Ano 2 • Número 66
R$ 2,00 São Paulo • De 3 a 9 de junho de 2004
Reforma agrária, só no discurso Venpress
Em tempos de conflitos, sobretudo, o governo anuncia recursos para o campo que nunca são, de fato, liberados
Sob ameaça de novo golpe, venezuelanos apóiam presidente Hugo Chávez, que sofre pressão da oposição e dos Estados Unidos
Cresce pressão dos EUA a Chávez
Relator da ONU aponta descaso com moradia
guerra civil. A constatação é do espanhol Diego Navarro, um dos observadores internacionais que, entre os dias 27 e 30 de maio, acompanharam o fraudulento
processo de confirmação (reparo) das assinaturas para tentar convocar um referendo revocatório do presidente venezuelano. Pág. 10
Ayrton Vignola/Folha Imagem
Em visita ao Brasil, o indiano Miloon Kothari, relator da Organização das Nações Unidas (ONU), constata que o governo não está cumprindo sua obrigação de atender às necessidades da população. Kothari se encontrou com representantes de movimentos populares e se comprometeu a intervir em favor deles, junto ao governo federal. Dia 1º de junho, 25 famílias foram despejadas de um prédio de dois andares no bairro do Pari, região central de São Paulo. Pág. 3
A oposição ao governo de Hugo Chávez quer provocar um clima de instabilidade na Venezuela, para preparar a população para um novo golpe ou uma
Bush espalha ódio pelo mundo, avalia filósofo Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de filosofia Paulo Arantes analisa a prepotência dos Estados Unidos, que decidem quem pode viver e quem deve morrer no mundo. Para Arantes, o ponto de partida para entender o mundo atual é o poder desproporcional dos estadunidenses. Pode-se destruir um país sem saber o que fazer com ele depois, diz ele. Pág. 8
Obsessão por superávit pune brasileiros O recorde do superávit primário em abril (R$ 11,9 bilhões) deixou o ministro Antonio Palocci eufórico. Mesmo com o sacrifício imposto ao povo brasileiro. Para garantir o pagamento dos credores, o governo diz que não tem recursos para dar aumento real ao salário-mínimo e corta gastos sociais. Pág. 6
Globalização agrava fluxos migratórios
Polícia bate em ativistas no México
Polícia Militar acompanha reintegração de posse em prédio ocupado por sem-teto de São Paulo
E mais: DISCRIMINAÇÃO – Homossexuais, bissexuais e transgêneros conquistam espaço em novo programa da Secretaria Especial de Direitos Humanos. O governo pretende erradicar a discriminação por meio da capacitação de funcionários públicos para atender melhor essa população, entre outras ações. Pág. 4 DEBATE – Negociações feitas na China, divulgadas pelo governo, indicam a ilusão da política externa de Luiz Inácio Lula da Silva. O economista Reinaldo Gonçalves avalia que o modelo de Lula para o Brasil parece ser o de “Periferia da Periferia”. Pág. 14
Marcio Baraldi
Dezenas de ativistas foram espancados, presos e ficaram 48 horas sem dormir ou comer, no México, durante a Cúpula da América Latina, Caribe e União Européia, dia 29 de maio. A ação da polícia mexicana lembrou os métodos estadunidenses aplicados no Iraque. Apesar da repressão, ativistas destacaram, em encontro paralelo, que povos têm de ser ouvidos nas negociações internacionais. Pág. 9
N
úmeros oficiais mostram que o governo promete, mas não cumpre. O Ministério do Desenvolvimento Agrário não foge à regra: até 7 de maio, de R$ 993,5 milhões de gastos autorizados, menos de 8% foram despendidos. Mas os bancos que operam com o Pronaf receberam 24,5% dos recursos a que tinham direito – o maior porcentual de despesa realizada. A titulação de imóveis rurais para reforma agrária não recebeu um centavo. A implantação de assentamentos não obteve mais do que 0,3%. No mais, nem pelo fato de as pequenas propriedades empregarem 87% das pessoas ocupadas no campo e responderem por 57% da receita gerada pela agropecuária, possibilitam o seu acesso ao crédito. A maior parte (65%) jamais viu a cor do crédito rural. Como menos de 1% dos contratos de financiamento rurais fica com 40% dos recursos, o crédito agrícola é mais um instrumento de concentração de propriedade e de renda. Págs. 2, 3 e 7
As migrações – entre diferentes nações ou dentro de um mesmo país – aumentaram nas últimas décadas. Segundo a OIT, o fenômeno se agravou com a globalização. Em São Paulo, o Serviço Pastoral dos Migrantes promove debates, a partir do dia 6, sobre a situação no Brasil. Pág. 4
Brasileiros no Haiti podem ir a Tribunal
Pág. 10
Palestinos se organizam contra invasão
Pág. 11
Festa do Divino valoriza a cultura caipira
Pág. 16
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De 3 a 9 de junho de 2004
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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Desgoverno e política econômica
“S
e a política econômica não resolve os problemas do povo, não vale a pena ser governo!” A frase acima é emblemática. Foi dita pelo ministro da Casa Civil, José Dirceu, durante um debate na Câmara dos Deputados, no mês passado. A grande imprensa preferiu não dar destaque, mas essa tese é fundamental para entender o que está acontecendo no Brasil hoje. Na semana passada, a imprensa controlada e/ou influenciada pelas elites econômicas saudou com loas e glória eterna o anúncio de que a economia voltou a crescer e que as exportações haviam batido novo recorde. Assim, como ficou eufórica com as possibilidades de negócios com a China. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, se entusiasmou tanto que anunciou que, se depender dele, a política econômica atual será de longo prazo, para mais de dez anos. O ex-ministro Sérgio
Motta pensava assim. Serra também. Mas, afinal, que benefícios mesmo os recentes indicadores da economia estão trazendo para o povo? Os jornais das elites não noticiaram que a mesma política econômica garantiu nos primeiros quatro meses de 2004, um superavit, ou seja, uma sobra em caixa de R$ 25 bilhões, recolhidos de toda sociedade na forma de impostos. E repassados gentilmente pelo Banco Central, para pagamento de juros da dívida interna aos banqueiros nacionais e internacionais. Enquanto isso, os gastos com todos os ministérios da área social atingiram apenas R$ 18 bilhões. O único e verdadeiro ministério desse país, se chama Ministério dos Juros! Nenhum indicador das condições de vida do povo brasileiro melhorou nos últimos dois anos, durante o governo Lula. E se quisermos ser mais
rigorosos, nenhum indicador social melhorou desde que iniciamos a era do neoliberalismo, na década de 90. A concentração de renda e riqueza continua. O desemprego continua aumentando. E o custo de vida também continua aumentando. As classes dominantes brasileiras continuam as mesmas. Elas só se interessam por sua taxa de lucro. Só se interessam naquilo que podem acumular. Só se interessam em continuar explorando. E sempre que as políticas dos governos – federal, estaduais ou municipais – os ajudam, eles os transformam em heróis na imprensa. Não porque é certo para o país ou para o povo. Mas porque é certo para seus bolsos. A frase do ministro José Dirceu deveria levar o governo Lula a refletir sobre os verdadeiros beneficiados de sua política econômica. Na vida real, as contradições aparecerão, dia mais, dia menos...
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES OUTRAS EDITORAS Concordo com a matéria das editoras (edição 64) que fazem um excelente trabalho na divulgação e no acesso aos seus livros. Todavia, percebi que ficaram faltando algumas editoras que tiveram uma participação de extrema importância na história do Brasil. Trata-se, em primeiro lugar, da Editora Paz e Terra e, em seguida, das editoras Brasiliense, Zahar Editora e, por fim, da Martins Fontes. São editoras que têm um belo catálogo para quem se interesse por questões sociais e históricas, sempre contribuindo com o enriquecimento da leitura num país marcado pela extrema distância daqueles que têm a oportunidade da leitura e os que ainda não tiveram essa chance. Erik C. G. por correio eletrônico SAUDAÇÕES Sou diretor do Departamento de Cultura da Associação dos Funcionários Administrativos da PUC-SP, uma entidade que defende e valoriza os direitos do trabalhador. Eu sempre adquiro o Brasil de Fato por considerar um meio de comunicação alternativo à grande imprensa burguesa. Nesse jornal realmente estão notícias que são de interesse para os brasileiros, retratando o que acontece em nossa América, sem se deixar cair nas fofocas britânicas e notícias preparadas pelos estadunidenses. Daniel Clemente São Paulo (SP) HAITI Ao atender determinação superior para enviar tropas militares para o Haiti, o governo brasileiro, além de invadir um país pobre e indefeso, dá uma demostração do quanto respeita o direito alheio. E desrespeita, joga no
lixo, o direito internacional da não intervenção e da autodeterminação dos povos. Assim, o Brasil, em lugar de oferecer ajuda humanitária, atende ordens dos Estados Unidos via Organização dos Estados Americanos, e manda nossos jovens e inexperientes soldados exercer o papel de policiais na casa dos outros. O nosso governo deveria, em primeiro lugar, cuidar da segurança do seu próprio povo; e em segundo lugar, se preparar para não vir, amanhã ou depois, ser a bola da vez, isto é, ser invadido por tropas estrangeiras. Aí é que eu quero ver. Entretanto, em toda essa questão, é bom atentar para o fato de se saber a quem interessa ocupar um país estrategicamente bem situado na região caribenha. Finalmente cabe aos haitianos – depois de tantas ocupações militares – a decisão de expulsar do seu território todo e qualquer elemento indesejável, principalmente o que já vem com arma em punho. Ninguém aceita passivamente a invasão de sua própria casa, seja ela legal ou ilegal. Hoje, o povo iraquiano – traído pelas suas elites – está a demonstrar o que acabei de dizer. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS) ERRAMOS A reportagem “OEA cita Brasil por violações”, publicada na página 6 da edição 65, é de autoria da jornalista Bia Barbosa, da Agência Carta Maior. Na reportagem “O terror cotidiano que o mundo não vê”, publicada na página 11 da edição 64, a localização do repórter é Jerusalém Oriental (Palestina).
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 3038 1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: brasildefato@teletarget.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
CRÔNICA
Para quem é a festa?
Juarez Soares Escrevo antes do jogo Brasil e Argentina, que vale pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Não existe para a seleção brasileira e para o nosso futebol maior rivalidade que essa. Nem mesmo os jogos contra o Uruguai chegam hoje a causar tamanha expectativa. Tanto que a política toma conta do espetáculo e os governadores, ministros, deputados e aproveitadores, velhas e novas hienas, arrumam um jeito de se aproximar do jogo na tentativa de aparecer. É só ver a reforma meiaboca feita às pressas no Mineirão, não para acolher os jogadores, astros verdardeiros do espetáculo, mas para acomodar os puxa-sacos de sempre dentro do estádio. Cabines de transmissão que são de rádio e televisão serão ocupadas pelos convidados, cadeiras colocadas na pista e outras babaquices de ocasião. Resta saber o que o presidente da Fifa, Joseph Blatter, que prometeu ir ao jogo, vai achar de tudo isso. E pensar que o Brasil ainda acha que pode se-
diar uma Copa do Mundo... O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, jovem arroz de festa, que é louco por um acontecimento social, vai estar no seu ambiente. Sem contar que o torcedor que quiser um lugar decente terá que pagar até R$ 250 pelo ingresso. Quase um salário-mínimo. Sempre o povo. Enquanto isso, dentro do campo, o pau vai comer. As discussões ficarão para depois do jogo. Vamos ver quem ganhará a aposta. Quanto tempo Luiz Fabiano vai ficar em campo? Quantos minutos ele aguentará as provocações dos jogadores argentinos, que conhecem de sobra o seu futebol e o seu destempero? É sempre assim: a contusão de Ronaldinho, o Gaúcho, dará chance a Luiz Fabiano. É a maior oportunidade de sua vida. Não estivesse Ronaldinho machucado, jamais ele seria escalado como titular. Deus deve andar ocupado com coisas mais importantes, mas, nesse caso, sua mão pousou sobre os destinos da seleção brasileira. Por isso di-
zem que Deus é brasileiro. Fato que poderia ser corriqueiro torna-se um acontecimento de importância transcendental para o povo brasileiro. Afinal, quem não gosta de futebol neste país? Uma vitória folgada da seleção brasileira poderá mudar a concepção de jogo do nosso time. Nesse caso, Ronaldinho, o fenômeno, o gorducho artacante brasileiro, poderá tomar consciência de que há outros jogadores que também merecem a posição de titular. Mas uma grande vitória trará principalmente alegria aos torcedores. Poderá até fazer com que, por algum tempo, o povo esqueça o sofrimento dos dias tão difíceis que vivemos e os políticos terão, mais uma vez, se aproveitado da grandeza do nosso futebol. Em caso de vitória da Argentina, que Deus nos livre, aí então os políticos poderão deixar o estádio do Mineirão debaixo de vaia. E ainda seria pouco. Juares Soares é cronista esportivo
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De 3 a 9 de junho de 2004
NACIONAL MORADIA
Para ONU, Estado pode fazer mais
da Redação
H
á muitas similaridades entre Brasil e Índia, em termos de moradia, na opinião do relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para as questões de direito à moradia, o arquiteto indiano Miloon Kothari. “O nível de pobreza dos dois países é bastante parecido”, disse Kothari. Em seu primeiro dia de visita ao Brasil, Kothari criticou a falta de uma política habitacional clara. “Vi que, em alguns projetos, o poder público foi um bom parceiro e, em outros, é ausente”, afirmou o relator. Kothari esteve na favela do Gato, em prédios ocupados – um pelo Movimento de Moradia do Centro, dois pela Unificação das Lutas de Cortiço (ULC) – e em um terreno abandonado onde havia um hospital, demolido pelo Estado, antes ocupado por integrantes da ULC. “O Estado pode fazer mais. O go-
verno tem obrigação de atender às necessidades básicas da população, o que não está acontecendo”, afirmou Kothari, que reiterou a importância dos movimentos sociais brasileiros em uma experiência “que tem sido referência mundial”. O relator também participou de uma audiência pública com os movimentos de moradia, representados pela União Nacional de Moradia Popular (UNMP), pelo Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), pela Central de Movimentos Populares (CMP) e pela Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam). “Pedimos a ele que interviesse junto ao governo federal e ele disse que já pretendia fazer isso, mas que depois do pedido se sentia mais responsabilizado ainda”, contou Luiz Gonzaga da Silva, Gegê, coordenador da CMP libertado recentemente, após 50 dias detido (veja reportagem na página 5). Gegê acredita que a visita do relator pode pressio-
nar as autoridades e “mudar o rumo dos investimentos feitos nos movimentos sociais”. Segundo o líder sem-teto, “o relator ficou bastante preocupado com o que viu”. Kothari vai ficar duas semanas no Brasil e, além de São Paulo – onde cerca de 600 mil pessoas vivem em cortiços, 2 milhões em favelas e 3 milhões em moradias precárias –, visitará Brasília, Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador, Recife e Alcântara. No terceiro dia da visita do relator ao Brasil, 1o. de junho, 25 famílias foram despejadas de um prédio de dois andares no bairro do Pari, região central de São Paulo. As famílias, ligadas ao Movimento de Moradia da Região Central, ocupavam o prédio há cerca de três meses. De acordo com representantes do movimento, o prédio estava abandonado há mais de quatro anos. As famílias, que não têm para onde ir, estão acampadas em uma praça próxima ao local.
