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Ano 2 • Número 61

R$ 2,00 São Paulo • De 29 de abril a 5 de maio de 2004

Trabalhadores: nada a comemorar Sérgio Castro/AE

Só presentes de grego: mais arrocho para pagar juros, mais desemprego, ameaça de perda de direitos adquiridos

Em greve por reajuste salarial, servidores públicos estão entre os que não têm nada a festejar no 1º de Maio

Dívidas trabalhistas podem perder prioridade

Protesto pede cancelamento da dívida celamento da dívida externa dos países pobres. Segundo Marie Clarke, uma das coordenadoras do Jubileu EUA, estudos comprovam que o Banco Mundial poderia cancelar as dívidas da maioria dos países pobres mas teme, com isso, estimular novos pedidos de empréstimos.

No encontro do Fundo, uma surpresa: sua direção aceitou a proposta brasileira de excluir do cálculo do superavit primário os gastos do governo com infra-estrutura. Mas somente os investimentos que tragam retorno financeiro. Pág. 9

No projeto de lei de falência em tramitação no Congresso, a prioridade são os bancos. E, a pretexto de facilitar a venda de empresas quebradas, o futuro comprador poderá levar todos os seus ativos e patrimônio, sem qualquer responsabilidade

quanto às dívidas com trabalhadores e com a Receita. Estes débitos continuam na empresa quebrada, que terá de pagar empregados e fisco com dinheiro da venda de sua parte saudável. Se sobrar dinheiro. Pág. 8

Libertado, ativista pode sofrer atentado

Paraná resiste à privatização de Paranaguá

O cientista Mordechai Vanunu foi libertado, dia 21 de abril, após cumprir pena de 18 anos por divulgar documentos que comprovaram a produção de armas nucleares em Israel. Mas entidades israelenses e de outros países temem por sua vida e denunciaram a política de eliminação de ativistas praticada pelo primeiro-ministro Ariel Sharon. Pág. 11

Grupos econômicos e setores que defendem a liberação dos transgênicos pressionam o governo do Estado do Paraná para que abandone a administração do Porto de Paranaguá. Mas o segundo maior porto do Brasil em movimentação de mercadorias resiste, com índices de produtividade proporcionalmente superiores aos de Santos (SP). Pág. 6

Marco Longari/AFP

Milhares de pessoas marcharam pelas ruas de Washington, nos Estados Unidos, dias 24 e 25 de abril, durante a reunião dos diretores do Fundo Monetário Internacional (FMI). Integrantes de movimentos sociais se manifestaram contra as políticas neoliberais e defenderam o can-

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o 1º de Maio de 2004, a classe trabalhadora não tem motivos para festa: o desemprego continua aumentando (em março, 2,7 milhões de brasileiros não tinham emprego) e a reforma sindical proposta pelo Fórum Nacional do Trabalho é uma ameaça aos direitos trabalhistas conquistados e hoje garantidos pela CLT. Isso porque embute a flexibilização das relações de trabalho, a pretexto de que possibilitaria a geração de novos postos de trabalho – o que, até hoje, não aconteceu em qualquer parte do mundo. Quanto à programação do dia do trabalhador, na maioria dos Estados devem ocorrer atos políticos e culturais unificados, defendendo mudança na política econômica, geração de trabalho e a distribuição de renda. No Rio e em São Paulo, CUT e Força Sindical organizaram megaespetáculos. Págs. 2, 5 e 7

Congresso cede e agiliza mudança de lei indígena Pág. 3

E mais: SEM-TETO – Militantes dos movimentos de moradia de todo o país decidiram continuar suas mobilizações e planejam novas ocupações para o dia 12 de maio. Pág. 3 ÁFRICA – “Por Um Futuro Livre de Malária” é o tom da campanha de combate à doença, que tem como alvo as crianças africanas. As principais celebrações aconteceram entre os dias 23 e 25 de abril, no Senegal, que vem implementando programas de combate à doença. Pág. 12 REFORMA TRABALHISTA – No Debate, José Francisco Siqueira Neto, do Fórum Nacional do Brasil, e o advogado Luís Carlos Moro discutem os rumos das leis do trabalho. Pág. 14

Plano de Uribe estimula abuso de poder

Aumentam os assassinatos da polícia em SP

Pág. 10

Pesquisador denuncia fraude com transgênico Pág. 13

Cúpula de mídia no Rio condena lixo cultural Pág. 16

Depois que dois policiais foram mortos por supostos traficantes da favela São Remo (zona sul da cidade de São Paulo), os moradores vivem sob tensão. A Polícia Militar afirma que seus agentes investigavam o tráfico. A população acredita que os policiais estavam envolvidos com os traficantes. Desde então, a PM impôs o toque de recolher e mantém ameaças aos moradores. Dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo revelam a violência contra as comunidades da periferia: um aumento de 29% de homicídios praticados por policiais nos últimos dois anos. Só em 2003, a PM matou 868 pessoas. Pág. 4

Marcio Baraldi

Pacifistas israelenses comemoram libertação do ativista Mordechai Vanunu, liberado após 18 anos de prisão


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De 29 de abril a 5 de maio de 2004

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Agê, Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 5555 Natália Forcat, Nathan, Novaes, Ohi • Editor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Bruno Fiuza e Letícia Baeta 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

O 1º de Maio do Lula Trabalhador

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ABC paulista e o Brasil jamais esquecerão as manifestações do 1º de Maio no Estádio da Vila Euclides e no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, no final dos anos 70 e no início dos anos 80, em plena ditadura militar. Naquela época, o torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva, líder metalúrgico e sindical, empolgava milhares de trabalhadores com seus discursos de mobilização e luta, de compromisso com a classe operária, de esperança. Lula se tornou conhecido junto com as greves de 78, 79 e 80, nas quais os metalúrgicos, primeiro, e outras categorias, em seguida, quebraram com o arrocho salarial e com as leis ditatoriais que impediam a livre organização e manifestação dos trabalhadores. Os metalúrgicos serviram de exemplo para a reorganização do movimento sindical e o reascenso das lutas políticas. As comissões de fábrica, a organização pela base, os jornais do sindicato, a preparação política e intelectual das lideranças – tudo contribuiu para colocar os trabalhadores no centro do processo de democratização do país. Junto com as reivindicações econômicas – salariais e por melhores condições de trabalho – vieram as

reivindicações políticas, pela anistia, pela liberdade partidária, pela liberdade de expressão e pela liberdade de organização. O PT nasceu nesse processo, em 1980. A CUT nasceu nesse processo, em 1983. O MST nasceu nesse processo, em 1984. Esse mesmo processo enterrou a ditadura militar em 1985, contribuiu para a Assembléia Constituinte de 1988 e quase elegeu o operário Lula em 1989. Com o neoliberalismo, iniciado por Collor de Mello e aprofundado por Fernando Henrique Cardoso, o movimento social viveu um longo período de refluxo, o movimento sindical se acomodou e os partidos nascidos e renascidos nessas lutas acabaram se institucionalizando – com prioridade no parlamento e nas máquinas públicas. O Brasil pagou o preço da desmobilização popular. Os governos neoliberais destruíram a função do Estado, sucatearam os serviços públicos, entregaram os destinos do país aos mercados, aos banqueiros e aos capitais estrangeiros e especulativos. Em 14 anos de neoliberalismo ocorreu a maior exclusão social da história, a maior concentração da renda e da riqueza, a maior desestruturação dos valores da sociedade. O fracasso do neoliberalismo

trouxe o Lula de volta ao centro da política brasileira, junto com o PT, as organizações populares e boa parte das esquerdas. A vitória em 2002 representou o renascimento da esperança e a retomada de um projeto nacional interrompido em 1989. O Brasil, de novo, sonhava com a soberania; o povo, de novo, sonhava com a cidadania; o trabalhador, de novo, sonhava com a sua participação no comando da Nação. Nesse 1º de Maio é triste ver a programação de alguns atos que são apenas festas grotescas de centrais sindicais, e que se transformam em ofensa, aos mártires de Chicago, e a situação do povo brasileiro. Primeiro de maio é dia de luta, de mobilização e conscientização. Ainda mais um dia de luta por um salário-mínimo justo, por melhores condições de vida do povo. Por isso mesmo, no 1º de Maio, é preciso ter em mente que, independentemente da situação do governo, e sobretudo em função da política econômica atual, os trabalhadores devem se mobilizar, retomar a organização e a luta; e, igualmente, a construção de uma sociedade justa, fraterna e igualitária depende exclusivamente da nossa capacidade e força. Viva a luta dos trabalhadores!

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES ESPERANDO O BOLO CRESCER O presidente Lula repete o discurso daquele ministro da Fazenda dos anos de chumbo, de que precisamos esperar o bolo crescer, para dividir depois. Só que agora o bolo está encolhendo. Paolo Maranca São Paulo (SP) INTERVENÇÃO ESTADUNIDENSE A decisão do governo norte-americano, de fichar todos os visitantes estrangeiros que vão aos Estados Unidos, sob a alegação de defesa contra o terrorismo estrangeiro, embora antipática, está dentro da esfera dos seus direitos. O que os norte-americanos não têm o direito de fazer é invadir outros países para caçar terroristas. Aliás, se recolhessem todos os seus exércitos que estão espalhados pelo mundo, trazendo-os para operar em seu próprio território, como fazem todas as nações normais, veriam que o principal terrorismo com que teriam de se ocupar seria o terrorismo de seus próprios militares, acostumados que estão a aterrorizar os outros. Reny Barros Moreira São Paulo (SP) SALÁRIO-MÍNIMO Num país como o nosso, onde a cada ano que passa o rico fica mais rico e, na contramão, o pobre mais pobre, não é possível tantas desigualdades. Por exemplo, quando se fala em reajustes do valor do nosso salário-mínimo, a retórica é sempre a mesma. Elevar o valor do salário-mínimo poderá estourar o caixa da Previdência Social – por sinal, a grande mina cuja arrecadação

vem sendo desviada e roubada há várias décadas. Vejamos: construíram grandes obras – Brasília, Itaipu, ponte Rio-Niterói –; transferiram altas somas para os caixas de aposentadorias e pensões dos políticos e de altos funcionários públicos dos diversos escalões de todos os poderes da nação. Compraram eleitores, aposentando mais de cinco milhões de pessoas, entre trabalhadores rurais, idosos e incapazes em geral, gente que, se trabalhou, não contribuiu para usufruir de tal direito. Na mesma onda, beneficiam organizações ditas filantrópicas, isentando-as de qualquer contribuição. Por falta de uma fiscalização capaz e honesta, têm permitido grandes golpes desferidos contra o patrimônio do sistema em bilhões de reais. Por último, com a “reforma” previdenciária iniciada por FHC, ou mesmo antes, e concluída por NeoLula, entregaram à iniciativa privada o bônus do sistema arrecadatório e ficaram com o ônus. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS) SAUDAÇÕES Um Brasil de Fato para todos, sem corrupção, com o povo em liberdade. Viva o socialismo. José Pedro Renzi por correio eletrônico Feliz por saber da iniciativa e da existência de companheiros que acreditam e lutam por um mundo melhor. Paulo Coutinho por correio eletrônico

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CRÔNICA

A voz negra do morro Luiz Ricardo Leitão Podem me prender, podem me bater Podem até deixar-me sem comer Que eu não mudo de opinião Daqui do morro eu não saio, não! (Zé Kéti, “Opinião”) Era a noite de 1º de abril, aniversário do golpe militar e eterno dia da mentira. Ao invés de celebrar os 40 anos da “redentora”, como fez boa parte da nossa intelectualidade (espero não ser impertinente, mas por que acenderam tanta vela para esse defunto canhestro e aziago?), o Grupo Tortura Nunca Mais-RJ promoveu, mais uma vez, sua singela cerimônia de entrega da Medalha Chico Mendes de Resistência. Não havia canais de TV, tampouco atores globais, mas os homenageados deste ano provocaram uma forte comoção na platéia. Lá estava o velho MPB-4, conjunto vocal que embalou a luta de inúmeras gerações contra a ditadura. Compartilhou o prêmio com a Anistia Internacional e com os companheiros do MST que estiveram presos pelo desconcertante fato de lutar para que os milhões de hectares improdutivos deste grande latifúndio chamado Brasil possam algum dia gerar alimento e trabalho para os lares famintos de nosso país.

De repente, quatro mulheres desconhecidas, familiares de quatro jovens que a Polícia Militar do Rio assassinou há dois anos no Morro do Borel, roubaram a cena. Curiosamente, eram todas negras. A mais velha, avó de uma vítima, mal podia andar. A mais nova, viúva de um adolescente, trazia o susto estampado no rosto. No país da casagrande e senzala, quatro gerações exibiam sua dor no solene auditório da Faculdade Nacional de Direito. A maior ironia, porém, é que uma das mães, talvez a mais eloqüente, possuía dupla cidadania e havia morado por 15 anos na Suíça, um país inteiramente branco, no qual sempre foi respeitada. Seu filho era um jovem estudante, que não possuía qualquer envolvimento com o crime organizado, mas a quem a polícia matara à queima-roupa. Aprendi, com Marx, que o Estado é um instrumento de opressão das elites sobre as massas, mas no Brasil – e no Rio, em particular – a burguesia extrapolou. O vice-governador Conde (o sobrenome diz tudo) propôs erguer um muro para isolar a Rocinha, inspirado talvez no que Sharon faz na Palestina ou na cerca eletrificada que Bush & Cia. mantêm na fronteira com o

México. O secretário de Segurança (?), Tony Boyzinho (a mulher o chama de Garotinho), que já deveria ter sido deposto de seu cargo vitalício após o triste espetáculo de apresentação às câmeras de um doente mental como assassino do casal Staheli, deseja, num arroubo fascista, criminalizar qualquer morador de favela que ouse protestar publicamente pelo desamparo e arbítrio com que o Estado há décadas vem tratando os herdeiros de Canudos e Palmares. Será que esse foi mesmo um “abril vermelho”? Enquanto as viúvas da ditadura clamam pela volta do Exército às ruas, a melhor lembrança do mês terão sido a voz negra do morro a reclamar o pedaço apartado de si, com essa dor surda que é “o revés de um parto”, e a enorme dignidade de afrontar a casa-grande para dizer que podem prender ou bater, mas ela não mudará de opinião. Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana , é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba).

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NACIONAL POVOS INDÍGENAS

Aumenta pressão por terras e minério Cristiano Navarro de Brasília (DF)

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ob o impacto do episódio em que 29 corpos de garimpeiros foram encontrados, depois de um conflito com os índios CintaLarga, na terra indígena Roosevelt, em Rondônia, aumentam as pressões em relação a terras indígenas. Representantes de mineradoras forçam, junto ao Congresso Nacional e ao Executivo, o encaminhamento de leis que regularizem a exploração de minério em terras indígenas. O regime de urgência com que o governo federal pretende tratar o Projeto de Lei nº 2.057/91 – que dispõe sobre o Estatuto dos Povos Indígenas – e o Projeto de Lei nº 1.610/96 – que trata da pesquisa e lavra de minérios em terras indígenas – pode trazer graves riscos à proteção florestal e a terras tradicionais. O presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), anunciou que poderá constituir uma Comissão Especial, destinada a sistematizar todos os projetos de lei que tratam da regulamentação mineral e florestal em terras indígenas. Cunha acolheu assim ponderações de membros da Comissão Externa da Câmara, constituída para acompanhar os desdobramentos dos conflitos

Raimundo Paccó/O Liberal/PA/AE

Depois de tragédia envolvendo Cinta-Larga e 29 garimpeiros mortos, ressurge o lobby para regulamentação de área vos indígenas no país. Com isso, a Câmara dos Deputados contribuirá para que uma relevante pendência legislativa seja enfrentada, possibilitando a análise das normas propostas no Substitutivo”, diz a entidade indigenista, em nota à opinião pública.

MASSACRE DO PARALELO 11

O povo Cinta Larga, que na década de 60 tinha população de 5 mil índios, hoje tem aproximadamente 1.300

entre índios e garimpeiros em Rondônia.

ANÁLISE GLOBAL Há anos entidades ambientalistas e de defesa dos direitos dos índios denunciam o garimpo indiscriminado na terra indígena e

os crimes frutos dessa ilegalidade. Somente no início do ano passado, a Fundação Nacional do Índio (Funai) retirou 5000 garimpeiros que atuavam ilegalmente no local. Em vez de projetos de lei que tramitem em regime de urgência, o Conselho Indigenista Missioná-

rio (Cimi) considera que o tema deve ser tratado por uma Comissão Especial, que não aborde o tema de forma isolada. “A discussão sobre regulamentação de exploração mineral e florestal em terras indígenas deve ser feita em conjunto com os demais temas de interesse dos po-

A comoção provocada, em parte, pela cobertura superficial e descontextualizada da tragédia, feita pela grande imprensa, praticamente desconsiderou a série de massacres que reduziu a população do povo Cinta-Larga, de cinco mil pessoas na época dos primeiros contatos com os brancos, na década de 60, para aproximadamente 1.300 índios hoje. O massacre mais conhecido contra os Cinta-Larga aconteceu em 1963 e ficou conhecido como “Massacre do Paralelo 11”, em que toda a aldeia foi morta. Relatos feitos por seringueiros estão registrados na Casa da Cultura do Urubuí e revelam a origem da difícil relação que se estabeleceu entre índios e a violenta imposição de um modelo de progresso. O inquérito, de outubro de 1963, constatou que as armas de fogo utilizadas pelos jagunços eram de uso exclusivo das Forças Armadas.

MORADIA

Movimentos anunciam mobilizações em maio Embora aliviados com o aceno positivo do governo, de até maio investir R$ 2,9 bilhões em saneamento básico para habitações populares nas capitais e regiões metropolitanas, militantes dos movimentos de moradia de todo o país decidiram continuar suas mobilizações. Prometem realizar ocupações, dia 12 de maio, em edifícios públicos abandonados, para pedir mais agilidade de Brasília na construção de casas e a aprovação do Projeto de Lei nº 2.710/92. Também no dia 12, líderes de entidades como União Nacional Por Moradia Popular (UNMP) Projeto de Lei nº e Movimento 2.710 – Estabelece dos Trabalhao Fundo Nacional de Habitação de Intedores Sem Teto resse Social, a ser (MTST) readministrado pelo únem-se, em Conselho Nacional das Cidades e por Brasília, com o conselhos estaduais presidente Luiz e municipais, a seInácio Lula da rem criados. Silva e com os presidentes da Câmara Federal, João Paulo Cunha (PT-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

“paciência”. Disse que “as mudanças já começaram desde janeiro de 2003, embora não no ritmo necessário”, frisou. Contudo, reconheceu a necessidade de construção de, pelo menos, 6,6 milhões de casas populares e que mais da metade dos domicílios do país não são servidos por rede de esgoto.

