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Ano 2 • Número 62

R$ 2,00 São Paulo • De 6 a 12 de maio de 2004

Movimentos cadastram desempregados

Lançamento da campanha nacional pelo emprego, no Rio de Janeiro, para cobrar mudança na política econômica do governo e postos de trabalho

Plano amplia ofensiva na Colômbia A violenta repressão policial a uma marcha popular realizada em Bogotá, dia 1º, foi um sinal da já declarada intenção do governo colombiano de romper o diálogo e ampliar a ofensiva

Deputados articulam apoio a palestinos Deputados federais brasileiros que integraram uma delegação oficial à Palestina pretendem organizar uma rede de parlamentares latino-americanos para apoiar a luta do povo palestino e a pacificação do Oriente Médio. A delegação voltou dia 25 de abril e, segundo o deputado Jamil Murad (PCdoB-SP), coordenador do grupo, vai elaborar um documento condenando a violência do governo de Israel e a construção de um muro de 700 quilômetros para isolar os territórios da Palestina. De acordo com Murad, a barreira é uma agressão digna de um regime fascista. Pág. 11

Mural de Chiapas é reproduzido em festa zapatista Em um evento cultural, em São Paulo, dia 28 de abril, para comemorar os 20 anos do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e os 20 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dezenas de artistas anônimos e solidários à causa zapatista começaram a pintar a versão brasileira do Mural de Taniperla. A tela de lona reproduz o mural feito por indígenas de 12 comunidades tzetales e destruído, em 11 de abril de 1998, por uma violenta operação militar no município zapatista autônomo Ricardo Flores Magón, no Estado de Chiapas, no México. Há pelo menos 30 reproduções do painel em 11 países. Pág. 16

às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e a outras organizações populares. Por meio do Plano Patriota, o presidente Álvaro Uribe dá nova força ao Plano Colômbia, fi-

Jorge Uzon/AFP

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m 1º de maio, no Rio, foi lançada uma campanha nacional de cadastramento de desempregados, iniciativa da ONG Ação da Cidadania, apoiada pela Coordenação dos Movimentos Sociais. O objetivo é mobilizar os sem-emprego para lutar por seu direito ao trabalho, ação que se soma a iniciativas como a do advogado Aton Fon Filho, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares, que defende o direito constitucional ao trabalho, desrespeitado pelo Estado brasileiro; e o Desemprego Zero, que propõe a mudança do modelo econômico como única alternativa de gerar emprego no Brasil. Esse modelo, continua fazendo estragos: no primeiro trimestre, o governo produziu um superavit fiscal vergonhoso e, nem por isso, optou por um aumento real digno ao salário-mínimo, do qual dependem milhões de brasileiros. O desemprego aumentou e cresceram as remessas de lucros ao exterior. Págs. 3 e 7

Fábio Motta/AE

Com a bandeira “O Brasil quer trabalhar”, movimentos sociais intensificam luta contra o desemprego em todo o país

nanciado pelos Estados Unidos, que, sob o pretexto de combate ao narcotráfico, visa explorar riquezas naturais da Venezuela e do Equador. Pág. 9

Só pressão política pode mudar modelo econômico A democracia brasileira está em xeque e o resultado das urnas é que pode indicar mudança na política econômica do país. Essa é a avaliação do economista Márcio Pochmann, que critica as ações do governo para conter o

aumento da miséria e da concentração de renda. Para Pochmann, a ausência de programas para toda a sociedade é responsável pela “nova aliança política entre os ricos e os pobres”. Pág. 8

Leilão ameaça reservas petrolíferas do país Licitação de áreas mapeadas pela Petrobras está sendo considerada “estratégia suicida do governo”. Para Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), no mercado interno as

reservas vão durar 25 anos, mas, exploradas por estrangeiros, se esgotam em dez anos. Dia 10, a ABI, o Movimento em Defesa da Economia Nacional e a Aepet farão mobilização contra o leilão. Pág. 6

Mexicanos protestam contra o rompimento do governo com Cuba

E mais: ENERGIA - Mudanças do governo atual para o setor elétrico ainda atendem aos interesses privados por lucro e deixam o país vulnerável ao risco de um novo apagão. Pág. 5 ÁFRICA - Presidente reeleito da África do Sul, Thabo Mbeki fala do exercício democrático no país marcado pela dominação européia e pelo apartheid. Analistas questionam a eficácia da oposição política, tendo em vista a reeleição do mesmo partido pela terceira vez. Pág. 12 DEBATE - Peter Rosset, especialista em agroecologia, vê na expressão de organizações camponesas a reação ao avanço da globalização econômica sobre o campo e a soberania alimentar. Pág. 14

MST alfabetiza cinco mil em Pernambuco

Pág. 4

Fórum discute outra periferia possível em SP

Pág. 6

Monsanto faz barganha com agricultores

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De 6 a 12 de maio de 2004

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

��� • Editor-chefe: Nilton Viana ���• Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ���• Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ���• Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles ���• Ilustradores: Agê, Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 5555 Natália Forcat, Nathan, Novaes, Ohi ���• Editor de Arte: Valter Oliveira Silva ���• Pré Impressão: Helena Sant’Ana ���• Revisão: Dirce Helena Salles ���• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Bruno Fiuza e Letícia Baeta 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

Bush avança. E encontra resistência

O

s Estados Unidos aprofundam e intensificam sua presença militar e estratégica na Amazônia. Agora, o Comando Sul das Forças Armadas estadunidense vai implementar o Plano Patriota, que prevê a mobilização de pelo menos 15 mil soldados do Exército colombiano e a criação de um Centro de Treinamento Nacional, em plena selva. Os soldados serão especialmente treinados para caçar os combatentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc); o centro de treinamento garantirá a permanência das tropas no local. Os sinais de que a Casa Branca aperta o cerco foram dados no final do ano passado, quando o governo equatoriano anunciou a captura, em Quito, de Ricardo Palmera, ou Simón Trinidad, um dos mais importantes integrantes das Farc. A prisão de Palmera já foi um primeiro resultado da ação conjunta dos serviços de informação dos Estados Unidos, Equador e Colômbia, e anunciou um dado novo: o envolvimento direto do governo equatoriano no conflito. Não por acaso, o Plano Patriota prevê a integração do Exército equatoriano, encarregado de vigiar a fronteira norte da Colômbia, com a bênção do presidente e coronel Lucio Gutiérrez. Trata-se, portanto, da regionalização do Plano Colômbia. O sentido estratégico dessa operação só pode ser plenamente entendido

quando se leva em conta a recente invasão militar do Haiti pelos Estados Unidos. O resultado final das duas intervenções combinadas será assegurar às tropas estadunidenses o controle direto de toda a região geográfica, terrestre e marítima, em torno de Cuba e da Venezuela, dois inimigos mortais do governo Bush e do neoliberalismo. Não se trata de mera especulação, mas de um fato geopolítico denunciado pelo presidente Hugo Chávez, em discurso pronunciado no último domingo. Mas Bush encontra resistências. Na Colômbia, o presidente Álvaro Uribe não consegue impor nenhuma derrota séria às Farc e enfrenta grandes manifestações de rua contra seu governo. No Equador, além da tradicional e persistente resistência dos povos indígenas, há descontentamento de setores das Forças Armadas pouco dispostos a cumprir o papel de cão de guarda da Casa Branca (muitos oficiais de médio escalão participaram do movimento nacionalista que tomou o palácio presidencial, no início do ano 2000, depois traído pelo coronel Gutiérrez). Na Venezuela, a oposição burguesa a Chávez mostra-se incapaz de articular um plano com chances reais de tomar o poder; em contrapartida, a população mais pobre mostra um apoio coeso ao governo. Bush enfrenta, além disso, o

“fator Iraque”: a extraordinária e heróica resistência do povo iraquiano impõe baixas ao Exército estadunidense e faz ressuscitar o fantasma do Vietnã. Isso, obviamente, cria constrangimento à ação da Casa Branca na Amazônia. É profundamente lamentável e desastroso que, nesse quadro, Bush receba a preciosa ajuda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que se prontificou a liderar a “força internacional de paz” para a “reconstrução do Haiti”. Em bom português, Lula contribui para dar credibilidade à farsa que procura justificar a presença de tropas estadunidenses na ilha Espanhola, estrategicamente situada ao lado de Cuba. Aos povos do Brasil e da América Latina, resta a imperiosa e urgente tarefa de manter a mobilização contra os planos imperialistas e, nesse quadro, exigir que o Brasil desista da vergonhosa tarefa que se dispôs a cumprir. O Brasil de Fato se soma à campanha de dezenas de entidades de direitos humanos e movimentos sociais do Brasil que farão um ato, dia 13, contra o envio de tropas ao Haiti. Defendemos, juntamente com os movimentos e organizações que compõem a campanha, o envio de médicos, agrônomos, sementes e ferramentas porque, essa sim, é a ajuda que o povo do Haiti nos pede.

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES PLANTANDO ESTRELAS A primeira-dama mais simples da história do Brasil, dona Marisa da Silva, não pode plantar uma estrela no seu jardim palacial, como Gonçalves Dias plantou em seus poemas, e como os autores do hino nacional brasileiro plantaram nos seus versos históricos... Não, a dona Marisa não pode. Se fosse neoliberal, nazista, militarista, punk podia, mas, de um PT eleito pelo povão esperançoso, ah, isso não, é... feio... revanchismo... é brega... cafona.Veja a que ponto chegamos, numa democracia frágil. Não, estrela do PT é pecado, benza-Deus, a dona Marisa não pode fazer isso. Mas a Rede Globo inventar um janota boçal Collor corrupto para plantar lá, pôde. E um bando de eleitores-amebas, todos votaram nele, ilustres nadas e ninguéns do curral reacionário. Não, a dona Marisa plantar estrelas, não pode. A Folha de São Paulo plantar denúncias à exaustão contra o PT, sendo desleal (como não foi com o incompetente PSDB), pode. Tudo o que o PT fizer é usado de forma leviana, infame, contra ele, por nadica de nada. O medo da esquerda? Alca? Não! Base de Alcântara pró NASA? Não. Plutônio enriquecido com know-how tupiniquim? Deus-o-livre! A Amazônia é nossa? E só esperar eles devolverem... Falta do que fazer de parte tendenciosa da imprensa marrom vendida? O PT não pode isso e nem aquilo. A estrela do PT não pode. Tudo menos isso. Nem o boné do MST. Silas Corrêa Leite por correio eletrônico

MADE IN USA Em nome de que lei, de que moral, de que sociedade eles se permitem praticar tantas crueldades? Invadem, matam, queimam e desterram. Intitulam-se os detentores dos valores éticos, econômicos e morais do ocidente e do mundo, atropelam e ignoram todos aqueles que não são a favor de sua política imperialista. Sofrem incondicionalmente de despotismo generalizado e síndromes de perseguição, podendo posar facilmente de vítimas perante toda a população mundial. Atiram primeiro e perguntam depois, fazendo com que a sociedade da ciência, da tecnologia e, antes de tudo, do capitalismo, retorne aos tempos de barbárie e irracionalidade, onde a única diplomacia é o ataque, e a única mercadoria de valor é o dinheiro, provindo, dentre outras formas, do suor e do sangue derramados pela população mais pobre da América Latina e do mundo... E agora querem defender o Iraque dos próprios iraquianos, demonstrando mais uma vez o verdadeiro espírito do capitalismo imperial. Anderson Aparecido Lima da Silva por correio eletrônico ERRAMOS O autor do artigo “Credores riem e pobres lutam para sobreviver”, página 5, edição 61, padre Alfredo Gonçalves, é vigário da paróquia de São Bernardo do Campo, e não coordenador do setor Pastorais Sociais da CNBB.

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CRÔNICA

Segunda-feira: dia de explicações Juarez Soares

A história se repete todo o início de semana: são os técnicos, esses maravilhosos equilibristas, que seguem dançando na corda banda. Regida pela batuta dos resultados, essa formidável orquestra sinfônica dos gols sofridos começa a interferir na vida dos treinadores. A segunda-feira é sempre destinada às explicações, às vezes lógicas, quase sempre, no entanto, estapafúrdias. Foi o gol contra, o pênalti não marcado, o erro do bandeirinha, a bola que raspou a trave, mas não entrou. Difícil mesmo é alguém admitir a própria falha, a análise malfeita, o risco mal calcu-

lado, a escalação errada, a falta de reflexo imediata para corrigir o equívoco. Assim segue a semana. Esse treinador continua na esperança vã do time melhorar, aquele outro técnico continua achando que vai chegar à final da Libertadores. É o direito que todos tenham dias melhores. São todos professores. Não fosse assim, para que serviria a segunda-feira, dia de lamúrias e explicações? Os técnicos de futebol acabam se nivelando nesse fantástico mundo do perde e ganha. Derrotas que doem, vitórias volúveis, que duram tão pouco, às vezes só até o meio da semana. Até que todos de novo se encontrem para outra folia.

Sobra até para o técnico mais graduado – o da Seleção Brasileira. Depois da fácil vitória contra a seleção da Hungria surge uma dúvida: o que fazer agora com Ronaldo, o dito fenômeno. Acontece que Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Luis Fabiano passearam no gramado de Budapeste. Fica no ar a pergunta: afinal, quem será escalado contra a França no próximo jogo? Intrigante esse jogo do futebol. Um técnico sofre por ter muito pouco. Outro, por ter demais. Juarez Soares é cronista esportivo e escreve duas vezes por mês neste espaço

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De 6 a 12 de maio de 2004

NACIONAL MOBILIZAÇÕES

Lançado cadastro do desemprego Tatiana Merlino da Redação

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ara denunciar o desemprego e o modelo econômico, além de cobrar do governo e dos empresários a geração de postos de trabalho, foi lançado o 1º Censo Social do Desemprego. O levantamento é uma iniciativa da organização não-governamental (ONG) Ação da Cidadania, apoiada por diversas entidades ligadas à Coordenação dos Movimentos Sociais Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) e União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outros. A campanha foi lançada no Rio de Janeiro, durante uma passeata no dia do trabalhador, com a bandeira “O Brasil quer trabalhar”. O censo cobrirá todo o país e, até o dia 3, 7.400 inscritos tinham sido cadastrados. Maurício Andrade, da Ação da Cidadania, acredita que, até o final da campanha, as pessoas estarão organizadas para lutar pelo seu direito de trabalhar. “A idéia é deixar de ter apenas números do desemprego e passar a ter uma identidade”, disse. João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, ressaltou a importância da campanha. “Vamos arregaçar as mangas”, afirmou, lembrando que 44% do jovens brasileiros, muitos com o segundo grau completo, estão desempregados. O presidente da CUT/RJ, Jayme Ramos, cobrou do governo federal medidas imediatas de geração de emprego e criticou o aumento de R$ 20 do salário-mínimo. O censo irá até dia 7 de setembro, quando haverá a manifestação do Grito dos Excluídos. O levantamento estará disponível na internet, no endereço eletrônico da Ação da Cidadania, (www.clickfome.com.br), onde as empresas dispostas a empregar os trabalhadores cadastrados podem fazer consultas.

SEM FESTA, COM LUTA Em São Paulo, além dos megaatos da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Força Sindical, dia 1º de Maio, houve um outro, na Praça da Sé, no Centro da cidade. O palquinho era de madeira. O som, entrecortado por estalos e eventuais silêncios, foi fornecido por um velho caminhão, sendo necessário que

Fotos: Felipe Varanda/Folha Imagem

Campanha “O Brasil quer trabalhar” cobra alteração da política econômica e geração de postos de trabalho

Lançamento da campanha pelo emprego, no Rio de Janeiro

Censo se estende até dia 7 de setembro, quando acontece o Grito dos Excluídos

os oradores segurassem ao mesmo tempo três microfones para se fazer ouvir. O “1º de Maio de luta”, como foi chamado, não deu na TV, mas lavou a alma dos cerca de 3 mil militantes que ali compareceram. Entre os promotores do ato na Sé, além dos movimentos e pastorais sociais e partidos de esquerda, se destacou uma série de sindicatos ligados à CUT e visivelmente contrariados com a Central. A insatisfação não foi apenas porque a festa foi feita com dinheiro dos patrões (segundo o jornal Folha de S. Paulo, os cerca de R$ 1,8 milhão gastos no ato-show da Avenida Paulista vieramo de patrocínios de 15 grandes empresas, como Telefônica, Nestlé, Casas Bahia e TAM), mas principalmente por ter acordado os projetos de reforma sindical e tra-

não compõe o salário real, como proposto pelo governo com o salário-familia. O trabalhador tem que poder sobreviver com o seu trabalho”, afirmou dom Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo, ao criticar o valor de R$ 260 do novo mínimo. No ato, militantes

CNBB exige mudança de política econômica da Redação O governo precisa mudar a política econômica, criando empregos e promovendo inclusão social. Essa foi a conclusão da 42ª assembléia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que ocorreu em Itaici (SP), entre 21 e 30 de abril. A entidade exigiu a realização da reforma agrária, que considerou urgente, e a demarcação e a homologação de terras indígenas e de remanescentes de quilombos. Veja, abaixo, trechos do documento final do encontro: Mensagem para o Dia do Trabalhador O Brasil atravessa uma profunda crise econômica e social, marcada por taxas recordes de desemprego e subemprego. São mais de 25 milhões de pessoas no mercado de trabalho informal, ou até em atividades ilegais. Segundo os últimos dados do IBGE, nas seis maiores regiões metropolitanas do país, a taxa de desem-

prego atingiu o patamar de 13%. O salário-mínimo vigente sofre uma perda acelerada do poder de compra e, cada vez menos, atende às necessidades básicas da família. A superação desse quadro requer uma política econômica que vise, em primeiro lugar, promoção do trabalho e inclusão social. Os recursos públicos devem destinar-se não apenas ao pagamento dos juros da dívida pública interna e externa, mas a investimentos geradores de emprego, na cidade e no campo, e iniciativas que atendam à exigência constitucional de erradicação da pobreza em nosso país. Como exemplos, podemos citar: reforma agrária e política agrícola, saneamento e reforma urbana, incentivo às experiências alternativas de trabalho e renda (pequenas e microempresas, pequenas cooperativas), entre outros. Os credores podem esperar, mas os desempregados, não.

balhista do governo, considerados um retrocesso.