Anderson Barbosa
Em visita de inspeção ao Brasil, o arquiteto Miloon Kothari se encontra com representantes de movimentos populares
Despejo de 25 famílias do Movimento de Moradia no bairro do Pari (São Paulo)
PARÁ
Pequenos agricultores pressionam por reforma agrária Aracruz Celulose: R$ 1.167 milhões
LUTA INCESSANTE Os pequenos agricultores cobram mudança na política orçamentária do governo. Segundo Romário Rosseto, do MPA, corporações e grandes proprietários recebem mais dinheiro do Estado do que os pequenos agricultores. Em 2004, o governo disponibilizou
CAUSA INDÍGENA
Morre dom Apparecido, bispo de Roraima da Redação
Morreu dia 29 de maio o bispo de Roraima, dom Apparecido José Dias, de 72 anos. Ex-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e grande lutador das causas indígenas, ele nasceu em Itajobi e foi bispo de Registro (SP), de 1975 a 1996. Dom Apparecido foi vítima de insuficiência renal e parada cardíaca. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota de solidariedade com os sacerdotes, os missionários, religiosas e religiosos, e com todo o povo da
diocese de Roraima. O Conselho Indígena de Roraima (CIR) também divulgou nota em que agradece dom Apparecido “por ter amado e estendido a mão aos povos indígenas, aos pequenos e aos necessitados”. A nota do CIR completa: “Obrigado por estar presente nos momentos importantes das nossas vidas e ter oferecido a sua ajuda. Teremos eterna gratidão pela sua firmeza e a clareza de suas palavras em defender os nossos direitos. Somos gratos, também, por seus dois mandatos na presidência do Cimi e pelo episcopado durante sete anos à frente da Diocese de Roraima”.
R$
921 milhões
BUNGE:
R$
607 milhões
ADM:
R$
585 milhões
Nestlé:
R$
330 milhões
Rhodia:
R$
304 milhões
Souza Cruz:
R$
189 milhões
BASF:
R$
120 milhões
Monsanto:
R$
68 milhões
BAYER:
R$
58 milhões
Total Financiado: R$ 4,34 bilhões
Em maio, 20 mil pequenos agricultores participaram de jornadas de lutas pelo país
Dia 31 de maio, os agricultores tiveram um encontro que durou nove horas com Faro, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ocasião em que o superintendente ouviu as reivindicações dos trabalhadores. “Foi a primeira vez que ele nos atendeu. Antes, quando marcávamos reuniões, ele sempre mandava algum assessor, que falava quinze minutos e ia embora, ou dizia que não podia nos receber”, comentou Oliveira.
Cargil:
R$ 5,4 bilhões para os camponeses, enquanto o agronegócio recebeu R$ 27 bilhões – 16% dos quais para apenas dez corporações. Integrantes do movimento defendem que o Plano Safra disponibilize R$ 20 bilhões para custeio, investimentos
e reestruturação de pequenas propriedades e a construção de 20 mil casas no meio rural. Em maio, o MPA organizou jornadas de luta em diversos Estados, exigindo a reforma agrária, das quais participaram 20 mil
pessoas. “Não dá para aceitar que as corporações e o governo sangre os trabalhadores brasileiros para alimentar a burguesia dos países ricos”, ressaltou Rosseto. Leia mais sobre concentração fundiária na página 7.
CONFLITO AGRÁRIO
Parlamentares indignados no Pará da Redação A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra pôde ver de perto a situação dos trabalhadores sem-terra no Pará, Estado com o conflito agrário mais violento do Brasil. A visita de quatro deputados federais e dois senadores aconteceu entre 26 e 28 de maio e deixou os parlamentares indignados com as injustiças cometidas pelo poder público e pelas oligarquias da região. A comitiva foi ao acampamento do Lourival Santana, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, no município de Eldorado dos Carajás – a 12 km do local onde aconteceu o massacre de trabalhadores rurais, em 1996. O suposto proprietário da área é da família Mutran, que se apoderou da maior parte dos castanhais de Eldorado e Marabá, utilizando-se de violência, influências políticas e grilagem. Os visitantes foram bem recebidos pelos acampados, que relataram a situação do acampamento e demonstraram estar preparados para qualquer tentativa de despejo – dois dias após a ocupação, dia 17 de abril, exatos oito anos depois do massacre – a juíza titular da Vara Agrária de Marabá concedeu reinte-
arquivo JST
Pequenos agricultores do Nordeste paraense iniciaram negociações com o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, para que seja realizada a reforma agrária na região. Os trabalhadores exigem a titulação de lotes e a construção de estradas e escolas nas proximidades de assentamentos e terras de remanescentes de quilombolas. No dia 1º, Saul de Oliveira, da coordenação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), reuniu-se com Hackbart e entregou a pauta de reivindicações dos camponeses paraenses. Em um próximo encontro, previsto para o dia 14, o presidente do Incra deve informar aos integrantes Plano Safra – Programa do governo da organização federal para financiar se atenderá as a agricultura familiar. exigências. Segundo Oliveira, a reunião foi resultado da mobilização de trabalhadores de treze municípios no Pará. Dia 25 de maio, 700 pequenos agricultores ocuparam a sede do Incra em Belém, acusando o superintendente estadual da instituição, José Roberto Faro, de descaso em relação aos camponeses da região. Oliveira afirmou que os trabalhadores vão ficar no local até o governo atender algumas das reivindicações. “É melhor morrer no Incra do que de fome na roça”, disse o coordenador do MPA sobre a possibilidade de reintegração de posse do prédio ocupado.
EMPRESAS TRANSNACIONAIS QUE OPERAM NO COMÉRCIO AGRÍCOLA E NA AGROINDÚSTRIA Valores de crédito recebido somente no Banco do Brasil
divulgação/MPA
João Alexandre Peschanski da Redação
Trabalhadores rurais do Pará sofrem com violência e impunidade
gração de posse em tempo recorde; o pedido havia sido feito no mesmo dia. Ao saber disso, o senador Sibá Machado (PT-AC) afirmou que “a juíza que expediu a liminar tem de estar incapacitada para o exercício de suas funções” e recomendou que fosse solicitada sua remoção para outra comarca. Além disso, os parlamentares entraram em contato com o governador paraense Simão Jatene (PSDB), que concordou em não liberar a tropa de choque até a conclusão de um levantamento cartorial e topográfico que está sendo feito pelos técnicos do Instituto Nacional de Coloniza-
ção e Reforma Agrária (Incra). Em Marabá, houve uma sessão pública na Câmara de Vereadores. Bernadete Ten Caten, superintendente regional do Incra, relatou aos integrantes da CPMI que 83,33% das terras da região são grandes latifúndios. José Batista Afonso Gonçalves, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), citou dados da CPT apontando o Pará como líder de conflitos, assassinatos, ameaças de morte e violência no país. Desde 1975, foram registrados 759 assassinatos de trabalhadores rurais, sendo que somente sete matadores foram julgados e apenas um está preso.
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NACIONAL ESTRANGEIROS
Preconceito e exploração
Dioclécio Luz
TV América Latina O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é um dos mais entusiastas na criação de uma televisão para a América Latina. As articulações estão adiantadas. A criação de emissoras que revelem a América Latina é uma necessidade, uma vez que as atuais emissoras comerciais fazem o apagamento do povo latino-americano. A ideologia dos transgênicos No debate sobre os transgênicos, a grande imprensa criou a imagem de uma disputa entre ambientalistas x cientistas. Na verdade, a disputa é entre a esquerda brasileira, os movimentos do campo, movimentos sociais, ambientalistas, entidades de defesa do consumidor, cientistas; contra os ruralistas, empresários do setor e o que existe de mais atrasado em política nacional. Bush desmascarado O filme de Michel Moore, Fahrenheit 9/11, que revela a face nazista de George W. Bush Jr., ganhou o prêmio maior do Festival de Cannes, na França. Se o “Oscar” premia o mercado, o Festival de Cannes é muito mais importante porque premia a inteligência e a arte. Terrorismo de Estado “O melhor meio de os Estados Unidos combaterem o terrorismo é deixarem de ser um dos principais terroristas do mundo” (Noam Chomsky, em entrevista à Folha de São Paulo, a propósito do seu livro mais recente, O Império Americano - Hegemonia ou Sobrevivência, Ed. Campus). Terrorismo atômico Boa parte da nossa imprensa se encarrega de fazer terrorismo reproduzindo os releases do Departamento de Estado dos EUA. Inventa crises quando, na verdade, revela os interesses estadunidenses. Exemplos: 1) crise porque o Brasil poderia vender urânio à China; 2) crise porque a Líbia estaria produzindo a bomba atômica; 3) crise porque o Brasil não permite que os espiões dos EUA entrem nas instalações de Resende. Futebol na Globo Para todo o Brasil a TV Globo distribui os jogos do Rio de Janeiro (incluindo as peladas com times grandes) e, excepcionalmente, de São Paulo. Quando os cariocas perdem, os comentaristas da Globo sempre partem do princípio de que isso aconteceu porque o time do Rio jogou mal e não por mérito do adversário. A Record e a baixaria A Campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, liderada pelo deputado Orlando Fantazini (PT-SP), está incomodando as grandes redes de comunicação. A TV Record, uma das emissoras citadas no ranking da baixaria, não gostou porque a campanha mandou carta a patrocinadores de programas da emissora sugerindo o fim do patrocínio – então a Record entrou com uma ação contra o deputado. A emissora quer o povo brasileiro consumindo as baixarias que produz. Celebridade e a baixaria A Campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” está analisando a novela “Celebridade”, da TV Globo, campeã de denúncias. O parecer, escrito pelo professor Pedrinho Guareschi, mostra que a novela não contribui em nada com a sociedade. Frases inúteis da imprensa “Mais uma vez, Chávez e seus aliados tratam de insuflar um ambiente de guerra, que presumivelmente só terminará nas barras da Justiça, nas quais o presidente, de novo, deverá valer-se de sua aumentada influência”. (Editorial da Folha de S. Paulo, de 29 de maio, defendendo a elite que tentou burlar a lei na Venezuela).
Retirantes do Vale do Jequitinhonha (MG) buscam trabalho nos canaviais do interior paulista Luiz Bassegio de São Paulo (SP)
O
fenômeno das migrações está cada vez mais forte no mundo globalizado. São milhões de pessoas que normalmente emigram dos países pobres para os ricos. Filipinos buscam trabalho no Oriente Médio e na Europa; equatorianos vão para a Espanha; milhões de mexicanos, centro-americanos e caribenhos chegam aos Estados Unidos na expectativa de melhorar sua vida e a dos seus familiares. O mesmo acontece com os norteafricanos na Europa. Em relação ao Brasil não é diferente. Além dos milhões de migrantes internos, há mais de dois milhões de brasileiros no exterior. Várias centenas de milhares estão no Paraguai; só nos Estados Unidos há quase um milhão de brasileiros, além de duzentos mil no Japão, sessenta mil na Alemanha e cinqüenta mil em Portugal. Calculase que hoje emigram para o exterior cerca de cem mil brasileiros. Porém, ao mesmo tempo em que são indesejados por que “roubam” os empregos dos nacionais, têm outros costumes, enfim, são estranhos que passam a conviver no novo ambiente, os imigrantes são contratados para realizar determinados trabalhos que a maioria da população não quer fazer. Apesar de todas as contradições, a contribuição dos emigrantes para seus países de origem tem sido bastante expressiva. Os mais de vinte milhões de emigrantes latino-americanos e caribenhos que estão fora de seus países remetem anualmente em torno de 25 bilhões de dólares para os países de origem. Os dominicanos residentes fora de seu país remetem em torno de 2,2 bilhões de dólares para a República Dominicana. Os salvadorenhos enviam mais de 2,3 bilhões de dólares para El Salvador. No caso do Egito, El Salvador e Jordânia, as remessas dos emigrantes representam 75% de suas exportações. Os brasileiros no exterior enviaram para o Brasil, no ano de 2003, mais de 5,2 bilhões de dólares, quantia superior ao investimento direto, produtivo, realizado pelas empresas estadunidenses, no mesmo ano, no Brasil.
Moisés Moraes
TV Brasil Anunciada a criação de uma televisão brasileira internacional. O melhor: a programação será feita com base nas experiências de canais estatais como TV Senado, Câmara, Radiobrás. Uma programação de primeira qualidade, é bom frisar.
Retirantes do Vale do Jequitinhonha (MG) buscam trabalho no interior de São Paulo
Apesar de tendência discriminadora mundial com os imigrantes, o fenômeno migratório, mesmo do ponto de vista econômico, não pode mais ser ignorado. Quanto menos discriminar e criminalizar os imigrantes pelos crimes e pelas mazelas que ocorrem nos países ricos, como normalmente se faz.
EFEITO DA GLOBALIZAÇÃO Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho, a principal causa do crescimento da migração é o fato de que a globalização não gerou postos de trabalho nos países de origem. Esse pro-
cesso criou um traço estrutural na economia mundial: a desigualdade. Além de concentrar a ainda mais a riqueza, conduz à deterioração das condições de vida e ao deslocamento humano. Basta considerarmos as exigências que o Banco Mundial e o FMI fazem de ajustes estruturais, com a redução dos gastos públicos e a conseqüente diminuição dos empregos públicos; o elevado crescimento demográfico, o excedente de mão-de-obra; a violação dos direitos humanos e a desestabilização social para ter uma idéia das reais causas da migração atual. Em sua maioria, os movimentos
migratórios respondem às necessidades de demanda dos países industrializados por mão-de-obra barata e sem qualificação para agricultura, alimentação, construção, indústria têxtil, serviços domésticos e cuidados com os doentes, idosos e crianças nas casas. Nos Estados Unidos, o destino dos imigrantes, em geral, são os trabalhos sujos, perigosos e difíceis. No Japão, seu destino é mais cruel; cabe-lhes os trabalhos pesados, exigentes e indesejáveis. Sabendo que as grandes transformações mundiais sempre foram precedidas de grandes fluxos migratórios, podemos antever uma contribuição positiva das migrações para o futuro da humanidade. O fenômeno migratório aponta para a necessidade de repensar o mundo não mais baseado na competitividade, mas na solidariedade; não na concentração mas na repartição; não no fechamento das fronteiras, mas na cidadania universal, enfim, num mundo baseado não no consumo desenfreado, mas numa sociedade sustentável, onde haja lugar e vida digna para todos. Luiz Bassegio – Secretário executivo nacional da Pastoral dos Migrantes e secretário executivo do Grito dos Excluídos Continental
Pastoral promove mês do migrante da Redação
Pastoral é a mudança na lei dos estrangeiros, que data de 1980, ou seja, do período da ditadura militar. A entidade lançou em março uma proposta de lei em que defende, entre outros pontos, o princípio de reciprocidade entre as nações, a instituição de uma carteira de identidade para imigrantes, o direito de freqüentarem a escola crianças e adolescentes estrangeiros cujos pais não têm a documentação necessária para ficar no país, além da autorização de visto temporário ao imigrante que tenha trabalho.
