Ano 2 • Número 60
R$ 2,00
EX
CL US I
VO
São Paulo • De 22 a 28 de abril de 2004
Chávez propõe alternativa ao FMI Roberto Barroso/ABR
O presidente da Venezuela defende a criação de um fundo financeiro que assegure a soberania da América Latina
No dia do índio, lideranças acampam na frente do Congresso, em Brasília, para cobrar demarcação de terras e tentar uma audiência com o presidente Lula
Dia 19, a comemoração do Dia do Índio no Congresso transformou-se em ocupação, feita por 173 lideranças de 33 povos indígenas. No acampamento, eles exigiram a imediata homologação da área Raposa Serra do Sol, em Roraima, e uma reunião com o presidente Lula. A semana também foi marcada pela morte de 29 pessoas em um garimpo ilegal em terras dos Cinta-Larga. Pág. 3
O neoliberalismo, que privilegia o mercado e os mais ricos, produz concentração de renda, desemprego, fome, pobreza. Em 2002, o Brasil tinha 56 milhões de miseráveis, com renda mensal inferior a R$ 79. Recordista em desigualdade, o país tem altos índices de violência:
entre 1980 e 2000, ela cresceu 130%, atingindo, sobretudo, os jovens. Entretanto, os governos pagaram R$ 424 bilhões em juros, entre 2000 e 2003, dinheiro que foi desviado dos programas sociais para beneficiar bancos, grandes grupos econômicos e os mais ricos. Além de de-
semprego, essa política gera distorções como o agravamento da concentração da renda, e o encolhimento da classe média. Em 2000, apenas 5 mil famílias detinham um patrimônio de R$ 691 bilhões, valor igual a 46% do PIB. Págs. 2, 5 e 6
E mais: SEM-TERRA – Dia 16, em Pernambuco, mais de dois mil sem-terra fizeram uma marcha em Recife e se encontraram com o governador Jarbas Vasconcelos, cobrando agilidade na implantação de políticas de reforma agrária. Pág. 3 CONFLITOS NO CAMPO – O relatório Conflitos no Campo - Brasil 2003, da Comissão Pastoral da Terra, revela crescimento vertiginoso dos assassinatos no campo: 73 trabalhadores rurais mortos, contra 29 mortes em 2002. Pág. 4 ÁFRICA – De olho nas riquezas minerais no continente, Estados Unidos montam estratégia bélica para aproveitar reservas de ouro e diamantes. Pág.10
Em todo o mundo, ativistas se preparam para marcar com protestos a reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em Washington, dos dias 23 a 25. As duas instituições completam 60 anos, e só os detentores do grande capital têm o que comemorar. Os ativistas querem o cancelamento das dívidas dos países pobres. Pág. 9
Dependendo do ajuste fiscal, o mínimo sobe
Com o apoio de Bush, Sharon mantém terror O Exército israelense assassinou, dia 17, o líder do Hamas, Abdel-Aziz, que havia assumido o cargo há menos de um mês. O atentado ocorreu alguns dias antes de o presidente estadunidense, George W. Bush, defender a política de extermínio da resistência palestina, levada a cabo pelo primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon. Pág. 11
São 60 anos de políticas de fome e pobreza
Miséria cresce e ricos ficam mais ricos
Kevin Frayer/AP/AE
Índios ocupam o Congresso por demarcação
A
criação de um fundo financeiro latino-americano que assegure a soberania dos países do Sul foi uma das propostas apresentadas pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, em que defende a integração dos países da América Latina. Chávez identifica uma nova onda de rebeldia, propulsora de avanços nas lutas de massas e considera a organização popular um elemento fundamental para garantir os governos democráticos. “Estamos diante de um grande caminho e espero que os líderes que estão emergindo, na América Latina sobretudo, estejam à altura desses acontecimentos”, diz. O presidente venezuelano sugere, ainda, a formação de uma companhia petrolífera do Sul, de uma rede de TVs públicas do Sul e de uma universidade do Sul. Págs. 12 e 13
A palestina Asma Mattar, neta de Abdel-Aziz Rantissi, líder do Hamas assassinado, segura uma foto de seu avô, em Gaza
As centrais sindicais defendem um mínimo de R$ 300, economistas mostram que o reajuste pode impulsionar a economia e o mercado interno, mas o governo dá a entender que o aumento não deve ir além de R$ 275, para garantir o ajuste fiscal e o superávit primário. Veja na sessão debate a opinião do senador Paulo Paim e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Págs 7 e 14
O Equador se mobiliza contra Lucio Gutiérrez Pág. 9
Sem-teto iniciam luta por fundo de moradia popular
Favelados exigem o fim da violência Pág. 8
Movimentos por moradia iniciaram, na madrugada do dia 19, uma série de ações para pressionar pela criação do Fundo e do Conselho Nacional de Moradia Popular. Movimentos de São Paulo realizaram oito ocupações, mas a Polícia Militar desocupou sete dos oito imóveis até a manhã do dia 19. A ocupação de um antigo quartel da Polícia Militar, no centro da cidade, terminou em confronto entre um movimento de sem-teto e a polícia. Pág. 3
Bertazzo leva ao palco jovens da periferia Pág. 16
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De 22 a 28 de abril de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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NOSSA OPINIÃO
Neoliberalismo gera desigualdade social e violência
C
erca de 600 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, no período de 1980 a 2000. Os dados são da “Síntese de Indicadores Sociais”, recentemente divulgados pelo IBGE. Uma média de 30 mil assassinatos por ano. Desse total, 62% foram na década de 90, fazendo a média anual saltar para 37 mil mortos. Em algumas regiões, como a do Estado do Rio de Janeiro, as mortes violentas reduzem a expectativa de vida do brasileiro em 4,1 anos. Em São Paulo, a redução é de 3 anos. O grupo mais afetado é a população jovem, de 15 a 24 anos. De 1991 a 2000, o número de assassinatos nessa faixa etária aumentou 134%. As mortes de bebês ocorridas nos seis primeiros dias do nascimento, que representavam 39,4% do total em 1992, passaram para 50%, em 2000. São mortes causadas por complicações ocorridas na gravidez ou no parto. Não bastasse tudo isso, em 2002, cerca de 34,1% da mão-de-obra ocupada estavam no trabalho informal, cujo rendimento médio familiar era inferior a meio salário-mínimo. Assim, todos os indicadores sociais pioraram na década de 90, quando a política neoliberal passou a ser implementada pelo governo Collor e foi aprofundada com FHC. Na mesma semana em que eram apresentados esses números, na cidade do Rio de Janeiro, a Polícia
Militar e grupos de narcotraficantes desencadearam uma onda de violência de repercussão internacional. A PM carioca mobilizou mais de 1.300 homens para ocupar a favela da Rocinha. As fotografias dos jornais e imagens de TV mostravam com clareza o medo e a insegurança estampados na fisionomia desses policiais. Medo não só causado pelo absurdo arsenal de armas em mãos dos narcotraficantes. Mas, sobretudo, medo por se sentir em um ambiente hostil à sua presença. É visível e crescente a mútua desconfiança entre a população pobre e a polícia. Aquela é tão vítima da violência desta, quanto é dos grupos criminosos. Não associar os números dos indicadores sociais apresentados pelo IBGE com essa onda de violência, é querer tapar o sol com a peneira. A desigualdade social é uma das principais causas da violência. A ausência do Estado na promoção de serviços sociais, no acesso à educação e assistência médica, na promoção de condições dignas de moradia, transporte e no incentivo a áreas de lazer e de cultura, marginalizam cada vez mais parcelas da população pobre, e as transformam em presas fáceis do narcotráfico. Além disso, o Estado não pode se eximir da sua responsabilidade de implementar uma agressiva distribuição de renda e riqueza em nos-
so país. De nada adianta sermos o segundo maior consumidor mundial de aviões a jato para uso particular se um terço da população brasileira está abaixo da linha de pobreza. De que adianta nos vangloriarmos de uma produção agrícola de 123 milhões de toneladas de grãos, se há mais de 120 milhões de hectares de terras aptas para agricultura que são mantidas de forma improdutiva e se pelo campo perambula uma multidão de 4,5 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem-terra? Os resultados da política neoliberal da década de 90 estão se fazendo sentir agora. E, ao elogiar a política econômica de FHC e garantir sua continuidade, o ministro Antônio Palocci deu respaldo ao governo que Lula derrotou nas eleições de 2002. Assume, dessa forma, a co-autoria da política neoliberal. Deveria, também, assumir a co-responsabilidade dos efeitos dessa política. Com esse afago, talvez Palocci quisesse retribuir os elogios que vem recebendo dos parlamentares tucanos. Menos grave se fosse apenas um elogio para alimentar o ego do ex-presidente. Mas, diante da política econômica de Palocci, não há como negar a veracidade das palavras do governador Roberto Requião: “Os neoliberais não acreditaram que perderam as eleições, e o Lula não percebeu que ganhou”.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES “PIRATIZAÇÕES” Conheci o Jornal nesta semana e fico contente que comecem a surgir veículos de divulgação da verdade (e não veículos de encobrimento). O jornal Hora do Povo é pioneiro e estão de parabéns assim como vocês. Uma das coisas que precisam ser passadas a limpo neste país é o assunto das “piratizações” dos senhores FHC, Covas, Lerner entre outros. Quanto foi arrecadado, como foi arrecadado, quem pôs dinheiro, para onde foi este dinheiro etc. Além disso o assunto da monstruosa dívida interna do governo brasileiro que saltou de R$ 61 bilhões no início de FHC para R$ 875 bilhões em dezembro de 2002. Para onde foi essa montanha de dinheiro? Quanto se pagou durante estes 8 anos de desgoverno e a quem? Um abraço e parabéns a vocês. Ivan R Pedroza por correio eletrônico SAUDAÇÕES Sou fã número um de vocês. Acompanhei a “gestação”, o”parto”, e tenho acompanhado o crescer (tudo de camarote...) do Brasil de Fato. Alias, como cresceu esse jornal! O que tenho a dizer é: continuem com esse sucesso todo. Precisamos saber o outro lado da história que não nos é contado. Cristiane Regina Melz Marechal Cândido Rondon, (PR) O BRASIL COMO ELE É Gostei muito da idéia de fazer um jornal que mostra realmente o que se passa em nosso país. Um jornal sem
interferências políticas e econômicas, que tem compromisso em mostrar o Brasil como ele é, e não como alguns querem que seja. Finalmente um espaço foi aberto na imprensa para que os excluídos possam se manifestar. Parabéns pela idéia. José Luiz Guerra por correio eletrônico LULA FHC criou o plano Real enquanto ministro, controlou a inflação durante o seu primeiro governo, por isso foi reeleito. Mas Lula, desde o início do primeiro ano de governo, já fala em reeleição, não tendo até hoje cumprido as promessas de campanha... Como se reeleger sem ter feito nada? Sou eleitor de Lula, mas acho que só se deve pedir após mostrar trabalho. Se Lula prometeu pelo social e não fez nada, não parecem “naturais” reações como as dos sem-terra e da Rocinha? O governo Lula está perdendo o bonde da história; após diminuir os índices de aprovação é que ele não conseguirá realizar seu programa de governo. Marcos Vicentini Campinas (SP)
ERRAMOS Diferente do que foi publicado na página 3 da edição 59, a reserva indígena Raposa Serra do Sol fica em Roraima e não em Rondônia.
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CRÔNICA
Venceu o melhor, de forma clara e legítima Juarez Soares A final do Campeonato Paulista foi antes de tudo honesta. Venceu o melhor, de forma clara e legítima. O São Caetano, time da cidade de São Caetano do Sul, mereceu o título com todas as honras. Jogou, atacou, fez gols, sobre os quais não paira a menor dúvida. O estádio do Pacaembu, em São Paulo, foi palco de uma cena rara no futebol. O vice-campeão, Paulista de Jundiaí, equipe da cidade de Jundiaí, interior do Estado, foi aplaudido por sua torcida, que não arredou pé do estádio até o final da premiação. Sem bronca, sem briga, sem revan-
che, sem mágoa, sem reclamações. Quem diria? Que bom perceber e constatar que ainda é possível jogar um futebol, como nos velhos tempos. Por falar em tempos de ontem, a próxima competição começa agora, o Campeonato Brasileiro. A diferença é que agora quatro times descem para a segunda divisão. Em campeonato com pontos corridos, não se pode sair perdendo. Correr atrás, é correr dobrado. Como diz o treinador de futebol, Wanderley Luxemburgo, é preciso ganhar no começo, armazenar, para, depois, ter gordura de sobra para queimar. Acho que os times que es-
tão disputando a Copa Libertadores da América devem começar melhor. Estão em outro ritmo de competição. Quem melhor conseguiu planejar, mais chance terá. Mas nessa alucinação do futebol brasileiro, quem é capaz de acompanhar o compasso desse autêntico redemoinho? Afinal quem tem chance de ser campeão? Eis a questão. A resposta é simples: aquele que tiver melhor equilíbrio financeiro, melhor elenco, melhor comissão técnica, melhor coordenação e torcida mais amiga. Fácil, não? Juarez Soares é cronista esportivo e escreve uma vez por mês neste espaço
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NACIONAL POVOS INDÍGENAS
Lideranças ocupam Congresso Nacional O
acampamento Terra Livre, erguido dia 14 na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, por 173 lideranças indígenas de 33 povos de todo o Brasil, foi transferido para o Congresso Nacional no dia 19. Na sessão solene em comemoração ao Dia do Índio, o plenário Ulysses Guimarães, da Câmara dos Deputados, abriu espaço para os indígenas falarem de sua realidade. Depois de uma ocupação-relâmpago do plenário, no dia 20 eles reuniram-se com a Secretaria da Presidência e marcaram, para 10 de maio, um encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e 20 representantes de nações indígenas. Essa foi a segunda vez, em 173 anos de parlamento brasileiro, que o plenário da Câmara foi aberto a lideranças indígenas. Em comum, os índios teceram fortes críticas à lentidão dos processos de demarcação e homologação das terras, à ausência de uma política indigenista que aumente a participação dos povos indígenas nas decisões das políticas públicas e ao número de assassinatos – 31 pessoas, somente em 2003. Como símbolo de suas reivindicações, os indígenas elegeram como prioridade a homologação imediata da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que em 30 anos de luta registrou 21 assassinatos de lideranças Ingaricó, Macuxi, Taurepang, Wapichana e Wai Wai. No último discurso previsto, Júlio Macuxi surpreendeu a todos anunciando a ocupação do plenário da Câmara, por tempo indeterminado. Os índios permaneceram na
MOBILIZAÇÃO
Sem-terra de PE negociam com governador Rodrigo Valente de Recife (PE) No dia 16, mais de dois mil sem-terra marcharam pelas ruas de Recife, encerrando a Jornada de Lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Pernambuco, iniciada três dias antes, no município de Paudalho. Ao longo da jornada, o MST ocupou 87 propriedades em todo o país, mobilizando cerca de 24 mil famílias. Em Pernambuco, foram 31 áreas ocupadas e mais de oito mil famílias envolvidas nas mobilizações. Antes de marchar pelo Centro do Recife, os militantes do MST e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) ocuparam a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). De lá, a caminhada seguiu até a Avenida Guararapes, cobrando agilidade para a reforma agrária. Os manifestantes lembraram o massacre de 19 trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás, há oito anos, e criticaram a política econômica do governo Lula. Uma das conquistas da marcha foi uma audiência com o governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), dia 19. Preocupado com a atuação dos movimentos, Vasconcelos enviou carta ao presidente Luis Inácio Lula da Silva, cobrando providências do governo federal. Segundo o coordenador estadual do MST, Jaime Amorim, o governo reagiu positivamente à pauta dos sem-terra. “O governo se dispôs a ajudar, contratando técnicos, desde que sejam solicitados pelo Incra, para apoiar os processos de vistorias, a fim de agilizar a reforma agrária”, afirmou, revelando a formação de um grupo de trabalho para encaminhar as reivindicações.
Convenção da OIT é finalmente promulgada Rosane Lacerda de Brasília (DF)
Manifestação de índios em 19 de abril. Eles criticam a falta de agilidade com os processos de homologação
ante-sala do plenário até as 20h30. Durante a tarde, vários movimentos e personalidades manifestaram apoio à ocupação. João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, afirmou: “Se for preciso, vamos juntar foices e flechas. Estamos juntos! Não queremos que os índios de hoje sejam os sem-terra de amanhã”.
(RO), onde 29 pessoas foram mortas no interior de um garimpo ilegal, provavelmente atacados por índios Cinta-Larga em defesa de suas terras. O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Gomes Pereira, declarou que os índios estavam defendendo suas terras dos invasores. No mesmo dia, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, relembrou a presença ilegal dos garimpeiros nas terras dos índios, enquanto o secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, reconhecia a ilegalidade mas condenava os assassinatos.
TRAGÉDIA ANUNCIADA A Semana dos Povos Indígenas foi marcada também pela divulgação da tragédia na terra indígena Roosevelt, em Espigão D’Oeste
Desde o assassinato de Carlito Cinta-Larga, em dezembro de 2001 – ainda não resolvido – a situação de tensão na região se intensificou. De janeiro a agosto do ano passado, o garimpo ficou fechado e os garimpeiros foram expulsos. Entretanto, em outubro, o conflito veio a tona, quando cerca de 100 garimpeiros ameaçaram invadir a área. Guerreiros, os Cinta-Larga reafirmavam sua disposição de não permitir mais invasões. (Colaborou André Vasconcelos, do Conselho Indígena de Roraima. Com informações do Instituto Socio Ambiental, www.isa.org.br)
Após 13 anos de espera, entrou em vigor no Brasil, no dia 20, a Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre as relações entre Estados nacionais e povos indígenas e tribais em países independentes. A convenção, que vigora internacionalmente desde 5 de setembro de 1991, já foi ratificada por 16 nações. Aprovada em 27 de junho de 1989, a Convenção nº 169 revisa a Convenção n.º 107 Sobre Populações Indígenas e Tribais, editada em 1957 e que no Brasil norteou a elaboração do Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001), de 19 de dezembro de 1973. A atual convenção propõe a eliminação do integracionismo, substituído pelo respeito ao pluralismo étnico-cultural dos povos indígenas. Defende também o respeito e garantia da participação desses povos nas decisões referentes a questões que lhes dizem respeito. Os trâmites para a aprovação e vigência da convenção no Brasil se arrastaram desde o início da década de 1990 e foram objeto de uma longa campanha por parte do movimento indígena e seus aliados. Discutido no Congresso Nacional desde 1991, o texto foi aprovado em 2002.