CRÍTICAS AO MÍNIMO “Temos a impressão de que o Brasil não avança. Não adianta fazer transferência de renda ou assistencialismo com valores que

da Pastoral Operária, batendo panelas vazias, exigiam o saláriomínimo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), estimado em R$ 1.402,65. (Com Verena Glass, da Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)

Agricultores ocupam agências do BB Suzane Durães de Brasília (DF) Pelo menos oito agências do Banco do Brasil (BB) pararam, dia 3, nos Estados da Bahia, Goiás e de Minas Gerais, ocupadas por trabalhadores ligados ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Mais de mil pessoas participaram das mobilizações pela liberação dos recursos do Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf Investimento). Os camponeses também pedem carência de três anos, com pagamentos anuais, previstos no Plano Safra para a produção leiteira. Mas o Banco do Brasil não concorda. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, afirmou em reunião com representantes do MPA que manterá os três anos de carência

do Pronaf “C” Investimento para a produção leiteira. Muitos agricultores já estão com o cartão do Pronaf, mas enfrentam dificuldades burocráticas para acessar os recursos para financiamento da safra. De acordo com José Maltide, da coordenação do MPA/MG, em Virgolândia os agricultores já entregaram os projetos ao BB, mas a agência ainda não solicitou os recursos. Na agência do Vale do Mucuri/ MG, após a aprovação de cem projetos, os recursos foram devolvidos por problemas operacionais no sistema. Na agência de Vitória da Conquista/BA, cerca de 180 propostas foram aprovadas e o banco prometeu liberar os recursos dia 15 de abril. “Mas até hoje nada. A agência alega que tem apenas dois

funcionários e por isso não foi possível operacinalizar as propostas”, conta Maria Freitas, coordenadora do MPA/BA. Outro problema apontado pelo MPA é a discriminação do Banco Central contra os agricultores. “Para receber os recursos os agricultores analfabetos são obrigados a apresentar um procurador que saiba ler e escrever”, conta Maria. “A retenção do Pronaf prejudica não só as famílias camponesas, mas também os municípios que dependem da produção dos agricultores”, afirma Manuel de Carvalho, da coordenação do MPA. Dia 3, o MPA se reuniu com o vice-presidente de Agronegócio do Banco do Brasil, Ricardo Conceição, que se comprometeu a manter os três anos de carência pedidos pelos produtores.

Causa indígena é de todos da Redação “A causa indígena é importante para todos os brasileiros e não podemos nos curvar a interesses econômicos”, afirmou o deputado Orlando Fantazzini (PT/SP), dia 4, em audiência pública na Câmara dos Deputados sobre Direitos Humanos e Direitos Indígenas. A homologação em área contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, foi um dos principais assuntos em debate. De acordo com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, há disposição dos minis-

tros para decretar a homologação da reserva em área contínua, como desejam os índios. No entanto, uma liminar expedida pela Justiça de Roraima impede que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assine o decreto. Durante a audiência também foi lançada a “Campanha Educativa sobre Direitos Humanos e Direitos Indígenas”, criada pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) e pelo Centro de Proteção Internacional dos Direitos Humanos, entidades internacionais que atuam na América Latina e no Caribe. O presidente da Funai elogiou

a iniciativa: “Os direitos indígenas são importantes para todo o Brasil. Toda informação carrega fatores pedagógicos que ajudam as pessoas a reconhecer que respeitar os direitos humanos é essencial. O que for bom para os índios brasileiros será bom para o Brasil”, disse. Ainda mais clara foi a definição do bispo de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga, defensor histórico da causa e dos povos indígenas: “É obrigação de todos os povos preservar a cultura indígena, primitiva; sem a cultura indígena não há razão para a existência dos outros povos e das demais cultura”.


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De 6 a 12 de maio de 2004

Espelho

NACIONAL EDUCAÇÃO

MST alfabetiza agricultores

Rodrigo Valente de Recife (PE)

Globo manda no futebol A TV Globo comprou os direitos exclusivos de transmissão dos principais campeonatos estaduais. Também comprou os direitos sobre o campeonato brasileiro. Não que a emissora vá transmitir todos os jogos. Pelo contrário. Só vai exibir, como no passado, 30% desses jogos. A estratégia é: 1) obrigar o torcedor a pagar para assistir no seu canal de assinatura; 2) impedir que outra emissora transmita esses jogos. Três horas de religião na TV O deputado Milton Cardias (PTBRS) apresentou o Projeto de Lei nº 1.794/03, que obriga as emissoras de TV em canal aberto a transmitir, no mínimo, três horas diárias de programas religiosos. O deputado argumenta que a família se desestrutura por causa da atual programação das TVs e, com programas religiosos, se manteriam os núcleos familiares. É mais uma tentativa da religião impor seu poder sobre a mídia. Neste caso, o interesse é pessoal: o deputado Milton Cardias é pastor evangélico. Conselho será renovado em junho Será renovado, em junho, o Conselho de Comunicação Social (CCS), “órgão auxiliar” do Congresso nacional. São 13 integrantes: quatro representantes do setor empresarial; quatro, dos trabalhadores; cinco da sociedade civil. A composição atual do CCS é tão esquisita que Jaime Sirotsky, da rede RBS, um dos maiores empresários-latifundiários da comunicação do país, está como “representante da sociedade civil”. Aí se explica por que a questão central, o atual modelo de comunicação no país, não é debatido no CCS – embora existam no Conselho uns poucos defendendo os interesses populares. Os empresários, que são maioria, não aceitam que se mexa nessa lama. O Rio oculto em Celebridades Quem vê a novela da TV Globo, Celebridades, não vê o Rio de Janeiro. Em todas as cenas externas as favelas não aparecem. Intencionalmente as câmaras focam somente as luzes da cidade, os bairros ricos, e um Andaraí maquiado, evitando a “contaminação” pelas moradias dos pobres. Aliás, pobre também não aparece, a não ser uns falsos pobres que teoricamente morariam em Andaraí. A novela omite ainda a sujeira das ruas; a miséria e a violência, os moradores de rua. Até a moeda oficial desse Rio de Janeiro é outra – o dólar. Eis um bom exemplo de como a Globo mostra a “cultura” nacional. Chávez e as emissoras comunitárias Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, reconheceu que as rádios e televisões comunitárias foram decisivas na convocação do povo para expurgar os golpistas. No Brasil, o governo Lula considera que emissora comunitária é caso de polícia. E continua investindo nas grandes redes, nos latifundiários da comunicação, a maior parte dos recursos público de publicidade.

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Cerimônia de entrega de certificados de alfabetização teve também ato político por terra, trabalho e educação

porte, lazer e tudo que é preciso para uma vida digna”, disse Amorim.

A VIDA RECOMEÇA Para muitos dos formandos, esse significativo passo representa o início de uma nova etapa de vida. Antônia Domingo dos Santos, de 51 anos, conta que não pôde estudar porque trabalha no campo desde cedo: “É um grande orgulho estar alfabetizada. Antes meus documentos eram assinados no dedo. Agora sei ler, escrever e quero aprender mais”. O agricultor Arnóbio Francisco da Silva, de 48 anos, justifica sua felicidade: “Não dependo mais de outras pessoas para fazer muitas coisas”. Sirlei Maria do Santos, que queria aprender, mas não ia à escola por vergonha de estudar com as crianças, ressalta: “Quando a gente estuda, vê o mundo diferente”. Maria Antonia dos Santos Silva, de 50 anos, é testemuha de um drama comum entre os alfabetizados: “Estou muito feliz por saber escrever meu nome e um bilhetinho. Só não vou

A marcha de encerramento da formatura terminou na praia de Boa Viagem

continuar a estudar pois tenho problema de vista e não tenho dinheiro para comprar óculos”. A marcha planejada para encerrar a cerimônia de formatura dos alfabetizados culminou com uma visita dos sem-terra à praia de Boa Viagem. Alguns trabalhadores rurais, na faixa de 50 a 60 anos, só conheciam o mar

Justiça garante vaga a quem deve Maíra Kubík Mano de São Paulo (SP) A matrícula dos alunos inadimplentes – que estão com o pagamento das mensalidades escolares atrasadas – sempre foi uma das principais reivindicações do movimento estudantil nas universidades particulares. Na semana passada, uma decisão inédita do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) determinou que os alunos que estão nessa situação não podem ser impedidos de continuar seus estudos. O caso julgado foi o de Margaret Maria de Oliveira. A instituição em que Margaret estuda, a Universidade Potiguar (UNP), no Estado do Rio Grande do Norte, requisitou à Justiça a anulação de sua matrícula, em decorrência do atraso do pagamento de uma taxa. A aluna recorreu à Justiça, com mandado de segurança, e obteve uma liminar, em primeira instância, que garante seu direito de estudar. Segundo a liminar, “não se deve privar a aluna de continuar seus estudos, condicionando a renovação de matrícula ao pagamento das mensalidades atrasadas”. A sentença, de janeiro de 2001, foi confirmada pelo STJ e abre um precedente para que todos os alunos que estão em situação semelhante possam utilizar o caso de Margaret em sua defesa. Para o ministro José Delgado, relator do processo, o juiz não se restringiu aos fatos técnicos do caso, mas à importância social desta

Claudio Pinheiro/Imapress/AE

Artimanhas da indústria cultural Quando Hollywood faz um filme, acrescenta mais 40% ao orçamento, em média, para divulgação – propaganda e matéria paga nos jornais. Por isso, sempre que há um lançamento na praça, vê-se notícias nos grandes jornais, na TV, em tudo que é página de internet. Muitas vezes, a televisão e as rádios discutem o assunto porque os produtores do filme pagaram para a imprensa fazer “um debate”, tratando o filme como “polêmico”. Quando se assiste ao filme, chega-se à conclusão de que não havia polêmica – era somente mais um filme com violência, sangue, efeitos especiais. Mas o dinheiro já foi para eles.

ilhares de trabalhadores rurais jovens e adultos, organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fizeram uma grande festa, dias 29 e 30, em Recife, Pernambuco, para comemorar a entrega de seus certificados de alfabetização. O movimento, em parceria com o Ministério da Educação, no programa Brasil Alfabetizado, formou a primeira turma de cinco mil camponeses jovens e adultos no Estado. A cerimônia também foi marcada por um expressivo ato político por terra, trabalho e educação, que contou com a presença de representantes dos governos federal, estadual e municipal, movimentos sociais, intelectuais, artistas e políticos. Uma homenagem ao educador Paulo Freire a educadora Ana Maria Freire, viúva do educador, agradeceu . A parceria entre MEC e MST nasceu com o programa de erradicação do analfabetismo do governo federal. Foram formadas, nos diversos assentamentos e acampamentos do MST, em Pernambuco, 354 turmas, que tiveram aulas noturnas entre os meses de junho de 2003 e janeiro de 2004. Os trabalhadores rurais com mais escolaridade foram capacitados pelo ministério e se tornaram monitores. O MST agora vai cobrar do poder público a continuidade dos estudos para os jovens e adultos formados. Segundo Rubineusa Leandro, do setor de educação do MST, “agora é preciso criar as condições para que essas pessoas possam continuar seus estudos”. Hoje a parceria entre MST e MEC é responsável pela alfabetização de 27 mil pessoas em todo o Brasil. Jaime Amorim, da coordenação estadual do movimento, defende uma política de educação voltada para o campo: “Não queremos ter de ir às cidades para estudar; queremos uma pedagogia voltada para nossa realidade”, diz. “Não queremos só terra. Queremos educação, cultura, es-

Fotos: Rodrigo Valente

Cinco mil trabalhadores sem-terra recebem, em Pernambuco, certificado de alfabetização

pela televisão. Muitos mergulharam de roupa; alguns provaram a água para conferir o gosto. O agricultor Cícero Alves da Cunha, de 41 anos, nunca tinha visto as praias de Recife. “Achei lindo demais, fiquei até emocionado”, disse ele, avisando que não entraria no mar por medo “de toda aquela imensidão de água”.

Congresso debate qualidade social Uyara B. de Sena de Recife (PE)

Estudantes universitários protestam em Belém do Pará

decisão. Atualmente, estima-se que 20% dos estudantes das universidades particulares estão em situação de inadimplência. Em algumas instituições, a dívida dos alunos já é negociada por escritórios terceirizados, especializados no assunto. A Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, é um exemplo: o estudante que deve há mais de 30 dias é automaticamente encaminhado para uma empresa de Porto Alegre responsável pela administração dos casos. Todos os dias, a mensalidade é corrigida com juros e multas. Segundo Monique Amaral, estudante da Unisinos, o aluno só pode se rematricular se sua dívida foi sanada. No caso de renegociação, o número de parcelas para o pagamento é estabelecido a partir do histórico escolar do aluno. Se tiver boas notas, pode obter mais vantagens. Mas se o desempenho estiver abaixo do dese-

jado, a universidade chega a recusar a renegociação.

FILANTROPIA EM BAIXA Muitas universidades particulares são consideradas filantrópicas pelo governo, ou seja, estão isentas de contribuição em impostos, porque aplicam 20% de seu faturamento em serviços gratuitos. Até 2001, das 6.775 entidades de ensino superior reconhecidas pelo Ministério da Educação, 4.714 possuíam o título de filantrópicas. Um dos serviços beneficentes é a concessão de bolsas de estudo integrais a alunos. Segundo a Lei nº 10.260, que regulamenta a filantropia, cada universidade deve dar 20% de bolsas. Essa regra, que poderia diminuir os casos de inadimplência, é pouco respeitada. A Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), de São Paulo, por exemplo, destina apenas 1,16% às bolsas.

Um sol de rachar, muita alegria e o colorido dos grupos culturais marcaram o 5º Congresso Nacional de Educação (Coned), realizado na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, dias 2 a 5. Com o tema “Educação, Democracia e Qualidade Social”, os estudantes debateram entre outras coisas o Plano Nacional de Educação, elaborado em 1997. Os congressistas fizeram um diagnóstico da mercantilização da educação. Enfatizaram, entre outros, os projetos internacionais defendidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e outros pelos organismos internacionais. Em debate, também a reforma universitária e o problema de financiamento da educação pública. No primeiro semestre, os trabalhadores da educação, principalmente do ensino fundamental e médio, realizaram nos Estados manifestações, greves e paralisações. Foi um tipo de enfrentamento às políticas neoliberais que deterioram atualmente a educação pública brasileira, segundo Marta Vanelli, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). (Adital, www.adital.com.br)


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De 6 a 12 de maio de 2004

NACIONAL ENERGIA

Novo modelo mantém velhas regras Para sindicalistas, governo hesita entre defender o interesse público e preservar obtenção de lucros das transnacionais Paulo Liebert/AE

Jorge Pereira Filho e Marli Cristina Scomazzon da Redação e de Florianópolis (SC)

A

Cerca de 80% da distribuição de energia elétrica está nas mãos de empresas privadas, grande parte estrangeiras

sentidos no dia-a-dia dos brasileiros: o racionamento de 2001 e a elevação das tarifas de eletricidade (veja reportagem abaixo).

MUDANÇAS Esse quadro, apesar de herdado, não foi combatido na sua essência. A MP de Lula não questionou as privatizações feitas nos governos Collor e FHC, mas apenas a maneira como as vendas de estatais foram realizadas. No entanto, tem o mérito de chamar

para o governo a responsabilidade do planejamento do setor. Além disso, o novo modelo cria uma espécie de leilão público de compra e venda de energia, conhecido como pool de comercialização – mecanismo criado para inibir o aumento abusivo de tarifas. Nesse espaço, será leiloada tanto a chamada energia velha (produzida essencialmente por estatais que, por existir há muitos anos, já receberam retorno dos investimentos feitos

na construção de usinas), como a energia nova (produzida por novas usinas), por meio de contratos bilaterais. Resta, no entanto, saber se esse mecanismo forçará para baixo o preço da tarifa.

DESCONTENTAMENTO Na prática, o modelo proposto por Lula quer agradar a gregos e troianos. E a reação foi imediata. As transnacionais e os defensores da idéia de que a energia elétrica

Sócrates Arantes/Eletronorte/ABr

principal medida do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para enfrentar o risco de um apagão no Brasil pode fracassar por não romper com o modelo neoliberal adotado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Implantadas por uma medida provisória em março, as mudanças do novo modelo do setor elétrico tentam conciliar o interesse público com a voracidade do setor privado em obter lucro, na avaliação de Dinovaldo Gilioli, empregado da Eletrosul Centrais Elétricas S.A., e Arno Cugnier, da Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc). Ambos são diretores do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis e Região (Sinergia), integrante do Coletivo Nacional dos Eletricitários e vinculado à Federação Nacional dos Urbanitários. “Por trás da proposta, está a idéia de que a coisa não pode continuar como está, senão ficaremos às escuras. Porém, o novo modelo mantém as regras vigentes, sobretudo a que garante ao capital um mercado atrativo. Produziram um modelo híbrido”, explicam os sindicalistas. O setor de energia elétrica é uma das áreas mais estratégicas de um país. Uma das “heranças malditas” dos oito anos da gestão de FHC foi a privatização da maioria das estatais que atuavam na geração e na distribuição de energia. Os resultados dessa política neoliberal foram

Transnacionais exibem lucros expressivos Os lucros no setor elétrico são, no mínimo, expressivos. O setor é visto pelos investidores como um negócio de longa maturação porque é preciso investir muito, no começo, para construir e montar a usina. Depois, no entanto, quase tudo é lucro. Arno Cugnier, diretor do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis e Região (Sinergia), explica que podemos fazer um cálculo simples com uma usina que gera 100 Megawatts (Mw). O valor normativo – para baixo – da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), órgão regulador da área de energia, é de aproximadamente R$ 80 o Mw. Isso significa R$ 8 mil por hora, ou R$ 192 mil por dia, ou R$ 5.760 milhões por mês. Com gastos de R$ 1,2 milhão em manutenção, o lucro mensal supera os R$ 4 milhões.

CASO ELETROSUL Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará: sua potência de geração de energia elétrica será aumentada

Privatização do setor eleva tarifas Se a conta de luz está mais cara, isso se deve a uma estreita relação entre o custo e o processo de privatização do setor elétrico. Na hora de vender as concessionárias, o governo de Fernando Henrique Cardoso fez contratos prevendo aumentos de tarifas acima dos índices inflacionários. Entre 1995 e 2003, a tarifa média residencial aumentou 174% e o salário mínimo, 100%. Medidas como a privatização do setor elétrico e os aumentos da tarifa acima da inflação estavam na cartilha ditada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ao governo FHC. Nos leilões para venda das concessionárias elétricas, o governo brasileiro ofereceu inúmeras vantagens, como linhas de créditos públicos, geralmente via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para financiar os compradores. Além

disso, ainda de acordo com as “orientações” do FMI, foi feito um corte de despesas das estatais e o governo restringiu os investimentos das empresas geradoras públicas – responsáveis por 80% de toda energia elétrica produzida no país.

