Ano 2 • Número 64
R$ 2,00 São Paulo • De 20 a 26 de maio de 2004
Milhares reagem em defesa de Cuba Kevin Frayer/AP/AE
Em Havana, 1,3 milhão de pessoas protestaram, dia 13, marchando contra a política fascista dos Estados Unidos
Refugiados palestinos têm suas casas destruídas durante ataque israelense em Rafa, na Faixa de Gaza
Em 2003, o governo Kirchner parou de pagar a dívida externa e recusou as políticas de arrocho do Fundo Monetário Internacional. Agora, de novo, refutou a cartilha do FMI, e optou pelo crescimento. Este mês, anunciou que usará parte da arrecadação recorde de impostos para aumentar salários de aposentados e de servidores públicos e investir em infra-estrutura. Resultado: a economia cresce, o desemprego cai. Pág. 8
Sofrimento palestino em Jerusalém Perseguições, crimes, leis arbitrárias e humilhações fazem parte do dia-a-dia de palestinos confinados na Cidade Antiga de Jerusalém Oriental, antiga capital da Palestina. Dos 35 mil habitantes do lugar, mais de
85% são palestinos. Soldados israelenses vigiam permanentemente os moradores que, por motivos banais, podem perder o direito de morar em Jerusalém e ter suas casas confiscadas, sem qualquer tipo de indenização.
Entre as atrocidades, um menino de 12 anos foi morto a tiros por jogar bola com o primo, que estava do outro lado do muro que o primeiro-ministro Ariel Sharon mandou aumentar. Pág. 11 Rafael Neddermeyer/AE
Argentina diz não ao FMI e a economia cresce
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onvocada pelo presidente Fidel Castro, a maior passeata realizada em Cuba nos 45 anos de governo socialista foi uma reação a mais uma ofensiva dos Estados Unidos – a transição democrática na ilha, anunciada dia 4 pelo presidente estadunidense George W. Bush. A medida dos EUA obrigou o governo cubano a aumentar preços e suspender temporariamente as vendas em dólares, salvo para alimentos e produtos de higiene. Fidel declarou que “o povo cubano pode ser varrido da face da Terra, mas jamais será subjugado nem submetido de novo à condição humilhante de neocolônia dos Estados Unidos”. Na Venezuela, duas grandes marchas, dias 15 e 16, reuniram milhares de manifestantes pela paz, contra o terrorismo. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, anunciou uma nova etapa do seu governo antiimperialista. Págs. 2 e 9
Petrobras não precisa seguir a alta do petróleo A cotação do petróleo chegou a 41,55 dólares, nível mais alto do que o atingido na invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990. Por isso, fala-se num terceiro choque do petróleo, com reflexos negativos sobre a economia mundial – mais inflação, recuo das atividades econômicas – o que afetaria o Brasil. O governo fala em aumentar a gasolina, mas não precisaria, já que 80% do consumo são supridos pela produção local. Pág. 7
Câmara avança com lei que pune trabalho escravo
Brasil, refém da banca internacional
Nos próximos dias, está prevista a votação, no plenário da Câmara Federal, da proposta de emenda constitucional que prevê o confisco de terras onde for constatada exploração de trabalho escravo. Dia 12, uma comissão especial driblou restrições da bancada ruralista e aprovou, por unanimidade, a PEC paralela, que estende o confisco para imóveis urbanos onde houver casos de trabalho escravo. Pág. 5
O país segue a cartilha dos credores e do FMI mas, basta o Banco Central dos EUA anunciar aumento de juros que o Brasil pode parar de baixar as taxas de juros. Ou seja, continua encalacrado no mesmo buraco em que se meteu depois de anos de arrocho ao crédito, juros altos, redução dos investimentos públicos. E os capitais especulativos, dos quais o Brasil depende para pagar as dívidas, fogem. Pág. 8
Em Belo Horizonte (MG), representantes de grupos que sofrem impactos sócio-ambientais causados pela monocultura do eucalipto em quatro Estados decidiram pressionar o governo federal e exigir mais incentivos para a reforma agrária e para o pequeno produtor rural. Entre os atingidos estão pequenos agricultores, sem-terra, indígenas, quilombolas e comunidades do cerrado, em vias de se tornar um deserto verde. Pág. 13
E mais: ÁFRICA – O mundo celebra em 25 de maio o Dia da África. Em São Paulo (SP), entre os dias 22 e 27, a cidade será palco da Semana da África, com atividades culturais, recreativas e de reflexão sobre atualidades do continente. Pág. 12 DEBATE – Os jornalistas Alberto Dines e Iraê Sassi comentam a polêmica em torno do correspondente do The New York Times, o repórter Larry Rohter – autor de reportagem acusando o presidente Lula de alcoolismo. Pág. 14 CULTURA – Conheça o trabalho da Expressão Popular, Boitempo e Fundação Perseu Abramo, editoras que priorizam a democratização da leitura, a formação crítica e a informação, em detrimento de interesses comerciais. Pág. 16
CPI da Terra revela crise fundiária em Pernambuco
Pág. 6
Maringoni
Aumenta a luta contra deserto do eucalipto
Trabalhadores rurais participam do 10º Grito da Terra, que reivindica liberação de recursos para a agricultura familiar
População exige verdade sobre Toninho do PT
Pág. 4
Trabalhadores mostram força da agroecologia
Pág. 13
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De 20 a 26 de maio de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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NOSSA OPINIÃO
Todos em defesa de Cuba!
S
e alguém ainda tinha dúvidas quanto à natureza e aos objetivos da recente invasão do Haiti por tropas estadunidenses, elas acabaram no dia 6, quando Roger Noriega, sub-secretário de Estado dos Estados Unidos para Assuntos da América Latina, apresentou um plano de ataque a Cuba, intitulado Relatório da Comissão de Ajuda a uma Cuba Livre. O relatório, de 450 páginas, prevê uma intensificação do cerco e boicote econômico, novas campanhas internacionais para aumentar o isolamento da ilha (incluindo o “desencorajamento” do turismo e de empresas interessadas em investir na economia cubana), mais verbas para grupos internos de “oposição” e sabotagem. O que tem isso a ver com a invasão do Haiti? Resposta: tudo. Basta olhar o mapa. Cuba situa-se, geograficamente, quase encostada a Noroeste da ilha Hispaniola, que o Haiti divide com a República Dominicana; ao Sul, está a Venezuela. Além disso, a localização do Haiti permite o controle do tráfego marítimo por uma vasta extensão do Caribe. O país fornece, portanto, o cenário ideal para uma eventual operação militar de grande porte, do ponto de vista de
uma potência qualquer movida por intenções belicosas contra Havana e Caracas. Fantasia? Longe disso. A intenção de promover uma eventual invasão militar de Cuba, a pretexto de “garantir a democracia e a liberdade”, foi exposta claramente há um ano, em 18 de maio, quando a rede de televisão estadunidense ABC, citando um “alto funcionário do governo”, informou que Jeb Bush, governador da Flórida, pediu ao seu irmão George, presidente dos Estados Unidos, que ordenasse a invasão. Jeb refletia os vínculos da família Bush com a máfia cubana residente na Flórida, Estado que assegurou a eleição fraudulenta de Júnior. Desde então, as pressões contra Cuba foram intensificadas, no quadro da ofensiva neocolonial orquestrada em escala global pela Casa Branca. Agora, às vésperas de novas eleições presidenciais, a família Bush tem que mostrar serviço à máfia da Flórida. Claro que a conjuntura internacional não é propícia a uma invasão militar, especialmente depois que Bush e seu fiel vassalo, o ministro britânico Tony Blair, foram desmascarados como reles salteadores
mentirosos, e mais ainda depois que vazaram as fotos do tratamento “humanista” dispensado pelas tropas de Bush aos presos do Iraque. Mas a realidade do cerco é cada vez mais brutal, e o seu significado é trágico para a sofrida população de 11 milhões de cubanos, cujo grande crime é enfrentar com dignidade o voraz monstro imperialista. Urge organizar a resistência, de todas as formas e modos possíveis. É necessário multiplicar atos públicos, promover debates, divulgar denúncias em todos os meios possíveis e imagináveis. Urge também exigir que o governo federal assuma uma clara posição de repúdio ao cerco de Cuba, fazendo valer os tradicionais laços de amizade entre os dois países, e mais ainda aqueles que unem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao comandante Fidel Castro. Não temos tempo a perder! O perigo aumenta, à medida em que se aproxima a data das eleições presidenciais estadunidenses. Mais do que nunca, o destino de Cuba – e, em grande medida, das lutas sociais e políticas na América Latina – depende de nossa solidariedade.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES POSTERGAR Esse tem sido o verbo mais conjugado pelos nossos governantes desde os primórdios da República. Eis que, para evitar descontentamento das elites, vão adiando as soluções dos problemas básicos tão necessários ao nosso real desenvolvimento. Desenvolvimento esse sem o qual jamais nos livraremos da exploração que nos tem sido imposta por interesses alheios ao nosso país. Nossa independência e nossa liberdade é apenas de fachada. Nossos governantes, para manter os seus status socioeconômicos, adiam, deixam para trás, fazem vistas grossas para os verdadeiros problemas da nação, esquecendo que foram eleitos pelo voto popular para solucioná-los, e não para adiá-los ou até mesmo aumentálos. E tais atitudes têm perdido os trens do progresso, um atrás do outro. Agora mesmo, com o advento do governo PT-Lula ou simplesmente neolula, isso está acontecendo. João Carlos da Luz Gomes, Porto Alegre (RS) ESCRAVIDÃO Recentemente comemoramos a Lei Abolicionista, uma data muito importante que deu início à libertação de um povo humilhado e subjugado ao extremo, mas será que não estamos sendo levados novamente para o caminho da escravidão, agora todo uma nação? Segundo as estatísticas dos tributaristas, nós brasileiros honestos trabalhamos 4 meses e 15 dias para pagar impostos e mais cerca de 2 meses para pagar por serviços que os governos deveriam garantir para nós? E para quê? Para
vermos nosso dinheiro ser depositado em contas no exterior, de 200 milhões de dólares num só dia, caso Banestado, caso precatórios e muito mais? Até quando nós vamos tolerar isso? Marcelo Villela de Lucca Curitiba (PR) FINANCIAMENTOS DE CAMPANHAS Muito se tem falado acerca do financiamento público de campanhas, que, a meu ver, seria o caminho mais importante para a retirada das mordaças colocadas em alguns políticos. Nosso atual modelo está deixando grande parte de nossos políticos surdos, cegos e mudos, ou quem sabe foram acometidos da síndrome “esqueçam tudo que eu falei”. Utilizam os cargos para os quais foram eleitos, mais para defender os interesses dos financiadores de suas campanhas. As “bandeiras de palanques” são esquecidas em algum abismo escuro da sinuosa estrada do poder, ou quem sabe no banco da igreja visitada nos períodos que antecedem as eleições; passadas as eleições tornam sem efeito as “conversões” e as “prometidas bandeiras”. Fernando Magno Vitória (ES) CANDIDATOS SÉRIOS Está mais que na hora da população votar em candidatos sérios, e não apenas naqueles que dão cestas básicas e presentinhos porque isso acaba logo, e os problemas continuam. Everaldo Ferreira de Souza Lima por correio eletrônico
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CRÔNICA
Libertadores: sonho e realidade
Há um toque de magia nesses jogos da Taça Libertadores da América. Senão como explicar a emoção causada pelo jogo Rosário Central e São Paulo? Difícil compreender as linhas que se entrelaçaram para formar o mosaico de tantos sentimentos que explodiram no último pênalti defendido por Rogério Ceni. Sempre ele. Poucas vezes vi um time como o Rosário Central, tão consciente de sua fragilidade, por isso mesmo capaz de arrancar de sua possível fraqueza, tanto amor. Ao desfiar as contas do seu rosário o time se multiplica. Dá a impressão que criou para si mesmo uma lei própria e particular. Joga não com onze, mas com 20, trinta, mil rosarianos, ao mesmo tempo. Onde
está a bola estão todos presentes em corpo e alma. O time argentino dá a todos que o assistem uma lição de amor, paixão, resignação, na hora da derrota. Daí o brilho da vitória do São Paulo. O tricolor não ganhou de um time qualquer. Venceu um adversário, mistura de loucura e paixão. Com essa vitória o time do técnico Cuca se evidenciou como uma equipe preparada para a hora esperada da decisão. Acompanhei com interesse o jogo Nacional (de Montevidéu) e Deportivo Táchira (da Venezuela), quem diria os venezuelanos conseguiram a classificação na capital uruguaia depois de estar perdendo por dois a zero. O Táchira será o próximo adver-
sário do São Paulo. Estranha ironia. Dirão que será fácil a caminhada tricolor até a partida final. Ledo engano. Que os clubes brasileiros saibam aproveitar essa Libertadores. A última Libertadores nos moldes atuais. Afinal de contas a FIFA já anunciou que a partir do próximo ano, além de ganhar a competição, o time terá que enfrentar os vencedores de mais quatro continentes, numa competição que será realizada de 5 a 11 de dezembro em Tóquio. Aí, então, será conhecido o verdadeiro campeão do mundo. Juarez Soares é cronista esportivo e escreve duas vezes por mês neste espaço
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De 20 a 26 de maio de 2004
NACIONAL SEM-TETO
2.500 pessoas ocupam terreno em Osasco A propriedade da estadunidense Hicks Muse, onde seria contruído um estádio, estava desocupado há dez anos
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ígia tem 24 anos e trabalha como balconista de uma lanchonete no bairro de Perdizes, em São Paulo. Ganha R$ 350 por mês, dos quais R$ 105 gasta com condução. “Sobram R$ 245 e meu aluguel é de R$ 270”, contabiliza. Casada, mãe de Larissa, de sete anos, há oito anos a jovem saiu de Olindina, na Bahia, para “tentar a sorte” em São Paulo, mas não tem tido “sucesso”. Lígia está entre as 400 pessoas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que ocuparam um terreno na divisa de São Paulo com Osasco, na madrugada do dia 15. A área, de propriedade do fundo de investimentos estadunidense Hicks Muse, co-gestor do time de futebol Corinthians, estava desocupada há dez anos. O terreno, onde seria construído um estádio do clube, foi vendido em 2000 pela Editora Paulus, ligada à Igreja Católica. “Depois das cinco da tarde ninguém mais podia passar por
aqui”, diz Lígia, lembrando que na área desocupada acontecia “de tudo: drogas, estupros e assassinatos”. O pedreiro João Batista dos Santos, de 46 anos, concorda: “Só quem mora aqui pode dizer o que acontece. Eu já presenciei a morte de umas cinco, seis pessoas neste terreno”, diz ele, lembrando que a
área servia ainda para desmanche de carros e lixão. Santos não se conforma com a situação: “Um terreno daquele tamanho vazio há tanto tempo e um monte de gente com dificuldade em pagar aluguel”. Pai de quatro filhos, dois deles também acampados, ele mora em São Paulo desde 1974,
Francisco Rojas
Tatiana Merlino da Redação
Sem-teto ocupam área ociosa do Fundo de investimentos estadunidense Hichs Muse
de homicídio –, seus advogados fizeram um pedido de revogação da prisão preventiva para que o militante responda em liberdade. O pedido não foi atendido, mas foi encaminhado ao Ministério Público, que não tinha se manifestado, até dia 17. Durante o interrogatório, militantes fizeram uma vigília em frente ao Fórum Criminal da Barra
Funda: “Já recebemos cerca de cinco mil cartas de solidariedade de todo o Brasil e de países como México, Alemanha, França”, diz Raimundo Bonfim, da CMP. Ele argumenta que não há elementos jurídicos para manter a prisão de Gegê. Agora os movimentos aguardam o julgamento do mérito do habeas corpus e a resposta do Ministério Público. (TM)
MAB
MAB inicia marcha nacional
A Marcha Nacional Águas pela Vida, promovida pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), saiu dia 13 de Goiânia com a previsão de chegar a Brasília dia 24. Segundo os organizadores, o objetivo da mobilização é denunciar o descaso que aflige a maioria das cerca de 300 mil famílais que foram e continuam sendo desalojadas para a construção de barragens por todo o país desde os anos 60. Dados do MAB revelam que 70% das famílias não recebem qualquer tipo de indenização ao ser expulsas de suas terras. O ato de lançamento da marcha, realizado dia 13 no Paço Municipal de Goiânia, contou com a participação de lideranças dos movimentos sociais; deputados, como Edson Duarte (PV-BA) e representantes da Igreja Católica, como o bispo Dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra, além dos
No Dia Nacional de Luta por Moradia, 12 de maio, os movimentos de luta por moradia participaram de uma audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior para cobrar a criação do Fundo Nacional de Moradia Popular. O projeto prevê o financiamento de moradia para famílias que recebem menos de três salários mínimos. Presente na audiência, o ministro das Cidades, Olívio Dutra, apresentou um projeto substituto do Fundo, que desapontou as lideranças quanto às formas de obtenção de recursos. O projeto de lei que estabelece o Fundo, PL 2710/92, tramita há doze anos no Congresso, e é uma das bandeiras históricas
CPT
ATINGIDOS POR BARRAGEM
Bruno Fiúza da Redação
Maristela Vitória de Goiânia (GO)
Atingidos por barragens reivindicam revisão do modelo do setor elétrico
cerca de 400 participantes da marcha já concentrados no estádio Serra Dourada desde o dia anterior. Cristiane Nadaletti, da direção nacional do MAB, informa que, ao chegar em Brasília, os integrantes da marcha vão participar de audiência pública dia 25, quando será lançada a frente parlamentar em defesa dos atingidos por barragens, encabeçada pelos deputados Edson Duarte, Adão Pretto (PT-RS) e Cé-
sar Medeiros (PT-MG). Além da audiência na Câmara, o movimento protocolou um pedido de audiência com o presidente Lula. Segundo Cristiane, a mobilização pretende ir além da denúncia. A idéia é também reiterar a cobrança em cima de uma pauta de onze pontos apresentada ao governo federal ainda na gestão FHC e que foi reapresentada no começo do governo Lula.