SEM-TETO
Tentativa de ocupação termina em confronto Bruno Fiuza da Redação A Avenida Nove de Julho, que liga a zona sudoeste ao Centro da cidade de São Paulo, é um retrato de contrastes da metrópole. Em uma ponta estão bairros de classe média alta, com apartamentos de até 650 metros quadrados, comparados a “uma chácara” pelo porteiro Valdomiro Marinho dos Santos. Na outra ponta, estão bairros centrais e pobres, como Sé e Anhangabaú. Ali se concentra boa parte dos cerca de 1.200 semteto que, na madrugada do dia 19, tentaram ocupar um antigo quartel da Polícia Militar, localizado na Avenida do Estado, não muito distante da sede da Prefeitura paulistana. A maioria das pessoas que participou da ocupação promovida pelo Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) e pelo Movimento de Moradia da Região Central não possui sequer um metro quadrado para viver. Esse é o caso de Eliane Cristine Stéfano, que há 15 anos “mora” na Praça da Sé. Há aqueles que dividem um quarto, como as 97 famílias que, despejadas de um edifício na esquina das centrais Rua Ana Cintra com Avenida São João, em janeiro, foram morar no Hotel Mário, na rua Helvétia. Por fim, há os sem-teto que, organizados pelo MSTC, ocupam quatro prêdios em quatro endereços diferentes. Desses quatro edifícios, além de locais que serviam de pontos de apoio do movimento, saíram os 12 ônibus que estacionaram no antigo quartel da PM, por volta da meianoite do dia 19. Quando as cerca de 300 pessoas entraram no quartel, soldados começaram a atirar para o alto. Ao longo de uma hora e meia, os corredores de paredes manchadas e o pátio com mato foram tomados por um grupo apreensivo. Os sem-
Anderson Barbosa
Cristiano Navarro de Brasília (DF)
Roberto Barroso/ABr
Durante oito horas, índios pedem homologação da Raposa Serra do Sol e pressionam para marcar encontro com Lula
Mobilização dos sem-teto faz parte da campanha nacional pela criação do Fundo e do Conselho Nacional de Moradia Popular
teto temiam a entrada da polícia, que negociava com lideranças do movimento do lado de fora do prédio.
NEGOCIAÇÃO E VIOLÊNCIA A PM alegava que o quartel era um patrimônio histórico público, ex-residência da família real. Os sem-teto lembravam que o imóvel não cumpria sua função. “O que é mais importante, criar barata e rato aqui dentro ou ser humano?”, defendia um integrante do movimento. “Qualquer um vê que está em estado de deterioração. Se fosse algo tão precioso assim, teria uma manutenção” afirmou Janiz Martinez Belmonte Dias, do MSTC. O sargento Osmar, da tropa de choque da Polícia Militar, retrucou: “É um patrimônio histórico nacional, um patrimônio federal. Esse tipo de procedimento é crime, e crime só pode ser tratado com a lei”. O impasse foi resolvido com o uso da força, por volta da 1h30. A tropa de
choque entrou no prédio ocupado, agredindo os sem-teto. Maria Elvira Celestino, de 65 anos, foi uma das vítimas – levou um golpe de cassetete no braço. Depois da desocupação violenta, na rua em frente ao quartel, os sem-teto passaram a atacar a tropa de choque com garrafas de água e pedras. A resposta veio em forma de bombas de gás lacrimogênio e tiros com balas de borracha. Um dos disparos atingiu a perna do fotógrafo Anderson Prado, do jornal Agora. O confronto terminou com a desocupação do imóvel e a detenção de dez integrantes do movimento, registrados no 1º Distrito Policial e liberados a seguir, segundo o advogado Manoel del Rio.
MOVIMENTO EM CADEIA Na madrugada do dia 19, movimentos como o MSTC, a Unificação das Lutas de Cortiços (ULC) e União de Movimentos de Moradia Inde-
pendentes da Zona Sul (UMMIZS) realizaram oito ocupações em diferentes regiões de São Paulo. Todos os imóveis foram desocupados pela Polícia Militar na mesma madrugada, com exceção de um terreno da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), no Jardim São Luiz. A ação, planejada desde o fim de 2003 pelos sem-teto do centro, fazia parte de uma articulação, em âmbito estadual, da União de Movimentos por Moradia (UMM). A movimentação em São Paulo integrava a campanha nacional pela criação do Fundo e do Conselho Nacional de Moradia Popular, lançada no começo do mês pelo Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), pela União Nacional por Moradia Popular (UNMP), pela Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM) e pela Central de Movimentos Populares (CMP).
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Espelho da mídia
NACIONAL LUTA PELA TERRA
Aumenta violência no campo Laura Muradi de Brasília (DF)
Gushiken não se explica Luís Gushiken, ministro e secretário de Comunicação Social do governo federal, recebeu mais de meia dúzia de convites para debater a publicidade oficial direcionada aos meios de comunicação. Os convites foram feitos pela campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”. Mas, até agora, Gushiken não compareceu, talvez por não poder explicar a razão de tanto dinheiro ir para as Organizações Globo e tão pouco para as emissoras públicas. Renovação gratuita A concessão de um canal de televisão dura 15 anos e a de rádio, 10 anos. Para renovar essas minas de ouro, cedidas pelo poder público, a empresa não paga nada. É o melhor negócio do mundo. Mas feito às custas do cidadão, porque o espectro eletromagnético é propriedade do povo brasileiro que cede – de graça! – a renovação do espaço. Roteiristas defendem a Globo A quebradeira da TV Globo, ávida por dinheiro público, sensibilizou a Associação dos Roteiristas de Televisão, Cinema e Outras Mídias (ARTV). Em documento público, a ARTV diz: “A televisão brasileira, especialmente sua dramaturgia, atingiu um nível de excelência, reconhecido nacional e internacionalmente, constituindo-se num patrimônio cultural que é obrigação tanto do governo como nossa – autores e roteiristas – preservar, o que, em termos práticos, significa apoiar o empréstimo à TV Globo, para que possa enfrentar suas atuais dificuldades”. Obrigação do governo botar dinheiro do povo no bolso dos Marinho? Cinema digital: fique de olho O cinema do futuro vai dispensar a película e usar computador. Pelo menos é isso o que dizem os especialistas. No Brasil, uma empresa, a Rain Networks, garante ter desenvolvido um programa de computação que vai permitir compactar os filmes e exibi-los em salas que serão duplex – para projeção da película em sistema tradicional e pelo sistema digital. Mudanças futuras As grandes empresas de cinema no mundo estão desenvolvendo seus sistemas, que trazem como principal vantagem o barateamento dos custos de distribuição e exibição. Ao que parece, os mesmos problemas continuarão: não existem salas fora das capitais e fora dos shoppings centers, uma sessão de cinema é muito cara, o filme estadunidense ocupa 92% das telas e a Globo Filmes domina 90% do mercado nacional.
AGRONEGÓCIO E VIOLÊNCIA “O governo adotou uma nova postura diante dos movimentos do campo, não os tratando como criminosos, conforme aconteceu durante os oito anos do governo FHC. Aumentou a expectativa dos trabalhadores rurais sem-terra, que se mobilizaram fazendo ocupações de terra para agilizar a reforma agrária. Por outro lado, os latifundiários passaram a agir por conta própria porque não tiveram guarida no Executivo”, diz o coordenador da CPT. O estudo tem uma novidade. Além dos números absolutos – segundo os quais o Pará foi o Estado mais violento, com 33 mortes –, mostra a proporção de mortes em relação ao total da população rural de cada Estado. A violência aumentou exatamente nos Estados onde o agronegócio está mais bem estruturado, ou seja, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Goiás, situados no Centro-Oeste, região em que o latifúndio se modernizou. “O agronegócio, além de destruir o meio ambiente, mata sem-terra”, salienta Revers. Carlos Walter Porto Gonçalves, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), observa que mais de 6% da população do Mato Grosso sofreram despejo e cerca de 40% da população rural estiveram envolvidos em conflitos rurais. “É uma porcentagem altíssima: quase metade da população rural esteve envolvida em conflito agrário no
Celebração de sem-terra na Catedral de Brasília, dia 17 Laura Muradi
Campanha contra baixaria A campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, que recebe denúncias da população contra a má qualidade da programação da televisão brasileira, está no ar há 15 meses. Um novo conselho de acompanhamento da mídia, eleito dia 14 de abril, está formado por diversas entidades. A campanha é uma subcomissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, e está sob a coordenação do deputado Orlando Fantazzini (PT-SP). Embora sob limites, é hoje a única forma de controle social dos meios de comunicação social. A campanha pode ser contatada no sítio www.eticanatv.org.br
L
ançado em Brasília, no Dia Nacional da Luta Pela Reforma Agrária, 17 de abril, o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2003”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), conclui que, em 2003, os assassinatos cresceram significativamente em relação a 2002. Foram 73 trabalhadores rurais mortos em conflitos no campo, muito mais do que as 29 mortes registradas no ano anterior. Em 2003, ocorreram 1.690 conflitos, envolvendo 1.190.578 pessoas. Este ano foi também o de maior número de ocupações: 676, com a participação de 124 mil famílias. Isidoro Revers, da coordenação nacional da CPT, observa que o relatório demonstra que a violência cresceu por causa da inoperância do atual governo, sobre o qual os sem-terra depositaram grandes esperanças de conquistas, ainda não confirmadas.
Sessão solene lembra massacre em Carajás
Relatório da CPT aponta o Pará como o Estado mais violento
Estado do Mato Grosso”, afirma. Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT, ressalta que, apesar das dificulfades, houve avanços na luta no campo. Ele cita como exemplo a elaboração do 2º Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA). “As
metas de assentamento foram estabelecidas no Plano e, portanto, agora obrigam o governo a cumprilas”, diz. A expectativa dos trabalhadores rurais é que haja avanços também na construção de um novo modelo agrícola para o país.
CORRUPÇÃO ELEITORAL
Movimento se prepara para as eleições Ana Flor de Brasília (DF) Em preparação às eleições municipais deste ano, o Movimento Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral (MNCCE) organizou em Brasília o 2º Seminário Nacional de Juízes, Procuradores, Promotores e Advogados Eleitorais. O tema do encontro, que aconteceu de 12 a 14, foi “Cidadania e Corrupção Eleitoral”. Francisco Whitaker Ferreira, participante do movimento e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), diz que o encontro já rendeu resultados práticos. Segundo ele, procuradores e promotores eleitorais chegaram à conclusão de que precisam manter uma relação mais estreita para fechar o cerco à corrupção em campanhas. “Estamos aprofundando as possibilidades da lei”, diz Whitaker, referindo-se à Lei nº 9840/99, que institui a possibilidade de cassação do registro eleitoral de candidatos descobertos
Paulo Pereira Lima
Multas às rádios comunitárias A Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) está cada vez mais eficiente na repressão às rádios comunitárias. No passado, “somente” lacrava as rádios. Depois, junto com a Polícia Federal, resolveu também fazer apreensões de equipamentos e indiciar os “marginais” em inquérito. Era pouco. Agora, além das outras punições, a Anatel está aplicando multas às emissoras comunitárias, autorizadas ou não. A média do valor das multas é de R$ 1.500. É a liberdade de expressão no governo Lula!
Nina Fidelis
Lançado dia 17 de abril, documento aponta assassinatos de 73 trabalhadores rurais em 2003
Cartilha sobre a Lei 9840
comprando votos ou utilizando a máquina administrativa a seu favor durante a campanha.
AÇÃO DE PROFISSIONAIS Esse é o segundo seminário promovido pelo MNCCE. O primeiro ocorreu logo após as eleições de 2000, também municipais. O relan-
çamento do seminário – e de uma intensa campanha contra a corrupção eleitoral – é uma forma de reforçar a necessidade de controle do processo eleitoral. O foco nos procuradores, promotores e advogados eleitorais foi feito porque são esses profissionais que atuam ativamente nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Conforme Whitaker, a corrupção eleitoral no Brasil é grande e não se concentra apenas no interior. Ele citou o exemplo de Brasília (DF), onde um processo de corrupção eleitoral envolve o atual governador distrital, Joaquim Roriz. “É um problema antigo e faz parte da cultura brasileira”, diz. Para ele, o político que pratica a corrupção eleitoral se aproveita das carências da população: “O candidato não vê a pessoa como cidadão. Quanto mais ignorante politicamente, melhor. Ele poderá voltar a ele nas próximas eleições”. O próximo passo da comissão é realizar seminários semelhantes em cada uma das regiões brasileiras. (Adital, www.adital.org.br)
Sob os coloridos vitrais da Catedral de Brasília, uma celebração religiosa foi dedicada à memória dos oito anos do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) carregaram 19 pequenas cruzes representando os 19 trabalhadores mortos pela Polícia Militar no Estado. Após uma citação da Bíblia e uma oração, as cruzes foram colocadas no altar e abençoadas por dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O bispo afirmou: “Tentaram matar a reforma agrária com a morte dos 19 trabalhadores, dia 17 de abril de 1996. Estão tentando matar a reforma agrária nesses 500 anos da história do Brasil e ela permanentemente ressuscita por meio dos trabalhadores rurais sem-terra, que ocupam o latifúndio, fazem acampamento e exigem a reforma agrária”.
ROSAS BRANCAS Também em Brasília, pela segunda vez nesse ano, o plenário Ulysses Guimarães, da Câmara Federal, ficou repleto de bandeiras e camisetas vermelhas do MST. Os 250 sem-terra que participaram, pela manhã, de uma sessão solene da Câmara, à tarde foram recebidos em plenário junto com os trabalhadores rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Em homenagem aos mortos em Eldorado dos Carajás e ao Dia Nacional da Luta Pela Reforma Agrária, representantes da CPT, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) tornaram a colocar em pauta a violência no campo e a conjuntura da reforma agrária. Na sessão, realizada por iniciativa do deputado Wasny de Roure (PT-DF), cada sem-terra recebeu um botão de rosa branca, acompanhado de um poema de autoria de Nilson Mourão. Parlamentares e militantes assistiram ao vídeo sobre o massacre de Eldorado dos Carajás e, em meio ao silêncio do plenário, após o documentário, uma militante soltou um grito de indignação, cobrando do Estado a responsabilidade no combate aos crimes contra os direitos humanos. (LM)
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De 22 a 28 de abril de 2004
NACIONAL INJUSTIÇA SOCIAL
Juros altos perpetuam a concentração Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
Folha Imagem
Cinco mil famílias têm patrimônio correspondente a quase 50% de todas as riquezas que o Brasil produz em um ano
N
os últimos quatro anos, o setor público brasileiro, incluindo os governos federal, estaduais, prefeituras e suas estatais, foi obrigado a desembolsar o equivalente a 28% de todas riquezas geradas pelo país em um ano para pagar os juros de sua dívida. Entre 2000 e 2003, foram gastos, segundo o Banco Central, R$ 423,6 bilhões apenas para cobrir a conta deixada por uma política renitente de juros escorchantes – dinheiro dos impostos foi desviado da saúde, educação, saneamento básico, da reforma agrária e dos programas sociais em geral para o mercado financeiro, beneficiando bancos, grandes grupos econômicos e os mais ricos. Esse tipo de política tem produzido, além de taxas recordes de desemprego, distorções permanentes para a economia, que têm limitado e mesmo impedido seu crescimento, criando obstáculos para uma retomada sustentável da atividade econômica. Pesquisas recentes confirmam o diagnóstico ao apontar a manutenção, e até um agravamento, da concentração da renda no Brasil, e um gradativo encolhimento das camadas médias de renda. O acúmulo de riqueza financeira, estimulado pela política de juros altos, que assegura aos donos do dinheiro contabilidades maior do que eventuais investimentos no lado real da economia (atividades produtivas), fez crescer o número de famílias brasileiras com renda superior a R$ 10.982 (45,8 saláriosmínimos), num ambiente de estagnação e paralisia econômica.
Malhação do Judas, simbolizado pelos bancos: acúmulo de riqueza financeira às custas da política dos juros altos
participação na renda total do país avançou de um quinto para um terço no mesmo período, mantendo a concentração praticamente inalterada. Mais grave, apenas cinco mil famílias (0,001% do total) detinham, em 2000, um patrimônio de R$ 691 bilhões, correspondente a 46% do Produto Interno Bruto (PIB), que soma todas as riquezas geradas por um país num período de 12 meses. Os dados constam do Atlas da exclusão social – Os ricos no Brasil, trabalho realizado em conjunto por 16 pesquisadores e economistas da bicampeã, USP, Unix e PUC de São Paulo, coordenado pelo economista Márcio Pochmann, secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo. Mas por que os ricos ficaram ainda mais ricos e os pobres, mais pobres? O Atlas ajuda a entender como o agravamento da concentra-
MAPA DA CONCENTRAÇÃO Os mais ricos, que representavam 1,8% do total de famílias em 1980, passaram a responder por 2,4% das famílias, saltando 129% em números absolutos (de 507,6 mil para 1,162 milhão de famílias). Sua
ção da renda e da riqueza tem ocorrido no Brasil. Em primeiro lugar, os pesquisadores e economistas sugerem que o avanço dos mais ricos deveu-se a um incremento na participação das mulheres no mercado, numa reação à retração de 14% na renda dos 5% mais ricos. Assim, puderam continuar acumulando patrimônio. Entre os 25% mais pobres, idêntica estratégia não trouxe os mesmos resultados porque a perda de renda desses brasileiros foi de 17%. Neste caso, os ricos conseguiram preservar sua posição porque perderam menos.
FONTE DE DISTORÇÕES Uma outra hipótese, que se soma à anterior, mostra a influência direta da política de juros altos como fonte de distorções perma-
A política econômica imposta ao país por sucessivas equipes econômicas, desde os anos 90, segue caminhos totalmente inversos àqueles trilhados por países que conseguiram se desenvolver e reduzir a distância que os separa das economias mais ricas do planeta. Ao contrário de fomentar o crescimento de uma massa de consumidores de renda média, ao permitir a inclusão de milhões de famílias de baixa renda no processo produtivo, aquela política produz exatamente o contrário. Em 2000, segundo o Atlas da exclusão social, a renda mensal familiar média dos mais ricos, atualizada com base em valores de setembro de 2003, chegava a praticamente R$ 22,5 mil, ou nada menos do que 14 vezes mais do que a renda média do país, e 80 vezes acima da renda das famílias abaixo da linha de pobreza. O fosso entre pobres e ricos, cada vez mais amplo, cria um outro tipo de complicação para um país que precisa voltar a crescer, já que corresponde a um encolhimento proporcional no total de famílias com capacidade para consumir. Só no ano passado, o consumo total das famílias sofreu queda equivalente a R$ 25,8 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB.