O Serviço Pastoral dos Migrantes, entidade de São Paulo (SP) ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), inicia, dia 6, uma série de atividades em defesa dos direitos de brasileiros e estrangeiros que deixam suas cidades de origem e vêm morar nos grandes centros urbanos. Estão programados eventos no país inteiro, durante todo o mês de junho, especialmente entre os dias 13 e 20, quando acontece a 19ª Semana do Migrante. A principal reivindicação da
DIVERSIDADE SEXUAL
Governo lança combate à discriminação
Cristina Uchôa de São Paulo (SP) O governo federal, preocupado em combater a discriminação por preferências sexuais, criou o programa “Brasil sem Homofobia” – projeto da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) que por enquanto está descrito em um documento de onze capítulos e mais de cinqüenta artigos. O programa tem como objetivo modificar, nas situações mais práticas, o tratamento discriminatório ainda muito comum enfrentado pelos integrantes das comunidades de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT). Uma das maiores reivindicações da comunidade, o programa propõe o treinamento de funcionários da Segurança Pública para receber essas pessoas nas delegacias de polícia e demais instâncias. Segundo a advogada Sylvia Mendonça do Amaral, autora de um livro sobre Direito de Família nos casos de homossexualidade, as ações por discriminação são raras porque, para essas pessoas, é muito difícil fazer um boletim de ocorrência pois muitas vezes são maltratadas e têm atendimento negado nas delegacias. Dessa forma, são poucas as denúncias de discriminação na Justiça, onde a comunidade GLBT move a maioria de suas ações,
divulgação
Espelho
Parada na Avenida Paulista no ano passado: mais de um milhão de pessoas
apenas na área dos Direitos de Família, principalmente nos casos de sucessão (heranças). Para Pedro Almeida, assessor de comunicação da Associação do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo, é essa a grande luta da comunidade: a conquista da cidadania, dos direitos civis. A adaptação da legislação à realidade GLBT está sendo muito lenta. Tramitam poucos projetos de lei e os que existem ficam bastante tempo parados (o projeto de união civil, de autoria da prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, data de 1995 e está engavetado no Congresso). A advogada acredita que, para mudar
a legislação, a comunidade precisa recorrer mais à Justiça. “Muitos casos ficam mal resolvidos ou nãoresolvidos”, afirma Sylvia. Mesmo nas uniões estáveis, as coisas poderiam ser mais fáceis se os casais fossem mais precavidos e fizessem um termo de união em cartório.
RESISTÊNCIA DOS JUÍZES Essa negligência também é comum para os casais heterossexuais. No entanto, para provar posteriormente a união estável entre homossexuais, a dificuldade é maior. Primeiro, porque o levantamento de provas expõe os envolvidos; depois porque, ainda que seja difícil de-
tectar, existe uma certa resistência por parte dos juízes em aceitar uma união homossexual estável. Normalmente, nas sentenças os casais são classificados como “sociedades comerciais” e o patrimônio, dividido pelo critério da separação total de bens. Como poder executivo, a Secretaria não pode interferir diretamente no processo legislativo. Mas está entre as metas do programa incentivar a mudança da legislação para atender as questões da comunidade GLBT. Isso será feito a partir de esforços para levantar o número de casos já vistos pelos tribunais, segundo Ivair Augusto Alves dos Santos, secretário executivo do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, da SEDH. Sylvia entende que a medida do governo pode ser eficaz porque esses casos são, na maioria, protegidos por sigilo. Mas uma ordem para realizar um estudo oficial pode trazer à tona dados que comprovem a demanda social pela legislação. A expectativa da Associação Nacional em relação ao programa não é grande: “O receio é que a idéia morra no lançamento, como muitas vezes acontece com os programas de governo”, diz Almeida. Santos garante que a SEDH está com uma agenda de atividades definida para realizar as metas do programa.
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NACIONAL DIREITOS HUMANOS
Sem-terra ganham liberdade no Paraná Solange Engelmann de Curitiba (PR)
D
ia 25 de maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus que permitiu a libertação de Elemar do Nascimento Cezimbra, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Paraná. Também foram beneficiados com a medida Pedro Bernardo dos Santos e Francisco de Assis Morete, que tinham prisão preventiva decretada. A decisão foi comemorada na praça central de Quedas do Iguaçu, no dia 26 de maio. Segundo o advogado Elmano Freitas, a decisão do STJ é histórica: além de conceder a liberdade aos trabalhadores, determinou o trancamento da ação penal para todos os envolvidos no caso, por falta de justa causa, e garantiu o arquivamento da ação penal para os sem-terra que não foram presos em flagrante. “Pela primeira vez na história do MST, temos um acórdão, unânime, afirmando que os trabalhadores organizados não podem ser confundidos com quadrilha ou bando”, destaca Freitas. Cezimbra estava preso desde dia 3 de abril, na região central do Estado, acusado de furto de soja
Adilson Poleze
Decisão inédita do Supremo Tribunal de Justiça tranca processo penal contra sem-terra e liberta Elemar Cezimbra
O militante Elemar Cezimbra, enquanto estava preso em Quedas do Iguaçu
da empresa Araupel e de formação de quadrilha, por ser integrante do MST. Mesmo sem qualquer prova ou elemento jurídico, sua prisão foi decretada em desacordo com a legislação. Apesar de o delegado do caso afirmar que “durante o inquérito não houve indícios da participação de Elemar Cezimbra nos fatos”, mesmo assim o juiz Leonardo Ribas Tavares, de Quedas do Iguaçu, prendeu o sem-terra, que é membro da coordenação nacional e do Setor de Formação e Educação do MST. Professor, formado em filosofia, atualmente ele dá aulas de psicologia, história e filosofia nas escola do MST. Ribas Tavares é conhecido na região por perseguir os trabalhadores do MST. Há denúncias de que o juiz negou pedidos de transferência de títulos de eleitores às famílias acampadas na área da Araupel, em Quedas do Iguaçu. Para Cezimbra, o juiz tentou mas não atingiu seu objetivo. “Ele ia me condenar no mínimo a uns 15 anos de cadeia. É uma pessoa desequilibrada, que age em combinação com a Araupel e o tenente da Polícia Militar da região, Gerson Maurício Zocchi. É a Araupel que banca a Polícia Militar e o
Poder Judiciário de Quedas do Iguaçu”, denuncia.
HUMILHAÇÃO PÚBLICA O sem-terra listando também supostas ligações de Ribas Tavares com o deputado federal Abelardo Lupion (PFL-PR), que “inclusive mandou recado dizendo que, se dependesse de suas articulações, eu passaria muitos anos na cadeia”. Para Cezimbra, o parecer do STJ “foi um ganho fundamental para as organizações populares, abrindo uma jurisprudência para contestar prisões de militantes dos movimentos sociais. Com o trancamento do processo penal, os ministros do STJ quebraram o corporativismo do Poder Judiciário. Isso prova que nem todo Judiciário é podre”. Sobre os 52 dias na prisão, ele é enfático ao dizer que a maior violência foi a humilhação moral pública. “A direita sente prazer em fazer isso e usa a imprensa para bater, com matérias mentirosas que, de tanto reafirmar a mentira, se torna verdade”. Ele lamentou também o fato de ter perdido a liberdade de ir e vir e ter sido tratado como um bandido de alta periculosidade, além de ter ficado afastado da família. “Era difícil não poder ficar com os filhos, abraçá-los”, diz
Após 50 dias, líder sem-teto sai da prisão “Foi a comprovação da falência do Estado”. Essa é a definição de Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, dos 51 dias em que esteve detido em São Paulo. O dirigente da Central de Movimentos Populares (CMP) deixou a prisão, dia 26 de maio, após concessão de habeas corpus e agora irá responder a processo em liberdade. Depois de passar do 1º Distrito Policial para o 5º Distrito Policial e, a seguir, por dois centros de detenção provisória, na capital paulista, ele diz: “Foi uma experiência dura, triste, difícil, mas muito rica”. Além de processar o Estado, ele pretende transformar em livro a experiência na prisão. “Eu tenho um compromisso, que é de transformação da sociedade, e não é no discurso e sim na prática”. Gegê é acusado de ser co-autor do homicídio de José Alberto dos Santos Pereira Mendes, em um acampamento do Movimento de Moradia do Centro (MMC), em
MOMENTOS DIFÍCEIS
O dirigente Gegê é libertado por habeas corpus
2002. A representação da defesa que levou à ordem de soltura foi feita pelo advogado e deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh
Brasil amplia violações, diz Anistia Internacional A garantia dos direitos humanos no Brasil é a pior dos últimos 50 anos Esse é o alerta do Informe 2004 da Anistia Internacional, um estudo sobre a situação de violações de 155 países em 2003. De acordo com a entidade, a nova política nacional para segurança pública proposta pelo governo não teve ressonância. As medidas adotadas nos Estados para combater os elevados níveis de criminalidade resultaram no aumento das violações. Houve um aumento “dramático” no número de civis mortos em conflito com a polícia. Em São Paulo, a polícia matou 915 pessoas – 11% a mais do que no ano anterior. No Rio de Janeiro, foram 1.124 mortes entre janeiro e novembro de 2003, 34% mais do que em 2002. No Rio, há denúncias de abusos por parte das forças de segurança e grupos armados, torturas, mortes sob custódia, execuções extra-judiciais e ação dos esquadrões da morte.
que a libertação é um passo para a descriminalização dos movimentos sociais no país. O primeiro pedido de habeas corpus de Gegê foi recusado. “Eles foram negando, porque a minha prisão é política”, diz ele, que afirma que os presos foram “os movimentos populares”. Para Gegê, o desafio agora é criar um amplo debate, “senão uma hora vão acabar achando que os movimentos são um bando de baderneiros, assaltantes”, afirma, ressaltando a urgência da reforma do Judiciário, “que é muito arcaico”.
Carolina Lopes
Tatiana Merlino da Redação
A Anistia aponta a atuação dos esquadrões da morte de terem sido responsáveis por atos de “limpeza social” e envolvimento com o crime organizado. Nas prisões, são relatados casos de superlotação, más condições sanitárias, acesso limitado a serviços de saúde, uso persistente da tortura, rebeliões e violência entre os próprios presos. A entidade destaca ainda as torturas, rebeliões, fugas no sistema de detenção juvenil da Febem de São Paulo. O Regime Disciplinar Diferenciado também preocupa. A proposta de medida disciplinar permite que presos considerados de alta periculosidade sejam confinados em regime de incomunicabilidade, por até um ano, nas penitenciárias de segurança máxima. De acordo com a Anistia, 53 sem-terra e 23 indígenas foram assassinados entre janeiro e outubro de 2003. (TM)
(PT-SP). Ao comparar a detenção do líder sem-teto com as prisões políticas ocorridas durante a ditadura militar, Greenhalgh afirma
Durante o tempo em que esteve detido, o dirigente do MMC passou por momentos difíceis e chegou a acompanhar uma rebelião no Centro de Detenção Provisória do Belém, dia 27 de abril. “Não vou dizer que não fiquei assustado”, confessa. Um dos aspectos que mais indignou Gegê durante esse período foi a superlotação dos presídios. No 1º Distrito Policial, segundo ele, a
capacidade era de oito a dez pessoas “Mas teve dias que tinha 21 pessoas. Foi muito pesado”, reconhece. Além disso, no 1º DP Gegê dormia no chão úmido, em cima de um lençol doado por outro preso. “Passar uma noite inteira ali já é ruim, imagina dias, semanas, meses, a revolta só vai aumentar”, diz. Após a experiência, Gegê passou a ter mais certeza de que, nas condições em que cumprem pena, os presos jamais serão reeducados: “O Estado não responde às necessidades do preso. Do portão para dentro você perde o seu valor enquanto pessoa, e passa a valer quanto tem em dinheiro. Se tem 10, vale por 10; se tem 100, vale por 100. Se não tem nada, não vale nada. É o caminho do apodrecimento do ser humano”. No Centro de Detenção Provisória ele ficou impressionado com a ociosidade dos detentos. “Eles ficam o dia inteiro no pátio, das oito da manhã às cinco da tarde. Só fumam maconha e falam da vida alheia. Aquilo é uma bomba que está para explodir, com o pavio aceso”.
DESEMPREGADOS
MTD festeja quatro anos de luta Daniel Cassol de Porto Alegre (RS) Recildo Santin e Zita Mouro comemoraram 50 anos de casados junto com o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), entidade que completou quatro anos de luta, dia 22 de maio. A festa, que reuniu sindicatos, movimentos populares e parceiros do MTD, junto com filhos, netos e bisnetos do casal, foi no assentamento Belo Monte, em Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Moradores do assentamento, seu Recildo e dona Zita vêem o MTD se tornar um dos principais atores da luta por trabalho e moradia no país. O movimento nasceu no Rio Grande do Sul, em 2000, a partir da ocupação, por cerca de 200 famílias, do terreno ao lado da montadora da General Motors instalada em Gravataí, também na região metropolitana de Porto Alegre.
Hoje, o MTD está organizando sua coordenação nacional. Conta, além das ocupações gaúchas, com um acampamento na Bahia, e com núcleos constituídos nas periferias das cidades do Distrito Federal, Rio de Janeiro e de Santa Catarina. Participa, em São Paulo, do Fórum Nacional de Luta contra o Desemprego. No Rio Grande do Sul, onde o movimento é mais forte, os assentamentos, acampamentos e núcleos urbanos se espalham pelas principais cidades do interior e da região metropolitana.
MOBILIZAÇÃO NACIONAL As duas principais reivindicações – as frentes emergenciais de trabalho e a criação dos assentamentos “rururbanos” – mostram a importância da contribuição do MTD. “Não é a cidade que vai resolver o problema do desemprego”, atesta Mauro Cruz, um dos coordenadores do movimento. O assentamento Belo Monte, criado em 2001, é uma
tentativa de colocar em prática uma nova proposta: núcleos de produção rurais consorciados com a produção urbana. O assentamento de Eldorado possui dez grupos de produção, mas carece de recursos e é longe das cidades. “O ideal seria ocuparmos os espaços vazios das periferias das grandes cidades”, explica. A olaria e a pequena metalúrgica que existiam no local vão ser transferidas para o acampamento do MTD na zona norte de Porto Alegre, que está para completar um ano. O MTD prepara, para julho, uma mobilização nacional de uma semana por trabalho e moradia, ao lado de outras entidades que compõem a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). Serão montados acampamentos em pelo menos dez Estados. A CMS também fará uma campanha de cadastramento dos desempregados. “É preciso organizar uma luta nacional dos movimentos urbanos para pressionar o governo federal”, afirma Cruz.
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NACIONAL POLÍTICA DE ARROCHO
O superávit é cada vez maior
Fatos em foco
No mês de abril, o governo continuou cortando na carne os investimentos sociais
Hamilton Octavio de Souza Pura perseguição Cresce o movimento de solidariedade ao senador João Capiberibe e à deputada Janete Capiberibe, ambos do PSB do Amapá, cassados recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por suposto crime eleitoral. Os Capiberibe têm trajetória de reconhecida ética na política e a cassação cheira mesmo é perseguição política. Lobby poderoso Patrocinado por ruralistas conservadores e neoliberais, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, conta também com forte apoio da revista Veja, a mais panfletária publicação da direita colonizada. Na edição do dia 2, matéria encomendada por Rodrigues defendeu o agronegócio dos grandes proprietários contra a agricultura familiar e as propostas de reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Grande teste A votação do salário-mínimo no Congresso Nacional promete ser um grande teste para a unidade do PT. Muitos deputados continuam defendendo valores mais elevados do que os R$ 260 definidos pelo governo. O presidente Lula já disse que vai endurecer. Até o próximo capítulo... Tarde demais Estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) revela que a revisão da aposentadoria proposta pelo governo, a ser paga em oito anos, não alcançará com vida aproximadamente 146 mil aposentados, devido as idades avançadas. Nova frente Se a aliança entre PSB, PMDB e PDT conseguir se consolidar, em São Paulo, a prefeita Marta Suplicy, principal vitrine do PT, vai passar grande aperto na próxima eleição: ela terá de enfrentar José Serra, pela direita (PSDB-PFL), e Luísa Erundina, pela nova coligação. Justiça lerda Somente agora, seis anos depois, as vítimas do desabamento do edifício Palace 2, no Rio de Janeiro, vão receber parcela da indenização a que têm direito. O prédio pertencia ao empresário e ex-deputado Sérgio Naya, que também é dono de emissoras de rádio em Minas Gerais e de hotéis em Brasília. Alerta geral Além da “Operação Vampiro”, que está desbancando antigas falcatruas no Ministério da Saúde, e da denúncia do Ministério Público contra a ONG Ágora, que pertence a um amigo do presidente Lula, há muita expectativa sobre a descoberta de novos casos de tráfico de influência envolvendo organizações não-governamentais e os cofres públicos. Sem conversa “A única política de esquerda é a da ruptura”, afirmou o economista francês François Chesnais ao comentar o fato de o governo Lula continuar seguindo a política neoliberal de FHC. Saiu na Folha de S. Paulo de 31 de maio. Um milhão na Ilha Cuba recebeu o primeiro milhão de visitantes em 30 de maio. Os resultados permitem prever que, em 2004, pela primeira vez na história do turismo cubano, o país receberá mais de 2 milhões de pessoas. Carrinho de mão Um fórum social temático, em dezembro, em Brasília, para “ajudar a empurrar” o processo da reforma agrária no país. A proposta, com a estranha justificativa, é do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart. Lembrete importante Várias entidades ligadas ao Fórum Social Mundial, como a Via Campesina, o MST e o Ibase, estão organizando o Fórum Mundial sobre a Reforma Agrária, que acontece em Valência, Espanha, entre 5 e 8 de dezembro.