CASO AES Os alertas feitos na época por críticos da privatização se confirmaram: dificuldades na oferta de energia, tarifas caras e serviços precarizados. O exemplo mais escandaloso é o da empresa estadunidense AES, antiga Eletropaulo, comprada com dinheiro público tomado em empréstimo no BNDES. Em 2003, alegando que os negócios não estavam indo bem, a AES ameaçou deixar a cidade de São Paulo no escuro. E a solução adotada pelo governo, de socorrer a iniciativa privada, mais uma vez acabou pe-

nalizando o consumidor. Para o setor privado, a energia elétrica é uma mercadoria, não um bem essencial, como a água. Não é por outra razão que o grupo VBC, que está construindo a usina de Campos Novos, em Santa Catarina, mesmo tendo o Bradesco entre seus sócios, pede, para terminar a obra, R$ 700 milhões ao BNDES. Por que recursos públicos e não do Bradesco? “Nossa posição é clara: se a iniciativa privada quer participar, que o faça como em qualquer outro negócio. Eles entram com que recursos?”, questiona Dinovaldo Gilioli, diretor do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis e Região (Sinergia). Gilioli acrescenta: “Por essas e outras razões, reafirmamos a atualidade do princípio de que o Estado tenha sempre o controle do setor elétrico”. (JPF e MCS)

deve ser um negócio regido pelas leis de mercado ameaçam com novos apagões. Argumentam que o novo modelo não dá incentivos e nem garantias para o investimento. Na opinião dos sindicalistas, o governo lavou as mãos na hora de decidir para que serve a energia elétrica: para o desenvolvimento social ou para prover acumulação de capital. “O Brasil é uma nação ou um aglomerado de consumidores?”, questiona Gilioli. Para os sindicalistas, o novo modelo do setor mantém a orientação que já existia e está coerente com os outros princípios do modelo econômico neoliberal vigente no país. A MP limitou-se a corrigir algumas aberrações, como a retirada das empresas do grupo Eletrobrás do Plano Nacional de Desestatização (PND) e a volta da área de geração de energia na Eletrosul. Permanece, no entanto, a ameaça de privatização das empresas federalizadas, que continuam no PND (veja reportagem abaixo). Outra questão levantada pelos sindicalistas diz respeito ao planejamento, pelo Estado, da expansão da oferta de energia. “O passado recente nos torna desconfiados. Mesmo assim esperamos que, uma vez que o novo modelo não é totalmente estatal, a expansão não seja feita às custas dos cofres públicos. Se a iniciativa privada quiser participar, tem que ser por sua conta e risco e não, por exemplo, por conta do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como vem acontecendo”, assinala Cugnier.

É o caso da Tractebel, no Sul. Uma de suas usinas, a Salto Santiago, gera, em média, 600 Mw, a um custo no barramento de R$ 20/Mw, e vende para a Celesc por cerca de R$ 85. “Isso dá R$ 39 mil por hora.

O resto é só calcular”, exemplifica o sindicalista. A Tractebel, multinacional belga, foi a grande beneficiária do processo de privatização do setor elétrico brasileiro. As usinas que a empresa comprou eram da Eletrosul, que desempenhava, no Sul, o mesmo papel que Furnas, Eletronorte e Chesf desempenham nas outras regiões do país. Essas usinas foram compradas quando iam começar a dar mais lucro, ou seja, o investimento estava quase todo amortizado e dali pra frente era só faturar. Além disso, pelo Plano Nacional de Desestatização (PND), a Eletrosul, que sobrou, foi proibida por lei de gerar energia. Só podia transmitir energia. Finalmente, no mês passado, quando o novo modelo foi aprovado, uma lei permitiu que a Eletrosul participe novamente de projetos de produção de energia. Cabe lembrar, no entanto, que a privatização da Eletrosul foi considerada inconstitucional pela Justiça federal e encontra-se, neste momento, sub judice. (JPF e MCS)

Falta de investimentos causou crise em 2001 Em 2001, ameaçados por um possível apagão, os brasileiros foram obrigados a racionar e a pagar mais caro pela energia elétrica. A causa foi o estado de falência do setor elétrico nacional, que sofria as conseqüências da privatização promovida nas décadas de 80 e 90. Essa política enfraqueceu o sistema, que deixou de receber investimentos na ampliação de sua capacidade de geração e transmissão. Esse cenário trouxe a lembrança da crise dos anos 50, eternizada na marchinha carnavalesca que

dizia: “De dia falta água, de noite falta luz”. Naquela ocasião, para resolver o problema do péssimo serviço prestado pelas companhias de eletricidade (a grande maioria na mão de estrangeiros, como a Light), o governo brasileiro estatizou o setor elétrico. Do ponto de vista do controle acionário, o Brasil do apagão de 2001 é semelhante ao da década de 50: cerca de 80% da distribuição de energia elétrica está nas mãos de empresas privadas, grande parte estrangeiras. (MCS)


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De 6 a 12 de maio de 2004

NACIONAL PETRÓLEO

Hamilton Octavio de Souza Jogos legais Aos poucos, a proibição dos bingos está sendo derrubada por liminares judiciais. Os caça-níqueis voltam a funcionar com amparo legal. A lógica é uma só: se os bancos podem obter grandes lucros com os juros altos, por que os banqueiros do bicho não podem rapar a poupança popular com seus joguinhos divertidos? Todos fazem parte do mesmo modelo especulativo e concentrador. Nada mais do que isso. Picaretagem Diretórios municipais e candidatos a prefeito do PT têm sido procurados por “assessores” do partido com oferta de ajuda do publicitário Duda Mendonça para a próxima campanha eleitoral. Com conhecimento ou não do novo guru do petismo, a ajuda oferecida é uma palestra sobre dicas de campanha ao custo de R$ 100 mil. É mole? Promessa 1 Nos seus dois primeiros anos de governo, o presidente Lula concedeu aumento real médio de 1,2% para o salário-mínimo. Terá que fazer grandes aumentos nos próximos dois anos para cumprir a promessa – feita na campanha eleitoral – de dobrar o valor em quatro anos. O salário mínimo afeta os ganhos de cerca de 60 milhões de trabalhadores ativos e aposentados. Promessa 2 No primeiro trimestre de 2004, o governo Lula assentou apenas 6.130 famílias de trabalhadores rurais sem terra. Para atingir a meta do ano – de 115 mil famílias –, o Ministério do Desenvolvimento Agrário terá de acelerar bastante o ritmo das desapropriações de terras e dos assentamentos. Sem contar a defasagem do ano passado, quando a meta era de 60 mil famílias e apenas 36 mil foram beneficiadas. Estilo Joaquinzão A CUT, central de trabalhadores ligada ao PT, gastou R$ 3,5 milhões no espetáculo do 1º de Maio, na Avenida Paulista, ainda por cima com o comprometedor patrocínio de empresas estrangeiras que sugam o povo brasileiro. Aderiu de vez aos megaeventos circenses para descaracterizar os atos políticos e de luta que marcaram os anos em que a central tinha atuação combativa. Agora é só na base da homenagem ao velho estilo “joaquinzão”. Pura percepção O conservadorismo político do PT, expresso pelo governo Lula, está servindo de senha para o surgimento de ondas conservadoras nos mais diferentes ambientes, desde empresas, escolas, administração pública, ONGs e movimentos sociais. Antigos progressistas assumem a nova postura, ocupam o espaço outrora da direita e declaram guerra às esquerdas. A atual conciliação por cima caminha celeremente para o macartismo tupiniquim. Falta gente boa A subserviência das elites brasileiras ao centro do capitalismo atinge a empresa privada, o alto funcionalismo da República e a formação nas universidades. Um bom exemplo disso aconteceu na disputa travada na Organização Mundial do Comércio, sobre o algodão, vitoriosa para o Brasil graças aos conhecimentos de dois cidadãos estadunidenses, um economista e um professor universitário. Lição de Casa “A herança é mesmo maldita. Continuá-la pode ser fatal para o governo Lula. Para o Brasil, a sua continuação significará provavelmente uma terceira década perdida em termos de desenvolvimento”. Do economista e professor Paulo Nogueira Batista Jr., que foi um dos maiores críticos do modelo neoliberal durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Por que leiloar nossas reservas? Entidades condenam a exploração, por estrangeiros, de áreas mapeadas pela Petrobras Tatiana Merlino da Redação

Walter Firmo

Fatos em foco

U

ma estratégia suicida do governo. É assim que Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), avalia o leilão de áreas petrolíferas no Brasil pesquisadas e mapeadas pela Petrobras. A 6ª Rodada de Licitação das Áreas Sedimentares Brasileiras, prevista para ocorrer em agosto, promovida pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), está preocupando entidades, que exigem a “imediata suspensão da licitação”. Siqueira explica que tal licitação é totalmente desnecessária pois o Brasil é quase auto-suficiente, mas se a exploração das reservas de petróleo estiver nas mãos de estrangeiros, as reservas serão exportadas. Segundo ele, se utilizadas apenas para o mercado interno, as reservas vão durar cerca de 25 anos. Mas se forem exportadas durarão aproximadamente dez anos. O que preocupa o engenheiro é que, de acordo com estimativas de especialistas, o valor do petróleo chegará a 50 dólares em 2010 e, a 100 dólares, em 2015. “A corrida vai se intensificar no mundo todo e quem não tiver petróleo vai estar numa situação muito difícil. Essas licitações são um absurdo, vamos vender nosso petróleo agora para depois comprar de estrangeiros por 100 dólares?”, questiona o engenheiro, para quem a estratégia adotada pelo governo “contraria a soberania nacional”.

ÁREAS PROMISSORAS Por pressão do Ministério da Fazenda, a 6ª Rodada de Licitação vai leiloar áreas azuis, consideradas muito promissoras, onde há grande possibilidade de se encontrar petróleo de alta qualidade. Antonio Gerson, ex-presidente e diretor do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge-RJ), dá como exemplo o episódio em que a Petrobras foi obrigada a devolver áreas nobres para a ANP. É o caso do bloco BC-60, em que foram encontrados 2 bilhões de barris na parte Norte. Pelo artigo 33 da Lei 9478/97, a Petrobras deveria implementar atividades de produção em todo o bloco, mas foi obrigada a devolver 90%.

Plataforma de enchova da Petrobras na Bacia de Campos (RJ): se as reservas forem exportadas, acabarão em dez anos

A “flexibilização” do monopólio do petróleo foi iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, com a Lei 9478/97, que permite às empresas serem proprietárias do petróleo e exportá-lo, conta Siqueira. Em seguida, FHC criou a ANP, que começou a licitar áreas de bacias sedimentares que a Petrobras pesquisou e mapeou. Na época, o argumento do governo para mexer no monopólio estatal era a necessidade de capital externo para pesquisar novas áreas. “As

empresas estrangeiras não têm, nem nunca tiveram, interesse em pesquisar novas áreas. O risco da pesquisa e do mapeamento ficou com a Petrobras; as multinacionais vêm aqui só para embolsar ´bilhetes premiados´ e comprar a preços de banana”, denuncia o presidente da Aepet.

DEFESA DA SOBERANIA Dia 10, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), junto com entidades como Associação dos

Engenheiros da Petrobras (Aepet), Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon), fará uma mobilização em defesa da soberania nacional e contra a “entrega a empresas estrangeiras de áreas produtoras de petróleo na plataforma continental brasileira”. De acordo com o presidente da Aepet, o ato será para impedir a “lapidação do patrimônio público, fruto de uma pretensa governabilidade do presidente Lula, que está traindo a esperança do povo”.

SÃO PAULO

Periferia faz Fórum Social alternativo Bruno Fiuza da Redação Um grupo de movimentos populares da periferia de São Paulo, encabeçado pelo padre Jaime Crowe, coordenador da Pastoral Operária de Campo Limpo, se reuniu, em dezembro do ano passado, para organizar um fórum social que articulasse a sociedade civil organizada da zona sul de São Paulo e dos municípios adjacentes. A iniciativa resultou no Fórum Social Sul de São Paulo, realizado de 28 de abril a 1º de maio, na periferia da cidade de São Paulo. Leda Aschemann, integrante da Associação Monte Azul e uma das organizadoras do Fórum, explica que o evento supriu a impossibilidade das organizações da região participarem do FSM 2004, realizado na Índia. “A periferia do Jardim Angela bate com a periferia da Índia, com a periferia da África. Esse é o grande tema do Fórum Social Mundial: a exclusão”, diz Leda. Durante o encontro, integrantes de 57 organizações sociais da região participaram de oficinas e painéis que abordaram temas como desenvolvimento sustentável, organizações populares e políticas

públicas, segurança alimentar e cultura da paz. Dom Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias (RJ), falou sobre a fome, que “não pode mais ser tratada no Brasil sob uma perspectiva assistencialista”. Segundo ele, a comida deve ser encarada como um direito universal humano. Diante da fome, disse, “não tem que ter pena, tem que ter vergonha, indignação”. O religioso iniciou sua fala dizendo que “metade do governo Lula gera fome, a outra metade combate”, em alusão à política econômica, lembrando que há 15 anos o país espera pela auditoria da dívida externa determinada pela Constituição de 1988.

VULNERABILIDADE SOCIAL As atividades do Fórum Social Sul aconteceram no Jardim Angela, distrito da zona sul de São Paulo que ganhou fama pelos altos índices de violência registrados ao longo da década de 80 e que até hoje apresenta altos índices de exclusão social. Ao lado do distrito de Jardim São Luiz, o Jardim Angela forma a jurisdição da subprefeitura de M’Boi Mirim, que concentra 5% da população de São Paulo (cerca de 500 mil pessoas), de acordo com o Mapa da Vulnerabilidade Social, elaborado pela

Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo. O mapa mostra também alguns dados que justificam a região como de alta ou altíssima vulnerabilidade social. Segundo a pesquisa, há 23 mil pessoas vivendo em altíssima privação no Jardim Angela, distrito onde 12.880 chefes de família (20% do total) não têm qualquer forma de renda. A vulnerabilidade social fica mais evidente diante de um índice de desemprego que atinge 60% da população do distrito, de acordo com uma pesquisa recente realizada pela organização Desenvolvimento Social Auto Sustentável. Padre Jaime explica que o desemprego na região vem do início dos anos 80. Segundo ele, foi nessa época que grandes fábricas nacionais e multinacionais que funcionavam na região, principalmente na Avenida das Nações Unidas, começaram a sair da região rumo ao interior. As que ficaram iniciaram o processo de automatização da produção.

DESEMPREGO ESTRUTURA Com isso, o grande contingente de trabalhadores que ocupou a região a partir do final dos anos 60 se viu diante de uma situação de desemprego estrutural que já dura mais de 20

anos. Entre as fábricas que automatizaram suas produção está a Caloi, que empregava 5 mil operários em 1980 e hoje emprega 250, produzindo mais do que na época. Oswaldo de Andrade, outro coordenador da Pastoral Operária de Campo Limpo, diz que a debandada das fábricas desarticulou os operários da região que participaram das grandes greves do final dos anos 70 e começo dos anos 80. Foi justamente dessas mobilizações que surgiu um mártir para o movimento operário da região: Santo Dias da Silva. Empregado da Metal Leve, Santo Dias era integrante da pastoral operária e disputou a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. No dia 30 de outubro de 1979, um piquete em frente à fábrica Silvânia foi reprimido violentamente pela Polícia Militar. Santo Dias estava na linha de frente e foi assassinado com um tiro na barriga. O Fórum Social Sul de São Paulo foi encerrado com uma missa em memória aos 25 anos do assassinato de Santo Dias, realizada na praça que leva seu nome, na Vila Remo. Em seguida os participantes seguiram em marcha até a paróquia dos Santos Mártires, no Jardim Angela.


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De 6 a 12 de maio de 2004

NACIONAL CONJUNTURA

Governo confirma opção pelo arrocho A

s recentes decisões tomadas pela equipe econômica do governo federal não deixam dúvida: Brasília vai continuar trabalhando para que a economia não cresça, ou mantenha taxas de crescimento modestíssimas em 2004, insuficientes para gerar os empregos que o país precisa. Contrariando análises que mostram que o impacto sobre os gastos públicos de um aumento mais generoso para o salário-mínimo poderia ser mais do que compensado pelo aumento da arrecadação de impostos, que viria com o conseqüente

aquecimento da atividade econômica, o governo autorizou uma correção de 8,3% – coisa de 1% acima da inflação (veja gráfico). Na mesma linha, o governo do PT impôs um arrocho recorde nas contas do setor público, conseguindo uma economia de R$ 10,3 bilhões em um único mês. Só o governo federal deixou de gastar R$ 5,9 bilhões – dinheiro mais do que suficiente para bancar um aumento maior para o salário-mínimo. O resultado de tais medidas pode ser visto quando se olha o que acontece no lado real da economia: o desemprego volta a disparar; a inadimplência do consumidor, já elevada, cresce mais, enquanto as taxas de juros se mantêm nas alturas.