Segundo dados oficiais, em 2003 o governo assentou apenas 36 mil famílias. No mesmo período, 35 mil famílias foram despejadas e 61 mil sofreram ameaça de expulsão. Os dados são da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que realizou sua 17ª assembléia, em Goiânia (GO), dias 12 a 16, de olho no atual quadro de violência rural do país. No documento final do encontro, a entidade responsabiliza a omissão do Estado e a conivência com o agronegócio por emperrarem uma efetiva reforma agrária. “A publicação Conflitos no campo – Brasil 2003 mostra que, onde cresce o agronegócio, crescem na mesma proporção o conflito e a violência”, diz a carta. Segundo a CPT, o agronegócio concentra terras, águas e renda e, sob a cortina da produção
Servidores propõem parcelamento de reajuste
“O governo não tem mais a desculpa de não ter dinheiro em caixa”, relata José Domingues de Godoi, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) sobre a negociação que servidores públicos federais travam com o governo a respeito de rejuste salarial. O sindicalista explica que a proposta dos servidores está baseada no orçamento
da União deste ano: “Queremos a incorporação das gratificações ao salário-base, mas isso não precisa ser feito imediatamente. Estamos propondo um parcelamento por meio de um cronograma”, conta Domingues. Ou seja, as reivindicações podem ser atendidas até mesmo no ano que vem. Os servidores esperam que, até lá, o governo aprove um orçamento mais folgado e possa, assim, acertar as contas com os trabalhadores, cumprindo o compromisso histórico do Partido dos Trabalhadores. Segundo
Domingues, os sindicalistas querem comprometer o governo com as necessidades dos trabalhadores. Organizados em torno da Coordenação Nacional de Entidades de Servidores Federais (Cnesf), os funcionários públicos começaram, dia 10, a se mobilizar para parar toda a categoria em busca de reajuste salarial – adiado ano após ano, desde o início do governo Fernando Henrique Cardoso. Uma semana depois de começada a greve, cerca de 200 mil trabalhadores já cruzaram os braços e o Andes prepara
dos movimentos sociais. O governo propõe uma modificação do projeto, na qual o nome passa a ser Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e a constituição dos seus recursos passa a ser não-onerosa. A discussão sobre as fontes de custeio continuam em aberto, e é o “ponto de divergência entre eles”, segundo Donizete Fernandes, da União Nacional por Moradia Popular. De acordo com o representante da Central dos Movimentos Populares, Benedito Barbosa, o projeto precisa ser aprimorado e deve incentivar a autogestão e o cooperativismo: “Se não houver subsídios, não conseguiremos produzir habitação neste país”. (TM)
Entidade denuncia omissão do governo
GREVE
Luís Brasilino da Redação
que houve agressão verbal contra representantes do movimento. Na tentativa de impedir a entrada de mais pessoas na ocupação, homens da segurança privada comandados pela PM começaram a colocar tapumes. A investida foi em vão, e na tarde do dia 18 o movimento já contabilizava 2.500 pessoas no acampamento, que se chama Rosa Luxemburgo, em homenagem à líder revolucionária alemã. “Os tapumes foram utilizados para construir barracos”, orgulha-se Boulus. De acordo com ele, os moradores e associações da região apoiaram a ocupação do terreno, que fica na Avenida Victor Civita, atrás da Cohab, km 18,5 da Raposo Tavares.
Ministro apóia Fundo de Moradia Popular
Tribunal nega libertação de Gegê Se os movimentos de luta por moradia conseguiram uma audiência com o governo, no Dia Nacional de Luta por Moradia (veja o texo ao lado), no mesmo dia 12 sofreram uma derrota na 1ª Vara do Tribunal do Júri, em São Paulo. Após o interrogatório do coordenador da Central dos Movimentos Populares (CMP), Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê – acusado de ser co-autor
quando deixou Pernambuco. Desde então, Santos trabalhou 15 anos como padeiro, e 15 como pedreiro: “Mas há quatro anos estou desempregado, e com essa idade duvido arrumar outra coisa”. Assim como Santos e Lígia, grande parte dos acampados no terreno é morador da zona oeste de São Paulo e de Osasco, de acordo com João Batista, conhecido como Jota, da coordenação estadual do MTST. Na manhã do dia 15, a polícia apareceu, juntamente com seguranças privados, e tentou retirar os ocupantes. “A postura deles foi relativamente violenta”, afirma Guilerme Boulos, da coordenação estadual do MTST, lembrando
uma grande paralisação para dia 20. Os servidores estão insatisfeitos com a proposta do governo de aumentar entre 9,5% e 32,27% as grafiticações, quando reivindicavam que essas fossem incorporadas ao salário-base. Para eles, a medida divide a categoria. Os trabalhadores também pedem paridade entre ativos, inativos e aposentados, reajuste emergencial de 50,19%, reorganização das diretrizes dos planos de carreira e definição de data base (1º de maio) para a categoria.
predominantemente para a exportação, gera um custo sócio-ambiental altíssimo. O Centro-Oeste, região onde o agronegócio predomina e vem crescendo rapidamente, teve os mais altos índices de violência do ano passado. Segundo dados da CPT, a região teve o maior número de pessoas envolvidas em conflitos: 26,1% de um total de 1.190.578 casos.
SUCESSO DOS MOVIMENTOS A carta final da assembléia também aborda as bem-sucedidas experiências dos movimentos populares do campo, entre elas a construção de cisternas e projetos de captação de água da chuva no semi-árido nordestino. Segundo a CPT, também está em curso um verdadeiro mutirão pela educação nos assentamentos e nas comunidades camponesas. O documento convoca a sociedade a se mobilizar para pressionar o governo a assumir uma “verdadeira, ampla e massiva reforma agrária, que priorize uma política agrícola que privilegie a agricultura camponesa - ecológica e sustentável”. A entidade pede ainda facilidade para a aposentadoria do trabalhador rural, que hoje enfrenta entraves classificados de “humilhantes e degradantes” por dom Tomás Balduíno, presidente da CPT. No documento, a pastoral sugere que o Congresso Nacional decrete a água, que é um direito humano inalienável, como patrimônio público. Defende também a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que deve entrar na pauta de votação nos próximos dias, que estabelece o confisco da terra onde se constate a prática do trabalho escravo.
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Espelho
NACIONAL TONINHO DO PT
Campinas quer reabrir o caso
Movimento Quem matou Toninho?, liderado pela viúva do prefeito, pede novas investigações
Bush e a mídia pequena Todo jornalista minimamente informado sabia que George W. Bush mentia ao invadir o Iraque, alegando existirem armas de destruição em massa. Bush invadiu para roubar e se instalar na região. Mas a grande imprensa se limitou a repetir os comunicados oficiais do Departamento de Estado estadunidense. Os jornalistas dessa mesma grande imprensa também sabiam que iraquianos estavam sendo humilhados, torturados. Novela é tudo igual Na novela das sete e na novela das nove, é a mesma coisa: paternidades misteriosas, amores impossíveis que não se desfazem e vilão que obriga a vilã a viverem juntos. Criatividade não é o forte das novelas da TV Globo. O espetáculo da tocha olímpica A tocha olímpica que abre os jogos de Atenas estará no Brasil em junho. Terá transmissão da TV Globo. Já tem patrocinador. E briga de patrocinador. No espetáculo cabe de tudo. A lista dos “atletas” que irão carregar essa tocha inclui celebridades da área e outras nem tanto: tem Gustavo Kurten e Pelé, e também Daniela Ciccarelli, Zilda Arns e até Xuxa. Nazistas querem invadir Cuba A Folha de S.Paulo (edição do dia 7) informou que os Estados Unidos anunciam uma intervenção em Cuba para impedir a continuidade da revolução cubana. A grande imprensa noticia isso – uma invasão estadunidense ao estilo nazista – como se falasse de uma festa de aniversário de Xuxa. É o jornalismo alienado, entretenimento. Se o mundo pegar fogo esse jornalismo vai se preocupar em como distribuir os jornais. Michel Moore em Cannes O novo filme de Michel Moore, “Fahrenheit 9/11”, causou estardalhaço no festival de cinema de Cannes, na França, onde foi exibido dia 17. Moore, o mesmo que fez “Tiros em Columbine”, mostra mais detalhes sobre o governo nazista de George W. Bush. Inclusive cenas raras da ocupação do Iraque pelas forças dos EUA. Deve chegar ao Brasil no final do ano. O sentimento do mercado Depois do Dia das Mães, vem o Dia dos Namorados. E depois o Dia dos Pais. E então o Natal... O mercado usa a mídia para mexer nos nossos sentimentos, para então ao chegar ao nosso bolso, o principal objetivo. Atores, atrizes, modelos apelam para o nosso coração. Funciona: se você não compra um presente, no mínimo, vai ficar com um bruta sentimento de culpa. TVs comunitárias no sinal aberto As televisões comunitárias, que hoje, por força de lei, só operam nos sistemas a cabo (por assinatura), poderão ocupar os canais abertos, onde estão as grandes emissoras. A proposta é do deputado Edson Duarte (PV-BA) e visa corrigir uma “maldade” dos tempos do governo FHC: quando foi apresentado o projeto de regulamentação das rádios comunitárias, junto ia a regulamentação das TVs comunitárias em canal aberto. Sérgio Motta, obedecendo a Abert, mandou retirar. Um grande jornaleco O The New York Times sempre atuou a serviço da política externa estadunidense, defendendo a hegemonia dos EUA sobre os demais terráqueos. A matéria de um seu “jornalista”, inventando que Lula é um beberrão, tinha como objetivo desmoralizar o presidente e o país, criando uma falsa imagem. Lula exagerou ao pedir a expulsão desse “jornalista”, mas com certeza tanto o jornal como seu funcionário não valem muita coisa nos quesitos profissionalismo e jornalismo decente. Quem se habilita a defender um futriqueiro preocupado em sujar o nome do Brasil lá fora?
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uem matou Toninho? Esta é a pergunta que a família do prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, e grande parte dos campineiros fazem até hoje, quase três anos depois do assassinato, dia 10 de setembro de 2001. Arquiteto e urbanista, velho conhecido do movimento por moradia da cidade, Toninho se elegeu prefeito em 2000 com 59,7 % dos votos válidos, uma vitória frente ao conservadorismo e à forte oposição da elite. Inconformada com os resultados das investigações das polícias de Campinas e de São Paulo, que juntamente com o Minstério Público Estadual concluíram por um crime banal, a família quer novas investigações da Polícia Federal. Parentes e boa parte da população acreditam em crime encomendado e descartam a tese defendida pelas autoridades de que, na noite do crime, Toninho foi atingido por três tiros de uma pistola nove milímetros, quando dirigia rumo a sua casa, porque atrapalhou a fuga de uma conhecida quadrilha de seqüestradores. Levando um abaixo-assinado com 53 mil assinaturas, uma comitiva de 40 pessoas e a viúva de Toninho, a psicanalista Roseana Moraes Garcia, vão pedir novas investigações do caso. Além de ir à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil e à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Roseana pretende encontrar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para entregar o documento pessoalmente. Roseana falou ao Brasil de Fato sobre as razões de seu empenho pelo esclarecimento da morte do marido. Brasil de Fato – Na sua opinião, qual a causa do assassinato? Roseana Moraes Garcia – Se no início eu tinha alguma dúvida de que poderia ter sido um crime de latrocínio, ou algo parecido, hoje eu não tenho nenhuma, nenhuma dúvida de que não foi. Tenho certeza absoluta de que foi um crime “de mando”. Os motivos são muitos, mas um que eu acho bem forte diz respeito à especulação imobiliária porque Antônio, enquanto urbanista, arquiteto, tinha uma noção da cidade. Muitas coisas que estão acontecendo hoje não estariam se ele estivesse vivo. Coisas que envolvem milhões de dólares. Ele já começou no governo de Campinas tendo atitudes que nenhum prefeito anterior tinha tido. Por exemplo, assinar as áreas de proteção ambiental (APA) de Souzas e de Joaquim Egídio, distritos na região de Campinas. Todos os projetos que não levassem em consideração as APAs ficaram prejudicados. A gente sabe que há vários interesses econômicos envolvidos naquela região. Esse é só um exemplo de algo que ele conseguiu efetivamente fazer. Em relação à questão do planejamento urbano, de zoneamento, ele iria ter papel efetivo de poder, como ele brincava: “Eu sou a PARA PARTICIPAR Os interessados em fortalecer o movimento pelo esclarecimento da morte do prefeito de Campinas podem acessar a página da internet www.quemmatoutoninho.org e assinar o abaixo-assassinado. Outra forma de pressionar as autoridades federais pela abertura do inquérito é enviar cartas ou até mensagens eletrônicas para o Ministério da Justiça e para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
ouvidas, mas os depoimentos não foram oficializados, não investigaram nada disso. Depois passaram as investigações para o DHPP, que veio com ar de polícia científica, e aí fizeram um laudo a partir de uma simulação ridícula, concluindo por um crime banal.
Fotos: João Zinclar
Eliane Peixoto de Campinas (SP)
Roseana, viúva de Toninho, vai levar, acompanhada de 40 pessoas, o pedido de novas investigações à Comissão de Direitos Humanos da OAB e ao presidente Lula. O documento já conta com 53 mil assinaturas
caneta”. E era. Antônio era um guerrilheiro urbano. Por meio do tombamento do patrimônio histórico ele congelou o Centro de Campinas, medida que agora estão querendo revogar. BF – Para a senhora, esse foi o principal motivo? Roseana – Como ele era um combatente da corrupção, havia processado várias empreiteiras na condição de cidadão. Em Campinas existem dois túneis, um inacabado. Por isso ele estava entrando com uma ação civil pública para que a construtora terminasse esse túnel sem o poder público desembolsar um tostão. Toninho estava totalmente documentado. Então, as empreiteiras não teriam vez, a corrupção não teria vez. Estava preparando o que chamava de um grupo para atravessar a máquina pública, porque é muito difícil, a máquina é corrupta, principalmente nessa área de obra e planejamento. BF – Por que a senhora está pedindo a reabertura do caso? Quais são a falhas no processo de investigação? Roseana – Desde o primeiro momento, no minuto seguinte ao que ele foi morto, as coisas já se desvirtuaram. A começar pela chegada da polícia. Como eles não preservaram o local do crime? Nada foi preservado. O inquérito policial tem um monte de coisas mal-feitas. Antônio foi assassinado dia 10 de setembro e, dia 2 de outubro, foram mortos por integrantes da Policia Civil de Campinas, aqueles moços em Caraguatatuba que, segundo a polícia, faziam parte da quadrilha do sequestrador Andinho (Wanderson Nilton de Paula Lima, um dos acusados da morte de Tominho, que cumpre pena no Presídio de Segurança máxima em Presidente Bernardes, interior de São Paulo). Depois o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoal (DHPP), da Polícia Civil de São Paulo, concluiu que eles foram os assassinos, juntamente com Andinho. Essa operação em Caraguatatuba foi completamente estranha. A polícia de Campinas foi até lá sem avisar a polícia da cidade. Com certeza se tratou de uma execução. Como todos estão mortos – o único vivo é o Andinho, que diz que não participou –, não há provas. Ninguém tem a arma e estão quase todos mortos. Fizeram uma simulação agora, que pelo menos serviu para mostrar que o Vectra, carro de onde
os assassinos dispararam contra o Antônio, passou ao lado dele... O tiro foi quase à queima-roupa, o que mostra que ele não atrapalhava a fuga de ninguém. BF – Então os rapazes mortos pela polícia em Caraguatatuba não seriam os supostos assassinos, integrantes da quadrilha do seqüestrador Andinho? Roseana – Isso eu não posso afirmar, mas algo eles sabiam. Em relação ao Andinho, eu acredito que ele é bandido. Matou, fez 19 seqüestros, mas não que tenha matado o Antônio. BF – Quais os problemas em relação à conclusão do inquérito policial? Roseana – As investigações começaram com a Polícia Civil de Campinas, quando foram presos quatro adolescentes. Chamaram um investigador campineiro que desde a época da ditadura é conhecido como torturador, o mesmo que saiu algemado da CPI do Narcotráfico em 1999. O caso já estava encerrado. Até o Vectra que algumas testemunhas viram passar no dia do crime estava sendo entregue à seguradora. Foi quando eu comecei a fazer uma gritaria. Eu e meu advogado, na época, fomos a São Paulo falar com o secretário de Segurança Pública do Estado, quando o delegado seccional, Osmar Portelli, foi tirado do caso. Em seguida os meninos denunciaram que as confissões foram feitas sob tortura. O vigia da concessionária em frente da qual Antônio foi assassinado disse que foi coagido a dizer que viu motos no local do crime porque queriam confirmar a hipótese de que os garotos de moto seriam os assassinos. Testemunhas que estavam no local no dia seguinte procuraram a polícia e foram
BF – Se a senhora estiver certa, os criminosos estão por aí. A senhora não teme por sua vida? Roseana – Não, porque eu sou uma formiguinha perto de um elefante. Talvez uma hora ele pode se cansar e querer pisar nesta formiga, porém eu incomodo mas não tenho poder. Era o caso de Antônio, que passou a vida inteira incomodando sem poder. Quando conseguiu o poder, o mataram. Em Campinas não há democracia; quem manda é o crime organizado. Atrapalhou é eliminado, essa é a lei. BF – Quais as suas expectativas sobre a interferência do governo federal no caso? Roseana – Espero que o Ministério da Justiça faça uma investigação em Campinas, com a Polícia Federal. Tem coisas que ainda podem ser feitas, existem pessoas a serem investigadas, é possível fazer uma reconstituição do crime fidedigna. Depois tem todo o problema de balística, das cápsulas... Outra questão é saber como foram ligar a quadrilha de Andinho com o crime do Antônio? Dizem que a quadrilha saiu naquela noite para seqüestrar um homem. Mas a quadrilha não fazia seqüestros de qualquer um, eles estudavam a vítima primeiro para saber se tinha dinheiro... BF – Quando surgiu o movimento Quem Matou Toninho? Roseana – Dia 10 de setembro de 2002 eu estava na TV Bandeirantes e uma telespectadora ligou perguntando: “Por que você não faz um abaixo-assinado? A população também quer participar, nós queremos fazer um protesto”. A partir daí, fomos para as praças, lançamos a página na internet e o movimento cresceu. No final de 2003, fizemos o abaixo-assinado e foi impressionante: não teve uma só pessoa que se negasse a assinar pela reabertura do caso. O PT também fez uma pesquisa de opinião na cidade e 68% da população acham que o crime foi “de mando”. O campineiro sabe e tem sede de justiça. BF – Esta é a segunda vez que você vai a Brasília? Roseana – Eu estive lá em fevereiro deste ano. O ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos me chamou pois achou que eu iria entregar o abaixo-assinado a ele. Mas eu quero entregar ao presidente Lula. Lula tem um compromisso com Campinas, com a democracia... Infelizmente, até agora não consegui marcar uma audiência, mas vou lá e espero ser recebida por ele.
O documento foi iniciativa da população de Campinas, que queria se manifestar
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De 20 a 26 de maio de 2004
NACIONAL TRABALHO ESCRAVO
Comissão da Câmara aprova confisco Apesar das restrições da bancada ruralista, deputados aprovaram por unanimidade o confisco de terras
PROCESSO DE CONFISCO
Comissão especial aprova o confisco de terras onde for encontrado trabalho escravo
da derradeira reunião especial, representantes da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e parlamentares da base do governo se reuniram com Cunha, que garantiu a viabilidade da PEC “paralela” – que estende a vigência do confisco para imóveis urbanos onde houver casos de trabalho escravo, e será remetida novamente ao Senado.