Maurício Scerni

Rodrigo Brandão do Rio de Janeiro (RJ)

DÉFICIT RECONHECIDO

No Rio de Janeiro, sem-teto se unem na luta pela moradia popular e decidem ocupar prédios públicos, dia 12 de maio

A decisão foi tomada durante o Encontro Nacional Por Moradia Popular, realizado em Nova Iguaçu, na Baixa Fluminense (RJ), dias 23 a 25. Do encontro participaram cerca de mil trabalhadores sem-teto e integrantes de movimentos pela moradia de 17 Estados. No final, foi aprovada

a Carta do Rio, uma pauta de reivindicações do setor que deve ser entregue a Lula no dia 3 de junho. A Carta do Rio foi entregue ao ministro das Cidades, Olívio Dutra, que no dia 24 anunciou o montante de investimentos em moradia popular. Segundo Dutra, os R$ 2,9

Ato exige libertação de dirigente da Redação Militantes de vários movimentos sociais, entre eles a Central de Movimentos Populares (CMP), realizaram, dia 27, vigília em frente ao prédio da 1ª Vara do Tribunal do Júri, na capital paulista. Eles protestaram contra a prisão de Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, coordenador do Movimento de Moradia do Centro (MMC). O interrogatório do réu, marcado para aquela tarde, foi transferido para 12 de maio. Até lá, Gegê continua preso. Gegê tem millitância política desde os anos 80. Foi fundador da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Unificação das Lutas de Cortiços, da União dos Movimentos de Moradia e da CMP, da qual é membro da direção nacional. Em outubro de 2003, foi eleito para o Conselho Nacional das Cidades, do

Ministério das Cidades. Ele foi preso, dia 5 de abril, acusado de co-autor de homicídio ocorrido em 18 de agosto de 2002, num acampamento de sem-teto, de 5 mil metros quadrados, na Avenida Presidente Wilson. A área tinha sido cedida pelo governo do Estado a cerca de 87 famílias do MMC, em janeiro de 2000, e o acampamento havia recebido autorização da Secretaria Estadual de Habitação, após o despejo de um prédio.

DENÚNCIA FALSA Testemunhas afirmam que pessoas estranhas ao acampamento infiltraram-se no local, para contestar a organização e as decisões da maioria. Houve ameaças à coordenação local e a moradores que participavam dos mutirões. Em março de 2002, Gegê chegou a solicitar à Secretaria de Segurança

Pública que tomasse providências em relação à segurança do local, mas não foi atendido. Logo depois, um homem foi assassinado, sem que até agora os assassinos tenham sido identificados. Temendo pela integridade física dos semteto, eles deixaram a área em agosto de 2002. As pessoas que acusam Gegê de co-autoria no crime fazem parte do grupo que contestou a organização do local e que tentou incriminar o movimento dos sem-teto. Na opinião de Raimundo Bonfim, da CMP, a prisão preventiva não se justifica, pois Gegê tem residência e trabalho fixos, e não oferece qualquer perigo à sociedade. “Ele se encontra neste momento preso num pequeno cubículo, sem as mínimas condições de higiene – local muito pior do que aqueles que tanto tem lutado para mudar”.

bilhões são a parcela do superávit primário (receitas menos despesas da União, descontados os juros da dívida pública), cujo saque para investimentos em infra-estrutura foi negociado em 2003 com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Aos militantes, o ministro pediu

Dutra prometeu que, até o fim do ano, o governo enviará à Câmara um substitutivo do PL nº 2710, já que o texto atual não reconhece a competência da União sobre habitação popular. Segundo os movimentos de moradia, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, previsto pelo projeto, poderia inverter a lógica perversa dos investimentos públicos em habitação no Brasil, já que priorizaria a construção de moradias para famílias com renda de até três salários-mínimos. Hoje, de cada 32 casas construídas no país, apenas uma é financiada por fundos públicos – como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – para quem ganha até cinco salários mínimos.

SEM-TERRA

Justiça acelera desapropriações A 2ª Vara Federal de Campos, no Rio de Janeiro, negou na semana passada liminar de reintegração de posse aos arrendatários das fazendas Desejo e Arurara. O juiz José Arthur Diniz determinou uma vistoria, em caráter de urgência, para acelerar a desapropriação das terras, que já haviam sido declaradas “latifúndio improdutivo” em processo de 2001. Na ocasião, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) chegou a depositar os títulos da dívida agrária para a desapropriação, mas os proprietários das fazendas recorreram. No dia 17 de abril, cerca de 100 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST) ocuparam as duas fazendas, cujas áreas somam 507 hectares. Horas depois da chegada dos trabalhadores, um dos arrendatários, Leonardo Terra – presidente da Câmara de Vereadores de São Francisco de Itabapoana e conhecido como “Léo Bala” – chegou ao local com outros 15 fazendeiros e 30 “seguranças” armados, fazendo ameaças aos trabalhadores e suas famílias. Segundo a assessoria do MST, essa e as outras duas ocupações no Rio de Janeiro, visam acelerar o processo de desapropriação, integrando a Jornada Nacional de Lutas do MST, em abril, que culminou com cerca de 100 ocupações em todo o país. (RB)


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Espelho da mídia

NACIONAL VIOLÊNCIA URBANA

Policiais matam mais em SP Letícia Baeta da Redação

O massacre de garimpeiros (1) “Existe pelo menos meia dúzia de razões para explicar a negligência da cobertura da mídia envolvendo os choques intermináveis entre índios e ‘brancos’ – terminologia que denuncia uma interpretação tosca, influenciada pelos faroestes de John Wayne. Um deles deve-se ao fato de publishers (donos de jornais) e seus comandados, diretores e secretários de redação, serem completamente analfabetos em assuntos indígenas, o que sugere um desconhecimento do Brasil profundo e a possibilidade de estarem, neste momento, amplificando essa ignorância entre os leitores”. Quem escreveu isso foi Ulisses Capozzoli, dia 20, no endereço eletrônico www.observatoriodaimpre nsa.com.br. O massacre de garimpeiros (2) Capozzoli continua: “A superficialidade da cobertura da mídia em casos como o choque entre garimpeiros e Cinta-Larga no dia 7 (de abril) também reflete a atitude passiva de repórteres que mal lêem os jornais diários, fazendo-o com a mera preocupação de não serem furados por banalidades julgadas importantes pelos padrões discutíveis das redações”. A Globo e as “Diretas Já” Em 1984, havia uma campanha pela restauração das eleições diretas para a Presidência da República. Mas a Globo, uma das cúmplices do golpe militar, era contra. No dia 25 de janeiro, aconteceu um comício com mais de 300 mil pessoas, na Praça da Sé, pedindo “Diretas Já”. Considerado o marco inicial da campanha, o grande comício foi apresentado no Jornal Nacional como “parte das solenidades comemorativas do aniversário de São Paulo”, ou seja, como uma festa e não uma luta do povo pela democracia! O grupo dos Marinho só decidiu mudar de lado depois de constatar a popularidade irreversível da palavra de ordem “Diretas Já”. Se correr o bicho pega... O povo que faz rádio comunitária está numa sinuca: se segue a lei (que é muito ruim), a rádio vira um megafone, e ainda opera fora do dial; se entra no ar sem autorização, o governo manda a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel e a Polícia Federal fecharem a emissora. Definitivamente, liberdade de expressão não é para os pobres deste país. A mídia e Maradona A grande imprensa sempre procurou satanizar o grande jogador Diego Maradona, alimentando uma ideológica arenga com a Argentina. Quando descobriu que o jogador é viciado em cocaína, encontrou o motivo para desqualificá-lo. Agora, com Maradona mal de saúde, voltam a atacá-lo, como se ter um vício diminuísse o caráter da pessoa ou reduzisse a sua arte. Só para lembrar Aquele que pode ter sido o maior jogador brasileiro de todos os tempos morreu devido a um vício. Trata-se de Garrincha, destruído pela cachaça. Mas o alcoolismo é permitido, já que álcool investe dinheiro na mídia. Os imortais Os estadunidenses cultuam o mito da superioridade e da imortalidade, um dos motivos para não mostrarem seus mortos. A mídia dos Estados Unidos, completamente amordaçada, é sempre censurada ou autocensurada para não exibir imagens de sangue – o sangue deles, é claro. Foi assim quando caíram as duas torres do WTC. Volta a ser assim com a invasão ao Iraque: armaram o maior barulho porque jornais e a TV exibiram caixões com alguns dos 700 mortos estadunidenses no Iraque.

H

á um mês, moradores da favela São Remo (zona sul da cidade de São Paulo, atrás do campus da Universidade de São Paulo – USP) vivem como se estivessem em tempos de ditadura militar. Dois policiais foram mortos por supostos traficantes da favela, no início de março. Desde então, a polícia “se revoltou e quer vingança”, segundo moradores. A corporação afirma que os policiais investigavam o tráfico. A população acredita que os policiais estavam envolvidos no tráfico. A partir das dez horas da noite, o comércio não funciona mais. A polícia decreta diariamente o toque de recolher. Quem sai para a rua, sai com medo. Até as peruas escolares foram proibidas de entrar na favela nos dias seguintes ao assassinato. Há poucas semanas, qualquer um que circulasse pelas vielas era abordado pela PM. “Eu vi muitas pessoas serem agredidas e maltratadas”, diz um morador que não quis ser identificado. Ele conta que uma menina de 14 anos, ao chegar em casa pela madrugada, foi espancada por policiais. “Depois de baterem, levaram ela para casa e falaram para a mãe: ‘Agora a gente só bateu, da próxima, a gente mata, e se você disser alguma coisa, morre também’.” Aparentemente, hoje a situação está melhor. Mas, na fachada dos barracos, o que mais se vê é a placa: vende-se. “Eu quero ir embora daqui, está todo mundo com medo”, conta um morador. Apesar da violência, nenhuma denúncia foi feita, e poucos moradores quiseram dar depoimentos por medo de retaliação.

Fotos: Renato Stockler

Aumentam os homicídios cometidos pela PM, mas reina a impunidade para os assassinos

Jardim São Remo, na zona sul de São Paulo: no ano passado, 868 pessoas foram assassinadas por PMs

Por outro lado, nos últimos anos, houve alguns avanços para proteger denunciantes e agilizar processos legais. Foi criada a Ouvidoria da Polícia, a Assessoria Especial do Ministério Público para Direitos Humanos, programas de proteção a testemunhas, como o Provita, e uma atuação maior de Organiza-

ções Não-Governamentais (ONGs) especializadas em violência. No entanto, nada disso foi suficiente para punir policiais que agem de forma ilegal. Segundo dados da Ouvidoria da Polícia de São Paulo, de 1998 a 2003, houve 11.089 denúncias contra policiais militares. Mas apenas 2.644 foram

Política pública incentiva a truculência Uma política de segurança pública que incentiva a violência, o despreparo de policiais, o afrouxamento de mecanismos de contenção da violência são as principais causas do aumento no índice de homicídios praticados por policiais militares no Estado de São Paulo, na análise de defensores dos Direitos Humanos. O aumento da violência policial coincide com a gestão do atual secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro, possível candidato a prefeito da capital paulista pelo PSDB, nas eleições de outubro. Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, Renato Simões (PT), “Saulo de Castro cedeu a uma opinião pública aterrorizada pela violência, e que acredita que quanto mais violenta for a polícia, mais segurança vai ter o cidadão”.

PM MATA MAIS A vida em São Remo ilustra dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP): um aumento de 29% de homicídios praticados por policiais militares, no Estado, nos últimos dois anos. Em 2002, a PM (inclusive policiais fora de serviço) matou 725 pessoas. Em 2003, esse número subiu para 868. É o índice de homicídios mais alto nos últimos 12 anos. Em 1992, com o massacre do Carandiru, que chacinou 111 presos, a SSP registrou 1421 homicídios cometidos por policiais. Defensores de Direitos Humanos citam diversas causas para o aumento da violência. Entre elas, o despreparo dos policiais, políticas de segurança pública que incentivam a violência e a extinção de programas que afastam e acompanham policiais envolvidos em mortes (veja reportagem nesta página).

HOMENS DESPREPARADOS

Uma das viela onde a polícia perseguia moradores, no Jardim São Remo

Extermínio é parte do mercado do crime Com a ineficiência da segurança pública, empresas particulares, traficantes e pequenos grupos de criminosos resolveram fazer justiça com as próprias mãos. Cada vez mais policiais desenvolvem trabalhos paralelos à PM. Investigações têm mostrado que o maior índice de homicídios cometidos por policiais pode ser decorrente de grupos de extermínio. No Estado de São Paulo, em 2003, foram registrados 11 mil assassinatos. Apenas 540 foram latrocínios (assassinatos por furto) e confrontos pessoais (brigas). O restante é resultado da banalização da violência nos relacionamentos pessoais, inclusive a doméstica, conflito entre bandidos e ação de grupos de extermínio. A análise é do advogado João José Sady que, em 2003, integrou a comissão criada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que

punidos. Maior o cargo, maior a impunidade: apenas um dos 311 coronéis denunciados no mesmo período foi penitenciado. Mesmo assim, os dois presídios existentes no Estado para policiais civis e militares – Romão Gomes e Presídio da Polícia Civil – estão lotados.

investigou grupos de extermínio. No bairro de Sapopemba (zona leste da cidade de São Paulo), as investigações partiram de denúncias feitas pelos moradores. “Num bairro onde a violência já é elevada, há policiais sendo processados por tortura, abuso de autoridade etc.”, afirma o promotor de Justiça e Assessor Especial para Direitos Humanos, Carlos Cardoso Jr. A população se incomodou muito mais com a truculência da polícia do que com os bandidos, relata Cardoso.

RENDA INSUFICIENTE Lá, ficou claro o que leva à formação de grupos de extermínio. Em primeiro lugar, a necessidade dos policiais recorrerem a atividades paralelas para completar a renda que, segundo Sady, é insuficiente: “O governador afirmou que os policiais não ganham menos do que R$ 1.000 mensais, mas as enti-

dades representativas dos policiais vêm refutando esta afirmação”, diz o advogado. É nesses “bicos” que os policiais contribuem para o aumento do índice de homicídio. Aqui, o primeiro motivo é a necessidade da afirmação do poder, explica Sady: “Se você desrespeita um policial, ele aparece encapuzado na sua casa”. O segundo é o uso de policiais nas seguranças privadas. Para “defender” seus patrões, eles executam seus inimigos. Em terceiro lugar, o advogado aponta para a cooptação de policiais em pequenos crimes. Por fim, a cooptação de policiais pelos grandes crimes, como o tráfico. “Vivemos um mercado capitalista do crime. Os grupos de extermínio existem por causa do dinheiro. Você tem a pequena, a média e a grande empresa. Entende-se por isso, os bicos, os pequenos crimes e as quadrilhas de tráfico”, afirma Sady. (LB)

Simões acredita que o governo “encoraja policiais que exercem sua função de forma truculenta”. Um caso notório aconteceu em Campinas (SP), onde um policial do Departamento Anti-Seqüestro matou um aposentado dentro de sua casa, que havia sido denunciada como um possível cativeiro. Segundo Simões, a vítima era inocente. Mesmo assim, “em menos de um mês, esse policial foi promovido por mérito”, conta o deputado. Ele propôs uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembléia Legislativa de São Paulo para investigar abusos policiais. Outra queixa feita à gestão Saulo de Castro é o afrouxamento de mecanismos de controle e o despreparo dos policiais. A principal crítica cai sobre a extinção do Programa de Acompanhamento de Policiais Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco (Proar). O programa afastava por 30 dias e oferecia tratamento psicológico a policiais envolvidos em mortes. Na prática, o Proar não tinha a eficiência desejada, mas funcionava como forma de punição. “O policial não está preparado para matar. Com a eliminação do programa, o policial tende ao embrutecimento, insensibilidade ou a desequilíbrios psicológicos”, afirma o advogado João José Sady (LB)


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NACIONAL 1º DE MAIO

Espetáculo, protestos e reivindicações Em todos os Estados, menos Rio e São Paulo, devem ocorrer atos políticos, com a participação de movimentos sociais

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ara o 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) vai organizar atos políticos e culturais em todo o Brasil, defendendo a mudança da política econômica, a geração de trabalho e a distribuição de renda. Em todos os Estados, menos Rio de Janeiro e São Paulo, vão ocorrer eventos unificados, muitos deles em parceria com movimentos sociais. Em cidades como Foz do Iguaçu (PR), estão programadas atividades que incluem eventos culturais e discussões sobre o trabalho em escolas da rede pública. No mesmo período, em Boa Vista (RR), sindicalistas devem realizar atos em diversos locais, discutindo o modelo econômico e a importância da organização dos trabalhadores.

AMPLA PARTICIPAÇÃO As bandeiras para o 1º de Maio foram definidas pela direção nacional da CUT. Em reunião da direção, foi apontada a necessidade de haver ampla participação popular para que ocorram as mudanças de que o país precisa, como a redução da jornada de trabalho, a ampliação dos direitos trabalhistas, a redução da taxa de juros, a reforma agrária e a interrupção das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Trabalhadores da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai devem se reunir, no dia 1º de maio, no Parque Internacional, que separa os municípios de Santana do Livramento (RS) e Rivera, no Uruguai. Para Milton Viário, presidente da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, o ato vai ser um espaço de articulação da resistência ao neoliberalismo. “A mobilização de trabalhadores em todo o continente é fundamental para criar alternativas ao modelo econômico e barrar a Alca”, afirma.

HISTÓRIA DE LUTA A primeira vez que trabalhadores brasileiros organizaram manifestações no 1º de Maio foi em 1905, quando ferroviários e sapateiros paulistas realizam um ato reivindicando “Terra, Trabalho e Biblioteca”. A historiadora Zilda Iokói, da Universidade de São Paulo (USP), explica que esses trabalhadores se preocupavam muito com a formação política do povo e, por isso, exigiam o direito de se organizar e o acesso à educação e livros. Do começo dos anos 30 ao início dos 80, o 1º de Maio se tornou uma festa cívica, organizada pelo governo. Nesse período, segundo Zilda, muitos trabalhadores combativos foram presos, exilados e assassinados, e não havia como articular uma resistência efetiva às

imposições governamentais. Em 1983, quando a CUT é fundada, rearticula-se um 1º de Maio de lutas. Para o sociólogo Ricardo Antunes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nos anos 80, os sindicatos tinham duas principais bandeiras: a resistência à política econômica e a luta contra a ditadura militar. Apesar de ser alvo de muita repressão, diz Antunes, a CUT tinha vitalidade e organizou quatro greves gerais.

Mobilizações estaduais da CUT no Dia do Trabalhador CENTRO-OESTE Distrito Federal – Brasília Ato político e cultural na Esplanada dos Ministérios, próximo à Rodoviária Central – a partir das 15h

Goiás – Goiânia Caminhada da Pça. da Catedral até a Pça. Universitária, onde haverá um ato político e show – a partir das 16h

Mato Grosso – Cuiabá Caminhada da Policlínica do Planalto, Av. dos Trabalhadores, s/n, até a Av. Jurumirim, próximo ao Ginásio da Lixeira – a partir das 7h30

CIRCO, SEM PÃO

Mato Grosso do Sul – Campo Grande

Na década de 90, lembra o sociólogo, o eixo da CUT deixou de ser de confrontação social e passou a ser de parceria com o empresariado e o governo. “Com as privatizações, o avanço do neoliberalismo e o aumento do trabalho informal, a Central optou por um sindicalismo negocial”, observa, salientando que isto levou a um afastamento dos movimentos sociais. “Hoje, o 1º de Maio virou um circo”, diz Antunes, para quem, desde o início dos anos 2000, a CUT pratica um “sindicalismo de resultados”. Fazendo referência ao megashow organizado pela Central, na Av. Paulista, em São Paulo (SP), o sociólogo considera que a “a luta de hoje é para ver quem consegue um artista mais famoso para seu espetáculo, a CUT ou a Força Sindical, que são duas faces do mesmo espetáculo circense”.

