Ano 2 • Número 59
R$ 2,00 São Paulo • De 15 a 21 de abril de 2004
OAB exige auditoria da dívida externa A
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu mexer em um tema negligenciado pelas autoridades do país. A instituição vai mover ação no Supremo Tribunal Federal exigindo que o Congresso cumpra a Constituição: auditar a dívida externa. A iniciativa surpreendeu líderes do governo no Congresso. “O empobrecimento tem origem no endividamento externo e na relação do país com o FMI, que planeja até nossa política social. Assim, não temos como atingir os objetivos da República: uma sociedade livre, justa e solidária”, dispara o conselheiro da OAB Arx Tourinho. A OAB vai procurar, ainda, o apoio da CNBB e da ABI. Pág. 7
François Guillot/ AFP
Ordem moverá ação na Justiça para obrigar o Congresso a analisar origem e legalidade do endividamento brasileiro
Iraquianos intensificam resistência Em Paris, e em outras capitais do mundo, pacifistas repudiam invasão do Iraque, um ano depois da tomada de Bagdá pelas tropas anglo-estadunidenses Stefan Zaklin/EFE/AE
Um ano após a invasão do Iraque pelos anglo-estadunidenses, a resistência, que une sunitas e xiitas, retoma algumas cidades. Até dia 12, 70 soldados da coalizão e mais de 700 iraquianos morreram em confrontos. “Quando uma ocupação é repugnante, a resistência não pode ser amena, a não ser num filme hollywoodiano”, afirma o escritor paquistanês Tariq Ali. Págs. 2 e 11
Movimentos se articulam por moradia popular Foi lançada, em São Paulo (SP), a Campanha Nacional em Defesa do Fundo e do Conselho de Moradia Popular, que lutará, junto ao Ministério das Cidades, por verbas para atender às necessidades de 16 milhões de brasileiros que não têm onde morar. Pág. 3
Tropas dos Estados Unidos e de outros países sofrem derrota em diversas cidades do Iraque, onde grupos divergentes se unem para ampliar resistência
Cientista revela história obscura da Monsanto
Embaixador revela plano de pressão contra Cuba Pág. 9
Com 67 ocupações de terras entre 27 de março e 13 de abril, além de várias marchas por todo o país, a jornada de lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) celebra o Dia Internacional de Luta pela Reforma Agrária (17 de abril).
Oito anos após o massacre de trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás, a violência no Sul do Pará continua, com uma diferença: os latifundiários agora consideram mais eficaz matar as lideranças. Pág. 5
Terra indígena é ameaçada em Roraima
No Rio, Estado e violência andam juntos
Às vésperas da Semana dos Povos Indígenas, a Comissão Externa da Câmara utilizou o argumento de defesa da soberania nacional para tentar reduzir 30% da área já demarcada da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Págs. 3 e 16
O pesquisador José Cláudio Souza Alves diz que, no Rio, “as figuras de líderes políticos se confundem com as de matadores”. E alerta: “Não existe um poder paralelo; o crime e a violência são o próprio Estado”. Pág. 6
Agê
MST aumenta pressão por reforma agrária
Pág. 8
Venezuela resiste a jogo estadunidense Pág. 9
E mais: GOLPE DE 64 – Quarenta anos depois do golpe de 1964, organização estadunidense divulga documentos que comprovam o apoio do governo dos EUA à derrubada do governo João Goulart. Pág. 4 ÁFRICA – Dez anos após o genocídio de Ruanda, em que 937 mil pessoas foram assassinadas, a população continua vivendo em estado de pobreza abjeta, segundo o presidente Paul Kagame. Pág. 12 DEBATE – Na reforma do Judiciário, se aprovada a súmula vinculante, as decisões do Supremo Tribunal Federal (STJ) não podem ser contestadas por outras instâncias. O deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP) é contra, e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) defende a mudança. Pág. 14
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De 15 a 21 de abril de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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NOSSA OPINIÃO
Um Vietnã para Bush
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eorge W. Bush é comunista, escreveu o economista Paul Krugman no New York Times, claro que em tom jocoso, para dizer que nenhum chefe de Estado conseguiu fazer tão mal ao sistema capitalista quanto o atual presidente dos Estados Unidos, com o envolvimento de seus colaboradores em escândalos bilionários e com sua política truculenta em todas as esferas. George Bush é islâmico, pode-se dizer agora. A invasão do Iraque, iniciada há um ano, marcada pela brutalidade das forças ocupantes, pela arrogância imperial, pelo ataque militar a mesquitas, pela humilhação imposta a Sadam Hussein – conseguiu criar um clima inédito de aliança entre sunitas e xiitas, algo considerado totalmente impossível até a decisão de Bush de ocupar Bagdá. Um ano depois, o presidente estadunidense está numa enrascada feia. “O Iraque é o Vietnã de Bush”, afirmou o senador Edward Kennedy. Isso tem uma conotação muito forte nos Estados Unidos. Vietnã é sinônimo de derrota moral e política. A invasão do Iraque foi um erro, disse à rede CNN, na mesma linha
de Kennedy, o insuspeito Zbgniew Brzezinski, assessor de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter e um dos “cérebros pensantes” da estratégia geopolítica dos Estados Unidos. Após a invasão do Iraque, afirmou Brzezinski, os Estados Unidos se isolaram do mundo, perderam a autoridade política e agora enfrentam uma batalha que será impossível vencer. “Mas não podemos simplesmente abandonar o Iraque. Nossa única chance é a atual administração convencer a ONU a assumir.” Difícil imaginar como Bush fará isso, após a humilhação por ele imposta à ONU, após o resultado das eleições na Espanha, quando a população claramente exigiu a retirada das tropas espanholas do Iraque, e após os últimos lances da guerra, que demonstram a força da resistência à ocupação imperialista. No final das contas, tudo se resume a isso: a força da resistência dá uma extraordinária lição aos que se julgavam os donos do mundo. Resistência heróica e armada do povo iraquiano, mas também po-
lítica dos povos de todo o mundo que manifestam sua solidariedade, em particular de espanhóis, ingleses, italianos e agora japoneses que tomam as ruas centrais das capitais de seus países para exigir o fim da ocupação. Há um ano, o imperialismo estadunidense ignorava a ONU e impunha a sua vontade. Bush aparecia aos olhos do mundo como um novo César, todo-poderoso, imbatível. Ninguém dava real atenção às poucas vozes que anunciavam o desastre que se avizinhava para Bush. Agora, o resultado aparece aos olhos do mundo: o criminoso fundamentalista da Casa Branca está numa enrascada. É muito cedo para prever o que acontecerá ao Iraque. É possível imaginar uma série de cenários – da eclosão de uma guerra civil sem quartel que culminará com a divisão do país em três setores (xiita, sunita e curdo) à formação de uma liderança unitária como resultado da luta antiimperialista. Independentemente disso, os iraquianos já deram uma imensa contribuição aos povos da Terra.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES PROPRIEDADE PRIVADA Aqueles que invadem estas terras há mais de 500 anos roubando e matando são, nos dias de hoje, justamente os que mais defendem o que chamam de "sagrado direito à propriedade privada". Afinal, que direito sagrado é esse? Por acaso, quando aqui chegaram invadiram terras desocupadas, onde estavam vivendo milhares de seres humanos que chegaram antes. Então, que história é essa de invadir e se proclamar donos da terra, que eram de outros? Os próprios dados da ONU dão conta de que mais da metade das terras brasileiras estão realmente concentradas em mãos de pouca gente. E o que é pior é que em sua maioria são improdutivas. E não é que os descendentes desses ladrões de terras, agora sob a mira de uma provável reforma agrária, estão a reclamar. E, veja-se bem, não serão expulsos nem roubados. Serão indenizados conforme reza a Constituição Federal. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS) FOLCLORE BRASILEIRO Lendo o Brasil de Fato, edição número 51, tive a impressão de que o jornal é a luz no fim do túnel que tanto procuro. Estava em uma escola pública em março, quando notei que em nenhum dos cursos ministrados os personagens do folclore brasileiro eram citados. Sabemos que a grandeza de um povo se faz com sua história, costumes e tradições. Infelizmente percebo que no Brasil os meios de comunicação de massa, que estão nas mãos dos privilegiados que se dizem brasileiros mas que não passam de testas de ferro do capital internacional, não têm interesse em preservar a cultura brasileira. Diariamente procuram
atacar nossas crianças, nossos jovens e a nós mesmos com o lixo cultural enlatado estadunidense. A intenção é lucrar com a cultura da mentira, puramente comercial e de mau gosto, além de controlar a vida do brasileiros destruindo nossa história, costumes e tradições. Edson Maciel Araçatuba (SP) LÉLIA ABRAMO Ainda que por pouco tempo, tivemos o privilégio de conhecer, trabalhar e partilhar da amizade deste ser humano excepcional que com firmeza, sobriedade, integridade, coerência, despojamento, lucidez, perseverança, inteligência, sensibilidade e refinamento pautou sua existência pelo comprometimento com a emancipação econômica, política, cultural, ética e estética do homem, em particular do brasileiro, buscando contribuir da melhor maneira com a construção do Brasil como uma Nação verdadeiramente independente e soberana, sobretudo, ante ao imperialismo, sua globalização neoliberal, bem como com a causa internacionalista dos trabalhadores. Sua percepção e defesa de recuos táticos e estratégicos face a condições estruturais e conjunturais desfavoráveis à realização do programa máximo da classe trabalhadora, jamais significou o abandono das bandeiras, símbolos, conteúdo e sentido da luta das maiorias exploradas e marginalizadas pelo capital. Sua perspectiva e exemplo continuará a inspirar nossa cotidiana militância socialista. Lélia Abramo, sempre. Agenor Mônaco por correio eletrônico
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CRÔNICA
Este labirinto chamado Brasil Luiz Ricardo Leitão Saio do cinema de alma lavada, depois de assistir a Glauber, o filme Ð labirinto do Brasil, último documentário do diretor Silvio Tendler, que há décadas vem pesquisando figuras e eventos de Pindorama para impedir que fatos significativos da nossa história venham a ser esquecidos. Não é tarefa simples render uma homenagem tão sincera e sensível a Glauber Rocha, esse ícone do Cinema Novo que se tornou o mais laureado cineasta brasileiro. Afinal de contas, ele era uma autêntica metralhadora giratória, que disparava sem descanso à direita e à esquerda, motivo pelo qual iria terminar seus dias incompreendido por pares e ímpares. Entre o sonho e a vigília, entre a lucidez e a paranóia, avulta em sua obra a mesma solidão intelectual que afligira o carioca Lima Barreto no início do século 20, ao denunciar com um sarcasmo impiedoso a hipocrisia e desfaçatez das elites tupiniquins. O cinema de Glauber é uma experimentação frenética em busca de uma síntese da alma de seu país. Lutara
sofregamente pela construção de um projeto nacional, ao lado de uma fecunda geração que atingira a sua maturidade entre as décadas de 50 e 60, artistas e pensadores do porte de Antônio Cândido, Caio Prado Jr, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Leon Hirshman, Nélson Pereira dos Santos e tantos outros. Chorei copiosamente na cena do funeral, quando várias dessas personagens povoam a tela com sua aura de talento e inquietude. Compreendo, mas lamento que a família tenha proibido durante anos essas imagens. São o ponto alto do documentário. Ouvir o discurso de Darcy, ainda que 20 anos mais tarde, soou como uma epifania, um alumbramento em meu espírito. Ele estava consciente de que seu grupo se esforçara, mas fracassara. Nossa história continuava uma triste solução de continuidade que, às vésperas de uma vitória, sempre se converte em nova frustração. A Intentona em 35, Jango em 64, a luta armada nos anos de chumbo (e, após a morte de Glauber, as Diretas Já em 84)... Todavia, no adeus à
beira do túmulo, promete ao amigo que a utopia jamais fenecerá: algum dia, o sertão vai virar mar e o mar, virar sertão... Em uma recente entrevista à TVE-RJ, sabatinado por Fernando Pamplona, Silvio Tendler confessa que o seu território de atuação ainda é a realidade social objetiva, e não o corpo individual, sobre o qual muitos jovens de hoje inscrevem a sua frágil experiência existencial. Voltei a pensar em Lima, Darcy, Glauber. Como eles suportariam este arremedo de mundo carente de projetos revolucionários, sem o sonho coletivo da libertação nacional? Espero que esses argonautas estejam velando por nós, passageiros da eterna viagem à utopia, e nos ajudem a redesenhar os caminhos de um labirinto chamado Brasil. Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e prof. adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana , é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Edit. Ciencias Sociales, Cuba).
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De 15 a 21 de abril de 2004
NACIONAL MORADIA
Sem-teto vão às ruas pedir casa Luís Brasilino da Redação
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ovimentos que lutam por habitação programam um mês de mobilizações, para pressionar o governo federal a investir mais recursos no setor. No dia 6, foi lançada, em São Paulo (SP), a Campanha Nacional em Defesa do Fundo e do Conselho de Moradia Popular. Antonio José, do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), explica que a mobilização “não é só por casa. Quando falamos de moradia, tratamos de saúde pública, saneamento básico, educação, entre outras coisas necessárias para uma pessoa sobreviver com dignidade”. Os movimentos sociais lutam por um fundo de moradia popular que funcionaria no Ministério das Cidades, basicamente com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do orçamento da União. “A meta é atender os 16 milhões de brasileiros que não têm onde morar”, calcula Benedito Roberto Barbosa, o Dito, da Central de Movimentos Populares (CMP). As verbas seriam aplicadas na construção de casas populares, regularização fundiária, apoio jurídico a famílias em situação de despejo, atendimento a moradores de cortiços em áreas centrais ou degradadas e em loteamentos populares. Com o objetivo de conquistar esses direitos, os trabalhadores estruturaram a campanha em três
fases. A primeira etapa, até dia 19, será de organização dos comitês estaduais unificados com as quatro entidades nacionais de luta por habitação envolvidas com a mobilização (além da CMP e do MNLM, a Confederação Nacional das Associações de Moradores - Conam e a União Nacional por Moradia Popular - UNMP).
Anderson Barbosa
Campanha nacional de mobilização quer pressionar governo a investir recursos no setor de moradia popular
PROJETO LENTO No dia 19, começa a segunda fase, na qual os trabalhadores farão manifestações de rua em todo o Brasil. Por fim, vão a Brasília, dia 12 de maio, acompanhados de representantes estaduais para exigir uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Barbosa conta que o encontro foi prometido por Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência, em reunião realizada em fevereiro com as quatro entidades. Na verdade, o que as entidades
Movimentos lançam campanha para atender os 16 milhões sem moradia
querem é simplesmente a aprovação de um projeto de lei em tramitação na Câmara Federal desde 1992. “A campanha vem de 1991, quando entramos na luta para ter um programa nacional de habitação
para famílias de baixa renda (até três salários mínimos)”, esclarece Barbosa. Nessa época, Conam, CMP, MNLM e UNMP estiveram mobilizados, durante um ano, e re-
colheram mais de um milhão de assinaturas favoráveis à sua luta. Trata-se do primeiro projeto de iniciativa popular do Brasil depois da Constituição de 1988, o Projeto de Lei (PL) nº 2710/92, que prevê a criação de um fundo e de um conselho nacional de moradia popular. Segundo Barbosa, nesse período o projeto foi ampliado. Seria como um SUS (Sistema Único de Saúde) da habitação, com conselhos nacional, estaduais e municipais e fundos municipais. Em abril de 2003, finalmente o projeto foi aprovado na última comissão exigida. Contudo, até o momento, não foi colocado na pauta do plenário. “Lula defende a proposta desde a época em que era sindicalista e, em outubro de 2003, já como presidente, reafirmou seu apoio durante a Conferência das Cidades. Só que, um ano e meio de governo depois, o projeto ainda não foi aprovado”, cobra Barbosa.
Ameaçados de despejo fazem protesto Juliana Lanzarini e Gustavo Barreto do Rio de Janeiro (RJ) Cerca de 20 pessoas, representando 20 famílias ameaçadas de despejo pela Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária, no Rio, ocuparam o prédio da cúria do Rio de Janeiro, no dia 6, pedindo que a arquidiocese e a Pastoral da Favela não apoiassem a reintegra-
ção de posse movida pela entidade religiosa. Os sem-teto ocuparam o prédio da Rua Pedro Alves, no Centro, vago há mais de 10 anos, com pendências de impostos e que, por lei, poderia ser desapropriado por não cumprir função social. Os ameaçados de despejo acamparam na portaria do prédio da cúria carioca, onde foram recebidos pelo vigário episcopal Manuel de Oliveira Ma-
nangão, o coordenador da Pastoral das Favelas, cônego Luiz Antônio Pereira Lopes, e Cândido Feliciano da Ponte Neto, representante da Procuradoria da Arquidiocese do Rio, a chamada “cúpula da Arquidiocese”. Maicon de Almeida, líder do Comitê de Resistência Popular, acusa a Irmandade da Candelária de não recebê-los. “Eles se recusaram inclusive de participar de um progra-
ma de rádio para debater a questão. Antes que qualquer diálogo possa ser aberto, eles enviam à Justiça a ação para nos despejar”, disse. Uma nova carta, enviada à Justiça, não só defende a integridade física daqueles que habitam o edifício, mas também sua “dignidade humana”, qualificando o despejo como uma forma grave de violência. O líder dos sem-teto considerou a carta uma “vitória absoluta”.
POVOS INDÍGENAS
Claudia Jardim da Redação Em nome da soberania nacional, diminuir em 30% os 1,68 milhão de hectares já demarcados na reserva indígena Raposa Serra do Sol. Esse é o argumento utilizado pelo deputado federal Lindberg Farias (PT-RJ), relator da Comissão Externa da Câmara Federal, para que a homologação da reserva indígena, em Rondônia, não seja feita em área contínua, como defendem as nações indígenas e grupos indigenistas. No texto proposto por Farias, a homologação da terra Raposa Serra do Sol deve ser feita excluindo o município de Uiramutã e as áreas ocupadas pelos produtores de arroz. O relatório do deputado defende ainda a criação de uma faixa territorial, de 15 quilômetros, nas áreas de fronteira com a Guiana e a Venezuela. Farias justifica a intenção dizendo que é para impedir que uma reserva indígena de outro país venha a ser contínua com a do Brasil, evitando que “se tornem uma nação autônoma”. A decisão, duramente criticada pelos grupos ligados aos povos indígenas, também contrariou deputados da Comissão. Para o deputado federal Eduardo Valverde (PT-RO), a homologação em área contínua protege as fronteiras e facilita o acesso da Polícia Federal à terra, diferente do que aconteceria em uma área privada. Para Valverde, não há o que temer, já que a própria Constituição garante uma faixa de 150 quilômetros para proteção militar, 10 vezes maior do que a reivindicada pelo relatório. “Isso é uma demonstração de preconceito. Os povos indígenas não estão à parte da sociedade, eles também são e se consideram brasileiros”, afirma.