MAIS BRASILEIROS POBRES Ao mesmo tempo, verifica-se uma redução proporcional da chamada classe média e, como conseqüência, um avanço do número de famílias incluídas entre as faixas de renda mais baixas, reflexo do empobrecimento da população. Até 1998, segundo dados do Instituto Brasilei-
ilustrações: Marcio Baraldi
A classe média está sumindo ENQUANTO A CLASSE MÉDIA ENCOLHE... Distribuição das pessoas por faixa de renda em relação ao total da população Faixas de renda
1998
2000
2001
21 A 30 SM (%)
6,5
9,4
5,1
5 a 20 SM (%)
36,2
37,7
31,8
Até 4 SM* (%)
55,9
51,9
61,7
(*) Inclui pessoas sem rendimento Fontes: IBGE e ACNielsen
... OS RICOS FICAM MAIS RICOS Total de famílias com renda superior a R$ 10,98 mil e participação na renda total 1980
2000
Participação no total de famílias (%)
1,8
2,4
Participação na renda total (%)
20
33
Fonte: Atlas da exclusão social – Os ricos no Brasil, vários autores.
ro de Geografia e Estatística (IBGE) e da empresa de pesquisa e consultoria ACNielsen, 36% da população tinham renda entre 5 a 20 saláriosmínimos, e estavam enquadradas nas classes B e C. Apenas três anos depois, em 2001, aquele percentual murchou para 31,8%. As pessoas com renda entre 21 a 30 salários-mínimos, classificadas como classe A, representavam 6,5% do total em 1998, subindo para 9,4% em 2000 para diminuir para 5,1% em 2001. Não por coincidência, a economia experimentou retração em 2000 e, no ano seguinte, a atividade econômica foi afetada pelo racionamento de energia. A participação das classes D e E (pessoas com renda de
quatro salários-mínimos, e aquelas sem rendimento) no total havia encolhido de 55,9% em 1998 para 52,9% em 2000 e voltou a subir, para 61,7%, em 2001. Um outro trabalho, desenvolvido pelo professor de Economia Social e do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, Waldir Quadros, chega a conclusões parecidas. Segundo ele, as pessoas com renda individual mensal superior a R$ 500 e até R$ 2,5 mil (mais de 2 a 10,4 salários-mínimos) chegavam a representar 33,9% do total em 1981. Em 2002, sua participação havia encolhido para 29,4%. A faixa abaixo, com renda de até R$ 500, saiu de 60,5% para 65% do total. (LVF)
nentes na economia. Entre as famílias ricas, com renda acima de 30 salários-mínimos (R$ 7,2 mil por mês), cerca de 25% da renda destinam-se à aquisição de ativos (carros, imóveis, ações de empresas, títulos públicos), enquanto nas famílias pobres (renda de até dois salários-mínimos, ou R$ 480 mensais), não conseguem dispor de apenas 4,5% de sua renda para a mesma finalidade. Obviamente, os juros altos, que engordam os ganhos de quem tem dinheiro investido em aplicações financeiras, terminam favorecendo quem tem condições de destinar uma maior fatia de seus rendimentos para investimentos desse tipo. Como resultado, conclui o Atlas, os ricos ampliam seus lucros e perpetuam a má distribuição das riquezas. Por isso mesmo, praticamente
86% das famílias com renda acima de 30 salários-mínimos possuem bens duráveis, como geladeiras, televisores, aparelhos de som, de CD, DVD e videocassete. Entre as famílias com renda de até dois salários mínimos, menos de 4% têm produtos duráveis. Pior: as despesas com saúde têm impacto bem menor entre os mais ricos, que destinam apenas 5,8% de seu orçamento para fazer frente, principalmente, aos custos do tratamento odontológico e consultas médicas. As famílias pobres gastam quase 10% de sua renda com a saúde, especialmente com remédios e internações. Isso mostra que, se existissem políticas efetivas de prevenção, o peso da saúde no orçamento dos mais pobres e o seu impacto sobre o sistema público, nesta área, poderiam ser amenizados.
E a dívida pública continua aumentando Ao mesmo tempo em que empobrece cada vez mais a maioria da população, a política de juros altos torna inútil qualquer esforço do governo para ajustar suas contas e eliminar o rombo no setor público. Mais claramente, como esse tipo de despesas tem exigido mais e mais recursos de impostos, os juros acabam contribuindo também para a política de desmonte do setor público. Apenas no ano passado, os gastos com juros superaram em 4% todas as despesas realizadas pela União, quando excluída a Previdência Social. Os juros consumiram R$ 145,2 bilhões em um só ano, um recorde, equivalente a quase 10% de todas as riquezas que o país produziu em 2003, num valor total de R$ 1,515 trilhão, segundo estimativa divulgada neste mês pelo IBGE. As despesas realizadas por 23 ministérios, secretarias e outros órgãos ligados ao Executivo, incluindo a Presidência e a Vice-Presidência da República, Legislativo e Judiciário atingiram R$ 139,8 bilhões. Entre 2000 e 2003, as despesas com juros somaram R$ 423,6 bilhões (28% do PIB), crescendo 86% no período (de R$ 77,9 bilhões em 2000 para os R$ 145,2 bilhões no ano passado).
SACO SEM FUNDO Nos mesmos quatro anos, o setor público economizou um total de R$ 200,735 bilhões para fazer
frente aos gastos com juros, às custas de cortes de despesas e investimentos em áreas prioritárias. Conseguiu cobrir o correspondente, em média, a 47% das despesas exigidas pela dívida, que, por isso mesmo, continuou crescendo. Para pagar o restante da conta, o governo teve que emitir títulos e vendê-los ao mercado, pagando juros exorbitantes, a pretexto de atrair investidores. Descontada a economia que o governo fez naqueles quatro anos, sobraram R$ 223,239 bilhões que foram obtidos com a venda de títulos do Tesouro Nacional. O resultado está nos números da dívida, que saltou de R$ 290,7 bilhões, em 2000, para R$ 913,1 bilhões no ano passado, chegando a representar pouco mais de 60% do PIB. Em quatro anos, engordou o correspondente a R$ 622,453 bilhões. Significa dizer que o rombo causado pelos juros altos respondeu por 36% do incremento observado para a dívida pública. As despesas totais com a conta dos juros foram equivalentes a 68% do aumento daquela dívida. De um lado, a política de juros irriga a concentração da renda e alarga o fosso entre ricos e pobres. De outro, faz desmoronar qualquer política que pretenda recuperar a saúde financeira do setor público, capacitando-o a retomar investimentos em setores vitais para a economia como um todo. (LVF)
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NACIONAL INJUSTIÇA SOCIAL
Pesquisa revela que o país tem 56 milhões de miseráveis que comem menos que o necessário da Redação
Medo de lingüiça Na última reunião do Diretório Nacional, dias 17 e 18, o PT decidiu proibir o recebimento de doações provenientes de bingos, jogo do bicho e assemelhados. O chamado “efeito Waldomiro” traumatizou boa parte do partido. Mas continua valendo a contribuição de bancos e de empresas multinacionais. Coisa de masoquista A resolução do Diretório Nacional do PT foi de se esperar: reiterou-se o compromisso da cúpula do partido com as políticas do governo. O secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, foi quem melhor definiu a decisão: “Não adianta brigar. O modelo econômico é esse e não mudará. Para o bem ou para o mal, vamos com esse mesmo até o fim”. Talvez nem fosse o caso de brigar, mas de conversar, ouvir as camadas populares, pois estas têm muito o que dizer. Mudou a fé O documento que vai sair da assembléia anual da CNBB, esta semana, será menos paciente com o governo Lula do que o texto divulgado no ano passado, quando o próprio presidente visitou os bispos em Itaici, Indaiatuba. Agora a cobrança será mais firme, especialmente nas questões sociais e na geração de empregos. Risco de debandada Se a deputada Luíza Erundina confirmar mesmo sua candidatura para a Prefeitura de São Paulo, pelo PSB, pode se tornar desaguadouro natural de muitos votos das bases petistas descontentes com a administração e as políticas elitistas da prefeita Marta Suplicy. Mesmo porque Erundina continua afinada com as demandas populares. Só luxo e riqueza O encontro de 300 empresários na ilha de Comandatuba, na semana passada, ao custo de R$ 15 milhões, com direito a palestras de Fernando Henrique Cardoso e Antonio Palocci, foi uma demonstração viva, colorida e festiva da desigualdade brasileira. As lojas do hotel baiano faturaram alto com a venda de relógios de até R$ 18 mil. Dinheiro fácil Apesar de ter adotado uma política mais seletiva para seus empréstimos, o BNDES continua entregando dinheiro público – e bem barato – para empresas estrangeiras, especialmente aquelas que se aventuraram nos leilões da privatização e compraram prestadoras de serviços públicos. A caloteira AES-Eletropaulo, que é estadunidense, pegou mais R$ 445 milhões, na última semana, com juros baixos e subsidiados pelo trabalhador brasileiro. Crescimento negativo O Fundo Monetário Internacional estima que a economia mundial vai crescer 4,6% este ano. O Brasil, que segue todas as orientações do FMI sem pestanejar, deve crescer apenas 3,5% em 2004, menos que a média global. A Argentina, que se estranhou com as regras do FMI, registrou crescimento de 10% no primeiro trimestre do ano. Algo continua errado com a economia brasileira. Lição de casa Frase do professor Emir Sader: “Uma reforma democrática da política supõe a refundação do Estado brasileiro, que precisa deixar de ser privatizado para se articular em torno da esfera pública, aquela responsável pela universalização dos direitos”.
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e cada três brasileiros, um é miserável, pois tem renda mensal inferior a R$ 79 e consome menos de 2.280 calorias por dia. E a pobreza, acentuada pelas altas taxas de desemprego – nas favelas do Rio de Janeiro, índice de 19% –, tem relação direta com a violência, como mostra o exemplo da favela da Rocinha, na zona sul carioca. Os dados constam do Mapa do Fim da Fome 2, divulgado, dia 15, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Sesc Rio e pela organização não-governamental Ação da Cidadania. O estudo, que dá seqüência ao primeiro mapa, de 2001, mostra que houve crescimento da pobreza – de 50 milhões para 56 milhões de brasileiros. Esses 33,3% da população compostos por miseráveis estão espalhados pelas grandes cidades, enquanto na década passada estavam concentrados nas periferias. O mapa mostra a relação direta do desemprego com a fome e a pobreza. Nas favelas do Rio de Janeiro, o índice de desemprego atinge 19% da população. No Estado, a taxa é de 9%. Conforme o estudo da FGV, feito com base nos dados do Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a erradicação da pobreza seria possível com a contribuição mensal de R$ 14 de cada brasileiro que está acima da linha de pobreza, o que daria um montante de R$ 2 bilhões por mês para investimentos em programas sociais. Segundo a FGV, esse valor corresponde ao gasto necessário para garantir a ingestão mínima de alimentos de acordo com a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS). O cálculo para uma suposta contribuição gerou polêmica, por repassar para o cidadão a responsabilidade pelo combate à miséria. O primeiro mapa, feito a partir de
Operação policial na favela da Grota, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio
dados coletados em cidades com mais de 100 mil habitantes, apontava que o custo agregado para erradicação da indigência brasileira correspondia a R$ 1,69 bilhão mensais, ou seja, perfeitamente dentro do orçamento social dos três níveis de governo, de 20,9% do PIB. O estudo deste ano localiza a miséria em cada unidade da federação. Entre 2000 e 2002, o crescimento chegou a 18,25% na periferia do Rio e a 10,43% na periferia de São Paulo, contra queda de 1,68% na capital fluminense e crescimento de 1,57% na capital paulista. Em 2000, a miséria atingia 19,45% da população fluminense e 14,57% dos cariocas. Mas nos cinco subdistritos mais ricos havia menos de 4% de miseráveis, contra uma média de 25% nas cinco favelas estudadas. “As grandes
cidades foram atingidas pela crise social dos anos 90 e agora faltam políticas públicas integradas para resolver os dois principais problemas, que são a violência e o desemprego”, avalia o economista Marcelo Nery, coordenador da pesquisa. VIOLÊNCIA E DESEMPREGO O complexo da favela da Rocinha, na zona sul do Rio, a maior da América Latina e palco da guerra de traficantes de drogas neste mês, é um retrato da relação entre violência e desemprego. Ali, foi registrado o menor nível de escolaridade do Rio: entre a população mais jovem do Estado, a média é de 5,7 anos de estudo, enquanto no bairro vizinho da Lagoa o nível de escolaridade é o mais alto do município. O estudo também mostra que na
Rocinha a renda média dos trabalhadores é de R$ 433,78, enquanto na Lagoa a média salarial é de R$ 2.765 por mês. A pesquisa aponta o Jacarezinho, o Complexo do Alemão e a Maré como as três favelas mais pobres da cidade, seguidas da Rocinha e da Cidade de Deus. Os bairros de Botafogo, Copacabana, Lagoa, Centro e Tijuca estão na lista dos mais ricos. No Estado do Rio de Janeiro os municípios menos miseráveis são Niterói, Nova Friburgo, Petrópolis, Macaé e Casimiro de Abreu. São Francisco de Itabapoana aparece como o município mais miserável do Rio de Janeiro. Dentre a população de miseráveis, existem 45,89 % de crianças, com idade até 15 anos, consideradas “sem voto”, já que os políticos não têm interesse em atender.
E o Brasil continua desigual da Redação O Brasil continua sendo recordista de desigualdades entre ricos e pobres e líder nos índices de violência, fruto da pobreza e da falta de acesso à educação. A Síntese dos Indicadores Sociais, baseada em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2002 e do Censo 2000, divulgada dia 13 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 20% das crianças nascidas em 2002 eram filhas de mulheres com menos de 20 anos, o que atrapalha o rendimento escolar. E houve um aumento de 95% nas taxas de homicídios por armas de fogo, que têm como principais vítimas homens entre 15 e 24 anos – faixa etária em que iniciam suas atividades no mercado de trabalho. De acordo com a PNAD-2002, pouco mais da metade dos domicílios urbanos no país, 53,6%, utilizam a rede de esgoto como forma de escoamento de detritos. Cerca de 23,1% usam fossas sépticas e 6,4%, outras formas. Na Região Sudeste foram encontrados os melhores índices, com 78,6% de atendimento; na Região Norte está o pior indicador, com apenas 4,1%
dos domicílios com saneamento básico. No Rio de Janeiro se encontra o pior cenário. A região metropolitana da cidade tem cerca de 335 mil domicílios sem água encanada. Multiplicado pelo número de moradores em cada domicílio (3,1), esse número salta para 1 milhão de pessoas sem uma fonte segura de abastecimento de água. Poços e nascentes são utilizados, em sua maioria, sem higiene.
contingente vulnerável”, afirmou. De 1980 para 2000, os assassinatos de pessoas entre 15 e 24 anos de idade cresceram 54% em Pernambuco, 51% no Rio, 46% no Espírito Santo e 42% em São Paulo. O estudo mostra que o atendimento às vítimas de violência no Sistema
Único de Saúde (SUS) é precário, o que aumenta o número de mortes. A situação é mais crítica no Norte, onde há apenas 4,7 leitos para 100 mil vítimas. No Nordeste, são 5,8 por 100 mil; no Sul, 13 por 100 mil, no Centro-Oeste, 10,6 por 100 mil; e no Sudeste, 10,5.
Evaristo Sá/AFP
Hamilton Octávio de Souza
Felipe Varanda/ Folha Imagem
Fatos em foco
Miséria atinge 1/3 dos brasileiros
VIOLÊNCIA AUMENTA A violência no país cresceu 130% entre 1980 e 2000, atingindo, principalmente, os jovens de 15 a 24 anos de idade. No período, quase 600 mil pessoas foram assassinadas no Brasil. Enquanto nos anos 80 os acidentes de trânsito foram a principal causa das mortes de homens, na década de 90 os homicídios lideraram as estatísticas. Para o presidente do IBGE, José Eduardo Nunes, as causas da violência estão relacionadas à pobreza e ao desemprego. Segundo ele, a pobreza e a violência tornam vulnerável a população jovem. “Se (o jovem) não tiver oportunidade de trabalho, se não tiver condições de moradia e acesso a uma série de serviços públicos, fará parte de um
RETRATO DO MORADOR DA ROCINHA*
31,64 % 15,52 % 53,86 % 28,96 % 31,75 % 27,07 %
são chefes do domicílio têm entre 0 e 4 anos se declaram brancos estão inativos têm de 4 a 7 anos de estudo não têm instrução
*Perfil elaborado a partir do universo de 56.307 moradores Fonte: CPS-FGV, processando microdados do Censo Geográfico 2000-IBGE
Pesquisa mostra a relação direta do desemprego com a fome e a pobreza
7
De 22 a 28 de abril de 2004
NACIONAL INJUSTIÇA SOCIAL
Grande cerco ao salário-mínimo A opção preferencial do governo é pelo ajuste fiscal e pagamento de juros aos bancos, não pelo aumento do mínimo Claudia Jardim da Redação
R$ 260
R$ 275
8,33
12,50
14,58
16,67
O aumento real será de (%)
0,38
4,24
6,17
8,11
O trabalhador ganhará mais
R$ 20
R$ 30
R$ 35
R$ 40
O que dá para comprar
11 kg de arroz
24 l de leite
12 kg de feijão
4,7 kg de carne
No Brasil, ganham salário-mínimo
16
milhões de aposentados
em relação aos atuais R$ 240. Os partidos da oposição defendem um mínimo de R$ 300, mesmo patamar pleiteado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
ço eletrônico www.ie.ufrj.br/aparte, Saboia explica que uma política de valorização do salário-minímo “passa, obrigatoriamente,” por mudanças nos rumos da política econômica, que poderia começar a partir da redução da taxa básica de juros, “reivindicação de quase todos os segmentos da sociedade”. Isso provocaria uma redução no pagamento dos juros da dívida e, por conseqüência, aliviaria os recursos para investimento no setor público. “O governo estaria trocando o pagamento de juros por aumento do salário-minímo. Nada mais coerente para um governo que se diz voltado para o social”. (CJ)
O que diz a Constituição “O salário-mínimo tem de ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo”. (Capítulo II, dos Direitos Sociais, artigo 7º, inciso IV). De acordo com cálculos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), para suprir essas necessidades, o salário-minímo deveria ser de R$1.402,63, quase 6 vezes mais do que é pago hoje.