Ato político, com a participação da Coordenação dos Movimentos Sociais, na entrada do Bairro Moreninha – a partir das 8h

NORDESTE Alagoas – Maceió Caminhada pela orla marítima até a Pça. Multi, onde deve ocorrer um ato político e cultural – a partir das 9h (evento às 13h)

Bahia – Salvador Ato cultural no Terreiro de Jesus, no Centro Histórico – a partir das 14h

Ceará – Fortaleza Ato público na Pça. do Ferreira – a partir das 14h

Maranhão – São Luís Duas romarias simultâneas, com início previsto para as 15h: a primeira deve sair da Área Itaqui Bacanga e a segunda do Bairro do São Francisco. Ambas devem unir-se para um ato político e ecumênico na Pça. João Lisboa – a partir das 18h (ato conjunto)

Paraíba – Campina Grande Ato público no Ginásio do Meninão – a partir das 10h

Pernambuco – Recife Ato cultural no Pq. Treze de Maio, no Centro – a partir das 14h

Piauí – Teresina Marcha do Pq. Piauí até o Centro, onde haverá ato político e artístico – a partir das 8h30

Rio Grande do Norte – Natal Atividades políticas culturais no Bairro Cidade da Esperança, seguidas de espetáculos musicais – a partir das 8h30

Sergipe – Aracaju Marcha pela valorização do emprego, saindo da Pça. Fausto Cardoso até a Praia de Atalaia, onde deve ocorrer ato público – a partir das 8h

NORTE Acre – Rio Branco Caminhada saindo da Universidade Federal do Acre (Ufac) – a partir das 8h

Amapá – Macapá Mobilização na Praça da Bandeira – a partir das 8h

Amazonas – Manaus Ato político no Sambódromo, na Av. Pedro Teixeira, s/n – a partir das 15h

Pará Até o fechamento desta edição a CUT não havia divulgado informações

Rondônia Até o fechamento desta edição a CUT não havia divulgado informações

Roraima – Rorainópolis Romaria do trabalhador na BR-174 – a partir das 8h

Tocantins – Palmas Passeata na Av. Juscelino Kubitschek – a partir das 9h

SUDESTE Espírito Santo – Vitória Ato público, com apresentações culturais, na Praia Camburi – a partir das 10h

Minas Gerais – Contagem Ato político na Pça. da Cemig, seguido de missa – a partir das 8h

Rio de Janeiro – Rio de Janeiro * Passeata do Monumento dos Pracinhas, no Aterro do Flamengo, até a R. Paissandu, seguida de ato político – a partir das 9h * Mobilização em frente aos Arcos da Lapa, no Centro, seguida de um showmício - a partir das 14h

São Paulo – São Paulo * Ato em defesa de direitos dos trabalhadores, na Pça. da Sé, seguido de caminhada até a Pça. Ramos, onde devem ocorrer atividades culturais – a partir das 9h * Megashow, com a participação de diversos artistas e talvez do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – a partir das 9h

SUL Paraná – Foz do Iguaçu Protesto na Ponte da Amizade – a partir das 9h; manifestação na Av. Juscelino Kubitschek com apresentações musicais – a partir das 10 horas.

Rio Grande do Sul – Santana do Livramento

Ato conjunto com trabalhadores de diversos países no Pq. Internacional, unindo forças contra a Área de Livre Comércio dos Américas (Alca) – a partir das 10h

Santa Catarina

Até o fechamento desta edição a CUT não havia divulgado informações

CUT e Força disputam espaço na mídia Rodrigo Brandão do Rio de Janeiro (RJ) Rio de Janeiro e São Paulo terão, cada um, dois 1º de Maio organizados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). A fragmentação, segundo a direção da Central, se deve à impossibilidade de haver um acordo entre alguns setores da CUT. Os dois Estados são os únicos onde não vai ocorrer um ato unificado. Em São Paulo (SP), a direção nacional da CUT vai organizar um megashow, termo usado para divulgar o evento, do qual devem participar dezenas de artistas, como Alexandre Pires e Sandy & Júnior. Também é esperada a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de alguns de seus ministros. O evento vai ocorrer na Av. Paulista, centro financeiro da capital paulista. Segundo Luiz Marinho, presidente da CUT, há dois motivos que levaram à escolha do local: a possibilidade de reunir muitas pessoas e de disputar espaço na mídia com o evento organizado por outra central, a Força Sindical. “Durante muitos anos, fizemos protestos e manifestações, agora resolvemos fazer shows”, afirma.

Dirce Pereira/Força Sindical

João Alexandre Peschanski e Tatiana Merlino da Redação

Evento organizado pela Força Sindical no Campo de Bagatele, em São Paulo, no 1º de Maio de 2003

Segundo Waldemar Rossi, da Pastoral Operária, organizador de um evento alternativo ao da Paulista, programado para a Praça. da Sé, “o megashow da CUT é um desrespeito aos trabalhadores”. Para ele, o 1º de Maio é um momento de resgatar a luta dos trabalhadores e de lembrar os militantes que foram assassinados, e não de fazer shows. No Rio de Janeiro, a situação é parecida. No dia do trabalhador, or-

ganizações ligadas à Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), anunciaram que vão realizar um cadastro de desempregados em frente ao Monumento aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo. De acordo com Marcelo Machado, da secretaria da CMS, o objetivo é enviar os dados recolhidos ao Ministério do Trabalho. Também deve ocorrer um ato político contra o neoliberalismo.

Quanto à direção estadual da CUT, vai organizar um showmício, em frente aos Arcos da Lapa, onde espera reunir milhares de trabalhadores. Além das bandeiras nacionais da Central, como a campanha pela redução da jornada de trabalho sem redução de salário, o ato vai contar com a participação de diversos artistas no fim da tarde. (Colaboraram JAP e TM)

ANALISE

Credores riem e pobres lutam para sobreviver Padre Alfredo J. Gonçalves Nos últimos dias, os jornais chamaram a atenção para dois recordes praticamente simultâneos: de um lado, o superávit primário do setor público alcançou, em março, o montante inédito de R$ 10,2 bilhões, acima da própria meta acertada com o FMI; de outro lado, a taxa de desemprego da Grande São Paulo chega a 20,6% da População Economicamente Ativa (PEA), o que equivale a mais de 2 milhões de trabalhadores sem emprego na região. Enquanto os credores riem, os trabalhadores sofrem. Ao mesmo tempo que os banqueiros têm seus lucros garantidos, agrava-se entre os setores mais pobres a exclusão

social. Isso para não falar da diminuição da renda familiar média daqueles que trabalham com carteira assinada e da conseqüente diminuição do poder aquisitivo. E para não falar, ainda, do valor do salário-mínimo, que deve ficar abaixo dos 100 dólares!

MECANISMO PERVERSO O lado do capital financeiro comemora; o lado das classes trabalhadoras luta duramente para sobreviver. Os recursos são destinados ao pagamento de juros e serviços da dívida, ao passo que os postos de trabalho encolhem, jogando no mercado informal fatias cada vez mais expressivas da população. Enxuga-se o orçamento das políti-

cas públicas e se comprometem as mudanças necessárias, com vistas a levar a cabo o maior ajuste fiscal da história recente, favorecendo as exigências de um FMI indiferente à situação real dos trabalhadores. É preciso que a sociedade brasileira conheça a fundo esse mecanismo perverso chamado superávit primário. Trata-se, na verdade, de uma parte de todos os recursos que o país arrecada – 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) –, subtraída do orçamento público e destinada a garantir os compromissos com os credores. Em palavras mais simples e concretas, o governo recolhe esses recursos do bolso dos contribuintes, por meio de impostos diretos ou in-

diretos, e os reserva para depositar na conta bancária dos investidores. O dinheiro arrecadado, que deveria estar a serviço das necessidades coletivas, é privatizado por uma minoria, o que resulta num aprofundamento do fosso entre os mais ricos e os mais pobres.

SUPERÁVIT PRIMÁRIO Além disso, o superávit primário serve para reduzir a moeda em circulação, com o pretexto de combater a inflação e a vulnerabilidade da economia brasileira diante dos agentes internacionais. Assim, o governo acaba inviabilizando políticas sociais que poderiam sanar a precariedade dos serviços de saúde e educação, reforma agrária e polí-

tica agrícola, transporte coletivo e estradas, entre tantos outros. Semelhante quadro levanta a necessidade de somar esforços, numa grande articulação dos movimentos sociais e das entidades e organizações que defendem suas causas, na luta por mudanças necessárias e pela construção de alternativas ao atual modelo político e econômico. De resto, é esse o objetivo central da 4ª Semana Social Brasileira - Mutirão por um novo Brasil, processo de debates em Brasília (DF), de 6 a 9 de maio. Padre Alfredo J. Gonçalves é coordenador do setor Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)


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NACIONAL POLÍTICA PORTUÁRIA

Fatos em foco

Paranaguá resiste à privatização Requião sofre pressões mas mantém autarquia, que garante crescimento da movimentação

Reverência oficial O ministro Palocci continua flexionando a coluna vertebral diante do FMI e, na última semana, pediu autorização para o governo Lula investir em infra-estrutura. Certamente com financiadores estrangeiros, em dólares, para aumentar a dívida do país. Todo mundo sabe que ficaria mais barato – e menos dependente – realizar determinados investimentos em reais. Ainda vai render O poderoso lobby das empresas de transportes – liderado por suas entidades representativas, a CNT e a ANTC – fez um bom trabalho para “conquistar” a inclusão da melhoria das estradas na prioridade governamental. Contou com a mídia, o Congresso e até o FMI. Com certeza será generoso nas próximas eleições. Oligarquia viva Nomeações recentes para a Eletrobrás e para o Conselho Nacional de Educação confirmam a crescente influência dos senadores José Sarney e Antonio Carlos Magalhães na distribuição de cargos da máquina federal. Os petistas que sofreram na carne o peso do coronelismo nordestino não devem acreditar no que estão vendo e ouvindo. Jogo duplo As grandes empresas de comunicação que pediram empréstimo de R$ 10 bilhões ao BNDES, não têm o menor constrangimento para, de um lado, buscar socorro no dinheiro público, e, de outro, para veicular inúmeras reportagens ou artigos com críticas ao Estado, e de louvação do liberalismo e do capitalismo. A única coerência está no discurso da oligarquia midiática, na base do “façam o que digo, mas não o que faço”.

Mário Augusto Jakobskind enviado especial a Paranaguá (PR)

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Porto de Paranaguá, no Paraná, o segundo do Brasil em movimentação de mercadorias e o maior corredor público de exportação de grãos, está sendo alvo de pressões de vários setores empresariais, que desejam que o governo de Roberto Requião (PMDB-PR) ceda e privatize a autarquia. Apesar da divulgação de informações deturpadas, Paranaguá resiste: com um cais de 2.616 metros de extensão, vem apresentando índices que ultrapassam os do privatizado Porto de Santos, que possui 18.100 metros de cais. O porto é administrado pela autarquia estadual Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – referência ao porto, a 77 quilômetros da capital Curitiba, que movimenta carga geral, granéis sólidos e contêiners e que alcançam um volume anual de cerca de 700 mil toneladas. Paranágua movimenta uma produção de grãos que deve alcançar 130 milhões de toneladas em 2004, com o tráfego de dois mil a três mil caminhões diariamente. De 2002 a 2003, enquanto a tonelagem geral de cargas em Santos aumentou 12,35%, em Paranaguá cresceu 17,7%. No transporte de soja, a diferença revela-se ainda maior: em Paranaguá o aumento foi de 13,6%, ao mesmo tempo que em Santos foi de apenas 7,5%. Em relação ao valor, em dólares, das cargas movimentadas, a diferença também é notável, pois o porto paranaense teve um incremento de 53,8%, ao passo que Santos cresceu apenas 18,4%. No período, o crescimento médio nacional foi de 12,8%. As estatísticas foram divulgadas, em forma de anúncios, nos principais jornais do país, estratégia encontrada pelo governo do Paraná para driblar o silêncio imposto.

BASTIDORES DA PARALISAÇÃO Ração diária Os gênios da comunicação encastelados no Palácio do Planalto continuam alimentando as publicações mais reacionárias e mais sórdidas do país com centenas de páginas semanais de publicidade. Incorporaram a prática dominante de cooptação, mas se esqueceram de que isso não funciona para quem tem compromisso de classe com as elites econômicas. Mais uma manifestação da amnésia política que assola Brasília. Acorda, Brasil O governo Lula acabou reconhecendo, depois de seis meses, que o Programa Primeiro Emprego não decolou. Promete revisão. Se for no ritmo dos vários setores sociais (exemplo maior o da Educação), vai pelo menos mais seis meses para acertar o programa. Quem precisa do primeiro emprego para ontem, está adorando as confusões da corte oficial. Reformismo Organizado pela CUT, o Seminário Nacional de Educação, realizado em São Paulo, na semana passada, fez um balanço das várias propostas de reforma universitária estudadas há anos pelas entidades do setor, entre as quais a Andes, CNTE e a Contee. Todas, é claro, favoráveis ao ensino público e gratuito. Bem diferente, portanto, da proposta do MEC para “comprar” vagas nas escolas privadas comerciais, como tem defendido o empresário Di Gênio, do grupo Objetivo-Unip. Lição de Casa “Como é possível um país com mais de 177 milhões de habitantes possuir apenas cinco mil famílias portadoras de um estoque de riqueza equivalente a 2/5 (dois quintos) de todo o fluxo de renda gerado pelo país no período de um ano?” – Extraído do livro de Márcio Pochmann Os ricos no Brasil, da Cortez Editora.

No primeiro trimestre, o Porto de Paranaguá recebeu 1,48 milhão de toneladas a mais que no primeiro trimestre de 2003. Requião diz: “Administrado com uma boa logística, só houve filas quando agentes e operadores privados resistiram às mudanças”. Entre as alterações, o governador paranaense cita a que acabava com o mercado spot, isto é, com o embarque de cargas em pequenas frações, o que segundo ele “transformava o maior porto graneleiro do mundo em um mercadinho”. No início de março, foi amplamente divulgada a notícia da “greve” em Paranaguá, com imagens

No Porto de Paranaguá, navio aguarda embarque de soja. O movimento aumentou mais que o do Porto de Santos

de filas de caminhões e protestos de motoristas. Eduardo Requião, superintendente do porto, não teve tempo para explicar que a paralisação deveu-se ao descontentamento dos caminhoneiros diante de uma repentina decisão de empresários, de reduzir de R$ 0,40 para R$ 0,16 a cota por cada hora extra de permanência no porto ou proximidades, para o desembarque de mercadorias. A sede do sindicato patronal dos transportadores, responsáveis pelo estado de tensão, foi incendiada por caminhoneiros revoltados, que conseguiram reverter a proposta de aumento. Para o governador Requião, por trás dos fatos se esconde uma estratégia de pressão, para que o Porto de Paranaguá seja controlado não pelo Estado, mas por empresários inescrupulosos. Em conversa com um grupo de jornalistas estrangeiros, em visita ao porto, ele questionou a política portuária do governo federal. “O governo do PT pretende dar seqüência à política do governo anterior, passando todas as operações para o setor privado? Ou a cláusula da privatização continuará como que uma espada suspensa, pronta a desabar e decapitar o porto público toda vez que a pressão dos interesses dos operadores privados e das multinacionais forem confrontados?”, pergunta.

Paraguai reage à política de Requião As fortes pressões enfrentadas pelo governo do Paraná têm, como uma peça-chave, a proibição de transgênicos no Estado, aprovada pela Assembléia Legislativa paranaense. Uma das críticas é que o Paraguai estaria sendo lesado, por não poder utilizar o Porto de Paranaguá para escoar sua soja transgênica, configurando-se assim o rompimento de um acordo firmado entre os dois países. O governo paranaense se defende, alegando que o governo paraguaio já cedeu para uma multinacional o espaço previsto no acordo com o Brasil. A exportação de soja transgênica paraguaia, que passava por Paranaguá, correspondia a apenas 93 mil toneladas, que cabiam em 330 caminhões. Trata-se de uma parcela mínima do movimento global do porto, de 28 milhões de toneladas, gerando uma receita cambial acima de 4 bilhões de dólares. O governador Roberto Requião comemora os efeitos de sua política de defesa de Paranaguá ao afirmar que, “hoje, o porto tem classificação pública do que exporta, o que garante a qualidade do produto brasileiro. Soja pura, carne sem aftosa ou doença da vaca louca, frango

Mário Augusto Jakobskind

Rapinagem legal O cartel das operadoras de telecomunicações continua assaltando o povo brasileiro sob a proteção da agência reguladora do setor, a Anatel. Há muito tempo que as tarifas telefônicas sobem acima da inflação, sem contar as demais formas de extorsão adotadas pelas concessionárias. Agora tem até documento que comprova o objetivo de roubar pelo “teto”. É tudo legal.

José Gomercindo/SECS/ABr

Hamilton Octavio de Souza

O governador do PR, Roberto Requião

sem as doenças que hoje assustam todos os mercados”. Segundo ele, o Porto de Paranaguá tem balança pública, assegurando aos compradores que não serão fraudados, como acontecia anteriormente. “Na época da ‘privataria’, antes de assumirmos o porto, importadores de todo o mundo somavam 1.200 reclamações ao ano. Em 2003, não tivemos nenhuma reclamação de importadores”, diz Requião. Em 2002, as reclamações se referiam a qualidade, quantidade de impurezas e a erros relativos ao peso das cargas. (MAJ)

MOBILIZAÇÃO

Movimentos conquistam frentes de trabalho da Redação Cansados de esperar que o governo do Rio Grande do Sul cumprisse a promessa de contratar 2.500 frentes de trabalho, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) e do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) realizaram, neste mês, várias mobilizações. Em Caxias do Sul, acamparam durante sete dias, até a assinatura de contratação de mais 660 frentes de trabalho. Desde novembro, várias marchas foram realizadas em algumas cidades gaúchas, cobrando a criação de frentes de trabalho. Nas manifestações deste mês, o grito dos desempregados era “Rigotto, cumpra a promessa”, um recado

Sandra Maranhão. A luta pelas frentes de trabalho começou em junho de 2003, quando foi realizada uma marcha estadual com a participação dos movimentos. Mais de 1.200 pessoas marcharam de Gravataí até Porto Alegre e foram recebidos no Palácio Piratini. Na época, o governador se comprometeu a atender à reivindicaO MTD cobra as 2500 frentes de trabalho e as cestas básicas prometidas ção e garantiu destinar R$ 5,5 milhões para o proao governador Germano Rigotto grama. Segundo ele, enquanto não (PMDB-RS). A manifestação, com fossem contratados, os trabalhadoapitos e panelaço, exigiu também res receberiam uma cesta básica as prometidas cestas básicas para por mês. No Rio Grande do Sul, cerca de 1.900 pessoas. os movimentos defendem a criação “O nosso movimento é de paz, de frentes de trabalho a partir de não de violência”, salientou a grupos de produção, conforme a coordenadora estadual do MTD, profissão dos trabalhadores. Sandra

explica que existem grupos de produção na área da construção civil, agricultura urbana, confecções, produção de produtos de higiene e limpeza e artesanato. Ela defende que os seis meses da frente de trabalho são um incentivo para que os trabalhadores possam firmar seu empreendimento. Ao término do contrato, eles já terão sua própria clientela. “Também estamos lutando para que os governos criem linhas de crédito mais acessíveis, para comprar o mínimo de maquinário necessário, ter um empreendimento bem organizado e poder disputar o mercado”. O MTD vai levar a proposta para o governo federal, com a meta de criação de um milhão de frentes de trabalho em todo o país. (Mídia Independente, www.midiaindepen dente.org)


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NACIONAL REFORMA SINDICAL

Propostas ameaçam direitos conquistados Sugestão do Fórum Nacional do Trabalho, de caráter neoliberal, embute a flexibilização das relações de trabalho

Fórum Nacional do Trabalho – Criado em agosto de 2003, é formado por representantes de trabalhadores e patrões (21 representantes cada), nove ministérios e secretaria especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Seu objetivo é discutir e formular propostas para as reformas trabalhista e sindical.