DÍVIDA HISTÓRICA Com a maioria dos deputados a favor do relatório, Valverde e a deputada federal Perpétua Almeida
Evaristo Sá
Proposta redução de área demarcada
Lideranças indígenas pressionam governo para assinar decreto de homologação das terras Raposa Serra do Sol
(PCdoB-RO) pretendem adiar a leitura do relatório, que deve ocorrer nos próximos 15 dias, para ampliar as discussões na Câmara. “Queremos que o presidente Lula tome a decisão”, explica. Há atualmente no país 794 terras
indígenas, das quais apenas 268 registradas e 83 homologadas. Considerando que o Estatuto do Índio, de 1973, estabelecia o prazo de cinco anos para a realização de todas as demarcações de terras indígenas e a Constituição de 1988 colocava no-
vamente o mesmo prazo, o atraso no processo é grande. O caso da terra Raposa Serra do Sol é considerado emblemático. “É a última grande área ainda pendente habitada por diferentes povos que configura o conceito de parque, e
infelizmente vem sofrendo grandes embates para ser oficialmente demarcada”, lamentou Artur Nobre, diretor de assuntos fundiários da Fundação Nacional do Índio (Funai) durante o debate “Respeito aos direitos indígenas é bom e nós gostamos!”, dia 12, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Para a antropóloga Carmem Junqueira, que integra o Conselho Indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai), de caráter consultivo e de apoio técnico, científico e cultural, os povos indígenas são os legítimos donos dessas terras demarcadas, não importando a localização e dimensão delas. “Não se trata apenas de fazer justiça social, mas de reparação histórica baseada na ética, para garantir aos remanescentes a terra que era deles e que eles necessitam”. A semana que celebra a cultura indígena será marcada por protestos em Brasília, para pressionar o governo federal a homologar a reserva em área continua. (Com Agência Carta Maior www.agenciacartamaior.com.br)
DIREITOS HUMANOS
Militantes continuam a ser criminalizados Tatiana Merlino da Redação “Estou sendo vítima de uma armação”, afirma Luiz Gonzaga, da direção da Central dos Movimentos Populares (CMP). Conhecido como Gegê, o militante teve sua prisão decretada, dia 5, por co-autoria em homicídio. A alegação é que “trata-se de pessoa que, em liberdade, poderá obstar a aplicação de lei penal, e que representa risco à ordem pública”. Ele está na carceragem superlotada do 1º Distrito Policial, em São Paulo. Para Gegê, sua prisão significa a continuidade
da “campanha de criminalização dos movimentos populares”. Tudo começou em 2000, quando 80 famílias do Movimento de Moradia do Centro (MMC) receberam autorização do Estado para ocupar uma área no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo. Em abril de 2001, a região começou a ser disputada por marginais, que queriam o controle da área. “Fomos muito ameaçados por bandidos infiltrados”, lembra. Como medida de precaução, os coordenadores que estavam sendo ameaçados foram retirados temporariamente do local. Em 18 de agosto de 2002, um
acampado foi assassinado. Testemunhas ligadas aos bandidos declararam ter visto Gegê dando fuga aos executores do crime. Na época, ele prestou depoimento, apresentou testemunhas que estiveram com ele naquele dia e respondeu às intimações do inquérito policial. Mesmo assim, a juíza do Primeiro Tribunal do Júri decretou sua prisão, sob acusação de co-autoria em homicídio. Gegê acredita que casos como o seu não aconteceriam se os movimentos sociais tivessem “permanecido nas ruas desde o primeiro dia do governo Lula”. Em vez disso, afirma, “ainda estamos festejando”.
Segundo ele, a campanha de criminalização dos movimentos sociais mudou de foco, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para os de luta por moradia. “Eu não posso vacilar. Se um cachorro for atropelado, é possível alguém dizer que foi o Gegê”, lamenta o coordenador da CMP. Ironicamente, dia 13, enquanto Gegê estava no 1º Distrito Policial, o Diário Oficial da União publicou sua nomeação como membro do Conselho das Cidades, do Ministério das Cidades. Dia 14, os advogados de Gegê entraram com o pedido de habeas corpus.
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Espelho da mídia
NACIONAL GOLPE DE 64 Folha Imagem
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Roberto Marinho defende o golpe O dono das Organizações Globo, Roberto Marinho, foi um dos que conspiraram para o golpe militar de 1964. Em editorial no jornal O Globo, de 7/10/1984, intitulado, “Julgamento da revolução”, ele assume sua participação no golpe e defende os ditadores: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. (...) Prosseguimos apoiando o movimento vitorioso desde os primeiros momentos de correção de rumos até o atual processo de abertura, que se deverá consolidar com a posse do novo presidente. Temos permanecido fiéis aos seus objetivos (...) Embaixador estadunidense no Brasil pediu que os EUA enviassem navios petroleiros com gasolina e lubrificantes para facilitar as operações militares golpistas
Lula recebe jornalistas I 7 de abril, “Dia dos jornalistas”, o presidente da República recebeu no Palácio do Planalto uma comitiva de jornalistas. Na oportunidade, o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal apresentou documento solicitando a Lula um outro modelo de comunicação, com as concessões públicas submetidas ao controle social. “A base desse novo modelo deve ser o reconhecimento de que comunicação é atividade essencialmente social, que não pode ser rebaixada à condição de uma atividade comercial qualquer”, diz o documento. Lula recebe jornalistas II Na ocasião, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também entregou documento ao presidente. A federação solicita a criação do Conselho Federal de Jornalismo. A presidente da Fenaj, Beth Costa, assumiu a editoria internacional do Jornal Nacional, na TV Globo. Seu nome já aparece nos créditos. O tempo não passa “Nem uma palavra do que ele disse será impressa. Você se esquece dos editores. O que determina o salário que eles recebem são as políticas que eles mesmos traçam, e essa política consiste em não dizer nada que coloque em risco o sistema. (...) A imprensa estadunidense? É um parasita que engorda às custas da classe capitalista. Sua função é servir o sistema moldando a opinião pública e desempenha essa função muito bem”. O texto faz parte do romance Tacão de ferro, de Jack London, p. 95, Ed. Boitempo, 2002. Sua primeira edição é de 1907. Comunitárias: governo denunciado à OEA O governo Lula pode ser chamado a se explicar na Organização dos Estados Americanos (OEA) devido à repressão às rádios comunitárias. O relator de “Liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos”, da OEA, Eduardo A. Bertoni, em visita à Câmara dos Deputados, recebeu (dia 12/3) da Rede Brasil de Comunicação Cidadã (RBC) dossiê descrevendo a violência praticada pela Polícia Federal e pela Anatel. O dossiê inclui relatos de invasão de domicílio, agressão física, constrangimentos diversos, apreensão de equipamentos, prisão ilegal.
EUA ajudaram a derrubar Jango Documentos comprovam que presidente Lyndon Johnson autorizou ação militar estadunidense Tatiana Merlino da Redação
Entre os documentos, há telegramas secretos enviados pelo embaixador estadunidense no Brasil, Lincoln Gordon, nos quais pressiona Washington para que apóie diretamente os golpistas, conduzidos pelo chefe do Estado Maior do Exército, general Humberto de Alencar Castello Branco. “Usar nossa influência a fim de ajudar a impedir um grande desastre aqui – que pode tornar o Brasil a China da década de 60. Isso é o que tanto eu como todo os meus conselheiros acreditamos que o nosso apoio deveria fazer”, escreveu Gordon ao De-
O
grupo de pesquisa não-governamental National Security Archive, de Washington, nos Estados Unidos, divulgou, dia 31 de março, documentos e uma fita de áudio que mostram o expresidente estadunidense Lyndon Johnson oferecendo suporte para derrubar o presidente João Goulart (Jango). “Podemos adotar todos os passos que quisermos. Estamos preparados para fazer tudo o que for preciso”, disse o presidente Johnson aos seus ajudantes referindose aos preparativos para um golpe no Brasil em 31 de março de 1964. A divulgação desses arquivos põe fim na antiga polêmica sobre o envolvimento do governo dos Estados Unidos na derrubada do presidente João Goulart.
TELEGRAMAS SECRETOS
partamento de Estado, Casa Branca e responsáveis da CIA em 27 de março de 1964. Para assegurar o “êxito” do golpe, Gordon recomendou “que fossem tomadas medidas o mais breve possível para preparar a entrega clandestina de armas de origem não-estadunidense a serem disponibilizadas aos apoiadores de Castello Branco em São Paulo”. Num telegrama a seguir, Gordon sugeriu que essas armas fossem “pré-posicionadas antes do eclodir da violência”, a fim de serem usadas por unidades paramilitares e “militares amigos contra militares
Nivaldo/Acervo Última Hora/Folha Imagem
Sugestão de leitura Já está nas livrarias a segunda edição (revisada e ampliada) do livro de Venício Lima, Mídia: teoria e política (Fundação Perseu Abramo). Para quem se interessa pela relação (raramente limpa) entre a grande imprensa e o poder político, eis um excelente trabalho.
hostis, se necessário”. Para esconder o papel dos Estados Unidos, Gordon recomendava que as armas fossem entregues por “submarino não identificado e desembarcadas à noite em pontos isolados do litoral do Estado de São Paulo”. Os telegramas de Gordon também confirmam medidas encobertas da CIA “para ajudar a fortalecer forças de resistência” no Brasil. Isso incluiu “apoio encoberto para comícios de rua pró-democracia... e encorajamento de sentimento democrático e anti-comunista no Congresso, nas forças armadas, entre grupos de trabalhadores e estudantes amigos, igreja e negócios”. Quatro dias antes do golpe, Gordon informou Washington de que “podemos pedir um modesto financiamento suplementar para outros programas de ação encoberta no futuro próximo”. Ele também pediu que os EUA enviassem navios petroleiros com gasolina e lubrificantes para facilitar as operações militares golpistas, e para instalar uma força-tarefa naval a fim de intimidar apoiantes de Goulart e ficar em posição de intervir militarmente se o combate se tornasse prolongado.
Na fita de áudio, Lyndon Johnson recebe um telefonema no seu rancho no Texas. O Subsecretário de Estado, George Ball, e o Secretário Assistente da América Latina, Thomas Mann, resumem a mobilização militar no Brasil. Johnson então instrui o subsecretário do Estado para que os Estados Unidos participem da mobilização ativamente, mas de forma discreta.
Por causa de boatos sobre a renúncia de João Goulart, estudantes do Mackenzie fazem manifestações pelas ruas e comício no Centro da capital paulista
A íntegra do documento está na intenet, na página www.gwu.edu/ ~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB118/ index.htm#docs
Nos anos 60 a Guerra Fria chegava ao auge e, no Brasil, a situação era de instabilidade política. Em 1961, o presidente Jânio Quadros condecora Che Guevara, causando irritação na Casa Branca. Sete meses depois da posse, Jânio renuncia à Presidência. Num momento em que qualquer tipo de esquerdismo era visto como sinal de perigo, o presidente abria caminho para um governo mais à esquerda, com a posse de seu vice, João Goulart (Jango). Um dia antes da renúncia de Jânio, Lincoln Gordon foi nomeado embaixador no Brasil pelo presidente John Kennedy – cargo em que se manteve mesmo depois da morte de Kennedy, em 1963. Com a crise política no país, ampliou sua influência e teve desempenho crucial nas decisões estadunidenses sobre o golpe. Intervindo nas decisões sobre reformas e leis ou preparando o golpe com governadores e militares, Gordon foi peça fundamental para implantação das ditaduras na América Latina. Sua influência era tão grande
Ele acredita que como “a política econômica não era liberalizante em relação ao capital estrangeiro”, a Casa Branca foi ficando cada vez mais avessa ao governo Jango. O cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de livros como O governo João Goulart e Brasil, Argentina e Estados Unidos – Da Tríplice Aliança ao Mercosul, lembra que as ações estadunidenses tiveram a maciça colaboração das oposições locais. “A CIA não somente aliciou empresários, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, governadores, mas também jornalistas, donas de casa, estudantes, dirigentes sindicais, padres e camponeses, enfim, elementos de todas as classes e categorias da sociedade civil brasileira”, diz Moniz em seu livro O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil (1961-1964). Para o professor Marco Antonio Villa, historiador do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (Ufs-
car) e autor do livro Jango – Um perfil (1945 - 1964), o apoio dos Estados Unidos não foi decisivo para que os militares brasileiros levassem adiante o golpe contra o governo João Goulart. Em sua opinião, foi um golpe tipicamente brasileiro, decorrente das contradições internas do país. Entretanto, ele lembra que os estadunidenses estavam dispostos a fornecer armas e munições aos militares brasileiros caso o país mergulhasse numa guerra civil: “Os Estados Unidos não aceitariam uma nova Cuba na América Latina”. Acreditar que os EUA sustentaram sozinhos o golpe de 64, avalia Villa, é tirar a responsabilidade de João Goulart, da direita e da esquerda brasileiras. Segundo o autor, Jango não tinha projeto de governo, fez das reformas de base uma peça de marketing e empurrou o país para a crise. “A direita considerava a democracia um obstáculo para o desenvolvimento nacional”, diz ele. (TM)
Documentos divulgados 40 anos depois do golpe mostram o apoio dos EUA à derrubada de João Goulart
que militantes de esquerda criaram o bordão: “Chega de intermediários, Lincoln Gordon para presidente”.
POLÍTICA NACIONALISTA A rejeição ao governo Jango foi aumentando na medida em que a política econômica se tornava mais nacionalista. “Havia pressão popular por reformas, o tema da reforma agrária vinha crescendo muito”, diz o economista Reinaldo Gonçalves.
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De 15 a 21 de abril de 2004
NACIONAL MOBILIZAÇÃO
Marchas encerram jornada de lutas Bruno Fiúza e Tatiana Merlino da Redação
A
UF
Nº DE OCUPAÇÕES
Nº DE FAMÍLIAS
Alagoas
1
680
Bahia
5
3.356
Ceará
2
270
Distrito Federal
1
300
Espírito Santo
1
192
Mato Grosso
2
1.500
Mato Grosso do Sul
2
350
Minas Gerais
1
400
Paraíba
2
200
Pernambuco
28
7.775
Piauí
1
180
Rio de Janeiro
2
550
Rio Grande do Sul
1
700
São Paulo
11
2940
Sergipe
7
676
liação do MST, é a reforma agrária. “Temos que fazê-la de forma mais ágil e para isso uma das necessidades fundamentais é a reestruturação do Incra, com a contratação de novos funcionários e mudança da mentalidade de trabalho”, afirma Baggio, lembrando que o “governo do Paraná é um grande aliado contra o latifúndio”.
VIOLÊNCIA CONTINUA Oito anos depois do maior massacre de trabalhadores rurais da história recente do país, a situação de violência contra trabalhadores rurais no Sul do Pará continua a Cláudio Pinheiro/ Imapress/AE
jornada de lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que marca o Dia Internacional de Luta pela Reforma Agrária (17 de abril), atingiu 14 Estados onde mais de 20 mil famílias estão acampadas. Até o fechamento desta edição, dia 13, 67 propriedades haviam sido ocupadas pelos trabalhadores rurais desde o dia 27 de março. Diversas marchas por todo o país devem encerrar a jornada, dia 17, para lembrar o massacre de Eldorado dos Carajás (veja o texto abaixo). Cerca de dez mil pessoas são esperadas no ato que vai acontecer na chegada de duas marchas à “curva do S”, local do massacre. Na mesma data, outra marcha deve chegar à capital do Estado, Belém. Em Curitiba (PR), cerca de cinco mil pessoas reuniram-se para uma semana de debates sobre reforma agrária. No primeiro dia do seminário, 13, João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, e Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) discutiram os “dilemas da situação do país, que são a economia e a reforma agrária”, segundo Roberto Baggio, da coordenação estadual do movimento. “Em relação à economia, o país só pode recuperar sua soberania se romper com o FMI”, lembra ele. O outro dilema da sociedade, na ava-
MOBILIZAÇÕES DO MST NO PAÍS
Arnaldo Alves/ Gazeta do Povo/ Folha Imagem
Milhares de trabalhadores rurais sem-terra vão se encontrar no local onde há oito anos aconteceu o massacre de Carajás
mesma. A diferença, segundo Raimundo Nonato de Souza, coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará, é que essa violência se tornou mais “qualificada”: os fazendeiros perceberam que é mais eficaz matar lideranças e pararam de realizar grandes matanças no campo para concentrar sua ação nas cidades, escolhendo alvos selecionados. Antônio de Souza Carvalho, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) do Pará, conta que são assassinados líderes de sindicatos de trabalhadores rurais a cada dois meses, aproximadamente. Crimes de lideranças que geram mais repercussão são feitos num intervalo de oito meses a um ano. Segundo Carvalho, em 2003 foram assassinadas quatro lideranças em todo o Estado e, em 2004, mais duas. A última vítima foi José Ribamar, tesoureiro do sindicato dos trabalhadores rurais de Rondon do Pará, morto dia 7 de fevereiro. Os assassinatos de trabalhadores rurais, no entanto, não se restringem à morte de lideranças. Dados da
Ato em homenagem às vítimas da violência no campo, em Curitiba
Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que, no ano passado, dos 71 trabalhadores rurais assassinados no país, 33 morreram no Pará, sendo que cerca de 60% dos casos aconteceram na região Sul. Juvelino Strosake, advogado do setor de direitos humanos do MST, explica que essa é a região do país onde o desrespeito aos direitos humanos é mais grave: “A miséria que existe no Pará é uma miséria absoluta. A ausência do Estado democrático de direito é total. O lati-
fúndio controla todos os poderes. É um feudalismo. Não dá para analisar o Pará com os parâmetros que nós temos no Centro-Sul”. Strosake lembra que, do ponto de vista econômico e político, nada mudou para as famílias do Sul do Pará, de 1996 até hoje. A situação continua a mesma e as condições que geraram o massacre de 17 de abril de 1996 podem gerar outro: “O massacre de Carajás só ocorreu em razão da inexistência de uma política de reforma agrária”.