A atuação direta do governo federal só se deu depois da reunião com o presidente da Câmara. Alguns dos representantes da Conatrae que estiveram com Cunha foram recebidos, ainda antes da votação, pelo ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo. Um dos principais interlocutores da questão dentro do governo, o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Es-
RACISMO Albani Ramos/Folha Imagem
ASSASSINATOS DE MENORES
pecial dos Direitos Humanos, não participou por estar em viagem à Irlanda. Na sessão, depois de algumas sugestões de alteração de redação da PEC, o que acabou gerando consenso para o texto final foi o encaminhamento do líder da minoria, José Thomaz Nonô (PFL-BA). Antes do início da sessão em que a PEC foi aprovada, a atriz Lucélia
Seminário discute discriminação na mídia
Débora Motta e Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
Ana Lúcia Frazão, ao lado dos filhos, segura fotografia onde aparece o filho Welson, assassinado em Paco do Lumiar (MA)
OEA fixa prazo para investigação da Redação
A Organização dos Estados Americanos (OEA) fixou um prazo para que o governo do Maranhão conclua as investigações sobre o caso dos meninos emasculados, ocorrido em junho de 1997. Até outubro deste ano, as autoridades devem dar uma posição definitiva sobre o caso, que teve repercussão internacional e, até agora, não teve nenhum tipo de punição dos responsáveis. Além de concluir as investigações, a Comissão de Direitos Humanos da OEA exigiu também que o governo indenize as 21 famílias das vítimas e coloque em prática um plano de proteção para as testemunhas. Todas as solicitações foram feitas com a participação de Nilmário Miranda, secretário Especial de Direitos Humanos, em Washington, nos Estados Unidos, sede da comissão da OEA. A petição visando apurar as denúncias sobre os assassinatos foi apresentada à OEA pelo Centro de Defesa dos Direitos das Crianças e
dos Adolescentes Pe. Marcos Passerini e pelo Centro de Justiça Global, em outubro de 2001, e aberta, oficialmente, em novembro do mesmo ano. Porém, como até o momento o governo não se posicionou, apesar de haver suspeitos e testemunhas, a OEA decidiu estabelecer um prazo para o resultado das investigações. A deputada estadual Helena Heluy (PT), integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito da Exploração Infantil da Assembléia Legislativa do Maranhão, acredita que a pressão da OEA representa uma oportunidade para que seja feita justiça para com as vítimas e familiares. A CPI já conclui e encaminhou para o governo relatório com as informações apuradas e espera, agora, o desdobramento do processo. “As investigações estavam praticamente paradas, mas com essa sacudida da OEA está havendo uma reação maior”, afirmou Helena. O relatório apresentado pela deputada aponta como culpado o mecânico Francisco Chagas, que chegou a ser preso e confessou os crimes.
Confirmada a promulgação, o governo deve apresentar um projeto de lei, provavelmente em urgência constitucional, que regulamentará o processo de confisco em caso de trabalho escravo e definirá de forma mais clara as competências para que a alteração na Constituição seja de fato aplicada. “Podemos, quem sabe, aprovar uma lei que regulamente esse dispositivo constitucional ainda no primeiro semestre”, previu Zimmermann. Depois da aprovação unânime da PEC na comissão, a deputada Kátia Abreu (PSDB-TO), que defende os interesses de fazendeiros e teve suas emendas (de inclusão do trabalho escravo urbano e da ênfase no trânsito em julgado) indiretamente acatadas pelo relator, disse que o PFL e o PSDB firmaram um acordo e não farão obstrução na votação do Plenário. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)
Helena, no entanto, reconhece que há fatos obscuros no depoimento do mecânico: “Ele não deu conta de como ocorreram as mortes, nem as extirpações dos órgãos genitais”.
O CASO Eduardo Rocha da Silva, de 10 anos, e Raimundo Nonato da Conceição Filho, de 11, foram assassinatos nas matas da Vila São José, no município maranhense de Paço do Lumiar. Além de apresentar claros sinais de tortura, as vítimas tiveram seus órgãos genitais extirpados. Conforme salienta a própria petição, que pode ser acessada na página da Justiça Global (www.global.org.br), os assassinatos ganharam atenção muito maior pois ficou evidente que faziam parte de uma série de mortes semelhantes. Com os dois casos, chegam a onze as vítimas entre 9 e 15 anos de idade que tiveram órgãos genitais arrancados, até 1997. Até 2001, ano da formulação da petição, esse número já havia aumentado para 21. (Adital, www.adital.org.br)
A questão racial na imprensa brasileira foi o tema do seminário “Mídia e Racismo”, realizado dia 12, no Rio de Janeiro, pelo jornal Brasil de Fato e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Essa foi a primeira vez, na história da Casa dos Jornalistas, fundada há 96 anos, que o tema foi debatido publicamente. Angélica Basthi, da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira – Rio), abriu os trabalhos, que contaram com a participação de Ivanir dos Santos, presidente do Centro de Articulações de Populações Marginalizadas; das pesquisadoras da Universidade Cândido Mendes, Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania e Rosana Heringer, do Centro de Estudos Afrobrasileiros. Joel Zito Araújo, diretor do curta-metragem Vista minha pele – em que uma criança branca sofre preconceito em uma turma de maioria negra – disse que os meios de comunicação de massa refletem a ideologia do branqueamento e a supremacia branca. Araújo comentou o papel secundário dado aos negros: “Nas telenovelas, não atingem sequer 10% do elenco e, quando representados, são estereotipados. Na imprensa, aparecem como concessão os negros que difundem o mito da democracia racial. Porém, não há nenhuma promoção da miscigenação pela própria mídia”. Relacionando a temática do racismo à violência urbana, Silvia Ramos ressaltou o pequeno destaque que a mídia brasileira dá aos crimes cometidos contra a população negra e pobre, moradora de favelas. Rosana Heringer relembrou o caráter histórico da exclusão racial na formação da sociedade brasileira e a luta do movimento negro. Para discutir o tema “Exclusão, Mí-
Débora Motta
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eputados e deputadas federais aprovaram por unanimidade, dia 12, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438, de 2001, que prevê o confisco de terras onde for constatada exploração de trabalho escravo. A aprovação ocorreu na comissão especial formada na Câmara Federal e agora a PEC deverá ser colocada na pauta de votação do Plenário. Se novamente aprovada em dois turnos, poderá ser promulgada pelos respectivos presidentes da Câmara e do Senado, João Paulo Cunha e José Sarney. “Nossa expectativa é de que na próxima semana possamos votar esse texto em primeiro turno”, afirmou o autor do relatório aprovado na comissão especial, deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS). Depois de votada em primeiro turno, a matéria precisa ficar ausente da pauta por cinco sessões plenárias em cumprimento ao regimento, antes de voltar a ser apreciada em segundo turno. “Até o final de maio nós poderemos ter a aprovação dessa emenda constitucional. Seria extremamente simbólico ter a promulgação dessa ‘segunda abolição‘ ainda este mês”. Dia 13 de maio a assinatura da Lei Áurea completou 116 anos. A estratégia adotada pelo relator para garantir a aprovação da emenda constitucional teve uma importante participação pessoal do presidente da Câmara. Pouco antes
Santos fez um apelo aos parlamentares da comissão “para acabar com um problema que tira a energia do Brasil, sobretudo na imagem no estrangeiro”. Ela convocou a “sensibilidade e a inteligência” de deputados e deputadas” para a aprovação da proposta em uma “comprovação prática da cidadania e democracia”. Além de Lucélia Santos, outros artistas ligados ao Movimento Humanos Direitos (MHuD), como os atores Chico Diaz, Giuseppe Oristanio e Marcos Winter, estiveram na sessão.
José Cruz/ABR
Maurício Hashizume de Brasília (DF)
Carlos Alberto de Oliveira, autor da emenda na Constituinte a favor da prisão por crime de racismo
dia e Racismo”, foram convidados o sociólogo Eduardo Henrique Pereira de Oliveira, secretário executivo da revista Afirma OnLine; os jornalistas Carlos Alberto Medeiros, mestre em sociologia do Direito, Francisco Alves Filho, editor assistente da revista Isto É- Rio; Carlos Alberto de Oliveira (Caó), conselheiro da ABI e autor da emenda na Constituinte a favor da prisão por crime de racismo, a lei Caó; Antônio Carlos Ferreira Rumba Gabriel, do Movimento Popular de Favelas e o professor Ivan Cavalcanti Proença, da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rumba Gabriel denunciou a política de assassinatos nas favelas cariocas, comparando o que acontece hoje com a repressão na época da escravidão. Caó explicou a sua luta para convencer os parlamentares a aprovar a lei anti-racista de sua autoria. Proença condenou a hipocrisia da sociedade brasileira em relação à questão do racismo. E Medeiros falou sobre as cotas raciais para estudantes, que “estão servindo para colocar o tema do racismo na pauta de discussões dos brasileiros”. Ele acha, no entanto, que o tema vem sendo mal colocado pela imprensa, que omite, por exemplo, o fato de estudantes que ingressaram por essa via na Universidade do Estado do Rio de Janeiro estarem entre os melhores alunos da instituição.
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NACIONAL REFORMA AGRÁRIA
CPI comprova falhas em Pernambuco Fatos em foco
Votinho safado Até agora a senadora Heloísa Helena, ex-integrante do PT, não explicou publicamente por que votou a favor dos bingos e ajudou a derrubar, com a diferença de um único voto, a medida provisória que proibia o funcionamento das casas de jogos. Para quem se diz de esquerda, é no mínimo uma posição estranha. Causa própria Os presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e o senador José Sarney (PMDB-AP), continuam empenhados em mudar a lei para permitir a reeleição nos cargos em que ocupam. Tudo, é claro, pelo “interesse público”. Grande mistério Brasil e Argentina enfrentaram crises semelhantes nos últimos anos, provocadas pelo modelo econômico neoliberal. O Brasil segue fielmente a cartilha do FMI, tem juros na faixa de 16% ao ano e crescimento do PIB perto de zero. A Argentina não segue o FMI, tem juros de 3,13% ao ano e projeta crescimento de 5,5%. Quem vai se recuperar da crise antes? Sem educação Até agora o ministro Tarso Genro, da Educação, centrou sua gestão em duas propostas para o ensino superior: cota para alunos das escolas públicas e cobrança de vagas nas escolas filantrópicas. Duas medidas polêmicas e de resultados duvidosos, porque não ampliam as verbas do setor, entre 4% e 5% do orçamento da União, as menores da América do Sul. Impunidade danosa Um dos políticos mais corruptos do país, Paulo Maluf, é processado por improbidade administrativa desde 1970; já encontraram milhões de dólares em suas contas no exterior sem que ele explique a origem do dinheiro. No entanto, até agora não cumpriu pena e nem está com os direitos políticos cassados; continua livre para disputar novas eleições. Euforia tucana Após a vitória de Lula, em 2002, a tucanagem avaliava que o desgaste do governo FHC iria perdurar por vários anos. No entanto, o rápido desgaste do PT no governo federal deu novo alento ao pessoal do PSDB. O lançamento da candidatura de José Serra para prefeito de São Paulo foi visto como o primeiro passo da “operação retorno” de FHC, em 2006. Empresariado feliz Mais de 400 empresários brasileiros acompanham o presidente Lula em sua visita à China, nesta semana. É a maior comitiva de um presidente brasileiro em viagens internacionais. Para não ficar com cara de piquenique, seria de bom-tom o governo apresentar para a sociedade brasileira, na volta, um relatório dos negócios realizados. Mobilização já A Coordenação de Movimentos Sociais, que congrega dezenas de organizações e entidades sindicais e populares, vai dar nova arrancada na campanha “O Brasil Quer Trabalhar”, contra o desemprego, considerado o principal problema do país. O lema é um só: sem pressão não tem solução.
Zínia Araripe e Rodrigo Valente de Recife (PE)
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alta de integração entre os governos federal e estadual, problemas estruturais no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e principalmente, falhas na Justiça – em geral ligadas aos poderosos latifundiários do Estado – que concede liminares de reintegração de posse sem levar em conta dívidas públicas dos proprietários. Esses foram alguns entraves à reforma agrária, detectados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) em visita a Pernambuco, dias 12 e 13. A comitiva da CPMI foi integrada pelos senadores Álvaro Dias (PSDB-PR) e Sibá Machado (PT-AC) e pelos deputados João Alfredo (PTCE) e Paulo Rubem (PT-PE). De acordo com o relator João Alfredo, Pernambuco foi escolhido para a primeira visita por ser o Estado onde se verificou grande mobilização na luta pela terra, com o maior número de ocupações ocorridas durante o chamado “abril vermelho” do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). CPMI da Terra - CoA próxima viamissão Parlamentar Mista de Inquérito, gem da CPMI que está funcionanserá ao Pará, na do na Câmara e no última semana Senado Federal, para analisar a deste mês. No questão fundiária no dia 25, no SeBrasil. Instalada no nado, a Comisfinal de 2003, começou a funcionar em são toma o defevereiro. poimento do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto.
PROBLEMA HISTÓRICO “Há duas vertentes que dão a Pernambuco características especiais na situação agrária: a efervescência dos movimentos sociais do
Deputados e senadores na visita ao lote do pequeno agricultor José Rosa, no assentamento Maraji, em Pernambuco
campo, que remonta às ligas camponesas, e fatores de natureza econômica”, disse Alfredo. Para ele, a falência de grande parte das usinas de cana-de-açúcar e do Proálcool, baseado na monocultura, levou ao desemprego em massa – mais de 150 mil pessoas perderam seus empregos em dez anos –, “agravando a miséria nas periferias urbanas e deixando a população rural sem meios de sobrevivência”. Segundo dados coletados pelos parlamentares, Pernambuco tem 25 mil famílias acampadas e a meta de assentar pelo menos 6.800 famílias em 2004. Até agora, nenhuma foi assentada, conforme denunciou o procurador Francisco Sales de Albuquerque.
VIOLÊNCIA
Charles Afonso de Souza, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Pernambuco, foi baleado na perna na manhã do dia 17. Souza, que participava da ocupação da Fazenda Dependência, no município de Passira, ao lado de 80 famílias, foi cercado por um grupo de pistoleiros que tentavam dispersar os trabalhadores logo depois da entrada da área. Segundo uma nota do MST, depois de cercarem Souza, os pistoleiros o intimidaram com tortura psicológica, aproximando um rifle de seu rosto, antes de atingirem sua perna com um tiro. Para Dirce Ostroski, assessora de imprensa do MST de Pernambuco, a intenção era matar o líder sem-terra, que já estaria jurado de morte há cerca de um ano. Conforme a nota, Souza foi internado no Hospital Otávio de Freira, em Recife, e seu estado de saúde é estável. O MST revela que várias denúncias já foram feitas ao Ministério Público e a autoridades locais, denunciando a ação de grupos de pistoleiros na região dos municípios de Passira e Salgadinho. Nessa cidade, o trabalhador Reginaldo Bernardes da Silva foi baleado em setembro de 2003, durante a ocupação da Fazenda São Vicente.
OCUPAÇÕES E REOCUPAÇÕES A violência contra o coordenador do MST acontece no momento em que o movimento desencadeia uma jornada de ações em Pernambuco, para protestar contra a falta
VISITA A ACAMPAMENTOS Os deputados foram a campo e conheceram um assentamento e dois acampamentos de trabalhadores rurais. Visitaram um assentado que conseguiu bons índices de
produtividade nos sete hectares de terra que recebeu e de onde tira o sustento da família de oito filhos e 10 netos, plantando grãos e hortaliças. O segredo: a assistência técnica prestada pela filha de um dos 93 moradores do assentamento Maraji, no município de Rio Formoso, treinada por uma organização nãogovernamental. Também na Zona da Mata, situação diferente foi encontrada no acampamento Bonito, no município de Condado, onde 102 famílias moram há oito anos. A posse da terra ainda não foi conseguida. O litígio com os proprietários – o grupo João Santos, um dos mais poderosos do Estado – se arrasta sem perspectiva de solução.
REFORMA AGRÁRIA
Líder do MST é baleado em Pernambuco Bruno Fiuza da Redação
Entre as soluções apontadas para formar um “estoque de terras” para a reforma agrária em Pernambuco está o confisco de terras. A ação visaria propriedades que acumulam dívidas impagáveis à União e ao Estado e aquelas em que os proprietários desrespeitam as leis trabalhistas, mantendo trabalho escravo e infantil ou trabalhadores sem carteira assinada. Segundo Rubem, apenas 14 empresas do setor sucro-alcooleiro devem R$ 460 milhões ao erário público.
de agilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em vistoriar áreas em disputa no Estado. Nos dias 16 e 17, foram realizadas três ocupações e quatro reocupações de áreas com vistoria decretada há mais de um ano. As ações envolveram a ocupação das fazendas Umbuzeirão e Chapéu de Couro e do engenho Pereira Grande, e a reocupação do engenho Baé Pandi e das fazendas Jacarapina, Milagres e Mandacaru. Almir Silva Xavier, que participou da ocupação da Fazenda Mandacaru, conta que a área de 640 hectares espera por vistoria há três anos. Segundo Xavier, a demora da vistoria estaria impedindo os agricultores de aproveitarem as condições favoráveis para o plantio, garantidas pelas maiores chuvas na região nos últimos três anos. João Farias, superintendente do Incra de Pernambuco confirma que há áreas reivindicadas pelos semterra que esperam vistoria há muito tempo, algumas há até 6 anos. Contudo, ele se diz preocupado com a ação do movimento por considerar que ao optar pelas ocupações o MST está na prática inviabilizando o trabalho de vistoria, que só passa a poder ser realizada dois anos depois da desocupação da área. Farias diz que, apesar de a sede da superintendência estar em greve desde o começo do mês, as vistorias não pararam. Ele afirma que o Incra de Pernambuco vem realizando mais vistorias do que a média histórica de 20 por ano. Segundo o superintendente, em 2003 foram 109 vistorias; só nos primeiros três meses de 2004, outras 24.
Júlio Penz
Lambança geral A reação do Palácio do Planalto sobre a reportagem do jornal The New York Times foi um grande vexame, primeiro pela truculência burocrática, segundo pelas justificativas inconsistentes e terceiro pela versão maquiada do acordo. Se quiser mesmo defender o país contra ataques estrangeiros, o governo precisa enfrentar o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), deixar de pagar juros, controlar o fluxo de capitais, banir os cartéis empresariais e expulsar os agentes da CIA e do FBI que atuam livremente no Brasil.
Juliana Cestari
Em visita a terras, parlamentares encontram o óbvio: sobram terra e problemas
Hamilton Octavio de Souza
Acordo garante saída pacífica das famílias que ocupavam a Fazenda Coqueiro
Greve garante acordo em Coqueiros do Sul Eduardo Zen de Porto Alegre (RS) Um acordo fechado, dia 13, entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os governos estadual e federal garantiu a saída pacífica das 1.300 famílias que ocupavam a Fazenda Coqueiro, no município de Coqueiros do Sul. Com o acerto, foi encerrada a greve de fome de três sem-terra, um pequeno agricultor e um frade franciscano em Porto Alegre (RS), iniciada um dia antes. No acordo, o governo federal garante a liberação de R$ 50 milhões, nos próximos 60 dias, para compra imediata de novas áreas para assentamento. Já o governo do Estado se comprometeu a disponibilizar R$ 10 milhões e o Fundo de Terras do Rio Grande do Sul (Funterra) para complementar a política de assentamentos. No atual governo, apenas 53
famílias foram assentadas no Rio Grande do Sul. Segundo Mário Lil, da coordenação do MST e um dos que participaram da greve de fome, nem mesmo no período pósditadura “tivemos uma situação em que tão pouco se fez pela reforma agrária quanto agora”. Antes mesmo de terminar o prazo dado pela Justiça para a desocupação da Fazenda Coqueiro, no dia 13, a Brigada Militar já arregimentava efetivos para a retirada dos sem-terra. As famílias, dispostas a resistir, insistiam na negociação e alongamento do prazo para desocupação. Em Porto Alegre, um grupo de 450 camponeses ocupou o Gabinete da Reforma Agrária e Cooperativismo (GRAC), ligado ao governo estadual, na tentativa de impedir a ação policial em Coqueiros do Sul, ao mesmo tempo em que se iniciava a greve de fome na sede regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
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De 20 a 26 de maio de 2004
NACIONAL PREÇOS DO PETRÓLEO
Choque não será tão violento como antes
Cotações disparam, mas o impacto sobre a economia brasileira pode não ser tão grave como gostariam os pessimistas
O
s preços do petróleo bateram a marca dos 40 dólares por barril na semana passada, superando os níveis alcançados durante a invasão do Kuait pelo Iraque, em 1990, e disparando alarmes em todo o mundo. Já há quem anteveja, na alta de mais de 27% acumulada neste ano pelos preços do barril, sinais de um terceiro choque do petróleo. E há aqueles que até mesmo antecipam o início do fim da era dos combustíveis fósseis sobre o planeta – o que, de fato, tenderá a acontecer, mas em décadas, ainda. A maior parcela das copiosas análises e previsões lançadas até o momento destaca dos tipos de ameaças em potencial à economia mundial, Brasil incluído, obviamente: uma retomada das taxas de inflação, insufladas pelos custos mais elevados dos combustíveis, e um desaquecimento global da atividade econômica, com prejuízos para toda a economia e principalmente para os maiores consumidores de petróleo. Vale, neste momento, ponderar aqueles riscos e avaliar como a economia brasileira poderá ser afetada, a curto prazo. Em primeiro lugar, a dependência do país em relação a importações de petróleo sofreu drástica redução desde os tempos dos dois choques do petróleo, em 1973 e 1979. No primeiro caso, as cotações internacionais do óleo triplicaram em poucos meses, saindo de quatro a cinco dólares para 11 a 12 dólares o barril. Isto significou um freio importante no crescimento mundial, uma elevação substancial dos custos de transporte e dos com-
Há uma tendência de elevação ao longo dos próximos meses, mas as previsões indicam um ajuste para 1,25% a 1,5% no segundo semestre, níveis ainda bastante reduzidos.
