráticos), o argentino Carlos Zamorano (Associação Americana de Juristas) e o padre inglês Geoff Bottoms.
PROCESSO IRREGULAR Fernando González, René González, Gerardo Hernández, Ramón Labañino e Antonio Guerrero foram presos em 12 de setembro de 1998, pelo FBI, acusados de conspiração e espionagem. No dia 8 de junho de 2001, depois de meses de
processo e cinco dias de deliberações, um júri formado por 12 pessoas concluiu que os ativistas cubanos “colocaram em perigo a segurança dos Estados Unidos”. Posteriormente, a juíza Joan A.Lenar decidiu que três acusados deveriam passar o resto de suas vidas numa prisão federal estadunidense, enquanto os restantes permaneceriam no cárcere entre 15 anos e 19 anos. Ao declarar a inocência dos cinco ativistas, Cuba alegou que a missão deles era única
A vitória no júri foi um reflexo da campanha pró-liberdade dos “Cinco Cubanos”, que conseguiu publicar, no início do mês, um anúncio de página inteira no jornal New York Times. A estratégia é do Comitê Nacional Liberdade para os Cinco, dos EUA, que desenvolve uma campanha de doações para comprar espaços na grande imprensa. O Comitê contratou uma publicitária de Nova York, por tempo integral, para trabalhar em conjunto com outros voluntários na campanha publicitária. A campanha para juntar 50 mil dólares para o anúncio foi lançada, oficialmente, em outubro de 2003. Além dos anúncios em jornais, estão sendo produzidos centenas de anúncios combinados com outros meios, como folhetos, vídeos, rádio etc. Também está sendo preparada uma produção massiva de pôsteres e materiais de leitura. (Com agências)
CONJUNTURA
EUA não conseguem controlar continente Hugo Scotte e Bolivar Gomes de Almeida de Buenos Aires (Argentina)
Brasil de Fato – Qual sua avaliação da atual crise argentina e do governo Kirchner? Jorge Beinstein – A Argentina fez um acordo com os Estados Unidos, após a catástrofe de 2002, ainda no governo de Eduardo Duhalde. Esse acordo consistiu em manter baixas as importações, em fazer um terrível ajuste fiscal e em diminuir os gastos estatais, produzindo grande superávit comercial, para sobrar dinheiro para pagar a dívida externa. Em 2002, o Estado argentino pagou mais de 5 bilhões de dólares de dívida externa. Em todo o governo Duhalde, foram mais de 7 bilhões de dólares. É o ajuste fiscal mais duro desde que a Argentina entrou para o FMI, em 1955. A classe política, o peronismo se transformaram numa m.... Nisso incluo Kirchner e todo um sistema midiático, com os EUA de acordo, por ser a única forma de controlar o país e evitar uma revolução. BF – O que se esperava de Kirchner? Beinstein – Não se esperava nada de Kirchner, eleito com apenas 22% dos votos. No plano social não melhorou nada, os salários seguem igual ou pior. A pressão da base social obriga o governo a subsidiar milhares de excluídos, que são ao mesmo tempo débeis e fortes. São débeis por causa
Professor da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, Jorge Beinstein é doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Franche Comté, de Besançon, na França. Dirigiu vários programas de pesquisa e foi titular de cátedras de economia internacional. É diretor da revista En Frente e colabora com o jornal Le Monde Diplomatique.
de sua situação precária e fortes porque o Estado, debilitado pelos sucessivos governos corruptos e entreguistas, cede espaço para ação, temendo uma revolta social.
de centro-esquerda, melhor que o de Fernando Henrique Cardoso para conter os movimentos sociais. Al Capone, que era um grande ideólogo, dizia que quando não se pode eliminar os adversários, é preciso negociar com eles. Com Lula estão sendo mantidos o sistema, as grandes inversões, o Banco Central, a política financeira de FHC. Os EUA não poderiam pedir mais.
Leonardo Melgarejo
Por mais que tentem, os Estados Unidos não conseguem controlar Cuba e Venezuela e mostram-se impotentes diante da força dos movimentos sociais insurgentes na América Latina. A opinião é do economista argentino Jorge Beinstein, que traça duras críticas aos submissos governos de Kirchner e de Lula, que deram as costas à população e aceitam o jogo do Fundo Monetário Internacional.
Quem é
BF – O que são os piqueteiros? Beinstein – De certa forma, os piqueteiros são produto da caridade estatal, mas não se pode reduzir a isso. Eles atraíram a ira de certos políticos tradicionais, como o intendente de Quilmes (Sergio Villordo), um tipo grosseiro que disse que ia liquidálos, porque lhe tiraram as bases sociais de seu partido, o Partido Socialista. Os piqueteiros são fruto da atual crise que o país atravessa, a parte mais mobilizada da população. BF – O movimento está sob o controle do governo? Beinstein – Não, porque nasce de baixo. O governo tenta manipular, mas não consegue, pois as pressões sociais são muito fortes. Afinal, há 20 milhões de pobres e a classe média empobreceu. BF – Fábricas reabertas podem significar recuperação econômica? Beinstein – Com a redução de importações, parte da demanda reprimida passou a ser atendida pela produção interna. No entanto, está muito longe do que era antes de 2001. Mas a Argentina sofre com a falta de recomposição política. Por isso os EUA apóiam Kirchner, nem se importando que
o presidente abrace Fidel Castro, já que a única coisa que lhes interessa é que haja estabilidade, que a Argentina aceite o programa de ajuste do FMI, a política de militarização estadunidense e a Tríplice Fronteira. BF – Há semelhanças entre Kirchner e Lula, no Brasil? Beinstein – É diferente, pois Lula assumiu após um grande movimento popular. Na Argentina, poucos sabem sequer pronunciar o nome de Kirchner. Por outro lado, no Brasil, país que não sofreu a desestruturação vivida pela Argentina, aparece um governo
BF – Pode-se dizer que são grandes lideranças negociadas? Beinstein – Para mim, o neoliberalismo se implantou numa Argentina com um peronismo degenerado, ou na França de Miterrand. Do ponto de vista internacional, penso que o Brasil se enquadra na contenção desejada pelo imperialismo dos EUA. Na Bolívia, o movimento popular está em alta. Evo Morales pode ser o próximo Lula. BF – Cuba ainda é um problema para os Estados Unidos? Beinstein – Creio que sim. O imperialismo estadunidense não conseguiu derrotar Cuba nos dez anos seguintes à queda da União Soviética, pensavam que Cuba entraria em colapso. Na
verdade, a economia cubana está muito mal, mas há algo que os economistas não entendem: as conquistas sociais e culturais muito profundas, que permitiram a Cuba ter uma economia em dólar para os turistas, outra em peso para os cubanos. Alguém que trabalhe em um hotel, recebendo gorjetas, pode ganhar mais que todo o gabinete do governo junto. Apesar de tudo Cuba sobrevive, os estadunisenses não podem invadir a ilha, porque mais de 2 milhões de pessoas bem armadas resistiriam. Nenhum exército do mundo poderia ocupar Cuba. Os EUA não conseguem, por mais que tentem, desestabilizar o governo e criar uma guerra civil. BF – E a Venezuela? Beinstein – Na Venezuela, Chávez tem grande apoio popular, como ficou claro com a tentativa de golpe em abril de 2002. Os estadunidenses temem que a Venezuela passe por um processo de radicalização, se transformando numa Cuba gigantesca. Caso os golpistas tivessem matado Chávez, haveria uma guerra civil com fim imprevisível. Chávez é incômodo, porque apóia Cuba e quer integrar a Venezuela ao Mercosul. Por isso, o imperialismo busca apaziguá-lo, controlá-lo. BF – Qual sua opinião sobre os movimentos de resistência na América Latina? Beinstein – É uma onda na História provocada por uma crise econômica e um desajuste cultural profundos. Os EUA tentaram envolver o Equador na guerra civil colombiana através da base militar da cidade de Manta e houve resistência popular. Na Bolívia e na Argentina há movimentos crescentes, na Colômbia a guerrilha cresce politicamente. Nos anos 60 e70 havia vanguarda e poucos movimentos sociais. Agora, é o contrário
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INTERNACIONAL IRAQUE
Protestos marcam um ano de invasão Claudia Jardim da Redação
Frame Presse
Em todo o mundo, o 20 de março é dia de manifestação contra a ocupação e massacre das tropas lideradas pelos EUA
U
m ano após a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, as ações que resultaram em cerca de 10 mil mortos e na destruição do país árabe serão repudiadas por uma marcha internacional, dia 20. As manifestações, unificadas, pretendem reunir milhões de pessoas em todo o mundo. A mobilização foi convocada pela Associação Mundial dos Movimentos Sociais durante o 3º Fórum Social Mundial na Índia, em janeiro, e aprovada durante o 3º Encontro Hemisférico Contra a Alca, em Cuba, em fevereiro. As manifestações centrarão fogo em três eixos principais: a retirada das tropas estadunidenses e aliadas do Afeganistão e do Iraque, o combate das estratégias de militarização na América Latina e a luta contra a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), considerada pelos movimentos sociais latinoamericanos o principal projeto de expansão do imperialismo dos EUA na região. Após o atentado terrorista em Madri, na Espanha, com o saldo de 200 mortos e centenas de feridos, ganhou força o repúdio às ações de dominação dos EUA. “O atentado demonstra claramente as conseqüências da ação militarista dos EUA para o mundo”, comenta o advogado Ricardo Gebrim, da coordenação da Campanha Contra Alca. Na Espanha, estão previstas manifestações em Barcelona, Tarragona, Sevilha, Madri e Valência. Manifestantes estadunidenses devem se reunir em protesto contra a guerra em Nova York, Washington, Los Angeles, São Francisco, Chicago, Boston e Philadelphia. Pelo menos 21 países da Europa já anunciaram mobilizações no dia 20. No Oriente Médio, África, Oceania e Ásia estão previstas mobilizações em 28 países. Na América Latina, estão previstas manifestações na Argentina, Chile, México, Paraguai e Porto Rico.