Família de sem-terra, integrante da marcha, que segue até Belém
Assassinos de Carajás continuam impunes Dia 17 de abril o Brasil comemora mais um triste aniversário: os oito anos do massacre de Eldorado dos Carajás, o maior massacre de trabalhadores rurais da história recente do país. O episódio chamou a atenção do mundo inteiro para a luta pela reforma agrária brasileira e passou a ser lembrado como o Dia Internacional de Luta pela Terra. Tudo começou em março de 1996, quando cerca de 2 mil famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) decidiram marchar rumo a Belém para pressionar o governo federal a desapropriar a Fazenda Macaxeira, uma área de 42 mil hectares próxima ao município de Curionópolis, no Sul do Pará. Dia 16 de abril a marcha decidiu bloquear a rodovia PA – 150, na altura do município de Eldorado dos Carajás, como tentativa de forçar uma negociação com o governo. Foi então que duas tropas da Polícia Militar, uma vinda de Marabá, sob o comando do coronel Mário Pantoja, outra de Paraupebas, sob as ordens do major José Maria Oliveira, se encontraram na “curva do S”, ponto onde os trabalhadores bloqueavam a rodovia, e iniciaram uma operação para desbloquear a estrada de “qualquer maneira”. A operação resultou em uma chacina que teve como saldo a morte de 19 trabalhadores sem-
terra e 69 feridos. A apuração dos culpados pelo massacre transformou-se no maior julgamento da história do país, cujos réus foram os 145 policiais militares envolvidos na operação. O primeiro julgamento aconteceu em agosto de 1999 e inocentou todos os acusados, mas foi anulado por causa de uma contradição entre as questões formuladas pelo juiz ao júri, além de outras irregularidades. Em maio de 2002 foi realizado novo julgamento, que condenou o coronel Pantoja e o major Oliveira. Mas a acusação apelou da decisão por questionar a absolvição dos demais policiais e a defesa apelou por questionar a condenação dos dois oficiais. Atualmente as duas apelações aguardam julgamento. Juvelino Strosake, advogado do MST, explica que a equipe jurídica do movimento atuava como assistente de acusação junto ao Ministério Público do Pará até maio de 2002, quando se retirou do processo, denunciando a parcialidade do poder judiciário do Estado do Pará para julgar um caso como esse. Hoje os advogados do MST esperam a aprovação de um projeto de lei que transfere à Justiça federal a competência de julgar crimes contra os direitos humanos para entrar com pedido de que o julgamento passe para a justiça federal do Pará. (BF)
João Alexandre Peschanski Pirapora do Bom Jesus (SP) “Tenho medo, claro, mas não tem outro jeito”. O trabalhador sem-terra José Roberto de Souza está desempregado há 22 anos. Com sua esposa, Eliosefa, e seus três filhos, ele decidiu lutar “por dignidade e felicidade”, como diz. São 6h41, do dia 9, e, ao lado de 400 outras pessoas, ele participa da ocupação da Fazenda Mian, em Pirapora do Bom Jesus (SP). O latifúndio, de 955,9 hectares, está hipotecado desde 1987, como parte do pagamento da dívida de 40 milhões de dólares da companhia Indústrias Reunidas F. Matarazzo, proprietária da terra, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empresa pública responsável por fazer investimentos em todos os setores da economia. A fazenda estava abandonada há, pelo menos, 15 anos e era explorada, ilegalmente, por uma madeireira, responsável pelo desmatamento de parte da fazenda. Durante uma das assembléias da ocupação, os sem-terra decidiram não permitir o corte de madeira na área. Os trabalhadores reivindicam a desapropriação imediata do latifúndio e a criação de um assentamento no local. Também exigem a realização de uma vistoria das terras públicas na região metropolitana de São Paulo. “Não pode ter terra ociosa enquanto há gente passando fome”, afirmou Juliana Ribeiro, da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Francisco Rojas
Famílias enfrentam o medo
Trabalhadores reivindicam a desapropriação imediata de latifúndio em São Paulo
Até o fechamento desta edição, dia 13, apesar de ter sido procurado pela reportagem do Brasil de Fato, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não se havia posicionado sobre a ocupação e a possibilidade de desapropriação da fazenda.
PRIMEIRA VEZ Durante a ocupação, o trabalhador sem-terra Severino Martins Lacerda confessou estar emocionado. “É a primeira vez que participo de algo assim, com todo mundo lutando junto, com assembléias, e para fazer algo bom: trabalhar e plantar”, afirmou. Alagoano, ele se mudou para São Paulo há 36 anos, onde, segundo ele, não encontra mais emprego por causa da idade – 56 anos – e de um problema na vista. “Não posso ficar parado esperando a morte. Quero trabalhar”, disse. O acampamento, criado a partir da ocupação, se chama dom Pedro
Casaldáliga, em homenagem ao bispo de São Félix do Araguaia (MS), um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os trabalhadores organizaram grupos para manter a segurança do local, montar a infra-estrutura do acampamento, preparar as refeições e cuidar das cerca de 50 crianças que participaram da ocupação. Desde o dia 9, policiais começaram a fazer rondas nas estradas que contornam a fazenda. Segundo a coordenação do MST, não há ordem de despejo – e deve ser iniciada a pressão por parte das pessoas que defendem a reforma agrária para que a área seja desapropriada (isso pode ser feito enviando uma mensagem de correio eletrônico à presidência do Incra: presidencia@incra.gov.br). Segundo Souza, “ser expulso da terra, onde queremos trabalhar, seria um crime pois se a gente sair vai ficar tudo igual, a gente passando necessidade e a terra parada”.
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NACIONAL VIOLÊNCIA URBANA
Genocídio na Baixada Fluminense
Desesperança Os movimentos sociais estão frustrados com a política econômica. Em entrevista a O Globo Jorge Durão, diretor-geral da Associação Brasileira de Organizações NãoGovernamentais (Abong), disse que aquela será a tônica do seminário de avaliação do novo governo, dias 13 e 14, no Rio de Janeiro. Para as ONGs, surpreendeu a aproximação de Lula com os representantes do agronegócio. Embora compreensível o apoio a um setor capaz de ampliar as exportações, há dúvida sobre qual o projeto do governo Lula. “O governo ainda não conseguiu equacionar de maneira clara a relação entre agricultura familiar e o agronegócio”. Adeus às promessas Na mesma entrevista, Durão diz que “Lula não se comprometeu apenas a respeitar os contratos, mas a criar dez milhões de empregos. Sinalizar com a continuidade de uma política que fez o Produto Interno Bruto (PIB) cair, significa dizer que essa meta não será realizada nem em uma pequena proporção. Houve a elevação do superávit primário também. Na Argentina, o presidente Néstor Kirchner estabeleceu um teto de 3% para o superávit nas negociações com o FMI, e ele não tinha a mesma força política do Lula”. ... e a Argentina cresce No primeiro trimestre de 2004, a economia argentina cresceu 10%, em relação ao mesmo período do ano passado, resultado positivo que dá continuidade aos últimos três meses de 2003, quando o país vizinho cresceu 11,3%. É bom lembrar que, em 2002, a economia da Argentina despencou 10,9%. Do muro à cerca de laser Não têm fim as trapalhadas de Luiz Paulo Conde, vice-governador e secretário estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro. Um dia depois de propor a construção de um muro, de três metros de altura, em volta da favela da Rocinha, ele mostrou-se arrependido. Reconheceu que seria inviável a construção, em alvenaria, para tentar impedir a expansão da comunidade e o acesso de bandidos à mata vizinha, que é área de proteção ambiental pertencente ao Parque Nacional da Tijuca. Malhumorado com as críticas de todos os lados, continuou defendendo, contudo, a demarcação dos limites da favela. Em seu mea-culpa, o candidato do PMDB à Prefeitura do Rio disparou: “O muro não faz mais parte do meu vocabulário. Estou arrependido de ter usado essa palavra, desgastada simbolicamente. Minha intenção é ajudar a Rocinha, mas, se todo mundo acha que o muro é ruim, pronto, esquece, pode ser uma cerca de raio laser”. Cabo de aço pode O atual prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL), aproveitou o episódio para criticar o governo Rosinha Matheus (PMDB) que, segundo ele, queria criar “o parque temático da cocaína” na Rocinha. Só esqueceu de lembrar que, na prefeitura, já cercou 40 favelas com cabo de aço para impedir a expansão sobre áreas verdes.
Laura Cassano do Rio de Janeiro (RJ)
Quem é
C
om profundas raízes fincadas na década de 60, especialmente a partir do golpe militar, a violência é peça fundamental na conquista de cargos públicos e faz com que as figuras de líderes políticos se confundam com as de matadores. Na ausência de uma política de segurança pública eficaz, moradores confiam em lideranças muitas vezes envolvidas com grupos de extermínio, numa relação clientelista que só serve de alimento para a impunidade e a corrupção. Em entrevista ao Brasil de Fato, José Cláudio Souza Alves, estudioso das relações de poder e da violência na Baixada Fluminense, deixa claro: “Não se trata de poder paralelo, mas do poder tomado pelos próprios criminosos”. Brasil de Fato – É possível dizer que as mortes na capital do Rio de Janeiro chegam a índices de guerra civil e, na Baixada, de massacre? José Cláudio Souza Alves – A cidade do Rio de Janeiro tem quase 50 homicídios por 100 mil habitantes. Na classificação da Organização das Nações Unidas, áreas com esse índice são consideradas em estado guerra civil. A Baixada tem cerca de 76 homicídios por 100 mil habitantes, 50% a mais! E, pelo caráter permanente de massacre, se poderia falar inclusive em genocídio. No entanto, esses índices são “maquiados”. O encontro de ossadas ou cadáveres e o transporte ou desaparecimento de corpos não são contabilizados. Na Baixada, rios e terrenos baldios viram cemitérios. Desossar cadáveres e colocá-los em sacos de lixos, além da incineração, se tornaram práticas corriqueiras. Ao lado da ossada do Tim Lopez foram encontradas cerca de 200 ossadas, por exemplo. Quem registrou essas mortes? O grande problema é que, em algumas áreas do Rio, mas principalmente na Baixada, não podemos falar de guerra. Quem dera pudéssemos ter aquilo que uma guerra convencional garante: leis para punir abusos, ajuda humanitária, visita de correspondentes estrangeiros, visibilidade na mídia. O que se pratica aqui é um permanente e velado campo de concentração de execução de populações pobres em nome de vários interesses: economia do tráfico, obtenção de controle social, garantia de voto, financiamento de campanhas por comerciantes, operações policiais de fachada, corrupção do aparato policial e queima de arquivos. Apenas 7,8% dos casos de homicídios são investigados, garantindo a impunidade. Testemunhas viram “presentes” de um matador para outro. Brasil de Fato – Como a formação histórica da Baixada influencia a violência da região? Alves – A violência não é fruto de fatores isolados como mudança cultural dos mais jovens, má qualificação do aparato policial, revolta dos mais pobres etc. É preciso analisar a violência do ponto de vista estrutural. A construção da estrutura de poder na Baixada, ou seja, a constituição do Estado, foi feita a partir do uso da violência. Não é que grupos criminosos corromperam o aparelho estatal e agora basta limpá-lo. O próprio Estado é o crime e a violência. Integrantes de esquadrões da morte e de grupos de extermínio são o Estado. Não se consegue alterar um Estado que se constituiu a partir do crime e do homicídio. Querem fazer uma “lavagem de cidadania”,
José Cláudio Souza Alves é morador da Baixada Fluminense e autor do livro Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense. dialogando com o matador que tem meio milhão de votos, como se isso resolvesse. Não basta gerenciar polícia, administrar recursos para equipar e qualificar policiais. De nada valem operações espetaculares, elaboração de leis mais severas, redução de maioridade penal, nem tão pouco humanizar instituições e punir eventuais criminosos. Estou falando de todo um aparelho de poder público determinado pela lógica de grupos que simplesmente assassinaram ao longo de vários anos inúmeras pessoas, ganharam fama e notoriedade, foram financiados pelo poder econômico da região e seus interesses, tiveram apoio dos políticos locais, que terminaram eleitos por uma população entregue ao clientelismo mais desavergonhado e, em última instância, submetida ao terror da violência explícita. Brasil de Fato – Quais as conseqüências desse cenário para a população? Alves – A chegada de matadores ao poder tem efeitos verdadeiramente originais. Não que o binômio clientelismo-terror seja em si original, mas na Baixada ele foi levado às últimas conseqüências. Matadores matam com carteiras de oficial de justiça ad hoc, dadas por juízes que, ainda não satisfeitos, entregam nas mãos desses matadores armas apreendidas pela Justiça em outros crimes. Em uma favela onde fiz uma pesquisa recente, o matador, agora prefeito da cidade, estabeleceu aliança com os traficantes, que fizeram campanha política para ele e seus indicados. Foram cabos eleitorais, fizeram boca-de-urna e usaram armas para impedir a entrada de outros candidatos na favela. Várias igrejas se tornaram base de clientelismo para esses candidatos. Assim, uma rede capilar de favores, acordos, intimidações, poder armado, poder oficial e poder religioso se estabeleceu, num controle quase impossível de ser alterado. Brasil de Fato – Como é o combate aos grupos de extermínio e da luta contra os assassinatos na Baixada?
Alves – No anos 90, duas figuras se destacaram nesse combate. A primeira foi a promotora pública Tânia Maria Salles Moreira, que atuou por sete anos na Comarca de Duque de Caxias. Ela fazia parte da Comissão Especial de Investigação sobre os Homicídios na Baixada, criada durante o governo Brizola. Sua coragem e integridade, associadas a uma atuação brilhante nos processos de julgamento de matadores, possibilitaram a condenação e a prisão de vários deles. Infelizmente, Tânia faleceu no mês passado. Outra figura determinante foi Hélio Luz, que, em 1991, a convite do então secretário de Justiça, Nilo Batista, assumiu a delegacia de homicídios da Baixada. Sua estratégia foi mudar os 16 delegados que atuavam na região. Assim, obteve a redução de aproximadamente 500 homicídios, num universo de 2 mil ao ano. Mas foi afastado no ano seguinte em função de novas composições eleitorais. Os dois são exemplos isolados de dedicação e empenho no combate aos grupos de extermínio. Não encontraram eco nas políticas de segurança, nem seguidores. Revelam mais um empenho individual do que uma estratégia ampla de segurança pública. Mostram que nem tudo está perdido, mas encerram em si mesmos a possibilidade de mudança. Brasil de Fato – Quais são as principais diferenças entre o tratamento dado pela mídia à violência na capital e na Baixada? Por que isso acontece? Alves – Até o final dos anos 80, a violência da Baixada Fluminense rendia mais aos interesses da mídia. Talvez porque a população da Baixada tivesse acesso aos meios de comunicação ou porque a imprensa queria atingir esse público. Nos anos 90, a violência do tráfico de drogas começou a
pautar a mídia a partir do Rio de Janeiro. Entre 1992 e 1993, os casos das mães de Acari, a chacina da Candelária e a chacina de Vigário Geral tipificaram o início de uma nova fase da violência e também da mídia. Mais vendável, a violência do Rio passou também a atingir segmentos da classe média, no que seria uma espécie de “baixadização” do Rio de Janeiro, que passou a ter índices de homicídios cada vez maiores. Essa classe média tornou-se o alvo prioritário das políticas de segurança, pois conseguiu expressar suas opiniões pela mídia, fornecendo, assim, dividendos políticos e, no caso da midia, mercadológicos. Assim, a visibilidade da violência da Baixada foi reduzida. Apenas grandes chacinas ou casos espetaculares são noticiados. O miúdo, os cinco ou seis assassinatos diários, sequer são mencionados. Brasil de Fato – Que medidas poderiam eliminar a raiz política da violência? Alves – A consolidação de entidades, organizações e movimentos que denunciem as reais dimensões da violência e suas várias articulações com a estrutura econômica e política é fundamental. Infelizmente, no Estado do Rio de Janeiro esse tipo de coisa é muito débil. Os movimentos de direitos humanos encontram-se, muitas vezes, liderados pelos interesses dos socialmente capazes de empreender organizações não-governamentais expressivas, em várias parcerias com setores públicos e privados, cujo interesse não é o de empreender ações mais profundas no desvendamento das raízes da violência. O Ministério Público, com exceções, encontra-se subordinado aos interesses políticos e institucionais que lhe prendem ao emaranhado legalista dos usos e costumes que criminalizam determinados segmentos, sobretudo os mais pobres. Repensar a ação dessa instituição seria mais que necessária. Mandatos legislativos que trabalham na linha da denúncia também seria determinante. Contudo, o rolo compressor dos que hoje comandam o Estado torna-se cada vez mais eficaz. A recente retirada do deputado Alexander Molon da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro revela o poder desses setores de silenciar aqueles que passam a denunciar e investigar as relações mais sórdidas entre o crime, o aparato policial e o poder político que disso se beneficia.
Alaor Filho/AE
De novo, o mínimo Às vésperas de mais um 1º de maio, a velha história: haverá ou não aumento real? Nos bastidores, fala-se em R$ 280, valor que significaria um aumento real de 8%. Na Fazenda, a história é outra: o ministro Palocci aceitaria discutir o assunto, mas “qualquer reajuste terá que levar em conta principalmente critérios técnicos”. O deputado Aloizio Mercadante (PT-SP) é mais direto: o reajuste terá o tamanho que o ajuste fiscal permitir. E Paulo Paim (PT-RS) põe o dedo na ferida: o presidente Lula não pode entrar no segundo ano de mandato sem garantir um salário-mínimo de pelo menos 100 dólares (cerca de R$ 289).
Divulgação
Estudioso diz que o Estado do Rio de Janeiro “se constituiu a partir do crime”
Moradores da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, vivem no meio do fogo cruzado entre policiais e traficantes. Dia 12, cerca de 1,2 mil policiais civis e militares ocupavam a região e, no bairro do Estácio, um helicóptero militar foi atingido por tiros de traficantes do Morro de São Carlos.
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NACIONAL DÍVIDA EXTERNA
OAB move ação por auditoria U
ma decisão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) promete recolocar o obscuro tema do endividamento externo na pauta do povo brasileiro. A instituição vai mover uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar o Congresso Nacional a realizar uma auditoria da dívida externa, como determina a Constituição Federal de 1988. No mínimo, o processo pode retirar do ostracismo uma antiga bandeira do Partido dos Trabalhadores (PT). Em discussão, estariam os contratos de uma dívida superior a R$ 1 trilhão que, apesar de ser paga rigorosamente em dia, cresce ano após ano e impede que o Estado faça investimentos em geração de emprego e na área social. Indícios de irregularidades não faltam. Desde 1988, o Congresso tem o dever de realizar uma análise pericial da origem e do destino da dívida brasileira. “Isso foi colocado na Constituição porque os constituintes sabiam que essa dívida externa tem muito de ilicitude. Dizem que houve dinheiro do exterior que foi tomado como empréstimo pelo país, mas nem entrou no Brasil. Não sabemos até que ponto esse dinheiro foi utilizado em benefício do povo brasileiro”, avalia o conselheiro federal da OAB Arx Tourinho, relator da proposta. Para ele, a auditoria da dívida deveria responder à uma pergunta crucial: por que, quanto mais o Brasil paga a dívida, mais ela cresce? “Vivemos para pagar os juros e os serviços dessa dívida, sem conseguir reduzi-la. O país não tem condições de se desenvolver com essa dívida impagável. Todos os brasileiros estão trabalhando para fazer caixa para o governo encaminhar recursos para o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ou resolvemos essa questão, ou jamais vamos ter desenvolvimento social nesse país”, argumenta Tourinho.