Antonio Scorza/AFP
Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
MEMÓRIA CURTA
Mais de 80% do consumo de petróleo são produzidos no país (Plataforma da Petrobras, no Rio de Janeiro)
bustíveis e derivados utilizados pela indústria e, portanto, da inflação.
SEGUNDO CHOQUE Em 1979, os preços voltaram a triplicar, chegando, na média, a 30 dólares por barril e ultrapassando, no ano seguinte, os 35 dólares. Nos dois episódios, a alta foi orquestrada pelo boicote dos principais países produtores, reunidos sob a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderada pelos países árabes. O mundo contabilizava, ainda, os reflexos da crise gerada pela revolução no Irã, que derrubou o regime comandado pelo xá Reza Pahlevi, apoiado pelos Estados Unidos. O estrago para o Brasil foi gi-
gantesco por um simples motivo: o país importava mais de 80% de suas necessidades de consumo e a disparada das cotações internacionais do petróleo abriu rombos crescentes na balança comercial brasileira (exportações menos importações de bens e produtos). Mais claramente, os gastos com as compras de produtos importados, pressionados pelo avanço do petróleo, passaram a superar largamente as receitas obtidas com exportações. O rombo pulou de 1 bilhão de dólares, em 1978, para quase 3 bilhões de dólares, em 1979 e 1980. As compras de petróleo no exterior saltaram de 4,2 bilhões de dólares em 1978, equivalentes a 30% das importações totais, para nada me-
nos do que 10,6 bilhões de dólares em 1981, passando a representar 48% das importações brasileiras.
RISCOS REDUZIDOS Dois anos depois, com a economia já em recessão, as compras externas de petróleo representaram praticamente 56% das importações totais. Havia um clima de comoção mundial, agravado pela política de juros altos do governo estadunidense, que havia elevado as taxas para 21,5% ao ano, em 1980. A situação, hoje, embora apresente uma dose de risco, não se aproxima daquele quadro. Os juros estadunidenses encontram-se atualmente nos níveis mais baixos em 46 anos, estacionados em 1% ao ano.
PRODUÇÃO BRASILEIRA DE PETRÓLEO CRESCE... ...E REDUZ A IMPORTAÇÃO (Em mil barris por dia) (Compras de óleo bruto, em relação ao consumo interno) ������
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GASTOS COM IMPORTAÇÕES DESABAM (Compras externas de petróleo bruto)
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Fonte: Petrobras
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Fonte: Petrobras
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aumento de 30% nos preços internacionais, há 20 ou 25 anos, teria um impacto direto de 24% sobre os custos diretos de produção da companhia (já que as importações respondiam por 80% da necessidade de abastecimento). Hoje, o mesmo aumento teria um reflexo de apenas 6%. Mas a política de reajustes que o governo vem adotando, desde os tempos do presidente Fernando Henrique Cardoso, tem criado distorções, nesta área, ao ignorar a redução relativa da importância do petróleo importado. Aquela política determina que os preços internos dos combustíveis deveriam acompanhar as flutuações no mercado internacional. Para evitar prejuízos para a Petrobras e seus acionistas? Não. Para estimular importações, contraditoriamente. Explica-se. Segundo o raciocínio da equipe econômica, com os preços internos alinhados aos preços internacionais, grupos multinacionais e nacionais seriam supostamente estimulados a investir na produção de petróleo aqui dentro e, alternativamente, a importar pe-
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Fonte: Dados brutos da Agência Nacional de Petróleo, Petrobras, Secretaria de Comércio Exterior
No Brasil, dependência menor Desde o período do choque duplo, entre 1973 e 1979, o cenário econômico no Brasil alterou-se substancialmente. A dependência do petróleo importado, que chegou a superar 85% em 1979, diminuiu para 46% em 1993 e continuou a encolher desde então. No começo da segunda metade da década de 90, a dependência havia recuado para 36% (em 1997), chegando ao final do período já próxima de 24%. No ano passado, em média, apenas 19,8% do petróleo processado pelas refinarias brasileiras, segundo dados da Petrobras, vieram do exterior. O petróleo extraído no país já respondia por pouco mais de 80% do abastecimento interno. Esse tipo de dado também tem sido negligenciado nas análises que indicam o risco de uma nova escalada inflacionária por conta de futuros aumentos dos preços dos combustíveis. A estrutura de custos da Petrobras sofreu nítida modificação, quando comparados o período atual e os anos 70 e 80, influenciada pela queda vertical na participação do petróleo importado. Num exemplo simplificado, um
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A exemplo do que ocorreu no começo dos anos 80, um dado tem sido menosprezado nas análises que apontam o risco de uma desaceleração das economias ao redor do mundo. Algumas estimativas apontam, por exemplo, que os países exportadores de petróleo teriam suas receitas engordadas em pouco mais de 150 bilhões de dólares, caso os preços se mantenham nos níveis atuais por um período de 12 meses. Seria o retorno dos tão falados petrodólares dos anos 70 e 80, que movimentaram a economia mundial e ajudaram a reverter a crise causada pela recessão norte-americana no princípio da década de 80. Com o caixa restaurado, os principais países produtores e exportadores de petróleo tenderiam a ampliar suas importações, como fizeram depois do choque duplo, passando a comprar no exterior maiores volumes de máquinas, equipamentos, componentes e assessórios para suas indústrias, carros e até mesmo alimentos. A injeção de petrodólares na economia mundial tenderia a amenizar os efeitos negativos trazidos pelo encarecimento relativo do petróleo e seus derivados. A despeito da atual tendência de alta, os preços internacionais do petróleo mantêm-se, na média, entre 50% a quase 60% abaixo dos níveis alcançados na entrada dos anos 80, quando comparados ao avanço dos demais preços na economia estadunidense (ou seja, quando descontada a inflação registrada nos EUA).
tróleo e derivados, concorrendo com a Petrobras. E, imagina a tecnocracia de Brasília, isso incentivaria a redução dos preços dos combustíveis e outros derivados, no país. Mais claramente, a política de reajustes adotada no Brasil guarda pouca, ou nenhuma, relação com a estrutura dos custos de produção da Petrobras.
FORA DA REALIDADE Além do mais, para parecer moderninhos, os economistas do governo dizem que, nos Estados Unidos, os preços dos combustíveis são livres, sobem e descem ao sabor do mercado. Desprezam a realidade. Os EUA não aceitam o sobe-e-desce dos preços por livre opção, mas porque mais da metade de seu consumo de petróleo é assegurado por importações, ao contrário do Brasil – que, por isso mesmo, pode adotar políticas mais favoráveis ao consumidor, sem causar prejuízos para a Petrobrás e seus acionistas. Afinal, os custos do petróleo nacional, que cobrem mais de 80% das necessidades de consumo interno, não subiram na mesma proporção. (LVF)
Exportações de petróleo e derivados disparam No ano passado, os analistas ignoraram mais um dado: as exportações de petróleo e derivados dispararam, crescendo 29,5% em relação a 2002. Na Arábia Saudita? Não. No Brasil. Segundo estatísticas produzidas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), o país exportou 3,917 bilhões de dólares em 2003, compensando praticamente 65% de todos os gastos com importações de petróleo e derivados. Para efeito de comparação: desde 2000, quando as exportações atingiram 1,036 bilhão de dólares, houve um salto de 278%. Naquele ano, as vendas externas de óleo e seus derivados (gasolina, óleo diesel etc.) cobriam menos de 14% das necessidades de importação. Com a elevação dos preços internacionais, haverá novos ganhos para o país, ajudando a diluir os reflexos negativos do encarecimento das importações. Em resumo, o saldo positivo registrado pela balança comercial brasileira, com exportações superiores às importações, necessariamente não precisaria cair em função do aumento dos preços do petróleo. Até porque as compras ex-
ternas do produto já não têm o mesmo peso na pauta de importações. No começo dos anos 80, mais uma vez, as compras externas de petróleo tinham uma participação entre 45% e quase 56% nas importações totais do país, incluindo desde máquinas, equipamentos e insumos para a indústria, a produtos eletrônicos, computadores, trigo e outros produtos de consumo. Essa participação, considerando-se apenas as compras diretas de petróleo, veio murchando, desde então, e hoje varia ao redor de 7% a 8% – percentuais atingidos em 2002 e 2003. A curva de queda das importações seguia tendência inversa à observada para a produção de petróleo em território nacional. Em 1979, o país produziu o correspondente a 165 mil barris por dia. Mal comparando, daria para cobrir menos de duas horas e meia de consumo nos dias de hoje. A produção média registrada no ano passado chegou a 1,540 milhão de barris diários, representando um avanço de 2,6% em relação a 2002, e nove vezes mais do que há 25 anos. (LVF)
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De 20 a 26 de maio de 2004
NACIONAL TURBULÊNCIA FINANCEIRA
Capitais especulativos vão embora
Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
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e nada valeu o bom comportamento do Brasil, segundo a cartilha dos grandes banqueiros internacionais e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao primeiro sinal de mudanças na economia mundial, a bolsa de valores despencou, o dólar subiu, superando a faixa dos R$ 3, e o governo se vê diante da possibilidade de, mais uma vez, frear a queda já homeopática das taxas de juros. O filme, o enredo, a iluminação, os protagonistas e figurantes são velhos conhecidos do brasileiro. Na verdade, não se trata apenas de uma sensação de mesmice; é um pouco mais do que isto: o país continua encalacrado no mesmo buraco em que se meteu depois de oito anos de furioso arrocho ao crédito, com juros nas nuvens, e desmantelamento dos investimentos públicos, incluindo, neste cardápio, cortes irracionais de despesas de todos os tipos. Bastou o Banco Central norteamericano sinalizar ao mercado mundial que vai, sim, como esperado há meses, aumentar as taxas de juros, para que os chamados capitais voláteis fizessem exatamente o que se espera deles: partissem em fuga do país, em busca de refúgios mais seguros. O anúncio de um futuro aumento dos juros nos EUA, hoje mantidos em 1% ao ano, a taxa mais baixa em 46 anos, a decisão da China de desacelerar as taxas de crescimento de sua economia e mesmo a alta dos preços do petróleo não teriam tanto impacto, no mercado financeiro doméstico, se as condições da economia brasileira fossem outras. Os juros vão subir nos Estados Unidos? Sim, mas não será nenhum fim de mundo. As previsões mais recentes apontam para uma elevação de 0,25 a 0,5 ponto percentual, o que elevaria as taxas para 1,25%
Superávit comercial não será suficiente para a redução da dívida externa
uma grande oportunidade para recomprar dólares no mercado, a custos mais baixos, e reforçar suas reservas, acumulando uma poupança para enfrentar dias mais difíceis, como agora. De quebra, conseguiria reduzir a dívida externa brasileira, hoje próxima a 220,6 bilhões de dólares (dívidas do governo e de empresas).
DÍVIDA&RESERVAS Perspectiva de alta de juros nos EUA derruba bolsa de valores e dólar
a 1,5% – ainda as mais baixas em anos. A China vai crescer menos? É isto o que pretende o governo daquele país, para evitar complicações adiante, caso a economia passe a crescer acima de suas possibilidades (o que causaria disparada de preços e outros desequilíbrios). Mas o crescimento, hoje superior a 9% ao ano, tenderia a recuar para algo próximo a 7% – duas vezes mais do que a taxa prevista pelo governo para o Brasil.
DEPENDÊNCIA Quanto ao petróleo (veja página 7), os efeitos negativos poderão ser compensados ou aliviados,
sem grandes traumas. O que justifica a fuga dos investidores/ especuladores, no Brasil? O fato concreto é que apenas o superávit comercial (exportações superiores a importações) recorde previsto para este ano, algo acima de 25 bilhões de dólares, não será suficiente para fazer frente a todos os compromissos internacionais assumidos pelo país. Obviamente, a situação já esteve mais grave, quando a balança comercial registrava importações sistematicamente superiores às exportações, até 1999. No ano passado e nos primeiros meses deste ano, o Banco Central desperdiçou
As reservas brasileiras continuam baixas, ao redor de 25 bilhões de dólares, o que não cobre 40% das dívidas e outros compromissos que vencem em 2004. Uma conta rápida ajuda a entender a situação atual do país na área externa e por que ainda se diz que a economia continua vulnerável ou dependente de capitais externos. Neste ano, segundo números oficiais, o país terá de pagar 48,4 bilhões de dólares, incluindo as prestações das dívidas de longo, médio e curto prazos que vencerão no período. Além disso, somente os juros daquela dívida consumirão mais 15,9 bilhões de dólares. As despesas totais com a dívida somam, portanto, 64,3 bilhões de dólares em grandes números. Entre
investimentos internacionais diretos, empréstimos e investimentos especulativos (se estes continuarem por aqui), prevê-se, no governo, que vão entrar 33,5 bilhões de dólares.
DINHEIRO ESPECULATIVO Este ano, as exportações, estimadas em mais de 80 bilhões de dólares pelo governo, devem superar as importações em quase 25 bilhões de dólares. Feitas todas as contas, haveria a entrada de 58,5 bilhões de dólares. Caso o saldo comercial cresça, claro, a conta pode crescer. Mas, como não se deve dar como certo a permanência de capitais especulativos no país, o resultado apontado aqui pode mesmo ser otimista. O fato concreto é que haveria uma diferença de 5,8 bilhões de dólares entre saída e entrada de dólares, o que deve ser coberto com dinheiro das reservas ou com o adiamento do pagamento de algumas prestações, renegociadas com os credores externos. Em resumo, o Brasil continua refém do mercado internacional e, sem os dólares da especulação financeira mundial, dificilmente conseguiria fechar suas contas e pagar todos os seus compromissos externos.
A opção é o país crescer, não o FMI
Primeiro, o governo argentino rompeu com os bancos internacionais, paralisando os pagamentos da dívida externa, e virou a mesa nas conversações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), recusando as políticas de arrocho tradicionalmente prescritas pelo organismo. Agora, ao contrário do que tem feito a equipe econômica brasileira, o presidente Néstor Kirchner volta a refutar a cartilha do FMI e reforça a opção pelo crescimento. No início deste mês, ao anunciar os números recordes da arrecadação de impostos, que cresceu 32,4% no primeiro quadrimestre de 2004, frente a igual período de 2003, o governo argentino aproveitou para confirmar que vai, sim, usar uma parte do superávit (receitas maiores do que despesas) acumulado pelo Tesouro para aumentar salários de aposentados e de servidores públicos e investir em projetos na área de infra-estrutura (energia, estradas). No Brasil, em obediência cega ao FMI e governos dos países mais ricos do globo, o superávit primário – ou seja, o dinheiro dos impostos que o governo economiza todos os meses, às custas do achatamento das despesas e investimentos públicos – tem sido integralmente destinado ao pagamento de juros, engordando as receitas de bancos e investidores domésticos e internacionais.
NÃO ÀS PRESSÕES A diferença entre os dois países é óbvia e os resultados, idem. Enquanto a Argentina colhe os frutos do segundo ano consecutivo de
Folha Imagem
ARGENTINA
Anderson Barbosa
Próximo aumento de juros nos EUA mostra que o Brasil continua refém do mercado financeiro internacional
forte crescimento interno, com a atividade econômica retomando os níveis anteriores à crise que jogou o país no buraco a partir do final de 2001, o Brasil vê sua economia caminhar para mais um ano de desempenho medíocre. Em contraposição à atitude dos economistas que dominam a política econômica no Brasil, o governo Kirchner decidiu ignorar as crescentes pressões do FMI e credores para que a Argentina retome os pagamentos de sua dívida. No primeiro trimestre deste ano, a arrecadação de impostos superou as despesas, descontados os gastos com juros, em 3,9 bilhões de pesos (perto de R$ 4,1 bilhões), superando a meta de 1,1 bilhão de pesos (R$ 1,2 bilhão) acertada com o FMI. O Fundo exigia que a diferença – 2,8 bilhões de pesos (pouco mais de R$ 2,9 bilhões) – fosse integralmente destinada ao pagamento dos juros da dívida argentina. Kirchner e sua equipe recusaram as exigências e reservaram quase um terço dos recursos totais economizados pelo Tesouro, num total de 1,1 bilhão de pesos (cerca de R$ 1,2 bilhão), para bancar aumentos entre
13% e 25% para os empregados das empresas estatais. Na mesma linha, as aposentadorias deverão sofrer uma correção de 17%, escalonados entre junho e setembro, sobre os valores atuais. A inflação anual na Argentina chegava a 2,3% em março, o que significa dizer que os aumentos de salários ficarão bem acima da variação do custo de vida. Apenas para refrescar a memória, o governo brasileiro divulgou uma correção de 8,3% para o saláriomínimo, correspondendo a um aumento real (acima da inflação) de apenas 1%. No caso das aposentadorias argentinas, o reajuste pode superar a inflação em 14%, beneficiando 1,9 milhão de aposentados. No Brasil, a equipe econômica quer achatar ainda mais os valores pagos aos pensionistas e aposentados, impedindo que recebam os mesmos reajustes concedidos ao salário-mínimo.
ECONOMIA AVANÇA Trata-se, obviamente, de uma opção de política econômica radicalmente inversa àquela feita pelo governo brasileiro. Por isso mes-
mo, a economia argentina cresceu 8,7% no ano passado, diante de um recuo de 0,2% para o Brasil. Lá, o desemprego baixou de mais de 21% em maio de 2002, para 14,3% no final de 2003. Aqui, o desemprego volta a crescer e supera a casa dos 20%. No primeiro trimestre deste ano, a produção da indústria argentina experimentou um novo salto, crescendo mais 14,1% na comparação com os primeiros três meses do ano passado. No Brasil, considerado o mesmo período, houve um crescimento de 5,8% – mas comparado aos níveis mais baixos registrados no início do ano passado. Em resumo, a economia na Argentina segue uma tendência sustentada de crescimento, enquanto o Brasil continua patinando entre a estagnação total e ridículos índices de avanço.