Iraquianos contam com o apoio de milhões de pacifistas de todo o mundo na luta contra as forças invasoras, comandadas pelos Estados Unidos
Quintela, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), a legitimação da violência no mundo, orientada pelo governo de George W. Bush, reflete-se no atentado espanhol e coloca em risco outros países sob ameaça estadunidense. “A crise no Haiti e os ataques ao governo venezuelano demonstram as intenções de dominação, que só aumentam a violên-
cia no mundo”, critica. Para Sandra, a “brutalidade com que trabalhadores e estudantes morreram na Espanha reflete também a brutalização do cotidiano”. Ela cita como exemplo o que ocorreu no Rio de Janeiro, onde 18 pessoas foram assassinadas pela Polícia Militar, sob o comando do secretário de Segurança Pública do Estado, Anthony Garotinho.
Bassegio, essas ações têm relações estreitas com a “guerra econômica”, implementada com acordos bilaterais e que podem ser ampliadas com a criação da Alca. “Nós só vamos conseguir barrar isso com mobilizações, para fazer crescer a consciência mundial sobre as conseqüências da dominação dos EUA, já demonstrada em muitos episódios”, afirma.
O retrato da ocupação
LIÇÃO DAS URNAS Para Luiz Bassegio, da coordenação do Grito dos Excluídos, depois do atentado de Madri tende a crescer a aversão aos EUA. “O povo espanhol fez a leitura correta dos fatos, que é resultado das ações imperialistas dos Estados Unidos e dos governos que o apoiaram”, avalia, ao comentar as eleições espanholas, no dia 14, com a vitória do Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE). Em fevereiro de 2003, cerca de 20 milhões de pessoas saíram às ruas contra a invasão estadunidense. Para a socioeconomista Sandra
“As ações de Bush e Blair legitimam atos localizados contra os principais inimigos do sistema: os pobres”, reitera. Entre as estratégias de dominação do continente, são citadas a expansão de bases militares, o intervencionismo militar dos EUA com o Plano Colômbia e o apoio às tentativas de golpe ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Para
Cartazes de várias partes do mundo convocam para a Marcha Contra a Guerra
20 DE MARÇO NO BRASIL Belo Horizonte – 9h30 – Avenida Afonso Pena Brasília – 9h – em frente ao Banco de Boston Florianópolis – 9h – Calçadão da Esquina Democrática Goiânia – 8h – Praça do Bandeirante, Centro Natal – Centro Porto Alegre – Praça Ubirici - Avenida Brasil Rio de Janeiro – 10h – Rua Sá Ferreira com Av. N.S.Copacabana Salvador – 15 h – Centro São Luiz – 9h – Centro, Praça Deodoro São Paulo –14h – Avenida Paulista (MASP)
19 de março de 2003 – Sob o argumento de “guerra preventiva” e amparado na guerra “contra o terror”, depois do 11 de setembro, o presidente dos Estados Unidos, George.W. Bush, ordena a invasão do território iraquiano, para eliminar as supostas armas de destruição em massa em poder de Sadam Hussein. Nas Nações Unidas tramitam relatórios sobre o desarmamento do Iraque e acusações infundadas de que o governo deste país não cumpria com o programa de desarmamento da ONU. Mentira – À luz do Direito internacional, a invasão do Iraque foi um ato criminoso. Sem base legal e à revelia da ONU, os EUA, com apoio da Grã-Bretanha, Espanha, Itália e outros países, construíram justificativas, desmentidas posteriormente: nunca foram encontradas armas de destruição em massa em território iraquiano.
Destruição – A guerra continua sob a forma de ocupação e revelase também como causa da espiral de terror em que o Médio Oriente está mergulhado. Entretanto, a substituição da ditadura de Sadam Hussein pela administração colonial agravou a miséria das populações. A insegurança nas ruas e a morte passaram a fazer parte do dia-a-dia da população, que resiste à dominação estadunidense. A ofensiva militar contou com a ação de 295 mil soldados das forças anglo-estadunidenses. Desde então, o número de mortes civis causadas pelo conflito está estimado entre 8,5 mil e 10,2 mil. Cerca de 670 soldados foram mortos. A Anistia Internacional tem denunciado a prática de crimes de guerra: maus-tratos a prisioneiros, casos de “punição coletiva” exercida pelos militares estadunidenses e ingleses e destruição de famílias e casas da população que resiste.
ANÁLISE
Vitória na Espanha é derrota de Bush e Blair Rosa Cañadell de Barcelona (Espanha) Diante da terrível manipulação, pelo Partido Popular (PP), dos atentados terroristas em estações ferroviárias de Madri, e diante da dor por todos os mortos, a sociedade espanhola respondeu em massa. Primeiro, se manifestou através da solidariedade com as vítimas. Depois, exigiu a verdade. Em seguida, expressou sua ira pela mentira. Finalmente, votou contra o PP, na eleição do dia 14, num possível prelúdio das derrotas de Bush e Blair nas próximas eleições em seus países. Dia 13, quando finalmente se confirmou a verdade dos fatos – de que não tinha sido o Exército Basco de Libertação, o ETA, e sim o terro-
rismo islâmico o responsável pelos atentados – milhares de cidadãos e cidadãs se autoconvocaram pelo telefone e pela internet e se concentraram diante das sedes do PP, para expressar sua indignação e sua repulsa. Os atentados tinham ocorrido na quinta-feira, dia 11, às 7h30: dez explosões em quatro trens de subúrbio mataram 200 pessoas e feriram 1.500, na maioria trabalhadores dos bairros populares que iam para seus empregos, muitos deles imigrantes, e jovens escolares. Milhares de pessoas acorreram para localizar seus parentes e prestar socorro, doando sangue e atendendo as vítimas, manifestando unanimente repulsa contra os bárbaros atentados. A partir daí. o governo de José Maria Aznar, que havia apoiado o
ataque ao Iraque sem aprovação da Organização das Nações Unidas (ONU), e que tinha até mandado tropas, passou a manipular as informações. Na própria manhã do atentado o Ministério do Interior garantiu que as bombas haviam sido colocadas pelo ETA. Ou seja, o governo começou o segundo atentado, contra a verdade da informação, contra a dignidade de todos os espanhóis e contra o mínimo de ética que se espera de um governante em uma democracia. E o Ministério do Interior continuou mantendo essa versão, apesar de fontes da luta contra o terror terem assinalado, desde o primeiro momento, que os atentados e os explosivos “não eram do estilo” do ETA; apesar de um porta-voz político do ETA ter desmentido a participação no ato de
terror. Insistiu, apesar de a organização terrorista islâmica Al Qaeda ter reivindicado o atentado em carta ao jornal londrino, publicado em árabe, Al Quds Al Arabi. Ao meio-dia foi encontrada, junto a uma das estações ferroviárias atingidas, uma caminhonete com explosivos, detonadores e fitas gravadas com versículos do Alcorão. Ainda assim, com todas essas evidências, o ministro do Interior declarou que estava comprovada a participação do ETA. E acrescentou: “É absolutamente intolerável qualquer tipo de desinformação que vise desviar o objetivo e os responsáveis por esta tragédia.” O Ministério do Exterior enviou instruções aos embaixadores da Espanha em todos os países do mundo para que responsabilizassem o ETA pelas bombas.