O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO Constituição Federal de 1988 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Art. 26. No prazo de um ano, a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro. § 1.º A comissão terá a força legal de comissão parlamentar de inquérito para os fins de requisição e convocação, e atuará com o auxílio do Tribunal de Contas da União. § 2.º Apurada irregularidade, o Congresso Nacional proporá ao Poder Executivo a declaração de nulidade do ato e encaminhará o processo ao Ministério Público Federal, que formalizará, no prazo de sessenta dias, a ação cabível.
“Agora, vamos utilizar um instrumento jurídico-processual para obrigar o Congresso a fazer a auditoria”, destaca Tourinho. O conselheiro é otimista sobre o resultado da ação: “Se o STF fizer um julgamento jurídico da matéria, não tenho nenhuma dúvida de que a ação será julgada favoravelmente. Trata-se de uma norma constitucional”.
INCÔMODO
Em 2000, seis milhões de brasileiros disseram sim à auditoria da dívida
auditoria da dívida externa. A instituição vai procurar, ainda, o apoio de outras organizações, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Não é a primeira vez que a sociedade brasileira inicia um movimento sobre o tema da dívida. Em
2000, seis milhões de brasileiros votaram em um plebiscito popular pela realização de uma auditoria, e pela suspensão do pagamento da dívida externa. Os deputados não se dispuseram a analisar os contratos, mas uma auditoria cidadã foi iniciada por organizações sociais (veja matéria abaixo).
Entre os parlamentares governistas, a notícia causou surpresa. Nenhuma das lideranças comentou o assunto. O único a responder às ligações do Brasil de Fato foi o deputado federal Sigmaringa Seixas (PT-DF), vice-líder do governo, que, por meio de sua assessoria, disse que não se pronunciaria a respeito. Depois de consultar o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, e outras lideranças do governo, Seixas verificou que todos ficaram surpresos com a notícia, e decidiu não comentar a necessidade ou não de uma auditoria da dívida externa. Tourinho não se surpreende com isso. “O Congresso está totalmente omisso em relação a essa questão. Acho difícil que apóie a iniciativa
Marcio Baraldi
Jorge Pereira Filho da Redação
Douglas Mansur
Lideranças governistas não comentam decisão junto ao STF para obrigar Congresso a analisar endividamento
LIGAÇÕES PERIGOSAS Segundo o conselheiro da OAB, a auditoria da dívida externa nunca foi feita porque tem um conteúdo explosivo e pode mexer com a classe dominante brasileira. “Politicamente, não é uma medida conveniente para nossa elite política e econômica. Não tenho dúvidas disso. Esse endividamento externo envolve uma série de ilicitudes e muitas autoridades públicas poderão ser responsabilizadas, assim como ficará transparente a participação criminosa de empresas transnacionais com sede no Brasil”, analisa Tourinho. A ação, aprovada por unanimidade no conselho federal da OAB, deve ser encaminhada ao STF nos próximos dias. Se julgada procedente, o presidente do Congresso, atualmente o senador José Sarney (PMDB-AP), será intimado pelo STF a convocar uma comissão mista para realizar a
porque os parlamentares não têm interesse nem em investigar fatos menores, o que dirá de casos maiores. Eles sabem da repercussão política que isso teria”, avalia o conselheiro da OAB. Alguns parlamentares ouvidos pelo jornal, no entanto, manifestaram apoio à iniciativa. “Sou francamente favorável a uma auditoria da dívida externa. Temos suspeitas que cerca de 40% dos contratos da nossa dívida têm procedimentos irregulares.”, afirma a deputada Dra. Clair Flora (PT-PR), coordenadora da Frente Parlamentar de Acompanhamento da Dívida Pública. Desde outubro, a Frente tem organizado debates na Câmara sobre a questão. “Vamos sugerir aos deputados da Frente propor ao presidente da Câmara criação de uma comissão especial para analisar os contratos da dívida”, promete ela.
ASSUNTO PROIBIDO O líder do PC do B, deputado Renildo Calheiros (PE), também apóia a realização da auditoria da dívida. “A dívida externa é um dos principais problemas do Brasil, hoje. Há uma controvérsia muito grande sobre a origem e o montante da dívida. É uma medida importante da OAB”, avalia o parlamentar. E por que o Congresso não faz a auditoria? “Sinceramente, não sei lhe dizer por quê. Há certos mecanismos que, para utilizá-lo, é preciso uma medida mais dura do Congresso”, explicou. O deputado Sergio Miranda (PCdoB-MG) também defende a auditoria e acusa o governo de acobertar o assunto. “Agora, na aprovação do Plano Plurianual (PPA), o governo trata de todas as despesas de capital. A dívida é claramente uma despesa de capital, mas as únicas despesas que não são tratadas no PPA são a dívida e a sua amortização. Foram retirados do debate para impedir o posicionamento do Congresso”, opina Miranda. Para ele, o governo não avança na discussão da dívida externa para não mostrar a insensatez das contas públicas. “Temos uma situação insólita: o setor público gasta R$ 150 bilhões com juros e apenas R$ 14 bilhões no Sistema Único de Saúde (SUS) Isso é inaceitável e um dia terá de ser contestado”, afirma ele.
Auditoria cidadã constata irregularidades Você tomaria um empréstimo dando ao seu credor o direito de definir e alterar os juros da sua dívida sempre que quisesse? Pois é, saiba que o governo militar fez isso em nome do povo brasileiro. Essa foi uma das conclusões a que chegou a auditoria cidadã da dívida externa, encampada pela Campanha Jubileu Sul. Durante o regime militar, o Brasil contraiu uma série de empréstimos com cláusulas inconstitucionais, que renunciavam, textualmente, por exemplo, ao direito de soberania nacional. No final da década de 70, os Estados Unidos aumentaram os juros e, como resultado, o Brasil enfrentou uma crise sem precedentes.
“Falta respeito ao povo brasileiro, que paga essa conta com sacrifício. Por isso, não é realizada a auditoria. Não há investimento em área social e na criação de emprego”, critica Maria Lúcia Fatorelli, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco), e coordenadora da auditoria cidadã.
AGRESSÃO À SOBERANIA Segundo ela, muitos dos contratos recentes do endividamento brasileiro contêm cláusulas de juros flutuantes, que agridem a soberania popular. “Há muitas questões que devem ser respondidas à sociedade. Várias emissões foram
feitas quando tínhamos dinheiro em reserva. Por que foi feita essa emissão tão onerosa? Além disso, nossas taxas de juros são altas por que nos são impostas pelas agências de avaliação de risco-país. Mas se nós estamos pagando nossa dívida rigorosamente, porque nossas taxas continuam tão altas?”, exemplifica Maria Lúcia. A Unafisco elaborou um estudo, que será divulgado na próxima edição do Brasil de Fato, avaliando contratos do endividamento público desde 1964. A própria disposição constitucional, que obriga o Congresso a realizar a auditoria da dívida, é a comprovação de muitas fraudes no processo. Curioso é que, em 1988,
essa necessidade estava longe de ser uma bandeira de políticos “radicais”. O artigo foi incluído pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, relator de uma comissão que havia constatado uma série de irregularidades no endividamento brasileiro.
PRESSÕES POLÍTICAS “O FHC denunciou que 25% da nossa dívida era de juros sobre juros, o que caracterizava usura sem contrapartida pelo país”, explica Maria Lucia. Como presidente, Fernando Henrique não hesitou em usar do mesmo expediente para aumentar o endividamento do país. Em 1989, uma comissão foi
instaurada pela iniciar a análise da dívida externa. Constatou processos ilegais, como contratos que renunciavam explicitamente às determinações constitucionais. Porém, o trabalho da comissão foi encoberto por pressões políticas. Em 1931, a história teve outro desfecho. O então presidente Getúlio Vargas, impulsionado por uma articulação de 14 países na América Latina, realizou uma auditoria da dívida externa. Constatou que apenas 60% dos contratos de dívida eram legais. “É por isso que o Fundo Monetário Internacional (FMI) exige que os países negociem sua dívida isoladamente. Temem que a história se repita”, avalia Maria Lúcia. (JPF)
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De 15 a 21 de abril de 2004
NACIONAL TRANSGÊNICOS
Na busca do lucro, nada freia a Monsanto Andye Iore/Gazeta do Povo/ Folha Imagem
Estudioso da história e da estratégia de ação da transnacional alerta para a perigosa trajetória da empresa João Alexandre Peschanski da Redação
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Monsanto não tem limites diante de suas pretensões empresariais. Faz acordos com o Exército estadunidense para produzir armas químicas, contamina cidades inteiras, compra indústrias no mundo todo para garantir o monopólio sobre a criação de transgênicos, vende agrotóxicos que têm efeitos perigosos em seres humanos e animais. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o professor estadunidense Brian Tokar, que estuda a história da corporação há 15 anos, aponta essas estratégias da Monsanto e explica o crescimento da transnacional que se tornou uma das mais ricas empresas do mundo.
BF – Em 1901, quando foi criada, a Monsanto era uma pequena usina de produção de sacarina (substância usada como substituto do açúcar). Quarenta anos depois, já era a maior indústria química do mundo. Hoje é uma das mais poderosas corporações, com atuação em dezenas de países. O que desencadeou esse crescimento? Tokar – A Monsanto começou a crescer vertiginosamente durante a Primeira Guerra Mundial, quando provia o Exército estadunidense de matérias-primas como ácido nítrico e tolueno (usado como solvente). Durante a guerra, os lucros da empresa foram multiplicados por cem. A partir daí, começou a comprar pequenas indústrias químicas. Dos anos 40 até hoje, a Monsanto se tornou uma das mais poderosas empresas do Estados Unidos, diversificando sua produção – de materiais usados na indústria a agrotóxicos. A empresa foi uma das pioneiras na pesquisa e produção de herbicidas e pesticidas, muitos dos quais foram proibidos em 1972, por causar danos à saúde. Nos anos 60, criou produtos para desenvolver o famoso Agente Laranja, usado pelo Exército dos Estados Unidos para destruir florestas na guerra do Vietnã. No final dos anos 90, a Monsanto começou a comprar companhias de produção e comercialização de sementes no mundo todo, como forma de promover suas novas tecnologias de engenharia genética. Gastou 8 bilhões de dólares para fazer essas aquisições, incluindo a empresa Sementes Agroceres, a principal produtora de sementes de milho do Brasil.
Fiscais da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do PR interditam venda de agrotóxicos da Basf e Monsanto em Maringá
BF – Qual é o lucro anual da empresa? Tokar – Em 2002, a Monsanto faturou 4,7 bilhões de dólares. Isso representa um declínio de um bilhão de dólares em relação a dois anos atrás. Aproximadamente dois terços do lucro vieram da venda de agrotóxicos; o restante, de sementes geneticamente modificadas. O relatório de 2003 da empresa aponta subsidiárias em países com Argentina, Brasil, Índia e México. BF – A Monsanto detém o monopólio de algum produto? Tokar – A empresa teve a patente do herbicida glifosato, chamado Roundup, até que esta foi extinta em 2000. A partir daí, optou por aumentar a produção e o uso do Roundup, principalmente em milho e soja, porque o preço do Roundup caiu pela metade, com a extinção da patente e o surgimento de versões genéricas. A Monsanto é a única proprietária do hormônio de crescimento bovino o que leva os fazendeiros interessados em usá-lo a se submeter às pressões da corporação. No caso dos organismos geneticamente modificados, a Monsanto tem 90% das seqüências genéticas das sementes comercializadas. BF – O que exatamente é o Agente Laranja? Quais foram as
Quem é
Divulgação
Brasil de Fato – Por que o senhor começou a pesquisar a história da Monsanto? Brian Tokar – No início, interessei-me mais pela Monsanto como ativista político do que como acadêmico. No final dos anos 80, em Vermont, Estados Unidos, pequenos agricultores estavam preocupados com o hormônio de crescimento bovino – um produto geneticamente modificado criado pela Monsanto, que estava prestes a ser aprovado como uma droga para forçar vacas a produzir mais leite. Os pequenos fazendeiros já estavam em uma situação muito difícil e temiam que a aprovação os forçasse a abandonar suas terras, por não terem como competir com os grandes proprietários que fizessem uso do hormônio. Tudo isso ocorreu antes mesmo de descobrirmos que a droga da Monsanto causava problemas de saúde em animais e homens. Comecei então, com outras pessoas, a lutar para que o hormônio não fosse aprovado e, caso fosse, que os produtos que o contivessem fossem rotulados.
Brian Tokar é professor do Instituto de Ecologia Social, em Vermont, Estados Unidos, e ativista político. Autor de diversos livros, como Earth for Sale e The Green Alternative (do inglês, Terra à Venda e A Alternativa Verde), desde o final dos anos 80 ele pesquisa a história e as estratégias da corporação estadunidense Monsanto. Em maio, nos EUA, ele vai publicar Gene Traders: Biotechnology, World Trade and the Globalization of Hunger (Comerciantes de Genes: Biotecnologia, Comércio Mundial e a Globalização da Fome).
conseqüências de seu uso? Tokar – É um poderoso herbicida, criado a partir da mistura de dois produtos da Monsanto, o 2,4-D e o 2,4,5-T, altamente tóxicos e causadores de terríveis conseqüências para o meio ambiente e para os humanos. Por causa dos efeitos do agente, em 1984 a Monsanto teve que pagar 81,9 milhões de dólares a soldados estadunidenses que haviam participado da guerra do Vietnã (1961-1975). Por enquanto, a Monsanto nada fez para compensar e ajudar os milhões de vietnamitas que tam-
bém foram vítimas da exposição ao agente. BF – A Monsanto ainda cria produtos usados militarmente? Tokar – A empresa produz uma nova forma do Roundup, o Roundup Ultra, cem vezes mais potente do que o usada por fazendeiros. O produto está sendo usado pelo Exército estadunidense para destruir plantações de coca na Colômbia e acaba também sendo usado para agredir rebeldes na região. O despejo aéreo de
toneladas do Roundup Ultra levou à destruição de diversas outras plantações locais, como mandioca, banana, cana-de-açúcar e milho, além do envenenamento de rios e lagos. BF – Em diversos países do mundo, principalmente nos Estados Unidos, a empresa foi acusada de promover mortes e catástrofes ambientais. Há alguma documentação desses acontecimentos? Quais foram os mais graves? Tokar – É impossível resumir os casos, pois foram centenas. O mais recente aconteceu no Alabama, Estados Unidos. A cidade inteira de Anniston foi devastada por causa da contaminação do solo pelos herbicidas que a Monsanto produziu no local por mais de 40 anos. A empresa foi considerada culpada e acusada de “ultraje”. Em Alabama, o crime de “ultraje” é um dos mais graves, pois se considera que o crime é tão “ultrajante” que ultrapassa todos os limites da decência e precisa então ser visto como uma atrocidade, intolerável para toda a sociedade. Os advogados imediatamente fizeram um acordo em que acertaram o pagamento de uma multa de 700 milhões de dólares, 600 milhões dos quais iriam diretamente para os habitantes da cidade. BF – No Brasil, há cada vez mais produção e consumo de organismos geneticamente modificados. Que conselhos o senhor daria para o povo e o governo brasileiro sobre os transgênicos e a Monsanto? Tokar – Espero que o governo brasileiro tenha o bom senso de banir novamente os organismos geneticamente modificados. Pessoas no mundo todo estavam olhando para o Brasil como uma fonte de produtos não-transgênicos, mas alguns fazendeiros iniciaram o uso de Roundup para ter lucro imediato, sem se preocupar com as conseqüências a longo prazo. Nos Estados Unidos, muitos agricultores descobriram que quanto mais organismos geneticamente modificados usam, menos lucros têm, por causa da contaminação da terra e da dependência a algumas empresas. Nossos fazendeiros tiveram que aprender do jeito mais difícil e espero que, em outros lugares do mundo, não seja do mesmo modo.
PARANÁ
Governo proíbe herbicidas irregulares Leonardo Franklin de Curitiba (PR) O secretário da Agricultura e Abastecimento, Orlando Pessutti, explicou a decisão do governo do Estado do Paraná de interditar todos os lotes dos agrotóxicos Dormex e Poast, da empresa Basf, e Roundup WG, Transorb e Original, da empresa Monsanto. Os fabricantes serão notificados e receberão uma multa de R$ 16,5 mil por processo em função de informações desencontradas ou mesmo omitidas em bulas e receituários dos produtos. Segundo Pessutti, há risco de danos à saúde humana e ao meio ambiente. Ele cita o caso do Dormex,
em que as informações destinadas aos médicos e paramédicos orientam que não se deve provocar vômito, sendo necessária a utilização de lavagem gástrica. No entanto, na bula autorizada pelo Ministério da Saúde, a informação é que, em caso de ingestão do produto, deve-se provocar o vômito. A Basf, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não foi notificada e, até que isso aconteça, não vai se pronunciar. A Monsanto diz que não recebeu, até o momento, qualquer notificação oficial a respeito da suspensão da comercialização de seus produtos no Paraná e que, portanto, os herbicidas da empresa continuam libera-
dos para a venda no Estado. Segundo nota emitida pela empresa, os herbicidas à base de glifosato (utilizados no cultivo de transgênicos) oferecidos pela Monsanto ao mercado brasileiro, para uso como pré-emergente, estão em conformidade com as normas legais em vigor e com a Lei número 7.802/89, seguindo exigências de informação e rotulagem dos ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O secretário Orlando Pessutti ressalta que essa medida do governo do Estado não faz parte das ações de combate ao plantio de transgênicos. “Esses processos administrativos foram iniciados em
outubro de 2002, antes mesmo das eleições ao governo do Estado”, explica, destacando que esse é um procedimento padrão do Departamento de Fiscalização (Defis). Além das multas, as empresas já tiveram suspensos os cadastros estaduais desses cinco produtos, que permanecerão interditados até que as empresas corrijam as irregularidades. A fiscalização será feita pelos 70 engenheiros agrônomos da Secretaria da Agricultura. De acordo com o chefe do Defis, Felisberto Baptista, todos esses agrotóxicos são largamente usados na lavoura paranaense. O Dormex, usado para acelerar o nascimento de frutas como maçãs, não tem similares.
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SEGUNDO CADERNO VENEZUELA
Movimentos lembram dois anos de golpe São Paulo tem encontro de solidariedade ao país, que sofre com ação dos EUA e ameaça de referendo revogatório nômica temos de lutar pela integração social”, constatou Maduro, para quem a Alca “está morta”. “O acordo não tem viabilidade”, reiterou.
Mosquera
Claudia Jardim da Redação
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entativa de golpe de Estado, greves e ameaça de referendo revogatório. Há dois anos, esse passou a ser o cenário político enfrentado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O fracasso do golpe de 11 de abril de 2002, organizado pela oposição e financiado pelos Estados Unidos, foi lembrado pelos movimentos sociais brasileiros dia 12, em São Paulo, em encontro de solidariedade à “revolução bolivariana”. “Para saber a verdade na Venezuela não se pode acreditar nos meios de comunicação”, afirmou o deputado Nicolás Maduro, coordenador da bancada governista no Congresso venezuelano. O deputado se refere à participação da mídia venezuelana no golpe e à conivência da imprensa internacional com as ameaças estadunidenses ao país.