BANCOS CHORAM No mesmo momento em que os grandes bancos internacionais incrementam as pressões para obrigar o governo Kirchner a retomar os pagamentos da dívida, dados mais recentes ajudam a reforçar a posi-
ção argentina – que pretende pagar apenas um quarto do que deve, obrigando os banqueiros a engolir um desconto de 75% sobre o valor da dívida. O Citigroup, um dos maiores conglomerados financeiros do mundo, com sede nos Estados Unidos, está sob investigação do governo estadunidense, que averigua a regularidade de suas operações na Argentina. O banco registrou como prejuízo um total de 2 bilhões de dólares nos negócios e empréstimos realizados naquele país entre 2001 e 2002. Naquele período, não só o Citigroup como todos os banqueiros transnacionais com operações na Argentina proclamavam suas perdas aos quatro ventos, sugerindo que uma recuperação seria impossível. Apenas dois anos mais tarde, mesmo sem receber tostão da Argentina, o Citigroup anunciou um lucro de 5,27 bilhões de dólares apenas nos primeiros três meses de 2004. O resultado indica que os grandes bancos internacionais poderiam suportar o desconto exigido pela Argentina, sem maiores traumas. (LVF)
Ano 2 • número 64 • De 20 a 26 de maio de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO VENEZUELA
Milhares marcham contra o imperialismo a marcha pela “pela paz, contra o terrorismo”. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, anunciou a nova etapa do seu governo “antiimperialista”. Com faixas e cartazes onde se lia “Bush: tire suas mãos da Venezuela”, “Por um mundo sem terrorismo” e ao som de canções da argentina Mercedes Sosa e do venezuelano Ali Primera, milhares de pessoas percorreram cerca de 12
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Andrew Alvarez/AFP
imperialismo estadunidense foi alvo de duas grandes marchas, dias 15 e 16. Em Caracas, a prisão de mais de 120 paramilitares colombianos, que supostamente estavam sendo treinados para um atentado contra o governo venezuelano, impulsionou
quilômetros pelas ruas da capital. De acordo com o governo venezuelano, os paramilitares presos dia 9 estavam sendo treinados por grupos opositores, com ajuda de dissidentes cubanos, e sob apoio estadunidense, para tentar mais um golpe de Estado. Chávez afirma que os paramilitares pretendiam assassiná-lo. Mesmo sob o lema da paz e do resgate da soberania nacional, a oposicão não participou do protesto. “Quero a paz, mas não me misturo com eles”, afirmou o empresário Ezequiel Pereira, junto aos soldados da Guarda Nacional, que vigiavam para que os chavistas não entrassem na Praça Altamira, onde a oposicão se reúne diariamente. “Se não há país, nao há familia; não há nada. Temos que proteger nossa nação. A oposição também perde com isso, eles não deixam o presidente governar”, comentou Reinaldo Castro, técnico agrícola no interior do país. “Agora estamos nas ruas contra o imperialismo porque aqui se despertou a consciência”, reitera Castro.
NOVA ETAPA
Manifestante compara o presidente dos Estados Unidos a Adolf Hitler
Após percorrer toda a avenida Bolívar, em carro aberto, Chávez falou sobre os efeitos desastrosos que as políticas neoliberais têm provocado nos países pobres nos últimos anos e enfatizou a necessidade de trazer novamente para o debate político em todo o mundo o tema do imperialismo: “É imprescindível falar do imperialismo que vem sendo retirado dos discursos, inclusive do debate da esquerda latino-americana. Não se pode esquecer que, de novo, o imperia-
CUBA
Cubanos nas ruas contra Bush
Um milhão e duzentas mil pessoas fizeram um cordão humano à beira-mar do Malecón, em frente ao Departamento de Interesses dos Estados Unidos, em Havana, dia 14. Vista de cima, a marcha convocada pelo presidente cubano Fidel Castro contra “a política fascista” do governo estadunidense formava uma barreira vermelha em volta da ilha. Os organizadores da manifestação consideram essa a maior passeata realizada em Cuba nos 45 anos de governo socialista.
A manifestação foi uma reacão a mais uma ofensiva incorporada a um programa aprovado pelos Estados Unidos para uma “transição democrática” na ilha, anunciado dia 4 pelo presidente estadunidense George W. Bush. “É um ato de indignado protesto e uma denúncia contra as brutais, impiedosas e cruéis medidas que seu governo acaba de adotar contra nosso país”, disse Castro, no texto dirigido a Bush, e assinado em nome do povo de Cuba. Washing-
ton anunciou uma redução da autorização de viagens de cubano-americanos à ilha e dos recursos que eles podem gastar no país, embora não tenha modificado os limites de envios de remessas de cubanos residentes nos Estados Unidos, 1.200 dólares ao ano. A medida obrigou o governo cubano a anunciar uma iminente alta de preços e uma suspensão temporária das vendas em dólares, salvo para alimentos e produtos de higiene, nas lojas. (CJ)
da Redação
Em discurso diante de um milhão de manifestantes que protestavam contra as últimas medidas estadunidenses contra Cuba, dia 14, o presidente Fidel Castro declarou que “o povo cubano pode ser varrido da face da Terra, mas jamais será subjugado nem submetido de novo à condição humilhante de neocolônia dos Estados Unidos”. Leia trechos do discurso de Castro: “Senhor George W. Bush, tudo que se escreve sobre os direitos humanos no seu mundo, e no mundo de seus aliados que compartilham o saqueio do planeta, é uma colossal mentira. Bilhões de seres humanos vivem com fome, sem alimentos suficientes, remédios, roupa, sapatos, casas, em condições infra-humanas, sem os mínimos conhecimentos e informação suficiente para compreender sua tragédia e a tragédia do mundo em que vivem. O senhor agride Cuba por razões políticas mesquinhas, em busca do apoio eleitoral de um grupo decrescente de renegados e mercenários, sem ética nem princípio algum. O senhor não tem
Adalberto Roque/AFP
Fidel: o povo não será subjugado
Mais de um milhão de pessoas protestaram contra as ameaças estadunidenses
moral para falar de terrorismo, porque está cercado por um grupo de assassinos que mediante atos desse tipo têm causado a morte de milhares de cubanos. O senhor, por outras razões, não pode mencionar a palavra democracia, porque, entre outras coisas, a sua ascensão à Presidência dos Estados Unidos, todo mundo sabe que foi fraudulenta. O senhor acusa de tirania o sistema econômico e político que tem levado o povo de Cuba aos mais altos níveis de alfabetização, conhecimentos e cultura, entre os países
mais desenvolvidos do mundo; que reduziu a mortalidade infantil a um índice menor do que o dos Estados Unidos e cuja população recebe gratuitamente todos os serviços de saúde, educação e outros de grande transcendência social e humana. Este é, senhor Bush, um dos poucos países deste hemisfério em que jamais, em 45 anos, houve nenhuma tortura, nenhum esquadrão da morte, nenhuma execução extrajudicial, nenhum governante que se tenha tornado milionário no exercício do poder.” (Agência Prensa Latina, www.prensa-latina.org)
Manifestação pela soberania nacional reúne milhares de pessoas em Caracas
lismo vem atropelando a vida e a dignidade dos povos”, reiterou o presidente venezuelano, ao se referir às invasões estadunidenses do Afeganistão e do Iraque. Com essa tônica, Chávez inaugurou uma nova etapa do governo, definido por ele como revolução bolivariana, em curso há cinco anos: “Entramos na etapa antiim-
perialista”. O enfrentamento às ameacas estadunidenses havia sido antecipado pelo vice-presidente José Vicente Rangel, que, ao lembrar o discurso de Fidel Castro, em Havana (leia o texto abaixo), disse que os venezuelanos vão seguir os passos de Cuba: “Fazer frente a qualquer agressão. Vamos lutar pela vida”, enfatizou.
COLÔMBIA
Governo cria zona de ação de paramilitares Evandro Bonfim de Fortaleza (CE)
Após intensas negociações entre o governo do presidente colombiano Álvaro Uribe e os integrantes do Estado-Maior Negociador das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), milícias direitistas, foi criada, dia 13, a zona de recolocação em Tierralta, Córdoba, perto da fronteira com a Venezuela. Essa área terá vigência mínima de seis meses, prorrogáveis. Os paramilitares terão carta branca do governo para atuar num território de 368 quilômetros quadrados ao norte do país. “Durante a vigência da zona, estão suspensas as ordens de captura e as operações ofensivas contra os integrantes dos grupos de autodefesa que se encontrem dentro do território delimitado”, determina o governo. Embora não seja grande, a zona de recolocação pode se converter em refúgio, ao qual os paramilitares poderão afluir em caso de infrações em outros lugares. O acordo foi assinado em Santa Fé de Ralito, com o acompanhamento da Missão de Apoio ao Processo de Paz na Colômbia da Organização dos Estados Americanos (MAPP/ OEA) e da Igreja Católica, que estão encarregadas de fiscalizar a zona paramilitar. Enquanto Uribe desconsidera os pedidos para negociar acordos de paz com a guerrilha, esse já é o segundo pacto firmado entre o presidente e as AUC, apesar do rotundo fracasso do anterior, que previa o cessar-fogo e a progressiva desarticulação do grupo armado. O governo divulgou, em fevereiro deste
ano, o balanço da trégua entre os paramilitares e Uribe, de dezembro de 2002 a dezembro de 2003; estava prevista a desmobilização total das organizações paramilitares antes de 2006. O informe revela que, nesses doze meses, os paramilitares cometeram 362 homicídios, 16 casos de massacres, além de, segundo a organização de direitos humanos Fondelibertad, 180 seqüestros.
RESPEITO À POPULAÇÃO Agora se dá uma nova chance aos paramilitares, segundo Uribe. O acordo reafirma o predomínio das leis colombianas na zona de recolocação e exige o respeito à população da região. Além disso, o tratado proíbe formalmente os paramilitares de empreender treinamento armado, embora eles possam portar armas e munições desde que registradas pela OEA, que também cuidará do trânsito de paramilitares para dentro e fora da zona. No entanto, nem o cumprimento dessas normas, nem a verificação feita pelo organismo interamericano poderão ser facilmente observados pela opinião pública. Para manter “o caráter de questão confidencial acertado na negociação e a objetividade na informação pública”, conforme o texto do acordo, a missão da OEA deverá controlar o acesso dos meios de comunicações e o fluxo de informações da zona. Deve-se destacar que o cargo de secretário-geral da OEA é ocupado pelo ex-presidente colombiano César Gaviria, que tem sofrido acusações de atuar de maneira arbitrária em relação ao conflito em seu país. (Adital, www.adital.org.br)
Luis Acosta/AFP
Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
Andrew Alvarez/AFP
Durante os protestos “pela paz, contra o terrorismo”, Chávez anunciou a nova etapa antiimperialista de seu governo
Soldados colombianos em barreira de controle perto da fronteira com a Venezuela
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AMÉRICA LATINA HAITI
Brasileiros repudiam envio de tropas Severino Silva/AE
Em ato público, personalidades afirmam que presença do Brasil legitima intervenção dos EUA e não visa a paz
Luís Brasilino da Redação
L
embrando que o Haiti foi o primeiro país do continente a abolir a escravidão, militantes, intelectuais e parlamentares fizeram um ato público em São Paulo (SP), dia 13, para manifestar a repulsa ao envio de tropas brasileiras ao país do Caribe. No mesmo dia em que o plenário da Câmara Federal aprovava, em votação simbólica, o envio de 1.200 militares brasileiros para a missão das Nações Unidas, circulou no evento o abaixoassinado contra a medida, a ser entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que já conta com mais de 6 mil signatários. Os participantes do ato público foram unânimes ao avaliar que o Brasil não vai ao Haiti para promover a paz. Segundo o professor Plínio de Arruda Sampaio, trata-se de uma intervenção estadunidense na América Central e da deposição de Jean-Bertrand Aristide, presidente que foi democraticamente eleito.
Envio de 1.200 militares brasileiros para o Haiti só depende de votação no Senado; parlamentares e movimentos sociais criticam medida do governo
“Não foi a Organização das Nações Unidas que tomou a decisão de criar uma força de paz, nem existem dois exércitos opostos exigindo a presença de um exército internacional, para evitar uma briga enquanto se negocia uma saída pacífica”, diz. Segundo o escritor Fernando Morais, no Haiti existem, na verdade, tropas de ocupação, “iguais as que estão hoje no Iraque”. O deputado federal Ivan Valente (PT-SP) completa: “Os Estados Unidos fizeram uma intervenção no Haiti e retiraram
o presidente. Convenhamos: os EUA já estão no Iraque e no Afeganistão e não lhes interessa abrir uma terceira frente de batalha. Se alguém fizer o serviço por eles, ótimo”.
HOSTILIDADE À VISTA A postura subserviente do governo é criticada também pelo vereador Cláudio Fonseca (PCdoB-SP), para quem o Brasil só vai servir de força auxiliar “no momento em que o mundo se rebela contra George W. Bush”. Muitos acreditam que a pre-
sença brasileira no Haiti pode originar atos hostis. Morais compara: “O que você pensaria se acordasse de manhã no Rio de Janeiro e visse tropas estadunidenses nas ruas? É isso que os haitianos vão ver em Porto Príncipe”. Valente concorda: “Para o governo, a ida do exército é um ato humanitário. Eles acham que não haverá riscos, pensam que o Brasil é bem-visto pelos dois lados, mas ele pode ser visto como uma força interventora”.
Para Gilson Reis, da executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o conflito no Haiti é mais um sinal da turbulência na América Latina, patrocinada pelos Estados Unidos. Exemplos são a invasão da Venezuela por tropas colombianas, a remessa de verbas para que o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, oficialmente combata as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o endurecimento contra Cuba.
Mario Osava do Rio de Janeiro (RJ) Os países do Mercosul enviarão tropas ao Haiti sob a bandeira da Organização das Nações Unidas, mas sem o apoio geral interno que costumam ter as missões de paz e solidariedade a povos em conflito. No Brasil, um comboio de 58 veículos blindados militares, já pintados com as siglas UN (Nações Unidas, em inglês), partiu do Sul, dia 12, com destino ao porto do Rio de Janeiro, onde serão embarcados para o Haiti. Entretanto, a missão só foi aprovada formalmente, dia13, pela Câmara federal e ainda depende de votação no Senado. “Se o Congresso não der sua aprovação, as tropas não viajarão”, assegurou o chanceler Celso Amorim, convocado junto com o ministro da Defesa, José Viegas, para explicar a missão de paz no Congresso. O governo brasileiro está sendo duramente criticado. Parlamentares criticam os gastos com o envio de tropas ao país caribenho, no momento em que a população brasileira sofre os efeitos do esforço fiscal que impede aumentar o saláriomínimo, trava programas sociais e agrava a pobreza. Além disso, destacam a situação incerta no Haiti, sem Congresso, com milícias armadas em conflito e um governo de legitimidade questionável, produto da queda, em 29 de fevereiro, do governo de Jean-Bertrand Aristide, que muitos consideram, na realidade, um golpe de Estado.
MERCADO COMUM DA GUERRA Mas críticas mais severas ainda, por impor “um fato consumado” aos parlamentares, enfrentou o governo do Chile nos primeiros dias de março, ao enviar 300 soldados para a primeira Força Multinacional de Paz no Haiti, encabeçada por Estados Unidos e França. Resistências semelhantes enfrentam os governos da Argentina, do Uruguai e do próprio Chile, para incorporarem seus respectivos contingentes militares à
força que cuidará de manter a paz no país centro-americano, a partir de 1º de junho, sob comando brasileiro. Os três países também se preparam para enviar alguns policiais. Argentina e Uruguai são sócios do Brasil no Mercosul e o Chile é membro associado, mas cada país participa “de modo independente e soberano”, afirmou o ministro uruguaio da Defesa, Yamandu Fau.