4,5
milhões de trabalhadores com carteira assinada
A Força Sindical, segunda maior central sindical do país, propõe R$ 320. O PT por sua vez, defende um reajuste de R$ 280, que considera
“real e significativo”. No entanto, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, já anunciou a “inviabilidade” de tal acréscimo. De acordo com o ministro, um
reajuste de 16,67% (R$280) teria impacto negativo sobre as contas da Previdência, de alguns Estados e da maioria dos municípios. Outra preocupação da Fazenda é o cumprimento da meta de 4,25 % de superávit primário, que poderia estar sob ameaça com uma elevação do mínimo muito acima do reajuste da inflação. Corrigir o salário-mínimo apenas pela inflação resultaria em R$259, a proposta inicial da Fazenda. “É frustrante reconhecer que os argumentos do debate são os mesmos do governo anterior. O governo deveria estar preocupado em estabelecer uma política nacional de salário-minímo, que teria repercussão direta no consumo interno e como política de combate à pobreza”, critica o economista, Márcio Pochmann, secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS) da Prefeitura de São Paulo.
Enquanto isso, na vida real... De picareta na mão, sob um sol de 28 graus, o ajudante de serviços de ferrovia, Marcelo Ribeiro, 29 anos, trabalha entre oito e nove horas diárias, seis dias por semana, para ganhar R$ 370 ao final do mês. “O salário, na verdade, é de R$ 431, mas descontam tanta coisa, que o que sobra é isso”, diz. Na ferrovia, a tarefa dos trabalhadores é substituir por novas, as vigas de madeira desgastadas que sustentam os trilhos do trem. “Nossa meta é tirar sete por dia. Depois disso, ganhamos R$ 3 reais por cada uma que conseguimos arrancar”, conta Ribeiro. Ele mora no alojamento da empresa e manda todo o salário para a família de cinco pessoas, em Minas Gerais. “Comigo fica só o dinheiro da produção. As vezes consigo tirar três madeiras a mais por dia”, comenta.
PREÇOS SOBEM MAIS Marcelo Ribeiro foi mais um que veio para São Paulo “porque aqui o salário é melhor” Ele não está nada animado com o reajuste do salário-mínimo. “Não muda muita coisa porque o salário não acompanha o aumento dos preços. O brasileiro vai passando fome e não tem nem como pagar um aluguel”. A sua familia ficou na casa do sogro. “Se pagasse aluguel morreria de fome”, lamenta. Ele conta que a alimentação de sua familia não vai além do arroz e feijão. “Quando não tem feijão, às vezes é arroz puro mesmo. Gostaria que minhas filhas pudessem comer frutas e se alimentar melhor, mas não dá”. Uma das estratégias do presidente Lula para tentar amenizar as
Severina Maria da Silva vive com menos de um salário-mínimo
críticas ao valor do mínimo seria elevar o valor do salário-família de R$13,48 para R$25,00. No entanto, há trabalhadores que até hoje continuam sem receber o benefício. Luiz Fernando Santos, 34 anos, casado e pai de duas filhas, trabalha há um ano e sete meses na empresa de serviços ferroviários e nunca recebeu auxílio família. “Me pediram a carteira de vacinação das crianças, mas até hoje não recebi nada. Esse dinheiro faz diferença, mas a gente nem vê a cor” reclama Santos. Depois de 10 meses à procura de emprego, Sandra de Aquino Silva, 21 anos, conseguiu uma vaga na frente de trabalho do Estado de São Paulo. Cinco dias da semana, Sandra sai de Itaquaquecetuba e leva cerca de uma hora e meia para chegar ao trabalho, na estação Brás do Metrô. Recebe R$210 por mês, mais um auxílio alimentação de R$46.
NÃO DÁ PARA O ALUGUEL
DÍVIDA OU COMIDA De acordo com o Banco Central, em 2003, o Brasil pagou ao Fundo Monetário Internacional (FMI) a módica quantia de R$ 145,2 bilhões para arcar com os juros da dívida. Isso significa multiplicar por 36 vezes o “déficit” que a elevação do mínimo traria aos cofres públicos. Trata-se de fazer uma opção política, avalia o professor João Saboia, diretor geral de pesquisa do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em artigo publicado no endere-
R$ 280
O reajuste será de (%)
Uma questão de opção política Contrariamente aos argumentos desfiados pela equipe econômica e vários parlamentares governistas, em nota técnica divulgada dia 19 pela Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS) da Prefeitura de São Paulo, Márcio Pochmann prova que se o mínimo fosse reajustado para R$ 300 (aumento de 25%), o impacto para a União e os Estados seria “desprezível”, já que a despesa ficaria em 0,01% e 0,14% respectivamente. Para os municípios o acréscimo na folha salarial seria um pouco maior, de 1,08%. Mesmo tais reflexos seriam largamente compensados direta ou indiretamente. No primeiro caso, o mercado interno receberia ponderável injeção de recursos em conseqüência do aumento do consumo, proporcionado pela elevação de renda. E, considerada a estrutura tributária do país, tem-se que, a cada real consumido, corresponderá 24,3 centavos em impostos (ICMS, IPI, Cofins, PIS/Pasep). A nota da Secretaria aponta, ainda, para as formas de retorno indireto da elevação da renda. Uma: o acesso a alimentos de melhor qualidade e em maior quantidade previne doenças ligadas à desnutrição e subnutrição infantil, que acabam gerando internações desnecessárias, sobrecarregando o sistema de saúde. Outra: o aumento na renda do chefe da família permite que os filhos, ao invés de trabalhar, se dediquem mais aos estudos, diminuindo as taxas de evasão e repetência que, além de comprometer o futuro das crianças, oneram Estados e municípios. A preocupação do governo, expressa por seu líder no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), é de que o ajuste fiscal não seja comprometido com o acréscimo do mínimo. Estima-se que se o aumento for de R$280, o custo anual do setor público e com o pagamento dos inativos seria de R$ 4,04 bilhões.
R$ 270
Fotos: Renato Stockler
M
esmo garantido pela Constituição desde 1938, como todos os anos, nas proximidades de 1º de maio, a recomposição do salário-mínimo volta ao debate. Desse salário dependem pelo menos 22 milhões de brasileiros. As discussões em torno do mínimo nos corredores em Brasília, no entanto, estão longe de considerar questões tão cruciais como distribuição de renda, ampliação do mercado interno, melhoria nas condições de vida dos trabalhadores. Para a equipe econômica, o ajuste fiscal é o que decidirá o tamanho do reajuste. O governo federal ainda não decidiu o novo valor do mínimo, que deve ser anunciado em 1º de maio. Fala-se em algo entre R$ 270 e R$ 275, o que equivaleria, respectivamente, a aumentos reais (descontada a inflação) de 8,33% e 14,58%
SE O NOVO SALÁRIO-MÍNIMO AUMENTAR PARA
Pai de duas filhas, Luiz Fernando Santos, não recebe salário-família
Com o marido desempregado, os dois vivem na casa da sogra desde que casaram. “Não dá pra pagar aluguel, não tem como”. Sandra emprega grande parte do salário na alimentação e transporte; as contas de água e luz consomem, em média R$ 54, e, “quando dá, compramos uma roupa”, conta. Para Sandra, o aumento do salário-minímo não depende só da vontade do presidente. “É preciso baixar os juros. O povo que ganha mais deveria pagar impostos corretamente para ajudar os mais pobres. O aumento do salário do jeito que o governo está propondo não
vai mudar nada. Os preços subirão junto”. Mas a política de juros, ao contrário do que gostaria Sandra, só tem contribuído para aumentar a concentração de renda (leia texto pág.5). Para ela, o salário ideal seria aquele que “permitisse que a população estudasse também, não só garantir as necessidades básicas” diz a jovem que pretende cursar Filosofia.
NEM O MÍNIMO “Primeira à esquerda, lá embaixo, na Praça do Correio”, grita a pernambucana Severina Maria da Silva, 40 anos, segurando uma placa que indica aos trabalhadores desempregados onde podem fazer cursos gratuitos no Centro de São Paulo. Por uma jornada de seis horas diárias, cinco dias na semana, ela ganha R$120 por mês, e gasta R$ 60 em transporte. “Se conseguisse ganhar o salário-mínimo já estava bom, nem procuraria outro emprego”, conta a trabalhadora que pretende ser cabeleireira. Com a metade do salário que resta, Severina paga as contas e compra comida. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), em março, a cesta básica custava R$166,96, quase três vezes mais do que Severina dispõe para se alimentar. A trabalhadora, que votou no presidente Lula, ainda não perdeu as esperanças. “Acredito que Lula vai fazer alguma coisa pelos trabalhadores. Ainda não dá pra viver bem, ganho muito pouco, mas fazer o quê? Vamos ver se melhora”. (CJ)
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NACIONAL VIOLÊNCIA URBANA
Rocinha: uma favela em estado de guerra Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
N
os anos 70, depois de passar algum tempo servindo ao governo Richard Nixon como secretário de Estado, Henry Kissinger veio ao Brasil hospedando-se em um hotel no bairro carioca de São Conrado, onde da janela de alguns apartamentos se podia ver a favela da Rocinha, já então considerada a maior da América Latina. Os anfitriões – Kissinger veio ao Brasil para proferir uma palestra para empresários, recebendo 10 mil dólares – impediram de todas as formas que o hóspede tivesse a visão que procuravam esconder. Essa lembrança serve para mostrar como a elite brasileira encara uma favela: na base da política de avestruz, ou, escondendo a “mazela” debaixo do tapete. É nesse contexto que deve ser entendida a proposta apresentada pelo vice-governador do Estado do Rio de Janeiro, Luís Paulo Conde, de erguer um muro em torno da favela Rocinha, onde residem mais de 100 mil cidadãos brasileiros. Conde teve essa idéia na semana da Páscoa, em meio à disputa entre dois bandos rivais de traficantes – Dudu, da favela do Vidigal, e Lulu, da Rocinha – para o controle do ponto de venda de drogas no local, o que acabou provocando dez mortes. O vice-governador fluminense acabou reconhecendo o erro de sua proposta mas, apesar da “autocrítica”, um jornal carioca fez uma reportagem tentando justificar a proposta de Conde. Jornais e TVs divulgaram a “guerra” com manchetes sensacionalistas, do tipo “Iraque é aqui”, mas sem aprofundar a questão, contribuindo na prática para aumentar a neurose dos cariocas em torno da violência urbana. O enfoque da mídia em geral, com as exceções de praxe, tem sido a de que o poder do narcotráfico se encontra nas favelas do Rio de Janeiro, esquecendo-se de que os figurões desse comércio ilegal são, na maioria das vezes, cidadãos acima de quaisquer suspeitas residentes de bairros nobres do Rio de Janeiro. Segundo especialistas na
Ana Carolina/ Folha Imagem
Sem vontade política para solucionar problemas sociais, o governo do Rio de Janeiro gera pânico e terror na população
Carlos Eduardo Rodrigues, morador de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, levou uma bandeira da paz em solidariedade aos moradores da Rocinha
matéria, os bandos de Dudu ou de Lulu são apenas uma ponta de um iceberg onde se escondem grandes mistérios.Walter Maierovitch, o exsecretário Antidrogas no governo de Fernando Henrique Cardoso, que perdeu o cargo por pressão estadunidense, por exemplo, entende serem os traficantes que atuam em favelas um grupo meramente terceirizado.
PERDA DE CONTROLE Há anos que o tema violência se encontra no cardápio dos políticos que correm atrás dos votos. O exgovernador Moreira Franco elegeuse na década de 80 prometendo que acabaria com a violência em seis meses. Depois de quatro anos de gestão (87-91), Franco, hoje correligionário peemedebista do atual secretário de Segurança, Anthony Matheus Garotinho, deixou a cidade do Rio de Janeiro em piores condições do que quando assumiu. O próprio ex-governador Garo-
tinho se elegeu com promessas demagógicas de que a sua “polícia inteligente” resolveria o problema da violência. Uma das peças de sua campanha foi um livro sobre o problema da violência urbana, escrito em co-autoria com o sociólogo Luis Eduardo Soares, um especialista em violência urbana. Garotinho acabou sendo nomeado pela mulher, a governadora Rosinha Matheus, para o cargo de secretário de Segurança. Político com aspiração de se tornar presidente da República, Garotinho tem aproveitado o espaço político que lhe foi oferecido para, por meio de jogadas de marketing e com frases feitas do tipo “a polícia precisa ser inteligente”, lutar contra o crime organizado. Mesmo assim, ele teve de voltar às pressas da praia de Guarapari, no Espírito Santo, na semana da Páscoa, para assumir o comando das operações na Rocinha. Seria incorreto se afirmar que o secretário foi pego de surpresa, pois,
segundo informações veiculadas pela imprensa, o serviço secreto da PM já tinha conhecimento, há pelo menos três meses, da possibilidade de um confronto entre bandos armados para o controle da Rocinha.
BATALHA ENTRE PODERES Em meio a tiros e mortes provocando, como não poderia deixar de ser, pânico entre os moradores da Rocinha e dos cariocas de um modo geral, cerca de 1.300 soldados da Polícia Militar ocuparam o morro para tentar acabar com a guerra. O Batalhão de Operações Especiais (Bope), uma tropa de elite da PM, pela primeira vez subia a Rocinha para acabar com a disputa entre o invasor Dudu e o dono do pedaço, Lulu, cujo esconderijo, no alto do morro, acabou virando o QG da PM no morro. A crise na área de segurança do Rio de Janeiro resultou em outro tipo de guerra, desta vez entre os
governos estadual e federal. O prefeito do Rio, César Maia, que também tem pretensão de ocupar pelo menos o governo do Estado do Rio, entrou na guerra de comunicados, pedindo a decretação do estado de defesa para enfrentar a onda de violência na cidade. Maia, que aspira ocupar o espaço vago do (extinto) lacerdismo, onde se agrupavam os seguidores do falecido governador Carlos Lacerda, tem se notabilizado por declarações dessa natureza. Nos anos 60, no Rio de Janeiro, o maior guru da direita brasileira, o então governador Carlos Lacerda, tinha como política de Estado a remoção de favelas de bairros da zona sul. Muitas foram desativadas, mas algumas continuaram, como a Rocinha, e até se expandiram. Maia tem procurado também atuar nas favelas cariocas com ações assistencialistas do tipo favela-bairro, bastante questionadas pela oposição a sua gestão.
Favelados protestam contra a polícia Rodrigo Brandão do Rio de Janeiro (RJ) No momento em que o aparelho do Estado aperta o cerco às favelas e a outras comunidades carentes do Rio de Janeiro – insuflado por manchetes da grande imprensa que beiram o fascismo e comandado por um secretário de “Segurança” para quem manifestação de favelado é crime –, cerca de duas mil pessoas saíram às ruas da zona sul, dia 16, para protestar contra a violência policial. A data foi escolhida em homenagem a Thiago da Costa Correia da Silva, Carlos Magno de Oliveira Nascimento, Everson Gonçalves Silote e Carlos Alberto da Silva Pereira, jovens trabalhadores mortos pela Polícia Militar ao chegar à favela do Borel – onde moravam – dia 16 de abril de 2003. Responsável pela organização do protesto, o movimento “Posso me identificar?” lembra a pergunta que um dos rapazes fez aos PMs antes de ser morto. A caminhada começou no Largo do Machado e terminou em frente ao Palácio Guanabara, onde uma comissão formada por mães de vítimas da polícia entregou à governadora Rosinha Garotinho um documento intitulado “Posso me identificar?”, com uma lista de 38 reivindicações que, segundo os organizadores, nada mais são do que garantias trazidas pela própria
Constituição de 1988, como reforma das polícias, fim da utilização de depoimentos em fase de inquérito policial como prova (para evitar prática de tortura) e afastamento imediato de policiais que tenham trabalhado em órgãos de repressão durante a ditadura militar. “Queremos demonstrar que existem formas mais sadias de se combater a violência do que gerando ainda mais violência”, disse Fernando Soares, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, uma das dezenas de entidades que ajudaram a organizar, ao lado de lideranças das próprias comunidades, o ato do dia 16. “A sociedade precisa participar e ser solidária na luta por garantias constitucionais como saúde, educação, trabalho, cultura. E o combate à criminalidade precisa ser feito com inteligência, não com brutalidade”, continua Soares. Participaram ainda da organização do ato e da caminhada a Central dos Movimentos Populares, Frente de Luta Popular, Rede de Comunidades na Luta Contra a Aids, moradores e lideranças de favelas como Borel, Manguinhos e Rocinha.
TRUCULÊNCIA DA ELITE
Gerar mais violência não é a forma mais sadia de se combater a violência
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) marcou presença na manifestação, com centenas de militantes vindos de vários municípios fluminenses.
Carla Guindani, da Secretaria Estadual do MST, lembrou que os semterra sofrem no campo violência semelhante à experimentada pelos favelados nas cidades. “Nossa luta, como a das comunidades, é contra a exclusão social que se manifesta na truculência da polícia comandada pela elite”. Na manhã do mesmo dia 16, o MST participara de outra manifestação em frente à sede carioca do Banco Central, contra a política econômica do governo e já como parte da mobilização pelo aniversário de oito anos da chacina de Eldorado dos Carajás, completados dia 17. Durante a caminhada, liamse nas faixas mensagens como “Moro onde a mídia só aparece para contar cadáveres”; “Lutamos para que nossos jovens não sejam exterminados”; “Moro no Brasil, o país com a segunda pior concentração de renda do mundo”. No alto do carro de som, parentes de vítimas da violência da polícia corajosamente protestavam e pediam justiça. Em frente ao Palácio Guanabara, enquanto a comissão se reunia com a governadora, pais e mães se dirigiam ao microfone para chamar pelos filhos mortos. A cada nome mencionado, os participantes gritavam “Presente!”. No início da noite, manifestantes fizeram um minuto de silêncio em homenagem a todas as vítimas da violência na cidade e no campo.
Ano 2 • número 60 • De 22 a 28 de abril de 2004 – 9
FMI
60 anos implantando fome e miséria
Evaristo Sá/AFP
SEGUNDO CADERNO
Políticas do Fundo e do Banco Mundial empobrecem milhões de pessoas em todo o mundo Jorge Pereira Filho da Redação
M
ilhares de ativistas de todo o mundo estão se preparando para marcar com protestos a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), em Washington, dos dias 23 a 25. As duas instituições completam, em 2004, 60 anos de existência, e não há nada a comemorar – exceto para os detentores do grande capital. A rede de organizações 50 Years Enough! (50 anos bastam!), lançada em 1994, está coordenando as mobilizações, cujo objetivo é denunciar os efeitos das política do FMI e do Banco Mundial. Os protestos apresentam uma pauta de reivindicações, como o cancelamento das dívidas dos países pobres, a abertura das reuniões do Banco e do FMI ao público e à imprensa, e a anulação das políticas dos dois organismos que impedem pessoas de terem uma vida digna. Na reunião anual será empossado o próximo presidente do FMI, o espanhol Rodrigo Rato, único candidato ao cargo. Rato foi ministro da Fazenda de José Maria Aznar, derrotado nas eleições espanholas, e aliado político de George W. Bush. O ministro brasileiro da Fazenda, Antonio Palocci, já confirmou presença no evento, que terá representantes dos 177 paísesmembros.