Diante dessa falta de transparência e de decência, a população e as forças políticas passaram a exigir explicações. As manifestações em solidariedade às vítimas, que levaram às ruas em toda a Espanha 11 milhões de pessoas, convocadas por todos os partidos, se converteram em muitos casos em uma exigência de veracidade nas informações e em ataques aos representantes do PP. Finalmente, no sábado, a polícia descobriu uma fita de vídeo em que um porta-voz militar da Al Qaeda na Europa reivindicava a autoria do atentado. Isso desmoralizou de vez a manipulação tentada por Aznar – e ele se viu afastado do poder. Rosa Cañadell é professora e integra a Plataforma Combatam a Guerra, de Barcelona
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Começa acordo Brasil-Índia-África do Sul O chamado G3, grupo que reúne os três países, firma cooperação para combater pobreza e obter reformas na ONU Raveendran/AFP
Ranjit Devraj de Nova Délhi (Índia)
B
rasil, Índia e África do Sul, grandes democracias de três diferentes locais do planeta, se comprometeram a impulsionar a cooperação Sul-Sul, durante reunião de chanceleres de dois dias, encerrada no dia 5 de março, em Nova Délhi. Os três países adotaram a Agenda Nova Délhi para a cooperação, em que o fórum Brasil-ÍndiaÁfrica do Sul se constitui como “um grupo para divulgar a boa vontade e a mensagem de paz”, explicou ao término do encontro o chanceler brasileiro, Celso Amorim. “Não estamos contra ninguém”, acrescentou, afastando hipóteses surgidas no resto do mundo diante da reunião de três economias fisicamente separadas por vastos e profundos oceanos. “Se vencermos as distâncias para realizar estas reuniões, também superaremos as distâncias na mente e da geografia”, disse, por sua vez, o ministro das Relações Exteriores indiano, Yashwant Sinah. “O Cabo da Boa Esperança agora será o Cabo da Nova Esperança”, acrescentou. Os ministros da Aeronáutica dos três países já começaram a dialogar, e também começou-se a desenhar novas rotas marítimas para esses países, que possuem grandes extensões de costa. Sinah disse que a cooperação Sul-Sul foi adiada por muito tempo, e que as três excolônias poderiam dar o pontapé inicial do processo compartilhando “oportunidades, experiências, êxitos e complementos”. O fórum Brasil-Índia-África do Sul também tem em comum uma grande população em condições de pobreza, e propôs enfrentar o problema com um fundo a ser administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Brasil e Índia entrarão, cada um, com 100 mil dólares e a África do Sul com 50 mil mil dólares. “Decidimos trabalhar juntos em todas as áreas e, o mais importante, para combater a fome e a pobreza não só em nossos países, mas em todo o mundo em desenvolvimento”, disse Sinah.
Os ministros do Exterior do Brasil, Celso Amorim (à esq.), da Índia, Yashwant Sinah, e da África do Sul, Nkosazana Dlamini-Zuma, reunidos em Nova-Délhi para a assinatura dos acordos de comércio e cooperação em temas multilaterais
Um conselho do setor privado fornecerá o contexto para que os empresários dos três países se unam e aproveitem os acordos de comércio preferencial já existentes entre Brasil e Índia. O Brasil, principal economia do Mercado Comum do
Sul (Mercosul, que também reúne Argentina, Paraguai e Uruguai) poderia ter uma papel-chave como ligação entre a Índia e a América Latina. O comércio entre Índia e Mercosul chegou a 2,5 bilhões de dólares em 2002/2003. Além disso,
a Índia negocia um acordo de livre comércio com a União Aduaneira da África Austral e procura incorporar nele a Associação de Livre Comércio da Ásia Meridional. Celso Amorim disse acreditar que os acordos evoluirão, finalmente, para
PAÍSES QUE COMPÕEM O GRUPO DOS TRÊS - G3
Nova Délhi
ÍNDIA
OCEANO PACÍFICO
BRASIL
Brasília
OCEANO ATLÂNTICO
OCEANO ÍNDICO Pretória
ÁFRICA DO SUL
“a conexão de grandes áreas de livre comércio nos três continentes”. Funcionários dos três países estabeleceram procurar um aumento do intercâmbio comercial atual de 4,6 bilhões de dólares para 10 bilhões de dólares até 2007. Os empresários “deverão continuar trabalhando para que o comércio se converta em uma ferramenta de desenvolvimento”, acrescentou Sinah. “Os governos só podem criar ambiente para que as empresas avancem”, disse a chanceler sul-africana, Nkosazana DlaminiZuma. De todo modo, acrescentou, não serão poupados esforços para facilitar o vínculo entre as empresas. “Esta é a primeira vez que um grupo de países em desenvolvimento se unem e articulam uma posição em favor de seus interesses”, acrescentou Sinah. O fórum foi criado pela Declaração de Brasília, assinada em 6 de junho de 2003, e lançado formalmente na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em setembro. Desde então, aumentou o diálogo entre os líderes dos três países. Houve uma reunião de ministros da Defesa na África do Sul e outra sobre assuntos agrícolas, em setembro, em Cancún, durante a conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a Índia em janeiro. O vice-presidente da Comissão de Planejamento da Índia, K. C. Pant, identificou o setor energético como uma das áreas de cooperação prioritárias. “A África do Sul tem tecnologia para converter carvão em petróleo, e a Índia tem grandes jazidas de carvão. O Brasil é forte na produção de biodiesel e álcool combustível”, afirmou. Outra área prioritária é a reforma da ONU, e, nesse sentido, Brasil e Índia apoiarão suas respectivas candidaturas a membros permanentes do Conselho de Segurança. A Índia, por outro lado, pretende um acesso preferencial ao Mercosul para cerca de 500 itens, entre eles autopeças, produtos químicos, farmacêuticos, têxteis, de engenharia e artesanatos. (IPS/Envolverde)
Continente prepara força de intervenção rápida Um sonho que vem se desenhando há três décadas, no chamado continente negro, ganhou forma na recém-concluída reunião de cúpula extraordinária da União Africana (UA) na Líbia, com o projeto de criação do Exército Africano de Intervenção Rápida. A idéia foi lançada pela primeira vez por militares de Angola, Congo-Kinshasa (República Democrática do Congo), Moçambique e África do Sul, em uma reunião informal realizada num hotel no centro de Pretória, em abril de 1974, quando reinava um clima de tensão político-militar na África Central e Subsaariana, em cujos chamados conflitos étnicos forças estrangeiras estavam interessadas em intervir. A convocatória de Sirte, cidade Líbia onde se realizou o encontro, deu-lhe força e legalidade política, com a única recomendação de que a força pan-africana de defesa seja concebida para manter a estabilidade do continente. Esta força militar de um milhão de homens armados ficará subordinada ao Conselho de Paz e Segurança da UA, organismo regional fundado em fevereiro de 2003 em Adis Abeba, capital da Etiópia, em substituição à Organização da Unidade Africana (OUA). Ao reconhecer que a defesa comum é uma vocação de todos os povos africanos para proteger
France Press
Rafael Contreras de Luanda (Angola)
Soldado sul-africano durante exercício militar; UA quer evitar “boinas azuis”
sua segurança e independência os Estados-membros da UA apóiam a fundação de um Exército Africano de Intervenção. O presidente da Líbia, Muamar Gaddafi, incentivador da idéia em uma reunião de ministros de Defesa da UA, anterior à reunião de cúpula, disse que as forças, compostas por mais de um milhão de soldados, reduzirão os custos militares das empobrecidas nações africanas. Depois da reunião de cúpula, numerosos governos africanos manifestaram-se a favor da necessidade de dotar o Conselho da UA de um “braço armado” capaz de intervir rapidamente em qualquer lugar da região. Para os analistas, a força militar pan-africana tem a vantagem de reduzir ao mínimo a futura intervenção de exércitos vindos de outros continentes, mais especificamente dos “boinas azuis” das Nações Unidas. O presidente do Senegal, Abdulaye Wade, afirmou que este acordo ajudará as nações africanas a criar seu próprio exército. Indicou que agora vai proceder à consulta com os diversos organismos constitucionais, como os parlamentos, que devem dar luz verde ao projeto em um prazo de 90 dias. De acordo com alguns dos postulados, a força militar deve montar agora seu quartel-general, as modalidades de integração de seus membros, as hierarquias militares, os estatutos e a criação de brigadas móveis, corpo de inspetores, entre outros.