Luís Brasilino da Redação
E
nquanto na Câmara Federal o governo gasta todo seu prestígio para convencer a base a aprovar um salário-mínimo de R$ 260, o Ministério da Fazenda e o Banco Central anunciam com euforia mais um superávit primário (receitas menos despesas, exceto pagamento de juros) recorde. Um cenário deplorável. De um lado, o governo alega que uma elevação do salário para R$ 300 é impraticável, pois obrigaria a União a gastar mais R$ 4 bilhões esse ano. De outro, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, vai à mídia comemorar um superávit de R$ 11,9 bilhões só no mês de abril. O maior desde 1991. Rodrigo Ávila, economista do Sindicato Nacional dos AuditoresFiscais da Receita Federal (Unafisco), faz um cálculo sobre a previsão de superávit primário para 2004. Se os R$ 43 bilhões previstos pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) fossem totalmente utilizados para aumentar o mínimo, deputados e senadores poderiam estar, agora, discutindo um acréscimo de R$ 430 no vencimento básico dos brasileiros. Ou seja, um salário mínimo de R$ 690. Entretanto, o Ministério da Fazenda parece estar muito mais preocupado com os credores e os especuladores do mercado financeiro, já que o superávit é feito por dois motivos: um, é pagar os juros da dívida; o outro,
PARA O SOCIAL, MIGALHAS. AOS CREDORES, BILHÕES Ítens selecionados Segurança Pública Assistência Social Saúde Educação Cultura Urbanismo Habitação Saneamento Gestão Ambiental Ciência e Tecnologia Agricultura Organização Agrária Energia Transporte TOTAL DOS GASTOS SOCIAIS SUPERÁVIT PRIMÁRIO FEDERAL
Realizado até abril 509.950 3.780.586 8.930.668 2.922.731 41.318 130.805 47 146 194.363 421.202 1.560.466 143.326 61.285 261.706 18.958.599 25.540.000
Fonte: Banco Central e Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal e Outros Demonstrativos - www.stn.fazenda.gov.br.
EVOLUÇÃO DO RESULTADO PRIMÁRIO MENSAL (EM R$ BILHÕES) 11,90
12 10 8
8,46
7,78
6 4 2
3,02
0 -2 -4,12
-4 -6
Jan
2003
Fev Mar Abr Mai Jun
Jul
Ago Set
Out Nov Dez Jan
2004
Fev
Mar Abr
Fonte: Banco Central
fazer caixa, passando uma imagem de estabilidade econômica. Conseqüentemente, tranquilizar o mercado.
Por isso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) exige de seus devedores, dentre eles o Brasil, a manutenção de uma determinada
taxa de superávit. Hoje, por iniciativa do atual governo, o superávit é de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezes produzidas pela nação. Mais realista que o rei, em abril, a economia feita pelo governo atingiu R$ 11,9 bilhões nas esferas central, estaduais, municipais e nas empresas estatais, produzindo um superávit de 6,35%. O valor é o maior desde 1991, quando o cálculo começou a ser feito. Em valores, tem-se que, de janeiro a abril, os juros acumulados nas três esferas de governo totalizaram R$ 41.259 bilhões.
TRISTE RECORDE O corte nos gastos superou em R$ 1,7 bilhão o recorde anterior, alcançado em março de 2004. Nem com isso, porém, o governo conseguiu diminuir a divida mobiliária federal interna: de R$ 787,14 bilhões, em dezembro de 2003, atingiu R$ 825,86 bilhões no mês passado. Enquanto isso, até abril, os gastos sociais efetivamente desembolsados pelo governo ficaram abaixo de R$ 19 bilhões. A reforma agrária, por exemplo, recebeu R$ 143,3 milhões, ou apenas 7,5% do que foi programado para o ano (veja pág.7). Já o setor de transportes contou somente com 6,6% do programado. Em resumo, quando analisados os investimentos realizados em 2004, tem-se que dos R$ 12,4 bilhões programados para o ano, só R$ 237 milhões – 1,91% do total – foram aplicados.
TRABALHO
Desemprego e informalidade avançam Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
A ligeira melhoria do cenário econômico, indicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no primeiro trimestre, não conseguiu, até aqui, influenciar o comportamento do mercado de trabalho, que continua derrapando em taxas recordes de desemprego e no avanço ininterrupto da informalidade. A desocupação medida pelo IBGE em seis regiões metropolitanas atingiu 13,1% em abril, correspondendo a um total de 2,812 milhões de desempregados – 3,2% a mais do que em março, e 8,5% acima de abril de 2003. Ao mesmo tempo, o rendimento médio real daqueles que continuaram com algum tipo de emprego encolheu 3,5% frente ao mesmo mês do ano passado. Demissões em alta e salários arrochados formam uma combinação nada estimulante para a economia, podendo-se antecipar que devem afetar a atividade econômica de forma negativa nos próximos meses – se não ocorrerem mudanças significativas nesta área daqui para frente. Analisados detalhadamente, os números do mercado de trabalho continuam desencorajadores.
SEM DIREITOS Em março, a informalidade respondeu por nada menos do que 64% dos empregos criados. No mês seguinte, praticamente 68% dos novos empregos abertos (88 mil, em 130 mil vagas) foram ocupados por pessoas que trabalham por conta própria, sem qualquer direito trabalhista ou garantia, e por empregados sem carteira de trabalho assinada. Mais grave: o total de subocupados, que conseguem empregos apenas parciais, com e/ou sem registro em carteira, experimentou um salto de 14% na comparação em abril e março – 126 mil a mais em um só mês, equivalentes a 97% de todos os empregos criados em abril.
SOBREVIVENDO DE BICO Informalidade continua avançando nas seis principais regiões metropolitanas * Período
Empregados sem carteira e por conta própria (em mil pessoas)
Participação no total de pessoas ocupadas (%)
Abr/03 Mar/04 Abr/03
7.620 7.974 8.062
41,7 42,9 43,1
(*) Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo) Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
MERCADO PRECÁRIO Ritmo do emprego não acompanha procura por vagas na Grande São Paulo Período
Ocupados (em mil pessoas)
Desempregados (em mil pessoas)
Abr/03 Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan/04 Fev Mar Abr
7.657 7.726 7.827 7.882 7.874 7.825 7.878 7.912 8.013 7.910 7.801 7.707 7.831
1.987 2.005 1.993 1.934 1.969 2.030 2.019 1.966 1.892 1.868 1.926 2.000 2.044
Fonte: Seade/Dieese
Em resumo, a economia não só não tem conseguido criar empregos em número suficiente para abrigar todos os que chegam ao mercado de trabalho, como só consegue isso promovendo um aumento da informalidade, vale dizer, desestabilizando as relações formais de trabalho. O quadro, claro, não é novo e vem se agravando. Comparado a abril do ano passado, o número de ocupados cresceu 2,5% ao passar de 18,257 milhões para 18,717 milhões de pessoas, representando a criação de 460 mil empregos novos. Além de insuficiente para absorver as 680 mil pessoas que entraram no mercado naquele período, nada menos do que 96% das vagas (442 mil) foram ocupadas por informais. No mês passado, a região da Grande São Paulo registrou a cria-
ção de 124 mil empregos, resultando num avanço de 1,6% no total de ocupados em relação a março deste ano – o melhor desempenho daquele indicador em um mês de abril desde 1985, segundo pesquisa mensal realizada pela Fundação Seade e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos SócioEconômicos (Dieese).
LENTES RÓSEAS Como mais 168 mil pessoas decidiram procurar emprego em abril, no entanto, o total de desempregados continuou crescendo na região, atingindo o recorde de 2,044 milhões de pessoas sem ocupação, correspondendo a uma taxa de desemprego de 20,7%. Sob ótica sempre mais rósea da equipe econômica, o dado confirma-
ria as previsões de uma recuperação sustentada da atividade econômica, já que as empresas passaram a criar mais vagas, motivando o retorno ao mercado de trabalho de parte das pessoas que já haviam desistido de procurar uma colocação.
MAIS DISTORÇÕES A análise procede apenas parcialmente. De fato, o movimento, confirmado pelo Seade/Dieese, não esconde o fato de que a economia, depois de bater no fundo do poço no ano passado, ainda não tem forças para criar empregos em número suficiente para fazer frente às milhões de pessoas que continuam desempregadas. Uma reversão nesta conjuntura adversa somente viria se houvesse continuidade no crescimento do emprego – um dado ainda a ser confirmado. Enquanto o desemprego não dá sinais de recuo, as distorções no mercado continuam a se acumular. Em março deste ano, agora numa comparação com igual mês de 2003, o rendimento mínimo pago aos 10% mais pobres sofreu um tombo de 5,4%, de acordo com a pesquisa, enquanto o ganho máximo dos 10% mais ricos engordou mais 4,2%. Na média, o rendimento real (depois de descontada a variação dos demais preços na economia) das pessoas ocupadas encolheu mais 1,5% em relação a fevereiro deste ano, na terceira queda mensal consecutiva. De acordo com a pesquisa, o nível dos rendimentos médios pagos aos 7,831 milhões de ocupados na Grande São Paulo, em março, só consegue superar os resultados indigestos de 2003, ficando abaixo de todos os demais anos da série. Para os assalariados, o salário real médio apurado em março correspondeu a praticamente metade do salário médio recebido ao longo de 1985, com perda de 30% em relação a março de 1997 e de 6% frente a março de 2002.
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De 3 a 9 de junho de 2004
NACIONAL POLÍTICA AGRÁRIA
Crédito aumenta concentração no campo Menos de 1% dos contratos de financiamento agrícola responde por quase 40% dos recursos destinados ao setor Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
O
volume de crédito destinado ao custeio e a investimentos no setor agropecuário praticamente triplicou desde 1996. Estima-se, para a safra 2003/04, uma injeção de R$ 32,4 bilhões – 45% a mais do que os R$ 22,4 bilhões destinados pelo governo e bancos ao setor na safra passada. O salto ajudou a aumentar as receitas e os lucros acumulados pelo agronegócio em anos recentes, numa evolução festejada por ministros e pela imprensa. Esses números aparentemente positivos, porém, escondem uma outra realidade, mantida fora do noticiário e destacada em estudo preparado pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), com base em dados organizados pelo professor de geografia agrária Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP). O trabalho mostra que a política de crédito rural promove a concentração da renda e da propriedade no campo, ao concentrar a distribuição de recursos a custos baixos e mesmo subsidiados a grandes grupos do setor e a latifúndios, excluindo milhões de pequenos proprietários dos benefícios do crédito rural.
MUITO PARA POUCOS Mais grave, segundo o estudo, com a política em vigor, o governo confirma sua prioridade a culturas de exportação, como a soja, algodão e cana-de-açúcar, nas quais é normalmente maior a presença de grandes produtores. Assim, destina proporcionalmente menos recursos para a produção de alimentos básicos, não exportáveis. “O grosso da produção agropecuária está nas pequenas e médias propriedades. Apesar disso, o grande volume do crédito vai para grandes propriedades”, comenta em nota o MPA, para acrescentar que “financiamentos e subsídios públicos vão para os produtos de exportação, que são isentos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tanto na venda da produção quanto na importação de insumos agrícolas”. Tomando dados de 2001, quando foram liberados R$ 17,94 bilhões (30% mais do que em 2000) para o crédito rural, o MPA comprova a brutal concentração do crédito em mãos de um número reduzido de grandes produtores. Menos de 1% dos contratos de financiamento, firmados pela rede pública e privada de bancos que operam com crédito rural no país, abocanhou alguma coisa perto de 40% dos recursos.