PODER DO DINHEIRO Mas é um engano pensar que todos os países-membros participam das decisões do Fundo. A imensa maioria estará apenas fazendo jogo de cena. No Banco Mundial e no FMI, cada país possui número de votos equivalente ao dinheiro que empresta às instituições. Os Estados Unidos detêm 17% dos votos. Os sete países mais industrializados do mundo, o G-7, somam 45% dos votos. Como cada decisão só pode ser tomada se tiver, pelo menos, 85% dos votos, é fácil entender quem comanda os organismos. E por que os EUA aplicam dinheiro nessas instituições? Um estudo do Departamento do Tesouro estadunidense mostra que, para cada dólar investido, há uma receita de 2 dólares em exportações para empresas dos Estados Unidos. Um negócio com taxa de retorno de
100%. “Ambas as organizações foram criadas para dar sustentação ao novo poder hegemônico que estava surgindo no mundo, no período pósguerra, os Estados Unidos”, explica Sandra Quintela, pesquisadora do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs).
GOVERNO MUNDIAL O Banco Mundial e o FMI surgiram em 1944, na Conferência de Breton Woods, cujo objetivo foi estabelecer as bases da nova ordem econômica, centrada na paridade ouro-dólar. A missão inicial do banco seria emprestar recursos a governos em condições mais favoráveis do que as do mercado financeiro. “O FMI foi pensado pela comunidade dos vencedores da guerra, com a finalidade de presidir um regime de câmbio fixo no mundo”, explica Marcus Faro, assessor da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (Rebrip). Em 1971, o próprio governo estadunidense decretou o fim da conversibilidade, desvalorizou o dólar
Movimentos e organizações sociais denunciam os 60 anos de efeitos das políticas do FMI e Banco Mundial
e deu “um calote no resto do mundo”, como registra Aldo Arantes, no livro FMI a Nova Dependência Brasileira.
HISTÓRICO DESASTROSO Depois disso, as instituições passaram a emprestar recursos a países do Terceiro Mundo e, em troca, exigir – além do pagamento – contrapartidas nada modestas, os chamados ajustes estruturais. São propostas que favorecem o grande capital (veja quadro). “Os programas do FMI e do Banco Mundial im-
postos a países em desenvolvimento têm levado centenas de milhões de pessoas ao empobrecimento. O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatizações é aplicado em mais de cem países devedores”, analisa o economista Michel Chossudovsky, no livro A Globalização da Pobreza. As políticas do FMI e BM agravaram a vulnerabilidade dos países. O Brasil devia 8,6 bilhões de dólares ao Banco Mundial, em 1990. Uma década depois de polí-
POLÍTICAS DE AJUSTE ESTRUTURAL O Banco Mundial (BM) e o FMI liberam recursos em troca de uma série de “condicionalidades”, cujo objetivo é reduzir a atuação do Estado em favor do grande capital. Veja alguns itens dessa cartilha para os países do Terceiro Mundo. Privatização – Os países são obrigados a vender suas empresas estatais. No último acordo com o Brasil, em setembro de 2003, o BM exigiu, por exemplo, a privatização dos últimos bancos estaduais públicos. Já a Argentina vendeu suas empresas de água, energia, telefonia e até os Correios. Superávit Primário – Corte no gasto público, afetando, sobretudo o papel do Estado na correção de desigualdades. Outros resultados são a deterioração dos serviços essenciais como saúde, educação, cultura, e arrocho salarial dos funcionários públicos. Livre Comércio – FMI e BM obrigam as nações a adotar medidas consonantes com a doutrina do livre comércio. Em 1995, o Banco determinou que Moçambique reduzisse o imposto sobre importações de caju da Índia. Dez mil trabalhadores perderam seu trabalho. No último acordo com o Brasil, o Banco Mundial exige uma série de reformas que abrem o caminho para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), como a Lei de Falências, atualmente em tramitação no Congresso. Reformas – O FMI e o Banco Mundial exigem uma série de modificações nas legislações dos Estados nacionais, interferindo também no poder estadual e municipal. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a reforma da Previdência, por exemplo, já foram feitas no Brasil, Argentina, Chile, México e em outros países da América Latina. Atualmente, a LRF está em tramitação no Equador. A mais recente exigência das instituições é a aprovação das Parcerias Público-Privadas (PPPs). No Chile, o projeto foi aprovado. No Brasil, está no Congresso e, na Argentina, está em discussão.
ticas neoliberais, o país pagou 20 bilhões de dólares à instituição, e ainda deve mais 7 bilhões, segundo o Banco Central. “O FMI destruiu a Argentina, um país com um nível de vida muito superior à de qualquer país da América Latina. Isso foi um crime”, aponta Sandra Quintela. Para ela, é preciso criar um tribunal internacional para crimes econômicos. “Não temos a corte de Haia? O Banco Mundial, o FMI e as empresas transnacionais têm de ser responsabilizados pelos seus crimes”, defende.
SAIBA MAIS PÁGINAS NA INTERNET Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais www.rbrasil.org.br Campanha Jubileu Brasil www.jubileubrasil.org.br 50 Years Enough! www.50years.org Comitê por Anulação da Dívida do Terceiro Mundo www.cadtm.org Observatório da Dívida www.debtwatch.org LIVROS Auditoria da Dívida Externa: questão de soberania Maria Lucia Fatorelli, editora Contraponto O FMI e a Nova Dependência Brasileira Aldo Arantes, editora Alfa-Ômega A globalização da pobreza impactos das reformas do FMI e Banco Mundial Michel Chossudovsky, editora Moderna Globalização e desnacionalização Reinaldo Gonçalves, editora Paz e Terra A mundialização do Capital François Chesnais, Xamã Editora A Política Destrutiva do Banco Mundial para a Reforma Agrária Rede Social de Justiça
EQUADOR
Oposição exige destituição de Gutiérrez Jairo Rolong de Quito (Equador) Há 15 meses o presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, se mantém no cargo – e muitos se perguntam: quanto tempo mais ele vai ficar? Uma pesquisa realizada por uma rádio, na semana passada, divulgou que um em cada 10 equatorianos não acredita em Gutiérrez. Dois dos principais movimentos sociais do país, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e a Confederação de Povos da Nacionalidade Quíchua do Equador (Ecuarunari), decidiram, em assembléia realizada na segunda semana de abril, intensificar
as ações contra o regime Gutiérrez. Nesse sentido, articularam uma frente de oposição ao governo, composta por trabalhadores rurais, indígenas, sindicalistas e militantes de esquerda. Uma das propostas da frente é fazer um julgamento popular de Gutiérrez, que leve à sua destituição. Para 1º de maio está programada uma marcha popular unificada para repudiar as ações do governo.
MOBILIZAÇÃO GERAL No dia 15, milhares de trabalhadores rurais se mobilizaram pelo país todo, gritando em coro “O campo não agüenta mais” e “Não aos tratados de livre comércio”. Na mesma semana, servidores
públicos, professores e estudantes também realizaram protestos. O descontentamento popular é crescente e acusações de corrupção envolvem o presidente e seu gabinete. Vários integrantes das Forças Armadas, que ocuparam cargos públicos, estão sendo investigados sob suspeita de nepotismo. O que poderia levar à destituição de Gutiérrez é um inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Eleitoral para apurar o financiamento da campanha do presidente por pessoas e grupos provenientes do estrangeiro – o que é ilegal no país. Alguns analistas dizem que Gutiérrez se mantém no cargo apenas por sua capacidade de negociação
e o cumprimento de acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Outros destacam que ele segue no poder por sua subserviência à política do governo estadunidense, permitindo a permanência da base militar de Manta, parte da estratégia do presidente dos Estados Unidos, George Bush, de expandir o Plano Colômbia, avançando pelo Equador.
POLÍTICA DE REPRESSÃO Para manter a cartilha neoliberal no Equador, o governo reprime os que se opõem ao sistema. A violação aos direitos humanos e a impunidade são eixos centrais da política de Gutiérrez. Nos últimos 4 meses,
diversas lideranças populares foram presas, como foi o caso de Humberto Cholango, presidente da Ecuarunari; ou vítimas de atentado, como ocorreu com Leonidas Iza, presidente da Conaie, e seus familiares. A estratégia do governo também se baseia em roubar equipamentos dos escritórios de movimentos políticos que se opõem ao regime, perseguir jornalistas e meios de comunicação, reprimir marchas estudantis e tentar fragmentar a luta social, infiltrando agentes do Estado em entidades combativas. O plano de governo não tem contemplado acabar com a pobreza, o desemprego, a fome, nem atender às necessidades dos setores da educação e saúde.
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De 22 a 28 de abril de 2004
INTERNACIONAL ÁFRICA
O que fazem os Estados Unidos na África? Simon Maina/AFP
Uma guerra oculta é travada pelos EUA para saquear as riquezas minerais do continente, especialmente no Congo José Garcia Botía de Albacete (Espanha) “O mar banha nossas costas, o mundo jaz a nossos pés. O vapor e a eletricidade acabaram com as distâncias. Todas as terras sem dono na superfície do globo, principalmente na África, devem se converter em campo de nossas operações e de nosso êxito.” (Rei Leopoldo da Bélgica, no início de 1861)
E
Reservas de ouro do Congo são maiores do mundo O cobre e o cobalto presentes nos resíduos da mina de Kolwezi estão avaliados em 16 bilhões de dólares. O coltan, mineral escasso no planeta, é composto por colômbio e tântalo. O tântalo é tão resistente à corrosão quanto o vidro, é muito resistente a temperaturas, tem muito pouco peso e é um supercondutor. É usado na fabricação de telefones celulares, satélites, reatores nucleares e mísseis; também é utilizado em certas peças de naves espaciais. Até recentemente, era explorado na Tailândia, Bolívia, Austrália, no Canadá e no Brasil.
Soldados da Força de Paz da ONU chegam à região conflituosa de Ituri, República Democrática do Congo, em 2003 Gianluigi Guercia/AFP
nquanto, no Ocidente, todos nós temos os olhares postos atualmente sobre o Iraque, há uma poderosa estratégia dos Estados Unidos para a região dos Grandes Lagos africanos, em curso desde os anos 90, cujo objetivo é a África. O que este continente tem sob o seu solo está ainda por ser extraído — e é muito, muitíssimo. Do Golfo da Guiné até Angola, há toda uma seqüência de bacias de petróleo no fundo do mar. Da República Centro-Africana abaixo, é tudo terra de enormes reservas minerais. Enquanto guerras como as do Afeganistão ou do Iraque são notícia diária em retransmissões de televisão, as guerras na África são totalmente ignoradas (a não ser quando mostram atrocidades que não são dignas de seres humanos). Dentre elas, são de crucial importância as de Angola e as da região dos Grandes Lagos. Nesta última, tudo gira em torno da República Democrática do Congo (o antigo Zaire do ditador Mobutu)*. Este país possui sob seu solo, em quantidades por vezes espantosas, ouro, diamante, cobre, cobalto, manganês, zinco, cádmio, prata, urânio e outros minerais escassos no planeta e de grande valor estratégico como o coltan, a cassiterita, o európio, o tório e o pirocloro. Exemplo: a média mundial de extração de ouro por tonelada de terra removida é de 11gramas. Em amplas regiões do leste do CongoKinshasa, é de entre 6 e 7 quilos. Pode-se chegar aos 16 quilos, o que, calcula-se — somente com a metade das reservas de ouro estimadas na mina de Sereze —, daria para pagar toda a dívida externa do Congo-Kinshasa.
Cerimônia pelos mortos do genocídio de Ruanda, em 7 de abril último
ALVOS DE COBIÇA DOS EUA NO CONTINENTE Mar Mediterrâneo
SUDÃO
REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA GUINÉ EQUATORIAL GOLFO DA GUINÉ
REPÚBLICA CONGO DEMOCRÁTICA DO CONGO RUANDA BURUNDI
OCEANO ATLÂNTICO
UGANDA QUÊNIA TANZÂNIA
REGIÃO DOS GRANDES LAGOS LAGO VITÓRIA LAGO TANGANICA LAGO RUKWA LAGO MALAUÍ
ANGOLA MALAUÍ
OCEANO ÍNDICO
Mas, logo depois que se descobriu sua presença na República Democrática do Congo, em altas concentrações, a maior parte da produção mundial tem sido obtida neste país. E toda esta riqueza está acumulada no leste do Congo-Kinshasa. Além disso, a República Democrática do Congo é estrategicamente
fundamental: está no centro do continente e, por ser tão grande, faz fronteira com outros nove países. Controlar a República Democrática do Congo é um passo chave para controlar a África Subsaariana. Faz tempo que os estadunidenses estão infiltrados no CongoKinshasa. Tanto é assim que não
obteve o segundo lugar na votação geral, com 12,37% dos votos. Este foi o melhor resultado obtido pelo CNA desde as primeiras eleições multirraciais de 1994, que puseram fim ao regime segregacionista do apartheid no país. Foram contabilizados 14.836 milhões de votos válidos (dos 21 milhões de eleitores registrados). A taxa de comparecimento às urnas foi de 76,73%. A África do Sul tem o maior índice de infectados por HIV no mundo. São 5 milhões de pessoas numa população total de 45 milhões. Cerca de 800 mil sul-africanos alegaram não poder votar por estarem gravemen-
te afetados pela Aids ou cuidando de alguma vítima da doença.
se informa o que acontece nesta região, a não ser quando interessa, e para dizer ou mostrar o que interessa, inclusive, às vezes, mentiras. Por esse motivo, de repente são notícia mundial acontecimentos dessa região que só servem para reforçar certas idéias do subconsciente coletivo. A matança dos tutsis pelos hutus (em Ruanda) nos faz pensar que a origem de todas as desgraças e barbaridades da região é uma guerra de origem étnica; como se duas etnias que convivem no mesmo território há séculos tivessem de repente ficado loucas. Nessa região, o planejamento dos passos a dar e os meios estratégicos implantados pelos Estados Unidos e por um grupo de multinacionais têm sido muito eficazes. Eles conseguiram, entre outras coisas, fazer crer que, em Ruanda, a única coisa que acontece é a existência de um ódio irracional entre hutus e tutsis; que o único genocídio foi o que dizimou os tutsis em 1994; que não se saiba da invasão do leste do Congo-Kinshasa por parte dos aliados dos Estados Unidos — Uganda, Ruanda e Burundi, desde 1998 —, ainda que esta seja uma guerra bárbara e cruel, com 3,5 milhões de mortos até hoje (tem sido chamada de guerra mundial pela África). Eles conseguiram neutralizar todos os passos da Organização das Nações Unidas (ONU) que poderiam ter evitado o massacre entre hutus e tutsis e dos congoleses invadidos. Todavia, não puderam evitar que um “grupo de especialistas” enviados pela ONU à República Democrática do Congo redigissem interessantes informes em que fica totalmente claro, sem margem a dúvidas, que há uma invasão do território congolês com a única finalidade de saquear suas riquezas. Conseguiram, porém, neutralizar a ONU para que não se tomem as medidas propostas pelo citado grupo, pois que estas poderiam servir para pôr fim ao conflito São medidas como embargo de ouro, diamante, coltan e armas na região. Veja-se, por exemplo, a resolução S/2001357 das Nações Unidas — embora, até mesmo neste importante documento, seja no mínimo
suspeito o fato de, ao invés de se fazer um estudo exaustivo do conflito, “só” aparecerem como envolvidas com o tráfico ilegal de minerais companhias européias e nenhuma estadunidense. Eles conseguiram colocar a República Democrática do Congo sob o jugo de Laurent D. Kabila (então aliado dos EUA) e, posteriormente (quando Kabila já não satisfazia aos interesses norte-americanos), divulgar que ele “foi assassinado”. Conseguiram, finalmente, que não se saiba nada disso e que isso não tenha nenhuma importância na opinião pública dos consumidores do Norte. Com relação a Angola, é curioso que se tenha chegado neste momento à paz, após 30 anos de guerra entre a Unita, de Jonas Savimbi e o governo de José Eduardo dos Santos. Os Estados Unidos apoiavam a Unita. Cuba e a ex-União Soviética, o governo angolano. A principal fonte econômica para o governo era o petróleo; para a Unita, eram os diamantes. A dinâmica era que, enquanto houvesse diamantes e petróleo, ambos os lados poderiam continuar comprando armas; como nenhuma das duas coisas se acabava, a guerra não acabava.
Angola aceitou paz em troca de diamantes Caiu a União Soviética, mas a guerra de Angola continuou. Em fevereiro de 2002, o presidente de Angola teve um encontro com George Bush na Casa Branca (a data foi acertada em setembro de 2001). Na ocasião, como que por acaso, o Mossad (serviço secreto israelense) tinha passado para as tropas governamentais a localização exata do esconderijo de Jonas Savimbi justamente poucos dias antes de Eduardo dos Santos tomar o avião para a Casa Branca. As palavras de Bush devem ter sido claras: “Paz, em troca de diamantes e do aumento da produção de petróleo”. Dos Santos deve ter aceito, pois, com a paz, Angola aumentou rapidamente sua produção de petróleo (estima-se que chegará a 1,5 milhão de barris diários). É assim que, antes dos ataques ao Iraque e ao Afeganistão, os Estados Unidos realizaram uma série de movimentos estratégicos prévios e em torno do petróleo: tentativas de golpes de Estado na Venezuela; a já mencionada paz em Angola; o aumento da produção de petróleo na Guiné Equatorial; pressões para que agora se cheguem a acordos de paz no Sudão. Para tudo isso, é bom que os consumidores do Norte não se preocupem – e sigam consumindo. (Argenpress, www.argenpress.info) * A República Democrática do Congo é também chamada de Congo-Kinshasa, para se distinguir do outro Congo, chamado CongoBrazzaville; Kinshasa e Brazzaville são, respectivamente, as capitais dos dois países.