Desempregado na Praça da Sé, em São Paulo: o retrato da desesperança dos brasileiros por uma vida mais digna

Em março, um superávit fiscal vergonhoso No final de abril, o governo chegou a comemorar um recorde vergonhoso, enquanto anunciava uma correção pífia para o salário-mínimo. Naqueles dias, foi divulgado o desempenho das contas públicas em março, quando o setor público “economizou” R$ 10,3 bilhões – 52,3% mais do que em março de 2003 e a maior “economia” desde que o Banco Central começou a apurar a estatística. No governo federal, a “economia” atingiu pouco mais de R$ 5,9 bilhões. A equipe econômica deixou de gastar, em um único mês, mais do que a despesa prevista ao longo de um ano, caso o mínimo subisse a R$ 280. Contrariando o discurso oficial, a Previdência contribuiu na construção do saldo positivo do governo, ao reduzir seu rombo em 3% frente a março de 2003. Mas a “economia” foi toda destinada ao

Desemprego está em alta O diagnóstico preciso e a avaliação correta da realidade foram expressos, surpreendentemente, pelos homens que comandam a política econômica do governo federal. A economia, dizem eles, dá claros indícios de que o Brasil entrou numa fase de “crescimento consistente”. Sim, um crescimento consistente do desemprego e do subemprego, que continuam avançando, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Fundação Seade e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Em março, a taxa de desemprego retornou a 12,8% nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, diante de 12% em fevereiro e de 12,1% em março de 2003 (veja gráfico). O IBGE registrou 2,72 milhões de desempregados – 8,4% a mais do que em março do ano passado. O total de pessoas com algum tipo de colocação até cresceu, com a criação de 341 mil vagas. Mas o número de brasileiros em busca de trabalho aumentou em 552 mil, ou seja, 211 mil delas engrossaram a fi-

pagamento de juros, que consumiram R$ 10,2 bilhões, também em um único mês. A redução das despesas com juros no primeiro trimestre de 2004 deveria contribuir para demonstrar o óbvio: por conta da redução das taxas, ainda que numa lentidão enervante, o governo central – que reúne o governo federal, o Banco Central e a Previdência – conseguiu baixar as despesas com o pagamento de juros em R$ 6,7 bilhões. O ganho poderia ser maior, se os juros baixassem mais depressa. Mas o governo decidiu manter o sufoco na área pública, achatando investimentos e esfriando ainda mais a atividade econômica. Até o final da primeira semana de abril, a equipe econômica havia liberado apenas 1,17% dos recursos previstos no orçamento da União para investimentos. (LVF)

Primeiro os credores, depois os trabalhadores Desde o dia 1º, o salário-mínimo é de R$ 260. Em relação ao anterior (veja gráfico), o aumento real, ou seja, acima da inflação, foi da ordem de 1,2%. O trabalhador (ou aposentado) que ganha o mínimo, vai dispor de mais R$ 4 por mês. Se morar em São Paulo, conseguirá pagar menos de três novas passagens de ônibus no mês. As justificativas para o pífio aumento são as mesmas de sempre: impactos insuportáveis na Previdência e nas prefeituras. O lado positivo é como se fosse, propositadamente, deixado de lado: aumento do consumo, do recolhimento de impostos, estímulo às atividades econômicas voltadas para o mercado interno. A rigor, o reajuste do mínimo é coerente com a opção política da equipe econômica do governo do PT: primeiro o mercado, depois o

O DESEMPREGO CONTINUA

(Índice medido em seis regiões metropolitanas, em %) Fonte: IBGE

Anamárcia Vainsencher e Lauro Veiga Filho de São Paulo (SP) e Goiânia (GO)

Jorge Araújo/ Folha Imagem

Reajuste ínfimo do salário-mínimo e aperto recorde nas despesas e investimentos públicos travam o crescimento

la dos desempregados – na maioria, mulheres (76% do total de novos desocupados), com 25 a 49 anos (48%) e 11 anos ou mais de instrução (81% daquele número). O total de empregados por conta própria, que fazem bicos para sobreviver, aumentou em 359 mil em 12 meses, enquanto o total de

empregados com carteira assinada encolheu em 11 mil. Na Grande São Paulo, segundo levantamento conjunto da Seade e do Dieese, o número de desocupados atingiu 2 milhões em março, com a taxa de desemprego batendo em 20,6% – a maior observada para aquele mês desde 1985. (LVF)

Remessa recorde de lucros

Brasil. Razão pela qual, no dia do trabalhador, nota da CNBB lida na Igreja Matriz de São Bernardo dizia: “O salário-mínimo atende cada vez menos às necessidades do homem. (...) Os recursos públicos não devem ser destinados para o pagamento de juros e da dívida externa. Os credores podem esperar. Os desempregados, não”. Visto de outro modo, a obtenção, em março, do superávit primário (receitas do governo menos despesas) de – R$ 10,3 bilhões – valor que é recorde histórico, permitiria elevação até maior do mínimo, segundo análise da consultoria Global Invest: “A obtenção do superávit primário recorde surge como uma saída para o governo resolver, ao menos, a questão do reajuste do salário-mínimo, que possibilita, inclusive, eleválo para R$ 270”. (AMV)

Antes mesmo da esperada elevação das taxas de juros nos Estados Unidos, que deve complicar um pouco mais a situação brasileira, as empresas transnacionais, e mesmo grupos nacionais, aceleram a retirada de seus dólares do Brasil para o exterior. As remessas de lucros e dividendos obtidos aqui dentro por empresas estrangeiras cresceram 81% no primeiro trimestre de 2004, saltando de 893 milhões de dólares, entre janeiro e março de 2003, para 1,62 bilhão de dólares no mesmo período deste ano. Os mesmos grupos decidiram acelerar a amortização (pagamen-

to) de dívidas contratadas a suas matrizes, fora do país, elevando as remessas de divisas, nesta área, em 10% (para 1,12 bilhão de dólares). Ao mesmo tempo, reduziram a menos da metade o desembolso de novos empréstimos. Somando os dólares enviados para remunerar os acionistas das transnacionais em seus países de origem, e os pagamentos de empréstimos, houve uma saída líquida superior a 2 bilhões de dólares – quase cinco vezes mais do que no primeiro trimestre de 2003. Até aqui, o equilíbrio entre a entrada e a saída de dólares vem sendo assegurado pelo saldo posi-

tivo na balança comercial (exportações superiores a importações), que atingiu 6,1 bilhões de dólares no primeiro trimestre, crescendo 62%. O lado negativo é que o crescimento acelerado das vendas externas tem sido impulsionado principalmente pelo avanço dos embarques de produtos agrícolas e seus derivados. E uma alta dos juros nos EUA poderá causar queda nos preços internacionais daqueles produtos, prejudicando as exportações brasileiras e dificultando a entrada de dólares para honrar compromissos internacionais. (LVF)

Um paraíso do mercado financeiro

UM SALÁRIO INDECENTE

Fonte: Banco Central/IBGE

(Evolução do salário mínimo)

O spread (a diferença entre o custo do dinheiro para instituições financeiras e quanto elas cobram para emprestar a consumidores e empresas) nas operações bancárias no Brasil não tem paralelo no mundo. O spread de 43,7% ao ano, no Brasil, na média de 2003, é o maior entre 102 países analisados. Aquele spread quer dizer que os bancos pagaram taxas anuais médias de 23,4% para captar recursos, e emprestaram para pessoas físicas e jurídicas a juros de 67,1% ao ano. Os dados são de levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), com informações apuradas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Com relação a países emergentes com os quais o Brasil concorre no

comércio internacional e pela atração de capitais, a comparação pode ser resumida: o spread médio cobrado nas operações de crédito no país (de 31,9% ao ano, em 2003, segundo cálculos do Banco Central) é três vezes maior do que o mais alto spread dentre os demais principais países emergentes (no caso, a Rússia). “É muito urgente encaminhar uma real solução ao problema, pois estamos diante de uma situação do tipo ‘pior dos dois mundos’: no Brasil, ao lado de uma das maiores taxas básicas do mundo, vigora o maior spread mundial”, diz o Iedi. Hoje, segundo o estudo, o que explica as altas taxas de juros do crédito, é, destacadamente, o elevado spread. As taxas cobradas são incompatíveis, mesmo se compara-

das aos melhores retornos de aplicações de investimentos na economia real, o que deprime o crescimento e o emprego na economia. Limitam, por outro lado, o acesso ao crédito e conseqüentemente aos bens de maior valor unitário por parte da ampla maioria da população. As conseqüências dessa situação são previsíveis: no primeiro trimestre de 2004, o valor dos cheques devolvidos por falta de fundos foi de R$ 16 bilhões, de acordo com levantamento da CheckOK, baseado em informações do Banco Central. Os 10,8 milhões de cheques devolvidos em março foi maior do que a média mensal de cada ano, desde 1997. No mês passado, o total de cheques sem fundos foi recorde nos últimos doze meses. (AMV)


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De 6 a 12 de maio de 2004

NACIONAL CIDADANIA

Só pressão muda rumos da economia

Eleições podem indicar mudanças necessárias para a manutenção da democracia no país, diz Márcio Pochmann Divulgação

Claudia Jardim da Redação

M

ais uma vez as urnas é que podem representar alguma possibilidade de mudança na política econômica do país, criticada por dar continuidade ao modelo adotado no governo anterior. Para o economista Márcio Pochmann, se, de fato, a atual equipe econômica alterar os rumos, não será por vontade técnica, mas sim por pressão política. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Pochmann alerta que a estrutura democrática no país está sob ameaça, na medida em que a crise social se acelera e não são criadas as condições para solucionar tais problemas. “O desempregado, hoje, pode votar. Mas o problema é que o político que ele elegeu não consegue transformar a realidade em seu benefício”. Nesse sentido, para amenizar os danos do aumento do número de miseráveis e manter os privilégios de uma minoria, o governo federal abre mão de programas universais e adota a focalização, que para o economista, “é uma nova aliança política entre os muito ricos e os muito pobres”.

BF – De onde virá essa pressão? Pochmann – Acredito que pelo embate eleitoral. Fernando Henrique, por exemplo, foi identificado como o presidente que combateu a inflação, que permitiu que depois de 15 anos de um processo hiperinflacionário nós tivéssemos um quadro de estabilidade monetária. Lula foi eleito para gerar empregos, e assim é que ele vai ser julgado, pelo maior ou menor número de empregos que oferecer. Dizer que ele assumiu um governo que tinha uma herança, que a taxa de juros já era alta e

O economista Márcio Pochmann é secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo. É autor dos livros: A Regressão do Trabalho; Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade; Políticas do Trabalho e de Garantia de Renda; Atlas da Exclusão Social: Os ricos no Brasil, entre outros.

A transição da política econômica não será por vontade técnica, e sim por uma pressão de ordem política que a inflação poderia voltar a um momento anterior, que havia especulação com a moeda isso é verdade, ele encontrou o governo assim, mas isso é insuficiente para dar sustentação e credibilidade ao seu governo ao longo do tempo. A pressão da credibilidade e das urnas é que pode levar a mudanças na área econômica. BF – Diante dos resultados das urnas, é possível alguma mudança com a atual equipe econômica? Pochmann – O problema não são as pessoas. Se tira um economista e coloca um médico e as coisas permanecem iguais. Eu aprendi uma coisa: quando o governo vai mudar, obviamente não fica debatendo as mudanças em seminários abertos, e vai dizer que vai mudar; ele simplesmente muda. Ficar sinalizando que está em debate a mudança tem impactos no mercado financeiro, na bolsa de valores, no mercado de trabalho etc.

Brasil de Fato – Como avalia a política econômica do governo do PT? Márcio Pochmann – Está explícito que se trata de um programa de continuidade ao que vinha sendo implementado no Brasil. A equipe econômica tem dado sinais claros de que não houve alteração. No ano passado, havia um discurso de que estávamos em uma transição e que o custo necessário para superarmos a herança maldita era dar continuidade ao programa, uma espécie de um passo atrás para que dois para frente pudessem ser dados. Mas fato concreto é que não há pelo menos explicitada a perspectiva que se vá alterar substancialmente a política econômica. Por outro lado, há sinais de que o governo está querendo encontrar algumas folgas discutindo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a composição do superávit primário em relação à contabilização do que é investimento e do que não é investimento. Nesse sentido, acredito que o governo está convencido de que, apesar de aplicar a política econômica que vinha em curso desde os anos 90, obteria resultados melhores do que os de governos anteriores em termos de crescimento econômico e desempenho social.

Está se construindo um país que é uma volta ao século 19 BF – Mas, afinal, é possível mudar sem romper contratos? Pochmann – A Argentina não rompeu contratos. A questão básica é a seguinte: que experiência nós temos de mudança, de ruptura com a política macroeconômica? A revolução de 30? Você tinha 3,7 milhões de famílias que aprisionavam a política econômica em prol da economia cafeeira. Hoje, tem diferenças, o Brasil é um país líder e não era naquele tempo. Qualquer coisa que um país líder venha a fazer, em caso de dificuldades, será fortemente pressionado. A Argentina tem graus de manobra para tomar determinadas decisões porque não é um país líder. Se o Brasil tomar decisões que alterem as regras do jogo, terá impactos de proporções muito mais acentuadas. A geopolítica internacional impõe a determi-

nados países maior dificuldade para fazer qualquer mudança. Acredito, inclusive, que o Brasil terá maior grau de liberdade em um quadro de agravamento do cenário internacional. BF – Como fica a relação do governo com a sociedade com o agravamento da crise social? Pochmann – O desempregado, hoje, pode votar. Mas o problema é que o político que ele elegeu não consegue transformar a realidade em seu benefício. Então, acho que há uma questão mais grave: a democracia brasileira está em xeque. Está em xeque porque é um país que não tem cultura democrática, tem mais de 500 anos e menos de 50 anos de democracia. Estamos em um período em que a realidade não se alterou favoravelmente ao povo. Diante disso, pode surgir um oportunista qualquer, que diz que pode fazer assim ou assado e levar o país para uma saída autoritária. Então, a mudança no contexto macroeconômico não é só o desafio de alterar a política econômica, mas inclusive dar sustentação ao regime democrático. BF – Uma equipe distinta poderia ousar mais... Pochmann – O Ministério de Relações Exteriores é um dos poucos exemplos que temos, mas o secretário geral, Samuel Pinheiro Guimarães, é uma pessoa que sempre se posicionou contra a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Fomos pouco ousados em não constituir equipes nas áreas econômicas com gente com pensamento distinto. Poderíamos ter equipes mais heterodoxas. Não ousamos nada no Banco Central, não ousamos nada no Ministério da Indústria e Comércio, não ousamos nada no Ministério da Agricultura. E, ao não marcar uma posição heterodoxa no Ministério da Fazenda, não aproveitamos para fazer políticas de médio e longo prazos. O Brasil está muito preocupado com o curtíssimo prazo, mas estamos vivendo uma época em que é fundamental tomar de-

cisões de médio e longo prazos. Se até mesmo o curtíssimo prazo está difícil, o médio e longo pelo menos apontariam uma meta. BF – O que mostra que não há projeto de nação... Pochmann – Eu concordo que não existe, ou pelo menos não está explicitado qual o horizonte onde se quer chegar. Na verdade, a meu ver, está se construindo um país que é uma volta ao século 19. BF – Como assim? Pochmann – De um lado temos o ciclo da financeirização que é a asfixia da possibilidade de o Brasil crescer, que está levando à polarização social, e de outro lado se tem a reestruturação da economia nacional e da participação do Brasil na economia mundial. Na verdade se tem a conformação de um modelo primário exportador, que é nisso que estamos nos especializando e que o agronegócio hoje é a referência. De certa maneira é a regressão, é a situação pré-30 do Brasil.

A democracia brasileira está em xeque BF – E essa história de substituir políticas universais por focalizadas? Pochmann – A focalização é uma nova aliança política entre os muito ricos e os muito pobres, contra os setores organizados e a classe média. Se temos um orçamento que não dá mais para crescer, só aumentando impostos. Todavia, há uma pressão do gasto financeiro, tem que crescer o superávit primário, tem que ter uma reserva orçamentária e 53% do orçamento federal estão comprometidos com o pagamento dos juros da dívida. De onde vai tirar dinheiro para isso? Ao mesmo tempo, temos a pobreza, a destruição do tecido social contaminando o país e então o que fazer? Políticas sociais focalizadas, unindo os ricos com os miseráveis. Os miseráveis vão ter programas de garantia de

Anderson Barbosa

BF – O que fazer para mudar de rumo? Pochmann – A mudança da política econômica, se é que vai ocorrer, não será por vontade técnica, e sim por pressão política. Parto do pressuposto de que será quase inexorável o governo ter que mudar a condução da política econômica, na medida em que o tempo está passando e os resultados do desempenho social e econômico não ocorreram. Haverá essa pressão para que, de alguma forma, o governo federal flexibilize as metas de superávit fiscal e as inflacionárias.

Quem é

Manifestação de trabalhadores em São Paulo: Pochmann defende a pressão política para mudar os rumos da economia

renda, Bolsa Escola etc. Mas como atender com esse orçamento os ricos com a financeirização, e os miseráveis com programas de garantia de renda? De onde vai sair o dinheiro? Dos gastos com a saúde, a educação, a previdência. Os estudos do Ministério da Fazenda dizem que quem recebe acima de meio salário-mínimo per capita é rico, então não é preciso gasto social com essa gente. BF – O que acha de o aumento real do salário-minímo não ter ido além de R$ 4? Pochmann – Não me preocupa muito o valor do salário-mínimo nominal. Minha preocupação é que não temos uma política nacional para o salário-mínimo. O fato é que R$ 260, R$ 280, R$ 320 seriam salários insuficientes para uma pessoa viver dignamente. Mais do que isso, distante, inclusive, do preceito constitucional. Não quero dizer com isso que não é meritória a elevação real do mínimo, mas a questão fundamental é de médio e longo prazos. Em 1960, o mínimo era três vezes maior do que o atual. Se temos obstáculos como as contas públicas, a previdência, de outro lado o aumento do saláriomínimo tem papel importante no combate à pobreza, na elevação do consumo, no estímulo à atividade econômica. E como não há perspectiva de plano, no ano que vem, vamos voltar à mesma discussão. BF – Quais seriam as bases de um plano nacional para o salário-mínimo? Pochmann – O salário-mínimo foi criado para o trabalhador da ativa, não é política social, é política de trabalho. Até 1964, tínhamos as comissões tripartite de salário-mínimo, comissões regionais de salário-mínimo nas quais a sociedade participava. Acho importante recuperar esse papel, dando voz a quem paga e a quem recebe. Outra questão a ser resolvida é a indexação da aposentadoria, que vinha perdendo seu valor real, ao salário-mínimo. Foi uma medida de proteção ao valor da aposentadoria. BF – Seria o caso de desvincular, então? Pochmann – A questão é como garantir o poder aquisitivo do aposentado. Perdemos a oportunidade de discutir isso na reforma da Previdência. Preocupou-se em discutir o teto, mas não o piso, ou seja, qual o custo de vida de um idoso. É preciso definir esse valor e, a partir daí, seria assumido o compromisso de manter o valor real da aposentadoria. Feito isso, não vejo por que manter a vinculação.


Ano 2 • número 62 • De 6 a 12 de maio de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNO COLÔMBIA

Plano Patriota reacende conflitos A

violência policial e a ação das Forças Armadas estão colocando ainda mais fogo na Colômbia, país que vive um estado de guerra civil há 38 anos. No dia 1º, uma das maiores marchas operárias e populares já realizadas no país, terminou com enfrentamentos entre a polícia e milhares de manifestantes. A Esquadra Móvel Anti-Distúrbios (Esmad), também chamada por trabalhadores e estudantes de “polícia negra de terror de Bogotá”, atacou a marcha com bombas de gás lacrimogêneo e pressionou o povo contra as paredes da catedral de Bogotá, na Praça Bolívar Nas manifestações, os trabalhadores reclamaram do alinhamento do governo aos interesses dos Estados Unidos e criticaram as políticas econômica, trabalhista e comercial do presidente Álvaro Uribe. Segundo dados do próprio governo, nos quatro primeiros meses de 2004 foram assassinados 12 sindicalistas, que se somam aos 355 que morreram violentamente nos três últimos anos. Uribe não se impressionou com os protestos. Recentemente, ele declarou que “o fundamental é a paz, Base Aérea de Manta – Localizada próximo ao Paralelo Zero, uma posição estratégica para o controle militar do conjunto do Pacífico Sul, do Canal de Panamá e da América Central. Foi cedida aos Estados Unidos, por meio de convênio, para instalação de um Centro de Operações Avançadas. Plano Colômbia – Plano de intervenção dos Estados Unidos na Colômbia, com o pretexto de combater o narcotráfico no continente,com investimentos previstos de 7,5 bilhões de dólares. As operações militares começaram em 2000. Previsto para ser encerrado em 2005, está sendo implicitamente renovado com um ano de antecedência, sob a rubrica de Plano Patriota.