PROJETO NACIONAL?

Trabalhadores desempregados fazem cadastramento em centro de Força Sindical em São Paulo

Com isto, abre-se caminho para o fim da unicidade sindical estabelecida pela CLT (um único sindicato por categoria). “Defendemos a organização por ramo porque a distinção por catego-

POLÍTICAS PÚBLICAS “Não se muda a crise do emprego com leis, esse é o canto da sereia. O que combate o desemprego não são decretos, e sim políticas públicas”, critica o advogado trabalhista João José Sady. Ao avaliar o que chama de a “terceira revolução industrial”, baseada no crescimento com a eliminação de vagas, Sady lembra que o trabalhador é lançado à própria sorte e “tem que abrir mão das leis para poder trabalhar”. Para Pochmann, este é um sintoma do conservadorismo e do falso

do o Fórum, que a divisão por ramo poderia acabar com os sindicatos caça-níqueis, Sady avalia que tal medida enfraquece o poder de negociação, inclusive, por agregar sindicatos com histórico de luta muitas

DIREITOS DO TRABALHADOR COMO É O sindicato é organizado para representar grupo profissional fixado pelos interessados A organização sindical é feita por categorias. Ex.: jornalistas, radialistas. A constituição de sindicato ocorre por um ato de vontade dos trabalhadores, sem intervenção do Estado. Pela lei, as centrais não são entidades sindicais, mas associações regidas pelo direito civil. Os sindicatos são custeados pelos sócios e mais as contribuições sindical, confederativa e a vinculada à negociação coletiva, paga por todos os trabalhadores. A contratação coletiva é possível entre sindicatos profissionais de um lado e sindicatos patronais (convenções coletivas) ou empresas (acordos coletivos), de outro. A repressão da lei aos atos anti-sindicais praticados pelos patrões é distribuída em legislação esparsa. A representação dos trabalhadores por empresa é prevista na Constituição, mas sem regulação específica que tem ficado no aguardo de lei própria. A negociação coletiva somente pode ser ajustada para trazer acréscimos aos direitos previstos na lei. O impasse na negociação coletiva pode ser resolvido no dissídio coletivo suscitado pelos trabalhadores, pedindo arbitramento da Justiça do Trabalho, inclusive em caso de greve.

Flexibilizar a lei não cria novos empregos Flexibilizar as leis trabalhistas para gerar empregos. Esse tem sido o principal argumento de empresários brasileiros, que querem se livrar dos encargos trabalhistas e negociar diretamente com os empregados os contratos de trabalho. Em contrapartida, poderiam ser criados novos empregos. Porém, uma análise sobre os impactos da flexibilização das relações de trabalho na Europa, Estados Unidos e na América Latina mostra que o que mudam são as condições de trabalho e que a mudança da lei na geração de empregos é nula. “Se, no Brasil, a flexibilização criar emprego, será o primeiro caso no mundo”, avalia o economista Márcio Pochmann, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo. “O que houve foi o efeito substituição. Substituiu-se as condições de trabalho, que eram um pouco melhores, para pior”.

ria só divide o trabalhador”, afirma Artur Henrique da Silva Santos, secretário nacional de organização da Central Única dos Trabalhadores (CUT), integrante do FNT. Diferente do que tem argumenta-

Para o economista Márcio Pochmann, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo o caminho que deveria nortear qualquer mudança, até agora não apontado, seria a criação de um projeto para as relações trabalhistas para as próximas décadas. “O FNT construiu uma convergência não considerando quais relações de trabalho ou qual país está sendo construído para as próximas três ou quatro décadas, que é o exemplo do sucesso da CLT”. Para ele, o risco de reorganizar as relações de trabalho olhando “muito mais para o retrovisor” do que para frente tem se configurado nas discussões sobre as mudanças na legislação, o que indica que dentro de poucos anos uma nova reforma tenha de ser feita.

consenso de que as mudanças na legislação garantiriam mais vagas. “Estamos criando um contingente populacional que é cada vez mais avesso à legislação”. A seu ver, os trabalhadores que reproduzem tal consenso são famílias diretamente afetadas pela alta concentração de renda, os “novos agregados sociais”, que acabam por defender os mesmos interesses dos patrões. “Há uma onda conservadora que conta com o apoio dos setores mais pauperizados. Eles não defendem as garantias dos direitos, se é para uma minoria”, avalia ele. No Brasil, o emprego assalariado vem decrescendo nas últimas décadas. Em 1980, em cada três ocupados, dois eram assalariados. Em 2002, o número caiu ainda mais – para cada dois trabalhadores ocupados, apenas um é assalariado.

COLÔNIA DE PATRÕES Desde julho de 2000, é crime deixar de registrar o empregado na carteira de trabalho. A pena para quem não cumpre a lei pode ser de dois a seis anos de detenção. “Algum patrão foi preso? Se fossem, teríamos uma colônia penal de empregadores que não cumprem a lei do tamanho do Estado do Pará”, ironiza Sady ao mostrar que a flexibilização dos direitos dos trabalhadores já existe, o que não significa geração de empregos. A última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostra que a taxa de desemprego subiu para 12,7%, em março, e atinge 2,7 milhões de brasileiros. (CJ)

COMO VAI FICAR O sindicato será organizado para representar grupo profissional delimitado pelo Estado. A organização sindical será feita por ramo. Ex.: comunicações, englobando jornalistas, radialistas,gráficos,artistas etc. A constituição do sindicato dependerá da autorização do Estado, ou de central sindical As centrais sindicais passam a ser entidades sindicais previstas na lei. Os sindicatos serão custeados pelos associados por meio das mensalidades e uma contribuição de todos os trabalhadores e vinculada à negociação coletiva. A contração coletiva poderá ser feita pelas centrais sindicais em nível nacional. A repressão legal aos atos anti-sindicais praticados pelos patrões vai ser regulada em legislação específica e unificada. A representação dos trabalhadores por empresa será prevista na legislação e ficará no aguardo de lei própria. A negociação coletiva poderá permitir a supressão ou redução de direitos previstos na lei. O impasse na negociação coletiva, após 60 dias de término da vigência da norma coletiva, implicará em arbitramento público pela Justiça do Trabalho, a não ser que seja caso de greve.

Nilton Fukuda/AE

A

proposta de reforma sindical pela “liberdade e autonomia”, apresentada pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT) está longe do consenso anunciado pelo governo e defendido pelo Fórum. Diferente do discurso adotado por seus representantes, alguns sindicatos, e até mesmo integrantes das centrais sindicais que compõem o FNT, alertam para o arcabouço legal criado contra os trabalhadores. Para os críticos, não é por acaso que a reforma sindical está sendo negociada separada da trabalhista: a intenção seria oficializar a flexibilização das leis trabalhistas, seguindo a cartilha do modelo neoliberal. No caso, fazer a reforma trabalhista por meio da sindical. “Em todo o mundo, há uma pressão econômica pela desregulamentação. Para que o Brasil seja inserido nesta economia internacional tem que ser submisso, e flexibilizar a legislação”, avalia o advogado trabalhista João José Sady, do Sindicato dos Advogados de São Paulo, uma das entidades que se opõem à reforma como está sendo estruturada. Na avaliação de Sady, para assegurar os direitos dos trabalhadores, a modernização da legislação deve ser feita tendo como base a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não a flexibilização dos direitos já garantidos. A reforma sindical também prevê que as organizações sindicais de trabalhadores serão constituídas por setor e ramo de atividade econômica, não mais por categoria.

vezes paradoxais. “O desmonte da atual estrutura sindical só serve às classes dominantes” reitera.

Jorge Araújo/Folha Imagem

Claudia Jardim da Redação

Fila em frente ao Banespa, em Pirituba, para inscrição em concurso da Prefeitura de São Paulo

Acordo coletivo acima da CLT? Bruno Fiuza da Redação A proposta de reforma sindical, aprovada por consenso no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), resgata uma polêmica iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, quando este enviou ao Congresso o projeto de lei 5.483, que previa a flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O projeto estabelecia que as condições de trabalho ajustadas em acordo coletivo passariam a prevalecer sobre a lei, contanto que não contrariassem a Constituição Federal, e foi aprovado em primeiro turno na Câmara Federal, em dezembro de 2001 apesar de todo o esforço da oposição, encabeçada na época pela bancada do

Partido dos Trabalhadores (PT). Aprovado na Câmara, o projeto foi para o Senado, onde permaneceu até que uma mensagem presidencial pediu a retirada de tramitação da matéria em abril de 2003. O projeto finalmente foi arquivado em julho.

POR CIMA DA LEI A proposta do FNT que estabelece os princípios da negociação coletiva entre trabalhadores e patrões ressuscitou o assunto, estabelecendo que os acordos firmados nessas negociações passam a ter “plena eficácia e reconhecimento jurídico”, além de estabelecer que “a lei não poderá cercear o processo de negociação coletiva.” Segundo Francisvaldo Mendes, integrante da executiva nacional da

Central Única dos Trabalhadores (CUT), esse item da proposta do FNT implanta, na prática, a flexibilização da legislação trabalhista tentada por FHC. Ele acrescenta que é um ataque aos direitos dos trabalhadores, na medida em que permite que os acordos coletivos se sobreponham à legislação trabalhista. Lei 5483: Altera o artigo 618 da CLT estabelecendo que as condições de trabalho ajustadas mediante acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei. Proposta do FNT: A lei não poderá cercear o processo de negociação coletiva. Negociações coletivas terão eficácia e reconhecimento jurídico.


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NACIONAL LEI DE FALÊNCIAS

Bancos, os grandes ganhadores. De novo C

onsiderado o maior processo de falência da América Latina, a quebra da Encol, construtora declarada falida em março de 1999, deixou um buraco estimado em mais de R$ 2,5 bilhões, envolvendo desvio de divisas para fora do país, sumiço de fazendas, obras de arte, máquinas e equipamentos, empresas coligadas e mesmo a transferência irregular de um shopping center. Estima-se que 7 mil empregados ainda trabalhavam para a construtora à época da quebra. Até hoje, menos da metade recebeu o que a empresa lhe deve. Ainda assim, mais de cinco anos após a falência, para a maioria, apenas uma parte foi paga. Se o projeto que propõe uma nova lei para regular o processo de falência de empresas estivesse em vigor, eles teriam dificuldades redobradas para recuperar seus créditos, numa disputa desigual com os bancos, que poderiam receber na frente os empréstimos que eventualmente tivessem adiantado à empresa para financiar seus negócios, incluindo a exportação de produtos e serviços.

Uma promessa do governo ao FMI Se estivesse em vigor desde novembro de 1997, quando o pedido de concordata da Encol foi deferido, o processo provavelmente sequer chegaria a isso. No fim das contas, os maiores credores (os bancos) passariam a acumular maiores poderes para recuperar seus créditos, numa exigência imposta pelo mercado financeiro e acatada pelo governo, que incluiu o compromisso na carta de intenções firmada com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No projeto relatado pelo senador Ramez Tebet (PMDB-MS), o instrumento da concordata seria extinto. Hoje, qualquer empresa em dificuldades financeiras pode pedir na Justiça a suspensão de todos os processos de cobrança de dívidas por um prazo de dois anos, entrando em concordata. Em contrapartida, a empresa teria que pagar 40% de que deve no primeiro ano da concordata e os restantes 60% nos 12 meses seguintes. Se não cumprir os prazos, terá sua falência decretada pela Justiça. Foi o que aconteceu com a Encol em março de 1999.

BANCOS, PRIMEIRO Para dourar a pílula, criou-se uma tal de “superprioridade” para os salários. Explica-se: segundo o projeto, as empresas se obrigam a honrar os salários e outras verbas trabalhistas vencidas nos três meses imediatamente anteriores ao pedido de recuperação (leia detalhes adiante) ou à decretação da falência pela Justiça. Mas limita a obrigação a meros cinco saláriosmínimos (R$ 1,2 mil). Apenas para comparação, um quinto dos trabalhadores da Encol, considerando aqueles de salários mais baixos, tinha créditos a receber de até R$ 2,8 mil, mais de duas vezes o mínimo previsto no projeto. Ouvido pela agência Carta Maior, o juiz da 29ª Vara Cível de São Paulo e professor de Falência e Concordatas do Mackenzie, Manoel Justino Bezerra Filho, classificou a “superprioridade” como uma “cortina de fumaça”, criada propositalmente para encobrir um escândalo ainda maior. Na linha de prioridades definidas pelo projeto, os bancos receberão na frente todo o dinheiro que injetaram nas empresas falidas para financiar exportações. “Onde já se viu pagar antecipado para os bancos?”, questionou Bezerra Filho. Na sua visão, trata-se de uma inversão total de prioridades, especialmente diante do valor irrisório assegurado aos trabalhadores.

MESA DE NEGOCIAÇÕES No caso da Encol, emblemático pelas dimensões do processo e pelas decisões até então inéditas adotadas pela Justiça, em setembro de 2001 criou-se uma mesa de análise e habilitação de créditos trabalhistas, formada por três representantes sindicais, do Ministério Público, da construtora e da massa falida. Numa primeira etapa, concluída no início de 2003, foram pagos 3.387 funcionários, num total de R$ 10,9 milhões. Deles, 646 trabalhadores com créditos de até R$ 2,8 mil receberam integralmente. Acima disso e até R$ 50 mil, foram quitados 40% dos créditos. O restante deve ser pago na medida em que a massa conseguir arrecadar novos recursos, por meio de leilões. A diferença em relação ao projeto que o Senado analisa, neste momento, é que os créditos trabalhistas preservaram sua condição prioritária na hierarquia dos pagamentos devidos pela empresa falida. Ou seja, os demais credores só receberão depois de acertada toda a dívida trabalhista.

AOS MINORITÁRIOS, NADA

Pelas leis vigentes, os bancos nunca perdem (Prédio do Banespa/Santander, SP)

E a dívida trabalhista ficou por isso mesmo O projeto analisado pelo Senado, que depois de passar pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) ainda será submetido à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em data não definida até aqui, cria um outro monstrengo. Na realidade, dá ares de legalidade a uma prática crescentemente adotada por empresas com problemas financeiros. A pretexto de facilitar a venda das empresas à beira da falência, o projeto acaba com a sucessão trabalhista e fiscal. Traduzindo: o futuro comprador da empresa falida poderá levar todos os seus ativos e patrimônio (imóveis, maquinários, equipamentos em geral, veículos, materiais e outros bens) limpinhos, sem precisar assumir qualquer responsabilidade em relação a dívidas com os trabalhadores e com a Receita Federal. Estes débitos continuarão na empresa quebrada, que terá de pagar seus empregados e o fisco com o dinheiro levantado com a venda da parte saudável da empresa. Se sobrar dinheiro.

UM RETROCESSO Previsão da Central Única dos Trabalhadores (CUT): os trabalhadores acabarão não recebendo um tostão furado. Em anos recentes, empresas insolventes de vários setores, com destaque para as de comunicação, se especializaram na criação de subsidiárias para as quais transferem todas suas operações saudáveis. As dívidas, incluindo salários em atraso, indenizações trabalhistas e outras, ficam na empresa original e jamais são pagas. O saco de maldades do governo pretende, além de tudo, fixar um teto de 150 salários-mínimos (R$ 36 mil) para todos os créditos trabalhistas. Apesar do seu atraso, a lei atual não prevê tetos para aquelas

dívidas. O trabalhador terá que disputar o restante do crédito com outros credores (e se sabe quem terá mais força para cobrar a dívida). Em ofício encaminhado a Roberto Busato, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante Jr., presidente da secção do Pará da entidade, considerou o projeto “um retrocesso contra o privilégio que sempre cercou os créditos trabalhistas nas empresas em falência ou concordata. E isso é feito para atender os reclamos dos grandes conglomerados financeiros nacionais e internacionais que se julgam prejudicados na hora da divisão do bolo que sobrou dessas empresas”. (LVF)

No projeto atual, a construtora e incorporadora, tida como a maior da América Latina, seria estimulada, primeiro, a buscar sua recuperação fora da Justiça. Ela convocaria seus principais credores, excluindo os trabalhadores e o fisco, para apresentar uma proposta de recuperação financeira. Se aprovada, a proposta poderia ser encaminhada à Justiça

para mera homologação. Os credores com dívidas de menor valor a cobrar seriam obrigados a aderir ao acordo formalizado com os credores maiores – na maioria, bancos. Como alternativa, o mesmo processo pode ser tentado por via judicial. Neste caso, a maioria dos credores terá de aprovar o plano de saneamento proposto pela empresa, que deverá abrir sua contabilidade aos credores e comprovar sua capacidade de recuperação econômica e financeira. É sabido que empresas com problemas tratam de relegar para último plano o acerto de compromissos assumidos com seus trabalhadores. Quando a Encol quebrou, estimavase um passivo trabalhista de quase R$ 150 milhões. Mas os bancos reclamavam quase R$ 1 bilhão, embora soubessem da insolvência da construtora – na verdade, tentavam engordar seus ganhos, impondo juros extorsivos à Encol, mesmo sabendo do risco de não receber de volta os empréstimos. A possibilidade de lucro, no caso, parecia superar o risco de perdas. Pelo novo projeto, na fase de recuperação, a empresa quebrada teria de pagar apenas cinco salários mínimos aos trabalhadores, algo como R$ 1,2 mil, adiando o restante. Detalhe: antes mesmo de acertar essa verba mínima com os empregados, seria obrigada a devolver empréstimos adiantados pelos bancos para financiar a exportação de bens e serviços. (LVF)

L.C. Leite/AE

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

Itamar Miranda/AE

Projeto em análise no Senado dificulta recuperação de créditos trabalhistas e favorece o sistema financeiro

Obra inacabada da Encol, em São Paulo: 7 mil empregados no olho da rua

Os argumentos são falsos Para justificar o projeto da nova Lei de Falências, que substituirá uma legislação reconhecidamente arcaica, com quase 60 anos de vida, a equipe econômica – que passou a comandar a vida do país, desde os anos da inflação galopante – argumenta que as alterações propostas deverão estimular a recuperação de créditos por bancos e investidores, ajudando a reduzir o custo do dinheiro no Brasil e a atrair investidores. Por trás dessa argumentação está o entendimento segundo o qual os juros são altos porque os bancos não conseguem receber o dinheiro que emprestaram quando as empresas vão à falência. Por isso, embutem na taxa de que cobram de todas (frise-se, todas) as empresas e pessoas físicas juros extras, para compensar possíveis perdas futuras, causadas por maus pagadores. Há, nesse tipo de argumento, um duplo sofisma, resultado de má-fé,

ou de desconhecimento total da realidade. Tome-se o exemplo da Encol, mais uma vez. A construtora começou a enfrentar problemas ainda no final da primeira metade da década de 90, logo após o lançamento do Plano Real. Os problemas se agravaram nos anos seguintes e a empresa enfrentava dificuldades crescentes para financiar suas operações no dia-a-dia. A saída foi oferecer juros cada vez mais altos aos banqueiros que se dispusessem a continuar lhe emprestando dinheiro. Em casos como esses, os bancos mais prudentes fogem da operação, porque sabem que a empresa está com problemas e, por isso, dificilmente vai pagar o que deve. Aqueles que continuaram emprestando não só sabiam dos riscos como apostavam que seria possível multiplicar seus ganhos, extorquindo a empresa. Vale dizer, as possíveis

perdas já haviam sido contabilizadas pelos bancos.