Notas da África Eleições na África do Sul O presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, foi reeleito com 69,68% dos votos nas eleições gerais da África do Sul, dia 14 de abril. O partido de Mbeki, o Congresso Nacional Africano (CNA), obteve 279 das 400 cadeiras da Assembléia Nacional, inédita maioria de dois terços da casa. O CNA ganhou em todas as províncias sul-africanas, inclusive KwaZulu-Natal, batendo ali seu histórico rival, o Partido da Liberdade Inkhata (IFP), com 38 cadeiras contra 30 do IFP. O principal partido de oposição, Aliança Democrática, de maioria branca,
Sem-terra presos em Johannesburgo Acusados de querer perturbar as eleições sul-africanas do dia 14, 57 membros do Movimento dos Sem Terra da África do Sul (Landless People Movement - LPM) foram presos em Johannesburgo quando se preparavam para uma manifestação pacífica por reforma agrária. Em novembro do ano passado, o LPM pôs nas ruas a campanha “Sem terra, sem voto”, ameaçando boicote às eleições gerais caso o governo de Thabo Mbeki não
iniciasse reforma agrária ampla e imediata no país. Cerca de 65 mil brancos (menos de 1% da população) detêm mais de 80% das terras férteis sul-africanas, divisão injusta herdada dos tempos do apartheid. O LPM condenou a prisão de seus líderes e integrantes presos, considerando a atitude das autoridades locais como uma negação dos direitos fundamentais de liberdade e expressão. Depois de dez anos no poder, o governo do Congresso Nacional Africano (de Thabo Mbeki), transferiu apenas 3% da terra para os agricultores sem-terra.
Eleições na Argélia As eleições do dia 8 de abril deram vitória ao atual presidente Abdelaziz Bouteflika, que obteve 84,9% dos votos. O segundo colocado foi Ali Benflis, com 6,42%. Bouteflika tomou posse do seu segundo mandato de cinco anos no dia 19 de abril, em Argel, capital do país. Tanto Ali Benflis quanto Said Sadi (terceiro colocado no pleito) disseram não reconhecer os resultados das eleições, “baseadas na fraude generalizada”. Observadores internacionais afirmaram ter constatado “melhoria” no processo eleitoral com relação a eleições anteriores na Argélia.
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De 22 a 28 de abril de 2004
INTERNACIONAL PALESTINA
Governo israelense mantém política do terror Apoiado pelo presidente dos EUA, o exército israelense assassinou, no dia 17, o líder do Hamas, Abdel Aziz Rantissi da Redação
movimento palestino depois do assassinato, em Gaza, do líder espiritual Ahmed Yassin, em 22 de março, em uma incursão militar israelense semelhante. Líderes do Hamas prometeram vingar a morte. Khalid Mishaal, um alto integrante do grupo, pediu a seus companheiros, em entrevista à emissora de televisão Al Jazeera, que elegessem “um dirigente
MORTE ANUNCIADA Israel deverá “assumir as conseqüências” pelo assassinato de Rantissi, afirmou Saeb Erekat, ministro
da ANP encarregado das negociações com Tel Aviv. “Agora ficou evidente, aos olhos de todo o mundo, que o povo palestino necessita, mais do que nunca, de proteção internacional”, disse. Em um comunicado difundido em Ramallah, o primeiro-ministro Ah-med Qureia e seu governo afirmaram que “essa ofensiva terrorista israelense é resultado direto do
France Presse
O
líder do Hamas, Abdel Aziz Rantissi, foi assassinado no dia 17, em um ataque israelense na cidade de Gaza, menos de um mês depois da eliminação de seu antecessor e fundador do movimento, o xeque Ahmed Yassin. O Hamas jurou vingar a morte de seu líder, ao prometer que “seu sangue não foi derramado em vão”. Ao mesmo tempo, Ahmed Qureia, primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina (ANP), afirmou que o assassinato é “resultado direto do esforço e do alinhamento total” dos Estados Unidos em direção a Israel. Pelo menos dois foguetes, lançados de um helicóptero, alcançaram o carro em que o dirigente do Hamas viajava com seus guarda-costas, que também morreHamas – Grupo ram no ataque. islâmico, criado em Em 24 de mar14 de dezembro de 1987, pouco antes ço, Tel Aviv já da primeira Intifada tinha advertido (revolta palestina que continuaria contra a ocupação israelense). sua campanha de assassinatos de dirigentes palestinos, entre eles Rantissi, que tinha 56 anos. Avi Pazner, um dos porta-vozes do governo do primeiro-ministro Ariel Sharon, disse que Rantissi foi morto para “enfraquecer o Hamas”. Rantissi, co-fundador do Hamas, foi nomeado dirigente interino do
para o movimento islâmico, sem revelar seu nome”. Segundo a Al Jazeera, Khalid Mishaal, chefe do politiburo do Hamas no exílio, torna-se agora o mais destacado dirigente do movimento.
ANÁLISE
Bush é cúmplice da morte do líder do Hamas Emir Sader do Rio de Janeiro (RJ)
Ação terrorista do primeiro-ministro Arie Sharon conta com apoio do presidente estadunidense George W. Bush
ISRAEL
Cresce exportação de armamentos Luciano Bertozzi de Roma (Itália) Em 2003, segundo fontes governamentais, as exportações militares israelenses equivaleram a 3 bilhões de dólares, 10% do comércio mundial de armas, o que torna Israel uma superpotência no setor. Em 2004, o total da venda de armas israelenses deve atingir 4 bilhões de dólares. O principal cliente é a Índia, que esteve a ponto de entrar em guerra nuclear contra o Paquistão. Há pouco tempo, os dois países assinaram acordo de 1,2 bilhão de dólares para
fornecimento de aparelhos de radar e monitoramento eletrônico, além do desenvolvimento de mísseis para a artilharia e mísseis navais do tipo Lora, cada um deles capaz de levar meia tonelada de explosivos a 300 quilômetros de distância. No caso das exportações para a Índia, Israel usa sua alta tecnologia militar. Mas, para o segundo cliente em importância de suas armas, a Turquia, incapaz economicamente de comprar armamentos novos, os israelenses utilizam uma outra especialidade: a modernização de armamentos obsoletos, como avi-
ões e carros blindados. Ao contrário de outros países produtores de armas, Israel não proíbe a venda de armas a regimes ditatoriais ou em guerra ou guerra civil. Os 10 milhões de unidades de seu fuzil-metralhadora Uzi, por exemplo, estão em mãos da Argélia, Chade, Colômbia, Guatemala, Etiópia, Irã, Libéria, Nigéria, Somália, Sudão, Uganda e República Democrática do Congo. A indústria de guerra israelense ocupa mais de 15 mil trabalhadores e está desenvolvendo novos projetos de alta tecnologia, como o carro
blindado Merkava 4, com pesados subsídios governamentais, o que implica cortes nos gastos sociais. Ao mesmo tempo, a guerra contra os palestinos retarda o desenvolvimento econômico – notadamente o turismo – e, com tudo isso, o desemprego atinge agora níveis recordes em Israel e há famílias literalmente passando fome. Até mesmo o ministro da Justiça do governo Ariel Sharon, Yosef Lapid, se opõe aos planos de expansão das despesas militares defendidos pelo Ministério da Defesa. (Il Manifesto, www.ilmanifesto.it)
IRAQUE
Na semana em que os iraquianos lembram o aniversário do nascimento do profeta Maomé, com peregrinações aos santuários de Najaf, a resistência iraquiana comemora importantes conquistas no campo militar e político. Dia 18, o novo primeiro-ministro da Espanha, José Luiz Rodríguez Zapatero, assim que assumiu formalmente o governo, determinou a retirada de seus 1.300 militares do Iraque em 15 dias. A decisão de Zapatero representa uma derrota simbólica para o governo de George W. Bush, que já enfrenta o aumento das baixas das tropas estadunidenses no país. Além disso, pode ocorrer um efeito-dominó, pois dos outros 35 países com tropas no Iraque, as Filipinas estão avaliando se mantêm ou retiram seus cerca de cem soldados. Em resposta à decisão do premiê espanhol, o líder xiita Moqtada al Sadr pediu ao povo que cesse os ataques contra as tropas espanholas até que elas voltem a seu país. Além da resistência armada, os iraquianos estão colocando em crise a “reconstrução” de seu país por meio dos seqüestros de funcio-
Hadi Mizban/AP/AE
Resistência comemora avanços políticos Paulo Pereira Lima da Redação
esforço e da parcialidade total da administração estadunidense para apoiar os planos de Israel, oferecer uma cobertura política para usurpar a terra palestina e para matar, reprimir e destruir”. O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, tinha afirmado, dia 14, durante um encontro com Ariel Sharon em Washington, que Israel tinha direito a ficar com parte da Cisjordânia. Ele reivindicou também o “direito de defesa” de Tel Aviv e chamou de “irreal” a possibilidade de um regresso às fronteiras de 1949. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
Crianças iraquianas incendeiam um veículo estadunidense em Kufa, Bagdá
nários das transnacionais ocidentais e mercenários de guerra. Já passa de 50 o número de seqüestrados e os dirigentes das transnacionais já apontam para a possibilidade de mandar seu pessoal de volta. No Iraque ocupado, estimam-se em 10% os soldados privados. Uma
expansão clara, se comparada com a primeira guerra do Golfo, quando a relação era de 100 soldados regulares para um soldado privado, segundo o jornal britânico The Guardian. Hoje seriam pelo menos 10 mil contratados (segundo outras fontes, este número poderia chegar
a 15 mil), configurando um contingente de soldados maior do que o Exército britânico mantém no país. Ainda que muitos contratados tenham como missão coisas tão prosaicas como cozinhar para as tropas oficiais ou reparar estradas, calcula-se que no Iraque 6 mil deles sejam encarregados de funções militares e andem armados. Fabrizio Quattrocchi, morto dia 12, e os outros três italianos, ainda nas mãos dos iraquianos, por exemplo, trabalhavam para a estadunidense Dyncorp Technical Services, empresa com 1 bilhão de dólares em contratos com o governo dos EUA. Não fosse a dor dos familiares italianos, beiram o ridículo as palavras do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, após a confirmação da morte: “Eles destruíram uma vida, mas não abalaram nossos valores e nossos esforços pela paz”. De acordo com informações da organização não-governamental Corpwatch, que monitora atividades militares do governo estadunidense e das transnacionais, a Dyncorp treina policiais iraquianos e participa ativamente do Plano Colômbia, no qual é responsável pelas fumigações nas plantações de coca. (Com Portal Porto Alegre, www.planetaportoalegre.net)
O assassinato de Abdel-Aziz Rantissi, sucessor do recém-assassinado xeque Yassin na direção do Hamas, é conseqüência direta da aprovação pelo presidente dos Estados Unidos George W. Bush da estratégia do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon: destruir qualquer possibilidade de o povo palestino ter seu Estado e existir como nacionalidade. O presidente estadunidense pode ser acusado de co-responsável, de cúmplice, de coautor do assassinato de Rantissi. Com os olhos postos nas eleições presidenciais de novembro – como em todos os seus atos –, Bush optou por apoiar a estratégia terrorista de Sharon, com plena consciência de como tem atuado o Estado israelense. Desta vez, o conluio Sharon-Bush foi mais longe: deseja colocar em prática um plano que não pretende sequer consultar a Autoridade Nacional Palestina, um governo reconhecido pela ONU, com assento nessa instituição.
“TERROR INFINITO” Dia 22 de março, Yassin foi assassinado. Menos de um mês depois, Sharon viajou a Washington para pedir a bênção do governo dos Estados Unidos para seguir adiante sua política de extermínio da resistência palestina e de legitimação da ocupação dos territórios palestinos. Bush apoiou Sharon, sabendo as conseqüências disso. Agora, Washington não pode expressar algum tipo de crítica ou de reserva, porque esse tipo de ação está inscrita, teórica e praticamente, na política do governo Sharon. A intenção de Sharon não é a de terminar com o terrorismo, mas – da mesma forma que Bush – a de explorá-lo politicamente, intensificando-o com suas ações. Elas fazem parte do plano anunciado por Sharon em 2 de fevereiro deste ano, de devolução das terras da Faixa de Gaza em um prazo de um ou dois anos. Para que essa inevitável retirada não apareça como uma vitória do Hamas, Sharon anunciou que os outros territórios invadidos serão – se prevalecer sua vontade – definitivamente incorporados ao Estado de Israel, complementado com a construção do muro. Ao forçar a polarização com o Hamas, segundo afirma o líder pacifista israelense Uri Avnery, Sharon “leva o conflito de uma questão nacional passível de solução para um tipo de conflito religioso, que por sua própria natureza é irresolúvel”. Sharon conta com seu cúmplice Bush na direção do “terror infinito”. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)
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AMÉRICA LATINA ENTREVISTA EXCLUSIVA
“Estamos vivendo uma nova onda rebelde Considerando a organização popular fundamental para garantir os governos democráticos, Hugo Chávez defende a
Brasil de Fato – Como evitar golpes como os que derrubaram João Goulart, no Brasil, e Salvador Allende, no Chile? Como evitar outro 11 de abril na Venezuela e fazer que os 13 de abril sejam permanentes na América Latina? Hugo Chávez – Como evitar que as oligarquias, impulsionadas e apoiadas pelo império, calem os processos de mudanças, cortando as esperanças? Como evitar, aqui nestas terras, que se cumpra a cínica expressão de Winston Churchill sobre a União Soviética: “É preciso cortar a cabeça do bebê antes que cresça”? Como evitar que os Herodes de hoje cumpram a meta perversa de cortar a cabeça do bebê da esperança? A experiência da Venezuela pode contribuir para evitar os golpes fascistas que derrotam governos democráticos e legítimos, sobretudo progressistas, com projetos de mudanças, como o de Allende ou de Goulart. No nosso caso, o golpe foi derrotado em 24 horas, pois o povo se colocou de pé quase de imediato. Um elemento fundamental é a organização popular. Eu a colocaria em primeiro
Golpe do 11 de abril – Nesse dia, em 2002, militares e empresários venezuelanos depuseram e seqüestraram o presidente Hugo Chávez. Os golpistas receberam apoio e dinheiro do governo estadunidense. Dois dias depois, após manifestações de apoio a Chávez por todo o país, ele voltou ao cargo. Caracazo – Levante de trabalhadores e estudantes de Caracas, em fevereiro de 1989, contra as políticas neoliberais do então presidente Carlos Andrés Pérez. Confrontos com a polícia deixaram centenas de mortos. Revolução bolivariana – Programa econômico, político e social lançado por Chávez para romper com a dependência da Venezuela aos Estados Unidos, acabar com a corrupção no poder público e enfrentar os problemas da população pobre, como falta de acesso à saúde e à educação. A revolução se baseia nos ideais do general venezuelano Simón Bolívar (1783-1830), que lutou pela independência de diversos países da América do Sul. Pedro Carmona – Empresário venezuelano que, após o golpe do 11 de abril, assumiu a presidência da Venezuela. Hoje ele participa da oposição a Chávez. 4 de fevereiro de 1992 – Rebelião militar liderada por Chávez para depor o então presidente Carlos Andrés Pérez. O levante fracassou e os rebeldes, incluindo Chávez, foram presos.
Discurso do presidente durante ato comemorativo do segundo aniversário do golpe que o tirou do poder por 48 horas
Quem é Filho de professores, Hugo Rafael Chávez Frias nasceu em 1954, na Venezuela. No interior das Forças Armadas, onde seguiu carreira militar, junto com outros oficiais, criou o movimento político inspirado em Símon Bolívar, libertador da América Latina. Em 1992, com cerca de 300 pára-quedistas, Chávez liderou a tentativa de tomar o Palácio Miraflores do governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez. Mesmo com o fracasso da operação, antes de ser preso, Chávez falou em rede nacional e desde então passou a ser a principal opção política de caráter popular no país. Em 1999 foi eleito presidente e deu início ao projeto de revolução bolivariana.
lugar! Essas massas de povo que despertaram na América Latina, na Venezuela, no Brasil, na Argentina, no Equador, precisam estar organizadas. É necessário que os dirigentes, os líderes naturais, os líderes políticos, os líderes sociais sejam uma direção política consciente, que articulem um plano e ponham em marcha, no seio das massas, para elevar
A TV do Sul vai evitar que nossos povos assistam apenas a CNN progressivamente o nível de consciência e de organização. Simão Rodrigues dizia: “A força material está na massa e a força moral, no movimento da massa”. Eu, humildemente, na prisão, lendo Simão Rodrigues nas madrugadas, me atrevi a acrescentar uma terceira consigna, pois me parece que faltava a força material que estava na massa e a força moral que estava no movimento. A força transformadora está na massa consciente e organizada, em movimento acelerado e permanente. Muitos movimentos de massa fracassaram por falta de uma direção política, uma consciência, uma ideologia. Não tinham um aparelho, chamemos isso de aparelho ou de partido. BF – Às vezes as rebeliões vêm com um aitolá... Chávez – Sim, no Irã pode ser que sim. Às vezes são até subjetivos os aparelhos, mas vão se transformando em aparelhos concretos, em correntes concretas, enfim, em organização, consciência e ideologia, programa e direção, de forma tal que tenhamos uma massa organizada e consciente em movimento. Com uma direção determinada. E acredito que esse é o fator mais importante e foi o que salvou o processo venezuelano. Salvou inclusive a nossa vida e nos seguirá salvando das ameaças.