Do mesmo modo, já está previsto que, dentro de quatro meses, a força deverá ser capaz de deflagrar uma operação de paz com a participação de uma brigada de 3 mil homens, apoiada por helicópteros, engenharia, polícia e unidades de saúde, até um efetivo total de 4 mil e 800 homens. Caso o conflito se complique, os efetivos da Força de Paz poderiam ser aumentados em até quatro brigadas interarmas para a cobertura da região afetada pelos tumultos. Finalmente, em caso de genocídio ou guerra entre Estados, a Força Africana poderia dispor de 18 mil militares em um prazo mínimo de duas semanas e máximo de 90 dias. O general etíope Manuel Cofiñoe, membro do Estado-Maior de seu país, destacou que o importante deste processo é que se concretizou a idéia, e que agora resta colocá-la em prática o quanto antes. O presidente da Comissão da União Africana, Alpha Oumar Konaré, alertou há dois meses, em uma conferência de chanceleres africanos em Luanda, para os riscos de uma “recolonização” da África, se os países do continente não tomarem a iniciativa de alcançar a paz e a segurança. Nessa ocasião, Konaré disse que “se não atuarmos e trabalharmos com nossas idéias, teremos a triste prerrogativa de ver como outros, vindos de fora, vão nos recolonizar de novo.” (Prensa Latina)
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AMBIENTE RECURSOS HÍDRICOS
A busca por mudanças efetivas A Campanha da Fraternidade pode assinalar o início de um processo eficaz de mudanças em relação à água D. Demétrio Valentini
como já estão fazendo alguns Estados e municípios. Outra iniciativa mais complexa se refere à implantação das “microbacias” no sistema do manejo da terra. Onde foram implantadas, os efeitos positivos são evidentes. Trata-se de garantir condições para que a água da chuva possa ser retida e penetre mais no solo. Para isso se requer uma ação conjunta dos vizinhos, superando a visão estreita de cada um só pensar no seu lote. O embalo de uma Campanha da Fraternidade, reAgência Brasil
A
Eco92 pode servir de referência para este fato evidente. As crianças já não matam passarinhos, a ingenuidade das pombas já não paga o preço da malícia dos adultos. Já é um começo! Ao iniciar sua grande convocação para a “mudança de mentalidade”, que o Evangelho chama de “conversão”, traduzindo a palavra grega “metanóia”, Jesus incentivava as pessoas a mergulhar na água. Era o gesto do “batismo”, do “mergulho”, como a palavra quer dizer. Parece que a água tem mesmo afinidade com o processo de mudanças. Neste início de Campanha sobre a água, fui procurado por representantes da CATI, órgão técnico ligado à Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. Faz tempo que esse órgão governamental vem incentivando iniciativas básicas em relação à preservação da água, mas que esbarram na resistência oferecida pelo pouco esclarecimento da população. Percebendo a proposta da Campanha da Fraternidade, logo se deram conta da preciosidade do momento, contanto que se desencadeie um processo amplo de parcerias, envolvendo a cidadania e as instâncias governamentais. O leque de iniciativas é diverso e concreto. A começar pela preservação das nascentes. Toda vertente de água precisa ser protegida, resguardando ao seu redor a cobertura que a própria natureza oferece. Outra providência se refere ao percurso dos córregos e rios. Suas margens precisam ser preservadas, permitindo que a mata ciliar se refaça. Para tanto, se requer uma providência que os agricultores se recusam a tomar, e que contraria velhos hábitos de deixar o gado pisotear as margens. Só uma campanha como esta pode mudar convicções arraigadas, contanto que os órgãos governamentais garantam suporte técnico e apoio financeiro,
cheada de amplas motivações como esta, pode facilitar a implantação desse processo revolucionário do manejo coletivo do solo. A iniciativa das microbacias se junta a outra, do plantio direto. É uma técnica que em alguns lugares do Brasil já foi introduzida, há dezenas de anos. Bem conduzida, possibilita a preservação da biodiversidade presente no solo, evita erosão, e barateia os custos de produção. É a vez de dar um empurrão para que todos assimilem esta téc-
nica, que não deixou arrependido nenhum agricultor que já a adotou. Então é possível descobrir outras providências, como a descompactação do solo, através do arado subsolador. Pois a água não pode correr disparada, e provocar as enchentes que tanto prejudicam. Ela precisa entrar mais no solo. São providências ligadas à agricultura. Com a vantagem de contar com propostas bem definidas. O contexto urbano, mais afastado da natureza, talvez tenha mais dificuldade
de perceber as incidências práticas desta campanha. Mas é evidente que ela oferece a todos a oportunidade de rever atitudes, e somar iniciativas importantes que podem ser desencadeadas. Num país tão afeito ao falatório inócuo, esta campanha nos convoca para mudanças efetivas. D. Demétrio Valentini é bispo de Jales e integra o Setor Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Criada a Defensoria da Água Mais uma iniciativa da Campanha da Fraternidade 2004, foi criada a Defensoria da Água, órgão que vai “capacitar a sociedade civil na defesa de seus direitos e acesso à água de boa qualidade como garantia ao exercício do direito universal”. A Defensoria conta com o apoio do Ministério Público Fe-
deral, do Movimento Grito das Águas, da Cáritas Brasileira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de entidades em defesa dos direitos humanos. “A partir do momento que a sociedade se organizar, o Ministério Público pode se preocupar mais com a sua atividade fim, que é o combate ao crime”, acredita o procurador da
República Alexandre Camanho de Assis. Com sede em Brasília, a Defensoria da Água será dirigida por um Conselho Deliberativo composto por representantes de várias entidades e fará atendimento ao público por meio de voluntários com formação de direito ambiental. “Também queremos es-
tabelecer convênios com tantas quantas entidades sociais desejarem representar a Defensoria nos seus municípios e Estados”, orienta Leonardo Morelli, coordenador do Movimento Grito das Águas. Todas as informações e contatos com a Defensoria estão na página da internet www.defensoriadaagua.org.br .
O Brasil tem 12% de toda água doce, mas 70% estão na Amazônia menos povoada e apenas 3% no Nordeste bem mais populoso
Entre a vida e o negócio As águas, que são as mesmas há 500 milhões de anos, refeitas em seu ciclo natural, passaram a ser, no último século, rapidamente degradadas pela poluição e ameaçadas pelo aumento da população. Mesmo assim, ainda são mais que suficientes, de 6 a 7 vezes mais do que o mínimo necessário para cada habitante do planeta. O problema, além da degradação acelerada, é a distribuição desigual entre os usos e as regiões do planeta. Cerca de 70% da água doce existente no mundo são utilizados na irrigação agrícola, 20% são de uso industrial e apenas 10% são a parcela de consumo humano direto. O Brasil tem 12% de toda a água doce, mas 70% estão na Amazônia menos povoada e apenas 3% no Nordeste bem mais populoso. Também, a água não é problema igual para todos. Seis mil crianças morrem, no mundo, diariamente, de desidratação, por tomarem água poluída. Enquanto são os ricos que desperdiçam mais água – um estadunidense gasta 600 litros por dia e um habitante do Saara, na África, tem que viver com somente 6 litros por dia. Portanto, a famosa “crise da água”, que se quer atribuir à escassez, é, na verdade, questão de gerenciamento.
IDEOLOGIA DA ESCASSEZ O “discurso da escassez” passou a ser disseminado por interesse de uma “oligarquia internacional da água”, poderosos grupos empresariais em busca de transformar a crise em ótimo negócio. Como bem escasso, ela passa a adquirir valor
devem ser diferenciadas conforme os usos e suas finalidades. Uma empresa de irrigação ou de pesca industrial tem que pagar muito mais do que o consumidor doméstico, e este quando muito pobre nem deveria pagar, e o empresário que polui nem deveria usar. Por fim, toda a gestão das águas deveria ser democrática e participativa.