PEQUENOS LEVAM POUCO Em números mais aproximados, apenas 10.926 contratos, representando 0,74% em quase 1,469 milhão de contratos de financiamento rural, levaram 37,8% (R$ 6,78 bilhões) do total de recursos. O valor médio de cada um daqueles contratos supera R$ 620,7 mil. Na outra ponta, perto de 1,404 milhão de contratos, com valor médio de R$ 5,2 mil, levantaram R$ 7,34 bilhões. Ou seja, para 95,6% do total de contratos, sobraram menos de 41% dos recursos. Acima dessa faixa, os 4,4% dos contratos restantes levaram quase 60% do crédito rural. Pior: 30,8% dos recursos ficaram para 0,33% dos contratos. “Estes grandes produtores”, aponta o MPA, “são os que concentram mais terras, mas apresentam um nível baixo de produção e gozam do maior valor dos subsídios públicos, dado que se concentram neles a maior parte da produção para exportação”. Numa faixa intermediária, que
O GOVERNO PROMETE. E NÃO CUMPRE MDA - Programas e Ações - Execução até 07/05/2004
Autorizado
Assentamentos Sustentáveis para Trabalhadores Rurais Gestão e Administração do Programa 16.128.000 Ações Preparatórias para Obtenção de Imóveis Rurais 12.348.798 Implantação de Projetos de Assentamento Rural 52.869.098 Obtenção de Imóveis Rurais para Reforma Agrária 400.000.000 Assistência Técnica e Capacitação de Assentados - Implantação 10.816.798 Subtotal 492.162.694 Desenvolvimento Sustentável na Reforma Agrária Gestão e Administração do Programa 8.842.718 Recuperação, Qualificação e Emancipação de Projetos de Assentamento Rural 37.012.775 Fomento à Agroindustrialização, à Comercialização e a Atividades Pluriativas Solidárias 5.999.259 Titulação, Concessão e Destinação de Imóveis Rurais 7.127.893 Assistência Técnica e Capacitação de Assentados - Recuperação 8.890.084 Consolidação e Emancipação de Assentamentos da Reforma Agrária 19.665.000 Subtotal 87.537.729 Regularização e Gerenciamento da Estrutura Fundiária Apoio aos Estados para Implantação do Cadastro de Terras e Regularização Fundiária no Brasil 1.000.000 Pagamento de Indenização aos Ocupantes das Terras Demarcadas e Tituladas aos Remanescentes de Quilombos 3.000.000 Reconhecimento, Demarcação e Titulação de Áreas Remanescentes de Quilombos 2.000.000 Gerenciamento e Fiscalização do Cadastro Rural 10.439.884 Regularização Fundiária de Imóveis Rurais 4.048.122 Sistema de Cadastro Rural 6.929.027 Georreferenciamento de Imóveis Rurais 2.111.113 Implantação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais - CNIR 285.850 Subtotal 29.813.996 Gestão da Política de Desenvolvimento Agrário Formulação e Avaliação da Política de Desenvolvimento Agrário 9.223.650 Coordenação dos Serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural 500.000 Gestão e Administração do Programa 300.000 Promoção da Igualdade de Raça, Gênero e Etnia no Desenvolvimento Rural 1.000.000 Capacitação de Servidores Públicos Federais em Processo de Qualificação e Requalificação 2.779.998 Implantação de Sistema Integrado de Gerenciamento da Execução da Reforma Agrária e Agricultura Familiar 300.000 Subtotal 14.103.648 Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas Assistência Técnica e Extensão Rural em Áreas Indígenas 480.000 Subtotal 480.000 Agricultura Familiar - PRONAF Apoio ao Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Quilombolas 1.000.000 Contribuição ao Fundo Garantia-Safra (Lei nº 10.700, de 2003) 28.500.000 Apoio a Projetos Municipais de Infra-Estrutura e Serviços em Agricultura Familiar 100.101.666 Gestão e Administração do Programa 5.000.000 Fomento à Assistência Técnica e Extensão Rural para Agricultores Familiares 47.540.000 Disponibilização de Insumos para a Agricultura Familiar 1.107.500 Fomento a Projetos de Diversificação Econômica e Agregação de Valor na Agricultura Familiar 27.876.666 Capacitação de Agricultores Familiares 11.275.000 Publicidade de Utilidade Pública 2.000.000 Remuneração às Instituições Financeiras pela Operação do PRONAF 5.000.000 Subtotal 229.400.832 Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido - CONVIVER Apoio a Projetos de Inovação Tecnológica da Agricultura Familiar no Semi-Árido 2.500.000 Desenvolvimento Sustentável para os Assentamentos da Reforma Agrária no Semi-Árido do Nordeste 9.000.000 Subtotal 11.500.000 Brasil Alfabetizado Alfabetização de Jovens e Adultos nas Áreas de Reforma Agrária 30.570.000 Subtotal 30.570.000 Crédito Fundiário Estruturação de Assentamentos e Investimentos Comunitários - Combate à Pobreza Rural 70.200.000 Gestão e Administração do Programa 500.000 Capacitação de Executores do Crédito Fundiário 500.000 Subtotal 71.200.000 Paz no Campo Assistência Social, Técnica e Jurídica às Famílias Acampadas 1.440.000 Prevenção de Tensão Social no Campo 804.351 Capacitação de Mediadores de Conflitos Sociais 214.871 Atendimento de Denúncias - Ouvidoria Agrária Nacional 32.663 Mediação de Conflitos Agrários 356.592 Implantação de Ouvidorias Agrárias 714.523 Subtotal 3.563.000 Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais Elaboração de Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável 10.000.000 Gestão e Administração do Programa 3.400.000 Capacitação de Agentes de Desenvolvimento 9.800.000 Subtotal 23.200.000 TOTAL GERAL
993.531.899
Liquidado
% (L/A)
3.520.729 3.028.012 162.581 51.442.981
21,8 24,5 0,3 12,9
359.115 58.513.418
3,3 11,9
2.117.527
23,9
193.103
0,5
19.999 0
0,3 0
687.070
7,7
2.628.925 5.646.624
13,4 6,5
0
0
0
0
0 354.583 0 0 226.575 0 581.158
0 3,4 0 0 10,7 0 1,9
1.000.000
10,8
21.975 79.011
4,4 26,3
5.495
0,5
203.260
7,3
6.550 1.316.291
2,2 9,3
0 0
0,0 0
0
0
0
0
43.092 1.168.263
0 23,4
0 0
0 0
610.162 0 0
2,2 0 0
1.225.382 3.046.899
24,5 1,3
0
0
0 0
0 0
610.394 610.394
2 2
6.842.401 45.467 0 6.887.868
9,7 9,1 0 9,7
385.228 6.625 0 570 5.685 0 398.108
26,8 0,8 0 1,7 1,6 0 11,2
550.000 134.583 340.000 1.024.583
5,5 4 3,5 4,4
78.025.343
7,9
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário
reúne contratos de financiamento com valor médio ao redor de R$ 70,3 mil, o MPA registra a existência de 54.230 operações de empréstimos, correspondendo a 3,7% do total. Neste caso, o valor dos recursos contratados atingiu R$ 3,81 bilhões, equivalentes a 21,3% dos recursos totais.
DISTORÇÕES EM CADEIA A concentração, na verdade, pode ser ainda mais grave do que a apontada pelo MPA. Deve-se lembrar que um mesmo produtor, especialmente entre os de maior porte, com várias fazendas, pode contratar mais de uma operação de empréstimo. Além disso, para driblar as regras que limitam o valor do crédito por tipo de lavoura, um mesmo produtor consegue vários financiamentos, simplesmente distribuindo ou arrendando suas propriedades, de forma fictícia, a filhos e parentes próximos. A rigor, a política de crédito agrícola deixa de fora centenas, milhares, ou mesmo milhões, de pequenos proprietários de terras, meeiros, posseiros e assentados da reforma agrária. Supondo que cada contrato de empréstimo corresponda a uma propriedade (ou, como se viu, nem sempre é verdadeiro), menos de 35% das propriedades rurais teriam acesso ao crédito rural oficial. Mais claramente, perto de 2,769 milhões de propriedades (65% do total) jamais viram a cor do crédito rural. A exclusão pode ser ainda maior quando se considera a possibilidade de operações fictícias, destinadas a levantar ainda mais recursos para uma mesma propriedade (em geral, de grande porte, porque são estas que recebem maior atenção dos bancos).
EMPREGO E RECEITA De acordo com levantamento de Oliveira, baseado em dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do ano passado, de um total de 4,238 milhões de propriedades, nada menos do que 92% (3,896 milhões) tinham menos de 200 hectares, representando 20,2% da área rural total, com um tamanho médio de 31,6 hectares. No outro extremo, exatos 0,8% das propriedades, com área média acima de 4.110 hectares, representavam 31,6% da área total. O despropósito da política de crédito rural é confirmado mais claramente a partir de uma outra série de indicadores. As pequenas propriedades empregam 86,6% do total de pessoas ocupadas no campo, enquanto apenas 2,5% estão empregadas nas grandes propriedades. São as pequenas, ainda, que respondem por 57% de toda a receita gerada pela agropecuária brasileira (13,6% para as grandes), 99,5% da produção de fumo; 92% da mandioca, 78,5% do feijão, 76% da batata e do tomate, 61% do trigo, 55% do algodão e 34% da soja.
Recursos da reforma agrária vão para bancos O arrocho aos gastos públicos, decidido pela equipe econômica para poupar recursos e pagar os juros da dívida do governo aos banqueiros, deixou o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) literalmente de mãos amarradas neste ano. Entre janeiro e o último dia 7 de maio, de um total de R$ 993,53 milhões de gastos autorizados para a pasta, apenas R$ 78,02 milhões foram efetivamente gastos – apenas 7,9% do total (leia tabela). Como resultado mais evidente daquela política, houve um aumento dos conflitos e da tensão no campo nos primeiros meses de 2004. Os números mostram que não há interesse
real em fazer a reforma agrária. Ao contrário. Entre os itens que tiveram maiores liberações de recursos até a primeira semana de maio, as despesas relacionadas à remuneração dos bancos que operam as linhas de crédito do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) consumiram quase R$ 1,23 milhão, 24,5% do orçamento autorizado.
TORNEIRAS FECHADAS Apenas para comparação, o MDA não despendeu um único centavo dos R$ 7,13 milhões reservados para a titulação de imóveis rurais destinados à reforma agrária. Apenas 0,5% dos R$ 37,01 milhões destina-
dos à recuperação e emancipação de assentamentos rurais foram gastos. A burocracia do ministério, incluindo despesas de gestão, administração e capacitação de funcionários, consumiu R$ 10,77 milhões, 12,6% dos R$ 85,71 milhões previstos no orçamento. Praticamente o mesmo percentual liberado (12,9%) para a obtenção de imóveis destinados ao programa de reforma agrária. Em valores, o ministério gastou R$ 51,44 milhões para compra e/ou desapropriação de latifúndios, de um total fixado em R$ 400 milhões. A implantação de projetos de assentamento, que teve seu orçamento
fixado em R$ 52,87 milhões, recebeu míseros R$ 162,58 mil – nada mais, nada menos do que 0,3% do total programado. Também nem um centavo foi liberado para a regularização de imóveis rurais, para o sistema de cadastramento daqueles imóveis, capacitação de produtores familiares, inovação tecnológica no semi-árido. Os programas de combate à pobreza rural, com um orçamento definido em R$ 70,2 milhões, receberam R$ 6,84 milhões – 9,7% do total. E para os projetos de prevenção da tensão social no campo? Saíram apenas 0,8% do valor orçado. (LVF)
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De 3 a 9 de junho de 2004
NACIONAL ENTREVISTA
Estados Unidos semeiam ódio pelo mundo Poder imperial elege “zonas jurídicas de penumbra” onde não há direitos e os sujeitos são descartáveis
Brasil de Fato – Enquanto o império estadunidense não for questionado internacionalmente, o mundo está fadado a viver em uma guerra generalizada e crescente? Paulo Arantes – Se quisermos entender algo do atual estado do mundo, devemos começar pela desmedida potência militar estadunidense. Não por acaso, o cientista político José Luís Fiori, em entrevista ao Brasil de Fato (edição 63), também sublinhou a ausência de limites no exercício desse poder global inédito na história. Como se o uso excessivo da força tivesse se tornado uma característica das políticas de Estado hoje em dia, o poder excessivo não gera equilíbrio: pode-se destruir um país como o Iraque sem saber o que fazer depois. Se fosse simplesmente por petróleo, bastava suspender o embargo e fazer os negócios. Também não digo que não seja, e tudo indica que as guerras no futuro serão sobretudo por recursos – de água a terras agriculturáveis. Mas o que salta aos olhos é a brutal desproporção entre meios e fins. Não foram poucas vezes, no Afeganistão e no Iraque, por exemplo, que tiros para o alto, em uma festa de casamento, provocaram retaliação de fogo aéreo nos moldes dos bombardeios da Segunda Guerra. Nas bases dessas retaliações desmedidas, as guerras atuais vão apodrecendo, evoluindo invariavelmente para pior. Faz tempo que vitória militar deixou de significar paz, mesmo em sua acepção negativa de cessação da violência. BF – Quais os efeitos desse poder desproporcional? Arantes – No horizonte de tudo isso, a desproporção não é apenas a expressão de uma disparidade incomensurável e irreversível no domínio militar. É toda a sociedade capitalista global que está mergulhada numa verdadeira “cultura do excesso”, cujo foco é sem dúvida o poder sem limites do capital vencedor, a assimetria que esse poder institui como norma. Há desproporcionalidade em tudo, a começar por uma guerra total contra uma tática: o terrorismo. Aliás, a atual doutrina estadunidense da guerra é a encarnação dessa desmedida de um poder cujo excesso, na prepotência, se traduz na procura do risco zero, a guerra sem baixas nas próprias fileiras tendo como contrapartida a morte banal e em massa de seus inimigos, o que por sua vez trivializa e generaliza – outra desproporção maior – o recurso à violência militar. Poderia haver algo mais excessivo do que a declaração de uma guerra sem fim,
Doutrina de guerra dos Estados Unidos se baseia na prepotência
sem nenhuma limitação no espaço e no tempo, travada em qualquer parte do globo e sem prazo para acabar? Proporcionalidade quer dizer também senso de medida, razoabilidade. Daí a violência irracional que o incomensurável e inalcançável poder militar estadunidense vai semeando pelo mundo, o paradoxo de uma hegemonia produtora de caos. Tanto mais paradoxal por se tratar de guerras travadas em nome da ordem. BF – Que tipo de guerra é essa? Arantes – Vivemos num ambiente de guerra permanente, num mundo em que guerra é paz. Continuamos a empregar a mesma palavra, mas “guerra” mudou de sentido, por mais que o planejamento estratégico estadunidense alegue estar se preparando para vencer qualquer guerra étnica num futuro não tão remoto assim. O estado de guerra permanente, que se confunde hoje com o mundo do capitalismo vencedor, não vai mais desaguar em uma guerra interimperialista, entre formas rivais de acumulação, como nos conflitos passados em torno da hegemonia mundial. Não ignoro que o que estou dizendo é contra-intuitivo: estão aí o clima do Ocidente ante a guerra do Iraque; o cerco geopolítico da Rússia e da China pelos EUA; a retomada do Grande Jogo na Ásia Central; o dinheiro mundial, o dólar desafiado etc. Se for para mencionar em termos clássicos, fico com o ultra-imperialismo de Kautsky, com a diferença de que o governo do mundo pelos monopólios coordenados estaria encerrado no necessário poder desproporcional de um só país que, portanto, atuaria privadamente na gestão do capitalismo global, inclusive como estado rentista e ultraviolento, para continuarmos no reino dos superlativos, do excessivo. A assim chamada guinada neoliberal se parece muito com um novo regime de acumulação primitiva, com seu natural cortejo de violência e guerra; afinal, se trata de um novo processo de expropriação de coletividades e fundos públicos. Só que dessa vez não estamos mais no limiar de coisa nenhuma, de um novo take off (decolagem) planetário, qualquer desempregado estrutural desconfia disso. É parte essencial desse cenário a reprivatização da guerra. As forças chamadas
estadunidenses hoje são um corpo profissional de empreendedores com interesses próprios no poder central, comandando uma tropa assalariada e no geral terceirizada, sem fatia nos demais serviços de intendência. Só no Iraque atuam em torno de 200 mil seguranças privados. Não exagero se concluir que o poder de fogo estadunidense é um poder mercenário a serviço dos interesses privados dos “compradores” de plantão na Casa Branca e serviços secretos adjacentes. Não se lutam mais guerras de nação, como se dizia no antigo vocabulário cívico daquele país. Por isso, lembrei que a palavra guerra hoje quer dizer outra coisa. Sendo o Estado estadunidense ao mesmo tempo um Estado cujo negócio são os negócios, e a maior empresa de segurança privada do mundo, podemos tirar nossas conclusões. BF – O fortalecimento da União Européia e o crescimento da China, além de acordos entre estes blocos e países periféricos como o Brasil, se contrapõem à lógica do império estadunidense? Arantes – Um “poder desproporcional” não pode, por definição óbvia, se deixar amarrar por qualquer tratado ou convenção internacional que comprometa um milímetro de sua liberdade de movimento. Um poder excedente assim é extralegal. O seu poder de fato é a própria norma. Só mesmo por um impulso suicida Japão e China tentariam quebrar
BF – Como atentados terroristas estatais e a política oficial do ódio podem angariar votos na disputa eleitoral em Israel e nos EUA? Arantes – É como você diz, “política oficial do ódio”, levando-se em conta os novos atores não-estatais que entraram em cena no mundo, o ódio como política. Ao que parece, só o ódio mobiliza, hoje. Vemos perdedores atirando contra perdedores, nas zonas desconectadas do mundo como nos guetos da nacionalidade capitalista. No topo, todas as variantes dessa política oficial do ódio, que se expressa sobretudo no confronto com as populações sedentarizadas e confinadas em espaços literalmente sitiados – e não só no Oriente Médio. Alguém observou que o eclipse de uma alternativa pós-capitalista intensificou exponencialmente o ódio como vínculo social preponderante – se é que se pode falar assim. Às vezes, penso que seria mais apropriado falar em desprezo e crueldade quando nos referimos ao sentimento de classe dos ganhadores globais, exercido num contínuo que vai do trabalho atroz nas cadeias produtivas terceirizadas pelo mundo às prisões iraquianas. Continuamos a falar do mesmo princípio de desproporção, o ódio mora no coração do excesso que o define, e na resposta a que estão condenados os que afrontam essa situação limite de nosso tempo. Mas isso não é política, quando muito, a sanção de seu esgotamento. Em termos materialistas, ainda vivemos na pré-história e por isso mesmo não podemos excluir a hipótese de que tal período se encerre sem superação com a aniquilação recíproca dos dois campos em luta. BF – Em relação à política do governo Lula: é possível alterar o sentido tomado até agora? Arantes – Estou começando a achar que insistir em responder entrevistas sobre o governo Lula é acender vela para mau defunto.