BF – Qual é o papel dos militares nos processos de transformação? Qual a importância da unidade cívico-militar? Chávez – Aqui o povo e as forças armadas voltaram a se reencontrar. Em 1989, em Caracas, vi quando os soldados foram enviados por Carlos Andrés Pérez para massacrar o povo que se levantou no Caracazo! Descarregaram a fuzilaria sobre os bairros pobres. Foram milhares de mortos. Falam em trezentos, mas foram milhares de corpos lançados em fossas comuns, que nunca apareceram. Exatamente no dia em que se completavam dez anos daquela tragédia, 25 dias depois de termos assumido o governo, começamos o “Plano Bolívar 2000”. Nesse dia, os militares saíram de todos os quartéis do país, mas já não iam com a metralhadora da morte e sim com armas carregadas de vida, para fazer trabalho humanitário! Era uma ação meramente conjuntural, mas era uma resposta de um governo que começava com grandes dificuldades econômicas, uma pesada dívida externa, a pobreza infinita que tivemos aqui durante todo esse tempo, mas com um gesto: as Forças Armadas saem para ajudar seu povo e desde então não pararam mais e não pararão. Agora estamos organizando os reservistas do Exército, todos os que passa-
ram pelas fileiras militares, junto com o povo pobre. Já temos 80 mil inscritos e aprovamos recursos extraordinários para uniformizá-los, para armá-los e para treiná-los. BF – Quais os antecedentes históricos dessa unidade cívicomilitar? Chávez – 99 % dos militares da Venezuela vêm dos bairros pobres, dos campos. É um povo das classes baixas, nem das classes médias. Na melhor das hipóteses, ascendemos socialmente no Exército e chegamos a ser um pouco classe média. Mas eu nasci em uma casa de palha. Um militar venezuelano que vem da classe alta é um extraterrestre, uma coisa estranha. Na tropa, os suboficiais também são de profunda extração popular. Porém, sabemos que isso não é garantia suficiente porque temos visto na América Latina, como aqui, militares arremetendo contra seu próprio povo. Na verdade, o processo revolucionário bolivariano resgatou as raízes militares de nossas Forças Armadas. Eu repeti um milhão de vezes aos militares venezuelanos: quando Simon Bolívar estava morrendo, acompanhado de Abreu de Lima – o grande revolucionário pernambucano, símbolo da integração de nossos povos – afirmou em sua última
Cláudia Jardim
O
presidente da Venezuela, Hugo Chávez, recebeu a reportagem do Brasil de Fato em uma área livre conjunta à sua sala de despachos – onde mandou construir um quiosque de palha que lembra a casa onde nasceu, para “manter vivas as raízes campesinas”. Seus traços de mistura afro-indígena sobrepõem-se ao seu cansaço evidente ao fim de um dia de trabalho e debates com internacionalistas de todos os continentes, que estavam em Caracas para o II Encontro Mundial de Solidariedade com a Revolução Bolivariana. Seu interesse pelo Brasil não disfarça o respeito apaixonado pelo pernambucano Abreu de Lima, general que lutou com Bolívar até o seu último respiro. “Por que não temos alguns desses bispos brasileiros por aqui?”, perguntou, ao ver, na edição 58 do Brasil de Fato, a foto de dom José Maria Libório Saracchio beijando os pés de um sem-terrinha na cerimônia do lava-pés da Semana Santa. Não há formalismos, a roupa é simples, mistura com naturalidade complexas análises políticas e versos de uma canção revolucionária do cantor venezuelano Alí Primera. Parece ver em cada brasileiro um Abreu de Lima...
proclamação que “os militares devem empunhar suas espadas para defender as garantias sociais!”. Anos antes, dissera: “Maldito seja o soldado que aponte as armas contra seu povo!”. Isso está entranhado profundamente nas Forças Armadas e, por isso, no golpe de 11 de abril, a elite governante de Washington, a CIA, a elite venezuelana com todos os seus recursos e analistas, a elite petroleira que tinha um governo paralelo, todos se equivocaram bastante. Pensaram que o povo venezuelano ficaria de braços cruzados diante do golpe fascista.
Juan Barreto/AFP
Beto Almeida enviado especial a Caracas (Venezuela)
Fundo latino americano poderia ser usado para erradicação do analfabetismo
BF – Como foi essa resistência? Chávez – Dia 13 de abril este palácio foi rodeado pelas massas, as cidades foram tomadas e a população começou a sair para as ruas. Como diz a canção: “E desceram, e desceram e desceram” (canção revolucionária de Ali Primera). Primeiro, um pequeno grupo, depois uma avalanche com bandeiras e com a Constituição, alguns com fuzis, outros com facões, uns cantando e outros chorando, e aí se levanta um povo campesino, obreiro e desempregado, os camelôs, os jovens estudantes. Um artigo escrito por um golpista conta como o ministro, o cardeal e os donos dos meios de comunicação estavam numa reunião, aqui no palácio, e alguém avisa que têm que evacuar o palácio porque estavam cercados! Eles saíram correndo pela porta de trás. Alguns não tiveram nem tempo de sair porque as tropas e o povo tomaram o palácio e os telhados, as portas. Pedro Carmona fugiu pelos fundos junto com os donos dos meios de comunicação, o cardeal fugiu pelo outro lado. Assim, nesse dia começou a evidenciar-se o resultado de todo o trabalho, do empenho, da fusão civil-militar. Foram as horas em que vivi no fio da navalha. Porque os golpistas já tinham dado a ordem da minha morte. Estava consciente de que essa gente que havia poupado minha vida em 4 de fevereiro de 1992 não cometeria o mesmo erro de novo. Mas a fusão civil-militar começou a brotar por todas partes e a
Com a Petrosul, teremos uma das maiores reservas do mundo consciência dos jovens militares salvou minha vida e deu tempo para que a pressão popular se unisse inclusive com chefes militares. O general Garcia Carneiro, que era ministro da Defesa, estava preso pelos golpistas. Mas com a ajuda dos soldados escapou pela janela do banheiro do Forte Tiúna e foi para a portaria onde as massas populares se concentravam, buscando aliança com os militares. Carneiro pegou um megafone e incentivou o povo à luta. Ouviram-se canções revolucionárias: “No basta rezar...” e todos cantaram, a tropa e o povo! Aí está uma fórmula, um povo unido, organizado, consciente, capaz de mobilizar-se e veja que se mobilizou sem ser convocado! Os meios de comunicação alternativos tiveram papel importantíssimo e são a outra parte da fórmula para impulsionar a rebelião. Assim como disse Che Guevara, “criar um, dois, três Vietnã na América Latina”, temos que impulsionar uma, duas, três mil emissoras de televisões e rádios comunitárias na América Latina, que convoquem e orientem o povo.
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AMÉRICA LATINA
e de muitos avanços nas lutas de massas” integração da América Latina e propõe a criação de um fundo financeiro, de uma companhia petrolífera e rede de TV
militar dos EUA na Colômbia, o Plano Colômbia, que é a máscara usada no suposto combate ao narcotráfico, na verdade é a via de penetração do império na região. Solicitam ao Congresso dos EUA duplicar os recursos e o Exército para a Colômbia. Criaram comandos militares e de inteligência perto da nossa fronteira. Os paramilitares mataram, nos últimos dois anos, mais de 60 líderes agrários. Há dois meses houve uma batalha entre um batalhão da Venezuela e paramilitares que penetraram na fronteira. Os paramilitares colombianos são subordinados ao Pentágono. No fim, os militares colombianos fizeram um comunicado dizendo que militares venezuelanos penetraram na Colômbia para atacar o exército colombiano e assim evitar que eles capturassem um líder da guerrilha. A verdade é: eles invadiram a fronteira venezuelana e temos imagens mostrando isso claramente. BF – Quais são os planos do imperialismo para a região? Chávez – Há pouco tempo o chefe do Comando Sul do Exército dos EUA declarou que “Hugo Chávez Bogotazo – Levante popular na Colômbia, em 1948, que reuniu milhões de pessoas em manifestação contra o assassinato de uma das principais lideranças de esquerda do país, o então candidato à presidência Jorge Eliecer Gaitán. 26 de julho de 1953 – Nessa data, estudantes e trabalhadores cubanos, liderados por Fidel Castro, tentaram tomar o quartel Moncada, em Santiago de Cuba, como forma de derrubar o regime ditatorial de Fulgêncio Batista, que durou até 1959. Paro petrolero – Greve que em dezembro de 2002 paralisou a produção de petróleo do país. O objetivo dos grevistas era desestabilizar o governo Chávez. Missão Robinson – Projeto de alfabetização de adultos, lançado em outubro de 2003 por Chávez.
A rebeldia não será perdida. Oxalá os líderes estejam à altura dos povos
Chávez aponta nova luta de massas, indicando caminhos e trazendo esperanças
irupção de governos impulsionados pela revolução cubana. Uma onda de insurreições variadas, militares e progressistas, que logo se apagou e abriu caminho para o neoliberalismo. Sobretudo nos anos 90, após a queda soviética que foi um golpe moral e político. O neoliberalismo penetra fundo e quase apaga a presença dos movimentos alternativos. Mas agora estamos em nova onda rebelde e de avanço nas lutas das massas. E mesmo dentro do monstro há um tremendo movimento antiglobalização, movimentos antiguerra, milhões de pessoas protestando contra a invasão no Iraque. É uma onda crescente que indica caminhos, traz esperanças.
e seu populismo radical” eram uma ameaça à paz. Antes, o governo espanhol de José María Aznar ofereceu à Colômbia 40 tanques pesados de guerra. Aznar é um subordinado de Washington e atuou no golpe de Estado contra nós. A ajuda militar à Colômbia fornece helicópteros aos paramilitares. Quando alguns senadores colombianos pedem a aplicação da Carta da OEA e dizem que Chávez é um rei, um ditador, significa uma conspiração política na Colômbia, em Washington, e uma conspiração militar para atacar a Venezuela. Nós estamos nos preparando para qualquer coisa e oxalá a oligarquia colombiana não leve adiante esses planos porque também vai fracassar, assim como o golpe de 11 de abril ou o paro petrolero. BF – As várias datas rebeldes da “Nossa América”, como o Bogotazo, o 26 de julho em Cuba, o 4 de fevereiro aqui mostram uma história de lutas que, mais recentemente, se transforma em levantes contra o neoliberalismo. O que significa tudo isso em termos de possibilidade histórica de uma luta comum contra o neoliberalismo? Chávez – A Nossa América, como diz o poeta José Martí, tem ciclos de lutas. A primeira onda de rebeliões foi a da incrível resistência indígena. Uma enorme resistência apagada pelos impérios, como aconteceu no Brasil. Depois vieram novas ondas rebeldes ligadas às circunstâncias mundiais, produtos da guerra de independência dos EUA, da revolução francesa, do desgaste do império espanhol e do florescimento, neste continente, de um setor criollo (nativo) consciente – formador de uma massa crítica de pensadores, tomando consciência desta terra e deste povo, e que se atreveram a criar uma força para, em 1810, declarar a independência. Aproveitaram uma conjuntura mas vinham amadurecendo, com a conspiração dos negros e indígenas. Depois, quase todo o continente se apagou. E então veio a onda de governos nacionalistas como o de Juan Domingo Perón (Argentina), ou de Getúlio Vargas (Brasil), ou de Lázaro Cárdenas (México), ou de governos militares progressistas como o de Omar Torrijos (Panamá) e de Juan Veasco Alvarado (Peru). Uma
BF – Qual o papel dos líderes populares nesse cenário? Chávez – Todos os que assumimos circunstancialmente um papel de liderança, de direção, em qualquer nível, seja nas frentes políticas, nos movimentos sociais ou na batalha econômica, todos nós que temos consciência dessa situação, temos uma grande responsabilidade neste momento. O desafio é dar à massa uma liderança organizativa, orgânica, dar um nível de consciência e ideologia capaz de enamorar, apaixonar o povo, de potencializar as lutas, para que não se perca essa nova onda rebelde. Estamos diante de um grande caminho e espero que os líderes que estão emergindo, na América Latina sobretudo, estejam à altura desses acontecimentos, para dar forma concreta e transformar esses estados de transição que atravessamos na região. O modelo neoliberal imposto no continente está desmoro-
protagonista e um modelo econômico alternativo, social, que sirva para atender as necessidades fundamentais de todos e não para o enriquecimento de uma minoria. Se em toda a América do Sul e no Caribe conseguirmos coordenar forças, juntar lideranças, poderemos, depois de 500 anos, ter algum êxito e avançar! O que conquistarmos até 2010 na Nossa América definirá o futuro. Estamos na primeira etapa, mas se fracassarmos agora tudo se perderá e seguirão imperando as mesmas forças dominantes. Se abrirmos espaço para a construção de um projeto maior de transformação deste continente, isso pode significar a transformação do mundo, que já não é mais apenas transformação, mas a salvação do mundo, pois o caminho que estamos trilhando leva à destruição total do planeta. Tenho esperança de que esta nova onda rebelde não será perdida e que nossos filhos verão um continente diferente. Oxalá os líderes estejam à altura dos povos. BF – No paro petrolero o Brasil enviou petróleo para a Venezuela. Agora a Venezuela envia petróleo à Argentina. Isso prova a necessidade e a possibilidade da integração latino-americana e caribenha? Chávez – Esses episódios são ensaios dessa integração. Não podemos esquecer da ajuda de Fernando Henrique Cardoso e depois de Luiz Inácio Lula da Silva, que também nos ajudou enviando navios com combustível para aliviar nossos problemas. Agora o presidente Néstor Kirchner pediu apoio diante de problemas internos com energia e não hesitamos um segundo. Inclusive quando ele me falou do problema eu disse que se necessário, levaríamos uma refinaria daqui para lá. Em breve, cumpriremos a cota de 300 mil barris de combustível enviados à Argentina. BF – Recentemente, a imprensa divulgou a correspondência trocada entre o chanceler do Brasil e o secretário de Estado dos EUA, revelando diferenças nas
Juan Barreto/AFP
A união cívico-militar é uma das fórmulas antigolpe
nando. O capitalismo neoliberal, a democracia burguesa já não tem moral nem força. A água está borbulhando na panela; só ferve aos 100 graus centígrados, mas já borbulha! O caminho agora é saber o que fazer com essa energia popular, moral, intelectual que está brotando, como concentrá-la e conseguir a força necessária, a temperatura de 100 graus, para ter êxito e criar um projeto popular, como estamos fazendo na Venezuela. Uma democracia popular, participativa,
Claudia Jardim
BF – A situação política na Colômbia agrava-se com a moção aprovada pelo senado colombiano que pede a aplicação da Carta da OEA contra a Venezuela e a revolução bolivariana. O que o senhor acha desse quadro? Chávez – Estamos atentos aos sinais que estão chegando, seja pelo lado esquerdo, seja pela fronteira ocidental. Há pouco, em visita à Guiana, cheguei a uma conclusão: lá pelos anos 70, começaram a surgir nos quartéis venezuelanos congressistas e livros falando da necessidade da Venezuela resgatar o território de Esequibo. Atiçaram nos militares venezuelanos um sentimento antiguianense, e agora sei por quê. Na época, a Guiana tinha um governo progressista que permitiu o uso de suas instalações por tropas cubanas que se deslocavam, indo e vindo de Angola. Apresentavam a Guiana como uma ameaça, como a nova Cuba da América do Sul. Claro que era um plano da Casa Branca, do Pentágono e do Comando Sul do Exército dos Estados Unidos, atiçando a Venezuela contra a Guiana. O mesmo aconteceu no Iraque, quando triunfou a revolução do aiatolá Khomeini e os EUA decidem armar Sadam Hussein contra o Irã, gerando a guerra que durou dez anos. Queriam destruir a revolução iraniana. Não conseguiram, mas fizeram muitos danos, frearam o avanço social. Agora atiçam a oligarquia colombiana contra a Venezuela. A presença
Discurso durante ato que relembrou o golpe que o tirou do poder por 48 horas
negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Como isso reforça a proposta da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba)? Chávez – Todos sabem que estamos propondo uma alternativa à Alca, que é um projeto neocolonial: a Alba contra a Alca, que agora vem se estruturando como um modelo de integração distinto. Entre Cuba e Venezuela estamos avançando nesse modelo, que chamamos de Alba, mas pensando em uma integração para toda a América do Sul. Quando nos visitaram os presidentes Kirchner e Lula, na reunião do G-15, estávamos planejando algumas linhas estratégicas do que poderia ser essa integração do Sul, como queria Bolívar, que pretendia articular um bloco de força política, não só de integração comercial. Estamos propondo para a América do Sul um fundo financeiro das regiões, que funcionaria como semente de um novo fundo para crescer progressivamente, um fundo latino-americano de reserva. Mas ainda falta decisão política para criar isso, ainda há o temor ante o FMI e o império. Propusemos a criação da Petrosul, que representaria uma capacidade energética enorme juntando Petrobras, PDVSA, Petroperu e outras petroleiras da região. Somando as reservas petroleiras de todos, seríamos os maiores do mundo em reserva e em energia! Propusemos também uma televisão do Sul para que nossos povos não assistam só a CNN ou o que queiram projetar os poderes hegemônicos. Já temos os mecanismos, o canal 8 da Venezuela, temos a ViveTV. No Brasil há várias emissoras públicas, como no Estado do Paraná; há emissoras comunitárias também na Argentina. Basta uma decisão política e faríamos isso amanhã mesmo! Temos avançado nas conversas para uma cooperação entre o canal venezuelano e argentino para fazer essa TV do Sul. Assim, estamos propondo a Petrosul, a TV do Sul e um fundo financeiro latino-
Uma, duas, três mil TVs comunitárias na América Latina americano que incremente nossa soberania econômica. Propomos criar um banco do Sul. Imagine se, em vez de colocar nossas divisas num banco dos EUA, colocássemos em banco do Sul, que também pode ser articulado com África e Ásia! Criar uma universidade do Sul, articulada. Uma missão Robinson, para que em poucos anos não houvesse mais analfabetos no continente. Uma missão Bairro Adentro, de saúde e ação conjunta, inclusive com o apoio das forças armadas de cada país, como fazemos aqui na Venezuela. Eu considero que o critério da Alca está morto. BF – O governo bolivariano decidiu suspender projetos de soja com sementes transgênicas? Chávez – Suspendemos os projetos com transgênicos e vamos fazer uma espécie de um banco de sementes não-transgênicas para oferecer aos países pobres. Parabenizo o governador do Estado do Paraná, Roberto Requião, pela decisão adotada sobre os transgênicos e a ele envio minha solidariedade. Tenho muita curiosidade de saber, inclusive, como ele tem desenvolvido os projetos agrícolas na região e, quem sabe, fazer um intercâmbio de experiências nesse sentido.