JUROS EXTRAS, SEMPRE Na prática, os bancos não perderam nada, apenas deixaram de ganhar. Por isso, não se justifica que tenham privilégios no momento de liquidar as dívidas de empresas falidas. Os defensores do projeto dizem que os juros extras deixariam de existir se os bancos tivessem facilidade para retomar e vender os bens, máquinas e equipamentos oferecidos em garantia pelas empresas quando tomam recursos emprestados. Como o projeto não elimina o risco de inadimplência na economia, torna-se duvidoso que os juros venham a baixar por força da nova lei. Se e quando for aprovado nas comissões e pelo plenário do Senado, como foi modificado, o projeto terá que retornar à Câmara. (LVF)


Ano 2 • número 61 • De 29 de abril a 5 de maio de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNO

Ativistas pedem cancelamento das dívidas

Paulo J. Richards/AFP

NEOLIBERALISMO

Durante a reunião dos diretores do FMI, em Washington, milhares de pessoas marcharam contra as políticas do Fundo e do Banco Mundial

D

urante os dois dias (24 e 25 de abril) em que os diretores do Fundo Monetário Internacional (FMI) estiveram reunidos, em Washington (EUA), com os ministros das Finanças, o povo tomou as ruas da capital estadunidense. Dia 24, de 2 mil a 5 mil pessoas marcharam contra as políticas do Fundo e do Banco Mundial. A maior bandeira levantada pelos movimentos sociais e organizações não-governamentais foi o cancelamento da dívida externa. Marie Clarke, uma das coordenadoras da organização Jubileu USA, explicou que, por causa dos juros da dívida externa, os países pobres são obrigados a pagar muito mais do que tomaram emprestado. Marie apontou estudos que provam que essas organizações internacionais, FMI e Bird poderiam cancelar a dívida da maioria dos países pobres com seus próprios recursos. Mas, segundo ela, o Banco Mundial se recusa a fazer isso alegando que um alívio desse

tipo levaria esses países a pedir outros empréstimos compulsoriamente. A sociedade civil organizada não aceita a proposta de cancelamento parcial da dívida; quer 100% de cancelamento. Salih Booker, da África Action, rejeita a expressão “perdão da dívida” e defende o cancelamento por três motivos: a dívida não foi revertida para investimentos sociais; é o principal obstáculo para os países pobres se desenvolverem e serve de instrumento para o FMI e o Banco ditarem políticas fiscais nos países.

PROPOSTA ACEITA A surpresa da reunião foi que o Fundo, enfim, aceitou a proposta brasileira de excluir os gastos do governo com infra-estrutura do cálculo do superávit primário (receita menos despesas, excluído o pagamento de juros). O FMI vai implementar projetos-piloto em alguns países para testar a mudança. Segundo o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, os trabalhos vão começar imediatamente. Entre esta semana e a próxima

Manifestantes de diversos países realizam protestam contra o FMI e o Banco Mundial, em Washington

chega uma missão do Fundo ao Brasil para discutir a revisão do segundo acordo renovado no ano passado. Nem todas as despesas do governo com infra-estrutura deixarão de contar como gastos – apenas os investimentos que tragam retorno financeiro. Ainda não está claro quais investimentos serão esses. Por enquanto, a Petrobras é a única empresa que recebe o tratamento diferenciado. Tudo dependerá da habilidade da equipe brasileira excluir o maior número de empresas possível, e também da flexibilidade do FMI. Quanto mais conseguirem fazer isso, menos penoso será atingir a meta de superávit primário sem ter

Governo reduz gasto social, mas não paga dívida Jorge Pereira Filho da Redação Enquanto segue a cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo Lula vai escrevendo sua própria “herança maldita”. As contas públicas do primeiro bimestre de 2004 mostram a continuidade do modelo herdado de Fernando Henrique Cardoso. Em janeiro e fevereiro, o governo gastou R$ 16,6 bilhões em juros da dívida – e mesmo assim não conseguiu pagá-los. Toda a área social ficou com quase metade desse valor, R$ 8,6 bilhões. Nada foi investido em saneamento e habitação. A reforma agrária ficou com 1,68% do programado para 2004. Embora o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, comemore a “benevolência” do FMI em liberar investimentos de infra-estrutura do superávit primário, o verdadeiro problema da economia brasileira fica cada vez mais distante de ser enfrentado. “A questão da dívida pública é tratada como se fosse apenas técnica. Aos poucos, o debate sai da esfera política e fica restrito ao Banco Central e ao Ministério da Fazenda. Querem nos dizer que não podemos interferir na dívida. É um engano”, opina o deputado Sérgio Miranda (PCdoB/MG). O trabalho da Auditoria Cidadã da dívida, desencadeado pelo Plebiscito da Dívida Externa, realizado em 2000, mostra a gravidade da questão. Recentemente, o grupo coordenado pela presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Maria Lúcia Fatorelli, concluiu a análise de contratos de endividamento externo entre 1964 e 2001, disponíveis no Senado Federal. Tais documentos respondem por parte do endividamento brasileiro, cerca de 214 bilhões de dólares. “Não tivemos acesso a contratos

contraídos pela União que não passaram pelo Congresso, mas apenas àqueles autorizados pelo Senado”, explica Maria Lúcia. Cerca de 92% dos contratos analisados têm uma cláusula que permite ao credor elevar as taxas de juros. Além disso, 49,5% dos contratos renunciam expressamente à soberania, indicando um foro estrangeiro para solucionar controvérsias. Já 38,36% dos documentos vinculam o recebimento do dinheiro à realização de programas do FMI ou do Banco Mundial. Outros 34,24% dos contratos impedem o Brasil de controlar saída de capitais. “As grandes empresas não são

obrigadas a realizar auditoria externa regularmente? País que faz auditoria é um país sério. Uma auditoria da dívida só afastaria investimento se houver mesmo roubalheira”, defende a presidente da Unafisco. Para ela, a auditoria não é realizada porque falta respeito ao povo brasileiro. O conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu que vai entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para exigir a realização da auditoria pelo Congresso Federal. A data do envio da ação ao STF será decidida na primeira quinzena de maio, quando os conselheiros vão se reunir novamente.

que cortar tanto as despesas com gastos sociais. Apesar das previsões otimistas de crescimento mundial divulgadas pelo FMI – 4,6% para 2004 e 4,4% para 2005 – o crescimento do Brasil (3,5% nos dois anos) ficou abaixo das taxas de crescimento do Mercosul (4% e 3,7%) e da África (4,2% e 5,4%). Esses números se referem ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e não ao crescimento per capita. Para o economista Dean Baker, do Centro de Pesquisas Econômicas e de Políticas (CEPR), de Washington, esse não é o melhor indicativo do quanto o crescimento econômico irá influenciar na vida das pessoas: “É preciso subtrair do

crescimento do PIB o crescimento populacional”, explica. Considerando que o crescimento populacional brasileiro é de 1,7%, na projeção do próprio FMI, chegamos ao crescimento de apenas 1,8% per capita. “Com essa taxa, fica difícil a economia crescer e gerar empregos”, diz Baker. A atual taxa de crescimento está muito abaixo do potencial do país, considerando os níveis das décadas de 60 e 70. Depois da chamada “década perdida” (anos 80), os anos 90 tiveram desempenho ainda pior. O economista explica que isso aconteceu porque o Brasil tem uma das taxas de juros reais mais altas do mundo.

Joel Nito/AFP

Laura Cassano de Washington (EUA)

Filipinos lembram o “infeliz aniversário” do Fundo Monetário Internacional

ANÁLISE

México próximo do Mercosul. Para ajudar os EUA Rocco Marotta de Toronto (Canadá) O México está pronto para assinar nos próximos meses um acordo comercial com o Mercosul, informou o secretário de Relações Exteriores, Luis Derbez, encarregado das negociações comerciais multilaterais e candidato a presidente da República. O país já assinou vários acordos de livre comércio, com os EUA e o Canadá (Nafta), a União Européia, e está prestes a firmar outro com o Japão. A aproximação com o Mercosul surpreende porque, nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), o México segue rigorosamente os passos dos EUA. Surpreende ainda mais porque, há meses, o secretário do Comércio mexicano, Fernando Canales

Clariond, disse que os acordos de livre comércio não estavam dando os resultados esperados e que o importante era aplicar uma política de desenvolvimento. A economia do México é uma das mais abertas do mundo e dá acesso livre à principal economia mundial, a dos Estados Unidos, enquanto China, Coréia do Sul e Índia controlam o acesso a seus mercados ou têm formas específicas de desenvolvimento capitalista, fora do esquema neoliberal. Nos últimos anos, por sua dependência do mercado estadunidense e do sistema de maquiladores, o México teve o pior desempenho econômico das últimas décadas, com perdas de empregos que agravam a necessidade de criar um milhão de empregos por ano, por causa do aumento da população. Ao mesmo tempo, China, Coréia do Sul e Índia fizeram decolar o crescimento.

O México deixou de ser atrativo para os investimentos diretos, ao contrário do que pensaram os arquitetos do Nafta. O país perdeu todo o controle sobre o sistema financeiro, mas continua tendo de pagar lucros extraordinários aos bancos estrangeiros. Em 2004, segundo o governo, o país deve crescer 3,1%, mas isso depende da economia dos EUA, e de qualquer modo não beneficiará a massa da população. A liberalização do comércio não substitui uma política de desenvolvimento econômico, como vem dizendo até mesmo o mais rico empresário da América Latina, o mexicano Carlos Slim Helu. Dentro desse quadro, a urgência do acordo com o Mercosul é mais política do que econômica ou comercial, e tem a ver com as negociações do governo mexicano para integração econômica, política

e militar da América do Norte. É Washington que pede a criação do “perímetro de segurança norte-americano”, mas o México funciona como caixa de ressonância para convencer os canadenses. O governo de Vicente Fox insiste, por exemplo, na criação de um mercado norte-americano de energia, o que poria o petróleo e o gás natural do México e do Canadá a serviço da demanda dos EUA. O México também quer que o Nafta evolua para uma união aduaneira. Essa visão ideológica, que não abre perspectivas de desenvolvimento econômico, é compartilhada pelos círculos empresariais mais neoliberais do Canadá. No caso da aproximação ao Mercosul, o México parece visar aumentar o poder de barganha dos EUA em relação à América Latina. Rocco Marotta é jornalista


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AMÉRICA LATINA COLÔMBIA

Aprovadas detenções sem mandado da Redação

O

Estatuto Antiterrorista proposto pelo governo colombiano, aprovado dia 16 de abril pelas Comissões Primeiras do Senado e da Câmara do Congresso do país, permite que as forças armadas colombianas façam detenção de suspeitos sem ordem judicial, invasão de domicílios, interceptação de telefones e correspondência e alistamento forçado de recrutas. Para a medida entrar em vigor, ainda resta passar por uma última instância de aprovação. A Anistia Internacional alerta que essa lei antiterrorista viola o espírito dos tratados internacionais de direitos humanos, dos quais a Colômbia é signatária, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Carta Democrática Interamericana. Críticas ao estatuto já vieram do escritório na Colômbia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, do Comitê contra a Tortura da ONU, e do comissário de Assuntos Exteriores da União Européia. No 60º período de sessões da

Luis Acosta/AFP

Estatuto permite que militares façam detenções sem ordem judicial, invadam residências e interceptem telefonemas

Militares estadunidenses vão ajudar Exército colombiano em nova ofensiva contra os guerrilheiros

Comissão de Direitos Humanos da ONU, também no dia 16, a situação dos direitos humanos na Colômbia foi discutida durante duas horas, tempo somente comparável ao que a Comissão dedica a situações críticas em matéria de direitos humanos, como no caso da Palestina. Em Bogotá, o diretor da Pastoral Social da Conferência Episcopal Colombiana, Hector Fabio Henao, declarou que, segundo habitantes

da região da Serra Nevada, mais de vinte pessoas estão desaparecidas, “mas o número pode ser superior”. Ele integra a Comissão Facilitadora, promovida pela Igreja Católica para aproximar o governo e as guerrilhas das Forças Armadas Revolucionários da Colômbia (Farc) e do Exército de Libertação Nacional (ELN). Na Serra Nevada, algumas comunidades sofrem bloqueios pelos com-

bates entre rebeldes, paramilitares e forças oficiais. Dia 17 de abril, dirigentes de oposição ao governo do presidente colombiano Álvaro Uribe denunciaram supostos planos do mandatário para atacar a Venezuela. Em uma declaração oficial, afirmam que a condecoração do congressista estadunidense, Lincoln Diaz-Balar é parte de uma campanha para provocar a guerra entre os países

HAITI

da Redação Em todo o Haiti, numerosos grupos armados rebeldes e milícias leais ao ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, deposto em fevereiro deste ano continuam ativos, mesmo depois que o novo governo de transição assumiu o poder. Segundo comunicado da Anistia Internacional (AI), é preocupante a situação de segurança de juízes, procuradores, investigadores, vítimas, testemunhas e defensores dos direitos humanos. O juiz Napela Saintil, presidente do tribunal que julga os responsáveis pela matança de 20 pessoas em Raboteau, em 1994, foi brutalmente agredido por um homem armado, dia 30 de março. Os delegados da Anistia constataram que parte da prisão nacional de Porto Príncipe, capital do país, está sob o controle de fuzileiros navais estadunidenses, sem garantias de respeito aos direitos dos detidos. Desde a sua chegada ao poder, o governo provisório tem se apressado em deter membros do Partido Família Lavalas, do ex-presidente Aristide, acusados de atos de violência ou corrupção política, mas

Hector Mata/AFP

Grupos armados causam insegurança

Partidários do ex-presidente Aristide sofrem represálias; falta programa de desarmamento

não tem feito nada contra militantes anti-Aristide responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como Louis Jodel Chamblain e Jean Pierre Baptiste (Jean Tatoune). “Ao deter só os partidários do movimento Lavalas, o governo está enviando

MÉXICO

Índios zapatistas voltam para as suas casas da Redação Cerca de 500 indígenas do Sul do México, ligados ao Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), voltaram a suas casas, de onde foram obrigados a fugir após violentos combates, há duas semanas, em Zinacatán, no Estado de Chiapas, contra integrantes do Partido da Revolução Democrática (PRD). O comboio, escoltado por integrantes de organizações não-governamentais e por centenas de policiais, partiu do município de San Cristóbal rumo a Jechvó, Elambó Alto, Elambó Bajo e Apaz, passando por Nachig, principal reduto do PRD, e Pasté, onde dia 10 de abril

índios zapatistas protestaram contra a falta d’água e de eletricidade e foram atacados por simpatizantes do PRD. Ao voltar para suas casas, muitos as encontraram saqueadas e sem água potável. A Comissão de Apoio à Unidade e Reconciliação Comunitária (Coreco) protestou junto ao governo mexicano contra os acontecimentos em Pasté, quando morreram duas pessoas e dezenas foram feridas, enquanto os militantes do PRD eram auxiliados por forças da polícia local. Os zapatistas não tinham armas e reagiram atirando pedras. Consta que ainda há reféns em mãos de integrantes do PRD. (Misna,www.misna.it)

uma mensagem errônea. Também devem ser detidos integrantes das forças rebeldes, que têm cometido graves violações dos direitos humanos”, diz a Anistia Internacional. A AI tem recebido também relatórios sobre homicídios e seqüestros de pessoas partidárias de Aristide em bairros pobres de Porto Príncipe. É sabido que o motorista de um ex-deputado de Lavalas foi agredido dia 3 de abril em Martissant e morreu no dia seguinte. Dia 4 de abril,

outro partidário de Aristide foi morto a tiros fora do mercado de Martissant. Depois de matá-lo, os autores foram à sua casa procurando sua esposa – atualmente escondida –, a ameaçaram de morte e incendiaram a casa. Para a Anistia, “é motivo de consternação que a Força Multinacional Provisória (FMP) não tenha tentado, seriamente, colaborar com a polícia nacional do Haiti para estabelecer um programa de desarmamento”. (Adital, www.adital.org.br)

vizinhos. Diaz-Balar é acusado de organizar atos terroristas contra o governo cubano e é um dos promotores de uma intervenção militar para derrubar o presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Segundo o jornal colombiano El Tiempo, o Exército da Colômbia, que recebeu um aporte dos Estados Unidos em torno de 320 milhões de dólares, em três anos, prepara uma grande ofensiva contra as selvas do Sul do país, o ‘’coração’’ das Farc. Entre 14 mil e 17 mil homens serão acionados para a campanha, chamada de ‘’Plano Patriota’’ e que, segundo o jornal, ‘’será a mais ambiciosa ofensiva militar deslanchada pelo governo de Bogotá em toda a história’’. A data para o início não foi divulgada. A investida, na opinião dos oposicionistas de Uribe, “não obedece aos interesses do povo colombiano, e sim à estratégia dos Estados Unidos, que buscam criar conflitos e guerras entre povos irmãos para tirar proveito dos interesses petroleiros e geopolíticos”. (Adital, www.adital.org.br)

GUATEMALA

Corte julga massacre indígena da Redação Sai no próximo período de sessões do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, com sede na Costa Rica, o veredito sobre o massacre de 268 indígenas em 1982, na comunidade de Plan de Sánchez, Guatemala, perpetrado pelo Exército regular guatemalteco durante a guerra civil. Os advogados de acusação pedem ainda que o governo da Guatemala seja condenado por ter perseguido os sobreviventes e parentes das vítimas e seja obrigado a contribuir para a recuperação psíquica dos que ainda hoje sofrem pela brutalidade do massacre. Passados os cem primeiros dias do governo do presidente Óscar Berger e da Grande Aliança Nacional (Gana), os guatemaltecos pedem mudanças urgentes. Numa pesquisa da empresa Vox Latina para o jornal Prensa Libre, 45% das pessoas disseram que os maiores problemas do país são a insegurança e a delinqüência; 15,3% responderam que é o aumento dos preços; e 12,8% afirmaram que é a falta de emprego. A principal medida econômica do governo Berger foi a unificação alfandegária com El Salvador e Honduras. No entanto, a economia está paralisada e aumenta a carestia, as demandas sociais (por terra e trabalho) e as cobranças pelas milionárias dividas do Estado para com seus fornecedores e empreiteiros. (Misna, www.misna.it)

CUBA

Prisões em Guantanamo sob pressão da Redação A Anistia Internacional (AI) pediu à Suprema Corte dos EUA que faça cumprir as normas do Estado de Direito no caso das centenas de cidadãos estrangeiros detidos na base militar estadunidense de Guantanamo, em Cuba. A questão, apresentada para a Suprema Corte, é se os tribunais estadunidenses têm jurisdição para considerar recursos de habeas corpus em nome dos estrangeiros detidos sem direito a advogado, nem a julgamento. Até o momento, os

tribunais inferiores apoiaram os esforços do Executivo para manter o Poder Judiciário fora do assunto. A AI alega que “o governo estadunidense está oferecendo uma visão de um mundo no qual as detenções arbitrárias e impossíveis de impugnar, potencialmente perpétuas, são algo aceitável”. A Suprema Corte, segundo a Anistia, deve rejeitar essa visão e iniciar o processo para tirar os prisioneiros de Guantanamo do “buraco negro” legal no qual foram colocados, em nome da segurança nacional estadunidense.

A Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas examinou a situação dos prisioneiros de Guantanamo, mas não emitiu nenhuma condenação. Dois anos depois da chegada dos primeiros detidos à base naval estadunidense, o governo dos EUA continua exercendo um poder executivo sem travas, em total desprezo ao Estado de Direito. Centenas de detidos permanecem reclusos em celas bastante pequenas por até 24 horas por dia, sem acesso a processo legal algum. (Adital, www.adital.org.br)


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INTERNACIONAL TERROR DE ESTADO

Entidades temem por vida de ativista João Alexandre Peschanski da Redação

M

ovimentos sociais israelenses temem que o primeiro-ministro Ariel Sharon mande assassinar o técnico nuclear Mordechai Vanunu, de 49 anos. O ativista foi libertado, dia 21, após cumprir pena de 18 anos de detenção – 12 dos quais em total isolamento. O técnico estava preso por ter divulgado, em 1986, documentos que comprovam a produção de armas nucleares na usina de Dimona, onde trabalhou por nove anos. Em nota conjunta, entidades de Israel e de outros países denunciaram a política de eliminação de ativistas realizada por Sharon e exigiram que a vida, a segurança e a liberdade de Vanunu, chamado de “herói pacifista” no texto, sejam respeitadas. Em março e abril, o Exército israelense assassinou dezenas de ativistas palestinos, incluindo dois líderes do grupo Hamas, e mandou prender diversos pacifistas israelenses. Além disso, as entidades pedem a anulação de uma série de restrições imposta pela Justiça de Israel a Vanunu. Durante o período de um ano, ele está proibido de deixar o país, de aproximar-se de embaixadas, consulados, postos de fronteira, portos e aeroportos e de entrar em contato com estrangeiros. Ele também não pode usar telefone celular, navegar na internet, dar entrevistas ou entrar em contato com meios de Ogiva – Parte froncomunicação e tal de um míssil ou falar sobre a usifoguete. na de Dimona. Segundo a Shin Bet, serviço de segurança interna israelense, ele será vigiado permanentemente. As entidades iniciaram uma campanha contra a perseguição a Vanunu, enviando mensagens de protesto a Sharon, no endereço eletrônico: pm_eng@pmo.gov.il.

Tal Cohen/AFP

O técnico nuclear Vanunu foi libertado, após cumprir pena de 18 anos, por denunciar política atômica israelense USINAS E DEPÓSITOS NUCLEARES ISRAELENSES

Vanunu disse estar orgulhoso e feliz de ter denunciado o programa militar de Israel

Governo de Israel ameaça assassinar Arafat da Redação

“NÃO ME ARREPENDO” O governo israelense teme que Vanunu revele informações sobre o programa nuclear israelense ou inicie uma campanha de denúncias. A CIA, a agência de inteligência esta-

O presidente da Organização pela Libertação da Palestina, Yasser Arafat, pode ser o próximo alvo do primeiro-ministro israelense Ariel Sharon. Em conversa com o presidente estadunidense, George W. Bush, Sharon afirmou que o líder palestino poderia ser assassinado, se isso trouxer benefícios para Israel. Arafat disse não ter medo de tornar-se um mártir da luta de seu povo. Desde o início do ano, o governo israelense aplica uma política de extermínio aos principais ati-

vistas palestinos. Entre dezenas de outros, assassinou os líderes do grupo Hamas Ahmed Yassin e Abdel-Aziz Rantissi. No começo de abril, Bush disse apoiar as decisões de Sharon para acabar com a resistência palestina. O primeiro-ministro palestino, Ahmed Qurei, afirmou que, se Arafat sofrer um atentado, as negociações com o governo de Israel serão totalmente interrompidas. No dia 25, ele disse que, “como todo ativista palestino, Arafat sabe que sua vida corre perigo, mas Sharon não tem o direito de ameaçar a vida de um presidente eleito”.

dunidense, estima que Israel tenha de 20 a 30 bombas atômicas e mais de 200 ogivas nucleares. O governo israelense nunca reconheceu oficialmente possuir ou produzir esse tipo de armas – e condena os governantes de países, como Coréia do Norte e Irã, que publicamente afirmam desenvolver programas nucleares. Logo após ser libertado, Vanunu disse não estar arrependido do

que fez, por estar certo de haver conscientizado as pessoas sobre os riscos de uma guerra nuclear no Oriente Médio: “A todos que me chamaram de traidor, digo: estou orgulhoso e feliz por ter feito o que fiz”. Ele afirmou que o governo de Israel deveria permitir inspeções da Organização das Nações Unidas (ONU) nas usinas nucleares e interromper a produção desse tipo de armas.

Ao sair da prisão de Shikma, em Ashkelon, no Centro-Oeste de Israel, Vanunu foi recebido por centenas de pessoas. Acusou o governo de tê-lo tratado de forma cruel e bárbara e disse que seus únicos desejos são deixar Israel e recomeçar sua vida. Proibido de sair do país, ele deve morar, temporariamente, em Tel Aviv, no Noroeste de Israel.

SEQÜESTRADO EM 1986 O ministro da Justiça de Israel, Joseph Lapid, em entrevista a um canal televisivo estadunidense, disse que as restrições a Vanunu poderiam ser piores, pois ele não mostra arrependimento e quer continuar a denunciar o programa nuclear israelense.

Em 1986, disposto a denunciar o desenvolvimento de armas nucleares em Dimona, Vanunu viajou para Londres, na Inglaterra, onde divulgou documentos e fotografias no jornal Sunday Times. No dia 30 de setembro do mesmo ano, após ter viajado a Roma, na Itália, foi seqüestrado pela polícia secreta israelense, Mossad, e mandado de volta a Israel, onde foi preso. Uma semana depois, o jornal inglês publicava uma matéria sobre o programa nuclear israelense, trazendo evidências concretas, pela primeira vez, de que o governo desse país tinha bombas atômicas. Em Israel, Vanunu foi acusado de traição e espionagem, num julgamento secreto, e condenado.

ANÁLISE

IRAQUE

Mercenários substituem soldados Na ONU, a corda rompe As autoridades de ocupação no Iraque pretendem recorrer cada vez mais a mercenários, em vez das tropas regulares, para tentar reduzir, na opinião pública estadunidense e internacional, a má repercussão causada pelas mortes de ocidentais. A orientação parte do pressuposto de que as mortes de soldados estadunidenses, britânicos ou italianos no Iraque, que não podem ser ocultadas, têm impacto político e psicológico sobre a opinião pública ocidental. Por outro lado, acredita-se que baixas nas companhias militares privadas – até agora não divulgadas, a não ser em casos de “espetáculo macabro” – não têm o mesmo impacto e, assim, não encorajam posturas favoráveis ao fim da ocupação. O jornal estadunidense The New York Times revelou o documento da Força-Tarefa 7 do Comando dos Estados Unidos, que dá aos mercenários no Iraque o direito de prender e matar. Diz o documento: “Os contratados da segurança estão autorizados a usar força letal contra pessoas nas seguintes circunstâncias: em legítima defesa; em defesa de pessoas especificadas no seu contrato; para prevenir ameaças à vida de civis; para defender, segundo especificado no seu contrato, proprie-

do lado mais fraco

Ahmad Al-Rubaye/AFP

Manlio Dinucci de Nova York (EUA)

Gustavo Capdevilla de Genebra (Suíça)

Membros de milícia shiita comemoram o sucesso de uma emboscada

dades aprovadas pela coalizão”. Os mercenários estão autorizados a “deter, prender e interrogar civis, se isso é necessário para a sua se-gurança ou está especificado no seu contrato”.

MORTES E REJEIÇÃO Trata-se, praticamente, de uma autorização para torturar civis. A revista italiana Analisi Difesa informa que a Autoridade Provisória da Coalizão está prestes a assinar um contrato de 100 milhões de dólares com uma força de segurança privada, para proteger sua sede. Cada mercenário chega a receber 900 euros por dia. Os generais querem mais soldados, mas não sabe onde obtê-los. Depois da Espanha, de Honduras e da República Dominicana, a Noruega anunciou a retirada de seu contin-

gente no Iraque, de 180 homens. A retirada será dia 30 de junho, apesar dos pedidos em contrário do secretário de Estado estadunidense, Colin Powell. Nos 26 primeiros dias de abril, 112 soldados da coalizão morreram em território iraquiano. O comandante das tropas dos EUA no Oriente Médio, John Abizaid, pediu que mais soldados venham somar-se aos 135 mil atualmente militares empregados pela coalizão no Iraque. Por enquanto, o Pentágono concordou em retardar por três meses o retorno de 20 mil soldados. O comandante do Estado-Maior das Forças Armadas estadunidenses, Richard Myers, declarou que tropas que já voltaram aos EUA poderão ser mandadas de novo ao país. (Il Manifesto, www.ilmanifesto.it)

Três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas evitaram este ano o castigo da Comissão de Direitos Humanos da ONU, enquanto outros países, de limitado peso político, sofreram as penas desse mesmo organismo. Segundo ativistas, das três potências, a China escapou graças a um recurso processual de uma resolução de castigo patrocinada por Washington; a Rússia obteve um voto favorável no debate da questão da Chechênia, e os Estados Unidos se livraram de investigações em razão da prisão ilegal que mantêm em Guantânamo, promovidas por Cuba. Por outro lado, a Comissão condenou países mais fracos, ao expedir sentenças contra Bielorússia, Cuba, Coréia do Norte, Myanmar (Birmânia) e Turcomenistão. A conduta dupla da comissão alimenta uma das principais críticas que estudiosos e ativistas dirigem ao máximo organismo das Nações Unidas especializado em direitos humanos. “Os três membros permanentes evitam a punição graças ao poderio político de seus governos, enquanto fica mais fácil condenar países isola-

dos politicamente”, diz Joanna Weschler, representante junto à ONU da organização não-governamental Human Rights Watch, com sede em Nova York. Porém, esse desequilíbrio não impede Joanna de defender a vigência da questão da ordem do dia da Comissão, conhecida como Ponto 9, dedicado ao exame da situação dos direitos humanos em países individuais. Apesar do zelo dos Estados Unidos e dos demais países ocidentais em efetuar investigações sobre países individualmente, previstas no Ponto 9, este ano se incorreu em uma exceção notável, pois a situação do Iraque foi ignorada. “Essa omissão causa perplexidade e preocupação”, disse Bertrand Ramcharan, do alto comissariado interino da ONU para os direitos humanos. Ele afirmou que, em caso de guerra, devem existir responsabilidades. Destacou que no momento não existe uma supervisão internacional da situação dos direitos humanos no Iraque, tanto em relação ao terrorismo quanto ao uso da força e ao tratamento dado aos civis por parte dos ocupantes, encabeçados pelos Estados Unidos. A União Européia, que habitualmente promovia o caso do Iraque junto à Comissão, este ano se absteve. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Africanos celebram combate à malária Marilene Felinto da Redação

A

semana do dia 25 de abril é marcada por celebrações de combate à malária na África. O tema da campanha deste ano, focada na criança africana, vem no slogan “Por Um Futuro Livre de Malária”. As principais comemorações aconteceram entre os dias 23 e 25 em Matam, no Senegal (África Ocidental), região bastante atingida pela malária e que vem implementando programas de erradicação da mesma. Entre os eventos de destaque, uma apresentação do músico e cantor senegalês Youssou N’Dour, outra do astro do basquete Dikembe Mutombo, atleta da República Democrática do Congo que joga num time dos Estados Unidos, uma competição de motocross, fóruns infantis, distribuição de redes mosquiteiras inseticidas e consultas médicas abertas ao público. Youssou N’Dour, que é embaixador da boa vontade do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) está gravando um vídeo em prol das crianças vítimas de malária na África. A malária é uma doença infecciosa causada por parasitas transmitidos ao homem pelos mosquitos Anopheles. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 600 milhões de pessoas enfrentam a ameaça diária da malária, epidemia que é considerada problema de saúde pública especialmente na África e na Ásia. Na África ocorrem 90% dos casos, sendo as principais vítimas as crianças com menos de 5

Milton Michida/AE

Crianças são principais vítimas da doença; aquisição de novas drogas mais eficazes é urgente

Youssou N`Dour, músico senegalês grava vídeo em prol das crianças com malária na África

anos de idade que vivem na África Subsaariana. A OMS contabiliza que a cada 30 segundos morre uma criança de malária na África. São 3 mil por dia e um milhão por ano. A Organização centrou a campanha deste ano na aquisição de meios para adquirir novas drogas eficazes no combate à pandemia. Trata-se da terapia combinada com base na artemisinina (ACT), usada com su-

cesso na Ásia há mais de dez anos, mas muito cara para os africanos. A dose por adulto custa 2 dólares, de dez a vinte vezes mais cara do que as monoterapias tradicionais, à base de cloroquina, pouco eficazes, já que os mosquitos tornaramse resistentes a elas. No dia 24, a Organização NãoGovernamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras fez um apelo mundial pela aquisição da ACT para as

vítimas de malária da África. Os derivados da artemisinina são extraídos de uma planta chinesa. Atacam partes diferentes do parasita da malária, permitindo um tratamento mais curto e potente. A OMS lançou, em 1998, juntamente com o Unicef e outros organismos, a campanha Parceria Global Pela Redução da Malária, com o objetivo de reduzir à metade a presença da malária no mundo

até o ano 2010, com foco particular na África. O dia de combate à malária foi instituído no ano 2000, quando, no dia 25 de abril, líderes africanos de 44 países atingidos pela doença se reuniram em Abuja (Nigéria) e firmaram o compromisso de intensificar esforços para alcançar os objetivos da Parceria Global pela Redução da Malária. Muito pouco foi feito até hoje.

Mirella Domenich de Beira (Moçambique) Mais de quatro milhões de pessoas contraíram malária em Moçambique em 2003. Cerca de 3.200 delas morreram vítimas da doença, de acordo com dados do Ministério da Saúde. O número de pessoas infectadas é de 20% da população moçambicana. A malária é a principal causa de mortes e internamentos no país. Segundo o Programa Nacional de Controle da Malária, em média, cem pessoas morrem de malária e outras mil são contaminadas diariamente em Moçambique. São casos como o do estudante Edgar Zimão Cuamba, de 12 anos. Segundo sua mãe, Vitória Verônica Manuce, de 26 anos, ele teve malária várias vezes durante 2002, quando viveu em Maputo, capital moçambicana. “Agora a malária já caiu na barriga”, diz ela. É assim que as pessoas se referem aos doentes que têm uma malária atrás da outra, porque já são resistentes à cloroquina, medicamento utilizado nos hospitais públicos do país para o tratamento da doença. Segundo o diretor nacional adjunto de Saúde, Martinho Dejde, de 40% a 60% da população moçambicana são resistentes à cloroquina. Vitória, como muitas outras pessoas em Moçambique, ainda não sabe que a malária é uma doença infecciosa causada por parasitas transmitidos ao homem pelos mosquitos Anopheles. A demora para levar o paciente ao médico muitas vezes resulta em morte. Como a malária “já está na barriga” de Edgar, Vitória sempre espera ver se a situação do menino piora para levá-lo ao hospital. Dessa vez, ele está com malária cerebral. A causa é uma malária falciparum mal curada, segundo o médico Miguel Marquez, professor da Universidade Católica de Moçambique. Apesar do nome, a malária cerebral é menos grave que a falciparum, a mais comum na África Subsaariana.

Yoav Lemmer/STF

Em Moçambique, doença mata tanto quanto Aids

Criança moçambicana faz exame de sangue em Manica, Moçambique, por apresentar sintomas de malária

No entanto, tanto na imprensa internacional quanto na moçambicana, ou na de qualquer país da África Subsaariana, a doença recebe destaque apenas quando alguma doação muito grande é feita, como em setembro de 2003, quando o norte-americano Bill Gates, dono da Microsoft, esteve em Moçambique e doou recursos para um programa de combate à malária. Logo depois, em janeiro de 2004, representantes da Microsoft estiveram no país fechando um acordo para a expansão de tecnologias de informação.

RICOS IGNORAM Nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, a imprensa moçambicana enfocou a cólera, apontando que, “com a Sida (Aids), está colaborando para dizimar a população moçambicana”. Uma epidemia de cólera atinge o país desde o início de 2004. Mas por que a malária, uma das doenças mais antigas do planeta, que causa 2,7 milhões de mortes por ano no mundo todo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), não merece tanta atenção da imprensa e das campa-

nhas de saúde se é mais comum que a Aids na África Subsaariana? Segundo Ofélia Matola, coordenadora do projeto “Hope” de combate e prevenção à Aids, a resposta é simples e se resume ao fato de que a malária é uma doença comum e não representa tabus para a sociedade: “Ir ao hospital e sair dizendo que está com malária é fácil, todo mundo faz. Mas ninguém que faz um teste de HIV diz quando o resultado é positivo”, afirma. Ofélia diz ainda que seria preciso informar mais as pessoas sobre Aids do que sobre malária. O projeto “Hope” é uma ação da Organização Não-Governamental (ONG) Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo, da cidade de Beira. A professora primária Teresa Angelia é mais radical. “A prevenção e a cura da malária não interessam aos países ricos do Hemisfério Norte. Afinal, não há malária lá. Mas existe Aids”, diz. Ela é voluntária para a prevenção da malária na vila de Buzi, a cerca de 1.300 km de Maputo, pela ONG Fundação Africana de Medicina e Pesquisa. Teresa decidiu se informar e trabalhar mais com o assunto depois de ter perdido vários alunos vítimas de malária. “Morre-

se muito de malária aqui. Queria adquirir mais conhecimentos sobre o assunto para passar para as crianças durante as aulas”, afirma.

REDES MOSQUITEIRAS Pratica-se aqui medicina curativa e não preventiva. A afirmação é do médico Miguel Marquez, professor da Universidade Católica de Moçambique. “Malária e diarréia são as doenças que mais causam mortes em Moçambique. Elas poderiam ser evitadas com medidas preventivas”, diz. O médico é cubano e vive em Moçambique faz dez anos. Já teve malária várias vezes. “É quase impossível viver em Moçambique e não ser vítima de malária pelo menos uma vez”, informa. Em Cuba, segundo ele, a malária está erradicada desde 1975. Em Moçambique, há campanhas isoladas de combate à doença. No distrito de Changara, província (Estado) de Tete, foi lançada uma campanha de uso de redes mosquiteiras impregnadas de inseticidas nos dois primeiros meses deste ano, com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Somente em janeiro deste ano,

Changara registrou mil casos de malária, contra os 500 confirmados no mesmo período de 2003. Essa campanha tinha sido feita em 2002 no distrito de Mutarara, em Tete. Segundo o diretor de Saúde da província, Frederico Brito, em 2003 só foram realizadas duas campanhas de pulverização domiciliar em quatro cidades. “A falta de campanhas para pulverização ajuda a manter em ascendência o número de infectados por malária”, esclarece Brito. Na província de Gaza, a distribuição de redes mosquiteiras impregnadas com inseticidas existe desde 2000, mas contempla apenas áreas atingidas pelas cheias, segundo o diretor de Saúde da província, Dario Sacur. No ano passado, 625 mil pessoas foram infectadas em Gaza, e 405 morreram vítimas da doença. No distrito de Buzi, província de Sofala, a distribuição de redes mosquiteiras está suspensa desde outubro de 2003 pela ONG Fundação Africana de Medicina e Pesquisa (Amref). O motivo é a controvérsia de políticas entre a Amref e a ONG Aliança Internacional da Saúde, afirma a assistente de projeto da Amref em Buzi, Otília de Castro Macedo. “A Aliança atua em Beira, a 60 quilômetros de Buzi, e vende as redes mosquiteiras por um preço subsidiado. Nós dávamos as redes”, diz. “A direção de Saúde da província disse que era necessário chegar a um consenso. A decisão foi parar a distribuição até entrar em um acordo com a Aliança para não criar conflitos entre os dois projetos”, afirma. A distribuição ainda não foi retomada. Em Buzi, como em toda a região rural de Moçambique, é praticamente impossível encontrar redes mosquiteiras para comprar. Nas cidades, as redes são vendidas por cerca de R$ 6, em média. Uma vez que mais de 70% da população moçambicana vive em situação de pobreza absoluta, com menos de 1 dólar por dia (cerca de R$ 3), a aquisição de redes mosquiteiras é privilégio dos não-pobres.