HAITI

Ato público condena envio de tropas brasileiras da Redação Caíram por terra as pretensões do governo brasileiro, de liderar a operação de paz no Haiti. Por unanimidade, o Conselho de Segurança das Nações Unidas determinou que a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comunidade do Caribe (Caricom) vão comandar as tropas de paz que assumem a segurança do país centro-americano a partir de junho. Mesmo assim, o Brasil deve levar adiante a intenção de mandar 1.470 soldados ao Haiti no início de junho. A participação brasileira deve custar ao país cerca de R$ 150 milhões.Várias personalidades e representantes de movimentos sociais desencadearam um movimento contra o envio de tropas brasileiras ao país. Eles participam de um ato público, que será realizado dia 13, às 19h, na sala do Estudante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na capital paulista. O Conselho de Segurança da ONU criou a Missão para a Estabilização do Haiti, chamada pela sigla (em inglês) de Minustah, para substituir o grupo militar liderado pelos Estados Unidos desde a queda de Jean-Bertrand Aristide. O coordenador da Minustah será um representante do secretário-geral da OEA. A missão terá 8,3 mil homens (6,7 mil militares e 1,6 mil da polícia ou civis) e deve durar pelo menos seis meses.

Polícia de Uribe reprime manifestação pacífica dos movimentos sociais contra militarização e perseguição política

pelo bem ou pelo mal”. A afirmação indica a clara intenção de romper com o diálogo com as organizações guerrilheiras, inclusive com as paramilitares, com os quais possui um tratado para o fim das hostilidades.

OFENSIVA AMBICIOSA As ofensivas estão concentradas no chamado Plano Patriota, que pretende enviar cerca de 15 mil soldados contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) nas regiões de mais difícil acesso controladas pela guerrilha, ao sul do país. Caso se concretize, o Plano Patriota seria a ofensiva militar “mais ambiciosa” do governo colombiano em toda a história de 38 anos de guerra civil no país, de acordo com fontes da administração de Uribe. O plano deve incluir a instalação de um Centro de Treinamento Nacional na selva amazônica, para evacuação e assistência médica nos campos de batalha, a fim de garantir a presença constante de contingentes do Exército no local. Segundo jornais colombianos, a elaboração do Plano Patriota está a cargo de funcionários do governo de Uribe e Exército nacional, com participação ativa dos chefes do Comando Sul dos Estados Unidos e membros dos departamentos de Estado e de Defesa estadunidenses. Estima-se o aporte de 110 milhões de dólares do Plano Colômbia para esta ofensiva, que contará ademais com a alocação de efetivos militares mercenários, contratados

especialmente pelo governo estadunidense, a nova tática dos Estados Unidos para evitar perder soldados em guerras alheias.

PERMISSÃO PARA MATAR No contexto do Plano Patriota, os soldados equatorianos que realizam operações na fronteira norte – qualificada pelas Forças Armadas como zona de alto risco – têm instruções que permitem capturar ou matar suspeitos, pessoas armadas, uniformizadas ou com “atitudes

hostis”. As disposições revelam a magnitude da participação do governo do presidente Lucio Gutiérrez nos planos das Forças Armadas da Colômbia e do Comando Sul dos Estados Unidos. A crescente presença militar dos EUA no Equador, intensificada especialmente desde a concessão da Base Aérea de Manta, em 1999, está forçando abertamente as Forças Armadas equatorianas a operar como instrumento da estratégia militar do Comando Sul. As novas disposições

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, acusou os Estados Unidos de tentar apoderar-se da fronteira do país com a Colômbia e advertiu que qualquer ação nesse sentido desencadearia uma “guerra de 100 anos”. “Estão pensando (os estadunidenses) em cuidar de nossa fronteira”, afirmou Chávez em seu programa de rádio e televisão do último domingo. A declaração foi feita em resposta ao informe anual do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que o considerou “complacente com o terrorismo e de não poder, ou querer, cuidar da fronteira com a Colômbia”.

da Redação

Trabalhadores reclamaram do alinhamento do governo aos interesses dos EUA

Mesa volta a enfrentar a guerra do gás Uma nova onda de bloqueios de estradas e de greves, contra a política econômica do presidente Carlos Mesa, se desenvolve na Bolívia desde domingo, dia 2. Segundo Felipe Quispe, principal dirigente da Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB), os bloqueios ocorrem em todo o país, organizados por movimentos de trabalhadores na saúde, mineiros, professores urbanos e estudantes, entre outros. A exigência é a renacionalização dos recursos naturais e o fim do neoliberalismo. Numa interminável seqüência de problemas, o governo do presidente boliviano Carlos Mesa completa seis meses em meio a uma séria crise, que ele está preferindo creditar a uma tentativa de golpe de

AMEAÇA À VENEZUELA

Cocaleiros pedem fim da intervenção

BOLÍVIA

da Redação

militares foram reveladas pelo jornal El Comercio, de Quito. A Comissão de Assuntos Internacionais do Congresso do Equador está analisando as conseqüências que o Plano Patriota terá no país. Mario Touma, deputado pelo Partido Roldosista do Equador (PRE), pediu ao governo que inclua o tema na agenda oficial da próxima assembléia geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), dias 6 a 8 de junho.

PERU

CMI

da Redação

Fotos: Simone Bruno

População enfrenta polícia e intervenção dos EUA que, com o Plano Colômbia, atinge também Venezuela e Equador

População voltou às ruas para protestar

Estado. O Movimento ao Socialismo (MAS) e o Movimento Bolívia Livre (MBL) consideraram que recentes manifestações em La Paz, Cochabamba e Santa Cruz eram sinais de um processo sistemático de desestabilização, iniciado por grupos separatistas e partidos políticos ligados a interesses transnacionais. Supostamente, o objetivo da tentativa de golpe seria obrigar Mesa a tomar duas decisões: a imediata venda do gás para a Argentina e uma antecipação das eleições ge-

rais, marcadas para dezembro. Os movimentos sociais cobram, em vão, decisões soberanas. No dia 21 de abril, Carlos Mesa e o presidente argentino, Néstor Kirchner, firmaram a chamada “Declaração de Buenos Aires”, pela qual as empresas Repsol/ YPF e Petrobras venderão, a partir de junho, 4 milhões de metros cúbicos de gás boliviano à Argentina, uma decisão que prejudica o Chile. A decisão de Mesa, de buscar saída para o gás de Tarija, se explica pela urgência em gerar recursos que lhe permitam cumprir as exigências setoriais do seu país, pondo em risco sua própria permanência no cargo. Do outro lado, os movimentos sociais exigem que seja aprovada uma Lei de Combustíveis, que beneficie a população boliviana e não as empresas transnacionais. (Adital, www.adital.com.br)

Caminha em direção a Lima a marcha dos produtores de coca peruanos. Eles pedem o fim imediato da política de erradicação das plantações de coca, imposta, segundo o movimento, pelo governo dos Estados Unidos, sem o conhecimento da realidade econômica e cultural do país. Os cocaleiros vão se reunir com mais de 10 mil manifestantes na capital, para exigir o cadastramento de produtores para que possam cultivar coca legalmente. Querem também a promulgação de uma nova lei da folha de coca, que abranja a industrialização e comercialização legal do produto, incluindo a exportação em diversas formas, como infusões, matéria-prima para bebidas energéticas, medicamentos e outros. A Confederação Nacional de Produtores Agropecuários das Bacias Cocaleiras (CONPACCP) denuncia que o programa de erradicação da coca, promovido pela Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Vida sem Drogas (Devida), fracassou porque os recursos destinados à substituição de cultivos estão sendo desviados pelos administradores dos fundos destinados pelo governo estadunidense para a troca. Os manifestantes querem ainda a liberação do dirigente máximo do movimento cocaleiro, Nelson Palomino, detido em um presídio de Ayacucho. (Adital, www.adital.com.br)


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De 6 a 12 de maio de 2004

AMÉRICA LATINA ARGENTINA

Crise energética vem com privatização Entrega do setor de energia a empresas privadas não resultou em aumento da oferta e qualidade do serviço Ali Burafi/AFP

Claudia Korol de Buenos Aires (Argentina)

A

crise energética que vive a região põe em debate a essência das políticas privatistas que são o fundamento do modelo neoliberal, que prometiam investimentos, crescimento e seriedade no manejo dos recursos naturais. Não se trata, agora, somente de buscar apressadas saídas conjunturais, mas de implantar uma audaz estratégia de recuperação de recursos, investimento, exploração de novas possibilidades e nacionalização dos setores estratégicos da economia. Os paliativos tentados pelo governo argentino – como a compra de gás da Bolívia, de eletricidade do Brasil e de petróleo da Venezuela –, não resolvem os problemas estratégicos causados pelo esgotamento das reservas de combustíveis, suficientes, no máximo, para abastecer o país por 10 anos, e o fato de que uma grande parte da população argentina não está abastecida. (Vale ressaltar que tampouco se conhece o dado exato das reservas, já que a informação existente se baseia em uma declaração jurada e assinada por auditores amigos das empresas produtoras).

ESCARAMUÇAS Nesse contexto, foi criado malestar com o Chile, a partir do anúncio do governo da Argentina de que serão reduzidas suas exportações de gás ao país vizinho (mas também para o Brasil e Uruguai), e têm surgido conflitos na relação com a Bolívia. A Central Operária da Bolívia (COB) decidiu realizar uma série de protestos e convocou uma greve por tempo indefinido em maio (veja pág. 9), em oposição à venda de gás natural para a Argentina. Esse país transferirá, segundo os sindicalistas, 500 milhões de dólares para a Repsol/YPF e Petrobras, e menos de 25 milhões de dólares para o Estado boliviano. Essa mobilização põe o debate num ponto nevrálgico: o lobby das transnacionais que controlam o petróleo, o gás e os recursos naturais na região. Na Argentina, o processo de privatização do petróleo entregou o filé mignon do setor à Repsol e Techint.

uma pequena parte de seus lucros, ao mesmo tempo em que geraram novas dívidas. O certo é que, hoje, mais da metade da população está fora do mercado de consumo, ou compra botijões pagando preços internacionais. O gás de botijão representa um custo mensal três vezes superior ao do gás natural encanado (aumentou 125% desde o fim da conversibilidade). No país, há 4,5 milhões de imóveis nessa situação.

PRESSÕES POR AUMENTOS As transnacionais vêm pressionando pelo aumento de tarifas. O Fundo Monetário Internacional reforçou essas demandas, colocando-as como condição para a renegociação de 21,5 bilhões de dólares da dívida externa nos próximos três anos. O governo da Argentina acabou fazendo um acordo, dia 2 de abril, mediante o qual se compromete a aumentar, progressivamente, o preço do gás. Numa reunião com a comissão de energia da Câmara dos Deputados, realizada dia 15, o secretário de Energia, Daniel Cameron, admitiu que existe uma “crise energética, mas não uma emergência”, e confirmou que haverá uma recomposição do preço do gás para consumidores industriais e usinas térmicas. O secretário informou que o incremento das tarifas para os demais usuários se estenderá até dezembro de 2006, e que é intenção do governo aumentar o preço do gás na boca do poço, da média atual de 0,45 dólares por milhão de BTU (unidade de medida calórica do gás) para 1 dólar. Os aumentos de tarifas serão um duro golpe contra a população mais carente e não resolverão o problema dos investimentos no médio e longo prazo. O que a população deseja é uma política que sinalize o fim do processo de privatizações, para deter o saque sistemático das riquezas do país, e recuperar o controle sobre os recursos naturais, investindo em obras de infra-estrutura, na exploração e ampliação das fontes desses recursos.

Grupo de desempregados participa de protesto contra o aumento de tarifas do gás e eletricidade em Buenos Aires

Em 1999, a Repsol ampliou para 98% o controle acionário na ex-companhia estatal YPF. A empresa obtém 61% de sua produção de poços argentinos, de onde extrai, a cada dia, 460 mil barris de petróleo e 49 milhões de metros cúbicos de gás natural. Os donos da Repsol são os bancos espanhóis La Caixa e Bilbao Viscaya, e 9,36% das ações pertencem ao fundo estadunidense Brandes. O pesquisador Fabián Amico lembra que a compra da YPF pela Repsol, o último grande negócio da era menemista (do ex-presidente Carlos Menem), foi uma operação de mais de 15 bilhões de dólares. O controle da Repsol abarca desde a produção e disponibilidade de petróleo, até o refinamento e comercialização de combustíveis. Em todas essas áreas, tem mais de 50% do mercado.

EMPRESA DOMINANTE A empresa é o maior exportador do país, com vendas superiores a 1,4 bilhão de dólares. Também ocupa uma posição dominante na produção e distribuição de gás

natural, na comercialização de gás liqüefeito, na distribuição elétrica (Edenor e a distribuidora Entrerriana) e na geração (através da Central Térmica Dock Sud). “As vinculações societárias da Repsol na Espanha com a Endesa (Edesur, Central Costanera) e Iberdrola (Gás Natural BAN) comportam um grupo de empresas vinculadas que, de fato, controlam todo o negócio energético nacional”, assinala Amico. Quanto ao sistema de preços adotado, acrescenta, o grupo transfere para o mercado doméstico, sem qualquer relação com os custos locais, todas as altas do petróleo no mercado internacional. Mas nunca as diminuições. “Isso é possível por causa da composição oligopolista do mercado de combustíveis, onde sete empresas concentram 86% da produção”, diz o especialista.

MESMOS ARGUMENTOS O discurso das transnacionais insiste em apontar como causa da crise energética, a falta de um au-

mento maior nas tarifas de gás, eletricidade, transporte e do preço do gás na boca do poço, depois da desvalorização. No entanto, é preciso dizer que o investimento petroleiro total no cenário pós-conversibilidade (paridade do peso com o dólar) as favoreceu. Os principais preços do negócio de combustíveis seguem dolarizados. O valor do óleo cru no mercado internacional está em seus níveis históricos mais elevados e eles regem também as transações no mercado interno. Isso compensa as supostas “perdas”, ocasionadas pela pesificação do preço do gás no mercado interno.

GÁS CARO As empresas de gás obtiveram, entre 1993 e 2001, lucros ao redor de 3,8 bilhões de dólares, dos quais 81% foram repartidos na forma de dividendos. Na realidade, a rentabilidade das empresas privatizadas não só não contribuiu para a expansão do sistema, como agravou o endividamento, já que as empresas apenas reinvestiram

Claudia Korol é secretária de redação da revista América Libre e correspondente da Adital na Argentina.

CUBA

Milhares de mexicanos protestam contra Fox Debaixo de chuva, dia 3 de maio, milhares de mexicanos bloquearam parcialmente o Paseo de la Reforma, a principal avenida da Cidade do México, para protestar contra o rompimento de relações diplomáticas com Cuba por parte do governo do presidente Vicente Fox. Diante da Embaixada dos Estados Unidos, os manifestantes gritaram que “a ingerência externa no México é dos gringos, não de Cuba”. O professor universitário e colunista da imprensa Marcos Rascón, um dos manifestantes, declarou que a ação do governo mexicano faz parte de um plano maior, de inspiração do governo estadunidense, de isolamento e possível ataque contra Cuba e Venezuela. Essa análise se viu reforçada pelo fato de que o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, ao saudar a decisão mexicana, disse esperar que outros países latino-americanos rompam com Cuba.

FIDEL ATACA O escritor Carlos Montemayor, um dos mais importantes do México, declarou-se “indignado com a docilidade que o governo Fox demonstra cada vez que é preciso

Eduardo Verdugo/AP/AE

da Redação

Orlando Silva. Este, que teria de abandonar o território mexicano imediatamente, foi acusado de estar realizando atividades “indevidas” em uma série de reuniões com líderes do Partido da Revolução Democrática (PRD, de esquerda).

CONTRAS E FAVORÁVEIS

Simpatizantes cubanos protestam em frente ao Departamento de Relações Exteriores mexicano na Cidade do México

se submeter aos caprichos e às ordens do governo dos Estados Unidos”. Em Havana, neste 1º de Maio, uma das datas tradicionalmente marcadas pelos longos discursos do mandatário cubano, Fidel Castro gastou boa parte do tempo disparando sua artilharia verbal diretamente no coração do governo mexicano.

Ao falar da “humilhante intromissão” dos EUA nas decisões do governo mexicano – o voto do país contra Cuba na Comissão de Direitos Humanos da ONU foi divulgado primeiro em Washington –, acusouo de “converter em cinzas (...) tanto prestigio e influência na América Latina no mundo conquistados (pelo México) por sua irretocável política internacional, emanada de uma

revolução verdadeira e profunda”. Em resposta, já no domingo (2), o governo mexicano retirou de Havana a embaixadora Roberta Lajous e solicitou a Castro que adotasse o mesmo procedimento, num prazo de 48 horas, com o seu embaixador, Jorge Bolaños Suárez, também declarando persona non grata o conselheiro para Assuntos Políticos da representação diplomática cubana,

Durante seu discurso de 1º de Maio, além de acusar o governo mexicano de subserviência em relação aos EUA, Fidel aproveitou para afirmar que o Congresso mexicano não teria apoiado as decisões de Fox relativas à Cuba na ONU, o que, segundo o jornal La Jornada, não é de todo inverídico. De acordo com o jornal, a senadora Dulce María Sauri Riancho e outros parlamentares rechaçaram a posição do governo e exigiram que o Executivo “deixe de deteriorar a relação com Havana e se apegue aos princípios de autodeterminação e respeito à soberania dos povos, que tem regido a política exterior mexicana e que, certamente, lhe valeram prestigio e respeito na comunidade internacional”. Também o Peru rompeu relações com Cuba por causa das referências de Fidel a seu governo. (Com informações da Agência ANSA, do La Jornada e da Prensa Latina)


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INTERNACIONAL PALESTINA

Deputados brasileiros lançam rede solidária Após viagem ao Oriente Médio, parlamentares não se conformam com violência do Exército israelense

A

pós integrar uma delegação oficial, que regressou do Oriente Médio dia 25 de abril, deputados brasileiros decidiram organizar uma rede de parlamentares na América Latina, com o objetivo de pressionar a Organização das Nações Unidas (ONU) e governos de diversos países a realizar ações concretas para o reconhecimento do Estado palestino e a pacificação da região. Participaram, entre outros, os deputados Jamil Murad (PCdoB-SP), Leonardo Mattos (PV-MG), Nilson Mourão (PT-AC) e Vanessa Grazziotin (PPS-MG). Segundo Murad, coordenador da delegação, o único meio de se estabelecer o Estado e o direito do povo palestino é a articulação política de repúdio à ocupação da Palestina. Para ele, isso é necessário pois a relação militar é desigual, já que o governo de Israel tem um Exército mais poderoso, ligado a serviços de inteligência e apoiado pelos Estados Unidos, enquanto a Autoridade da Palestina está proibida de ter forças armadas. Em entrevista ao Brasil de Fato, Murad afirmou que a rede de deputados latiCorte Internacional no-americanos de Justiça – Localizada em Haia, na poderia agir de Holanda, a corte é duas formas: a mais importante pressionando a instituição judicial da Organização Corte Internadas Nações Unidas cional de Justi(ONU). Avalia princiça a condenar o palmente casos de ataques internaciogoverno israenais e crimes contra lense, princia humanidade. palmente pela

Os deputados federais Jamil Murad, Leonardo Mattos, Nilson Mourão (sentados) e Vanessa Grazziotin (em pé) visitam o líder palestino Yasser Arafat, impedido de sair de seu quartel-general em Ramallah

Divulgação

João Alexandre Peschanski da Redação

construção de um muro que isola o território da Palestina, e apoiando institucionalmente parlamentares palestinos, que sofrem perseguições por parte do Exército de Israel. Ele espera trazer o presidente do Conselho Legislativo da Palestina, Rouhi Fatouh, para conhecer o Brasil e iniciar as atividades da rede. Murad disse que pretende apresentar a proposta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na viagem, ele encontrou o presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, que afirmou ter esperança de que Lula possa jogar um papel importante na denúncia da ocupação da Palestina. Murad também agendou diversas palestras e debates sobre a situação no Oriente Médio, para trazer mais informações sobre o que ocorre na região. Dia 6, a

partir das 19h, ele deve participar de um evento sobre a ocupação da Palestina na Sala do Estudante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco, 95.

ciou ataques dos soldados israelenses. “São tanques contra jovens com pedras”, afirmou. Na cidade, ele se encontrou com Arafat, que está impedido de sair de um prédio da OLP, pois pode ser preso ou assassinado. Apesar da ocupação, o deputado disse que o povo palestino é generoso e atencioso. Segundo ele, em Ramallah há muitos prédios novos, o que, para ele, mostra que o país não deixa de se desenvolver, apesar dos ataques do Exército israelense. No dia da entrevista, Murad comentou que, pela televisão, vira que um desses edifícios que acabara de ser destruído, após um bombardeio de Israel.