Thony Belizaire/AFP
Mercosul adere à missão, mas sem consenso
RESISTÊNCIAS ESPERADAS Montevidéu só decidiu enviar cerca de 600 militares e uma dezena de policiais depois que a ONU retificou o pedido dirigido ao Mercosul em conjunto, já que o bloco não contempla a integração militar. O Uruguai tem tradição em participar de missões das Nações Unidas. Atualmente, mantém 1.733 efetivos na República Democrática do Congo, em uma operação mais perigosa e complexa do que no Haiti, segundo Fau, e outros 1.650 em outras partes do mundo. Mas obter a autorização parlamentar para o
ANÁLISE
Soldado haitiano ronda as ruas de Porto Príncipe; reforço militar à vista
caso haitiano é mais complicado, pelas dúvidas em relação à queda de Aristide, entre outras condições. Washington enviou dois mil soldados após a derrocada de Aristide, hoje exilado na Jamaica depois de duas semanas na República CentroAfricana e que denunciou ter sido forçado a renunciar por tropas estadunidenses. A ONU recebeu um
pedido de investigação a respeito por parte da Comunidade do Caribe, da qual o Haiti faz parte, embora no momento esteja suspenso porque não reconhece o governo do primeiro-ministro interino Gerard Latortue, apoiado pelos Estados Unidos e quase sem comando sobre o país. Também grupos não-governamentais acusam Washington de
ter ajudado no desenlace da crise política haitiana. Na Argentina, também há resistências. A opositora União Cívica Radical aceita o envio de tropas, “mas, com limites” fixados pelo Congresso, como a participação restrita à “manutenção da paz”, excluindo ações de combate aberto. Contratempos semelhantes também devem ser superados pelo presidente do Chile, Ricardo Lagos, que conclamou os senadores a “meditarem adequadamente” sobre o pedido de aprovação do envio de um novo contingente militar de paz ao Haiti, em substituição à também questionada primeira missão junto com Estados Unidos e França. Desta vez, se pede a inclusão de 36 carabineiros (polícia militarizada) para realizar instrução nessa área de segurança, um dado adicional que levou parlamentares da própria governante Concertação pela Democracia a se somarem aos questionamentos da oposição direitista. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
Servir a um povo de mortalha
Mário Maestri Dessa taça, beberemos todo o fel. Convocados pelo governo Bush, mais de 1.400 soldados brasileiros, em boa parte gaúchos, abandonam o país para substituir as tropas franco-estadunidenses que destituíram no Haiti o presidente constitucional Jean-Bertrand Aristide. Assim, os marines poderão partir para o Iraque, onde os exércitos yankees carecem terrivelmente de homens, sob a dura resistência da sofrida, humilhada e indomável população iraquiana. O governo Lula da Silva e as tropas brasileiras ferem, diretamente, os direitos nacionais haitianos e, indiretamente, martirizam o povo
iraquiano. A ação liberticida foi decidida sem consulta ao Parlamento e sem discussão democrática da sociedade civil nacional. A humilhação do Haiti se dá no ano glorioso de 2004, segundo centenário da mais fulgurante saga libertadora americana, em que, sob a direção dos generais negros Toussant Louverture e Jean-Jacques Dessalines, cativos africanos e crioulos semidesarmados vergaram os soberbos exércitos franceses, ingleses e espanhóis. Pela primeira vez na América, punham fim à maldita ordem escravista, para fundar uma nação de homens livres. Agora, os soldados do país que há mais de um século arrasta a marca indelével de ter sido a última nação
no mundo a abolir a escravidão colonial prestam-se a desempenhar o triste papel de capitães-do-mato. São os feitores dos novos senhores franco-saxões, na submissão de povo abatido, mas sempre altaneiro. Pouco importa que a agressão criminal se dê sob a retórica hipócrita da ONU. A própria Caricom, organização das nações caribenhas, pelo seu secretário-geral Edwin Carrington, rejeitou duramente a ocupação e exigiu investigação sobre a intervenção colonial franco-estadunidense. O cinismo e a incompetência do governo Lula e do Itamaraty sequer procuram esconder os objetivos mesquinhos de ação que envilece nosso povo. Verbalizam orgulhosos que esperam como paga do serviço
infame o apoio para a reivindicação do Brasil como membro permanente no Conselho da Segurança da ONU. Os dignos representantes da nossa também sofrida nação sonham se manter na sala de jantar esplendorosa, de fraque e gravata, empertigados, pondo e retirando pratos e talheres, enquanto, sentados à mesa, os senhores das riquezas e do poder, trincham sem dó gulosos o mundo. Pobre bandeira auriverde que cumpre outra vez o triste destino de amortalhar um povo negro. Mário Maestri é historiador e ex-membro do conselho nacional do projeto “A Rota do Escravo”, da Unesco
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INTERNACIONAL JERUSALÉM
O terror cotidiano que o mundo não vê
Perseguições, crimes e abuso de poder são a rotina dos palestinos nas ruas da Cidade Antiga de Jerusalém Oriental João Peschanski
João Alexandre Peschanski enviado especial a Jerusalém Oriental (Israel)
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rês crianças palestinas brincam na rua. Hnaidi, Hilmi e Sanad talvez não se dêem conta mas são personagens de uma história de terror vivida diariamente pelos moradores da Cidade Antiga de Jerusalém Oriental. Entre os muros desse lugar que tem 3 mil anos, considerado sagrado por católicos, judeus e muçulmanos, dezenas de milhares de pessoas vivem uma rotina de desespero. Antiga capital da Palestina, a Cidade Antiga foi ocupada militarmente e anexada ao território de Israel em 1967. Dos 35 mil habitantes, entretanto, mais de 85% são palestinos. Essa população, que tenta preservar sua cultura e memória, é considerada perigosa pelo governo de Israel, cuja preocupação é manter a segurança dos moradores genuinamente israelenses, mesmo que isso signifique oprimir a maioria dos habitantes locais. Nas estreitas e mal iluminadas vielas da cidade, grupos de soldados israelenses – jovens de 18 a 25 anos, armados com rifles Galil – procuram qualquer atividade “ilegal”: interpelam mulheres, homens, idosos e crianças, revistam bolsas, sacolas e bolsos. Todos os “suspeitos”, sem exceção, têm em comum a origem palestina. Enquanto um senhor israelense, reconhecível por sua kippa preta, anda tranqüilamente, dois rapazes palestinos surgem de um beco, perseguidos por um soldado. O policial justifica: os jovens cometeram um crime, pois vendiam sage (planta usada para tratar dores de estômago) na rua – segundo a lei, nenhum produto palestino pode ser comercializado em Israel. Se forem presos, podem perder o direito de morar em Jerusalém e ter sua casa confiscada, sem qualquer tipo de indenização. Yosef Al-Ferri, palestino de 57 anos, acompanha a cena. Ele mora na padaria da qual é proprietário – uma área de 30 metros quadrados – com sua esposa e dois filhos, ambos casados. Padeiro há muitos anos, em 1985 foi expulso de sua casa, que fica a um quarteirão da padaria, por soldados israelenses. Ele não sabe por que foi despejado e nunca recebeu dinheiro pela propriedade: “Os policiais disseram que a vizinhança era perigosa, cheia de terroristas, por isso precisava ser evacuada”. Segundo Al-Ferri, desde 1993 a casa está ocupada por uma família israelense. Como protesto, todos os dias pela manhã, há 11 anos, ele vai até a residência e fica parado em frente à porta. Espera até a primeira pessoa sair da casa e então volta para a padaria. Ao lado, num beco sem saída, centenas de sacos de lixo estão empilhados e abertos. Nos quarteirões ditos palestinos da Cidade Antiga, a coleta dos dejetos não ocorre há três meses. O cheiro é insuportável. No topo da montanha de lixo, um menino tenta empinar uma pipa. Ele não sabe escrever pois sua família não tem dinheiro para pagar a
Crianças, palestinas, brincam na rua da Cidade Antiga de Jerusalém Oriental
Muro
Portões do muro Muro já construído Acesso palestino proibido Muro planejado Acesso palestino restrito Muro planejado, em construção Área urbana palestina Muro destruído Assentamentos israelenses Controle em estradas Bloqueio - barreira da Polícia de Fronteira para controlar acesso de pedestres e de veículos Bloqueio parcial - bloqueio que funciona periodicamente Torre de observação - para controlar acesso de palestinos, a pé ou de carro Portão rodoviário - controla o movimento nas rodovias Blocos - séries de blocos de 1 metro de altura colocados nas rodovias para impedir a passagem de carros Montes de terra: lixo, sujeira e pedras colocados nas vias para impedir passagem de carros Paredes de terra: paredes contínuas de terra erguidas para restringir o acesso “Trincheira” - grande valeta para impedir a passagem de carro
escola. A população palestina paga os mesmos impostos que todos os moradores pelos serviços básicos; algumas vezes, pagam até mais, pois o governo dá isenções a israelenses que residem na área. Os palestinos devem obedecer a uma série de regras para não perder o direito de morar na Cidade Antiga e, com isso, serem deportados. Não podem ter problemas com soldados, atrasar mais de três dias o
pagamento dos impostos, participar de manifestações ou deixar a cidade por mais de três anos. Essas regras são interpretadas pela população palestina como restrições à liberdade, principalmente porque os israelenses não precisam se submeter a elas.
SESSÕES DE TORTURA Yacob Odeh, atualmente desempregado, é uma das vítimas
do autoritarismo. Ele exibe uma cicatriz resultante de uma das inúmeras sessões de tortura às quais foi submetido durante 17 anos em que esteve preso. Seu crime? Participar da organização da resistência à ocupação da Cidade Antiga. Hoje ele não luta mais, com medo de ser assassinado. “Os soldados israelenses estão sempre vigiando. Eles não permitem reuniões de moradores, não nos deixam apresentar
propostas para melhorar as condições de vida. Não nos deixam nem respirar”, desabafa. Odeh diz ter a sensação de sempre estar sendo vigiado Ð impressão que ganha peso considerando-se que há 400 câmeras de vigilância nos quarteirões palestinos. Segundo ele, ser palestino em Israel é ser tratado como “um bicho de segunda categoria”. Nos últimos três meses, nove palestinos foram assassinados por soldados na Cidade Antiga; em toda Jerusalém Oriental, com 300 mil habitantes, nenhum israelense. As histórias de Al-Ferri e Odeh são semelhantes às de muitos palestinos: os vendedores de rua que têm medo de perder sua casa, as senhoras cujos filhos estão presos, o religioso cuja casa foi invadida e queimada. Todos sem saber explicar o por quê da situação em que vivem. Fora de Jerusalém, em Abudiz, cidade palestina vizinha, a mesma incompreensão é demonstrada por Nedal Sharfi, cujo irmão de doze anos foi assassinado há duas semanas por soldados israe-lenses. “O primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, fez um muro entre a casa de minha mãe e a de minha tia, cortando qualquer contato. Meu irmão queria brincar com meu primo. Então eles ficavam jogando bola, por cima do muro. Até que ele foi atingido por cinco balas, duas na perna, uma no peito e duas na cabeça”, relata Sharfi, sem conter as lágrimas. A casa de Sharfi está a menos de dois metros do muro. Construído em 1992, o muro tinha 2 metros de altura e diversas passagens. O objetivo era controlar a entrada de palestinos em Jerusalém. Há quatro meses, Sharon decidiu aumentar a altura do muro para 8,5 metros e fechar todas as passagens. O irmão de Sharfi nunca foi enterrado. O corpo foi confiscado por soldados israelenses. O presidente do Comitê de Luta contra a Ocupação em Abudiz, Mihad Abu Gush, disse que entrou com um processo contra o governo de Israel por crime e seqüestro do cadáver, na Corte Internacional de Justiça, ligada à Organização das Nações Unidas. A causa foi ganha, mas o corpo nunca foi entregue à família. “O muro acaba com a vida e com a dignidade das pessoas”, comenta Gush. Sharfi concorda: “É a lembrança diária de que meu irmão foi assassinado e eu não sei o motivo, a não ser que ele estava brincando”. Para os 150 mil habitantes de Abudiz, as conseqüências são também o isolamento – a cidade está com quatro das cinco vias de acesso cortadas e, a que sobra, é controlada militarmente. O bloqueio impede o acesso da população a hospitais e universidades, instituições que não existem no local. Sharfi considera a construção uma forma de humilhar e dizimar os palestinos. As terras onde esse muro foi construído eram de famílias palestinas, tanto por terem sido trabalhadas por elas quanto por estarem dentro do território considerado da Palestina, por resoluções da Organização das Nações Unidas.
Israel reforça ofensiva na Faixa de Gaza da Redação O Exército de Israel matou pelo menos 19 palestinos, dia 17, na pior ação militar na Faixa de Gaza em anos, apesar das críticas internacionais. Foi o maior número de palestinos mortos num único dia desde maio de 2002, quando uma ação militar na região de Khan Younis, próxima dali, deixou 23 mortos. Os ataques aconteceram alguns dias depois de a Corte Suprema de Israel revogar uma suspensão temporária das demolições de moradias no
chamado “corredor Filadélfia”, entre esse país e o Egito. O corredor Filadélfia se soma como medida unilateral de Israel ao polêmico “muro de segurança”, que o governo de Ariel Sharon constrói na fronteira com a Cisjordânia, e que foi condenado por grande parte da comunidade internacional. O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, considerou a ofensiva “preocupante”, mas depois disse que Israel “tem todo o direito de se defender do terror”. O “corredor de segurança” concebido por Israel
no sul da Faixa de Gaza, que tem nove quilômetros de comprimento e entre 50 e 100 metros de largura, atravessa a cidade de norte a sul. Israel mantém o controle sobre esse corredor desde sua retirada de Rafa, em 1994, em virtude dos acordos de paz de Oslo assinado com os palestinos. A área foi palco de combates nos últimos três anos e meio. A intenção do governo de Sharon é ampliar o corredor para separar ainda mais as casas palestinas da fronteira com Israel, argumentando que servem de refúgio para milicia-
nos que atacam forças israelenses presentes na região. A esquerda pacificista israelense qualificou como “crime de guerra” e a Autoridade Nacional Palestina (ANP) de “grande catástrofe” a decisão unilateral de Israel de ampliar o corredor Filadélfia. A ANP, presidida por Yasser Arafat, também exortou a comunidade internacional a deter as demolições. Dia 15, cerca de 150 mil israelenses se manifestaram em Telaviv para pedir ao governo que se retire da Faixa de Gaza e retome as negociações de paz com a ANP. Um
porta-voz da prefeitura de Rafa estimou que Israel irá demolir mais mil a 1.200 casas na área, depois de ter destruído cerca de mil durante a intifada (insurreição palestina contra a ocupação israelense), que começou em setembro de 2000. De acordo com a ANP e o organismo da Organização das Nações Unidas responsável pelos refugiados palestinos, na semana passada o Exército israelense demoliu 88 casas e deixou mil pessoas sem teto na Faixa de Gaza. (Com IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Comemorações mundiais marcam o dia 25 da Redação
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impósios, discussões, encontros e eventos de todo tipo celebram mundo afora, em 25 de maio, o Dia da África. A data foi instituída há 41 anos, quando da criação da antiga Organização da Unidade Africana, hoje rebatizada de União Africana. O dia simboliza a luta pela independência, a emancipação e a autodeterminação dos povos do continente, bem como o testemunho de maior
compromisso político entre os líderes africanos depois da Segunda Guerra. No âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia da África será marcado pelo simpósio “Comércio e Investimento no Contexto da Conferência Internacional de Tóquio para o Desenvolvimento da África (TICAD)”. O congresso é organizado pela Universidade das Nações Unidas em Tóquio (Japão) e conta com a presença de autoridades africanas, representantes de go-
PROGRAMAÇÃO DA SEMANA DA ÁFRICA 2004 Dia 22 - sábado Local: Biblioteca Mário de Andrade, Rua da Consolação, 94 - Centro 15h00 • Abertura Oficial da Semana da África 2004 Convidada (entre outros): Matilde Ribeiro, secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 15h15 às 17h15 • Mesa-redonda: Relações Brasil África no contexto atual Convidados (entre outros): Mbuelo Rakwena, embaixador da África do Sul no Brasil; Pedro Motta Pinto Coelho, embaixador, chefe do Departamento de África do Itamaraty 17h00 às 18h00 • Sarau - música e canto africano Gloria Maletsabisa Saraiva, cantora lírica sul-africana (entre outros) 18h00 às 19h00 • Coquetel de confraternização
vernos internacionais, organizações não-govenamentais, acadêmicos e investidores. Entre as várias comemorações no Brasil, a de São Paulo segue o que determina a Lei nº 11.549, de 20 de novembro de 2003, que institui no Estado de São Paulo a “Semana de solidariedade aos povos africanos”, que deve ocorrer anualmente e está incluída no calendário oficial do Estado. Este ano, a Semana da África está programada para o período de 22 a 27 de maio e é organizada em parceria com o Fórum África, pela Assembléia Legislativa de São Paulo e pela Biblioteca Mário de Andrade. O Fórum África é uma entidade de caráter sóciocultural criada no ano 2000 para desenvolver ações de promoção do continente africano no Brasil. Reúne profissionais brasileiros e africanos de diversos países. A Semana da África contará com atividades culturais, recreativas e de reflexão por meio de palestras e mesas-redondas sobre temas da atualidade africana.
Fotos: Paulo Pereira Lima
Data marca processo de emancipação e autodeterminação dos povos africanos; em São Paulo, celebração está na lei
Camponesa de São Tomé e Príncipe retorna do trabalho
Dia 24 - segunda-feira Local: Plenário Franco Montoro, Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Palácio 9 de julho, Av. Pedro Álvares Cabral, 201, Ibirapuera 20h00 • Coral Maria Neves Baltazar e Casa de Cultura Tainã Dia 25 - terça-feira Local: Frente do Hall Monumental da Assembléia 14h30 às 15h30 • Ato solene Comemorativo alusivo ao Dia da África • Abertura da feira de livros de escritores africanos pela secretária de Estado da Cultura • Abertura da exposição de esculturas africanas do Instituto Cultural Baba Toloji 16h00 às 18h00 • Palestra: A importância da cultura africana no Brasil Local: Plenário Franco Montoro da Assembléia Convidado (entre outros): Emanuel Araújo, curador do Museu Negro de São Paulo Dia 26 - quarta-feira Local: Plenário Franco Montoro da Assembléia 19h00h às 21h00 Palestra: A África frente às duras realidades da geopolítica internacional Convidados (entre outros): José Maria Pereira, Universidade Cândido Mendes, RJ; Kabengele Munanga, Universidade de São Paulo (USP) Dia 27 - quinta-feira Local: Plenário Franco Montoro da Assembléia 19h00 às 21h00 • Mesa-redonda: Potencialidades Econômicas entre o Brasil e a África • Coral Dandara
Grupo cultural de São Tomé e Príncipe se apresenta para o presidente Lula durante sua viagem ao país, em 2003
Maláui realiza terceiras eleições gerais desde 1964 Mirella Domenich de Blantyre (Maláui) Uma controvérsia sobre o real número de eleitores levou as eleições gerais do Maláui (sudeste da África) a serem adiadas do dia 18, originalmente previsto, para, 20 de maio. O adiamento foi pedido pela oposição, que desconfiava de irregularidades na lista de votantes. A nova data foi marcada pela Suprema Corte eleitoral do país. Depois de uma revisão na lista oficial, o número de eleitores regularizados para votar diminuiu em quase um milhão – de 6,6 milhões para 5,7 milhões. Esta é a terceira eleição da história do Maláui, na qual serão eleitos, para um mandato de cinco anos, o presidente e 193 parlamentares. Este ano a África terá ainda eleições em Botsuana, Moçambique e na Namíbia. A democracia no Maláui é recente. Depois de um referendo aprovando o multipartidarismo em 1993, as primeiras eleições democráticas foram realizadas em 1994. Nos últimos dez anos, Bakili Muluzi governou o país. Seu partido, a Frente Democrática Unida (FDU), é o que mais tem assentos no parlamento.
MALÁUI Nome oficial: República do Maláui Localização: sudeste da África Nacionalidade: malauiana Cidades principais: Linlongwe (capital), Blantyre, Mzuzu Línguas: chicheua, inglês Divisão política: 3 regiões Regime político: república presidencialista População: 11.651.000 (ONU, 2003) Moeda: quacha malauiana Religiões: cristã (católicos, 25%, protestantes 20%;) islâmica Hora local: + 5 Domínio internet: .mw DDI: 265
Pesquisas do início da semana indicavam, porém, que o candidato da FDU Bingu wa Mutharika será derrotado por Gwanda Chakuamba da Coalizão Mgwirizano (de sete partidos da oposição), que contava com 31% dos votos, contra 29% de Mutharika. Há mais três candidatos na disputa. Os malauianos viveram 30 anos
sob ditadura, da independência do Reino Unido, em 1964, até 1994. Nesse período, comandado pelo ditador Kamuzu Hastings Banda, não seria possível a vendedora de tomates malauiana Vilet Sulumba, 45 anos, passear pelas ruas de Blantyre, segunda maior cidade e capital econômica do Maláui, com os braços descobertos; nem ela poderia falar sobre política. Seu vizinho, o desempregado Rabison Pensolo,
29 anos, não poderia dizer que iria votar em Gwanda Chakuamba, candidato oposicionista. Nem seria permitido ao motorista de lotação Victor Coonter Nyasuru, 31 anos, contar que não vai votar em nenhum candidato porque não acredita nos políticos do país. Durante a ditadura, vigorou um rigoroso código de vestimenta e comportamento. A democracia trouxe aos malauianos mais liberdade e o estabelecimento do bureau anticorrupção, da comissão de leis (para eliminar leis opressoras) e do escritório do ombudsman, para evitar que os políticos abusassem do poder na era pós-Banda. No entanto, nem assim o segundo mandato do atual presidente Bakili Muluzi deixou de ser marcado por altos indicadores de corrupção. “Hoje o Maláui vive uma democracia deficiente”, diz o acadêmico malauiano Yusuf Aufi, especialista em políticas sociais. “Na teoria, há instituições que garantem os direitos humanos, mas, na prática, não há a garantia plena desses direitos”. Segundo ele, o presidente, além de corrupto, abusa de seus poderes. A rádio e a televisão públicas são manipuladas pelo governo. De acordo
com o último relatório da Unidade de Monitoração da Mídia, a Rádio Maláui dispensou mais de 90% da sua cobertura política durante a campanha eleitoral para o partido do governo (FDU) e seu candidato a presidente, Bingu wa Mutharika, com 100% de notícias positivas. Conforme a reportagem do Brasil de Fato acompanhou em Mangochi, região central do Maláui, por ocasião da realização de um comício da FDU, a polícia bateu em manifestantes de outros partidos e destruiu cartazes antigoverno, antes de a comitiva de Muluzi e Mutharika chegar ao local. Durante o comício, Muluzi e Mutharika distribuíram notas de 50 quachas, moeda local (cerca de R$ 1,40). “Muluzi compra votos, tem a mídia e a polícia a seu favor”, diz o candidato a presidente pela Mgwirizano (coalizão, no idioma chicheua). Gwanda Chakuamba. “Com todas essas irregularidades, não há como assegurar que as eleições sejam justas e não manipuladas”. A mesma opinião é dividida pelos outros candidatos a presidente. Aufi diz que as propostas são bem semelhantes.