Luiz Carlos Murauskas / Folha Imagem
Ruben Siqueira
REVER A LEI
Discurso da escassez faz parte de estratégia de grupos empresariais que lucram com o negócio da água
econômico, como qualquer mercadoria, a ser explorado conforme as leis do mercado (oferta X procura). A experiência de quase 3 séculos de capitalismo ensinou (?) à humanidade seus colossais custos sociais, ambientais, culturais, éticos... Não se pode esquecer que foi o avanço do capitalismo que levou ao estresse os recursos naturais. Hoje, não obstante os sinais de colapso e crise terminal do modelo predatório, recriam-se as formas da exploração, sob a égide do neoliberalismo, a inventar necessidades e desejos de consumo, a superestimar o indivíduo sobre a coletividade. Exemplo disso é o assédio crescente sobre os mangues, praias e demais áreas litorâneas. Nunca foram tantos os grandes projetos turísticos (como os atraentes e caros ecoresorts), madeireiros (eucalipto), pesqueiros
e nunca foi tão grande a devastação por eles causada. Novas tecnologias como o confinamento de peixes e a carcinicultura têm trazido mais problemas sociais e ecológicos que verdadeiro desenvolvimento. A questão não é simples, nem se pode encará-la com maniqueísmo. Porque há de se encontrar soluções aceitáveis para o que tem de verdadeiro na “crise da água”. Estas soluções têm custos. A proposta da ONU para água e saneamento, na cúpula ecológica de Johannesburgo, em 2002, foi de reduzir pela metade, até 2015, o número das pessoas que não têm acesso nem à água potável (1,2 bilhão) nem ao saneamento (2,4 bilhões). A proposta supõe que se dê acesso à água a 200 mil novas pessoas a cada dia, o que custaria 180 bilhões de dólares. Não há indicação de quem bancará esta conta.
Há quem defenda que só há solução eficaz, para preservar e distribuir a água necessária à vida de todos os seres, se for cobrada taxa por este serviço, na linha do que existe hoje, quando pagamos pelos serviços de saneamento e distribuição de água. E com certeza isto implica em valores, empresas e mercado. No entanto, nesta empreitada é diferente trabalhar sob a lógica da vida e operar sob a sede do lucro. Por exemplo, para garantir que a água continue bem público e direito de todos os seres vivos, as outorgas que faz o poder público a particulares para o uso empresarial da água não pode descambar para a privatização e mercantilização da própria água, de modo a ameaçar o livre acesso a ela em quantidade e qualidade suficientes a todas as formas de vida. Além disso, as cobranças
A lei brasileira de recursos hídricos (nº 9433/97), alardeada como das mais modernas do mundo, na verdade, é ambígua e de aplicação incerta. Primeiro, toma a água como “recurso hídrico”. Ao mesmo tempo em que a defende como “bem de domínio público”, diz que é escasso e abre para a exploração de seu valor econômico. Ao mesmo tempo em que prescreve o gerenciamento participativo, através dos Comitês de Bacia Hidrográfica, define a composição deles como sendo 40% de representantes do poder público, 40% dos usuários e apenas 20% da sociedade civil organizada. Faz parte do sistema de gerenciamento a (ANA) Agência Nacional de Águas, cujo objetivo mais ou menos confesso, a título de “regular o mercado”, é facilitar o “negócio da água”. Mexeu com água, mexe com o todo da gente e toda a vida. Nenhum elemento, além talvez do ar, menos perceptível, tem tanto o poder de nos envolver e instigar ao sentimento que se torna em idéia e ação pela vida. Ruben Siqueira é sociólogo, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (Bahia/Sergipe).
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DEBATE INVASÃO DO IRAQUE
A guerra, depois da guerra Emir Sader governo norte-americano declarou terminada a guerra do Iraque há exatamente um ano, tempo que já dura a ocupação do país pelas tropas lideradas pelos Estados Unidos. Desde então morreram duas vezes mais soldados norte-americanos do que durante o tempo da guerra, segundo os critérios dos estrategistas dos EUA. O mundo está mais inseguro sem Sadam Hussein no poder, seu aliado Aznar acaba de cair, derrotado pelas mentiras sobre a luta “contra o terrorismo”, e o próprio Bush vê ameaçada sua reeleição. Tratou-se, na segunda guerra do Iraque, da aplicação mais coerente e conseqüente da nova estratégia político-militar dos EUA, formulada no segundo semestre de 2002, que reivindica para esse país o direito de utilizar todos os meios para manter sua superioridade militar, assim como o direito de atuar como “polícia do mundo”, ao teorizar a necessidade de um novo “poder imperial”, que imponha ordem em regiões e países do mundo incapazes de se autogovernar, no marco do que reivindica também o direito de “guerras preventivas”, que previnam ataques “terroristas”. Militarizam-se os conflitos, que serão tratados por meio da força, simultaneamente à retirada de qualquer acordo internacional pelos EUA como ficou claro na sua decisão unilateral de atacar o Iraque, mesmo sem apoio da ONU, porque ataques preventivos e unilaterais só são possíveis como uso da força e não de um impossível consenso em torno de uma doutrina legitimadora da superioridade militar norte-americana. O caráter “preventivo” da guerra do Iraque sequer se confirmou, porque as “armas de destruição massiva” não foram encontradas, o argumento passou a ser o de que “o mundo está mais seguro sem Sadam”. Hoje, os mesmos dirigentes são obrigados a reconhecer que forjaram relatórios a fim de impor a necessidade de uma guerra que era perfeitamente evitável. Mas ela projetou Bush e Blair como cabeças da “guerra contra o terrorismo” em escala mundial e forçam seus aliados a se adaptar a essa prioridade estratégica norte-americana.
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TERROR EM MADRI
As guerras, porém, não acabam quando os que se consideram vencedores assim o decretam, porque lhes convêm. A guerra regular terminou, os EUA triunfaram, mas têm enormes dificuldades para impor sua “pax”. O país, já dividido em termos religiosos e políticos, ficou mais ainda com a presença das forças de ocupação. Se não há formas alternativas que pudessem reunificar o Iraque, tampouco parece haver coalizão suficiente de forças para estabilizar a ocupação. Daí que o país se dessangre, com uma resistência ativa, que golpeia não apenas militares de ocupação, mas também os que ela considera colaboradores dessas forças, assim como a população em geral, como para provar que a ordem não pode reinar em um Iraque ocupado.
Os atentados de Madri, dois anos e meio depois dos de Nova York e Washington, podem estar demonstrando que finalmente os grupos islâmicos estão preparados para golpear outros alvos frágeis, cidades de países como a Espanha, a Itália ou a Inglaterra pela participação de seus governos na guerra e ocupação do Iraque. Seriam alvos fáceis, mas facilitariam a missão norte-americana de comprometer esses aliados com sua política de privilegiar o “combate ao terrorismo”. No entanto, o resultado eleitoral da Espanha, punindo a Aznar e seu partido da “nova direita”, o PP, pela mentira, pela tentativa de instrumentalização dos atentados para obter ganhos eleitorais e por deixar a população do país vulnerável pelo apoio incondicional a Bush, levou à queda de um dos governos mais estreitamente aliados dos EUA e pode indicar uma direção perigosa para os que estreitam ainda mais suas alianças com Washington. Os atentados de Madri podem significar um enfraquecimento ou um fortalecimento da nova candidatura de Bush. Ele se enfraquece, na medida em que se constata que o mundo é mais vulnerável do que há dois anos e meio aos ataques terroristas e que os aliados de Bush, como Aznar, têm dificuldades em se manter no poder, quando se comprometem fortemente com a estratégia be-
licista dos Estados Unidos. Mas Bush pode se fortalecer, conforme se tome os atentados como confirmação do risco que a Al Qaeda representa para todo o mundo e da necessidade de privilegiar a “guerra contra o terrorismo”, o que favorece a reeleição no plano interno. DESAFIOS PARA A ESQUERDA
Esse quadro coloca um duro desafio para os que lutamos por “um outro mundo possível”. Os fundamentalistas islâmicos retomam sua ofensiva para polarizar contra o poder imperial norteamericano, buscando ocupar o lugar central de resistência, dando-lhe um caráter religioso e impondo métodos de terror. A resistência iraquiana, de muito valor como expressão da forma de resistência contra a ocupação do seu país, estende cada vez mais seus atentados, afetando agora não apenas a soldados estrangeiros, mas a acusados de colaboração e, mais do que isso, de forma indiscriminada, fazendo ações que têm como alvo a população civil, para procurar demonstrar que os EUA não capazes de garantir a ordem interna. Os que lutamos pela resolução pacífica e negociada dos conflitos mundiais e locais temos que ser capazes de propor não somente uma política de democratização das relações políticas mundiais, mas também um plano de paz