ELEIÇÕES NOS EUA O representante do Congresso venezuelano reafirmou a posição defendida pelo governo de seu país, de enfrentar qualquer intervenção internacional, até agora liderada pelo presidente dos EUA George W. Bush. “O único caminho que resta a eles é respeitar a Venezuela. Não importa o resultado das eleições, não podemos depender da decisão de um bom ou mau governo nos EUA. Esperamos que venha um governo que respeite os direitos internacionais. Se for assim, teremos as melhores relações; se não, seguiremos enfrentando”.
CHÁVEZ LEMBRA GOLPE
INTEGRAÇÃO O apoio de Washington aos golpistas é declarado. Segundo o jornal venezuelano El Universal, Adam Ereli, porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, no dia 8 admitiu que a Casa Branca enviou recursos a grupos opositores para “apoiar a democracia”. “Estamos construindo um proje-
Partidários de Chávez comemoram retorno do presidente após tentativa frustrada de golpe, em 11 de abril de 2002
to nacional alternativo para integrar toda a América Latina”, disse o deputado venezuelano. Ele propôs a integração dos movimentos sociais do Brasil, Venezuela e Argentina para unirem forças no combate ao desemprego e em defesa da
segurança pública e da educação. “Apesar do petróleo, o domínio de pequenos grupos fez com que 70% da população venezuelana passassem a viver em estado de pobreza”, afirmou o deputado Calixto Ortega. Ele acrescentou: “Temos de cami-
nhar juntos para solucionar esses problemas na América Latina”. A proposta da delegação venezuelana culmina na batalha contra o acordo de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). “Antes de pensar em uma integração eco-
No domingo, dia 11, no programa “Alô, Presidente”, transmitido por rádio e televisão, Chávez disse que o golpe foi resultado da ação de “uma elite articulada com interesses do exterior, que lançou uma operação sangrenta para derrubar um governo legalmente constituído”. Chávez referiu-se à história da exploração do petróleo na Venezuela e às manobras que “entregaram uma das principais riquezas do país, durante quase 100 anos, a empresas estadunidenses”.
CUBA
Máfia de Miami comanda ataques à ilha Em pouco mais de um mês como embaixador de Cuba no Brasil, Pedro Nuñez Mosquera se reuniu com 14 ministros, visitou vários Estados e ampliou o trabalho pela ampliação das relações comerciais e políticas entre os dois países. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele falou da pressão dos Estados Unidos contra a ilha, do poder da máfia de Miami e da necessidade de fortalecer o Mercosul, contra a Alca. E afirmou: “O povo brasileiro e o povo cubano têm uma idiossincracia comum, que gera uma empatia natural que favorece a cooperação”. Brasil de Fato – Novamente os Estados Unidos apresentam uma moção para tentar condenar Cuba na ONU. O que acontece realmente? Pedro Nuñez Mosquera – A Comissão de Direitos Humanos de Genebra é um órgão com uma composição claramente desigual, com preponderância dos países do Norte. Todos os anos são aprovadas cerca de 30 resoluções por país, e os acusados sempre são os países em desenvolvimento. O que ocorre não é um questionamento a respeito de direitos humanos e sim a busca de um pretexto para os Estados Unidos continuarem com o bloqueio econômico contra Cuba, bloqueio que foi condenado por 173 países na Assembléia Geral das Nações Unidas, no ano passado. Estamos diante de uma potência imperial única, que se arroga o direito de invadir os países, passando por cima do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), com um presidente que parece um imperador do Império Romano, porém mais perigoso porque tem armas nucleares. BF – Bush tem fixação por Cuba? Mosquera – Lamentavelmente, Cuba se tornou tema de política interna nos Estados Unidos, a
Quem é
que enfrenta as adversidades com firmeza. Há setores da economia que crescem firmemente, como o turismo, a pesca e a produção do níquel.
Rose Brasil/ABr
Mauri Antonio da Silva de Florianópolis (SC)
Pedro Nuñez Mosquera, exvice-ministro de Relações Exteriores de Cuba, é embaixador de seu país no Brasil, nomeado em fevereiro para substituir Jorge Lezcano Pérez. Apresentou suas credenciais diplomáticas dia 12 de março. partir da presença de uma máfia, poderosa economicamente no sul da Flórida, que quer a anexação da ilha aos EUA e fez George W. Bush presidente. Hoje, há uns 20 cubanos no governo Bush, pessoas que na minha opinião são responsáveis pelo fato de os Estados Unidos não terem uma política para a América Latina. BF – Pode citar nomes? Mosquera – O responsável para Assuntos do Hemisfério Ocidental é Otto Reich, cubano exilado, personagem sinistro, conhecido agente da CIA. O subsecretário de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental é Roger Noriega, de origem mexicana, chefe de gabinete do senador republicano Jesse Helms, que redigiu a lei Helms-Burton, que intensificou o bloqueio econômico. A segunda pessoa da equipe de Roger Noriega é Dan Fisk, estadunidense, membro do gabinete do senador Jesse Helms. E parece que a única proposta dos Estados Unidos em relação à América Latina é a Alca, para transformar a economia dos demais países em um vagão das corporações estadunidenses. BF – E a União Européia? Mosquera – Infelizmente, em relação a Cuba a União Européia não tem adotado uma política de independência frente aos EUA e se comporta como um vagão traseiro da política estadunidense. BF – Qual a posição do governo cubano a respeito da Alca? Mosquera – Cuba foi excluída
O embaixador cubano, Pedro Nuñes Mosquera, recebido por Lula, em Brasília
das negociações da Alca, como se não fizesse parte deste hemisfério. E nós achamos que a integração da América Latina e do Caribe é importante no mundo globalizado de hoje. É importante que se fortaleça o Mercosul, como órgão de integração regional, da mesma forma como é importante que se fortaleça a relação com a Comunidade Andina e o Caricom (Comunidade e Mercado Comum do Caribe), a Aladi (Associação Latino-Americana de Integração) e o Mercado Comum Centro-Americano. Se não nos integrarmos, eles, com a Alca, nos
desintegrarão. E o Brasil, com todas as suas potencialidades e o peso da sua economia, joga um papel importante nesse processo de integração latino-americana. BF – E a economia cubana? Mosquera – O pior já passou. Até 1995, vivemos um período difícil, quando perdemos quase 75% de nosso mercado com o fim da União Soviética e a nova configuração dos países do Leste Europeu. Felizmente, superamos essa fase porque contamos com um povo maravilhoso, que há mais de 40 anos luta pelo socialismo, e
BF – Como está a situação do julgamento dos cinco heróis cubanos nos EUA? Mosquera – Há cinco patriotas cubanos detidos injustamente em cárceres estadunidenses, por lutar contra o terrorismo contra Cuba. Eles foram detidos, acusados de crimes que não cometeram, julgados em um ambiente hostil, em Miami. Foram condenados injustamente, com penas de vários anos de prisão. Em 10 de março, os advogados dos patriotas cubanos entraram com uma apelação na Corte de Atlanta, demandando um novo julgamento, em um local sem a pressão da máfia cubana. Estamos aguardando e confiamos que a Corte se pronunciará por um novo julgamento. Há uma campanha internacional de solidariedade em vários países do mundo para libertá-los e recentemente a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo concedeu a eles a Medalha Anchieta.
HAITI
Brasil quer liderar tropas sul-americanas da Redação Não contente em enviar tropas ao Haiti, o governo federal mostrou-se disposto a liderar uma força de paz sul-americana no país caribenho, integrada por militares brasileiros, peruanos, chilenos e argentinos, entre outros. Segundo o ministro José Viegas, da Defesa, o contingente de 1.470 homens do Exército, Marinha e Aeronáutica já está pronto para partir e deve chegar ao Haiti em julho, para uma permanência de seis meses, com possibilidade de renovação por mais seis meses. O envio das tropas ficará sob responsabilidade do Conselho de Segu-
rança das Nações Unidas. Segundo Viegas, Peru, Argentina e Chile manifestaram a intenção de enviar homens ao país caribenho desde que o comando seja do Brasil. Para o ministro, a prerrogativa é explicada porque o Brasil “tem longa experiência em missões de paz da ONU, desde os anos 50, tanto na América
Latina quando na África e na Ásia”. O custo da operação será repartido entre Brasil e Nações Unidas. A missão brasileira acontece depois de um pedido dos Estados Unidos, da França e da União Européia, feito dia 2 de março. Na ocasião, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o envio de 1.100 soldados brasileiros, com o objetivo de “garantir a paz no país”. Contra a iniciativa brasileira, corre em todo o país um manifesto de repúdio ao envio de tropas ao Haiti. O documento, a ser entregue ao presidente Lula, já recebeu centenas de assinaturas de intelectuais, parlamentares, prefeitos, sindicalistas, jornalistas e artistas.
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AMÉRICA LATINA MILITARIZAÇÃO
Pressão popular fecha base estadunidense da Redação
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ais uma base militar estadunidense em Porto Rico acaba de ser fechada, em decorrência da pressão popular. Segundo determinação do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e do Congresso do país, desde dia 31 de março está decretada a desativação da Estação Naval Roosevelt Roads, localizada na cidade de Ceiba, a uma hora e meia da capital San Juan. Roosevelt Roads abrigava as maiores instalações militares estadunidenses no Caribe. O fim dos treinamentos militares e bombardeios na ilha de Vieques, pertencente a Porto Rico, que é considerada Estado Livre Associado dos Estados Unidos, contribuiu para o fim das atividades em Roosevelt Roads. A base naval fundada em 1943 teve as funções esvaziadas quando, em maio de 2003, a pressão popular conseguiu a suspensão dos exercícios de tiro com resíduos contaminantes em Vieques, produzindo o fechamento da base situada nesta ilha.
CONTRA OS PAÍSES DO EIXO Dessa forma, Roosevelt Roads ficou sem condições de atender um dos principais objetivos de sua criação, treinar as frotas de combate estadunidenses, além de dar suporte à base de Vieques que havia sido extinta. Em 2003, o senado dos EUA aprovou a redução em 50% dos fundos destinados à estação naval, que representava recursos anuais da ordem de 300 milhões de dólares para Porto Rico. 1.300 civis e 2.400 militares trabalhavam em Roosevelt Roads.
A estação começou a atuar como base de operações da marinha dos Estados Unidos em 1943, recebendo o nome do presidente Franklin D. Roosevelt, idealizador do projeto. A recém-construída base de operações naval tornou-se a unidade chave do Sistema de Defesa Caribenha, com um ancoradouro extremamente protegido, uma estação aérea de grande porte e instalações técnicas capazes de dar apoio a 60% das frotas atlânticas sob condições de guerra. Tanto que, na época, circularam rumores de que o Império Britânico transferiria a armada para Roosevelt Roads, caso a Inglaterra caísse diante das forças do Eixo. A base se expandiu com o passar dos anos ao incluir a aquisição do Fort Bundy, pertencente ao Exército, e uma porção adicional de 29 mil acres de terra na ilha de Vieques. Recentemente, várias facilidades para operações navais foram acrescentadas ao complexo de edificações da Estação Naval. Com essas características, Roosevelt Roads se mantinha como o principal local de treinamento para exercícios militares marítimos. A base desativada contava com outras funções estratégicas. O sistema de computação e telecomunicações instalado em Roosevelt Roads, o Departamento de Comunicação de Base de Porto Rico, tinha como missão prover comunicações táticas e suporte de sistema de informações para as unidades no Atlântico e no Caribe, dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). (Adital, www.adital.org.br)
Doug Kanter/ AFP
O governo Bush decretou oficialmente, dia 31 de março, a desativação da base naval Roosevelt Roads, em Vieques
Portorriquenhos conseguem importante vitória com a saída de militares estadunidenses de seu território
LIVRE COMÉRCIO
Mexicanos são escravos de transnacionais O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Alcan) representou a escravização das trabalhadoras e trabalhadores mexicanos. O tratado, assinado há 10 anos por Canadá, Estados Unidos e México, levou o país ao caos social, em que não há respeito aos direitos humanos, trabalhistas e ambientais. Em entrevista concedida durante o III Encontro Hemisférico de Luta contra a Alca, que ocorreu em Havana, de 25 a 29 de janeiro, Marta Ojeda, da Coalizão por Justiça nas Maquiladoras, afirmou que a economia mexicana está destroçada, pois depende das transnacionais que não têm compromisso com o bem-estar da população. Brasil de Fato – Faz dez anos que foi implementado o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Alcan). Nesse período, o que mudou para a classe trabalhadora mexicana? Marta Ojeda – O acordo, fundamentado na lógica neoliberal, é um modelo de escravização e aumento da pobreza de trabalhadoras e trabalhadores dos países que o assinaram. Do ponto de vista das maquiladoras, é a expressão máxima do projeto neoliberal, é aberrante, pois as transnacionais dizem que vão investir e gerar empregos e, na verdade, tratam os trabalhadores como escravos. O salário que recebemos hoje é o mesmo que recebíamos em 1973, varia entre 3 a 4 dólares por dia. Os trabalhadores são obrigados a ficar 12, 14 horas nas indústrias, enquanto os direitos trabalhistas estabelecem a jornada máxima de 8 horas diárias. Mas as transnacionais não respeitam as leis, sejam trabalhistas, ambientais ou humanas. Há funcionários que trabalham tanto que nunca vêem a luz do dia.
Quem é
João Peschanski
João Alexandre Peschanski de Havana (Cuba)
Marta Ojeda, líder trabalhista e feminista mexicana, é diretora da Coalização Pró-Justiça nas Maquiladoras, em San Antonio, EUA, principal organização de defesa dos trabalhadores das maquilas.
BF – A mão-de-obra das maquiladoras é composta principalmente de mulheres... Marta – Há dez anos, as mulheres representavam 90% dos funcionários; hoje, representam 75%. Para elas, as duras jornadas de trabalho e a falta de assistência têm conseqüências muito graves: são inúmeros os casos de aborto, de crianças com problemas ao nascer. Apesar de tudo, há cada vez mais cortes nos direitos dos trabalhadores, pois os donos das transnacionais dizem que precisam ser mais competitivos. Além disso, quando os trabalhadores resistem, as transnacionais mudam de país, principalmente para a Ásia, o que gerou um tremendo desemprego. No ano passado, foram eliminados 350 mil empregos do México, da noite para o dia. Hoje, 50% da população sobrevivem na economia informal e o governo mexicano diz que essas pessoas não estão desempregadas porque ganham dinheiro. Mas nós achamos que são, pois emprego é quando uma pessoa tem trabalho e dignidade. Em resumo, o livre comércio levou ao caos social e o país está destroçado. Desde 1994, também aumentou a repressão aos trabalhadores que ousam lutar por seus direitos e muitos têm de fugir do país, pois estão jurados de morte. BF – A organização e a mobilização dos trabalhadores aumentou, desde 1994?
Marta – Os trabalhadores estão lutando para ter o direito de se organizar, principalmente em sindicatos independentes. Hoje, existem aproximadamente um milhão de empregos nas maquilas e muitos têm medo de se juntar a sindicatos ou organizações por causa da repressão. Dizem que as transnacionais ajudam o país, mas o que vejo é que humilham os trabalhadores, destróem os
recursos naturais, impedem o desenvolvimento do país. É intolerável recebermos um salário mínimo, enquanto é preciso cinco vezes isso para comprar a cesta básica familiar. E as transnacionais com centenas de milhões de dólares de lucro... BF – Qual é sua avaliação sobre os tratados de livre comércio? Marta – Em todos os aspectos, os tratados foram negativos. A indústria nacional desapareceu, tudo foi privatizado: telecomunicações, transportes etc. O governo está entregando a nação, indo contra nossa soberania. A agricultura nacional com a entrada de transgênicos vindos dos Estados Unidos e a falta de ajuda aos pequenos produtores foi abandonada, como se não servisse para nada, como se não fosse importante a população ter o que comer. A perspectiva hoje no México é você educar seu filho, estimulá-lo a estudar, a ser respeitoso e, no fim, vê-
lo inserido em um modelo de escravidão. Às crianças e aos jovens está sendo negado um futuro digno. BF – Como está o processo de militarização da fronteira entre México e Estados Unidos? Marta – Isso é fundamental. Todos os dias, soldados estadunidenses, ou simplesmente civis racistas, assassinam mexicanos na fronteira entre os dois países. Isso é resultado do livre comércio, em que as vidas humanas não valem nada. Há casos de famílias inteiras queimadas vivas quando milícias colocavam fogo em plantações nas quais se escondiam. Os mexicanos, desesperados, acham que vão encontrar uma situação melhor no Norte, mas só encontram violência e ainda mais miséria. Nos Estados Unidos, os trabalhadores só encontram empregos marginais, subpagos, sem benefícios, muitas vezes piores que no México.
BOLÍVIA
Sindicatos convocam marcha da Redação A Central Operária Boliviana (COB), que reúne 60 sindicatos do país, convocou uma marcha para o dia 15 e uma série de protestos a partir de 1º de maio, em repúdio ao presidente Carlos Mesa. Representantes da COB acusam o governo de continuar a política neoliberal de seu antecessor, Gonzalo Sánchez de Lozada, afastado do poder em outubro do ano passado por uma revolta popular. Os sindicalistas exigem a anulação das privatizações de empresas do setor energético, iniciadas em 1996, com base na Lei de Hidrocar-
burantes, sancionada por Lozada. Também querem que o dinheiro destinado a partidos políticos seja empregado no combate aos problemas sociais e se opõem à venda de gás para a Argentina porque o produto, para eles, poderia ser revendido ao Chile, país ao qual a Bolívia reivindica uma saída para o mar. Em ato conjunto no dia 8, em La Paz, capital do país, os dirigentes das principais sindicais acusaram Mesa de impossibilitar mudanças estruturais que, segundo eles, a Bolívia precisa. Segundo dados recolhidos na imprensa do país, 21% dos 8,3 milhões de bolivianos vivem abaixo do índice da pobreza.