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DEBATE SALÁRIO-MÍNIMO
Um projeto de reajuste medida em que se aproxima a data-base para a correção do salário-mínimo, começam a surgir dos laboratórios oficiais projeções para o valor que o piso salarial assumirá a partir do próximo dia 1º de maio. As primeiras informações apontam para um aumento real acima dos 7,29% do índice inflacionário programado no Orçamento Geral da União deste ano, o que permitiria elevar o salário dos atuais R$ 240 para perto de R$ 280. Todos sabem que tenho uma vida parlamentar dedicada à causa da recuperação do valor de compra do piso salarial e que sou autor de projetos de lei que buscam fazer que sua equivalência atinja o patamar dos 100 dólares. Porém, não vejo como conseguir essa equivalência com as projeções anunciadas. Diante das perdas que se avolumam na renda do trabalhador brasileiro, notadamente daqueles que vivem de salário-mínimo, não podemos permanecer estáticos. Mais uma vez se faz necessário o encontro de um percentual de correção que devolva ao salário-mínimo pelo menos o seu poder para o trabalhador enfrentar as despesas com alimentação, já que a cobertura das demais despesas previstas na Constituição está longe de ser alcançada. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), o salário-mínimo necessário, de acordo com o preceito constitucional capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, deveria ser, no último mês de janeiro, de R$ 1.445,39. O ano de 2004, segundo o
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Dieese, começou “com expressivas elevações nos preços dos gêneros de primeira necessidade”. Para se ter uma idéia, diante de um salário-mínimo de R$ 240, os aumentos do início do ano elevaram para R$ 172,03 o valor da cesta básica em Porto Alegre, a mais cara do Brasil no mês de janeiro. Para cobrir suas outras despesas, sobrou no bolso do trabalhador a quantia de R$ 67,97. Para reverter esse quadro, a solução que proponho, conforme projeto de lei de minha autoria já aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, é substituir o atual índice de correção do salário mínimo, o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna), da Fundação Getúlio Vargas. O IGP-DI, como se sabe, é o preferido para atualizar operações financeiras e reajustar con-tratos, por recuperar todas as perdas
da economia. Por esse projeto, o salário-mínimo deve ser corrigido, já a partir de maio deste ano, mediante a aplicação do IGP-DI apurado nos últimos 12 meses, acrescido de R$ 0,20 por hora. A aplicação da fórmula daria ao salário-mínimo o valor de R$ 308, superior, portanto, à marca de 100 dólares. Paulo Paim (PT-RS) é vice-presidente do Senado Federal
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Paulo Paim
Uma nova lógica para o mínimo A
sindicais e representações empresariais), com o objetivo de estabelecer uma política de recuperação do salário-mínimo em uma perspectiva de curto, médio
e longo prazos. Uma das funções desta comissão seria ainda debater alternativas que, ao mesmo tempo em que incrementem o poder aquisitivo do mínimo, bus-
er
distribuição de renda é o principal indicador que mede se um país é democrático pra valer. Infelizmente, se observarmos como a distribuição da renda está no Brasil, veremos que estamos longe de termos um Estado democrático. Estudo recente feito pela Fundação Getúlio Vargas (RJ) aponta que, hoje, 33% da população brasileira vivem na miséria. Assim, o país precisa “para ontem” rever o papel do salário-mínimo na renda da população. É necessário entender a urgência de promover um choque na distribuição de renda e na produção, para que a economia se fortaleça, para aumentar a capacidade de consumo e para promover o desenvolvimento. No entanto, quando o assunto é o salário-mínimo, entra ano, sai ano, e a lógica não muda. A decisão sobre seu reajuste sempre é fruto do imediatismo, de quanto vai sobrar no orçamento do governo para dar o aumento. Em 2004, ao que parece não está sendo diferente. Por isso, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) apresentou ao governo uma proposta de adoção de uma outra lógica, com o estabelecimento de uma política clara de recuperação do poder de compra do mínimo, para que ele possa cumprir o papel estabelecido na Constituição, de ser capaz de atender as necessidades de uma família e ser a chave-mestra da distribuição de renda no Brasil.
Estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) mostra que a política em relação ao salário mínimo afeta a vida de milhões de trabalhadores. Nada menos que um contingente de 42,2 milhões de pessoas recebem de zero a dois mínimos nos mercados formal e informal (sendo 21,6 milhões até um salário mínimo e 20,6 milhões, de um a dois mínimos. Se considerado apenas o mercado de trabalho formal, 8,8 milhões recebem de um a dois salários-mínimos e 1,04 milhão ganha exatamente um mínimo. E, apesar de sua enorme importância, ele vem perdendo acentuadamente seu poder aquisitivo nas últimas décadas. Hoje o mínimo representa apenas 28,5% do seu valor de 1940 e deveria estar, ainda segundo o Dieese, em R$ 1.442,46 para fazer valer o que determina a Constituição. A proposta que entregamos ao governo foi a de fixação de um mínimo de R$ 300 em 2004 (o que representa um aumento real de 5%, além da reposição da inflação), uma programação para que o seu valor dobre até 2007 e para que, em 20 anos, ele esteja cumprindo o seu papel constitucional. Para definir os mecanismos e o cronograma de como isto pode se dar, propusemos a criação de comissão quadripartite (Executivo, Legislativo, centrais
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Luiz Marinho
quem minimizar o impacto de seu reajuste sobre a Previdência. Outro pedido foi o de desoneração tributária sobre os itens da cesta básica – que acarretará na redução do preço dos alimentos –, como forma de, indiretamente, agregar valor ao salário-mínimo e permitir que as despesas com comida sejam menores para as famílias. Assim, para nós, já era e continua sendo inadmissível que o salário-mínimo sempre fique em segundo plano, reajustado com as migalhas do que sobrar dos recursos federais, e que o Executivo continue considerando mais importante as emendas dos parlamentares na elaboração do orçamento da União a cada ano, como já vem ocorrendo há muito tempo. A CUT reitera que o Brasil vai continuar patinando se não parar para rever qual é o papel do salário-mínimo na efetivação da justiça social no país e perceber que é inadmissível continuar deixando milhões de pessoas à margem dos mais básicos direitos cidadãos. Com o estabelecimento de uma política vigorosa de recomposição do mínimo, maior será o consumo e, por conseqüência, a economia será alavancada, mais empregos serão gerados e maior será a arrecadação dos tributos (inclusive para a Previdência). E, assim, conquistaremos um Estado verdadeiramente democrático. Luiz Marinho é presidente nacional da CUT
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA NACIONAL SÃO PAULO LIVROS Marcha ao coração do latifúndio Editado pela Vozes e escrito por frei Sérgio Görgen, o livro conta a história da caminhada de trabalhadores rurais sem-terra que percorreu o Rio Grande do Sul rumo a São Gabriel, em um dos mais importantes eventos políticos da história recente do Estado. O livro também narra os bastidores do julgamento que impediu a desapropriação do latifúndio Southall. Mais informações: frei.sergio@al.rs.gov.br
DISTRITO FEDERAL CONGRESSO IBERO-AMERICANO SOBRE VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS Dias 28 e 29 Organizado pelo Observatório de Violência nas Escolas iniciativa conjunta da Unesco e da Universidade Católica de Brasília (UCB), o evento é uma atividade preparatória para o III Congresso Internacional, que acontecerá no Brasil em 2005. O evento visa estimular a pesquisa e o intercâmbio de experiências, no âmbito ibero-americano, para colocar em contato profissionais ligados à Educação e demais interessados no tema. O Congresso terá conferências e painéis com participantes nacionais e internacionais. Local: Universidade Católica de Brasília, SGAN 916 Módulo B Av. W5 Norte, Brasília Mais informações: www.ucb.br/ observatorio/news, ciave@ucb.br, (61) 356-9601.
PARÁ SEMINÁRIO DO NORTE REFORMA UNIVERSITÁRIA Dias 22, 23 e 24 Durante o seminário haverá debates sobre temas como: avaliação do
FÓRUM SOCIAL SUL De 28 de abril a 1º de maio O evento, promovido pelos representantes da sociedade civil da região Sul de São Paulo, Embu, Itapecerica, Taboão, Embu-Guaçu, São Lourenço e Juquitiba, terá como tema “Uma outra periferia é possível, necessária e urgente”. O objetivo é unir fóruns e movimentos da região, comemorar os 450 anos da cidade de São Paulo, avaliar a atuação do governo na periferia e lembrar o 25º ano do assassinato do operário Santo Dias da Silva. Os painéis temáricos do encontro serão: desenvolvimento sustentável, organizações popula-
ensino superior, reforma curricular e responsabilidade social. Haverá ainda oficinas de trabalho e grupos de discussão. Local: Sala dos Conselhos da Universidade Federal do Pará, prédio da Reitoria, Av. Augusto Corrêa, nº 1, Belém Mais informações: (91) 211-2121
RIO DE JANEIRO TRADIÇÕES MEXICANAS A partir de 16 de abril Em 2003, os fotógrafos Ricardo Beliel e Martha Gubernikoff viajaram pelo México, registrando os aspectos característicos da cultura daquele país: o ruralismo, a tradição indígena, o consumo da tequila e a charrerria – atividade correspondente ao rodeio brasileiro. O resultado do trabalho poderá ser conferido pelo público carioca a partir de 16 de abril, na exposição México, no Centro Cultural Justiça Federal. A dupla irá expor cerca de 35 fotografias e uma vídeo-instalação, com as imagens captadas nos Estados de Jalisco, Michoacán (on-
res e políticas públicas, Educação, cultura da paz, Saúde, água e meio ambiente, segurança alimentar. Entre as atividades haverá ainda oficinas e eventos culturais.
de fotografaram a Festa do Dia dos Mortos na cidade de Patzcuaro), Guanajuato e Cidade do México. O jornalista Ricardo Beliel atuou em grandes jornais e revistas brasileiros e atualmente trabalha para as publicações Grands Reportages e Figaro Magazine, na França; Time e National Geographic, nos Estados Unidos; Colors e La Republica, na Itália. Já recebeu os prêmios Interpressphoto, da Organização Internacional de Jornalistas, e Alexander Rodchenko, da Confederação de Jornalistas da União Soviética, ambos em 1991. Foi finalista do Prêmio Esso de Jornalismo em 1997. Martha Gubernikoff é formada em Desenho Industrial e estudou fotografia com Amy Arbus, no International Center of Photography, de Nova York, e com Walter Firmo. Em uma vídeo-instalação, ela apresenta uma visão mais pessoal sobre os diferentes aspectos da cultura mexicana. Local: Centro Cultural Justiça Federal, Av. Rio Branco, 241, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3212-2550
Local: R. Luís Baldinato, 9, Jardim Ângela, São Paulo. Mais informações: (11) 5831-9549, fss-_comunicacao@terra.com.br
SÃO PAULO SEMINÁRIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO De 22 a 24 Realizado pela CUT nacional, em parceria com organizações do setor da Educação, o seminário vai debater questões globais, além de organizar a base da Central no Congresso Nacional de Educação (CONED) e Fórum Mundial de Educação, que ocorrerão em maio e julho. Serão discutidos os temas: “A educação que propomos e que queremos”, “Organização, avaliação”, “Financiamento, gestão democrática e valorização do trabalho”, “Acesso, qualidade e permanência”, “Sistema educacional brasileiro”. Local: Hotel Excelsior, Av. Ipiranga, 770, São Paulo Mais informações: eventos@cut.org.br, josiane@cut.org.br 90 ANOS DE CAYMMI Até dia 29 O Sesc Consolação está promovendo uma série de espetáculos em homenagem a Dorival Caymmi,
um grande nome da MPB. Programação: 22 e 23/4, às 20h - Bia Goes apresenta “Caymmi 90 anos”. 26 e 27/4, às 20h - Mario Gil mostra canções “praianas” de Caymmi, como “Canoeiro”, “O Mar”, “A lenda do Abaeté”, entre outras. Todas as apresentações são gratuitas. 28 e 29/4, às 20h - Rodrigo Rodrigues: o cantor e violonista, acompanhado por Marcelo Jeneci (piano) e Swami Jr. (violão), interpreta sambas de Dorival Caymmi - Grátis. Local: Sesc Consolação, R. Dr. Vila Nova, 245, São Paulo, Mais informações: (11) 3234-3000 I SEMINÁRIO MARGEM ESQUERDA Dias 27 e 28 Promovido pela Editora Boitempo, o tema do seminário será “Reflexões sobre o colapso”. A inscrição custa R$ 10 e há duzentas vagas definidas pela ordem de chegada dos comprovantes de pagamento. Programação: Dia 27, das 14h às 18h - “Capital e Crise: Os desafios da teoria”, com Jorge Grespan (expositor), Eleutério Prado, José Leon Crochik e Wolfgang Leo Mar (debatedores). Das 19h às 23h - “Globalização, Hegemonia e Império”, com José Luís Fiori (expositor), Emir Sader, Paulo Eduardo Arantes e Ricardo Antunes (debatedores). Dia 28, das 14h às 18h - “Os Sentidos do capital pós-Bretton Woods”, com Francisco de Oliveira (expositor), Isabel Loureiro e Leda Maria Paulani (debatedoras). Das 19h às 23h - “Humanidade Espetacular: Virtual Emancipação ou Auto-Destruição Virtual”, com Isleide Fontenelle (expositora), Jeanne-Marie Gagnebin, Maria Rita Khel e Nicolau Sevcenko (debatedores). Local: Auditório da Faculdade de História da USP, Av. Prof. Lineu Prestes, 338, São Paulo Mais informações: (11) 3091-3727, 9626-9502
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CULTURA
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DANÇA
Espetáculo valoriza jovens da periferia Mariana Cacau e Ricardo Santos de São Paulo (SP)
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amwaad – Rua do Encontro. Esse é o nome do espetáculo pioneiro, em cartaz em São Paulo até 27 de junho, que, sob direção do coreógrafo e professor de dança Ivaldo Bertazzo, coloca no palco um grupo diferente, formado por cerca de 60 pessoas, entre elas adolescentes provenientes de sete organizações não-governamentais da periferia paulistana. A montagem é fruto de uma parceria da Escola de Reeducação do Movimento, dirigida por Bertazzo, e de empresas como a Petrobras. Tudo começou em maio de 2002, com o projeto Dança Comunidade, quando o trabalho com cidadãosdançantes passou a ser feito com crianças e jovens adolescentes de ONGs de São Paulo. Em Samwaad – Rua do Encontro, a dança é cadenciada por uma música híbrida, resultado da mistura de sons de música brasileira e indiana, mas cuja base musical é hindu. Para Ivaldo Bertazzo, “o público tem a oportunidade de ouvir um som que ele nunca ouviu, isto é, a fusão. Isso é importante e deu certo”. A coreografia traz uma imitação rítmica dos movimentos de uma cobra, que possui vários significados para os orientais, entre eles a energia em movimento. Durante a apresentação, os jovens se mostram preocupados com a performance, revelando-se concentrados em executar os movimentos com o máximo de perfeição possível. Para os meninos e meninas, a meta é superar as dificuldades pessoais e cumprir, da melhor forma possível, o papel cênico que lhes cabe no grupo, naquele momento. O trabalho desenvolvido tem como espinha dorsal o grupo, e não uma ação isolada. “Viver no coletivo não é virar um número sem marca porque fala de expressão. Você toca, canta e dança, isso sai da sua personalidade. Fazer junto exige humildade, paciência e tempo”, afirma Bertazzo. Samwaad – Rua do Encontropode ser entendido como um rito de passagem. Durante um ano, os adolescentes treinaram e repetiram, incansavelmente, uma série de movimentos. O resultado do trabalho foi a apropriação de Cidadão dançante conhecimentos – Termo criado por Ivaldo Bertazzo em e linguagens 1976 para se referir até então desa bailarinos não-proconhecidos: fissionais que, por meio da dança, rearitmo, percusvaliam seu posiciosão e dança. No namento no convívio palco, resgatam social. sua auto-estima e sentem-se parte de um projeto maior. Na opinião da psicanalista Maria de Lourdes Trevisan Pereira, “o espetáculo mostra que é possível misturar culturas diferentes. No palco, os jovens mostram riqueza de potencial para representar”. “O show proporciona momentos de emoção e choro diante de algo belo e lindo”, completa Gilberto Pereira, analista de sistemas. O espetáculo Samwaad – Rua do Encontro está sendo apresentado no Sesc Belenzinho (11- 6602-3700), de quarta a domingo, às 21h. SAIDEIRA
Fotos: Gal Oppido
Projeto do coreógrafo Ivaldo Bertazzo abre espaço para adolescentes que buscam caminhos por meio da arte
Cenas do espetáculo Samawaad - Rua do Encontro 1 e 2, de Ivaldo Bertazzo (no quadro abaixo, de branco)
Bertazzo investe em “cidadãos-dançantes”
Quem é
Todo os anos, o diretor e terapeuta corporal Ivaldo Bertazzo viaja para a Ásia, onde encontra elementos para montar seus espetáculos no Brasil. Mas é nas periferias das grandes cidades, com pessoas que passam longe dos arquétipos de dançarinos esguios, que acha os protagonistas de seus espetáculos. Conhecido por levar ao palco coreografias com grupos de até 140 pessoas, entre profissionais e não profissionais (os cidadãos-dançantes), ele já montou 36 espetáculos. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele diz: “ Sonho com um mundo com menos violência, mas não com um mundo ideal”. Brasil de Fato – O que é a reeducação do movimento? Ivaldo Bertazzo – A reeducação do movimento é reensinar padrões motores que fazemos todos os dias e que as pessoas fazem sempre inconscientemente. É, principalmente, diminuir o
custo social de serviço de saúde, pois ninguém nunca recebeu essa formação desde cedo. São gestos que podem mudar muito, como digitar, que é algo dificílimo e exige uma grande organização motora. BF – Como é utilizado no cotidiano? Bertazzo – O aluno repete várias vezes o jeito certo de fazer os movimentos do cotidiano, com velocidades diferentes, na qual sinalizamos e damos a ele pontos para se fixar, para segurar, e elásticos que prendem suas articulações. É uma série de instrumentos que ele repete até modificar os automatismos. BF – De que forma surgiu o termo “cidadão-dançante”? Bertazzo – É um termo que inventei em 1976, quando percebi que pessoas comuns faziam um espetáculo para o público, por questões de terrorismo corporal. Eu não iria dar a eles uma técnica que precisava de um grande nível
Ivaldo Bertazzo, 54, começou a dançar aos 15 anos de idade. Quase 10 anos depois iniciou a carreira de professor de dança e terapias corporais, de ginástica e de coreografia. Além da Escola de Reeducação do Movimento, para alunos de todas as idades e profissões, ministra cursos na Bélgica e na França. Conquistou seis prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte, o prêmio de artista mais significativo na área de dança pelo Ministério da Cultura e o Prêmio Mambembe de melhor espetáculo da dança. de elasticidade, mas descobri que podiam ter dons ou outros tipos de gestualidades. Inventamos um método de trabalhar o corpo de um cidadão que queria desenvolver o ato de dançar. Esses cidadãos dançantes eram gordos, altos, baixos, magros e de todas as idades e profissões. E havia um público que queria assistir a isso. BF – Como surgiu a idéia de chamar para os palcos os cidadãos-dançantes e jovens da periferia? Bertazzo – Eu via manifestações de amadores e não-profissionais em várias modalidades artísticas, mas não na dança. Perguntei se queriam fazer um espetáculo e pensei que ninguém fosse aceitar. Vieram 70 pessoas e começamos a ensaiar. Quando fomos nos
apresentar, a platéia ficou lotada a semana toda. O público estava interessado em ver algo que não fosse profissional. BF – Então, o que você propõe é a inclusão social? Bertazzo – Sim. Tudo começou com os bailarinos não-profissionais. Já dava um trabalho reeducar o público, fazê-lo respeitar e ver beleza naquilo. Não faço espetáculos em teatros caros, porque quero que o público das regiões mais privilegiadas vá para as zonas periféricas. BF – E o futuro? Bertazzo – Não quero tanto fazer espetáculos. Penso muito nas escolas e em ONGs. Prefiro investir nos professores para que eles ajudem as crianças.
NOVAES