para o Iraque e para outras zonas de maior conflito no mundo hoje. Temos que saber demonstrar que uma outra via, que não a do terror de lado a lado, é possível, necessária e urgente. As guerras atualmente têm nos povos desarmados suas principais vítimas, da mesma forma que os atentados terroristas. Elas representam o triunfo dos mais fortes, que se valem dos recursos que lograram acumular para transformá-lo em força técnica e militar para oprimir aos povos e às nações que não se submetem a seus desígnios. A linha de ação dos EUA, de militarizar os conflitos, é a de tentar impor sua superioridade material sobre os outros, fazendo dela o instrumento essencial de sua dominação. A hegemonia norte-americana no mundo, um ano depois do fim oficial da guerra do Iraque, está em crise? Quais os elementos de força e de debilidade na construção de uma hegemonia alternativa? Essas são questões fundamentais para nossa luta hoje. Qualquer superestimação ou subestimação da força de cada um dos campos nos afastará da correlação real de forças existente no mundo e nos deixará despreparados para enfrentar os desafios presentes e futuros. FORÇA DOS VALORES AMERICANOS
A maior força dos EUA hoje no mundo não está na sua superioridade militar. Vietnã e Cuba já demonstraram que ela pode ser vencida. A superioridade norte-americana, responsável pela sua hegemonia mundial, está na força da sua ideologia, dos valores cotidianos que propagam pelo mundo afora, na forma de vida que fabricam, praticam e exportam para todos os rincões do planeta. Nisso reside sua força maior. Com o desaparecimento do “campo socialista”, os EUA praticamente ocupam sozinhos o espaço das formas de vida em sociedade hoje no mundo. O contraponto vem de formas de organização social mais atrasadas, como as do fundamentalismo islâmico, conservadoras, religiosas, repressivas. Até a China se deixa influenciar pelas formas de vida norte-americanas, depois de ter passado séculos fechada
em sua cultura e forma de vida. Apóiam-se não apenas na crise do socialismo, mas também numa máquina publicitária e informativa mundial, com uma poderosa capacidade de influência no mundo todo. A economia dos EUA, embora não tenha hoje o ímpeto que teve há algumas décadas, é mais forte, comparada com as outras a soviética desapareceu, a japonesa e a alemã se enfraqueceram , constituindo-se na locomotiva da economia mundial, embora com graves debilidades e dependendo muito do exterior. Mas praticamente todos os outros países também dependem da economia norte-americana. Não devemos superestimar a força dos EUA, mas tampouco acreditar que se trata de um “tigre de papel”, que eles têm “dominação sem hegemonia”, isto é, têm o poder pela força. Estas são versões simplistas, que não dão conta da força do inimigo e, ao subestimá-lo, podem não acumular a força suficiente para derrotá-lo. Isso aconteceu no passado recente, com as versões do tipo “o mundo caminha para o socialismo”, como se os destinos da humanidade caminhassem independentemente da capacidade de organização, de consciência e de luta dos homens e mulheres concretamente existentes. Temos que dar o combate em todas as frentes, mas privilegiar a mobilização popular, a consciência política e a criação e formas de vida alternativas, que prefigurem o tipo de sociedade que queremos. A luta contra a hegemonia norte-americana é, assim, uma luta global econômica, política, militar, ideológica, pela construção de um tipo de mundo alternativo. A força dos EUA fica mais clara diante da debilidade das outras forças, muitas delas com divergências secundárias com Washington como os países europeus e o Japão, por exemplo ou porque pregam formas retrógradas de vida como os fundamentalistas islâmicos. Daí o desafio de retomar nossa luta, a partir do dia 20 deste mês, para nos apropriarmos da luta antiimperialista, com bandeiras de paz, de solidariedade, de humanismo aquelas que caracterizam nossa luta por “um outro mundo possível”. Esta é a nossa guerra, a guerra pela paz e pela fraternidade entre os povos, pela igualdade e pela justiça. Emir Sader é professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
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agenda@brasildefato.com.br
NACIONAL SÃO PAULO LIVROS Páginas de resistência: A imprensa comunista até o golpe militar de 1964 De autoria do jornalista Francisco Ribeiro do Nascimento, a obra resgata a batalha travada pelo jornal Tribuna do Pará, entre 1946 e 1958, contra o autoritarismo da época, assim como as lutas do Partido Comunista Brasileiro. Editado pela Imprensa Oficial do Estado e pelo Sindicato dos Jornalistas, o livro abrange pesquisas feitas em 91 edições do jornal. R$ 36. Mais informações: www.imprensaoficial.com.br/ livraria, (11) 6099-9440 Em que ano estamos? Uma expedição pela história de São Paulo Voltado para o público infanto-juvenil, o livro traz fotos, ilustrações, cronologia e informações sobre personalidades históricas de São Paulo. Os personagens Bira, Nina, Zeca, Sombra e Rute redescobrem São Paulo, e nessa aventura pelo passado da cidade as crianças assistem a acontecimentos fundamentais da futura metrópole, como a chegada dos imigrantes, a greve de 1917 e a Semana de 1922. O texto é de Márcia Camargos e as ilustrações, de Rodrigo Rosa. R$ 29. Mais informações: www.companhiadasletras.com.br
CEARÁ VI CAPACITAÇÃO EM MASSA De 25 de março a 3 de abril Promovida pela ONG Cearah Periferia, a VI Capacitação em Massa em Planejamento Urbano irá discutir questões sobre habitação em oito temáticas: trabalho, cultura, educação, meio ambiente, segurança pública, saúde pública, mobilidade urbana e gênero. Serão formados oito grupos de aproximadamente 100 alunos. Os interessados podem se inscrever conforme o tema de sua preferência. Os conteúdos serão ministrados por pesquisadores populares, técnicos da ONG e estudantes da Universidade Federal do Ceará. A aula inaugural acontecerá no dia 25 de março. No dia seguinte, haverá, nos bairros, sessões preparatórias para a aula de campo, que acontecerá dia 27, quando os participantes devem percorrer diversas regiões da cidade para identificar os problemas urbanos que serão debatidos durante a capacitação. Mais informações: (85) 261-2607, epupp@cearahperiferia.org.br CAMPANHA PARA ARRECADAR LIVROS A Associação de Pais e Comunitários (APC) da Escola Liceu
DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A OCUPAÇÃO NO IRAQUE Dia 20, 14h Mobilização organizada pelo Comitê Paulista de Luta Contra a Alca. As bandeiras da manifestação serão: pela retirada imediata das tropas invasoras do Iraque; pela autodeterminação dos povos; não às bases militares estadunidenses na América Latina; não ao FMI e ao pagamento da dívida externa; não à Alca, pela saída imediata das negociações; por um plebiscito oficial dia 3 de outubro de 2004. Local: Av. Paulista, 1578 (concentração em frente ao Masp) Mais informações: (11) 3105-2516, plebiscitoalcasp@yahoo.com.br ATO POLÍTICO - 40 ANOS DE LUTA PELA DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL: LEMBRAR PARA APRENDER Dia 31, das 18h às 22h30 O ato terá três momentos: uma marcha no Sambódromo pela democracia no Brasil, uma homenagem aos brasileiros que resistiram à ditadura e que até
Prefeito Raimundo Coelho Bezerra de Farias, no Crato, está desenvolvendo o Projeto “Todo Tipo de Leitura”. A proposta é arrecadar publicações para a abertura da biblioteca para a população. Ainda em fase de catalogação, a biblioteca conta com um pequeno acervo superior a 1 mil publicações, entre livros e revistas, todas fruto de doações. O projeto teve início em novembro de 2003 e irá até junho de 2004. Espera-se inaugurar a biblioteca até o final de março. As doações devem ser enviadas para o endereço: Liceu do Crato - A/C Associação de Pais e Comunitários (APC), Rua Francisca Piancó Leite, s/n, Conjunto Novo Crato, cep 63.100-000, Crato. Mais informações: (88) 571-1633, (85) 9966-0505
DISTRITO FEDERAL FÓRUM INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS SOCIAIS De 29 de março a 1° de abril Durante o Fórum, serão discutidos temas como trabalho infantil, trabalho escravo, liberdade sindical, discriminação, direito comunitário e direito social. Entre os palestrantes estão Ricardo Antunes, professor de sociologia do trabalho da Unicamp; frei Betto, assessor Especial da Presidência da Repú-
A indignação contra a opressão Nascido em 1876 e morto quarenta anos depois, de família muito pobre, Jack London teve uma infância humilde e errante. Aos treze anos, depois de se expor aos mais humilhantes trabalhos, fugiu de casa e foi viver no cais do porto de Oakland (cidade portuária situada na baía de São Francisco, Califórnia, Estados Unidos), entre bandidos adultos e menores abandonados. A partir dessa experiência, sua vida foi um desenrolar de aventuras as mais espantosas, de cuja realidade e sofrimento extraiu praticamente toda a matéria com a qual iria elaborar sua vasta obra. Um dos maiores escritores sociais estadunidenses, seus escritos revelam uma profunda simpatia pelos oprimidos e uma grande indignação contra a opressão. Defendeu, em 1905, a primeira Revolução Russa, fazendo conferências que causaram grande
suas convicções políticas não interferiram em sua crença na “singularidade do indivíduo, como valor acima de todos os outros”, e em seu espírito de aventura, que o levava a abandonar tudo por uma viagem que lhe parecesse interessante. Matou-se em 1916, talvez na busca desesperada de um “sono definitivo para uma consciência demasiadamente lúcida”. Nesta coletânea (dois ensaios e nove contos) temos textos que falam de questões pessoais e de questões sociais. Que fazem um retrato do ser humano enquanto uma singularidade e que o inserem no convívio social. Textos que mostram um pouco do que foi esse grande escritor. Dos on-