PUNIÇÃO COLETIVA Para Murad, a violência do exército israelense funciona como uma punição coletiva ao povo palestino, porque não atinge apenas militantes de grupos de resistência, mas toda a população. Muitas das cidades que visitou, disse, estão em ruínas e constantemente controladas por bloqueios de soldados de Israel. Uma delas, Calquilha, no Leste do país, está cercada pelo Exército, que só deixa uma entrada para a população, freqüentemente fechada, impedindo as pessoas de saírem da cidade. Em Ramallah, Murad presen-

MURO DO APARTHEID Na faixa de Gaza, perto de Calquilha, a delegação brasileira

foi vítima de um ataque por parte de soldados israelenses, que jogaram bombas de gás lacrimogêneo, para impedir que os deputados se aproximassem do muro de 700 quilômetros e 9 metros de altura, construído pelo governo de Israel para isolar os territórios palestinos. Os parlamentares, acompanhados do embaixador do Brasil em Israel, Sérgio Eduardo Moreira Lima, não sabem por qual razão foram atacados – e enviaram uma nota de protesto ao gabinete do primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon. Segundo Murad, o muro, que ele chama de “Muro do Apartheid”, é uma agressão digna de um regime fascista, pois provocou a separação de famílias e a prisão de milhares de palestinos. Além disso, de acordo com ele, causou a destruição de 150 mil oliveiras, principal fonte de renda dos trabalhadores na Palestina. Para Farid Suwwan, presidente da Confederação Palestina da América Latina e Caribe, que também participou da delegação, a repressão a delegações internacionais faz parte da estratégia de Sharon, de impedir que o mundo saiba o que ocorre na Palestina. “O ataque aos deputados brasileiros certamente não vai impedi-los de denunciar o crime que o governo de Israel está cometendo”, disse.

IRAQUE

Empresas querem lucros por controle remoto Sanjay Suri de Londres (Inglaterra)

diante do salão. A importância do encontro ficou evidente pela presença do almirante David Nash, chefe do programa de outorga de contratos no valor de 18,6 bilhões de dólares, até a entrega do poder da Autoridade Provisória a um novo governo iraquiano, prevista para 30 de junho. Também estava presente o assessor especial de Blair para comércio e investimentos, Brian Wilson, que fez uma calorosa defesa dos negócios via controle remoto. “O conselho da chancelaria britânica para as viagens ao Ira-

“A conferência foi uma partilha dos bens, dos minerais e da riqueza iraquiana”, disse Ghada Razuki, portavoz da coalizão Parem a Guerra.

ACORDOS SIGILOSOS A reunião contou com o claro apoio do governo do primeiroministro britânico Tony Blair, que desde o início da guerra queixavase de que as empresas britânicas haviam sido marginalizadas do negócio da reconstrução. Foi mantido total silêncio sobre as negociações específicas desenvolvidas durante os três dias de reunião. As autoridades estabeleceram fortes medidas de segurança ao redor do Hilton. O banquete em New Connaught Rooms, no centro de Londres, foi mantido em segredo e apenas alguns ativistas puderam protestar

Nike coloca à prova Pacto Mundial Marty Logan de Montreal (Canadá)

Ativistas holandeses lançam boicote contra a Esso, transnacional que coopera com a invasão do Iraque

que é claro: adiar, mesmo as mais essenciais”, disse Wilson. Porém, “os difíceis problemas de segurança não devem nos fazer perder de vista o objetivo, de longo prazo, de ajudar os iraquianos a reconstruírem sua infra-estrutura e economia”, afirmou. Assim, Wilson deu o sinal para que os empresários estabelecessem contato com os delegados iraquianos presentes, ou para que os designassem gerentes locais de empresas controladas de fora do Iraque por multinacionais ocidentais. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

DIREITOS TRABALHISTAS

Olaf Kraak/AFP

Enquanto a violência sacode as cidades iraquianas de Faluja e Najaf, representantes de 300 grandes empresas se reuniram no Hotel Hilton de Londres para ganhar dinheiro no Iraque sem se machucarem. Os organizadores da conferência, na última semana de abril, apresentaram a fórmula mágica: o controle remoto. “Existem excelentes oportunidades de negócios no Iraque sem necessidade de visitar o país”, prometiam. A conferência foi patrocinada pela empresa de relações públicas Windrush Communications, pela Câmara de Comércio Árabe-Britânica e pela Corporação Petrolífera do Kuait. As reservas se esgotaram

um mês antes. A reconstrução do Iraque implicará, segundo cálculo dos organizadores, negócios entre 100 bilhões de dólares e 500 bilhões de dólares nos próximos cinco anos. Entre os participantes estavam a Raytheon, a fabricante estadunidense de “bombas inteligentes”, que foram letais no Iraque e que está envolvida no projeto Sivam, no Brasil. Também compareceram as empresas de petróleo Shell, ChevronTexaco, Esso-ExxonMobil, Petrofac e Oxy; a farmacêutica Pfizer; a montadora Volvo; a companhia postal DHL; a empresa de telecomunicações SpeakerBus; as construtoras VP Buildings, Foster Wheeler e Hill International; a firma de insumos médicos Orex, e as empresas de segurança ICP Group e Triplo Canopy.

Depois de a Organização das Nações Unidas (ONU) ignorar as denúncias, e questionar novamente a eficácia do Pacto Mundial, sindicatos dos Estados Unidos e do Canadá examinam a possibilidade de acusar de abusos a companhia de artigos esportivos Nike perante a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Nike aderiu ao pacto e, em 2001, já foi acusada de violar os direitos de sindicalização de seus empregados. “Os empresários devem respeitar Pacto Mundial – Acordo assinado a liberdade de em julho de 2000, associação e pelo qual empresas reconhecer de se comprometem a forma efetiva respeitar princípios de direitos humanos, o direito de netrabalhistas e amgociação colebientais. Foi firmado tiva”, diz o teraté agora por 1.400 corporações de todo ceiro princípio o mundo. do documento

da ONU. Em uma carta dirigida a Kofi Annan, secretário geral da ONU, datada em 14 de abril, quatro sindicatos canadenses e estadunidenses afirmam que a Nike “viola de forma sistemática os direitos de associação e negociação coletiva dos trabalhadores do Canadá”. Em 1995, a Nike comprou a fabricante de uniforme para hóquei Bauer, com três unidades em território canadense que tinham 1.100 trabalhadores sindicalizados. Depois fechou duas unidades e na terceira ficou com apenas 225 empregados sindicalizados. “Acreditamos que a Nike deveria ser objeto de alguma sanção, caso não mude sua atitude”, diz a carta a Annan. Porém, o chefe-executivo do Escritório do Pacto Mundial, Georg Kell, descartou qualquer tipo de ação, porque as Nações Unidas não podem “interferir” em disputas trabalhistas. (IPS/Envolverde www.envolverde.com.br )


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Por uma África do Sul mais justa Thabo Mbeki de Pretória (África do Sul)

O

povo da África do Sul recentemente votou de forma esmagadora pela unidade e a reconciliação nacional, ao renovar o mandato do Congresso Nacional Africano (CNA). Na celebração da primeira década da libertação, os sul-africanos repudiaram a perpetuação das divisões raciais e étnicas do passado, bem como as tentativas de convencê-los de que pertencem a compartimentos separados com interesses contrários. O desafio central enfrentado pelo nosso país durante sua primeira década de democracia foi o da erradicação de um legado de 350 anos de colonialismo e apartheid, que compreendeu, e compreende, todos os aspectos da atividade humana, seja política, econômica, social ou cultural. Tivemos que romper com nosso passado para erradicar esta herança, acima de outras coisas, para: • assegurar que nosso povo viva sem tensão nem conflitos, contemplando nossa diversidade racial, étnica e religiosa, e que cada um veja garantida sua dignidade humana; • assegurar a coesão territorial de nosso país como uma entidade unida na qual todos tenham direito a trabalhar e viver em qualquer lugar dentro de nossas fronteiras; • trasladar nossa vitória democrática para uma democracia que funcione apropriadamente, promova a igualdade para todos e goze do apoio de uma maioria esmagadora, se não de todas as pessoas; • resgatar nossa economia de uma endêmica crise de estancamento, depressão e regressão; • reestruturar a economia de modo a atingir um desenvolvimento sustentado e de torná-la competitiva internacionalmente; • erradicar a pobreza e o subdesenvolvimento e terminar com as disparidades raciais e de gênero em matéria de riqueza, renda e oportunidades, e • normalizar as relações entre nosso país, o resto da África e o mundo para recuperar nosso lugar na comunidade de nações como uma força para a paz, a democracia e uma cooperação mutuamente vantajosa. Nossos opositores deliberadamente minimizam os êxitos de nosso país nessas áreas. Eles fazem todo o possível para persuadir as pessoas a se esquecerem da feia realidade

Paulo Pereira Lima

Mbeki, presidente reeleito pelos sul-africanos, defende sua vitória e diz que povo não se deixou enganar pela oposição

Refugiados de diversos países africanos em albergue em Johannesburgo, capital econômica e cultural da África do Sul

da sociedade do apartheid, da qual estivemos trabalhando para escapar durante os últimos dez anos. Como parte dessa campanha, a oposição constantemente argumenta que se referir ao contínuo impacto do legado do apartheid é “jogar a carta racial”. Ao tentar apagar nosso passado racista da memória e negar seu sustentado impacto no presente e no futuro, eles buscam atribuir ao CNA e à ordem democrática todos os problemas que, na realidade, herdamos. Desavergonhadamente, os opositores pretendem fazer crer que esses problemas, que têm uma antigüidade de vários séculos, podem ser resolvidos em apenas dez anos e que o fracasso em resolvêlos constitui um fracasso de nosso movimento. No entanto, os sul-africanos rechaçam firmemente esses desesperados esforços para enganá-los porque sua própria experiência lhes ensinou qual é a verdade. A história da longa e árdua luta política que realizaram deixou-os bem preparados para distinguir entre aparência e realidade. Os pobres de nosso país, os milhões de trabalhadores e de desempregados constituem a base de apoio do CNA. Em seus ombros se apóia

a luta democrática, fazendo com que eles sejam seus próprios libertadores. Ao mesmo tempo, são eles que suportarão o peso da pobreza, das privações e dos sofrimentos impostos ao nosso povo pelo brutal sistema do colonialismo e do apartheid. Devido à sua extremamente dolorosa experiência, essas massas, mais do que qualquer outro setor de nossa população, ti-

veram o maior interesse na vitória da revolução democrática. Elas se converteram nos mais firmes partidários do CNA, porque constantemente se pôs à frente do povo em luta e foi inflexível em sua busca da liberdade, bem como teve a determinação de não se deixar subornar para trair suas aspirações. As massas rechaçaram a afirmação de que aos desafios do país só se pode

fazer frente se o povo for separado em campos antagônicos definidos pela raça, cor ou etnia. Elas se recusaram a aceitar a afirmação de que o mesmo movimento que as liderou na luta para erradicar a pobreza e o subdesenvolvimento é a causa desses males que continuam sofrendo. Hoje em dia, devemos trabalhar juntos em um compromisso popular para levar nosso país adiante na erradicação da herança do colonialismo e do apartheid. Esse compromisso incluirá a criação de mais postos de trabalho e a redução da pobreza, construção de uma África do Sul não racial e não sexista, com contínua redução das disparidades raciais e de gênero, que continuam desfigurando nosso país, o reforço da unidade e da reconciliação nacionais, a posterior extensão das fronteiras do continente e da cultura e uma intensa contribuição para a vitória do renascimento africano e o surgimento de um mundo justo. (IPS/ ANC Today/Envolverde)

Thabo Mbeki é o presidente da África do Sul, reeleito em 14 de abril para um mandato de mais 5 anos.

Oposição ficou reduzida à mínima expressão Jacklyne Hobbs e Moyiga Nduru de Pretória (África do Sul) A terceira vitória esmagadora consecutiva do governante Congresso Nacional Africano (CNA) da África do Sul leva ao questionamento a eficácia da oposição política e da sociedade civil. Também ficam dúvidas sobre a duração da lua-de-mel do CNA com a cidadania, iniciada com o fim do apartheid (regime de segregação racial em prejuízo da maioria negra) e o triunfo eleitoral do ex-presidente Nelson Mandela, em 1994. Os números da eleição mostram que o CNA se prepara para dominar a política sul-africana, tanto em nível nacional quanto provincial, devido à esmagadora maioria que obteve. “A confiança expressada pelos sul-africanos nos dá um banho de humildade”, disse à IPS o porta-voz do reeleito presidente Thabo Mbeki para assuntos partidários, Smuts Ngonyama. Cerca de 70% dos eleitores votaram no CNA. A oficial Comissão Eleitoral Independente informou que três quartos dos 20,7 milhões de eleitores registrados compareceram para votar. A falta de observadores da Organização das Nações Unidas, da

Comunidade Britânica e da União Européia (UE) funcionou como selo de aprovação antecipada. Mas, houve episódios isolados de fraude eleitoral. Um deles em KwaZulu Natal, onde um militante do CNA foi descoberto de posse de códigos de barra auto-adesivos que as autoridades colocam nos documentos eleitorais para garantir maior rigor à identidade do eleitor.

Movimento quer terra produtiva para maioria negra Nas províncias de KwaZuluNatal e Limpopo, funcionários públicos encarregados dos locais de votação foram retirados porque pertenciam a algum partido. Porém, a equipe de observadores do Fórum Parlamentar da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral limitou-se a recomendar que nas futuras eleições sejam utilizadas urnas transparentes e, ainda, que sejam aumentados os locais de votação em regiões densamente povoadas. Também a Coalizão de Observadores da Sociedade Civil Sul-Africana considerou que as

eleições foram livres e justas, embora tenha indicado que seus integrantes tiveram dificuldades para entrar nas seções eleitores. A Aliança Democrática (AD) voltou a ser o principal partido de oposição, mas, com apenas 12% a 13% dos votos apurados até a última sexta-feira. Surgem, portanto, dúvidas sobre sua capacidade de exercer um controle efetivo sobre o governo no Parlamento. Mas “não poder ganhar uma votação cada vez que se discute uma lei no parlamento não transforma a oposição em algo redundante”, disse à IPS o porta-voz da AD, Nick ChellandStockes. “Este resultado nos obriga a ser criativos e encontrar modos de assegurar que o governo aja com responsabilidade”, acrescentou. “Desempenharemos nosso papel nos meios de comunicação, comitês parlamentares, provocando o debate no Congresso e interpelando os ministros e o presidente”, afirmou Clelland-Stockes. Mas a escassa oposição política poderia levar organizações sociais a ocuparem o vazio, seguindo o exemplo da Campanha de Ação por Tratamento, grupo de pressão que teve papel fundamental ao obrigar o governo a fornecer medicamentos aos portadores do vírus da deficiência imu-

nológica humana (HIV). A organização reiterou durante a campanha suas advertências sobre a falta de apoio que o governo do CNA dá aos portadores do vírus, que somam 5,3 milhões de pessoas.