Em março, a COB convidou Mesa a participar de um encontro para discutir os rumos da política econômica do governo, mas ele recusou. No mesmo mês, a central sindical realizou protestos em diversas cidades, muitas das quais foram reprimidas pela polícia. Além da COB, o Comitê Executivo da Universidade Boliviana, a Confederação Única de Trabalhadores Rurais e outras organizações devem realizar manifestações a partir do dia 15, em defesa dos direitos dos trabalhadores e contra as orientações do governo de Mesa. (Prensa Latina, www.prensalatina.org)
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INTERNACIONAL IRAQUE
Xiitas se unem a sunitas contra os EUA Um ano depois da ocupação, grupos divergentes se aliam para ampliar resistência contra as tropas anglo-estadunidenses Antonio Scorza/ AFP
da Redação
S
ó no mês de abril, até o dia 12, morreram 70 soldados da coalizão que ocupa o Iraque, em choques que mataram 700 iraquianos. Várias cidades estão em poder de rebeldes sunitas e xiitas; em Faluja houve um acordo de cessar-fogo para que os fuzileiros navais estadunidenses se retirassem. É a maior onda de resistência contra a ocupação desde a queda de Bagdá, um ano atrás. Mas o fato mais significativo foi a entrada em massa de xiitas na luta contra a ocupação, luta que até agora era mais pronunciada entre a população sunita. O ponto mais importante foi a consagração do líder xiita Moqtada al-Sadr como virtual chefe da rebelião unificada contra as tropas estrangeiras. Ele lançou um manifesto convocando os iraquianos a se unirem em torno da milícia Al Mahdi. Diz o manifesto de al-Sadr, lançado nas cidades santas xiitas de Najaf e Karbala: “A milícia (Al Mahdi) apóia o povo oprimido que luta por seus direitos e suas instituições sagradas e o libertará da ocupação. Unam-se, irmãos meus, e que comece a luta pela libertação”.
OPERAÇÕES E RESISTÊNCIA Dia 1º de abril, os EUA iniciaram uma operação em Faluja, a 50 quilômetros a Oeste de Bagdá, como reação ao assassinato de quatro civis estadunidenses, apontados como agentes da CIA, que foram mutilados e arrastados pelas ruas. Só em Falluja, na primeira semana deste mês, 600 iraquianos foram mortos – segundo o coronel fuzileiro naval estadunidense Brennan Byrne ,“95% deles militares mortos em combate”. A resistência de Faluja inspirou ações de solidariedade em grande número de regiões do Iraque, como o reduto xiita de Cidade Sadr e os redutos sunitas de Adhamiya ou Abu Gharib. Em todo o mundo islâmico, importantes personalidades xiitas e sunitas condenaram a ocupação e pediram a renúncia do Conselho de Governo Iraquiano, imposto pelos
Membro do Grupo de Defesa Civil Iraquiana, um dos que combatem os invasores; no detalhe, o líder xiita Moqtada al-Sadr
BAIXAS NAS FORÇAS DE COALIZÃO
EUA, do qual alguns ministros efetivamente renunciaram. As autoridades de ocupação acabaram entrando em negociação com os rebeldes e foram acertadas tréguas em Faluja, com autoridades estadunidenses, e em Nassiriya, com autoridades italianas. Em Kerbala, soldados poloneses e búlgaros lutaram contra milicianos de al-Sadr, que assumiram o controle de Kut, de onde expulsaram as tropas ucranianas, de Kufa e, parcialmente, de Najaf, onde estão contingentes espanhóis. Enquanto isso, milicianos sunitas combatiam os ocupantes em Samarra. Os rebeldes seqüestraram vários civis estrangeiros. A resistência iraquiana incentivou manifestações pela retirada das tropas em 51 cidades estadunidenses, e também no Japão, onde familiares dos reféns reuniram 150 mil assinaturas pedindo o retorno de seus soldados, como exigem os seqüestradores.
FOCOS DA RESISTÊNCIA
Militares das forças de coalizão mortos desde o início da invasão do Iraque, em 20 de março de 2003 *
EUA
670
Grã-Bretanha
59
Itália
17
Espanha
11
Bulgária
5
Ucrânia
4
Tailândia
2
Polônia
2
El Salvador
1
Estônia
1
Dinamarca
1
TOTAL
773 IRAQUIANOS MORTOS **
Civis: 8,8 mil a 10,7 mil Militares: 4,8 mil a 6,3 mil * Fontes oficiais ** Estimativas de estudiosos e pacifistas com base na mídia
ANÁLISE
A nova resistência e a democracia dos hipócritas Tariq Ali de Londres (Inglaterra) Logo depois da ocupação, os Estados Unidos e os seus aliados – os militares e os ideológicos – falavam da resistência iraquiana como se fossem “estrangeiros”, “terroristas” ou “ex-adeptos do regime de Sadam”. Essa fraseologia agora se tornou obsoleta e os porta-vozes militares estadunidenses se referem à guerrilha definindo-a simplesmente como “forças antiiraquianas”, como se as tropas estadunidenses, inglesas, espanholas, búlgaras, ucranianas, italianas, japonesas, sul-coreanas e polonesas representassem o Iraque, enquanto os iraquianos que resistem à ocupação fossem o anti-Iraque. Estranho, esse mundo. Quando as mentiras ditas por Bush, Blair, Aznar e Berlusconi perderam qualquer crédito junto à opinião pública, obstinando-se em não acharem as armas de destruição em massa, os serviços de propaganda de seus países e seus jornalistas favoritos mudaram de linha e começaram a dizer: “Bem, realmente não existiam as armas, mas nos livramos de um tirano e levamos a democracia para o Iraque”. De verdade? Democracia? Mesmo deixando de parte os muitos milhares de civis iraquianos que morreram na guerra e os que foram assassinados nestes últimos dias, se esvaiu qualquer
discurso sobre uma democracia que tenha um mínimo de significado.
INTERESSES IMPERIALISTAS O velho ideólogo imperialista Samuel Huntington agora fala do “paradoxo democrático”. O que é essa coisa? Quando a democracia não exprime aquilo que o Ocidente quer que exprima, se torna um “paradoxo”. E, para a democracia capitalista hoje, qualquer desafio à ordem econômica neoliberal é um paradoxo.Os iraquianos que não gostam que o seu sistema de saúde e de educação seja privatizado vivem “no passado”. Os trabalhadores iraquianos que desdenham as corporações que entraram no país depois da ocupação são “indivíduos atrasados”. Quando os empresários estrangeiros são atacados, se alegram os iraquianos de todas as classes (exceto os colaboracionistas). As companhias estrangeiras são vistas como um enxame de gafanhotos que vieram devorar um país ocupado. É óbvio que, se no Iraque a democracia estivesse de fato estabelecida, os representantes eleitos insistiriam na retirada de todas as tropas não-iraquianas, no controle sobre o petróleo do Iraque e, certamente, num tratado de paz a longo prazo com o Irã. Nada disso é do agrado dos interesses imperialistas. E Henry Kissinger e outros abutres insistem, ao invés disso, na balca-
nização do Iraque. Daí surgem os discursos sobre uma guerra civil iminente. Daí surge a provocação de bombardear os peregrinos em Kerbala (um crime que não foi admitido por nenhum grupo no Iraque). Nem os religiosos sunitas ou xiitas, nem as forças leigas de origem sunita ou xiita falam uma linguagem diferente daquela de um Iraque unido contra a ocupação colonial. O aiatolá xiita Sistani se reuniu com os líderes sunitas, enfatizando a unidade do país, e em caráter privado insistiu que um modelo clerical de tipo iraniano seria um desastre para o Iraque. Moqtada al-Sadr fala em libertar o Iraque, não num Iraque xiita.
OCUPAÇÃO COLONIAL Nas duas últimas semanas se tornou claro que, com exceção dos líderes curdos, todo o resto do país está contra a ocupação e quer o seu fim imediato. Dentro dos grupos religiosos xiitas está atualmente em curso uma luta aberta para conseguir o apoio das massas do Iraque meridional. Está mais do que evidente a decisão das forças de ocupação de provocar os habitantes de Faluja (apenas dois dias antes que os quatro mercenários estadunidenses fossem atacados e brutalmente assassinados tinha ocorrido um ataque dos fuzileiros navais dos EUA e civis tinham sido mortos).
Por que o jornal de al-Sadr foi fechado pelos ocupantes? Quando as palavras são proibidas, as bombas tomam o seu lugar. Aquilo a que assistimos no Iraque é a lógica de uma ocupação colonial. Ouçam os sinos que soam em Faluja e Bassora. Enquanto isso, o Iraque e os seus habitantes continuam a sofrer. O poeta Sinan Anton recentemente leu em Bagdá um poema que evoca a atmosfera que se respira no país: “O Eufrates é uma grande procissão. As cidades lhe acariciam as margens, enquanto as palmeiras choram”. A decisão de al-Sadr e dos seus adeptos de se unirem à resistência lançou centenas de milhares de pessoas às ruas e representa um novo desafio aos ocupantes. É inútil que os ocidentais derramem lágrimas hipócritas pelo Iraque ou lamentem que a resistência iraquiana não tenha os altos padrões do liberalismo ocidental. De qual resistência estão falando? Quando uma ocupação é repugnante, a resistência não pode ser amena, a não ser num filme hollywoodiano ou numa comédia italiana. E, se os partidos religiosos dominam no Sul do Iraque, isso em parte é devido ao fato de que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha apoiaram alguns deles nos últimos doze anos. A solução, para muitas pessoas de centro-esquerda, é passar o controle do país para as Nações
Unidas. Foi assim já em 1924, quando os ingleses governavam o Iraque por meio de um mandato da Liga das Nações, que eles mesmos haviam imposto. Os Estados Unidos poderiam facilmente obter um mandato análogo do Conselho de Segurança e, assim, poderiam esperar manter suas bases militares no país por mais vinte anos. Mas o que acontecerá se esta solução, que tem o fim de perpetuar no tempo a ocupação ao mesmo tempo em que se pretende fazer o mundo acreditar que os nativos têm o controle de seu país, não pudesse funcionar? Será que se voltaria aos bombardeios e aos danos colaterais (a vida dos civis pouco importa para o Ocidente, como vimos no Iraque e no Afeganistão)? Para os cidadãos dos países cujos governos e líderes apoiaram a guerra, a prioridade deve ser o castigo dos belicistas, seguindo o exemplo dos espanhóis. Se Aznar for seguido por Berlusconi, Blair e Bush, isso será uma vitória importante. E então deveremos organizar uma campanha para que os seus sucessores acabem com a ocupação. Usar pura e simplesmente as Nações Unidas pode revelar-se um pretexto para salvar a face. Nada além disso.
(Tariq Ali é escritor paquistanês, Il Manifesto, www.ilmanifesto.it)
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De 15 a 21 de abril de 2004
INTERNACIONAL ÁFRICA
Há dez anos, Ruanda vivia genocídio “O
povo ruandês foi torturado, estuprado e infectado com o vírus da Aids”, disse o presidente de Ruanda, Paul Kagame, segundo a agência de notícias africana All Africa, em discurso pela passagem dos dez anos do genocídio de Ruanda. “Os últimos dez anos foram um pesadelo para eles”, continuou Kagame, acrescentando que os ruandeses vivem hoje em estado de pobreza abjeta. A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 7 de abril como o Dia Internacional da Reflexão sobre o Genocídio de 1994 em Ruanda. Faz dez anos que explodiu naquele país da África Oriental um conflito entre tutsis (minoria étnica) e hutus, provocando a morte de um número ainda incerto de pessoas. A mais recente contagem oficial do governo ruandês fala em 937 mil tutsis e hutus moderados assassinados. A matança durou cem dias. O estopim do confronto foi a morte do presidente Juvenal Habyarimana (hutu), na noite de 6 de abril de 1994, cujo avião teria sido derrubado por milicianos tutsis próximo do aeroporto internacional de Kigali, capital ruandesa. Como vingança, um grupo de extremistas hutus teria deflagrado o massacre de quase um milhão de ruandeses, a maioria tutsis, mas também de hutus moderados.
BELGAS INCITARAM Sabe-se hoje que os milicianos hutus foram incitados ao extermínio dos tutsis por tropas belgas e francesas. O genocídio foi subestimado pela ONU e ignorado pelos Estados Unidos, que foram comunicados do fato na ocasião. O conflito entre as duas etnias de Ruanda é antigo. Tutsis e hutus foram jogados uns contra os outros pelos colonizadores alemães e belgas. Entre os séculos 13 e 14, pastores guerreiros da etnia tutsi, originários da Etiópia, ocuparam a região dos atuais Ruanda e Burundi, dominando os povos ali estabelecidos, entre os quais os agricultores da etnia hutu, que constituíam 83% da população. Os europeus invadiram a região no século 19. Em 1899, a Alemanha declarou o território protetorado seu. Com a derrota dos
çaram os assassinatos em massa. Na semana de 7 de abril, a Organização não-governamental francesa “Survie” exibiu em cinemas de Paris vários documentários em que autores do genocídio confessam seus crimes. Alguns deles denunciam terem sido treinados a matar em campos de instrução dirigidos por tropas francesas. A imprensa francesa também levantou, há duas semanas, a cumplicidade do país na deflagração do genocídio. Em agosto de 2001, o jornal New York Times revelou que o governo dos Estados Unidos sabia das proporções do genocídio que seria executado contra a etnia tutsi, mas preferiu subestimar a situação. O fato foi descoberto a partir de documentos oficiais nãocatalogados, divulgados pela organização privada Arquivos de Segurança Nacional.
TRIBUNAL POPULAR
Moradores de Kigali, capital de Ruanda, participam do Gacaca, tribunal popular que julga crimes do genocídio de 1994
RUANDA Localização: África Oriental Nacionalidade: ruandesa Principais cidades: Kigali (capital), Ruhengeri, Butare Línguas: quiniaruanda, inglês, francês (oficiais) Divisão política: 12 prefeituras Regime político: república presidencialista População: 8,1 milhões (2002) Moeda: franco ruandês Religiões: católica, protestante, animista, islâmica Hora local: + 5h Domínio internet: .rw DDI: 250
alemães na Primeira Guerra Mundial, os belgas ocuparam Ruanda. A ONU reconheceu, em 1923, o mandato da Bélgica sobre os territórios invadidos. Os belgas, um dos colonizadores europeus mais sanguinários, reforçaram o papel hegemônico dos tutsis, dotando-os de poder político, econômico e militar. Em 1950, e durante toda esta década, favoreceram a formação de uma elite hutu, aguçando a antiga rivalidade entre os povos locais para melhor dominá-los. Estimularam
UGANDA REP. DEM. DO CONGO
Marilene Felinto da Redação
Fotos: AFP/Gianluigi Guercia
Culpados, dentro e fora do país, são julgados pela morte de quase um milhão de pessoas, pior tragédia pós-escravidão
Kigali
RUANDA TANZÂNIA BURUNDI
os hutus a contestar a estrutura fundiária favorável aos tutsis. Os hutus se revoltaram em 1959 e depuseram o rei tutsi Kigezi V. Os belgas logo perderam o controle da situação. Mais de cem mil tutsis buscaram refúgio nos países vizinhos. Proclamada a república, um plebiscito supervisionado pela ONU confirmou em 1961 a adoção do regime republicano sob administração dos hutus. Em julho de 1962, após rejeitar a união com o vizinho Burundi, onde persistia o predomínio dos tut-
sis, Ruanda obteve a independência. Os tutsis, que até então dominavam o país, passaram a ser perseguidos e fugiram para os países vizinhos, de onde passaram a lançar uma série de ataques ao território ruandês.
CULPA ESTRANGEIRA O atual governo ruandês, do presidente Paul Kagame, acusa a Bélgica e a França de incitarem o genocídio de 1994, porque as tropas destes países guardavam importantes áreas em Kigali quando come-
Na tentativa de levar o país a se reconciliar consigo mesmo, o governo de Ruanda tem lançado mão de um recurso local, o tradicional julgamento conhecido como “Gacaca” ou tribunal popular. “Gacaca” é o pequeno gramado onde os mais velhos e sábios da aldeia se reúnem para resolver disputas e contendas entre opositores. O principal objetivo do sistema é pôr um fim ao doloroso e prolongado processo de julgamento dos suspeitos do genocídio, e ajudar a acelerar a cura das feridas psicológicas dos sobreviventes e das famílias dos mortos. O número de presos acusados do genocídio em Ruanda já chegou a 120 mil pessoas. Hoje, entre 70 e 80 mil continuam detidas. Possivelmente 30 mil serão soltas em breve para serem julgadas pelo sistema gacaca. Organizações internacionais ainda procuram 16 indivíduos que tiveram papel de liderança na execução do genocídio. Os ruandeses também continuam procurando inúmeros outros que julgam responsáveis pelas atrocidades. Ainda há milhares de refugiados ruandeses espalhados por países como Congo, República Democrática do Congo, Zâmbia, e República Centro-Africana. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) observou no início do mês que o genocídio deixou 95 mil crianças órfãs em Ruanda, muitas delas portadoras do HIV/Aids.