Fotos: Marcello Júnior/ABr
AGENDA
Em janeiro de 2003, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre foi aberto com uma grande marcha contra a Guerra
hoje se empenham pela construção da democracia e o painel sobre “Os resquícios da prática autoritária da ditadura de 64 nos dias atuais”. O ato pretende reafirmar a luta de tantos brasileiros que morreram pelo caminho, de tantos outros que, sobreviventes, continuam firmes na luta, bem como de muitos das novas gerações que lutam por um ideal que há 40 anos é perseguido por tantos brasileiros. O painel procurará apontar os
resquícios da prática da ditadura militar nos dias de hoje nas questões da terra, da educação, da imprensa e da segurança pública. A mesa será coordenada pelo jornalista Alípio Freire, que dará um quadro geral sobre o tema, e os debatedores serão: José Arbex Jr., Plínio de Arruda Sampaio, e representantes do Grupo Tortura Nunca Mais e do Instituto Paulo Freire. Entre os homenageados estão: Comissão de Famíliares dos Mor-
blica; Nilmário Miranda, secretário Especial de Direitos Humanos. Inscrições até dia 19. Local: Edifício Sede do Tribunal Superior do Trabalho, Pça. dos Tribunais Superiores, SAS Q. 01 BL D, Brasília Mais informações: www.tst.gov.br
campo da cultura: a canção popular, “Múltiplas faces da resistência e da revolução”, “Militarismo e autoritarismo”, “Os arquivos da repressão”. Entre os debatedores estarão: Lucília de Almeida Neves (PUC/MG), Marcelo Ridenti (Unicamp), João Roberto Martins Filho (Ufscar), Maria Aparecida Aquino (USP) Local: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), Av. Antônio Carlos, 6627, Belo Horizonte Mais informações: (31) 3499-5068.
MINAS GERAIS SEMINÁRIO - 40 ANOS DO GOLPE MILITAR 31 de março e 1º de abril O tema do seminário promovido por persquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é “Autoritarismo e Democracia nas Margens da República: 1964, 1984”. O evento, com abordagem interdisciplinar, reunirá convidados de diversas instituições do país – historiadores, cientistas políticos, sociólogos, pesquisadores do cinema, especialistas em música, entre outros profissionais. Além disso haverá atividades dirigidas a um público mais amplo, com apresentação de filmes acompanhados de debates dirigidos por especialistas e uma exposição sobre os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (Dops/ MG) e da Assessoria Especial de Segurança e Informações (Aesi), da UFMG. Temas: “Interpretando o Golpe de 1964”, “Combates no
ze contos escolhidos, podemos nos apropriar de um deles para penetrar um pouco no universo criativo do autor. A luta revolucionária, aspecto central do conto O mexicano, para a sua continuidade, tem necessidades que precisam ser satisfeitas. Cada personagem, a seu modo e dentro de suas particularidades, deve contribuir para que a revolução siga em frente. Não importa quão simples ou complexa seja a tarefa. E Felipe Rivera tem sua maneira singular de trabalhar pela revolução. Maneira que surpreende pela contradição entre a tarefa mais chã que, desprendidamente, executa no dia-a-dia e aquela que, inflexivelmente, se propõe para que a revolução se efetive. CONFIRA Contos Jack London 248 páginas, R$ 8 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista, São Paulo Telefax: (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br
PARANÁ I SEMINÁRIO DE ATENÇÃO À SAÚDE INTEGRAL DA ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE BRASILEIRA De 25 a 27 Promovido pela Associação Brasileira de Adolescência (Asbra), o seminário vai debater temas como educação sexual nas escolas, distúrbios de conduta na adolescência e na juventude, drogas e juventude, gravidez e contracepção de emergência na adolescência. Local: Av. São Paulo, 266 Centro, Londrina Mais informações: (43) 3341-7640, 9117-2614, divulga.pr@sercomtel.com.br
RIO DE JANEIRO SEMINÁRIO - A MEMÓRIA DAS FAVELAS: INICIATIVAS, CONQUISTAS E DESAFIOS Dias 26 e 27 Encontro entre diversos centros e projetos que produzem a memória das favelas cariocas, em parceria
tos e Desaparecidos, Fórum dos Ex-Presos Políticos, D. Paulo Evaristo Arns, União Nacional dos Estudantes, Waldemar Rossi, Terezinha Zerbini, Luís Eduardo Greenhalgh, Ziraldo, Raimundo Pereira, Vera Silvia Magalhães, José Celso Martinez, Chico Buarque, frei Josafá, Setor de Direitos Humanos do MST. Local: Anhembi, Av. Olavo Fontoura, 1209, São Paulo Mais informações: (11) 3021-0670
com os moradores locais, universidades, fundações e ONGs. O evento tem como objetivo valorizar a riqueza da história das favelas cariocas, a partir do diálogo e da interação entre as diferentes iniciativas e o público em geral. Durante o seminário, haverá o lançamento oficial da página de internet Favela Tem Memória (www.favelatemmemoria.com.br), que é desenvolvida pelo Viva Rio e está inserida no Portal Viva Favela (www.vivafavela.com.br). O projeto, sob coordenação geral da antropóloga Regina Novaes e consultoria do jornalista Flávio Pinheiro, conta com a parceria do Centro Histórico da Rocinha, Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm/Núcleo Orosina), Instituto Moreira Salles e Megacidades. Local: Sede do Viva Rio, R. do Russel, 76, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2555-3750, vivario@vivario.org.br
SÃO PAULO CURSOS GRATUITOS Inscrições até o final de março O Movimento Humanista Internacional oferece cursos gratuitos pré-vestibulares, preparatórios para concursos, e de língua estrangeira (inglês e espanhol). Para a inscrição é preciso uma cópia do RG. As aulas são ministradas às quintasfeiras, das 18h às 20h; aos domingos, das 10h às 13h. Local: R. Silveira Martins, 131, sala 22, São Paulo Mais informações: (11) 5585-9668, 9409-6157
COOP. CENTRAL DE CRÉDITO RURAL DOS PEQ. AGRIC. E DA REFORMA AGRÁRIA CREHNOR CENTRAL ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA EDITAL DE CONVOCAÇÃO O Coordenador Geral da Cooperativa Central de Crédito Rural dos Pequenos Agricultores e da Reforma Agrária (CREHNOR - CENTRAL), inscrita no CNPJ sob o nº. 05.879.577/0001-39, estabelecida a Rua Julio Mailhos, 1376 sala 08, no uso de suas atribuições que lhe confere o Estatuto Social, C O N V O C A todas as cooperativas associadas que nesta data somam 07 (sete) em condições de votar, para reunir em ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA E EXTRAORDINARIA, a ser realizada no dia 30 de Março de 2004 , nas dependências da Crehnor Sarandi, situada na Av. Expedicionário, 983, no município de Sarandi RS, às 8:00(oito horas) em primeira convocação com a presença mínima de 2/3 (dois terços) dos associados em condição de votar, às 9:00 ( nove horas) em Segunda convocação com a presença de metade mais um dos associados em condição de votar e às 10:00 (dez horas) em terceira e última convocação com a presença qualquer número de associados em condição de votar, para deliberar sobre a seguinte ordem do dia: EM REGIME DE AGO: 1) Prestação de Contas do exercício de 2.003, sendo: a) Apresentação dos Balanços Contábeis; b)- Apresentação do demonstrativo de resultado do exercício; c)- Apresentação do parecer do Conselho Fiscal; d)- Destinação dos resultados do exercício; 2) - Deliberação do valor da cédula de presença; 3)- Assuntos Gerais de interesse da sociedade. A instalação da AGE acontecerá 1(uma) hora após o término da AGO, para deliberar sobre a seguinte Ordem do Dia: 1.Alteração do Art. 1°, I do Estatuto Social, atualização de endereço; Sarandi(RS), 16 de Março de 2004. Valdemar Alves de Oliveira Coordenador Geral
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CULTURA
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MÚSICA
Violeiros fazem festa e criam associação N
a noite do dia 13 o clima já era de festa. Em pequenas rodas, alguns violeiros espalhavam-se pelo terreno do Sítio Pau d’Alho, em Ribeirão Preto (SP), e reverenciavam a música caipira, às vezes arriscando novas composições. No dia seguinte, um domingo chuvoso, mais de 80 artistas da música de viola, vindos de diversos Estados, encontraram-se para um culto à viola e a suas diferentes maneiras de expressar as origens populares. Esse foi o II Encontro Nacional de Viola Caipira, promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), este ano realizado junto com a Festa do Milho Verde. O encontro – repleto de milho cozido, pamonha, bolo de milho, curau, ao som das dez cordas da viola – reuniu cerca de 10 mil visitantes, apesar da forte chuva. Sob uma imensa figueira anciã, um cortejo de violeiros abriu o encontro, cantando Cálix Bento. Depois, ao som de uma flauta transversal e de uma singela viola, todos rezaram o Pai Nosso e a Ave Maria. O primeiro a subir ao palco foi o mineiro Pereira da Viola, recémeleito presidente da Associação Nacional dos Violeiros, fundada na madrugada do dia 14. Depois de insistir no refrão “Companheiro, me ajude / que eu não posso cantar só / Eu, sozinho, canto bem / Com você, canto melhor”, Pereira criticou o desprezo da música caipira por parte da grande mídia e apelou para que não se desista da “utopia que é soterrada pelo capitalismo e pelos projetos neoliberais”.