Questiona-se capacidade de a oposição fiscalizar governo Ngonyama explicou que o CNA tem vínculos históricos com as organizações não-governamentais, embora o partido considere que “alguns elementos da sociedade civil querem apenas alterar o processo (democrático) para defender outras agendas”. Outra organização, o Movimento dos Sem-Terra, que pregou a abstenção, continua pressionando para resolver o desequilíbrio racial na propriedade das fazendas produtivas. Porém, poucos negam os avanços na ampliação do fornecimento de eletricidade e água para a maioria negra, a qual teve esses serviços sistematicamente negados durante o apartheid. Ngonyama admitiu que os eleitores poderão mostrar menos compreensão em relação ao CNA se não se

reduzir o desemprego, que atinge de 30% a 40% da força de trabalho, ou não se detiver a crescente criminalidade. Analistas advertiram que fracassos nesse sentido podem dar força à principal central de trabalhadores do país, o Congresso de Sindicatos Sul-Africanos (Cosatu), no sentido de formar um novo partido político. Esses especialistas apontam para o Movimento para a Mudança Democrática, surgido entre a direção sindical do vizinho Zimbábue e contrário ao presidente Robert Mugabe, que foi um herói da guerra pela libertação e contra a opressão, bem como Mbeki também o foi. Mas, “o CNA envolveu seus sócios – Cosatu e o Partido Comunista — em todas as decisões internas. Por outro lado, os sindicatos do Zimbábue e de Zâmbia são ignorados pelos governos”, disse à IPS Khabele Matlosa, do não-governamental Instituto Eleitoral para a África Austral. O CNA terá o poder de reformar a constituição, ao conseguir dois terços das cadeiras parlamentares. Muitos na oposição temem que Mbeki pretenda converter-se em um presidente vitalício, como muitos de seus pares africanos. Entretanto, na semana passada, Mbeki negou essa possibilidade. (IPS/Envolverde www.envolverde.com.br)


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AMBIENTE SEGURANÇA ALIMENTAR

Monsanto troca apoio por safra modificada Transnacional oferece acesso a insumos a quem teve prejuízos com a estiagem, de olho no cultivo de OGM em 2005 Claudia Jardim da Redação

agricultores não sabe que paga a mais por causa dos royalties. O preço já é embutido quando eles negociam com a cooperativa”, afirma. Segundo a pesquisa realizada na Universidade de Berkeley, Califórnia, nos Estados Unidos, a soja transgênica produz 6% menos que

da Redação Pela primeira vez no país, pesquisadores farão uma avaliação dos impactos ambientais da transgenia sobre os microorganismos e fauna do solo. A coleta deste material começou, dia 3, na área de plantio experimental e controlado de feijão transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado e de seu equivalente convencional, em Santo Antônio de Goiás, no campo experimental da Embrapa Arroz e Feijão. Entre os fatores a serem avaliados estão o teor de nitrogênio atmosférico fixado e assimilado pela planta, a comunidade microbiana associada à superfície das raízes e àquela presente na rizosfera, para identificar possíveis grupos de microorganismos. Serão também avaliadas a biomassa microbiana e a atividade respiratória. Além dos microorganismos, serão também avaliados os invertebrados mais freqüentes no solo como minhocas, besouros, aranhas e formigas. Estes organismos são importantes para a fertilidade e as condições físicas do solo e, no caso de predadores, podem atuar no controle biológico de pragas. No Brasil, o plantio de culturas transgênicas em áreas extensas pode representar uma nova forma de impacto ambiental que precisa ser avaliado com cuidado, em especial porque os resultados obtidos em países de clima temperado não poderão, a prinRizosfera - Porção cípio, ser imdo solo que está sob portados para a influência da raiz. a realidade nacional. O estudo de possíveis efeitos sobre as comunidades de organismos não-alvo pode mostrar que alterações não esperadas ocorreram durante o desenvolvimento da planta transgênica, afetando diferentes partes do genoma. (Ambiente Brasil, www.ambientebrasil.com.br)

“A Monsanto foi mais rápida e agiu no vácuo deixado pelo governo federal, que não solucionou o

a indústria arca com os “prejuízos desta produção”, mas mantém os agricultores “amarrados no próximo plantio com o pacote oferecido pela indústria”, reitera Fernandes. De acordo com o presidente da Fetag, a ajuda oferecida vai desde adubos e fertilizantes a sementes de soja transgênica. No caso do milho, outra variedade que será doada pela Monsanto, ainda não se detectou nenhum caso de transgenia no Brasil. No entanto, “corre-se o risco de ser transgênico”, alerta Fernandes para o que pode ser a estratégia de ampliação do cultivo ilegal de mais uma variedade. Mas a ação da indústria vai além. A Monsanto foi direto à fonte e firmou uma parceria com a Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (Abrasem) para fornecer sementes aos agricultores que devem pagar diretamente à indústria.

PLANTIO ANUNCIADO

Monsanto se aproveita da ausência do Estado para conquistar agricultores prejudicados pela estiagem

Greenpeace bloqueia navio Ativistas do Greenpeace bloquearam a entrada do navio Global Wind – que carrega 30 mil toneladas de soja transgênica da Argentina – no Porto de Paranaguá, no Paraná, dia 3. Um ativista se prendeu à corrente da âncora do navio, junto a uma faixa identificando a carga como transgênica. Essa é mais uma das ações organizadas na expedição “Brasil Melhor sem Transgênicos”. A intenção do Greenpeace era impedir que a soja não-transgênica exportada pelo Porto de Paranaguá fosse contaminada com a geneticamente modificada. Desde a liberação do cultivo e comercialização da soja transgênica o governo do Paraná tem fiscalizado com rigor as exportações e importações para evitar a contaminação dos grãos e impedir a entrada de alimentos transgênicos, proibido no país. O Porto de Paranaguá é o único no Brasil a adotar medidas efetivas para controlar as cargas e manter as exportações de soja livre de contaminação transgênica. O Estado do Paraná, segundo maior produtor de soja no Brasil, proibiu no final do ano passado o cultivo,

Enquanto tramita o projeto de lei que definirá o futuro dos transgênicos no país, Ezídio Pinheiro não se intimida com a legislação que mantém proibido o cultivo de sementes modificadas e desafia: “Não tem mais volta. O presidente não liberou mas nós vamos continuar plantando”, afirma Pinheiro ao se referir às safras a partir de 2005, já que o plantio para este ano está autorizado. “Não temos medo. Mandamos plantar mesmo e enquanto não regularizar vamos continuar contrabandeando as sementes” alerta.

Jeremy Sutton-Hibbert/Greenpeace

Feijão transgênico é analisado

AUSÊNCIA DO ESTADO

problema dos produtores atingidos pela seca”, critica o agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (Aspta). Para ele, essa é mais uma estratégia da Monsanto para continuar a repetir a lógica do fato consumado, ou seja,

Agência Estado

A

transnacional Monsanto saiu à frente do governo federal mais uma vez. A empresa estadunidense ofereceu insumos gratuitos para a próxima safra de verão para os agricultores gaúchos que cultivaram até 20 hectares da lavoura com a soja transgênica e tiveram prejuízos com a estiagem deste ano. Essa é a contrapartida da indústria produtora de sementes geneticamente modificadas à solicitação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), que há meses vem negociando a redução do valor dos royalties cobrados pelo cultivo transgênico. Dados da federação, considerando a quebra na safra, indicam que os agricultores familiares gaúchos pagarão cerca de R$ 20 milhões em royalties à Monsanto pelo uso da tecnologia transgênica. O custo é de R$ 0,60 por saca. “Nós queremos baixar esse valor pela metade”, afirma o presidente da Fetag, Ezídio Pinheiro, ao reiterar a iniciativa da empresa em estabelecer um convênio com os agricultores. “Eles têm medo que no próximo ano a gente continue com a campanha do ‘não pague’”. Apesar dos prejuízos, Pinheiro continua apostando na produção com transgênicos e admite que grande parte dos agricultores planta sem saber que terá de pagar royalties à Monsanto. “A maioria dos

a soja convencional, o que ao longo dos anos pode acentuar ainda mais os prejuízos na produção.

processamento, comercialização, transporte e exportação de soja geneticamente modificada em seu território e nos portos de Paranaguá e Antonina. A proibição

foi aprovada logo após a publicação da Medida Provisória 131, assinada pelo governo Lula, que liberou provisoriamente o plantio comercial de soja transgênica no Brasil.

Atualmente, o Paraná está sofrendo enorme pressão de outros Estados e de órgãos federais para aceitar a contaminação genética e exportar transgênicos pelos seus portos.

Fome atinge 54 milhões de latino-americanos Gustavo González de Santiago (Chile) A América Central é a subregião do continente com mais retrocessos na luta contra a fome. A constatação é da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), ao calcular que no início dos anos 90 havia cinco milhões de desnutridos, e no final da década, 7,5 milhões. Na América Latina e Caribe, há 54,8 milhões de desnutridos. A informação foi repassada na Guatemala, um dos países mais afetados pela fome, que sediou, dias 28 a 30, uma conferência de ministros da agricultura de 33 países. A conferência da Guatemala analisou um programa que liga a geração e difusão de conhecimentos à melhoria da produção agrícola

em comunidades rurais pobres. Segundo a FAO, vários aspectos da batalha contra a desnutrição podem ser potencializados com a informática e a internet. De acordo com o escritório regional da FAO, com sede em Santiago do Chile, a maior taxa de desnutrição corresponde ao Haiti, com 49% de desnutridos entre seus 8,4 milhões de habitantes. Em seguida estão três países centro-americanos: Nicarágua, com 29% entre 5,3 milhões de habitantes; Panamá, com 26% de desnutridos em 2,9 milhões; e Guatemala, com índice de 25% em 11,9 milhões de habitantes. A República Dominicana, vizinha do Haiti na ilha La Espanhola e com 8,6 milhões de habitantes, tem índice de desnutrição de 25%. Na América do Sul, conforme dados oficiais, a desnutrição na

década baixou de 41,5 milhões para 32,9 milhões de pessoas, e no Caribe permaneceu estável em torno dos 7,9 milhões. No total, a região acumula 48,3 milhões de pessoas afetadas pela fome, em um total mundial que chega a 842 milhões, segundo o relatório da FAO “Insegurança alimentar no mundo 2003”.

PODER NEOLIBERAL “Demonstrou-se a estreita relação entre a pobreza e população ocupada na agricultura. Na Guatemala, por exemplo, de cada 100 pobres, 57 dependem da agricultura”, afirmou o ministro guatemalteco da Agricultura, Pecuária e Alimentação. Na América Latina e no Caribe existem 40 milhões de pobres rurais. Sendo que a metade deles pequenos agricultores e

33% (26 milhões) correspondem a comunidades indígenas. Calculase que 81% dos camponeses da Bolívia, 77% da Nicarágua e 76% do Peru viviam abaixo da linha da pobreza no final dos anos 90. Miguel Santiago Campos, secretário da Agricultura, Pecuária, Pesca e Alimentos da Argentina, disse que a “aparente bonança econômica” dos anos 90 fez com que se baixasse a guarda no combate à pobreza, com excessiva confiança nos mecanismos de destinação do mercado.O ministro argentino recordou que a região fornece 20% dos alimentos do mundo e que poderia duplicar essa participação com o fim do protecionismo do Norte e maior valor agregado à produção latino-americana e caribenha. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)


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DEBATE SOBERANIA ALIMENTAR

Exigência mundial do movimento camponês Peter Rosset “A soberania alimentar é o direito de cada povo definir suas próprias políticas agropecuárias e de alimentação; proteger e regulamentar a produção agropecuária e o mercado interno, para alcançar metas de desenvolvimento sustentável; decidir em que medida querem ser auto-suficientes; impedir que seus mercados se vejam inundados por produtos excedentes de outros países que os coloquem no mercado internacional mediante a prática do dumping... A soberania alimentar não nega o comércio internacional, mas defende a opção de formular as políticas e práticas comerciais que mais bem sirvam aos direitos da população a dispor de métodos e produtos alimentares inócuos, nutritivos e ecologicamente sustentáveis”. (Declaração sobre a soberania alimentar dos povos, pela Via Campesina e outros).

N

a medida em que a globalização econômica dirigida pelas grandes corporações multinacionais e em que as política desenfreadas de livre comércio devastam as comunidades rurais em todo o mundo, as organizações camponesas estão se unindo num clamor conjunto pela soberania alimentar. O conceito de soberania alimentar defende que a alimentação de um povo é um assunto de segurança nacional, de soberania nacional. Se, para alimentar sua população, uma nação é obrigada a depender dos caprichos do mercado internacional, ou da vontade de uma superpotência em utilizar os alimentos como instrumentos de pressão internacional, ou da imprevisibilidade e dos altos custos do transporte de longas distâncias, esse país não está seguro, seja em relação à segurança nacional ou à segurança alimentar. A soberania alimentar vai além do conceito de segurança alimentar, o qual foi despojado de seu verdadeiro significado pelas diversas maneiras em que o conceito tem sido manipulado por diferentes interesses. Segurança alimentar significa que cada criança, cada mulher e cada homem devam ter a certeza de contar com alimento suficiente a cada dia. Mas o conceito não diz nada em relação à procedência do alimento ou à forma como é produzido. Assim, Washington pode argumentar que a importação de alimentos baratos a partir dos Estados Unidos é um modo excelente de que os países pobres dispõem para alcançar a segurança alimentar, melhor do que se os próprios países pobres a produzissem. Mas a importação maciça de alimentos subsidiados locais abala os agricultores locais, obrigando-os a abandonar suas terras. Eles engrossam as fileiras dos famintos, já que sua segurança alimentar fica em mãos do mercado quando migram para bairros urbanos pobres, onde não podem achar um emprego assalariado que lhes permita viver bem. Para alcançar uma segurança militar genuína, os povos das áreas rurais devem ter acesso à terra produtiva e devem receber preços justos por suas colheitas, que lhes permitam gozar de uma vida digna. A única solução duradoura para eliminar a fome e reduzir a pobreza é o desenvolvimento econômico local. Uma forma de alcançar esse desenvolvimento nas áreas rurais é criar circuitos locais de produção e consumo em que as famílias de agricultores vendam seus produtos e comprem o indispensável em povoados re-

gionais. O dinheiro circula várias vezes dentro da economia local, gerando emprego nos povoados e permitindo que os agricultores ganhem a vida com seu trabalho. Pelo contrário, se o que os agricultores produzem é exportado, a preços do mercado internacional (preços baixos), e se a maior parte do que compram é importado (a preços altos), todo o lucro do sistema é extraído da economia local e contribui apenas para o desenvolvimento de economias longínquas (como em Wall Street). Portanto, a soberania alimentar, com sua ênfase nos mercados e economias locais, é essencial para lutar contra a fome e a pobreza. UM CHOQUE DE MODELOS

De acordo com a Via Campesina, movimento internacional de agricultores familiares e camponeses, “a soberania alimentar dá prioridade de acesso ao mercado aos produtores locais. O comércio agrícola liberalizado, que dá acesso aos mercados com base no poder do mercado e a preços baixos, freqüentemente subsidiados, nega aos produtores o acesso a seus próprios mercados...” (2002). Aquilo que a Via Campesina e outros dizem é que enfrentamos um verdadeiro confronto entre modelos econômicos no mundo rural. O contraste entre o modelo dominante, baseado nas agroexportações, nas políticas neoliberais e no livre comércio, em relação ao modelo de soberania alimentar, não poderia ser mais evidente (veja o quadro abaixo). Ali onde um modelo vê os agricultores familiares como um anacronismo ineficiente que deveria desaparecer, o outro modelo os vê como a base das economias locais e do desenvolvimento econômico internacional, tal como foram, a base dos mercados internos que originariamente permitiram desenvolver as atuais potências econômicas dos Estados Unidos, Japão, China e Coréia do Sul. Em relação à fome, um modelo vê o estímulo às exportações como forma de gerar as divisas necessárias para importar alimentos baratos, o que evita que um número maior de crianças morram

de fome. Seus adeptos dizem que os cultivos de exportação também geram emprego. O outro modelo vê a conversão das terras, em que os camponeses produziam seus alimentos em grandes monoculturas para a exportação como a força principal que impulsiona o aumento da fome e da miséria nas áreas rurais. Os adeptos da soberania alimentar assinalam que a agroexportação em grande escala gera muito menos empregos do que a agricultura familiar, e os empregos gerados são mal pagos e precários. E, enquanto o modelo dominante se baseia em monoculturas em grande escala, que requerem grande quantidade de insumos químicos, e que utilizam sementes geneticamente modificadas (OGMs), o modelo de soberania alimentar vê essas práticas agrícolas industriais como destruidoras da terra para as gerações futuras, e propõe uma reforma agrária genuína, além de uma tecnologia de produção que combina o conhecimento tradicional com novas práticas, baseadas na agroecologia. ACORDOS E MONOPÓLIOS

A Via Campesina e outros defensores dos princípios da soberania alimentar exigem a exclusão dos alimentos e da agricultura dos acordos comerciais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (de sigla em inglês Nafta), a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e outros acordos regionais e bilaterais. Vêem a liberalização descontrolada do comércio como uma força que leva os agricultores a abandonar suas terras, e como um obstáculo im-

portante para o desenvolvimento econômico local e a soberania alimentar. No entanto, os governos dos grandes países agroexportadores, tanto do Norte como do Sul, continuam sua luta para concretizar esses acordos, ainda que entre eles possam discutir os detalhes que determinam a distribuição dos rendimentos entre esses países que são, relativamente, poucos. Os governos muitas vezes são reféns de seus grandes exportadores e das corporações transnacionais. Essas corporações vêem os alimentos como meras mercadorias para comprar e vender. No entanto, os alimentos implicam a administração dos recursos produtivos: cultura, agricultura e saúde – os alimentos são a própria vida. Os governos das grandes nações agroexportadoras do Terceiro Mundo assinalam corretamente uma grave desigualdade na economia mundial: a de que os subsídios e a proteção por parte dos Estados Unidos e da União Européia dificultam que as elites do Terceiro Mundo possam competir com as elites do Primeiro Mundo na extração de riquezas. Mas a posição desses governos não desafia o modelo total. Mais exatamente eles buscam aumentar ligeiramente o número daqueles que se beneficiam do modelo vigente, os quais ainda seriam uma pequena fração da humanidade. Enquanto os agroexportadores do Terceiro Mundo exigem maior acesso para suas exportações aos mercados do Norte, as organizações de agricultores familiares e camponeses respondem: “Acesso aos mercados, sim! Acesso aos mercados locais” – o que significa dizer “não” à abertura dos mercados locais à inundação com alimentos baratos importados (Via Campesina, 2002). Essa postura em relação à soberania alimentar também defende que os subsídios em si não são o inimigo. Seu mérito depende de qual seja o seu valor, de quem os recebe, e que finalidade têm. Desse modo, são maus os subsídios outorgados só aos grandes produtores e corporações do Norte, que levam ao dumping e à destruição dos modos de vida rurais no Terceiro

Mundo. Mas são bons os subsídios outorgados a agricultores familiares para mantê-los em suas terras e para gerar as economias rurais vibrantes, e são bons os subsídios para a conservação do solo, para a transição rumo a práticas agrícolas sustentáveis, e para a venda direta aos consumidores locais. O inimigo real dos agricultores são os preços baixos. E os preços das colheitas continuam caindo enquanto os preços ao consumidor sobem e sobem. Isso acontece porque as forças principais que ditam os preços baixos para os agricultores são as mesmas que ditam os preços altos para os consumidores: o controle monopolista que corporações como Cargill, Archer Daniels Midland, Dreyfuss, Bunge, Nestlé e outras exercem sobre o sistema alimentar. Isso significa que proibir esses monopólios, aprovando e aplicando leis antimonopólio em nível nacional e internacional, é um passo-chave rumo à certeza de que todos os agricultores, em todo o mundo, possam ganhar a vida com suas terras e de que os consumidores possam ter acesso a alimentos nutritivos a preços aceitáveis. A soberania alimentar é um conceito que deveria ter sentido para os agricultores e para os consumidores, tanto nos países do Norte como nos do Sul. Todos nós enfrentamos crises rurais e a falta de alimentos acessíveis, nutritivos e produzidos localmente. Devemos lutar de maneira conjunta contra as políticas atuais do comércio internacional, e a favor da reforma agrária verdadeira e dos sistemas alimentares mais participativos, sustentáveis e controlados localmente. Devemos recuperar nossos alimentos e nossas terras.