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AMBIENTE SOBERANIA ALIMENTAR

Festa mostra valor das sementes crioulas Suzane Durães de Anchieta (SC)

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II Festa Nacional do Milho Crioulo e a Feira Nacional das Sementes Crioulas, realizadas de 21 a 25 de abril, em Anchieta, Santa Catarina, fazem parte da construção de um projeto de resgate das sementes crioulas – variedades rústicas cultivadas e conservadas pelos agricultores de geração em geração. O evento promovido pela Via Campesina a cada dois anos reuniu cerca de 25 mil pessoas de vários Estados e representantes de onze países (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, França, México, Paraguai, Peru, Venezuela e Uruguai) em debates sobre produção agrícola, distribuição e consumo de alimentos, agroecologia e sementes transgênicas. Entre os participantes, o vicepresidente do Bloco Bolivariano Revolucionário de Campesinos e Pescadores da Venezuela, Ramon Vasquez, ligado ao governo de Hugo Chávez, veio conhecer a organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pois o modelo será aplicado na Venezuela. O encontro faz parte da campanha internacional “Sementes: Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade”, idealizada pela Via Campesina. O público participou também de exposições e trocas de sementes, feira de artesanato e de comidas típicas, além de apresentações de música, dança e lançamento de livros.

Divulgação MPA

Organizado pela Via Campesina, evento reuniu 25 mil pessoas que participaram de exposições, seminário e shows

Chávez repudia transgênico mas falta o decreto Lorna Haynes de Caracas (Venezuela)

Encontro integra campanha internacional em defesa das sementes

Durante o evento, duas mil pessoas se inscreveram no Seminário Nacional de Formação Camponesa, onde foram abordados temas como saúde, meio ambiente, Área de Livre Comércio das Américas (Alca), reforma agrária, biotecnologia. Entre os palestrantes, a pesquisadora mexicana, especialista em transgênicos e diretora da organização ambiental ETC, Sílvia Ribeiro, considerou o evento uma forma de conscientização dos agricultores e da sociedade sobre a importância do

resgate das sementes e do consumo de produtos crioulos e orgânicos: “O conhecimento dos pequenos produtores na questão das sementes crioulas é muito avançado”. “As sementes crioulas apresentam alta variabilidade genética e resistência a pragas. A eliminação dessas sementes contribui cada vez mais para a dependência na aquisição das sementes transgênicas”, acrescentou Rubens Nodari, gerente de Recursos do Ministério do Meio Ambiente.

Durante o Encontro para a Solidariedade com a Revolução Bolivariana, dia 13 de abril, em Caracas, Venezuela, a Via Campesina entregou ao presidente Hugo Chávez uma carta solicitando a anulação de qualquer acordo que o governo venezuelano tenha assinado para a produção e comercialização dos transgênicos. Chávez se comprometeu a atender o pedido. Na carta, Rafael Alegría Moncada, secretário-operativo da Via Campesina, manifestou “preocupação e surpresa” com a notícia de que o governo venezuelano havia assinado um acordo com o Brasil para plantio em várias regiões de soja transgênica da Monsanto, com a assessoria da Cooperativa Grão Norte do Brasil, num total de 100 mil hectares, até 2006. Diz a carta que os transgênicos “não só são prejudiciais para a saúde dos povos, mas também pretendem controlar a biodiversidade, desarticular as economias indígenas e apoderar-se do conhecimento humano. Tudo isso sob o controle de umas poucas multinacionais estadunidenses e européias”. Moncada esclarece que a Via Campesina

apóia o processo revolucionário bolivariano, por considerá-lo “legítimo”, mas o julga incompatível com os transgênicos: “A soberania alimentar é o caminho e não a produção e comercialização de organismos geneticamente modificados”. A decisão do presidente Chávez é um marco na luta contra a imposição dos transgênicos por multinacionais como a Monsanto, pois a Venezuela não tem acordo só com o Brasil, mas também com a Argentina, para a troca de petróleo venezuelano por soja transgênica argentina. Igualmente, o Ministério da Agricultura e da Terra da Venezuela estaria planejando usar sementes transgênicas da Monsanto num programa de fomento à produção de algodão. A Venezuela ainda importa milho e soja transgênicos dos Estados Unidos e há dois anos a Procuradoria Geral da República recebeu denúncias de comercialização, no país, de soja e milho transgênicos e derivados. Portanto, além de condenar os transgênicos, é preciso que Chávez assine um decreto presidencial que proíba a importação, produção e comercialização de organismos geneticamente modificados e seus derivados. (Alai,http://alainet.org)

Olga Arnt de Porto Alegre (RS) Cientistas ameaçados, provas roubadas e informações omitidas da opinião pública. Essa é a realidade dos laboratórios de biotecnologia dos Estados Unidos. A denúncia foi feita dia 12 de abril, em Porto Alegre (RS), pelo pesquisador estadunidense Jeffrey Smith, autor do livro Sementes da enganação – as mentiras da indústria e do governo sobre a segurança dos alimentos transgênicos que você está comendo. A convite da Secretaria Agrária do PT/RS e de entidades não-governamentais, o fundador do Instituto pela Tecnologia Responsável, que trabalhou durante dois anos como vice-presidente de marketing na empresa Genetic ID (um laboratório que detecta presença de transgênicos nos alimentos), veio ao país alertar sobre os perigos dos organismos geneticamente modificados (OGMs). Não foi a primeira vez que Smith esteve no Brasil contrapondo a idéia difundida pela indústria da biotecnologia e pelo governo estadunidense de que o consumo de alimentos transgênicos não oferece riscos à saúde e ao meio ambiente. No ano passado, ele participou da audiência pública promovida pela Frente Parlamentar Mista de Biossegurança do Congresso Nacional para debater a revisão da Lei de Biossegurança brasileira. Smith passou os últimos oito anos pesquisando e entrevistando especialistas em biotecnologia. A principal conclusão de seu estudo é que os alimentos geneticamente modificados não são seguros para o consumo humano e podem provocar efeitos colaterais imprevisíveis. De acordo com o pesquisador, muitas das premissas usadas pelas empresas de biotecnologia para suas alegações de segurança têm se mostrado incorretas ou ainda não foram testadas. Smith denunciou que aproximadamente cem pessoas morreram e de 5 mil a 10 mil ficaram seriamente doentes

Juca Varella/Folha Imagem

Pesquisador denuncia manipulação nos EUA

Pulverização de defensivo agrícola em plantação de soja transgênica em Ronda Alta (RS): Jeffrey Smith concluiu que transgênicos não são benéficos para a saúde

ao consumir um suplemento alimentar que continha o aminoácido essencial L-triptófano modificado geneticamente. “Se a doença não tivesse características como surgimento rápido, crise aguda e efeitos raros, o suplemento talvez nunca tivesse sido detectado como a causa das mortes”, sustentou. O pesquisador estadunidense propôs ao Congresso dos EUA medidas para proteger principalmente as crianças dos riscos do consumo de alimentos transgênicos. Também defendeu a criação de uma legislação especial para proteger os agricultores dos riscos da contaminação por polinização cruzada envolvendo transgênicos.

CIÊNCIA CERCEADA Em seu livro, Smith narra o desfecho do estudo preliminar coordenado pelo bioquímico britânico Arpad Pusztai, entre 1995 e 1998, no Rowett Institute for Agriculture, no Reino Unido. A pesquisa foi interrompida após a descoberta de in-

dícios de que o processo de introdução de uma lectina não prejudicial a humanos em batatas (GNA), por modificação genética, poderia ter causado danos em ratos. Os dados sobre a pesquisa foram informados à imprensa de forma errada pelo diretor do instituto, Phillip James, que estava sendo cotado pelo primeiroministro Tony Blair para planejar um órgão equivalente ao FDA - a Agência de Vigilância Sanitária estadunidense – na Inglaterra. Pusztai e um grupo de cientistas chegaram a elaborar uma carta à imprensa, corrigindo os dados. O bioquímico britânico, no entanto, foi proibido de divulgála sob ameaça de ser processado. Além disso, teve cancelado o acesso a todos os dados do seu estudo. Quando Pusztai finalmente se manifestou publicamente, seus estudos foram revisados por 23 cientistas, que concordaram com seus apontamentos. Os resultados, embora preliminares, foram publicados na revista científica Lancet.

Mais tarde, a imprensa denunciou que a Monsanto teria pago 40 mil libras esterlinas ao mesmo instituto antes do pesquisador ser demitido. Smith afirmou estar surpreso com o fato de o Rio Grande do Sul, maior produtor de soja transgênica do Brasil, insistir em produzir o que a maior parte do mercado externo rejeita. Segundo ele, o Brasil é o país que reúne as condições para se tornar o principal concorrente dos Estados Unidos no fornecimento do produto. Por isso, deveria aproveitar a rejeição crescente na Europa e na Ásia dos produtos transgênicos e se consolidar com fornecedor de alimentos não manipulados geneticamente.

BAIXA PRODUTIVIDADE O pesquisador afirmou que as lavouras transgênicas nos EUA têm uma queda de produtividade de 6% ao ano, além de exigir o uso crescente do glifosato. Baseado em laudo do Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA, Smith concluiu que não há como limitar e até

mesmo evitar a contaminação de plantio não transgênico. No Reino Unido, por exemplo, uma pesquisa mostrou que apenas uma safra de cultivo de canola geneticamente modificada foi suficiente para contaminar a área por 16 anos. Citando pesquisas de opinião realizadas nos EUA, Smith afirmou que 58% dos americanos acreditam que não consomem alimentos geneticamente modificados; 50% garantem que se souberem que o produto é transgênico não consomem; e 90% são a favor da rotulagem. Segundo ele, além da profunda influência da indústria na área científica, há também uma forte pressão das empresas de biotecnologia junto aos meios de comunicação. De acordo com o pesquisador, as empresas de biotecnologia investem 50 milhões de dólares por ano para convencer a população sobre as vantagens dos transgênicos. Além disso, paira um grande silêncio sobre o tema na grande imprensa estadunidense.


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DEBATE RUMOS DO GOVERNO

Reformas como afirmação da democracia José Francisco Siqueira Neto Reforma Trabalhista não é um tema novo na agenda política brasileira. Devido a isso, comporta variáveis ideológicas e de finalidades bastante distintas conforme o período examinado. O debate atual sobre as Reformas Sindical e Trabalhista pode ser identificado a partir das propostas apresentadas no contexto das greves do final dos anos 70 do século passado, que impulsionaram o processo de abertura e proporcionaram o advento do chamado “novo sindicalismo” no Brasil. As reivindicações sindicais deste campo naquela época preconizavam a liberdade sindical e o incremento da negociação coletiva. O foco era o rompimento com a estrutura sindical corporativa e com a constrição da ação coletiva aos estreitos limites da legislação consolidada. Vivíamos o auge da satisfação dos empregadores com o padrão trabalhista brasileiro pós “milagre” econômico. As forças de resistência buscavam escapar da armadilha da “paz social”, com a organização dos trabalhadores (liberdade sindical) e da sua ação coletiva autônoma (negociação coletiva). Os conservadores resistiam com a tese da predominância da lei e nada mais. Apesar da força e relevância social dos movimentos referidos, esses não foram suficientes para convencer o constituinte a modificar as regras de limitação e controle da organização e ação coletiva dos trabalhadores. A Constituição de 1988 manteve os princípios corporativistas sindicais. Para compensar, ampliou o rol dos direitos individuais com base nos resultados das negociações coletivas dos setores mais expressivos do país.

Kipper

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Hoje, a grande maioria esclarecida sabe que esse movimento resultou apenas no agravamento da crise do sistema de relações de trabalho que já naquele momento dava todos os sinais de estrangulamento. Mais do que isso, ficou evidente que a “compensação milagrosa” lastreada na manutenção de entidades sindicais pulverizadas e sem representação, apenas enfraqueceu os direitos individuais (em juízo ou fora dele).

Entretanto, superada a fase de ascensão dos movimentos sindicais, com a Constituição de 1988, entramos na fase da recuperação conservadora por meio das teses “neoliberais”. Passamos então a discutir a reforma trabalhista (não se discutia a sindical) sob a lógica da desregulamentação de direitos. No primeiro momento tentaram revogar alguns direitos diretamente. Com o fracasso da iniciativa ante a forte resistência

da sociedade organizada, retomaram a discussão por meio da “valorização da negociação coletiva”. Ou seja, da revogação da legislação trabalhista pela “livre vontade dos sindicatos” (fracos, sem representatividade, enfim, perfeitos para a tarefa). As “determinantes” desta empreitada foram as diversas fórmulas mágicas que desfilaram pelo período (flexibilidade, custo Brasil, comissões de conciliação prévia, terceirização etc) embaladas pelas cantilenas apologéticas do mercado e do poder virtuoso das empresas e do poder econômico. O governo Lula redefiniu o rumo das discussões com dois movimentos significativos. Primeiro retirou da pauta de votação do Congresso todos os projetos que consagravam a precarização do Direito do Trabalho. Em seguida, constituiu o Fórum Nacional do Trabalho, estruturado de forma tripartite para discutir as Reformas Sindical e Trabalhista. Com isso, demonstrou claramente que Reforma Trabalhista não é sinônimo de diminuição de direitos, e que a Reforma Sindical deve anteceder à Reforma Trabalhista. Mas acima de tudo, demonstrou que as Reformas Sindical e Trabalhista são importantes e necessárias para o aprofundamento da nossa democracia e da melhoria das relações de trabalho, que no limite é o paradigma dos “nãocapitalistas”. Muitos são os argumentos favoráveis às Reformas Sindical e Trabalhista sob a ótica da democracia, especialmente a participativa. Vou apontar os sete resultados mais relevantes que elas podem proporcionar: 1) o aprofundamento do dialogo social que somente se viabiliza com entidades sindicais fortes, representativas e organizadas preferencialmente em âmbito

nacional; 2) o rompimento com a tradição autoritária do corporativismo sindical, com a conseqüente abertura de espaços para a participação dos trabalhadores nas relações de trabalho; 3) o fortalecimento das entidades sindicais para assegurar o fortalecimento do direito do trabalho; 4) o impulso da negociação coletiva em todos os níveis e âmbitos, possibilitando a estruturação de políticas de distribuição de renda mais efetivas; 5) a inserção de novos direitos trabalhistas decorrentes da valorização dos direitos da personalidade e da incorporação de novas tecnologias; 6) a melhoria da ação e intervenção do Estado na fiscalização trabalhista; 7) a diminuição de conflitos promovida pela ação preventiva da negociação coletiva. Assim, as Reformas Sindical e Trabalhista no contexto atual buscam representar uma mudança não somente legislativa, mas sistêmica das relações de trabalho. Uns são naturalmente contrários por convicção ideológica. Outros, por desconfiança política. Esses últimos não acreditam que o aprofundamento da democracia trabalhista possa se dar pelas reformas em questão. Insistem na tese da continuidade de governo. Também este tipo de comportamento não é novo. Entendo que as reformas são necessárias e importantes para o futuro da democracia no país, assim como entendo que o processo não será fácil e sem resistências. Faz parte da luta política. Recusar o processo de discussão equivale a renunciar a disputa política. José Francisco Siqueira Neto, advogado, mestre e doutor em Direito, professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Coordenador Técnico do Fórum Nacional do Brasil.

Mudar para que tudo fique como está Luís Carlos Moro racemos um paralelo da Reforma Sindical com duas figuras da história, uma da literatura universal e outra da política brasileira. A personagem literária é o príncipe Fabrizio Salina, criação do gênio de Giuseppe Tommasi de Lampedusa, que, no livro O Leopardo, dizia ao sobrinho Tancredi que “é preciso que tudo mude para que permaneça como está”. De outro lado, o general João Batista de Oliveira Figueiredo, que, em 15 de março de 1979, quando assumiu a Presidência da República, disse: “Reafirmo: é meu propósito inabalável (...) fazer deste país uma democracia”. A Reforma Trabalhista evoca as duas comparações: uma, a partir da constatação de que a cúpula do movimento sindical, objeto da reforma, está circunstancialmente ocupando os mais elevados postos do poder da República. Assim, se reforma houver, que mude tudo, desde que o poder permaneça com quem está. E, de outro lado, há, no fundo, a necessidade de fazer frente à promessa eleitoral, como se o presidente Lula tivesse dito: “É meu propósito inabalável (...) fazer do sindicalismo um movimento autônomo e livre neste país.” No entanto, nem Figueiredo fez do país uma democracia, nem tampouco a reforma do governo Lula nos trará um sindicalismo autônomo e livre. E a julgar pela proposta, é possível duvidar que conheça o conteúdo da sua promessa. Na realidade, jamais conheceu um ambiente de

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liberdade sindical. Foi gestado no sindicalismo que agora se identifica como objeto da reforma. O TRABALHO DO FÓRUM

Liberdade e autonomia, ao revés, é o que não teremos, a considerar o quanto consta do Relatório Final da Comissão de Sistematização do Fórum Nacional do Trabalho em relação ao trabalho dos grupos de organização sindical, negociação coletiva e sistema de composição de conflitos. A elite do sindicalismo foi convocada para protagonizar o processo de Reforma Sindical. Ao invés de ser o objeto da reforma, foi transformada em sujeito dela. Natural que os interesses das cúpulas ali representadas fossem supervalorizados e que suas verdadeiras feridas não fossem tangidas. Sucede que, quando o objeto a ser reformado passa a ser o artífice da reforma, nada se forma. Deforma-se. O que se extrai dessa inversão é, além do reconhecimento das centrais (que era de esperar que ocorresse), uma “centralização do sindicalismo”, cujo eixo de poder passa a ser não a deliberação da assembléia das entidades de base, mas a resolução das cúpulas sindicais. A minoria dos representantes supera, em poder, a maioria dos representados. NOVOS PARADOXOS

Os paradoxos não se limitam a isso: o relatório apresenta inconsistências, que podem ser identificadas como de três espécies – da dinâmica, do resultado técnico e das conseqüências políticas do

relatório do Fórum Nacional do Trabalho. Quanto à dinâmica do Fórum, há que se reconhecer o esforço de se estabelecer uma suposta mesa de negociação, prévia à remessa do projeto ao Congresso. Tentou-se formar um suposto “consenso” em uma matéria em que o dissenso é da sua natureza. A solução, então, foi artificializar o consenso, transformando fração em todo. E isso o que é, senão totalitarismo? De outro lado, ao suprimir o dissenso, centrou-se o consenso no fortalecimento dos incluídos no Fórum, deixando ao largo das discussões toda a base representada pelos dirigentes. Não fosse isso bastante, houve ainda o fracionamento da discussão, de modo que não nos foi possível vislumbrar o conteúdo ideológico de todo o projeto para o mundo do trabalho no Brasil. Um terceiro aspecto a observar é que, atribuindo ao resultado desse trabalho a condição de produto de um suposto “consenso” dos atores sociais envolvidos, o que se pretende é, na realidade, retirar do Congresso a possibilidade de que as questões decorrentes do projeto a ser apresentado sejam sujeitas a novas discussões. MÁSCARA OU MAQUIAGEM?