Eleições livres abriram caminho para integração Joyce Mulama de Nairóbi (Quênia) As primeiras eleições multipartidárias de Ruanda, reconhecidas como livres e justas por observadores internacionais, abriram o caminho para que este país se integre à Comunidade da África Oriental (CAO), segundo porta-vozes do governo. “A única coisa que retardava a entrada de Ruanda ao bloco era o fato de não ser considerado um país democrático”, disse à IPS o embaixador ruandês no Quênia, Seth Kamanzi. Os ruandeses foram às urnas em agosto do ano passado, para participar das primeiras eleições multipartidárias desde que o país se tornou independente da Bélgica, em 1962. Como se esperava, o presidente Paul Kagame foi reeleito com 95% dos votos. Kagame, da etnia tutsi, foi o líder de uma força rebelde que derrotou, em 1994, um governo hutu. Antes de tomar o poder, a milícia hutu, chamada Interahamwe, assassinou perto de um milhão de tutsis e hutus moderados. Alguns analistas acham que os hutus, que representam 84% da
Cena do julgamento popular em Kigali, em 24 de março
população de Ruanda, votaram em Kagame por medo de represálias. Os líderes tutsi sempre procuraram maior aproximação com países de língua inglesa, especialmente com os vizinhos Uganda, Quênia e Tanzânia, onde a maioria deles esteve refugiada entre 1959 e 1994. Muitos presenciaram no exílio a formação da CAO em 1967 e seu colapso dez anos depois, devido a diferenças ideológicas no decorrer da Guerra Fria. A CAO foi retomada depois de um acordo firmado entre Quênia, Tanzânia e Uganda, em novembro de 1999, com o principal objetivo
de promover a cooperação entre seus membros, criando uma união alfandegária, uma moeda comum e, por último, uma união política. “Ruanda cumpre com todos os requisitos para ser um membro da Comunidade, inclusive a democracia, confirmada nas eleições (...)”, disse o embaixador Kamanzi. No entanto, a CAO não aprovou a solicitação de ingresso que Ruanda apresentou em 1997. (...) Kamanzi disse que a admissão de Ruanda “significará a criação de um mercado mais amplo para o bloco”. “Isto seria muito importante para Ruanda, que não tem saída
para o mar e depende dos portos de Mombasa (Quênia) e Dar es Salaam (Tanzânia)”, acrescentou. Ruanda, que também faz fronteira com a República Democrática do Congo (RDC, ex-Zaire) e com o Burundi, mantém relações comerciais importantes com os países da CAO. O Quênia é seu principal parceiro comercial e origem de 73% de suas importações. Cerca de 46% dos produtos ruandeses são exportados para o mercado queniano. Alguns economistas observam, porém, que a integração comercial será difícil para os membros da CAO que pertencem simultaneamente a outros blocos econômicos. Quênia, Ruanda e Uganda pertencem ao Mercado Comum da África Meridional e Oriental, enquanto a Tanzânia forma, junto com outros 13 países, a Cooperação da África Meridional para o Desenvolvimento. O analista John Ocholla, do Instituto de Assuntos Econômicos, com sede em Nairóbi, acha que seria mais fácil para os países da CAO constituir um único bloco. Muitos acreditam que Ruanda poderá solucionar parte de seus problemas de terra ao ingressar na CAO, pois seus habitantes teriam mais facilidades
para radicar-se em países vizinhos. Ruanda tem 27 mil quilômetros quadrados e 8,1 milhões de habitantes. A densidade populacional é de 340 pessoas por quilômetro quadrado, uma das mais altas da África. Analistas consideram que a questão da terra esteve por trás do genocídio de 1994. Mas o analista político queniano Mutahi Ngunyi, diretor do instituto Consult Afrika, não concorda. “Não vejo por que a integração de Ruanda à CAO solucionaria os problemas de terra. Além do mais, muitos ruandeses já vivem nos países vizinhos, como República Democrática do Congo, Uganda, Quênia e Tanzânia”, afirmou. “As relações de Ruanda com seus vizinhos vai melhorar. Também melhorará seu desempenho econômico, o que terá um efeito sobre a população. O nosso nível de vida vai melhorar, sem dúvida”, disse Saida Saleh, ruandesa radicada no Quência. Ruanda é um dos países mais pobres do mundo, com uma renda de 240 dólares por habitante. Cerca de 70% da população vive abaixo da linha de pobreza, com menos de um dólar por dia, segundo o Banco Mundial. (IPS)
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AMBIENTE AMAZÔNIA
Movimentos definem prioridades regionais A 3ª Conferência da Amazônia defende desenvolvimento sustentável e fim do desmatamento, que cresceu 2% em um ano Antonio Gauderio/Folha Imagem
da Redação
C
erca de 600 militantes, estudiosos, pesquisadores e lideranças da Região Amazônica aprovaram, dia 4, a Carta de Porto Velho, documento final da 3ª Conferência da Amazônia, realizada em Porto Velho, Rondônia, e que traça prioridades a serem assumidas para a região amazônica. O documento, que deve ser enviado a entidades e instituições públicas e privadas, destaca que “os investimentos em infra-estrutura precisam ser precedidos de ordenamento territorial e de um plano de uso econômico diversificado, que distribua oportunidades e internalize riqueza no âmbito das comunidades locais”. Também frisa como uma das muitas prioridades “o resgate do Planejamento Estratégico Regional como mecanismo participativo, técnico e político que estabeleça critérios concretos para a convergência de políticas públicas e dos investimentos privados”. Segundo o documento, a reforma agrária amazônica deve ser feita através de assentamentos florestais e demais unidades de conservação; de apoio à exploração agro-florestal de assentamentos tradicionais – para recuperação de área já devastadas –, com o apoio de instrumentos como o Proambiente. Para os ativistas, a reforma agrária precisa se estabelecer como referência unitária para o conjunto das iniciativas do governo federal na região. Os participantes do encontro
Desmatamento na região, de agosto de 2002 a agosto de 2003, foi de 23.750 km²
que assinaram a Carta ainda destacaram a importância da necessidade da “homologação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima”. Da mesma forma, defende que o projeto de desenvolvimento sustentável em torno da BR-163 deve garantir o equilíbrio
entre os investimentos específicos de infra-estrutura e os investimentos socioambientais. Entre outros, assinam a carta o Movimento Articulado das Mulheres da Amazônia, a Central Única dos Trabalhadores, o Conselho Nacional dos Seringueiros, o Grupo de
Trabalho Amazônico, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e a Fundação Perseu Abramo.
clamados como área privada; 29% são áreas legalmente protegidas, incluindo as Unidades de Conservação e Terras Indígenas, e 47% são terras públicas ou devolutas com pequeno controle do poder público.
AUMENTO DO DESMATAMENTO A taxa de desmatamento da Amazônia, entre agosto de 2002 e agosto de 2003, foi de 23.750 km², ou seja, 2% superior à calculada no período de 2001/2002. O dado positivo, segundo a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, é que o crescimento na devastação da Amazônia foi brecado, pois na aferição anterior, o índice de destruição da floresta chegou a 28%. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é autor da medição, com base em 77 imagens de satélite de áreas críticas de desmatamento. Na Amazônia, a devastação chega a 652.908 km², o equivalente a 16,32% da área de floresta da Amazônia. Estima-se que mais de 25% da área total desmatada na região amazônica, em torno de 165.000 km², encontramse abandonados ou subutilizados, muitas vezes em estado de degradação. Somente no Estado de Mato Grosso, há entre 12 e 15 milhões de hectares abandonados. Este desperdício torna-se mais grave quando se considera que novas áreas continuam sendo desflorestadas para a expansão de atividades agropecuárias, sem a utilização adequada de grande parte das áreas já abertas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24% da Amazônia são re-
TERRAS CADASTRADAS Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é preciso uma atuação conjunta da sociedade para reduzir o desmatamento na região. O orçamento do Plano de Ação para Prevenção e o Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, lançado em 15 de março, é de R$ 394 milhões. A expectativa da ministra é que as ações do governo propiciem a redução da taxa a partir de 2004. Entre as ações estão a intensificação da fiscalização, que será realizada de forma integrada com os ministérios da Justiça, Desenvolvimento Agrário, do Trabalho, Fazenda e Defesa. Uma das medidas propostas é o Cadastro das Terras na Amazônia, que deveria ser feito em conjunto pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os dois organismos iniciaram as atividades de mapeamento nas áreas críticas de desmatamento da Amazônia, que incluem o arco do desmatamento. O trabalho foi iniciado na BR-163, com a instalação de 7 bases de campo ao longo da estrada. A meta para 2004 é cadastrar e regularizar cerca de 30 milhões de hectares.
UM ANO DE CATAQUAZES
Projeto de recuperação não sai do papel As entidades ambientalistas fluminenses querem transformar abril num mês de protesto contra o impasse na resolução dos principais passivos ambientais do Estado. Completou-se um ano do vazamento de rejeitos químicos dos reservatórios da Empresa Cataguazes de Papel – que inundou os rios Pomba e Paraíba do Sul com meio milhão de litros de água contaminada – sem que o projeto de recuperação da área tenha sido finalizado. “Cabe a nós apenas fiscalizar e protestar. Estamos na expectativa de que esses problemas se resolvam, mas isso depende, sobretudo, da vontade política dos governos, que nem sempre é muita”, lamenta o ambientalista Carlos Piragibe, membro da executiva da Assembléia Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente (Apedema) do Rio de Janeiro. Os projetos de recuperação caminham lentamente: o relatório resultante de uma vistoria realizada no dia 24 de março por técnicos do Ibama no terreno da Cataguazes revela que a empresa ainda não cumpriu totalmente o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público Federal após a empresa ter sido indiciada por crime ambiental.
DECISÕES DISCUTÍVEIS Segundo a chefe do escritório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Campos, Rosa Maria Castelo Branco, a Cataguazes se preocupou apenas em realizar obras de engenharia, reforçando a estrutura dos dois reservatórios, mas negligenciou o reflorestamento das suas margens, que deve ser feito para impedir novas erosões. Em nota oficial, a empresa de celulose respondeu que está cumprindo o TAC rigorosamente. Depois de poluir o rio Pomba
Patrícia Santos/Folha Imagem
Maurício Thuswohl do Rio de Janeiro (RJ)
Desastre ambiental da Cataguazes prejudicou a vida de um milhão de pessoas
(outrora um dos mais limpos do Rio de Janeiro, que, segundo os biólogos, vai levar ao menos 30 anos para se recuperar), o vazamento de meio milhão de litros de rejeitos tóxicos dos reservatórios da Cataguazes atingiu o Rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de água para oito cidades do interior do Estado. Um milhão de pessoas ficaram sem água em suas casas por duas semanas. O relatório do Ibama não deixa claro se existe o risco de novo acidente no local. No âmbito estadual, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), decidiu liberar a pesca nos dois rios, numa decisão discutível, segundo a Apedema: “A Feema devia adotar critérios estritamente ambientais, mas na região estão concentrados muitos e variados interesses. Em se tratando do governo Rosinha, a decisão foi meramente política”, afirma Piragibe. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)
LICENÇA AMBIENTAL
Empresários pressionam para mudar lei Evandro Bonfim de Brasília (DF) A reestruturação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pela fiscalização ambiental do país, promete ser acelerada devido à pressão de empresários. O lobby é liderado pelo setor da construção civil. Os empresários consideram instrumentos constitucionais, como o licenciamento ambiental, entraves ao desenvolvimento do país e responsáveis por prejuízos financeiros ao setor privado. No final do ano passado, a retirada de investimentos para obras de grande porte, como a construção de hidrelétricas pelo grupo Votorantim, foram atribuídas a “difi-
culdades” causadas pelo processo de obtenção da licença ambiental. “Coincidência ou não, desde então, porta-vozes de grandes empresários contam com um espaço generoso na grande imprensa para denunciar os supostos entraves impostos pela área ambiental do governo à implementação de um conjunto importante de obras de infra-estrutura, que poderia ajudar a desencadear o tão esperado espetáculo de crescimento econômico do país”, declara o Instituto Sócio-Ambiental (ISA).
PRESSÃO EM BRASÍLIA A campanha pela desburocratização do processo de licenciamento, que pode incluir facilmente o afrouxamento das normas para a concessão da licença, está sendo empreendida principalmente pela
Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib). A diretoria da entidade de empresários manteve encontro recente com o titular da Casa Civil da Presidência da República, ministro José Dirceu, e representantes do Ministério do Meio Ambiente. Na ocasião, José Augusto Marques, presidente da entidade, apresentou a “Agenda Positiva da Infra-Estrutura”, projeto de desenvolviLicença ambiental mento elabora- Procedimento addo pelos empreministrativo exigido para projetos e ativisários da área e dades potencialmenenviado ao gote degradantes para verno. Seguno meio ambiente, como extração de do a Abdib, o minerais, indústria documento tem química, atividades como objetivo agropecuárias e obras de infra-es“acelerar a retrutura. solução dos en-
traves que impendem o desenvolvimento do setor”. No encontro, Dirceu anunciou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniria com o Ministério do Meio Ambiente “para acelerar as soluções aos problemas ambientais, que dificultam o início de obras em infra-estrutura”, notadamente a “solução dos impasses nos licenciamentos ambientais”. A partir dessa reivindicação do empresariado, surgiu um plano de ação para a melhoria dos processos de licenciamento. O plano foi discutido, dia 5, por Cláudio Langone, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, e Nilvo Silva, diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama, e entre representantes da Abdib. (Adital, www.adital.com.br)
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DEBATE REFORMA DO JUDICIÁRIO
O consenso possível Eduardo Matarazzo Suplicy epois de mais de uma década de tramitação no Congresso Nacional, a proposta de emenda à Constituição que teve como primeiro signatário o deputado Hélio Bicudo (PT-SP), conhecida como Reforma do Judiciário, encontra-se pronta para ser
Mas isso não significa o esgotamento da discussão acerca da melhoria da prestação jurisdicional em nosso país. A CCJ do Senado Federal optou por desdobrar a matéria em blocos temáticos: um texto que poderia ser convertido de imediato em norma constitucional; um texto que deve ser submetido à consideração da Câmara dos Deputados, a título de ratificação da revisão
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apreciada, em dois turnos de votação, pelo plenário do Senado Federal. É importante salientar, desde logo, que o texto resultante do relatório do senador José Jorge (PFLPE), após o exame da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), representa uma busca de consenso entre posições defendidas pelas duas Casas do Congresso Nacional. Pode-se dizer, também, que reflete um ponto mediano, de equilíbrio, entre as teses, por vezes conflituosas entre si, defendidas pelos chamados operadores do direito: advogados, membros do Ministério Público, magistrados das mais diversas instâncias do Poder Judiciário da União, dos Estados e Distrito Federal. Por isso mesmo, a eventual emenda constitucional a ser promulgada é bem mais sintética, se comparada com os textos provenientes dos relatórios da deputada Zulaiê Cobra (PSDBSP) e do senador Bernardo Cabral (PFL-AM).
senatorial do trabalho efetuado por aquela Casa; e, finalmente, um texto que manifesta uma nova abordagem em relação a tudo que já havia sido discutido e objeto de deliberação. Como bem expressou o ministro Nelson Jobim, que brevemente assume a presidência do Supremo Tribunal Federal, o importante é que o Congresso Nacional está dando o “pontapé inicial”. Considero que o texto que se encontra em via de ser transformado em norma constitucional apresenta avanços significativos, em prol de uma Justiça mais célere, mais transparente e, portanto, mais democrática. Está assegurada a criação de órgãos nacionais de monitoramento e disciplinamento da Magistratura e do Ministério Público. Importa destacar que em ambos haverá a participação de pessoas dotadas de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicadas tanto pelo Senado Federal como pela Câmara dos Deputados. Nesse sentido, caminhou-se no rumo do
que se convencionou denominar “controle externo”, sem que isso venha a significar uma interferência indevida na ação dos juízes, no exercício de suas funções precípuas. Ademais, a esses órgãos não será reconhecida a atribuição de decretar a perda do cargo, que continuará dependendo de sentença judicial. A vedação do nepotismo e da advocacia por juiz já aposentado, perante o juízo ou tribunal em que antes atuava (quarentena) são medidas que elevam o padrão ético e republicano de nossa Judicatura. O apoio que está sendo dado às defensorias públicas, garantindo-lhes a autonomia administrativa, financeiro-orçamentária e funcional, procura facilitar o acesso à Justiça a milhões de brasileiros menos aquinhoados, na legítima e inafastável luta por seus direitos. De nada valem as leis, se aos que por elas são tutelados faltam os meios adequados para lhes dar a devida concretude, em face de contenciosos reais. Quanto à súmula vinculante, ponto dos mais polêmicos, registro que, seguindo a posição do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, externei minha posição contrária à sua introdução, mesmo que limitada ao Supremo Tribunal Federal. Vencido, porém, na bancada do Partido dos Trabalhadores no Senado Federal, votei na CCJ de acordo com a posição majoritária, na certeza de que os membros do STF serão judiciosos e cautelosos em sua adoção, além de sensíveis o bastante, quando for o caso, para revogar esta ou aquela súmula que se revele inadequada, equivocada ou superada por fatos, normas ou interpretações supervenientes. Eduardo Matarazzo Suplicy, 62, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da Eaesp-FGV, é senador pelo PT-SP.
Contra as súmulas vinculantes José Eduardo Martins Cardozo reforma do Poder Judiciário finalmente parece ter começado a sair do abstrato mundo das boas preocupações. As várias iniciativas tomadas pelo Ministério da Justiça e pela comissão especial criada pela Câmara dos Deputados, e em especial o parecer apresentado pelo senador José Jorge (PFL-PE) sobre a proposta de emenda constitucional que trata da matéria, na Comissão de Justiça do Senado Federal, recolocaram a discussão na ordem do dia. Não tenho dúvida de que a intenção do senador ao apresentar essa manifestação foi a melhor possível. Todavia, a vida tem nos ensinado que nem sempre as boas intenções geram boas conseqüências. Às vezes, a busca desesperada dos meios para a solução de um problema leva a que se perca a visão maior dos fins que animam a solução do próprio problema. Ao se tentar salvar a árvore, aniquila-se a floresta. É o que poderá ocorrer com a reforma do Poder Judiciário, se for aprovada pelo Senado.
A
Pelo parecer do senador José Jorge, aprovado na Comissão de Justiça da Casa, o Supremo Tribunal Federal, consolidando sua posição interpretativa acerca de certas questões, poderá fixar regras gerais determinando o alcance e o sentido das nossas leis, de modo que todos os magistrados estejam sempre obrigados a segui-las. Não poderão mais discordar dessas “ordens superiores”, mesmo que as reputem erradas ou tenham novos argumentos para questioná-las. Com isso, pretende-se unificar para todo o país as interpretações legais de matérias controvertidas, agilizando as decisões de litígios. Mas, perguntemos: para que se quer um Judiciário mais ágil? A rapidez decisória de um litígio, naturalmente, não é um fim, mas um meio. Um meio para que a ofensa ao Direito não se perpetue e para que a vontade da maioria, expressa pela lei, seja assegurada. Um meio, enfim, para a manutenção da democracia. É na ausência dessa compreensão que reside o equívoco da proposta das súmulas vinculantes. Com a sua adoção, a pretexto
de agilizar a prestação jurisdicional, estar-se-á atribuindo à cúpula do Judiciário, constituída por magistrados não eleitos pelo povo, e vitalícios, o poder de fixar, em situação superior ou no mínimo equivalente à dos legisladores, regras interpretativas genéricas que a todos caberá obedecer, sem contestação e sem poder de revisão, já que apenas por esses mesmos magistrados é que poderão ser revistas. Seu poder será soberano, pois aos juízes da Corte Suprema caberá dizer para a sociedade, de modo genérico, o que afirma a lei. Afinal, aos parlamentares apenas caberá produzir a “lei” no seu sentido formal. No seu sentido “real”, no seu sentido que tem valor efetivo e vinculante, a lei será ditada pelo STF sempre que seus ministros entenderem que assim deva ser feito. Não há nessa afirmação, sinceramente, nenhum exagero. É sabido que a interpretação de uma lei não é um ato de técnica jurídica pura e neutra, mas sim uma verdadeira opção influen-
ciada por fatores ideológicos, culturais e políticos. Interpretar, portanto, é sempre uma escolha valorativa feita pelo intérprete a partir dos vários sentidos possíveis de uma norma legislativa. Desta forma, se vier o Congresso a atribuir à cúpula do Judiciário o poder de promulgação dessas verdadeiras leis interpretativas, a que se convencionou chamar de súmulas vinculantes, estará retirando do povo o poder de definir, por seus representantes, o sentido e o alcance da sua própria vontade. A lei valerá, genericamente, não pelo que o Legislativo afirmou dentro da ordem jurídica, mas pelo que o Supremo disser, dentro das “suas” opções valorativas Não há, pois, como pretender
agilizar as prestações jurisdicionais eliminando a finalidade maior a ser alcançada por essa própria agilização. Há, com certeza, outros meios para que a vontade democrática da população possa ser mantida por decisões ágeis do Judiciário, sem que o equilíbrio dos Poderes seja destroçado e sem que o poder das leis passe a ser emanado não mais do povo, como ordena a Constituição, mas de uns poucos homens togados, não eleitos pelo voto direto de todos os brasileiros. José Eduardo Martins Cardozo, 44, advogado, deputado federal pelo PT-SP, é o presidente da Comissão de Reforma do Judiciário da Câmara.