Peter Rosset é PhD em Agroecologia pela Universidade de Michigan (EUA) e co-diretor do Food First/ The Institute for Food and Development Policy, organização não-governamental que atua na área de alimentos e de políticas de desenvolvimento.

MODELO DOMINANTE EM COMPARAÇÃO COM O MODELO DE SOBERANIA ALIMENTAR TEMA

MODELO DOMINANTE

MODELO DE SOBERANIA ALIMENTAR

Comércio

Livre comércio para tudo comerciais

Alimentos e agricultura fora dos acordos

Prioridade produtiva

Agroexportações

Alimentos para mercados locais

Preços dos cultivos

“Aquilo que o mercado dite” (deixar intatos os mecanismos que impõem preços baixos).

Preços justos que cubram os custos de produção e permitam vida digna aos agricultores

Acesso aos mercados

Acesso aos mercados externos

Acesso aos mercados locais e fim do deslocamento dos agricultores de seus próprios mercados devido à indústria agropecuária

Subsídios

Muitos subsídios são permitidos nos Estados Unidos e na Europa – mas são pagos só aos grandes agricultores

Deve-se garantir que os subsídios sejam só para agricultores familiares, para a agricultura sustentável, pesquisa etc.

Segurança alimentar

Obtém-se importando alimentos de onde sejam mais baratos

É maior quando a produção de alimentos está nas mãos dos próprios pobres e quando os alimentos são produzidos localmente

Acesso à terra

Por meio dos mercados

Por meio de uma reforma agrária genuína; sem acesso à terra, tudo o mais não tem sentido

Sementes

Uma mercadoria patenteável

Uma herança comum dos povos, a serviço da humanidade: “Não às patentes sobre a vida”

Crédito e investimentos rurais

Do setor privado

Do setor público, dirigidos à agricultura familiar

Superprodução

Não existe tal coisa, por definição

São necessárias políticas de controle da oferta nos Estados Unidos e na União Européia

Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) A tendência do futuro

Perigosos para a saúde e o meio ambiente, uma tecnologia desnecessária; devem ser proibidos

Tecnologia agropecuária

Métodos agroecológicos e sustentáveis, não usa OGMs

Industrial, monocultura, requer muitos agrotóxicos; usa OGMs


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De 6 a 12 de maio de 2004

agenda@brasildefato.com.br

AGENDA BAHIA ENCONTRO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SOLIDÁRIO E SUSTENTÁVEL De 18 a 20 Realizado pela Cáritas Brasileira, o evento contará com 70 participantes. O objetivo da atividade é possibilitar formação e capacitação de agentes e lideranças de grupos de base, a partir do aprofundamento das reflexões e experiências desenvolvidas pelos regionais na perspectiva do desenvolvimento solidário e sustentável. O encontro pretende resgatar o conhecimento teórico e prático das experiências da Cáritas, aprofundar as diversas abordagens de desenvolvimento solidário e sustentável e a discussão de desenvolvimento local com ênfase na questão da territorialidade, além de definir estratégias para trabalhar melhor o conceito de desenvolvimento solidário e sustentável no conjunto das ações da Cáritas. Local: Av. Antonio Carlos Magalhães, 711, Salvador Mais Informações: www.caritasbrasileira.org imprensa@caritasbrasileira.org

MARANHÃO I SEMINÁRIO DIREITOS HUMANOS 22 e 23, das 8h às 18h O seminário, organizado pelo Movimento de Libertação da Democracia (MLD), tem como objetivos integrar os movimentos sociais da cidade; criar um grupo de trabalho formado pelos movimentos sociais

e dar visibilidade aos problemas enfrentados pela cidade no âmbito de efetividade dos direitos humanos em Raposa Local: Salão Paroquial, Av. Principal, s/n, Raposa Mais informações: (98) 9993-2430 diogoellas@ig.com.br

MINAS GERAIS ENCONTRO NACIONAL DESERTO VERDE Dias 6 e 7 O encontro vai refletir e aprofundar discussões sobre a expansão da monocultura do eucalipto nos Estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e suas conseqüências para os ecossistemas nas comunidades tradicionais. Organizado pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde, promoverá debates sobre os temas: a questão fundiária versus o eucalipto; o Estado versus o projeto popular; o modelo energético versus a biodiversidade; os impactos do eucalipto versus as populações locais; o eucalipto e as indústrias versus as relações de trabalho; direitos humanos versus violência da monocultura. Local: Casa de Retiro São José, Avenida Itaú, 475, Belo Horizonte Mais informações: (31) 3224-7659

RIO DE JANEIRO SEMINÁRIO MÍDIA E RACISMO Dia 12, das 13h às 18h Promovido pelo jornal Brasil de Fato, pela Associação Brasileira de

SÃO PAULO

que apresenta as mais recentes tendências do trabalho feminino, em especial as decorrentes do processo de reestruturação produtiva desencadeado nas últimas décadas do século 20. A autora utiliza pesquisas e dados sobre a feminização do trabalho contemplando as diferenças salariais, a jornada de trabalho, o emprego temporário, o subemprego, o desemprego. A idéia básica do livro é entender se a crescente inserção da mulher no

FÓRUM BRASILEIRO DE CULTURA De 19 a 21 Etapa nacional do Fórum Cultural Mundial, o evento tem como proposta debater a possibilidade de diálogo entre as regiões brasileiras, contribuindo para um processo de afirmação da diversidade cultural do Brasil. Alguns dos temas que serão discutidos: o saber, o fazer e o sentir – construindo novos paradigmas culturais; diversidade cultural e igualdade social – promovendo novos valores, comportamentos e oportunidades; diálogos interculturais e democratização de acessos – compartilhando experiências. Local: Sesc Tijuca, R. Barão de Mesquita, 539, Rio de Janeiro Mais informações: www.forumbrasileirodecultura.org.br

Comunidade quilombola de Conceição das Crioulas, em Alagoas

mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo traz elementos que favoreçam ou fortaleçam o complexo processo de emancipação feminina, ou se esses elementos causam a precarização da força de trabalho, afetando de maneira mais intensa a mulher trabalhadora. Local: Livraria Cortez, R. Bartira, 317, São Paulo Mais informações: (11) 3873-7111

Debaixo da lona preta

SÃO PAULO ATO PÚBLICO CONTRA O ENVIO DE TROPAS BRASILEIRAS AO HAITI Dia 13, 19h Entre os presentes estarão Plínio de Arruda Sampaio, Fernando Morais, João Pedro Stedile, Ivan Valente, Luis Bassegio e Dom Demétrio Valentini. Local: Sala do Estudante, Faculdade de Direito da USP, Largo São Francisco, 95, São Paulo Mais informações: (11) 3111-4000 A FEMINIZAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO Dia 13, 19h Lançamento do livro de autoria de Claudia Mazzei Nogueira, Ricardo Teles

SEMINÁRIO - POR UMA EDUCAÇÃO SEM DISCRIMINAÇÃO De 10 a 13 de junho Realizado pela casa de cultura da mulher negra, o seminário vai analisar a Lei 10.639, que prevê o ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo escolar, pela ótica de educadores e educadoras afrodescendentes. Local: R. Floriano Peixoto, 42, Santos Mais informações: (13) 3221-2650, ccmnegra@uol.com.br.

Imprensa e por movimentos negros, o seminário é voltado a jornalistas, estudantes e movimentos sociais. Local: Associação Brasileira de Imprensa, R. Araújo Porto Alegre, 71, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2282-1292

A história da luta pela terra, no Brasil, poderia muito bem ser contada como uma história de massacres. O registro desses crimes é curioso. Muitas vezes escolhe termos que dizem mais de seus narradores que dos fatos. “Violência” vira “ordem”; “vítimas”, “ameaça”; “movimento”, “baderna”. Nos últimos 20 anos, a grande imprensa se mantém fiel a essa linha. Nomeia “ocupação” como “invasão” e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, como a encarnação do mal e do perigo. Assim, tiram desses camponeses até a sua humanidade. Ao contar a história do MST, Jan Rocha e Sue Branford apresentam um movimento essencialmente composto de “pessoas”, de seus projetos, frustrações, dificuldades, alegrias. Mostram o surgimento e a evolução do MST e contextualizam-no face a outros movimentos de diversas épocas e países. Ao acompanhar o cotidiano dos sem-terra por mais de 18 meses, nas mais adversas situações, as autoras analisam sua realidade: das ocupações às cooperativas; dos conflitos e despejos às festas e místicas. Em meio às assembléias, avaliam a democracia. De dentro das improvisadas salas de aula, discutem a aplicação da pedagogia de Paulo Freire. É, também, debaixo da lona preta que dialogam com teóricos acadêmicos e a crítica ao MST. A agricultura de mercado é analisada com originalidade. Não é apresentada pelo latifúndio, mas vista pelos olhos do trabalhador rural vitimado por ela. O prejuízo humano causado sobrepõe-se às cifras e sacas. Desse ângulo, clareia-se a resistência que o movimento oferece no grito uníssono que pleiteia, mais do que terra, uma profunda reformulação de sua função econômica, social e ecológica. Uma contestação pacífica, mas estrutural a ponto de tocar algo, até então, inquestionável nesse país: o latifúndio. O texto é construído de forma honesta e sensível quando as au-

toras dão voz aos protagonistas desse quadro: os trabalhadores rurais sem-terra. Dezenas de membros do MST falam de si, mostram suas cicatrizes e, assim, alinhando fragmentos, Jan e Sue tecem a história do movimento. Ouvimos Antônio contar da vida nos canaviais de Pernambuco, suas esperanças e o significado que tem para ele o MST. À beira do São Francisco, Maria explica como ingressou para o movimento na esperança de conseguir, principalmente, educação para os filhos. Gilmar, assentado do Rio Grande do Sul, fala entusiasmado de sua roça agroecológica. Eva Gomes da Silva lembra como a Polícia Militar assassinou, lentamente, um companheiro seu em Eldorado dos Carajás. Jan e Sue entenderam a formação de uma identidade e de como dela brotou a pacífica revolução que se faz ao romper não uma, mas “três cercas”, nas palavras de João Pedro Stedile, “o latifúndio, a ignorância e o capital”. Ou seja, que se faz ao lutarem por “reforma agrária”, no sentido verdadeiro do termo. Rompendo a cerca é um livro digno da dimensão histórico-social do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. CONFIRA

ROMPENDO A CERCA: A HISTÓRIA DO MST Sue Branford e Jan Rocha 400 páginas, R$ 48,50 Editora Casa Amarela R. Fidalga, 162, São Paulo Tel. (11) 3819-0130 www.carosamigos.com.br


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CULTURA

De 6 a 12 de maio de 2004

ARTE MURAL

Sonho indígena tem reprodução coletiva Destruído por militares mexicanos em 1998, Mural de Taniperla ressurge em evento pelos 20 anos do MST e do EZLN

C

opos de plástico com tintas coloridas, pincéis, uma lona de seis metros quadrados, estendida a partir do teto. Com esses poucos e baratos materiais, e tendo como guia uma reprodução feita a partir de uma foto, no dia 28 de abril, dezenas de pessoas começaram a pintar uma grande obra coletiva, que deve percorrer o país: a versão brasileira do Mural de Taniperla, destruído em 11 de abril de 1998 por uma violenta operação militar no município zapatista autônomo Ricardo Flores Magón, no Estado de Chiapas, no México. O mural começou a ser pintado durante o evento, realizado na Universidade de São Paulo (USP), em comemoração aos 20 anos do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e aos 20 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nos dias 28 a 30 de abril, houve projeções de filmes, palestras, shows e lançamento do livro As vozes do Espelho, de Gitahy de Figueiredo. Um painel foi reservado às mensagens de solidariedade mandadas de todo o mundo, entre elas uma carta da Frente Zapatista de Libertação Nacional, que compara a ação dos sem-terra brasileiros ao movimento indígena mexicano. A pintura do mural de Taniperla prossegue, neste mês, na UniSantos, em Santos (SP), onde será realizada uma série de atividades referentes aos 20 anos do EZLN. Depois, segue para uma comunidade indígena e para um assentamento sem-terra, até ser concluído. Lúcia Skromov, do Comitê de Apoio à Luta pela América Latina e uma das idealizadoras do projeto, está documentando todo o processo de criação do mural, desde a compra do tecido até a costura da lona e a participação de cada pintor-ativista. Cópias das fotos serão enviadas a Chiapas e à Central Geral de Trabalhadores, da Espanha, que acompanha mundialmente a produção dos murais.

ser chamado de João. Depois da aula, ele recolhe latas de alumínio para ajudar a família – mãe faxineira e mais nove pessoas, que moram em um cômodo no Jardim São Remo, região Sudoeste da capital paulista. Sonhando ser capoeirista, João definiu o “mural da perna” como “um desenho de quem quer um mundo mais legal”.

VIOLÊNCIA E PRISÃO A idéia original do mural foi do artista mexicano Sergio “Checo” Valdez, professor de Comunicação

Gráfica da Universidade Autônoma do México. Durante quatro semanas, ele trabalhou com homens, mulheres e crianças de 12 das 112 comunidades de índios tzetales de Chiapas, distribuídas ao longo do vale onde corre o Rio Perla. Raramente o grupo era o mesmo, pois os indígenas se revezavam. Desse trabalho surgiu o mural, intitulado “Vida y Sueños de la Cañada Perla”. A arte de Taniperla surgiu como um ato cultural de inauguração do município autônomo indígena Ricardo Flores Magón. Quarenta ho-

ras depois da festa de inauguração, o município, com 2 mil indígenas, foi tomado por mil homens do exército mexicano e o mural, totalmente metralhado. Casas e campos foram incendiados, e 12 observadores internacionais detidos e expulsos do país. Checo Valdez e o ativista de direitos humanos Luiz Menéndez ficaram presos durante mais de um ano, na Penitenciária de Cerro Hueco. Algumas fotos do Mural de Taniperla foram preservadas e passaram a servir de exemplo paFotos: Brígida Rodrigues

Bernardete Toneto da Redação

A reprodução brasileira do Mural de Taniperla, iniciada em evento pelos 20 anos do MST e pelos 20 anos do Exército Zapatista de Libertação Nacional, recebeu as pinceladas de dezenas de ativistas solidários à causa zapatista, como o catador de latinhas João, de nove anos (abaixo, à direita)

Movimento comemora 20 anos de organização

PINTURA MÁGICA Em todo o mundo, o Mural de Taniperla é conhecido como o “mural mágico”, uma referência ao fato de, mesmo com o original destruído pelos militares, ter ressurgido em pelo menos 30 reproduções em 18 cidades de 11 países, conforme catalogação da CGT espanhola. Em cada local, sem qualquer tipo de previsão, os “pintores solidários” incluem elementos de sua cultura: imigrantes checos de origem romena na reprodução de Toronto, a organização dos protestos contra a Organização Mundial do Comércio, em Seattle, nos Estados Unidos, ou a pintura de um muro de cemitério em Bariloche, na Argentina, representando as fonteiras entre “os mortos e os semivivos do neoliberalismo”. Não há registros da primeira reprodução no mural no Brasil. O segundo “mural brasileiro” recebeu a adesão de dezenas de pessoas, entre eles Antônio Carlos Mendes Ferreira, menino de 9 anos que gosta de SAIDEIRA

Os desenhos e suas histórias Semeador de palavras – Trata-se do escritor e jornalista Ricardo Flores Magón, que dá nome ao município autônomo. Nascido em Oaxaca, em 1873, lutou contra a ditadura de Porfírio Diaz. Foi preso e exilado em San Luís, no Missouri, Estados Unidos, onde promoveu a insurreição da Baixa Califórnia. Morreu assassinado em uma prisão em Kansas. No mural, sustenta entre suas mãos as letras que compõem a palavra liberdade. Emiliano Zapata – O líder mexicano aparece com a pele mais escura, tornando-se mais familiar aos indígenas. Em seu lenço vermelho

ra murais de denúncia em todo o mundo e de solidariedade à causa zapatista. A idéia é original: para pintar o painel, basta ser solidário e pegar o pincel. Valdez diz: “Se a destruição do mural, como parte de um teatro de terror, visava apagálo da memória dos habitantes do município, aconteceu examente o contrário: sua reprodução por diversos meios, calendários, postais, cartazes, caixas de fósfoto, internet, reafirmando seu caráter de meio de comunicação social”. Valdez define o Mural de Taniperla como um “caso insólito”, que provoca um profundo sentimento de fraternidade entre pessoas libertárias, “que transcende fronteiras e línguas. É um canto humanitário”.

está gravado um dos mandamentos zapatistas: a terra é de quem nela trabalha. Soldados desarmados – Há 90 guerrilheiros, sem armas, posicionados na montanha, protegendo o município. Porta para a paz – O elemento central do mural, para onde se dirigem um homem e uma mulher, com as decisões tomadas pelas diferentes comunidades. No centro da porta, se lê a palavra paz. Cintura de mulher – Uma fronteira, com forma de cintura de mulher,

que simboliza a Terra e que representa o paraíso. Acima da cintura da mulher está o céu; abaixo, o mundo. Rio Perla – Ponto central do local, que corre por um vale onde estão assentadas 112 comunidades que formam o município. Pomba branca – A ave aparece levantando vôo, a partir de um círculo formado por mulheres. Representa uma assembléia feminina e a libertação da mulher, que em geral ficam à frente das aldeias quando os homens são obrigados a fugir para as montanhas.

O ano de 1994 foi decisivo para o México. Enquanto o governo comemorava a assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, no Estado de Chiapas, na selva Lacandona, tornava-se público o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que após dez anos de organização iniciava um levante armado. O exército defende a presença e o reconhecimento dos indígenas maias da região, até então esquecidos por todos os programas oficiais dos presidentes mexicanos. Também na década de 90, a liderança do movimento convocou toda a sociedade civil para participar da luta pela vida digna dos povos indígenas. Assim, foi criada a Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN), cujos representantes estão em vários países do mundo, entre eles o Brasil. Os primeiros dez anos do EZLN foram de clandestinidade. O grupo se preparou para o levante realizado em 1º de janeiro de 1994, quando as bases federais do governo foram atacadas em San Cristóbal de las Casas. Uma das conquistas do EZLN são as zonas ou municípios autônomos que se formaram dentro do Estado de Chiapas. Por outro lado, a região atualmente é controlada por cerca de 63 mil soldados e, pelo menos, 80 acampamentos militares. A permanência do EZLN na região de Chiapas tem outro objetivo: o cumprimento dos Acordos de San Andrés, assinados em fevereiro de 1996 e até hoje nunca cumpridos. Segundo os acordos, o governo deve reconhecer os povos indígenas na Constituição; ampliar sua participação e representação políticas; garantir acesso pleno à Justiça; promover as manifestações culturais dos povos indígenas; garantir a educação e capacitação; garantir as necessidades básicas; incentivar a produção e o emprego; proteger os indígenas migrantes. NOVAES


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