Como entender a inversão do sistema sindical, em que as reuniões de cúpula terão supremacia sobre as assembléias de base? Como aceitar que não haja a explicitação de como será a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho? Como entender que o sindicalismo supostamente autônomo possa ter

estatutos heterônomos? Como admitir a previsão da legitimidade derivada da central e a suposta legitimidade comprovada pela entidade de base, com o critério de filiação de 20% dos trabalhadores da base? E o poder de vida e morte dos sindicatos? Seria melhor atribuir outros adjetivos: legitimidade mascarada e legitimidade maquiada! A legitimidade maquiada (comprovada) é aquela edulcorada pela adesão enorme ao empréstimo consignado em folha, cujos índices de juros “incentivam” a filiação ao sindicato. Os sindicalizados, assim, não aderem ao movimento, mas são apenas neodevedores. Não aderem ao sindicalismo pela causa, mas pela cominação da dívida pessoal. Por outro lado, os 20% exigidos correspondem a um índice de filiação que não se encontra nem mesmo no avançado sindicalismo europeu. No Brasil, não seria exagero afirmar que somente o incentivo dos empregadores seria capaz de filiar tanto. Eis o sindicalismo de legitimidade não comprovada, mas maquiada. Não se visa legitimidade real. Mas um número percentual cabalístico que só se implementa mediante a artificialização do movimento sindical. A legitimidade mascarada é imposta pelas centrais, por meio do critério de legitimidade derivada. Contrariando a regra da derivação do poder popular apenas pelo povo, pelo sistema democrático representativo, institui-se uma espécie de método “autocrático apresentativo” da liderança sindical escolhida pela central.

Quanto à questão financeira, embora haja o anúncio do fim do “imposto sindical”, o que temos agora é o tributo sindical. Ambos, porém, têm idêntica natureza jurídica tributária. E a taxa, artificialmente elevada pelo “consenso” dos credores (sindicatos e empregadores, nestes inclusos os bancos), acaba resultando em algo que representa em torno do quádruplo do que hoje temos como compulsório. A esperança, porém, não termina no trabalho do Fórum. O que se imagina é a possibilidade de que esse debate seja mais amplo e democrático, no Congresso, cujas autoridades devem cuidar para que haja efetiva participação popular no processo legislativo. Porque participação popular, seguramente, haverá no próximo processo eleitoral. Esse o efeito político positivo que se espera deflagrado. O Brasil precisa livrar-se de antinomias. Deixar de ser um país onde, no mundo do trabalho, não há trabalho. E, quando trabalho há, é mais ilícito (outros preferem dizer informal) do que lícito. E, mesmo no trabalho lícito, o que há é trabalho extraordinário em excesso. Em suma, os poucos que trabalham legalmente fazem-no mais do que a lei permite. Os muitos que trabalham ilicitamente são usados como exemplo para a legalidade futura. É preciso que se resista, pois, contra essas incongruências. Caso contrário, estaremos mudando tudo, a fim de que tudo permaneça tal como se encontra. Luís Carlos Moro é advogado


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA CEARÁ

VIOLÊNCIA SEXUAL Dia 30, das 8h às 17h O evento é promovido pelo Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza e pelo Programa de Atenção à Violência Sexual (Pavas), para discutir o atendimento a vítimas de violência sexual. Local: Av. Dr. Arnaldo, 715, Cerqueira César, São Paulo Mais informações: (11) 3066-7787

DISTRITO FEDERAL MEU PRIMEIRO VOTO CONSCIENTE Até 4 de maio Campanha promovida por entidades que trabalham com jovens para sensibilizar adolescentes a realizar o cadastro eleitoral, cujo prazo final é dia 5 de maio. A Semana de Sensibilização vai até dia 4, marcado como o Dia “D” da Democracia, com mobilizações em diversas cidades do Ceará. A campanha é realizada pelas entidades Cáritas Brasileira Regional Ceará, Instituto de Juventude Contemporânea (IJC), Rede de Jovens do Nordeste e Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Local: Em Fortaleza, o encerramento será na Pça. do Ferreira, das 8h às 18 h. Mais informações: (85) 253-6998, (85) 247-7089 pca@fortalnet.com.br, I SEMINÁRIO ANOTE DE COMUNICAÇÃO 11 e 12 de maio O tema central será “A cobertura dos movimentos sociais pela mídia”. Dia 11 haverá participação do jornalista Elson Faxina, que fará a palestra “Movimentos sociais: Um espaço de atuação a ser explorado pelos comunicadores”. Em seguida, os convidados Ronaldo Salgado, professor do Curso de Comunicação Social da UFC, e Edgard Patrício, da ONG Catavento, contextualizarão a temática discutida no âmbito estadual. Dia 12, o palestrante será José Arbex Jr., do Conselho Editorial do Jornal Brasil de Fato. Arbex fala sobre “Brasil de Fato e Caros Amigos: um novo modelo de comunicação?”, com comentários de Agostinho Gósson, da Rádio Universitária; e Pe. Lino Allegri, coordenador da Anote. O Seminário é voltado para os interessados em discutir a relação entre os meios de comunicação de massa e os movimentos sociais. As palestras terão início sempre às 19 horas. O evento é patrocinado pela ONG Fase, do Rio de Janeiro, e tem como parceiros Adital, Coordenadoria de Comunicação da UFC e Sindjorce. Local:Auditório Castelo Branco, Universidade Federal do Ceará (UFC), Av. da Universidade, 2853, Fortaleza Mais informações: (85) 272-3100, anote@anote.org.br

GOIÁS 4º FESTDANÇA De 29 de abril a 2 de maio O evento, conhecido como o maior festival de dança do Centro-Oeste, é promovido pela Associação

4ª SEMANA SOCIAL BRASILEIRA De 6 a 9 de maio Organizada pelas pastorais sociais e organismos da CNBB, a semana pretende atualizar o diagnóstico da realidade brasileira no contexto da economia globalizada a partir de diversos pontos de vista econômico, político, social e cultural. Sob o tema “Articulação das forças sociais, participando na construção do Brasil que queremos”, o evento quer identificar os principais desafios dos movimentos sociais, das igrejas e organizações populares, além de estabelecer linhas gerais, prioridades e compromissos conjuntos para ações políticas, sociais e pastorais. Local: SE/Sul, quadra 801, conjunto B, 70401-900, Brasília Mais informações: (61) 313-8323, pastoralsocial@cnbb.org.br, www.cnbb.org.br

Goiana de Dança Artística Acadêmica (Unidança). Os grupos e academias de dança de todo país podem participar com coreografias nas modalidades: balé clássico de repertório, clássico livre, neoclássico, moderno, contemporâneo, jazz, street dance, estilo livre, danças populares e sapateado. Em 2004, o festival que promove um concurso com direito a premiação, cursos e apresentações vai reunir profissionais de projeção nacional e internacional. Local: Studio Dançarte, R. 22, 278, Goiânia Mais informações: (62) 285-4389, (62) 9611-8302

RIO DE JANEIRO DIA DA BAIXADA FLUMINENSE 30 de abril O dia 30 de abril se refere à inauguração da primeira estrada de fer-

ro do Brasil, que começou a funcionar em 1854, ligando o Porto de Mauá – Guia de Pacopaíba à região de Fragoso, no pé da serra de Petrópolis. Entre as inúmeras atividades para marcar a data, acontecerá a entrega do Prêmio Baixada, em sua quarta edição. Local: Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, R. General Manoel Rabelo s/nº, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2671- 7202, forumbaixada@bol.com.br, pinbauerj@yahoo.com.br

RIO GRANDE DO SUL CONGRESSO – DIREITO AMBIENTAL

De 18 a 21 de maio Ambiente e Direito é o tema central do 1º Congresso Internacional Transdisciplinar e do 6º Seminário de Direito Ambiental, promovidos pelo Núcleo de Estudo e Pesquisa

Não foi por acaso

Ambiente e Direito da Faculdade de Direito da PUC-RS. O objetivo do Congresso é integrar diversas áreas do conhecimento ligadas à questão ambiental, como educação ambiental, cidade e sustentabilidade, ética, ecossistemas e biodiversidade, atividade empresarial e responsabilidade ambiental. Durante o evento serão realizados painéis, conferências, oficinas, testemunhos e exposições. Devem participar autoridades, acadêmicos e entidades da sociedade civil e do poder público da Alemanha, Portugal, Espanha, Argentina e França. As inscrições feitas até o dia 30 de abril têm desconto. Local: Centro de Eventos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Av. Ipiranga, 6681, Porto Alegre Mais informações: (51) 3320-3680, proex@pucrs.br

SANTA CATARINA O atentado (terrorista?) de 11 de setembro de 2001, em Nova York, que atingiu e destruiu um dos mais representativos totens do sistema financeiro estadunidense, as torres gêmeas do WTC, não é, na opinião de Michel Chossudovsky, um fato absurdo e isolado. Ao contrário, encaixa-se perfeitamente na lógica da expansão imperialista dos Estados Unidos. Com o argumento de combater o terrorismo, o imperialismo militariza as regiões do mundo buscando a sua consolidação. Promovida tanto pela guerra quanto pela imposição de reformas econômicas asfixiantes, a expansão das fronteiras do sistema de mercado global objetiva a transformação de todos os territórios em áreas de livre comér-

cio, abertas à livre penetração das empresas, principalmente das gigantes do petróleo e da indústria bélica. Diante de tamanho poder econômico e militar, há algo que possa ser feito? CONFIRA Guerra e globalização Michel Chossudovsky 192 páginas, R$ 8 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista, São Paulo – Tel. (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br

SEMINÁRIO – MOVIMENTOS SOCIAIS, PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA De 26 a 28 de maio A atividade, em comemoração aos 21 anos do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais/ UFSC, é promovida pelo Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais/UFSC, e pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política/UFSC Local: Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário, Acesso Trindade, setor D, Florianópolis Mais informações: npms@cfh.ufsc.br

SÃO PAULO FÓRUM PAVAS DE

OLHAR SÃO PAULO NOS METRÔS Até junho A ONG ImageMagica propôs a mais de 800 jovens paulistanos oriundos das cinco regiões da cidade que fotografassem a cidade utilizando uma antiga técnica, que usa latas como câmeras. A exposição itinerante apresenta a visão dos jovens sobre a metrópole. Entrada gratuita. Local: Estação do metrô Tatuapé (mês de abril); estação do metrô Ana Rosa (maio); estação do metrô República (junho), São Paulo Mais informações: (11) 3224-6008 ou 7834-7932 PROJETO CLÁSSICOS DO DOMINGO Aos domingos, às 11h30 Promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, durante o evento haverá apresentações gratuitas de música erudita em maio. O projeto mantém a tradição dos concertos dominicais, que valorizam jovens talentos da música erudita brasileira, tanto intérpretes quanto compositores, além de artistas já consagrados. Entrada franca Local: Sala Jardel Filho, R. Vergueiro, 1000, São Paulo Mais informações: (11) 3277-3611, imprensaccsp@prefeitura.sp.gov.br OS FAVORITOS DA CATIRA 29 de abril, a partir das 12h30 Apresentação do grupo Os Favoritos da Catira, formado há mais de 15 anos. As apresentações destacam a simplicidade do “caipira”, misturando a cultura nacional com a sertaneja. A catira é uma autêntica dança brasileira, de nome e origem indígena, com sapateado executado em sincronia ao som de palmas e violas. A dança é conhecida como cateretê e praticada no interior do Brasil, especialmente nos estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, e, em menor escala, no Nordeste. O evento, organizado pelo Sesc do Carmo, tem entrada gratuita. Local:R. Roberto Simonsen, 22, Centro, São Paulo Mais informações: (11) 3105-9121, renato@carmo.sescsp.org.br


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CULTURA

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TELEVISÃO

Lixo cultural prejudica público infantil da Redação

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oje, o excesso de violência tornou-se banal nos programas de televisão e jogos eletrônicos importados, consumidos pelo público infantil latino-americano, e, em especial, o brasileiro. A preferência de emissoras de televisão por produções de fora, em especial o lixo audiovisual dos Estados Unidos e do Japão, constitui uma ameaça à identidade cultural das crianças, por tratar-se de programas carregados de uma violência fora de seu contexto social. A influência da violência da televisão em meninos e meninas foi tema de análise dos participantes da 4ª Cúpula da Mídia para Crianças e Adolescentes, realizada no Rio de Janeiro na semana passada. Cerca de dois mil especialistas, pesquisadores, educadores, dirigentes de organizações não-governamentais e produtores discutiram formas de melhorar a qualidade da comunicação dirigida à infância e adolescência, analisaram seus problemas e trocaram experiências. Realizada pela primeira vez na América Latina, a cúpula questionou um mercado internacional em que os países em desenvolvimento apenas são consumidores de “lixo” audiovisual, exportado principalmente por Estados Unidos e pelo Japão, segundo Claudius Ceccon, integrante do comitê diretor do encontro. “Temos capacidade de produção e as crianças do Primeiro Mundo têm direito a conhecer nossa diversidade cultural, até mesmo para que os produtos brasileiros e latino-americanos tenham acesso a outros mercados”, disse. Ceccon criticou duramente o “lixo que as produtoras, especialmente as estadunidenses e japonesas, impõem a preços muito baixos às televisões de países em desenvolvimento”. Também os programas infantis brasileiros, como os da apresentadora e cantora Xuxa, são “pura publicidade do consumismo, da venda de roupas e sandálias”. Mas é possível criar mecanismos de defesa. Um exemplo são os conselhos representativos da sociedade, para que os meios de comunicação contribuam para o desenvolvimento da infância.

CONSUMO VERSUS LAZER Patricia Edgar, presidente da Fundação de Cúpulas de Mídia para Crianças, também condena a maior parte da programação infanto-juvenil, baseada no consumo e que visa exclusivamente a venda de produtos e não o desenvolvimento das crianças. “Os comerciantes já perceberam o quanto é lucrativo o mercado infantil e o quanto as crianças têm poder. Elas pedem, os pais compram. Isso força a criação repetitiva de versões diferentes de personagens estilizados, idealizados na base da venda dos produtos derivados deles”, diz. A psicanalista Ana Olmos vai além, ao definir a programação da TV aberta como “extremamente nociva ao desenvolvimento das crianças e dos adolescentes”. Apesar de reconhecer a importância da SAIDEIRA

Fotos: Divulgação

Especialistas alertam para a banalização da violência na TV e para estratégias de incentivo ao consumo

Adolescentes defendem acesso à informação Trabalhem conosco, não para nós. Queremos, sim, uma mídia de todos, uma mídia para todos, mas, principalmente, uma mídia por todos. Este foi o recado que os adolescentes deixaram para os participantes da 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes. No final do encontro, eles divulgaram uma declaração em que defendem a democratização da informação e do uso dos meios de comunicação. No documento, alertam os governos “de que antes de globalizar nosso discurso, temos que globalizar o acesso à informação. E se vamos unir esforços de vários povos para que isso aconteça, mais do que modificar a mídia, vamos usá-la para acabar com a violência, a miséria e o difícil acesso à educação”. Os adolescentes lembram o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, referente à liberdade de opinião e expressão, para exigir a regulamentação dos meios de comunicação de massa e a criação, pela sociedade, de conselhos de ética, que entre outras coisas recebam denúncias e sugestões do público sobre abusos cometidos. Sugerem também a pressão para que os anunciantes não financiem programas considerados de baixa qualidade pelas denúncias do público. O documento acena para a sensibilização dos comunicadores para que possam oferecer um melhor tratamento das notícias e informações que produzem sobre e para crianças e adolescentes, de forma que evitem a difusão de estereótipos que associem as crianças e adolescentes ao consumo e padrões alheios à sua realidade ou à criminalidade e à violência. Grupos participaram de fóruns na 4ª Cúpula de Mídia para Crianças e Adolescentes, no Rio de Janeiro

TV para o crescimento e a formação, Ana considera que a atual programação não consegue estimular a capacidade de pensar do público infanto-juvenil e que, ao vender produtos, idéias e atitudes, cria uma dependência baseada na violência. “Por conta de uma grande exposição à TV, as crianças e os adolescentes têm, hoje em dia, respostas mais emocionais do que racionais e mais impulsivas do que reflexivas. Diante disto, perdem a capacidade de pensar, de estabelecer relações e de fazer deduções. A TV cria estereótipos que negam a realidade”, condena.

CÓDIGO DE ÉTICA Ressaltando que, no Brasil, a TV é uma concessão pública, passível portanto de um código de ética, Ana ressalta a necessita de limitar

o número de horas que as crianças passam em frente à televisão. “A TV é o principal lazer das crianças das classes mais pobres. Por conta disto, a sociedade deve exigir, de uma vez por todas, uma programação de qualidade, especialmente para a TV aberta”. Há dois anos, uma pesquisa realizada com crianças de oito países, de 7 a 13 anos, chamada “TV, como te quero?”, mostrou o desejo de que a TV inclua em sua programação conteúdos que favoreçam a construção de um mundo mais justo, solidário e igualitário. Feita na Itália, Canadá, Grécia, África do Sul, Índia, Chile, Argentina e Uruguai, com seis mil crianças e análise de 2.744 trabalhos, a pesquisa mostrou que os pequenos espectadores têm uma relação afetiva com a televisão e acreditam que possa ser também

um veículo de homogeneização da comunicação, disseminando a paz.

FALTA DE DEMOCRACIA “Sem espaço para a criação individualizada da arte não há mídia democrática”. A análise é da escritora Ana Maria Machado, ganhadora do prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel Infantil. Ela vê um grande perigo na programação infantil num mundo globalizado, que se limita a repetir e reproduzir produtos estereotipados e recusa visões e linguagens diferentes, “acabando por reforçar atitudes e comportamentos preconceituosos, principalmente quando se dirige a crianças e adolescentes”. Alertando para a inexistência, hoje, de um “olhar sobre o outro”, a escritora deu exemplos. “Nos Estados Unidos, em cerca de 6 mil novos

títulos de livros infantis publicados por ano, menos de 1% é escrito originalmente numa língua diferente do inglês. Nenhuma universidade muçulmana inclui uma cadeira de assuntos ocidentais. Mesmo quando há interesse por outra cultura, a tendência é de valorização do exótico. Qual será a formação de crianças e adolescentes sobre o que existe fora de suas fronteiras?”, indaga. Ana Maria contrapõe mídia e arte. “Enquanto a mídia tende a ser redutora, o caminho da arte busca abrir horizontes. Enquanto uma fortalece o comum, a outra ressalta o que cada um pode ter diferente. Se é inegável que o alcance da mídia pode ser muito maior, também é verdade que esse processo será frustrado se não garantir a possibilidade de que muitas vozes sejam ouvidas”. NOVAES


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