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AMBIENTE AGROECOLOGIA
Jornada denuncia política transgênica
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m ano depois de atearem fogo em uma plantação de milho e de ocuparem 48 hectares arrendados pela Monsanto – empresa transnacional líder em pesquisas de transgênicos –, agricultores e líderes sem-terra voltaram a se concentrar em Ponta Grossa (PR), dias 12 a 15. Eles participaram da 3ª Jornada de Agroecologia, que reuniu cerca de cinco mil pessoas, em defesa da agricultura orgânica e contra o cultivo de grãos geneticamente modificados. Participaram agricultores do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de representantes de países como Argentina, Venezuela e Colômbia. “A jornada segue a dinâmica do Fórum Social Mundial”, explicou o advogado Darci Frigo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e assessor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Dia 15, os agricultores marcharam cerca de três quilômetros, do Centro de Eventos de Ponta Grossa, onde ocorreram as palestras, até a fazenda que era administrada pela Monsanto. A propriedade, hoje chamada de Centro Chico Mendes de Agroecologia, vem sendo utilizada na produção de grãos orgânicos. Junto a caravanas de várias cidades do Paraná, participaram de um ato público e do mutirão para colheita de 15 toneladas de sementes crioulas de milho, arroz e feijão, produzidas de forma agroecológica. Também em mutirão, iniciaram a semeadura da nova safra de grãos.
PREJUÍZOS NA ECONOMIA Integrando a programação da jornada, foi realizada também a Feira Agroecológica/Orgânica, na Praça Barão do Rio Branco, no Centro de Ponta Grossa, com a exposição de produtos orgânicos, agroecológicos e artesanais de várias regiões, como hortaliças, verduras, frutas, cereais, farinhas, geléias, compotas, sucos, pães, bolachas e sementes crioulas. Durante a feira, circulou um abaixo-assinado que reivindica que a Lei de Biossegurança garanta a aplicação do princípio da precaução na liberação dos organismos geneticamente modificados (OGM) no meio ambiente e garanta, ainda, a competência dos ministérios do Meio Ambiente (análise de impacto ambiental) e da Saúde (análise dos riscos) nas avaliações de segurança e licenciamento destes organismos.
Roberto Baggio (acima), um dos coordenadores da Jornada: “Nenhum governo ético e responsável pode colocar em risco a saúde da sua população”
Thea Tavares
Thea Tavares de Ponta Grossa (PR)
Fotos: Celso Margraf
Um ano depois da ocupação no Paraná, cinco mil pessoas conferem resultados positivos da produção agroecológica
(Ao lado) Agricultores marcham até a fazenda que era administrada pela Monsanto, em Ponta Grossa; hoje chamada de Centro Chico Mendes de Agroecologia, vem sendo utilizada na produção de grãos orgânicos
menos, transgênicos”. Baggio completa que “nenhum governo ético e responsável pode colocar em risco a saúde da sua população”.
RESISTÊNCIA AGROECOLÓGICA
Na abertura do encontro, foram feitas duras críticas às transnacionais ligadas ao setor da alimentação, com recados de “alerta” ao governo federal. Também repercutiu a notícia sobre a suspensão das importações de soja de empresas brasileiras pela China, após rejeição de um
carregamento de 59 mil toneladas de soja contaminadas por agrotóxicos. Segundo um dos coordenadores da Jornada, Roberto Baggio, “esse fato é prova material de que não há espaço, no mercado internacional, para a comercialização de alimentos envenenados e, muito
Uma das críticas veio de Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), que falou da recente especulação no mercado financeiro, que “custou ao Brasil uma perda da ordem de R$10 bilhões. Isso é quase a metade do orçamento da reforma agrária brasileira”, informou. Para Sebastião Pinheiro, professor universitário e membro da Fundação Juquira Candiru, “os recursos naturais viraram mercadoria e as políticas públicas se voltaram apenas para o tal setor do agronegócio, esquecendo que mais de 70%
dos alimentos produzidos no país vêm das pequenas propriedades familiares e dos assentamentos de reforma agrária”, disse. Conforme estimativas da Jornada, mais de quatro mil famílias, apenas na região Sul do Paraná, adotam sistemas agroecológicos na produção de alimentos. No Estado, esse número sobe para mais de 50 mil famílias que fazem experimentos de preservação de sementes crioulas, com matriz agroecológica. Para Roberto Baggio, “isso acontece também em função da necessidade, pois os altos custos da produção convencional vêm estimulando os próprios agricultores a implementarem seus campos de sementes e a selecionarem as melhores variedades a serem plantadas nas safras futuras”. (Com Ambiente Brasil www.ambientebrasil.com.br)
MERCADO FECHADO
Monsanto suspende trigo modificado da Redação Ao menos nos próximos quatro anos, o mercado mundial estará isento de novas variedades transgênicas, não por recomendação científica, mas por inviabilidade comercial. Dia 10, a Monsanto, principal empresa transnacional de engenharia transgênica e produção de herbicidas associados, anunciou a suspensão, até 2008, das atividades de desenvolvimento e promoção do trigo transgênico, que diferentemente da soja e do milho entra diretamente no preparo de inúmeros produtos essenciais para
a alimentação humana. No Canadá, o trigo transgênico foi fortemente rejeitado por produtores, consumidores, organizações da sociedade civil e importadores. Uma pesquisa recente no país mostrou que 83% dos canadenses são favoráveis a uma moratória sobre a liberação de qualquer novo cultivo transgênico até que seus efeitos sobre a saúde humana e o meio ambiente sejam conhecidos. Mas a pressão mais contundente vem da Europa e da Ásia. O Grandi Molino Italiani, maior processador da Itália, informou que se recusará a
importar trigo geneticamente modificado, seguindo a preocupação de outros países consumidores destes dois continentes.
RECUSA MUNDIAL O trigo modificado geneticamente tem como característica a resistência ao herbicida Roundup, também da Monsanto. Essa foi a mesma modificação genética feita na soja Roundup Ready (RR), introduzida ilegalmente no Sul do Brasil. Os moinhos japoneses, maiores importadores do trigo americano, advertiram os produtores estaduni-
denses de que eles procurariam outros fornecedores caso o trigo RR da Monsanto fosse plantado nos EUA. Anúncio similar foi divulgado pelos compradores sul-coreanos. O mesmo aviso foi dado para o Canadá. Uma coalizão de 410 grupos de consumidores e companhias da indústria alimentícia japonesa declarou em março que deixaria de comprar trigo canadense caso o país começasse a produzir o grão geneticamente modificado. Este movimento representa mais de 1 milhão de japoneses. (Adital, www.adital.com.br)
EUCALIPTO
Erick Fernandes de Vitória (ES) Exigir que o governo federal não considere a monocultura de eucalipto como floresta e lutar por maiores incentivos à reforma agrária e ao pequeno produtor rural. Essas foram algumas deliberações do 3º Encontro da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, dias 6 e 7, em Belo Horizonte (MG). O encontro reuniu 180 representantes de entidades do Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro que sofrem impactos sócio-ambientais causados pela monocultura de eucalipto destinada à produção de carvão vegetal e de celulose para exportação. Entre os atingidos estão pequenos agricultores, trabalhadores sem-terra, indígenas, quilombolas e comunidades que sobrevivem no cerrado de Minas Gerais, os chamados “geraiseiros”. As entidades elaboraram uma carta, entregue aos representantes do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. A carta relata os impactos que a monocultura do eucalipto causa nessas comunidades, em especial no Norte de Minas Gerais e vales do Aço, do Jequitinhonha e Mucuri. As comunidades querem de volta as terras devolutas que o governo de Minas Gerais arrendou para empresas produtoras de carvão vegetal e a reparação dos direitos sociais, econômicos e ambientais causada pelos impactos dessas empresas. Lutam também pela suspensão do desmatamento em áreas de regeneração, pela proibição da chamada capina química e por maior fiscalização do trabalho escravo e infantil. A carta será entregue a representantes do governo federal e dos quatro Estados onde existe o problema.
AMEAÇA ECONÔMICA De acordo com Carlos Mazzeto, professor da Uni-BH, a situação
Fase
Rede alerta para perigo do deserto verde
Apresentação dos Guarani no 3º Encontro da Rede Alerta Contra o Deserto Verde
em Minas é preocupante, já que a economia do Estado se estruturou, em parte, nos setores de siderurgia e celulose, com os quais o governo mineiro é comprometido. Segundo ele, o governo estadual e os empresários ameaçam com a história de “apagão florestal”, ou seja, se não houver expansão da eucaliptocultura, não haverá carvão vegetal para a side-
rurgia, com um suposto colapso da economia. “Isso não é problema dos camponeses e das populações atingidas, pois eles querem viabilizar suas vidas, fazendo com que retornem a água, a biodiversidade e as áreas que eram de uso comum”, afirma. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) acredita ser possível haver desenvolvimento da silvicultura
com a agricultura, desde que o pequeno e médio produtores sejam introduzidos no processo. Mas João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) discorda, por achar “vergonhoso” para o governo admitir que o Brasil tenha necessidade de continuar somente produzindo matéria-prima para abastecer os grandes mercados consumidores. “O que o nosso país precisa é de investimentos no combate a fome”, afirma Rodrigues. Segundo ele, no ano passado o governo federal destinou cerca de R$ 4 bilhões para dez empresas do setor de silvicultura, direcionados em maior parte à produção de eucalipto. No mesmo período, para reforma agrária foram gastos R$ 900 milhões. Para o líder do MST, a sociedade não pode admitir que o governo invista no agronegócio os recursos que deveriam chegar à pequena agricultura, gerando mais empregos e alimentos.
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De 20 a 26 de maio de 2004
DEBATE
“E
mily, não atrapalhe.” Foi assim que Collin Powell dirigiu-se no ar à vice-diretora de comunicação do Departamento de Estado que tentava interromper a entrevista que ele concedia via satélite à NBC. Era exatamente isso que o presidente Lula da Silva deveria ter dito ao ministro Fulano ou ao assessor Beltrano – mais realistas do que o rei – que tentavam colocar mais lenha na fogueira do caso New York Times. Fez o contrário: mandou brasa na expulsão do jornalista Larry Rohter e colocou sob suspeita sua vocação democrática. Até a tarde de terça-feira (11/5), era o senhor da situação, envolvido pela solidariedade federal. Naquela mesma noite, por artes de uma decisão extemporânea, foi remetido à condição de Geni – saco de pancadas da irritação nacional. Ao invés de prestar atenção às competências do secretário de Imprensa e do ministro da Justiça – que, como bons profissionais, lhe apresentavam soluções –, preferiu os carbonários que forçavam problemas. Resultado: as relações governo-imprensa, que já podiam ser consideradas insatisfatórias, foram rebaixadas para o nível de precárias.
endido com a mudança de ânimo da mídia, o presidente a acusou frontalmente de “corporativista”. Então ficou flagrante que Luiz Inácio Lula da Silva, o carismático líder operário que em 25 anos chegou à Presidência da República, esqueceu a valiosa contribuição da mídia à sua biografia. Ou, se não a esqueceu, quer um repeteco integral e irrestrito. A esta altura, impossível. O adjetivo ficou soterrado no monte de besteiras que foram ditas naqueles dias. Mas foi espontâneo, por isso significativo: a imprensa só é boazinha quando obedece aos ditames palacianos, quando os recusa é “corporativista”. Ou, quem sabe, escrava da Casa Branca e dos neoconservadores americanos. É preciso lembrar que nos últimos seis meses, a partir de dezembro de 2003 (quando a realidade começou a impor-se às promessas eleitorais), ocorreram diversos esbarrões, cotoveladas ou fissuras entre o governo e imprensa agravados pela incompreensível dificuldade de trazer o grande comunicador que é Lula
da Silva ao alcance dos meios de comunicação. O pior é que nos momentos de crise aguda o governo recorre invariável e abertamente aos truques do marketing trazendo para a ribalta o seu principal artífice em vez de mantê-lo nos bastidores, como recomendam os manuais. Alguém precisa avisar o presidente Lula da Silva que jornalismo e marketing político, apesar de certas convergências no tocante aos objetivos finais, são funções e ações opostas.
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Alberto Dines
A anatomia da ressaca
Kipp e
MÍDIA & GOVERNO
Todo marqueteiro gosta de jornalistas, bons ou maus. Mas bons jornalistas, em princípio, costumam desconfiar da excessiva visibilidade dos marqueteiros (em inglês spin doctors) que, como todos os médicos, só aparecem em caso de doença. AINDA NO BÊ-Á-BÁ
Compreende-se a gratidão dos vitoriosos das últimas eleições presidenciais aos operadores de marketing político, mas a excessiva exposição e supervalorização desses gênios secundariza o trabalho eminentemente político que tem na imprensa e no jornalismo sua principal ferramenta. Nesta semana de tantas emoções e libações ficou evidente a diferença entre jornalistas e “dou-
VISIBILIDADE EXCESSIVA
Esta não é uma questão que concerne apenas ao governo e ao partido do governo, esta é uma questão que diz respeito à sociedade. A imprensa é apenas a intermediária entre governantes e governados. Nesta condição de mediadora soube identificar as fragilidades do texto agressor assinado pelo correspondente do NYT, bem como captar a simpatia popular que envolveu o agredido. Mas um dia depois da decisão de expulsar o jornalista e surpre-
tores de imagem”, entre os que estão com o pé no chão e os que preferem o salto alto. A divisão não é estrita porque junto com os jornalistas estão juristas e políticos e, no grupo dos cultores de imagem, outros jornalistas, cartunistas, diplomatas e os generalistas (como o ministro Tarso Genro, que resolveu classificar a imprensa americana como “uma das piores do mundo”). Estes apostaram na radicalização, nas teorias conspiratórias e apocalípticas. Perceberam na onda de solidariedade em torno do presidente a oportunidade para soltar os demônios da xenofobia e estimular confrontos. Ferraramse. E o governo com eles. Agora, ao fazer a anatomia da ressaca convém enxergar as falhas sistêmicas que a provocaram. A matéria de Larry Rohter só ganhou esta relevância porque, depois de 16 meses de intenso treinamento, o governo Lula ainda não ultrapassou o bê-á-bá do processo de tomar decisões e comunicá-las. Acreditou que um upgrade no nome da antiga Secretaria de Comunicação com o pomposo aposto de Gestão Estratégica abriria magicamente o caminho do reconhecimento popular. Deveria ter feito como Collin Powell, que no meio da entrevista via satélite pediu que a assessora Emily não atrapalhasse. É assim que se trata os trapalhões. Alberto Dines, jornalista, é editor-responsável pelo Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br)
Caso Larry Rohter: polêmica fora de foco Iraê Sassi
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assada a tempestade do “caso” Larry Rohter-New York Times, com os arranjos diplomáticos feitos para a solução do mesmo, é preciso avaliar o significado dos fatos. Trata-se de uma nova ocasião perdida para atualizar a discussão sobre a mídia e o seu papel, já que as análises mais difundidas giraram em torno da tentativa de expulsão, da garantia de liberdade de imprensa e do exercício da profissão de jornalista. Lula, além de bêbado, foi pintado como inimigo da liberdade de imprensa. A decisão precipitada do governo, traduzindo a indignação do presidente Lula com o caráter evidentemente denegridor do artigo publicado pelo NYT, encontrou imediata resposta contrária em amplos setores, dos sindicatos da categoria aos países e à imprensa estrangeira, alguns com certa razão, mas a maioria com muita hipocrisia. CONTEXTO INTERNACIONAL
Em primeiro lugar, é preciso compreender os motivos da publicação de matéria tão ofensiva pelo jornal norte-americano. Embora o governo dos EUA o negue oficialmente, este ataque do NYT ao governo brasileiro corresponde à pressão dos círculos que nos EUA não podem digerir a relativa independência da política externa do governo Lula, e querem interferir na
política interna, levantando por meio da difamação, a questão da “governabilidade”, já posta em evidência pela oposição interna. Forma parte do mesmo contexto do aumento da intensidade dos ataques a Cuba com as recentes e aberrantes resoluções do governo norte-americano restringindo as visitas de cidadãos de origem cubana residentes nos EUA e as remessas de dólares aos próprios parentes residentes em Cuba, entre outras. Ou da preparação da nova agressão contra a Venezuela: o governo de Chávez acaba de desbaratar outro complô made in USA, desta vez com a participação de 100 paramilitares colombianos disfarçados com os uniformes do exército venezuelano, presos nas proximidades da capital do país. O governo venezuelano tem denunciado a existência de um enorme fluxo de dólares do governo dos Estados Unidos para financiar a “oposição” interna. A mídia privada venezuelana tem sido o veículo da mais aberrante e desrespeitosa campanha contra o presidente Chávez, ao lado da qual a “matéria” de Larry Rohter sobre Lula parece um elogio. Estas “amenidades” não preocupam ao NewYork Times, como não o preocupavam as torturas no Iraque, até o momento em que estas chegaram por outros meios ao conhecimento da opinião pública. Da mesma forma, somente quando outras fontes publicaram as fotos dos caixões de defunto
dos soldados norte-americanos abatidos no Iraque, o New York Times tomou conhecimento do assunto. O NYT e a mídia norte-americana em geral têm mentido deliberadamente ao povo norteamericano, coadjuvando todas as farsas do complexo industrialmilitar, em particular a partir dos ainda misteriosos atentados de 11 de setembro, prosseguindo na desinformação sobre a guerra no Afeganistão e chegando à agressão ao Iraque, há muito planejada nos mínimos detalhes como ficou evidente nas investigações da Comissão Independente que analisou os ataques. A lista de mentiras e campanhas orquestradas deliberadamente é enorme e ocuparia diversas páginas do Brasil de Fato. Qualquer cidadão que tenha um mínimo conhecimento da História recordará o papel da imprensa norte-americana no acobertar das ditaduras militares e da intervenção dos Estados Unidos em todo o continente latino-americano em apoio às ditaduras militares, às torturas e assassinatos. Houve quem recordasse as atuais e severas restrições à atuação de correspondentes e à circulação de jornalistas estrangeiros nos EUA. Cada dia mais analistas e estudiosos constatam que a crise da mídia, de toda ela, é mesmo de credibilidade. Daí a migração crescente para meios alternativos, entre eles a internet. Milhões de cidadãos
espanhóis recorreram a ela e aos telefones celulares para conhecer a verdade quanto aos atentados de Madri: ninguém confiou na propaganda enganosa da mídia oficial e na versão mentirosa propagada por José Maria Aznar. Muito brevemente chegará o fim do reinado de Silvio Berlusconi, atual primeiro-ministro italiano e controlador de toda a mídia estatal e privada. QUEM É ROHTER
A liberdade de imprensa nos Estados Unidos é um mito duro de desmoronar. O “caso Larry Rohter” talvez ajude um pouco, não somente pela péssima qualidade do produto, mas por prestar-se um órgão tão importante no contexto americano, a jogo tão ordinário. O currículo deste senhor tem circulado pela internet: os seus serviços jornalísticos contra a Venezuela de Chávez, contra a Prêmio Nobel guatemalteca Rigoberta Menchu, entre outros, e a sua circulação por ambientes relacionados com o Departamento de Estado, inclusive alimentando as falsas suspeitas sobre o projeto nuclear brasileiro, permitem supor que a matéria em questão não seja mera casualidade. O que dizer da mídia no Brasil? Os mesmos veículos que, indignados, protestaram e encheram páginas contra a punição a Larry Rohter, são os mesmos que mentem deliberadamente, distorcem ou demonizam as atividades do MST (Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), dos movimentos sociais, que apóiam todas as medidas mais conservadoras do governo Lula. É a mesma mídia que critica pela direita a política externa, que tem se oposto às restrições do governo Lula à Alca, à sua atitude não hostil a Cuba, que veicula informações caluniosas sobre a Venezuela, que oculta a verdadeira pujança dos movimentos sociais no continente latino-americano, que continua, ainda hoje, a idolatrar as políticas de privatizações e a opor-se tenazmente a qualquer indício de “re-estatização” na economia do país. E que, no que ser refere à guerra do Iraque, participou da mentira e da propaganda ianque, com honrosas e poucas exceções. Exaltar a liberdade para ocultar a verdade, eis o que se desprende desta discussão. Não há então o direito de criticar o presidente? Sim, e há motivos muito mais sérios para fazê-lo, de maneira responsável, como tem sido feito pelo Brasil de Fato, por amplos setores da opinião pública, do próprio Partido dos Trabalhadores, mas esta é outra discussão. É bom lembrar que a vulnerabilidade do presidente depende muito mais do eventual não-cumprimento do seu compromisso com a sociedade, com os explorados e oprimidos, que dos ataques dos inimigos de sempre. Iraê Sassi é jornalista
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De 20 a 26 de maio de 2004
agenda@brasildefato.com.br
AGENDA 1ª CARAVANA DOS DIREITOS HUMANOS Dias 20 e 21 Promovida pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a caravana tem como objetivo ampliar o debate sobre os direitos humanos, sensibilizando autoridades e organizações da região de Juazeiro do Norte. Entre as atividades, estão programados uma visita à penitenciária da cidade, entrevistas em rádios, um debate na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e discussões sobre a criação de uma entidade de direitos humanos na região. Local: Av. Leão Sampaio, 879, Juazeiro do Norte Mais informações: (85) 471-3002, (85) 9907-7163, bencunha@bol.com.br
RIO DE JANEIRO 1º COLÓQUIO INTERATIVO DO PROJETO ATITUDE LEGAL Dia 21, 14h A cidadania de adolescentes em conflito com a lei é o tema do colóquio, que terá diversos advogados como debatedores. A participação é gratuita, mas precisa ser confirmada por correio eletrônico. Local: R. da Lapa, 86, 10º andar,
RIO GRANDE DO SUL
SÃO PAULO OBSERVATÓRIO DA CONJUNTURA A REFORMA SINDICAL Dia 20, 19h30 Com o intuito de debater os temas mais importantes e polêmicos da atualidade brasileira e mundial, o Jornal Brasil de Fato está organizando o 2º Observatório da Conjuntura. Os convidados para debater esse tema são Altamiro Borges, editor da revista Debate Sindical, Jorginho Martins, Dirigente Nacional Executivo da CUT e Ivan Valente, deputado federal pelo PT-SP. sala 1001, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2232-3082 rede8069@projetolegal.org.br EXPOSIÇÃO - OLHARES DO MORRO, UM MANIFESTO VISUAL Até 27 de junho A exposição reúne fotos feitas por vinte jovens com idades que variam de 14 a 29 anos, residentes nos morros Santa Marta, Vidigal e Rocinha. Em 21 painéis com fotos individuais e foto-montagens é retratada a vida dessas comunidades e de seus moradores fora da moldura das lutas de facções e violên-
divulgação
CEARÁ
Presidente Lula na comemoração dos 20 anos da Central
Local: R. Borges Lagoa, 170, São Paulo Mais informações: (11) 3105-2516 cias policiais. Daí encontrar, entre as 60 imagens disponíveis, fotos de trabalho, lazer e paisagens do Rio desconhecidas para o carioca que mora no asfalto. A exposição resulta do projeto de mesmo nome coordenado pelo fotógrafo francês Vicente Rosenblatt. Além de formar jovens fotógrafos, o projeto tem como objetivo criar um acervo de imagens da favela e distribuí-las por meio da Agência de Notícias das Favelas. Local: R. Real Grandeza, 219, Botafogo, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2528-3657, 2528-3977
A condição fundamental da vida humana Engels, há mais de um século, já afirmava que o trabalho é “a condição básica e fundamental de toda a vida humana”. E, indo além, asseverou ser possível afirmar que “o trabalho criou o próprio homem”. Num momento histórico como o atual, início conturbado do século 21, o capital impondose a qualquer preço, o trabalho parece estar mais subordinando que criando, mais alienando que emancipando, mais degradando que humanizando, mais escravizando que liberando. Essa realidade transforma “o estudo do trabalho humano numa questão crucial de nosso mundo”, como diz Engels, obrigando-nos a buscar entender o sentido para o trabalho do homem e, em última instância, o sentido para a nossa própria vida.