Evelson de Freitas/Folha Imagem
O
filósofo Paulo Arantes considera o poder militar desproporcional dos Estados Unidos como a própria expressão do poder sem limites do capital vencedor. Daí vem a prepotência do império em declarar um estado de guerra permanente, no tempo e no espaço, e em decidir onde quem pode viver e quem pode morrer. Em entrevista ao Brasil de Fato, Arantes aponta um dos efeitos desse poder desmedido: o mundo precário do trabalho, que “se tornou um dos principais laboratórios de crueldade social, escola do abuso e da humilhação”. Sobre a atuação do governo brasileiro nesse cenário, o filósofo prefere “não acender vela para mau defunto”. “Vamos deixá-lo morrer em paz e estudar com lupa e luta social o período assegurado por uma administração interina que, em 2006, devolverá civilizadamente o poder aos seus donos”, avalia.
os EUA. No entanto, não é menos verdade que o capitalismo hoje se parece cada vez mais com uma pulsão de morte planetária. Nada mais insider do que os vários ramos da família Bin Laden. Guerra entre blocos? Racha no Ocidente? Um complexo industrial-militar como o estadunidense, constituído ao longo dos 30 anos de crescimento do capitalismo desde 1945 não está mais ao alcance de nenhum orçamento num futuro previsível do capitalismo. A menos que consideremos a hipótese da guerra privada entre “blocos”, entre as megamilícias das várias oligarquias regionais e seus clientes no mundo lúmpen internacional. Brasil como contraponto geopolítico? Francamente...
Sava Ravadonovic/AFP
Danilo Cerqueira César de São Paulo (SP)
Quem é Paulo Arantes é professor aposentado do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), autor de A Ordem do Tempo em Hegel (Hucitec) e Sentimento da Dialética (Paz e Terra).
Vamos deixá-lo morrer em paz e cuidar da vida. Deixemos de falar de algo que não existe – e que a mídia costuma chamar de governo Lula – para estudar com lupa e muita luta social o período assegurado por uma administração interina que, em 2006, devolverá civilizadamente o poder aos seus donos, detentores dos direitos autorias do roteiro original acerca da plataforma de valorização financeira e exportação de commodities em que nos transformaram. Se é para reinventar, ou representar a esquerda, está na hora de mudar o disco. BF – Que iniciativas os movimentos sociais brasileiros devem tomar para multiplicar a resistência ao “estado de sítio global”? Arantes – O que fazer? Só diria se fosse paranóico. Salvo, é claro, o que é da obrigação elementar de um socialista, e cada um sabe da sua. Com certeza, não basta recomeçar pelas boas verdades de sempre, mas pelas coisas novas e ruins. Uma coisa ruim, mas não tão nova assim, e que tem a ver com o elenco de patologias próprias do Novo Imperialismo é o fato de compelir os explorados a correr fileiras com os exploradores. A reconstrução do Iraque – previamente destruído para tanto – está sendo vendida para os trabalhadores estadunidenses como uma nova fronteira – o que é, de fato, no pior sentido do termo – de expressão do emprego. Como é um emprego como outro qualquer a tortura terceirizada de Abu Graihb. Não por acaso, o mundo precarizado do trabalho hoje se tornou um dos principais laboratórios de crueldade social, a real e originária escola do abuso e da humilhação. Estou de acordo com o diagnóstico de época sugerido pelo enunciado do “estado de sítio global” em que estamos ingressando. Que bicho é esse? Não se trata de mero sinônimo eternizado para ditaduras militar e tanque nas ruas. Tem a ver com os poderes que o Executivo estadunidense se concedeu a pretexto de combater o terrorismo e toda a legislação excepcional que se seguiu, ameaçando os meros direitos que ainda não cancelou. Não é só isso, não se restringe a esse efeito colateral, embora represente de fato um colapso jurídico de proporções inéditas. Com o escândalo das torturas estadunidenses no Iraque e no Afeganistão, vazou um memorando da consultoria jurídica da Casa Branca sobre o “amaciamento” de prisioneiros, (o qual) considera que tal prática seja exercida em “zonas jurídicas de penumbra”, algo como o “equivalente jurídico ao espaço sideral”. Como era a América para os liberais ingleses nos tempos da colonização: um vazio jurídico permanente. Como a guerra sem fim pela qual iniciamos essa entrevista. A mancha batida do capitalismo vencedor é isso. Região após região do globo e seus assentamentos humanos vão sendo desconectados por falta de interesse econômico. À inevitável situação de emergência social que se segue, o novo poder soberano que decide ser esse o caso também declara tais zonas sinistradas, áreas sem leis povoadas por não-sujeitos descartáveis. À pergunta “o que fazer?” nessas circunstâncias – ou o seu análogo nos anos 30 do século passado –, um filósofo marxista alemão, interpretando a tradição dos oprimidos, para os quais o estado de exceção que então se vivia sempre foi a regra, respondia que “a nossa tarefa é criar um verdadeiro estado de emergência”. Mas isso num tempo em que sabíamos o que era a revolução.
Ano 2 • número 66 • De 3 a 9 de junho de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO
Só pressão social derrota neoliberalismo
Polícia mexicana reprime violentamente ativistas; movimentos sociais destacam necessidade de mobilização planetária
N
em a violenta repressão da política mexicana impediu ativistas antiglobalização de protestar e realizar o seminário Encontro Social América Latina, Europa e Caribe – Lançando Alternativas, realizado em Guadalajara, México, dia 28 de maio. No mesmo dia, chefes de Estado e representantes de 58 países chegaram ao município mexicano para participar da Cúpula América Latina, Caribe e União Européia (UE). Mais de 80 ativistas foram detidos pela polícia e receberam tratamento similiar ao de uma “sucursal da prisão estadunidense de Abu Ghraib, no Iraque”, segundo o jornal mexicano La Jornada. Tudo começou quando agentes infiltrados em uma manifestação pacífica entraram em confronto com a polícia, dia 29 de maio. Cerca de cem pessoas foram presas, muitas aleatoriamente, sendo doze estrangeiros. Desses, oito foram deportados e três continuam encarcerados. Os métodos usados pelos policiais foram considerados “ilegais e arbitrários” pela espanhola Mar Rodriguez, detida enquanto fotografava a manifestação: “Estava tirando fotos quando golpearam uma jovem e depois me agarraram”. Na cadeia, os ativistas estão sendo torturados e, segundo o jornal La Jornada, foram coagidos a assinar documentos, assumindo a responsabilidade pelos danos públicos causados no confronto.
se recusar a participar do encontro (veja reportagem abaixo). A declaração final dos movimentos sociais considera ilusório pensar que a América Latina possa ter relações mais benéficas com a União Européia do que com os Estados Unidos. “A UE busca ampliação de seus mercados para suas grandes corporações em serviços e compras governamentais e garantias para seus investidores”, diz o texto. No entender dos ativistas, as propostas dos europeus não são uma alternativa à Alca, mas o aprofundamento do marco neoliberal desses acordos de livre comércio, do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Kevin/CIMI-Guadalajara
da Redação
ACORDO COM O MERCOSUL
APROVAÇÃO DOS POVOS Os militantes passaram 48 horas sem comer e foram impedidos de dormir. Também sofreram agressões e não puderam contatar advogados particulares. “Meu filho disse que quebraram seus dedos. Ele estava com escoriações na cabeça e em todo o corpo”, conta Maria Ascencio, mãe do mexicano Ovaldo López, de 16 anos. A maioria dos detidos não pôde conversar com familiares. As mulheres detidas foram obrigadas a ficar nuas. “Tiraram nossas roupas e nos deixaram sentadas em um quarto da Segurança Pública. Guardas e oficiais entravam e ameaçavam nos violentar durante toda a madrugada”, relata Norma Martínez, artista que acompanhava a manifestação e foi detida.
As manifestações dos movimentos sociais foram reprimidas com violência em Guadalajara, México
Na declaração final do encontro, os movimentos sociais exigem que nenhum acordo seja pactuado entre as regiões sem a aprovação dos povos, na linha da defesa do plebiscito oficial sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). “Sabemos que sem mobilização, pressão social e resistência não se conseguirá derrotar a estratégia neoliberal que vem sendo imposta. Derrotar e parar o neoliberalismo é estratégia indispensável, mas é necessário seguir enriquecendo propostas alternativas”, aponta o documento final. O seminário constatou que uma transformação só é possível com a mudança das formas
de organização e de educação. Os ativistas propõem também o monitoramento contínuo das transnacionais que operam em ambos os lados do Atlântico. Na década de 90, com a ascensão de governos neoliberais na América Latina, transnacionais européias vieram para a região comprar empresas estatais. Estão presentes, hoje, no hemisfério, poderosos grupos, como a espanhola Telefônica (telefonia), a francesa Suez (água) e a espanhola Iberdrola (energia). Cada vez mais esses grupos exercem influência sobre os povos latino-americanos e influenciam a política de seus governan-
tes. As organizações não-governamentais (ONGs) e os movimentos sociais acertaram propostas de organização, educação e difusão à opinião pública, assim como ações e compromissos comuns. Os ativistas realizaram um ato de apoio a Cuba e criticaram a posição da União Européia, que “cada vez mais está mais alinhada com a posição dos Estados Unidos contra a ilha. É necessário ampliar a solidariedade ao povo cubano, sobretudo quando governos da América Latina votam contra o governo de Havana”. O presidente cubano, Fidel Castro, protagonizou uma das principais polêmicas da Cúpula ao
da Redação Em seu discurso na Cúpula entre América Latina, Caribe e União Européia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alertou que, mesmo com os países latino-americanos, e inclusive o Brasil, seguindo a agenda ditada pelo mercado financeiro, a miséria se agravou no hemisfério. Um dia depois do discurso de Lula, uma notícia do governo federal indicou de que forma o próprio presidente vem seguindo essa orientação – segundo ele mesmo, geradora de mais miséria. O Brasil bateu um recorde histórico de economia de dinheiro público para pagamento da dívida (superávit primário), deixando de gastar, no mês de abril, R$ 11,9 bilhões que poderiam ser investidos em saúde, reforma agrária, educação, habitação (leia mais na página 6). Ao comentar o resultado das contas públicas, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, recomendou que o Brasil continue fazendo superávit primário por mais dez ou doze anos. No México, Lula falou que a fome é a mais poderosa “arma de destruição em massa” e convidou outros chefes de Estado a discutir soluções para o problema, na véspera da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, dia 20 de setembro.
Ricardo Stuckert/ABr
Para Lula, seguir cartilha não basta
Presidente Lula cumprimenta Gerhard Schröder, chanceler da Alemanha
O documento final da Cúpula, que teve a presença do presidente francês Jacques Chirac e do premiê alemão Gerhard Schröder, conclamou os países a defender o multilateralismo nas relações internacionais, uma leve crítica à posição dos Estados Unidos. Os 58 países participantes do encontro se declararam “horrorizados” pelo tratamento
dado a prisioneiros iraquianos. Os europeus, no entanto, amenizaram a declaração final do encontro, retirando termos como “torturas”, e incluindo elogios como “aprovamos o compromisso dos governos em questão em levar à Justiça todos os indivíduos responsáveis”. A declaração não fez nenhuma referência ao bloqueio imposto pe-
los estadunidenses a Cuba, medida já condenada pela ONU. E apóia a política patrocinada pelo Banco Mundial no continente, como “projetos de infra-estrutura física como o Plano Puebla-Panamá e a Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Sul-Americana para alentar a participação de organizações financeiras e dos investidores privados”.
Um exemplo do tom das relações da UE com a América Latina é a negociação do acordo de livre comércio com o Mercosul. Da mesma forma que os Estados Unidos em relação à Alca, os europeus querem que os países sul-americanos assinem acordos de orientação neoliberal que estão emperrados na OMC. A UE exige, por exemplo, que o Mercosul abra seus setores de serviços, investimentos e compras governamentais. Em troca, acena com concessões em agricultura. Até o momento, os negociadores não obtiveram consenso, mas em Guadalajara assumiram o compromisso de assinar, até outubro, o acordo de livre comércio. México e Chile já assinaram tratado de livre comércio com os europeus. Na Cúpula, o governo mexicano também demonstrou interesse de ingressar no Mercosul, como país associado. Hoje, Chile e Bolívia estão nessa mesma condição (Com agências internacionais).
Fidel se recusa a participar de encontro da Redação O presidente cubano, Fidel Castro, recusou convite para participar da Cúpula América Latina e União Européia, realizada no México, e fez um duro discurso contra os objetivos do encontro. Não é de hoje que a relação de Cuba com o governo mexicano de Vicente Fox está estremecida. Mas o voto de Fox, a pedido dos Estados Unidos, condenando Cuba na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), foi o estopim da crise. Dia 1º de maio, Castro criticou Fox em discurso à população. Logo depois, o governo mexicano expulsou o embaixador cubano do país e cortou relações diplomáticas com a ilha. Castro acusou a União Européia de ser cúmplice dos Estados Unidos com a Lei Helms-Burton – lei extraterritorial estadunidense que estabelece o bloqueio comercial à ilha e prevê punição para empresas de outros países que negociem com cubanos. “Nem em sonhos a União Européia aceitaria a denúncia de assassinatos, maus-tratos e humilhações que se cometem contra o incontável número de mexicanos, latino-americanos e caribenhos que tentam escapar do subdesenvolvimento e da miséria impostos pela ordem econômica internacional, da qual ela também se beneficia”, analisou o presidente cubano. Para Castro, a cúpula é uma conferência sem conteúdo, de caráter cerimonial, “em que a União Européia não se comprometerá com absolutamente nada, nem mesmo com o respeito mais elementar ao princípio de não-intervenção”.
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AMÉRICA LATINA VENEZUELA
Novas pressões para derrubar Chávez
Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
Venpres
Apesar das denúncias, o ex-presidente Carter e a OEA dizem que não houve fraudes na confirmação de assinaturas ENTENDA O PROCESSO
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ESTRANHOS NO NINHO Também está sendo investigada pelo CNE a presença de dois supostos agentes do Departamento de Estado dos Estados Unidos junto à equipe de fiscais do Centro Carter. “Recebemos a denúncia de que um agente de reparo copiou um documento e entregou a estes dois supostos agentes do Centro Carter”, informou Francisco Carrasquero, presidente do CNE. Apesar disso, a avaliação do Centro Carter, presidido pelo expresidente estadunidense Jimmy Carter, e da Organização dos Estados Americanos (OEA), representada pelo secretário geral, César Gavidia, é que não há possibilidade de ter ocorrido fraudes no processo, última chance que a oposição teve para tentar derrubar o presidente. Para Carter, que se reuniu duas vezes com o presidente venezuelano desde que chegou em Caracas, dia 29 de maio, “houve confusão em relação às cédulas e violência física mas, no geral, foi um processo bem-sucedido, que pode refletir de maneira fidedigna a vontade dos cidadãos”, afirmou.