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AGENDA
Arquivo MPA
NACIONAL SANTA CATARINA II FESTA NACIONAL DAS SEMENTES CRIOULAS De 21 a 25 A festa, organizada pela Via Campesina brasileira, se propõe a mostrar o trabalho que vem sendo realizado no sul do país pelo resgate de sementes crioulas – variedade de sementes produzidas e melhoradas pelos agricultores. Participarão camponeses de vários Estados, autoridades e personalidades como Peter Rosset, Leornardo Boff, Sílvia Ribeiro, Pablo Solon. A festa faz parte da campanha internacional “Sementes: Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade”. A campanha defende a preservação das sementes sadias e o combate à manipula-
ção, ao monopólio e à imposição das sementes transgênicas. Haverá exposições de sementes, artesanato, plantas medicinais, comidas típicas, teatro, danças folclóricas, espetáculos e lançamentos de li-
vros. A programação conta ainda com três dias de seminários para a capacitação de agricultores, que acontecerá nos dias 21, 22 e 23. Na ocasião, serão discutidos temas como saúde, ambiente, Alca,
reforma agrária, biotecnologia, entre outros. Local: Pça. da Matriz, Anchieta Mais informações: (61) 321-7291, (49) 622-4682, mpabrasil@mpabrasil.org.br
logias e processo de valorização do capital, capitalismo hoje. Local: Pça. Joaquim dos Santos Ribeiro, 265, km 18, Osasco Mais informações: (11) 3695- 0661, izbarreto@ig.com.br.
Local: Casa da Cultura do Butantã, Av. Junta Mizumoto, 13, Jd. Peri-Peri, São Paulo Mais informações: (11) 9958-7314, acaopankararu@bol.com.br
Douglas Mansur
INFORMAÇÕES DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PELA INTERNET A Rede Social de Justiça e Direitos Humanos acaba de colocar no ar sua nova página de internet, com artigos, cartilhas em português, espanhol e inglês, relatórios sobre direitos humanos no Brasil, manifestos e acessos para páginas de outras organizações sociais. Entre os documentos, estão um depoimento do representante Macuxi do Conselho Índígena de Roraima sobre as violações contra os povos da terra indígena Raposa Serra do Sol e o dossiê “Ditadura contra as populações atingidas por barragens aumenta a pobreza do povo brasileiro”, produzido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens. Também está disponível o caderno “A Política Destrutiva do Banco Mundial para a Reforma Agrária”, uma análise das políticas do Banco Mundial para o meio rural em diversos países (África do Sul, Brasil, Colômbia, Guatemala, Índia, México, Tailândia e Zimbábue). E a íntegra do “Relatório Direitos Humanos no Brasil 2003”, em português e inglês, um dos únicos documentos diponíveis que refletem o panorama dos direitos humanos no país. Mais informações: www.social.org.br
SÃO PAULO LUTA PELA TERRA Dia 17, às 20h Nessa data comemora-se o Dia Internacional de Luta Pela Terra e, em 17 de abril de 1996, aconteceu o Massacre de Eldorado dos Carajás, quando muitos trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados por policias militares. No Espaço Plínio Marcos haverá um evento especial sobre o tema, com exposição fotográfica de Douglas Mansur. Nesse dia acontece uma edição do evento Curta na Praça, que vai exibir curtas-metragens de cineastas brasileiros que abordam a questão da terra. Entrada gratuita. Local: Espaço Plínio Marcos, Pça. Benedito Calixto, São Paulo Mais informações: (11) 3085-1502
RIO DE JANEIRO 4ª CÚPULA MUNDIAL DE MÍDIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES De 19 a 23 A cúpula é uma iniciativa da World Summit on Media for Children Foundation, que, criada em 1995, em Melbourne (Austrália), rapidamente deu origem ao mais importante fórum internacional sobre a qualidade da produção de mídia para crianças e adolescentes, novas tecnologias, políticas públicas e acordos legais e comerciais. Pela primeira vez, o encontro, que terá como tema “Mídia de Todos, Mídia para Todos”, será sediado na América Latina. Profissionais da indústria global de mídia, pesquisadores e educadores dos cinco continentes vão debater e analisar a produção para crianças e adolescentes na televisão, no rádio, no cinema, na internet e nos jogos eletrônicos. Local: Escola Naval do Rio de Janeiro, Av. Almirante Sílvio de Noronha, s/n, Rio de Janeiro Mais informações: (11) 3864-1239, midiativa@midiativa.tv, www.riosummit2004.com.br
SÃO PAULO GAFIEIRA DO DALUA A partir do dia 15, todas as quintas-feiras Depois de tocar com personalida-
des da música brasileira como Vânia Abreu, Luciana Melo, Wilson Simoninha, Jair Rodrigues, MPB4 e Lenine, Dalua apresenta seu novo projeto. O artista pretende resgatar o brilho e a sedução do samba antigo, tocado como na década de 40, onde o ritmo se firmou. Local: R. das Caneleiras, 500, Bairro Jardim, Santo André Mais informações: () 4438-7580
HOMENAGEM AOS 20 ANOS DO MST Dia 16 A homenagem incluirá a realização do seminário “A Reforma Agrária e o Modelo de Desenvolvimento”, com participação de Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Abra; Ariovaldo Umbelino, professor de Geografia da USP; Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST; Rolf Hackbart, presidente nacional do Incra. Haverá ainda exposição de produtos dos assentamentos do MST e das fotos do artista brasileiro Sebastião Salgado. Local: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Av. Pedro Álvares Cabral, 201, São Paulo Mais informações: (11) 3886- 6122
SEMINÁRIO - ÉTICA E DIREITOS HUMANOS Dia 16, a partir das 8h Participam o jurista e vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo; Maria Lúcia Silva Barroco, especialista em ética e serviço social; Flávia Piovesan, doutora em direito constitucional, além de representantes de diversas organizações que lutam pelos direitos de segmentos excluí-dos ou que sofrem discriminação, como a Associação do Orgulho, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o Fórum Estadual da Criança e do Adolescente e o Grupo Tortura Nunca Mais. Esses grupos apresentarão painéis com os cenários e desafios que enfrentam na luta pela afirmação dos seus direitos. Inscrições: R$ 10 Local: Al. Dino Bueno, nº 353, São Paulo Mais informações: (11) 3351 7519, seminariodh@cress-sp.org.br
CURSO - O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA Dias 17 de abril, 8 e 22 de maio e 8 de junho, das 14h às 18h Organizado pelo Instituto Socialismo e Democracia José de Campos Barreto, o curso será dividido em quatro encontros-aula. Os expositores serão: Célia Regina Congilio, do Núcleo de Estudos de Ideologia e Lutas Sociais da Niels (PUC-SP); Marcelo Buzzeto, do MST e do Niels. Os palestrantes falarão sobre formação do capitalismo, mercadoria e força de trabalho, processo de valorização das mercadorias, tecno-
FESTA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS DE SÃO PAULO Dia 25, das 9h às 17h O tema da festa será “Mitos, Rituais e Identidade Cultural Dentro do Contexto Urbano”. Estarão presentes as etnias indígenas Guarani, Kariri-Xocó, Fulniô e Pankararu, que participarão de eventos culturais como danças, artesanato, música, culinária indígena, debates e apresentação de documentários.
BAZAR DE ARTE POPULAR PERUANA Dia 29, das 9h30 às 20h A atividade, organizada pelo comitê das senhoras peruanas de São Paulo, e com apoio do Consulado Geral do Peru em São Paulo, pretende divulgar a arte popular e as comidas típicas peruanas. Local: R. Job Lane, 1030, São Paulo Mais informações: (11) 3742-4336, 8122-3394
MEMÓRIA
Morre Lélia Abramo, atriz e militante da Redação
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ão só as artes dramáticas brasileiras perdem uma de suas melhores cultoras, como o país perde uma grande militante das causas populares com a morte da atriz Lélia Abramo, aos 93 anos, dia 9 de abril, de embolia pulmonar, na UTI do Hospital Modelo, em São Paulo. Nascida em São Paulo, no bairro do Ipiranga, numa família judia convertida ao cristianismo, irmã do jornalista Cláudio Abramo e do gravador Lívio Abramo, Lélia já era militante trotskista aos vinte e poucos anos, na década de 1930, e namorava escondido o dirigente do Partido Comunista, de linha stalinista, Noé Gertel, a grande paixão de sua vida. Estava com o casamento marcado para 28 de ou-
tubro de 1937, mas a 4 de outubro o seu trotskismo foi “denunciado” à direção do partido e Gertel foi obrigado a renunciar ao matrimônio, casando-se no dia marcado com outra mulher, indicada pelos seus superiores. Lélia partiu para a Itália, onde viveu de 1938 a 1950, e trabalhou no escritório de uma produtora de filmes. Ao voltar ao Brasil, reatou o romance com Gertel, durante dez anos, mas, acima de tudo, iniciou, aos 47 anos, a carreira de atriz, tendo ganhado cinco prêmios pelo seu primeiro grande trabalho no teatro, na peça Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, em 1958. Atuou em 28 peças, 14 filmes e 29 telenovelas. Entretanto, a partir de 1977 passou a militar em defesa dos direitos dos artistas dramáti-
Jesus Carlos/Imagem Latina
Em seus 93 anos, a artista atuou em 28 peças, 14 filmes e 29 telenovelas, erguendo a bandeira do socialismo
Lélia: militância nos palcos e na vida
cos, profissão não regulamentada, em especial na televisão, exigindo maiores salários e melhores condições de trabalho. Seus patrões
da Rede Globo não gostaram e “mataram” sua personagem na telenovela “Pai Herói”. Em compensação, ela foi eleita presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo e, além de defender os direitos dos atores, se empenhou nas lutas pela anistia e pela democratização, militando também pelo socialismo e a favor das greves operárias iniciadas no ABC paulista. Assinou em 1980 a ata de fundação do Partido dos Trabalhadores, ao lado dos intelectuais Mário Pedrosa, Sérgio Buarque de Hollanda, Paulo Freire e Antônio Cândido. Agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silvla mandou uma carta de condolências à família e publicou também uma nota oficial em homenagem à atriz.
Em entrevista concedida no primeiro número de Brasil de Fato, Lélia Abramo declarou: “Quem sou eu para dar mensagem para a mulher brasileira? O que eu estou vendo no Brasil é que a mulher não se preocupa muito com a política, pela qual deveria se interessar mais. Ela faz parte da sociedade, tem que participar de todas as manifestações, movimentos, tomar partido, formar e declarar suas opiniões. A mãe deve cumprir a tarefa de cuidar dos filhos sem perder o direito de se instruir, se cultivar e obedecer às suas prerrogativas. E, depois, ela precisa se convencer de que é companheira do homem, que diferença não é inferioridade. Ela nunca foi vista como um gigante, e ela tem que ser gigante. A mulher brasileira pode ser o que quiser”.
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CULTURA
De 15 a 21 de abril de 2004
CULTURA INDÍGENA
Alvenaria dá lugar a moradias tradicionais Gláucia Ribeiro Lira de Brasília (DF)
MSMT
Através da construção de uma aldeia modelo, projeto “Morada dos Filhos do Sol” quer resgatar a cultura do povo Bororo
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GENTE DE VERDADE Atualmente, a população Bororo é de cerca de 1.100 pessoas, divididas em seis reservas: Meruri, Sangradouro, Perigare, Tadarimara, Jarudori e Teresa Cristina. O povo se autodenomina boe, ou “gente de verdade”, enquanto a palavra Bororo significa pátio da aldeia ou pátio das danças. A língua falada é da família lingüística jê e a rica cultura da comunidade já foi objeto de vários estudos, teses, livros e filmes, ao longo de mais de um século. O primeiro contato de bandeirantes com um grupo Bororo aconteceu em 1719, quando era intensa a procura de ouro. Naquele período, a nação se dividiu em duas: os Bororo orientais, que não aceitaram os brancos, ocuparam o lado Oeste do Rio Cuiabá, enquanto os ocidentais, unidos aos brancos, começaram a participar da exploração do metal. O território tradicional dos Bororo ocupa grandes extensões de cerrado, onde se situam os Estados SAIDEIRA
Em lugar de casas de alvenaria, projeto prevê construção respeitando a tradição cultural Bororo, ou “povo de verdade”
de Goiás, Mato Grosso, até o norte de Minas Gerais (nesta região, as aldeias foram extintas no início do contato com os brancos). O contato causou a morte de milhares de índios pelo contágio de doenças de branco. Guerras, tanto contra os brancos quanto contra povos que disputavam o mesmo território, fizeram a população Bororo cair ainda mais. De mais de 5 mil indígenas no século 18, restaram cerca de 750 pessoas no século 19. No século 20, a situação se reverteu, chegando a aproximadamente
1.100 Bororo. Atualmente, o maior problema causado pelo contato com os brancos é o alcoolismo.
CULTURA DESTRUÍDA Na aldeia Bororo, as casas estão distribuídas ao redor de um círculo. No centro, está o pátio (Bororo), lugar de cerimônias, danças, cantos e onde são tomadas decisões importantes. Lá fica o bai mana guegewu – casa central, ou casa dos homens. A partir dos oito anos de idade, rapazes solteiros dormem lá. Ao se casarem, mudam para a casa da sogra.
A aldeia divide-se em duas metades: ecerae e tugaregue, cada uma dividida em quatro clãs. O casamento faz a integração unindo jovens de clãs diferentes. A casa Bororo é território feminino. Tem em torno de 45 m², com as paredes em palha trançada ou varas. Enquanto homens freqüentam somente a casa de seu iwobe (parente mais próximo), ou a bai mana guegewu, as mulheres se visitam o tempo todo. Na Reserva Meruri, a presença dos brancos trouxe mudanças na
tradição. A TV está presente nas casas e a roça tradicional foi trocada pela mecanizada. Os índios de Meruri dependem de óleo, adubo e sementes da Fundação Nacional do Índio (Funai), sendo que a terra, de cascalho e areia, dificulta a plantação. Os milhos e batatas tradicionais foram substituídos por um só tipo de milho amarelo e um de batata. Grande parte da comida é comprada com salários pagos pela missão, pela Funai ou por ajuda paga pelo governo. (MinC, www.cultura.gov.br)
SEMANA DOS POVOS INDÍGENAS
Valor da água ganha destaque da Redação A importância da água para a preservação da cultura e para a garantia de sobrevivência dos povos indígenas é o tema da Semana dos Povos Indígenas, promovida em todo o Brasil, dias 18 a 24, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Utilizando o mesmo tema da Campanha da Fraternidade 2003, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Semana dos Povos Indígenas aborda questões como o valor simbólico, cultural e espiritual da água e as consequências da destruição dos rios para as nações indígenas. Um dos mitos recuperados pelo Cimi é o dos povos Yawalapiti e Kamayiurá, do Xingu, que crêem que um antepassado, um primeiro humano, desceu ao mundo das águas mais profundas. Nessa região subaquática, assistiu o tapanawaña, rito sagrado que dá origem a outros ritos de iniciação e de vida. Pôde, então, capturar os espíritos que estão nas flautas apapâlu. Esse primeiro humano trouxe as flautas sagradas para reger a vida e o culto do seu povo, pois todo o equilíbrio
CIMI
o dia 15, será apresentado publicamente o projeto Meri Ore Eda (Morada dos Filhos do Sol), elaborado pelo Instituto das Tradições Indígenas (Ideti), com o objetivo de promover o resgate cultural dos Bororo, nação indígena que vive no sudoeste do Estado do Mato Grosso, em dez aldeias de seis reservas. O projeto prevê a construção de uma aldeia tradicional modelo dentro da Reserva Meruri, no município de General Carneiro, a 110 quilômetros de Barra do Garças. Todo o trabalho visa recuperar a rica tradição do povo Bororo, que vem se perdendo ao longo dos últimos 100 anos de contato intenso com a sociedade branca. O projeto será entregue ao ministro Gilberto Gil, da Cultura, por Paulo Mierecureu Bororo, um dos diretores do Ideti, que é uma organização nãogovernamental criada e dirigida por indígenas de várias etnias. A Reserva Meruri foi escolhida para o projeto de aldeia modelo porque ali os índios vivem, atualmente, em casas de alvenaria, descaracterizadas de sua cultura. Do projeto Morada dos Filhos do Sol consta a construção de casas, o centro cultural e da aldeia dos visitantes. Todas as construções serão feitas respeitando-se a arquitetura que preserva os fundamentos da tradição cultural Bororo, com adaptações referentes, por exemplo, a saneamento. A paulista Ângela Pappiani, coordenadora do projeto, prevê a construção, a partir de junho, de 14 casas, cujo trabalho vai respeitar a arquitetura e os espaços tradicionais. “O projeto faz parte da vontade e da decisão da comunidade Bororo, de criar um modelo novo de relação do povo indígena com a sociedade”, ressalta Ângela. As casas serão um arquivo vivo e espaço de transmissão do conhecimento para as novas gerações. Oito dessas habitações serão erguidas em madeira e palha trançada com o baito ao centro.
Semana dos Povos Indígenas 2004 alerta para a privatização da água
da vida e das relações humanas depende dos espíritos que vieram do mais profundo do rio. No sertão do Mato Grosso, alguns povos, como os Myky, têm tal veneração ou respeito aos rios que nem costumam beber água diretamente da fonte, pois acreditam que isso traz doenças. Brancos que foram viver com eles eram vigiados para não correrem o risco de “beber” água quando tomavam banho no rio. Para os Myky, a água é reservada aos deuses e aos
banhos comunitários e de integração dos homens e das mulheres.
DESTRUIÇÃO DE TERRAS O Cimi alerta que a destruição das águas dos territórios indígenas, com a construção de hidrelétricas e das barragens e com a invasão de garimpeiros buscando minérios, transformaram a vida dos índios. Um exemplo é o do povo Tuxá, levado a sucessivos deslocamentos face à penetração das frentes
pecua-ristas, a partir do século 17. Aglutinaram-se na área que viria a ser a cidade de Rodelas, norte do Estado da Bahia. Tinham, dentro do seu território, cerca de 30 ilhas. O contínuo processo de invasão fez com que restasse apenas uma, a Ilha da Viúva, para sua sobrevivência. Tradicionalmente agricultores, os tuxá tinham uma fonte de renda na navegação fluvial. Os barcos eram usados como transporte para as ilhas, para as áreas de caça e pesca e para a condução de cargas e passageiros para as feiras de Belém do São Francisco e Itacuruba, na margem oposta do rio, em Pernambuco. Em 1986, como conseqüência da construção da Hidrelétrica de Itaparica, os Tuxá foram expulsos de suas terras. A área inundada pelo lago desalojou mais de 200 famílias e impediu a prática de uma agricultura de várzea que contrastava com a aridez da caatinga. As limitações impostas à prática da agricultura foram responsáveis por um aumento sensível no tempo disponível desses índios, proporcionando um acúmulo de horas ociosas que têm gerado um preocupante índice de alcoolismo no grupo. NOVAES