não somente o papel e o significado do trabalho, mas também e principalmente o papel e o significado do trabalho nos dias atuais, quando este parece estar completamente sujeito à tirania do capital, configurando-se somente como uma “expressão de uma relação social fundada na propriedade privada, no capital e no dinheiro”. O que se diferencia totalmente da afirmação de Engels inserida no início deste texto. CONFIRA
A dialética do trabalho é parte da nova coleção “Trabalho e Emancipação”, que reúne textos de Marx e Engels, os quais certamente nos ajudarão a entender,
A dialética do trabalho Ricardo Antunes (organização) 200 páginas, R$ 10 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista, São Paulo Tel. (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br
COLÓQUIO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS De 31 de maio a 6 de junho O objetivo do evento é discutir a concepção, a fundamentação e o respeito aos direitos humanos no país. O secretário Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, fará a primeira palestra. Está confirmada também a participação de diversos juristas e procuradores da República. Haverá ainda cursos e oficinas, que podem ser propostos até 25 de maio. Local: R. Senador Pinheiro, Santa Terezinha, Passo Fundo Mais informações: coloquiodh@berthier.com.br
SANTA CATARINA LANÇAMENTO DO LIVRO A LUTA ANTIIMPERIALISTA X HEGEMONIA AMERICANA Dia 26, 19h30 A obra é de autoria do vice-presidente nacional do PCdoB, José Reinaldo Carvalho, e do sociólogo Lejeune Mato Grosso de Carvalho, também integrante do PCdoB. O livro trata, entre outras coisas, da atualidade do conflito palestino-israelense, da política e do socialismo na Ásia, especialmente na China e no Vietnã. Além disso, são feitas análises do primeiro ano do governo Lula e suas relações internacionais. Editora Alfa Ômega. R$ 37. Local: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Florianópolis Mais informações: comitepalestin asc@yahoo.com.br
SÃO PAULO VII ENCONTRO NACIONAL DO MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA De 21 a 23, às 15h O objetivo do encontro é consolidar o movimento como referência nacional na luta pela reforma urbana, inserindo-a na pauta da sociedade civil, colaborar no debate a respeito da organização e estruturação do movimento. Local: Hotel Terras Altas, Itapecirica da Serra, Rodovia Régis Bittencourt, km 291,5 Mais informações: (11) 6408-5758, mnlnsan@terra.com.br
SIMPÓSIO INTERNACIONAL “40 ANOS DO GOLPE DE 1964: NOVOS DIÁLOGOS, NOVAS PERSPECTIVAS” Dias 14 e 15 de junho Entre os debatedores estarão professores de seis universidades norte-americanas e de doze instituições brasileiras, num total de 30 pesquisadores, que apresentarão comunicações ou comentários em dez mesas-redondas. Entre eles, estarão o presidente e o vice-presidente da Brazilian Studies Association (Brasa), James Green e Timothy Power, o vice-presidente eleito da mesma associação, Kenneth Serbin e a editora da Hispanic American Historical Review, Barbara Weinstein. A palestra de abertura será de Maria Helena Moreira Alves, do Movimento Viva Rio, autora de Estado e Oposição no Brasil, 1964-1984. Local: Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Rodovia Washington Luis, km 235, São Carlos Mais informações: (16) 260-8371, www.ufscar.br, www.arqanalagoa.ufscar.br . OFICINAS DE INCLUSÃO DIGITAL Dia 14 a 25 de junho Promovidas pelo Sesc do Carmo, as oficinas têm como finalidade ampliar o número de usuários da internet e dar novas referências para as pessoas que já têm noções básicas de computador. Serão ministrados quatro cursos: correio eletrônico, edição de imagens, blog e internet. Serão oferecidas 30 vagas, divididas em dois grupos. As aulas são gratuitas e acontecerão das 17h às 18h, na sala de Internet Livre do Sesc. Os interessados em participar do curso devem comparecer com a carterinha do Sesc do Carmo. Local: R. do Carmo, 147, Praça da Sé, São Paulo Mais informações: (11) 3105-9121 PROGRAMA RAÇA Dia 20 Transmitido pela TV cidade, emissora comunitária localizada na cidade de Taubaté, São Paulo, o programa tem como objetivo informar e ajudar a formar a opinião das pessoas e do próprio negro sobre suas diferenças estéticas. Durante o programa, serão dadas dicas de penteados, maquiagem, tipos e cor de roupas, além de depoimentos de pessoas negras sobre o tema, sempre de forma a contribuir com a formação do negro dentro da sociedade, sem discriminação. Mais informações: (12) 221-1253 tvcidade@horizon.com.br
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CULTURA
De 20 a 26 de maio de 2004
EDITORAS
Nos livros, a qualidade em primeiro lugar
Editoras vão contra a corrente comercial e publicam obras para democratizar a informação e formar leitores críticos Tatiana Azevedo de São Paulo (SP)
RETRATO DA LEITURA
É
difícil imaginar a leitura como prioridade em um país marcado por injustiças sociais e onde grandes setores da população sofrem a tentativa de alienação. A democratização do hábito da leitura é o que pretendem editoras pequenas, que se diferenciam no mercado por seu público definido e fiel. O objetivo não é o capital: preocupam-se principalmente com a formação crítica de leitores e a distribuição da informação. “Em um país como o Brasil, em que a educação é deficitária e o salário uma miséria, o livro deve ser uma necessidade e não um instrumento de acumulação de capital para grandes editoras”. A opinião é de Carlos Bellé, editor da Editora Expressão Popular, para quem um dos maiores limites da cultura no país refere-se à “cultura do mercado formal de livros”. Segundo Ivana Jinkings, fundadora da Editora Boitempo, para democratizar a leitura “bons livros precisam estar à disposição do público”. No caso da Boitempo, o alvo são principalmente os universitários. “Temos muito cuidado, somos muito rígidos na escolha dos títulos a serem publicados, pois a nossa linha editorial é claramente definida. A única estratégia que tivemos, desde o início, foi a de nunca transigir em qualidade. Acredito que essa postura nos angariou a credibilidade que a editora possui. Nosso público é intelectualizado, mais exigente”, diz Ivana. Porém, tanta ênfase no conteúdo do que é lançado não quer dizer que se ignore a questão da impressão e do acabamento. Ainda que entrar no mercado seja uma dificuldade, pois a concorrência com as grandes editoras e com os livros de rápida circulação chega a ser desleal, o custo final de alguns livros é muito inferior ao seu preço nas livrarias. “Nossas publicações são, em média, 70% mais baratas que no mercado formal”, diz Bellé. Mesmo que o preço popular possa comprometer o
15% da população total declaram ler livros 30% dos que lêem tiveram contato com ao menos um livro nos últimos três meses O maior número de leitores está nos grandes centros urbanos: Brasília (69%), Manaus (45%), Porto Alegre (39%), Rio de Janeiro (43%), Salvador (47%) e São Paulo (36%) Há uma biblioteca para cada dois municípios Entre os alfabetizados, 17 milhões adquiriram pelo menos seis livros em um ano O gênero mais lido é o religioso (que inclui a Bíblia) Em 2003, houve queda de 8% no número de livros vendidos Em 2003, o faturamento do mercado editorial cresceu 8% Fonte: Pesquisas “Retrato da leitura no Brasil” (2002) e “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro” (2003), da Câmara Brasileira do Livro
lançamento de novos títulos, a Expressão Popular, por ter um público específico, pode acompanhar suas necessidades e demandas, adaptar suas publicações e garantir o retorno financeiro necessário.
NOVA CULTURA As chamadas grandes editoras já têm público e espaço definido no mercado. São paparicadas pela imprensa e beneficiadas pelos subsídios das compras governamentais de livros didáticos. Mas nada disso acontece com as editoras de esquerda. Contudo, ao publicar livros com conteúdo questionador, elas conseguem conquistar um espaço no mercado, ainda que restrito, ao garantir a qualidade das obras. A Editora Fundação Perseu Abramo, por exemplo, criada em 1997, já é destaque no mercado editorial devido a suas publicações de caráter político e de crítica social. Ao
dialogar com a realidade brasileira contemporânea, os grandes nomes publicados estimulam o debate nacional. Talvez seja essa a estratégia de publicidade: em vez de publicidade ostensiva e falsa, as próprias obras divulgam o nome das editoras e lhes garantem credibilidade no mercado e fidelidade de público.
NOVOS AUTORES Como o critério é a qualidade do texto e sua relevância na atual conjuntura, o risco de lançar autores desconhecidos não é tão alto assim. “Já lançamos muitos estreantes. Temos aí um paradoxo, pois o investimento em novos autores é sempre mais arriscado, mas são justamente as pequenas editoras, com menor margem de erro, que apostam neles. Muitas vezes, estes estreantes acabam sendo ‘fisgados’ pelas grandes editoras”, afirma Ivana. A escolha dos títulos depende
justamente da demanda intelectual do público que acompanha os lançamentos de cada editora. Para a Expressão Popular, que dirige seus livros principalmente aos movimentos sociais e populares, além de professores e estudantes, a opção por determinado livro obedece às necessidades políticas que a militância tem no momento. Também são levados em conta a importância temática para sua formação integral, a doação dos direitos autorais para a Editora (contribuição solidária e política), além da disponibilidade financeira da editora. “Não visamos o lucro. Visamos a cultura social e política, a construção de uma sociedade diferente, pautada pelos valores humanistas, para fazer frente aos ‘valores do mercado’”, afirma Bellé.
COMERCIALIZAÇÃO Ir de encontro aos valores de mercado é bastante complicado. Ter de enfrentar o interesse das grandes redes de livrarias, que se preocupam mais com a alta rotatividade dos livros e priorizam a auto-ajuda, os esotéricos e outros de qualidade duvidosa, dificulta a exposição da boa literatura e dos ensaios de qualidade. “A essa lógica puramente de mercado só escapam algumas
livrarias mais seletivas, de livreiros que entendem e amam os livros”, lamenta Ivana. Já as obras da Editora Expressão Popular não são nem aceitas no mercado formal, pois é a própria editora que estabelece o preço final: o preço de venda é definido a partir do custo de cada título. Esse é o maior obstáculo possível para os interesses meramente lucrativos das redes de livrarias. Então, para manter essa independência editorial, a reposição do investimento vem das vendas diretas, da presença em feiras, eventos em universidades e em atividades de movimentos populares e sociais. Superadas as dificuldades iniciais, de quando surgiu em 1999, como o capital de giro necessário para as publicações e a construção de uma equipe com interesses parecidos, resta ainda um desafio constante, que é a divulgação da editora. Fazer com que o público tome conhecimento de sua existência e dos títulos publicados. “Quem conhece a Expressão Popular e seus preços mantém uma relação permanente conosco”, afirma Bellé. “Este deve ser um desafio permanente a ser seguido: superar a barreira do conhecimento. Tornar-se uma ferramenta para cada leitor. Tornar-se seu aliado no cotidiano.”
CULTURA AFRO
Terreiro luta pelo fim da desigualdade racial
Mariana Cacau e Ricardo Santos de São Paulo (SP) Axé Ilê Obá. Esse é o nome do primeiro instituto teológico de candomblé do Brasil, localizado em São Paulo, que na língua iorubá significa “Casa da Força do Rei”. Mãe Sylvia de Oxalá, uma mulher de 65 anos, é a responsável pelos projetos oferecidos à comunidade e pela casa, que representa espaços sagrados da tradição, culto, memória e cultura dos orixás. Fundado oficialmente em 1950 por Caio de Xangô, o Axé Ilê Obá foi inaugurado 25 anos depois, como um dos maiores templos da América Latina. Há pouco mais de um ano, surgiu o Instituto Cultural SAIDEIRA
Baobá, um centro de estudos que tem como meta o resgate cultural da tradição milenar africana. “Precisamos formalizar tudo que queremos transmitir e mostrar que somos os primeiros moradores da terra”, diz a ialorixá. Mãe Sylvia de Oxalá é doutora em relações internacionais e formou-se em administração de empresas. “Mas acho um desaforo que um negro tenha que se identificar assim”, diz. Por causa de sua luta pela preservação da cultura africana, já recebeu títulos e homenagens em países como a Nigéria e prêmios como o “Niños de la Calle”, em Madri, Espanha, e o Prêmio Humanista da Universidade de Ciências em Moscou, Rússia. Com
o apoio da comunidade local, ela conseguiu que o Axé Ilê Obá fosse tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), em 1990, e declarado de utilidade pública.
ACERVO HISTÓRICO Desde 1992, o antigo Centro Cultural do Jabaquara transformou-se no Acervo da Memória e do Viver Afrobrasileiro – grafado sem hífen para lembrar a perfeita integração dessas palavras. A idéia era levar à população paulistana informações sobre a luta dos negros nos últimos 450 anos. O espaço do acervo acomoda exposições per-
manentes e temporárias de fotos, esculturas, cartazes e registros dos históricos da cultura e das comunidades negras do país, com ênfase para São Paulo. Ainda promove a cultura negra com uma série de atividades realizadas em seu espaço, como oficinas culturais, shows e palestras, feitas em parceria com as organizações não-governamentais, pertencentes ou não ao movimento negro, e com a comunidade.
SÍTIO DA RESSACA Anexa ao acervo, a Casa Sítio da Ressaca – como é hoje conhecida – é um antigo Quilombo, datado provavelmente de 1719, com estrutura física que resistiu ao tempo – diferentemente dos quilombos
existentes hoje no Vale do Ribeira, interior de São Paulo. De paredes grossas de taipa de pilão, com sótão, túnel de pedras e terra batida e janelas baixas, o local hoje abriga vários eventos – como shows, por exemplo – e uma exposição permanente de paramentos e indumentárias africanas. Historicamente, a Casa da Ressaca surgiu da ação conjunta de políticos que simpatizavam com a causa abolicionista – os caifazes –, que encaminhavam escravos fugidos para o lugar. O Quilombo Jabaquara – seu nome na época – chegou a reunir dez mil escravos. O Axé Ilê Obá (11 - 5588-2437) fica na Rua Azor Silva, 77, Jabaquara. NOVAES