INTROMISSÃO INDÉBITA Após reunir-se, a portas fechadas, com os reitores do CNE, Carter anunciou que o resultado apurado pelo CNE deverá ser respeitado e sinalizou que somente o Superior Tribunal de Justiça, órgão que tem maioria sob o comando da oposição, poderá reavaliar qualquer decisão arbitrada pelo CNE. Submeter a Venezuela às sanções da OEA foi uma das sugestões do secretário de Estado adjunto dos EUA para a América Latina, Roger Noriega, dia 26 de maio, caso neste final de semana não fossem validadas as mais de 540 mil assinaturas necessárias para convocar um referendo. Para solucionar o problema da “precariedade” da democracia venezuelana, Noriega declarou à Agência Reuters que, caso o governo impedisse a realização do plebiscito, deveria ser aplicada a Carta Democrática Interamericana. “Acreditamos que estamos muito perto deste tipo de decisão”, afirmou. Mas Jorge Valero, embaixador da Venezuela na OEA, desmente aquela possibilidade. “Diferente do que se pretende demonstrar, a Venezuela tem amplo apoio dos países latino-
Referendo: De acordo com o artigo 72 da Constituição, “todos os cargos e magistraturas de eleição popular são revogáveis. Transcorrida a metade do período para o qual foi eleito o funcionário ou funcionária, um número não menor que 20% dos eleitores e eleitoras inscritos (...) poderá solicitar a convocação de um referendo para revogar seu mandato”. Firmazo: No início de fevereiro de 2003, depois da greve petroleira, responsável pela fuga de mais de 50 milhões de dólares dos cofres venezuelanos, a oposição realizou o firmazo (coleta de assinaturas) para convocar um referendo revocatório ao mandato presidencial. As assinaturas recolhidas pela oposição não foram validadas pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que alegou que as assinaturas foram recolhidas sem que antes um regulamento oficial fosse estabelecido. Reafirmazo : Estabelecidas as regras pelo CNE, de 28 de novembro a 1º de dezembro foi convocado um novo processo de coleta de assinaturas, no qual a oposição alega ter recolhido mais de 3,4 milhões de assinaturas. Apuração: Em meio às irregularidades constatadas pelo CNE no processo de coleta e apuração das planilhas, o Conselho definiu que 1.192.914 assinaturas irregulares deveriam ser ratificadas. Reparos: De 28 a 30 de maio, os venezuelanos que tiveram as assinaturas invalidadas tiveram de ratificá-las. Os “arrependidos”, ou os que alegam não terem votado, apesar do nome constar na planilha, puderam retirar a assinatura. Decisão final: Até 5 de junho, o CNE deve anunciar se a oposição conseguiu recolher as 540.492 assinaturas necessárias, e se haverá ou não referendo em 8 de agosto. O presidente venezuelano Hugo Chávez se diz tranqüilo em relação ao referendo
americanos e os Estados Unidos dificilmente conseguirão alguém para liderar essa proposta”, argumenta. O diretor técnico da Junta Eleitoral de Madri, Diego Navarro, que integra o grupo de observadores internacionais da América Latina e Europa, avalia que a oposição venezuelana está consciente de que não tem condições de recolher as 2,4 mil assinaturas necessárias para convocar um referendo nacional. “Não há possibilidade legal de haver um referendo. Este é um jogo da oposição, com o apoio dos meios de comunicação, para manipular a opinião pública nacional e internacional”, diz. Navarro acrescenta que, mais do que ver o que ocorreu nestes
três dias, “é preciso ver o que não é visto, a armação da CIA (serviço de inteligência dos EUA) e dos paramilitares para desestabilizar o país”. Na sua avaliação, as possibilidades de uma nova tentativa de golpe, ou de uma guerra civil, não podem ser descartadas. “A oposição quer provocar um clima de instabilidade para preparar a população para isso”, analisa.
LÓGICA CAPENGA “Aqui nunca teve problema de classe social. Agora, Chávez enfiou na cabeça dessa gente que eles são pobres por culpa dos ricos. Mas sempre foi assim, se não tem pobres, não tem ricos, essa é a lógica”, explica o professor Ignácio
Martins. Ele, e outras dez pessoas se reuniram, ao final das confirmações, na Praça Altamira, local de encontro e de manifestações da oposição venezuelana. “Não vamos comemorar, para o governo não nos roubar o referendo”, justifica Martins, sem muito entusiasmo. A relações públicas Sosmaria Perez está confiante que haverá referendo: “Temos que tirar esse homem de qualquer jeito, nem que seja com uma intervenção dos Estados Unidos, como fizeram no Iraque. Não importa se vai morrer gente”, afirma. Noutro ponto da cidade, uma tímida manifestação de chavistas, com cerca de 200 pessoas, em frente ao CNE, comemorava a vi-
tória do governo. “Vamos ficar aqui até que anunciem que não haverá referendo. A maioria apóia este governo e o referendo é vontade de poucos”, comenta a enfermeira Francia Urdaneta. Diante da possibilidade do CNE convocar um plebiscito nacional, ela recorre à Constituição: “Se for a referendo, o presidente vai tranqüilo, porque ele não vai fraudar a Constituição, mas não tem problema, ganharemos mesmo assim”. Se a consulta popular for anunciada, dia 8 de agosto os venezuelanos vão às urnas decidir se o presidente Hugo Chávez termina seu mandato até 2007, ou se novas eleições serão convocadas no país.
HAITI
Brasileiros estão sujeitos a lei internacional Lígia Ximenes de Brasília (DF)
Os militares brasileiros que integram a força de estabilização da ONU no Haiti vão responder, no Tribunal Penal Internacional (TPI), pelos eventuais abusos cometidos contra prisioneiros de guerra e a população civil. A possibilidade é possível porque, embora tenha ratificado o Estatuto de Roma em 2002, o Brasil não tem legislação própria na área. “O anteprojeto ficou parado na Casa Civil o ano passado inteiro”, lamenta o jurista Tarciso Dal Maso Jardim, consultor do Senado. Em sua avaliação, embora esteja disputando espaço no cenário internacional, o Brasil continua defasado na delimitação de responsabilidades. “Um exemplo claro é o fato de ainda termos a pena de morte no Código Penal Militar, a ser aplicada em casos envolvendo traição, espionagem, motim ou covardia qualificada”, recorda. Jardim explica que, embora o direito de julgar seja do Estado, a inexistência de legislação torna o Brasil incapaz Estatuto de Roma – Norma internacional de 2002, que dá ao Tribunal Penal Internacional poderes para julgar crimes de genocídio, de guerra, de agressão e contra a humanidade. Tribunal Penal Internacional - Instituição permanente que, para exercer seu poder, necessita que o incriminado seja cidadão de um dos países que ratificou o Estatuto de Roma. Os Estados Unidos, por exemplo, não o fizeram, o que livra seus soldados de punição pelos abusos cometidos contra prisioneiros de guerra no Iraque.
Antonio Cruz/ABr
pesar da aparente tranqüilidade, atípica no cenário político da Venezuela, os três dias de confirmação (reparo) das assinaturas para tentar convocar um referendo revocatório do mandato do presidente Hugo Chávez foram marcados por pressões. Mesmo com os centros de confirmação vazios, a oposição se declara vitóriosa e está convencida de que conseguirá realizar um plebiscito nacional. O governo, por sua vez, se mostra tranqüilo. O presidente Chávez declarou que se as assinaturas forem consideradas válidas, “vai feliz a um referendo”. O fato é que a mesma estratégia utilizada em novembro, quando a oposição declarou ter coletado 4 milhões de assinaturas, foi repetida neste final de semana. “Os mortos se levantaram para votar”, ironizou o presidente da Junta Nacional Eleitoral, Jorge Rodríguez, diante das denúncias de que milhares de planilhas estavam sendo assinadas com documentos de pessoas falecidas. Cerca de duas mil cédulas de identidade falsificadas foram apreendidas pela Guarda Nacional, e denúncias de coação de trabalhadores por empregadores da CocaCola e de outras grandes empresas também foram levadas ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
Embarque de militares brasileiros para o Haiti, na Base Aérea de Brasília: agora, a lei é a internacional
de julgar, transferindo a responsabilidade para o Tribunal. Isso permite, em teoria, que um brasileiro seja punido com a prisão perpétua, uma das penas do TPI e não prevista pela lei nacional. “Este ano, voltamos a discutir o projeto, que deve ficar pronto em pouco mais de um mês”, justifica o jurista. A data prevista refere-se ao retorno do projeto à Casa Civil. No caso de até lá ocorrer algum incidente envolvendo soldados brasileiros, o julgamento ficará por conta do TPI.
DE OLHO NA ONU Para Jardim, a decisão de o Brasil mandar 1,2 mil homens ao Haiti, ao custo de R$ 150 milhões,
está relacionada à necessidade de aumentar sua participação no cenário internacional. “O assento permanente no Conselho de Segurança da ONU exige um posicionamento político claro, exige apoiar as ações das Nações Unidas. É isso que é o envio de tropas”, avalia. Em 1° de junho, quando o país assume o comando da Força de Estabilização da ONU por ter enviado o maior contingente de soldados, diz Jardim, os desafios passam a ser maiores. “Vai ser necessária uma missão concertada, um gerenciamento de comandos de nacionalidades distintas”, avalia. Munidos com recursos de primeiros-socorros e pistolas de 9 milímetros, os soldados brasileiros
devem enfrentar dificuldades. “Eu sei que houve um certo preparo, de alguns conhecimentos de direito internacional humanitário, mas a situação exige mais do que isso. Tem que estar muito preparado para não tomar uma decisão errada”, destaca o jurista. A respeito da suspeita de envolvimento dos Estados Unidos na deposição do presidente haitiano Jean-Bertrand Aristides, ele diz: “Há uma série de informações cruzadas e contraditórias. Se for uma intervenção indevida e o Conselho de Segurança endossa, neste caso nós vivemos num mundo bastante perigoso, porque é o fim do multilateralismo nas relações internacionais”.
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INTERNACIONAL PALESTINA
A luta diária por trabalho e pela vida
Trabalhadores de Qalqilya organizam acampamentos e resistem ao confisco de suas terras por soldados israelenses
“V
iver na Palestina é assim: morrer ou lutar”. Se não tivesse lutado, o trabalhador rural palestino Shareef Khalid teria perdido tudo o que tinha. Dono de uma pequena propriedade em Jayyouz, na região de Qalqilya, no Nordeste da Palestina, ele foi expulso de sua terra por soldados israelenses, no final dos anos 90. Já em 1988, 45% de sua fazenda foi confiscada para a construção de uma base militar. No mesmo período, 130 agricultores da região perderam suas propriedades. Segundo o governo israelense, as terras foram expropriadas porque não eram boas para a agricultura, pois eram constituídas em mais de 50% por pedras, e podiam ser usadas como depósitos de armas. Khalid relata que, em sua fazenda, os soldados israelenses descarregaram toneladas de entulho para justificar o confisco. Durante alguns meses, os camponeses Corte Internacional de Justiça - Instituisobreviveram ção da Organização com a ajuda das Nações Unidas de amigos e (ONU) cuja função é familiares, investigar e resolver conflitos internaciomas decidiram nais. recuperar suas propriedades. “Percebemos que deveríamos nos organizar e lutar para reaver o que é nosso e ter o direito de trabalhar”, explica Khalid. Os camponeses montaram acampamentos nas terras confiscadas e recuperaram as plantações, muitas delas destruídas pelos soldados. Cada trabalhador ficou responsável por uma tarefa, como manter a segurança das terras e negociar com
lhar suas terras. “Muitas pessoas não moram em suas fazendas e não conseguem vistos para entrar nessas terras. Em alguns casos, as propriedades foram confiscadas para que o muro fosse construído, arrasando plantações e destruindo o solo”, relata Khalid. Por não ter o visto, ele ficou proibido de entrar em sua fazenda de julho a outubro de 2003. Quando conseguiu o documento, descobriu que parte de sua plantação tinha sido incendiada. “O que os soldados fazem nos revolta, mas a forma de vencê-los é continuar a vida, trabalhando e nos organizando”, afirma. Desde a construção do muro, 19 camponeses de Jayyouz, cujas terras foram confiscadas, montaram um acampamento de resistência e continuam em suas propriedades, apesar de receber freqüentes ameaças.
Fotos: João Alexandre Peschansk
João Alexandre Peschanski de Qalqilya (Palestina)
Agricultores de Qalqilya estão cercados por barreiras montadas por soldados israelenses
trabalho”, diz Khalid, que produz azeitonas, pepinos, pêssegos e tomates.
CONTRA O MURO
O camponês palestino Shareef Khalid
os soldados israelenses. A união dos camponeses levou à criação de um sindicato, o Comitê de Defesa da Terra, do qual participam cerca de 500 pessoas. Em 2001, com a ajuda de organizações internacionais, os camponeses conseguiram recuperar suas propriedades. “Vencemos e conseguimos um direito básico: o
Em agosto de 2003, o primeiroministro de Israel, Ariel Sharon, iniciou a construção de muros e barreiras eletrocutantes, cercando completamente Qalqilya, onde moram 40 mil pessoas. Para sair da região ou até mesmo se locomover dentro dela, os palestinos precisam pedir um visto – quase sempre recusado – ao governo israelense. O trabalhador rural Rafiq Mara´abi, do vilarejo Rastira, acredita que toda a região se tornou uma grande prisão. Por não ter o visto de locomoção, há quase dois anos ele não vê suas duas irmãs,
que moram em uma cidade vizinha, Wadi Rasha. Mara´abi preside uma organização local de luta contra o muro. Como não há escola e hospital em Rastira, o grupo articula essas instituições. “As aulas são dadas pelos próprios moradores, geralmente pelas pessoas mais idosas do vilarejo, e o atendimento hospitalar por estudantes, que aprendem a tratar doenças pelos livros que recebem de estrangeiros que vêm para cá”, explica Mara´abi. A organização também coleta documentos e provas sobre a violência dos soldados israelenses para enviá-los a pessoas ligadas à Corte Internacional de Justiça. Em Jayyouz, dezenas de camponeses não podem mais traba-
SOLIDARIEDADE CAMPONESA Por conta do muro e do controle militar, os agricultores de Qalqilya não conseguem vender a maioria de seus produtos. “Íamos para feiras em comunidades vizinhas, até mesmo em cidades de Israel, e agora não podemos sair daqui”, afirma Khalid. Toda semana, ele distribui gratuitamente parte de sua produção para mercados da região. Apesar de ações como a de Khalid, Qalqilya é um dos locais mais pobres da Palestina. Pelo menos 50% das terras da região foram confiscadas pelos soldados israelenses e 5 mil famílias palestinas vivem, desde 2003, em campos de refugiados. O desemprego atinge 63% da população. “Para reverter isso, há duas formas: continuar trabalhando e resistir à ocupação do país”, conclui Khalid.