ORIGEM POPULAR Rui Torneze, vice-presidente da Associação e fundador e maestro da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, explica que a viola acompanha a história do Brasil desde a colonização. “Não é um instrumento qualquer, tem um significado histórico. É mais fácil planejar para onde vamos se sabemos de onde viemos”, afirma Torneze, que, enquanto caminhava, sacou um canivete de seu colete e ajudou duas senhoras a abrir suas pamonhas. Foi nesse clima de solidariedade que se formou a Associação. “Será registrada como sociedade civil. Formaremos uma corporação para viabilizar projetos ligados à cultura popular”, diz Torneze. Autodidata, ele revela as superstições dos violeiros antigos: dentro da viola, existe um guizo para evitar mau-olhado e ajudar a vencer os desafios; além disso, dizem que a pessoa que ensina a tocar a viola perde o dom dessa arte. Por conta disso, Torneze lembra que freqüentou muitas rodas de viola fingindo ser apenas um amante da música pois “se dissesse que estava lá para aprender, eles paravam de tocar”. Apesar da dificuldade em encontrar professores, há muitos jovens interessados no instrumento. Prova disso são os violeiros solistas da Orquestra Paulista – o mais novo tem 16 anos e o mais velho, 30. Considerado um dos quatro
Novaes
SAIDEIRA
Prestigiado por um público de cerca de dez mil pessoas, o encontro, comemorado junto com a Festa do Milho Verde, discutiu a cultura brasileira e seus valores
melhores violeiros do país, Gedeão da Viola não acredita na superstição. Para ele, o violeiro é um “tipo orgulhoso e um pouco retardado, pois quer guardar os segredos da viola para sí”. Gedeão ganha a vida consertando violas e dando aulas: “Ensino dez maneiras de tocar a viola com a mão direita e dez com a esquerda. Meu curso leva de oito meses a um ano e meio, diferente dos outros, que levam cerca de quatro anos”. O músico não se sente ameaçado por outros violeiros
porque considera seu talento um “presente de Deus”.
MAIS DO QUE MÚSICA A cultura da viola caipira não está restrita à música. Mirian Cristina de Souza Cunha, uma das poucas mulheres violeiras que participaram do encontro, diz que o resgate da cultura popular envolve até a culinária. Criada na roça, onde a televisão não pegava direito, sua diversão era o radinho de pilha, as rodas de viola, as Folias de Reis.
Depois de se mudar para um grande centro urbano, a economista e violeira sentiu “um vazio muito grande”. Na busca pelas raízes, encontrou sua identidade na viola, que traz pendurada por uma correia feita de fuxico, como manda a tradição. “Um povo que ignora seus próprios valores é mais fácil de ser manipulado. Quanto mais se resgata a cultura popular, mais sólida a identidade cultural de uma nação”, afirma. Segundo ela, a globalização dos
costumes bombardeia o mundo com informações que enfraquecem as tradições culturais regionais. “A mídia trabalha com imposições, com o que é descartável, com o que vem de fora, de efeito passageiro, que não marca a vida das pessoas”, avalia a violeira, questionando que “deve ser interessante para alguém que não conheça a nossa cultura”. Mesmo assim, ela duvida que, ao ouvir a música Cabocla Teresa, as pessoas não sintam uma certa nostalgia.
Uma vida em defesa da música de raiz Em uma conversa atrás do palco, antes de se apresentar durante o II Encontro de Violeiros, a paulistana Inezita Barroso enfatizou a necessidade de uma tradição popular de cultura, defendeu o abandono dos valores estrangeiros e criticou o tratamento “a chute” da mídia em relação à cultura caipira. Brasil de Fato – Qual a importância de iniciativas como o Encontro de Violeiros? Inezita Barroso – Muito grande. Aqui se juntou violeiros de vários locais do Brasil, cada um com estilo e ritmo próprios. Temos que mostrar isso. Quando se fala em violeiros, parecem ser todos iguais. Mas a viola tem mil faces, e hoje cada um pode mostrar a sua, o seu jeito de cantar e tocar. Muita gente veio assistir esses artistas hoje, mesmo com chuva. Esse entusiasmo eleva a vida caipira. Estamos resgatando a nossa cultura e a nossa música de raiz. BF – Por que a mídia não valoriza a cultura caipira? Inezita – Somos tratados a chute, ignorados. É mais fácil publicar o
Douglas Mansur
Tatiana Azevedo e Tatiana Merlino da Redação
Fotos: Douglas Mansur
Artistas se organizam em defesa da cultura popular e reúnem, pela segunda vez, milhares de apreciadores da viola
Quem é Inezita Barroso foi cantora de rádio, fez cinema e ficou famosa no início dos anos 50 com os sucessos Moda de Pinga e Lampião de Gás. Gravou mais de 70 discos e dedica-se ao estudo e ao resgate do folclore brasileiro, preocupada em divulgar a música caipira. Inezita produziu documentários e programas de televisão. Desde os anos 70, comanda o programa “Viola, Minha Viola”, da TV Cultura de São Paulo.
que está na moda. Como a música sertaneja, por exemplo, que não tem nada a ver com a caipira, que é tradicional, vem desde o começo do Brasil e é a raiz da nossa cultura. O sertanejo não está ligado a nada, tem apenas um ritmo, as letras são parecidas, as vozes e as roupas são iguais, não se sabe quem está cantando. É tudo feito em série. BF – Existe preconceito com a música caipira, como se ela fosse ligada a um povo “atrasado”, do interior? Inezita – Isso é falta de cultura,
de conhecimento. Quem estudar vai ver que a música caipira está ligada à história, à filosofia e a todas as outras ciências. Raiz é raiz, não se pode mudar. BF – Como resgatar o trabalho de violeiros esquecidos ou desconhecidos? Inezita – Exatamente nesta madrugada (14 de março), foi fundada a Associação Nacional dos Violeiros do Brasil. Pereira da Viola foi eleito presidente, o que é maravilhoso. Essa é uma iniciativa que pode trazer muitas vitórias. Hoje, o que trouxemos aqui foi o fino da viola. Quem não quiser nos aceitar, não aceite, mas vamos insistir até a viola
se tornar a rainha da música brasileira. BF – Como preservar a nossa cultura se muitos dos nossos valores são colonizados? Inezita – Temos que fazer o Dia do Saci, da Cuca, e não o Dia do Halloween. Os personagens do nosso folclore são figuras suaves, bonitas, sempre têm um bom exemplo por trás, não matam as pessoas, não roubam as crianças. É o Brasil, a ingenuidade do índio. Para que trazer de fora e fazer malfeito aqui? Eu até admito que façam o Halloween lá, mas por eles e para eles, pois as bruxas são deles. Para que importar? (TA e TM)