IRAQUE
Vinícius Rodrigues Vieira de São Paulo (SP) À medida em que se aproxima o dia 30 de junho, data acertada pelos Estados Unidos para a devolução do poder aos iraquianos, uma pergunta inquieta os ativistas ligados à defesa dos direitos humanos: como o ex-ditador Sadam Hussein será julgado pelos crimes que cometeu durante os 24 anos de seu regime? Para o especialista em Direito Internacional, Tarciso Del Maso Jardim, o mundo corre o risco de assistir a um julgamento de cartas marcadas. “Espero que haja, no Iraque, instituições capazes de realizar um julgamento imparcial, mas, pelo andar da carruagem, duvido que isso ocorra”, afirma. Jardim diz que é fundamental o ex-ditador ter direito a defesa, com advogado próprio, não indicado por terceiros. Além do mais, é necessário que os juízes indicados para o tribunal sejam isentos. Apesar de avaliar como remotas as possibilidades de haver um julgamento conforme os preceitos legais no Iraque, o especialista acredita que o país é o mais indicado para conduzi-lo. Outra hipótese seria submeter o caso ao Tribunal Penal Internacional, porém a maioria dos crimes cometidos por Sadam são anteriores a julho de 2002, época em que o tribunal foi estabelecido. Além do mais, nem o Iraque nem os Estados Unidos ratificaram o Tratado de Roma, que criou a instituição. A princípio, o tribunal só pode julgar crimes cometidos nos territórios dos Estados signatários do referido tratado, bem como os praticados por indivíduos que detêm nacionalidade daqueles, ou ainda, os denunciados pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
Hussein Malla/AFP
Especialista duvida de julgamento imparcial
Iraquianos pedem a retirada das forças invasoras dos Estados Unidos e seus aliados
Jardim ainda cita a possibilidade de um Estado qualquer julgar Sadam. Isso seria possível com base nas Convenções de Genebra, que versam sobre crimes de guerra. “As violações às Convenções de Genebra podem ser julgadas internamente por qualquer Estado do
mundo. Basta vontade e coragem”, afirma. O ex-ditador praticou várias dessas violações nos conflitos contra o Irã (1980-1988) e o Kuait (1990-1991). No entanto, como o especialista pondera, se isso ocorresse, “poderia haver incitação a novos conflitos (no Iraque)”, uma
vez que representaria uma afronta à soberania do país. “Por exemplo, se os Estados Unidos julgassem Sadam, isso seria explosivo sob o ponto de vista político”. Assim, diz Jardim, a saída mais razoável seria a criação de um tribunal ad hoc pelo Conselho de Segurança da ONU. Essa espécie de tribunal é criada para julgar casos específicos, tal como ocorreu com os crimes de guerra praticados na antiga Iugoslávia pelo ex-presidente Slobodan Milosevic e seus partidários contra minorias étnicas durante os anos 90. Porém, para sua criação, seria necessária a aprovação de todos os integrantes permanentes do conselho, entre eles Estados Unidos e Reino Unido, principais países da coalizão que vem ocupando o Iraque desde abril de 2003.
NOVOS CRIMES Consultor do Senado Federal nas áreas de Relações Internacionais e Defesa Nacional e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha
(CICV) e participante das negociações de criação do Tribunal Penal Internacional, Jardim diz que está prevista para 2009 a revisão da lista de crimes que a instituição pode julgar. Atualmente, apenas genocídio, crimes contra a humanidade, que, na definição do especialista “são violações generalizadas ou sistemáticas contra civis”, como a prática de tortura, e crimes de guerra figuram na relação de crimes que estão sob a alçada do tribunal. “Um dos crimes que podem ser incluídos é o de agressão: é quando um Estado viola a soberania de outro”, afirma, citando como exemplo a própria ocupação do Iraque. Porém, só poderão ser julgadas as agressões praticadas após a inclusão desse tipo de prática na lista da instituição. Outros crimes cogitados nas discussões relacionadas à expansão da esfera de atuação do Tribunal Penal Internacional são o tráfico de entorpecentes e a prática de atos terroristas, tanto da parte de Estados, como de grupos isolados, sejam eles de natureza política ou não.
CENSURA
Liberdade de imprensa; não para a Al Jazeera Emad Mekay de Washington (EUA)
O governo dos Estados Unidos apresentou alguns termos duros contra a liberdade de imprensa quando divulgou timidamente, em maio, seu informe anual sobre o estado dos direitos humanos no mundo. O subsecretário de Estado assistente para Democracia e Direitos Humanos, Lorne Craner, disse que a rede de televisão árabe Al Jazeera incitava a violência contra as forças
estadunidenses no Iraque ocupado. “Somos extremamente tolerantes à crítica, mas incitar a violência é outra coisa”, advertiu Craner. As acusações de Craner foram as últimas de uma série de medidas do governo estadunidense para amordaçar essa rede de televisão do Catar, a mais popular do mundo árabe. A Al Jazeera conseguiu, na corrida pela informação, vencer muitos meios de comunicação dos Estados Unidos na cobertura da invasão do Iraque e a subseqüente ocupa-
ção desse país. Essa rede, cujas transmissões começaram em 1996, enfureceu tanto seus competidores estadunidenses quanto o governo do presidente George W. Bush, mesmo antes da invasão lançada no ano passado como primeiro passo para “democratizar” o Oriente Médio. Dia 21 de maio, o assistente de câmera da emissora, Rashid Hamid Wali, morreu baleado durante o combate pela cidade de Karbala. Em várias oportunidades, correspondentes da Al Jazeera foram
censurados pelas autoridades da ocupação no Iraque, que chegaram a proibir que participassem de entrevistas coletivas. Também o governo de Israel questionou a transmissão pela Al Jazeera de imagens mostrando o sofrimento do povo palestino. Analistas estadunidenses avaliam que o ataque de Washington terá conseqüências negativas, tanto para a liberdade de imprensa quanto para sua própria estratégia no Oriente Médio. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Namíbia desapropria terras de brancos da Redação
A
exemplo de seu vizinho Zimbábue, a Namíbia, país da África Austral, resolveu fazer reforma agrária desapropriando grandes latifúndios pertencentes à minoria branca. Em abril, o governo namibiano pediu ao Zimbábue o envio de peritos de gestão fundiária para preparar a operação de desapropriação dessas terras, segundo a agência de notícias africana Panareis. A maior parte da comunidade negra do país não tem acesso à terra. A intenção do governo de Sam Nujoma seria distribuir terras aos camponeses sem-terra. Desde fevereiro, o Ministério da Reforma Agrária do país já enviou a pelo menos dez proprietários comunicado solicitando a avaliação dos mesmos quanto ao valor de suas propriedades, manifestando a intenção governamental de adquirir as terras. A Conferência da Terra, que ocorreu em 1991, determinou que todas as fazendas improdutivas e aquelas pertencentes a estrangeiros seriam as primeiras na lista da reforma. O governo justifica a desapropriação como uma ação baseada nos termos do Ato de Reforma Agrária, Agricultura e Comércio, de 1995, que visa obter em nome do interesse público, e de acordo com as previsões do Ato, terra
Jutta Dobler/AFP
A exemplo dos vizinhos zimbabuanos, governo namibiano quer reparar injustiça contra população negra
Mulher da etnia herero em traje tradicional na festa de dez anos da Independência da Namíbia, 21 de março de 2000
agriculturável a ser cultivada por namibianos que estejam social, econômica e educacionalmente em desvantagem causada por leis e práticas discriminatórias do passado. De acordo com a agência All Africa, em março, o primeiro-ministro Theo-Ben Gurirab anunciou que o governo desapropriaria terras
para redistribui-las entre os 240 mil namibianos sem-terra. Desde que a reforma agrária começou, em 1995, o governo adquiriu 124 fazendas, totalizando 700 mil hectares, muito pouco se considerada a meta de 9,5 milhões de hectares em cinco anos. Apenas 30,7 mil namibianos
sem-terra foram assentados em 2003. Os críticos alegam que a reforma agrária no país tem caminhado com excessiva lentidão desde a independência em 1990, relegando a maioria da população a morrer de fome. Entre 1890 e 1915, o território da Namíbia pertenceu à Alemanha. Entre 1915 e 1990, o
país ficou sob o domínio da África do Sul da era do apartheid, regime de segregação racista. A pressão popular vem aumentando desde o ano passado. Nos últimos meses, agricultores sem-terra ameaçaram invadir fazendas comerciais, numa ação que chamam de “partilha da terra e não confisco”. O sistema de reforma agrária na Namíbia é baseado na prioridade que o Estado tem de comprar terras de fazendeiros. Mas o governo tem se queixado de que os proprietários inflam os preços da terra, e optou pelo processo de desapropriação daquelas consideradas improdutivas ou que são cenários de conflitos trabalhistas. A Constituição da Namíbia fala em “compensação justa” a ser paga por propriedade desapropriada. O presidente da União dos Agricultores da Namíbia, Jan de Wet, que representa os fazendeiros, tem dito à imprensa africana que o anúncio da desapropriação é uma atitude eleitoreira do governo de Sam Nujoma e seu partido a Swapo. A Namíbia terá eleições presidenciais este ano. O primeiro-ministro TheoBem Guriab responde dizendo que a desapropriação visa acelerar a reforma agrária e afirma que os fazendeiros serão justamente compensados, conforme a Constituição do país.
Ativistas condenam Zimbábue em direitos humanos Rosemary Nalisa de Gaborone (Botsuana) Ativistas de direitos humanos do Zimbábue, presentes a uma conferência internacional na capital de Botsuana, Gaborone, em março, exigiram dos governos africanos uma condenação enérgica da violação dos direitos humanos no Zimbábue. A reunião bienal da Aliança Mundial pela Participação Cidadã (Civicus) reuniu centenas de representantes de organizações de todo o mundo sob o lema “Atuar juntos por um mundo justo”. A Civicus, com sede em Joannesburgo, é uma coalizão de grupos que procuram reforçar a ação cidadã e a sociedade civil no mundo. Os ativistas do Zimbábue presentes à reunião questionaram a eficácia da “diplomacia pacífica” para com o governo de Robert Mugabe implementada pela Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês) “Queremos ver muito mais críticas. Queremos que os governos da África, especialmente os da SADC, sejam um pouco mais enérgicos e críticos sobre a crise no Zimbábue”, disse à IPS a ativista dos direitos femininos Everjoice Win.
FAZENDAS OCUPADAS O Zimbábue chama a atenção do mundo desde o início de 2000, quando veteranos da guerra pela independência, que terminou há 20 anos, começaram a ocupar fazendas de propriedade de agricultores da minoria branca, que possuíam as melhores terras e as maiores benfeitorias. Os críticos acusam Mugabe de ajudar a organizar as invasões de fazendas, mecanismo fundamental da reforma agrária iniciada naquele mesmo ano, para desviar a atenção das atividades repressivas de seu governo. A violência pré-eleitoral e as denúncias de fraude mancharam as eleições parlamentares de 2000 e
as presidenciais de 2002, das quais Mugabe saiu vitorioso. Everjoice Win disse que a atitude omissa dos líderes africanos a respeito da crise no Zimbábue contradiz a Declaração dos Direitos Humanos e dos Povos vigente no continente desde 1986.
HERÓI MUGABE A ativista reconhece que a atuação de Mugabe na guerra pela liberação do Zimbábue, ex-colônia britânica, independente desde 1980, pode estar por trás do enfoque cauteloso de seus pares africanos. “Trata-se do líder de um dos mais célebres movimentos de liberação do continente; e as conquistas econômicas e sociais que o Zimbábue alcançou nos primeiros 10 anos de independência não podem ser ignorados”, observou. Nos últimos meses, o governo do Zimbábue promulgou leis que, segundo os ativistas, têm servido para reprimir e calar dissidentes, entre as quais a Lei sobre o Acesso à Informação e de Proteção da Privacidade e a Lei da Ordem e da Segurança Pública. O secretário geral da Civicus, Kumi Naidoo, também se manifestou contra a “diplomacia pacífica” e observou que os zimbabuanos não seguiram esse caminho durante a luta da África do Sul contra o apartheid, o regime de segregação racial oficial que vigorou ali até 1994. “As medidas tomadas por líderes africanos e suas opiniões sobre o renascimento da África não se traduzem no que está acontecendo no Zimbábue. Os líderes africanos devem ser audazes e tomar a iniciativa no que tange a essa questão”, de modo a mostrar ao mundo que o continente apóia verdadeiramente os critérios do bom governo. Outros ativistas presentes à conferência também enfatizaram que os próprios zimbabuanos deveriam atuar com mais firmeza contra o governo. A população deveria usar todas as plataformas a sua disposição para atender a esses assuntos. Es-
tudantes, líderes religiosos e acadêmicos deveriam tomar a dianteira”, afirma Thami Ngwenya, do Centro de Participação Pública, com sede em Durban, África do Sul. Ngwenya também pediu para considerar a situação da Suazilândia, a última monarquia absolutista do continente, onde a atividade dos partidos políticos está suspensa desde 1973. A Civicus ainda concentrou sua atenção no Banco Mundial, cujas recomendações não têm gerado benefícios para a população dos países em desenvolvimento, segundo os ativistas que assistiram à conferência em Gaborone.
BANCO E FRACASSO “O Banco deve abrir suas instituições e acolher as queixas das massas. Seu enfoque tem se revelado mais prejudicial do que favorável”, disse a presidente do Fórum das Organizações Não Governamentais da Namíbia, Sandy Tjaronda. O líder da Coalizão Social Watch, da Índia, John Samuel, acrescentou que o vínculo entre o Banco e a sociedade civil é marcado pela desilusão e a frustração. “Nós, das organizações nãogovernamentais, queremos saber quem estabelece os termos do relacionamento entre o Banco Mundial, a sociedade civil e os governos. A sociedade civil e o Banco Mundial devem reconhecer-se como sócios, pois ambos lutam contra a pobreza e pelo desenvolvimento”, disse. O vice-presidente do Banco, Ian Goldin, disse na conferência da Civicus que a instituição trata de fortalecer seu vínculo com a sociedade civil. Goldin afirmou que a globalização é o melhor caminho rumo ao desenvolvimento, mas somente se for um processo generalizado. “A globalização não pode beneficiar a muitos pobres que sofrem a imposição das barreiras comerciais dos países ricos, que têm políticas hipócritas”, afirmou. (IPS www.envolverde.com.br)
África Austral pede fim de sanções ao país da Redação A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) reforçou apoio, no final de maio, à suspensão das sanções impostas ao Zimbábue e exortou a comunidade internacional a abrir um diálogo construtivo com o país. O comitê ministerial para cooperação política, de defesa e segurança da SADC, reunido em Maputo, afirmou também que não se justifica a continuidade das sanções, as quais afetam os zimbabuanos e têm profundos efeitos negativos na região. O Zimbábue, país da África Austral, tem sido submetido a medidas punitivas pela União Européia e pelos Estados Unidos por aplicar uma lei de reforma agrária em prol da população nativa, que carece de terras para cultivar. A legislação limita o tradicional privilégio de fazendeiros de origem européia, especialmente
ingleses, que desfrutavam de grandes latifúndios das melhores terras zimbabuanas. Depois de reafirmar o caráter indivisível do grupo, o comitê manifestou a solidariedade dos países da região para com o Zimbábue e a gratidão ao apoio da comunidade internacional diante da crise humanitária que persiste na África Austral. O comitê recomendou também a criação de um grupo de trabalho integrado por peritos com o objetivo de analisar os aspectos relacionados à contribuição que a região pode oferecer ao desenvolvimento de uma política de defesa e segurança em comum na África. Fazem parte da SADC, Angola, África do Sul, Botsuana, Lesoto, Maláui, Maurício, Moçambique, Namíbia, República Democrática do Congo, Seychelles, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. (Prensa Latina www.prensa-latina.com.br)
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AMBIENTE TRANSGÊNICOS
Monsanto sofre nova derrota
Conselho de Ética do Conar confirma: transnacional engana o consumidor e propaganda fica fora do ar Depois de avaliação, no dia 25 de maio, o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) não acatou o recurso da Monsanto do Brasil e continuou considerando enganosa a campanha publicitária favorável aos transgênicos. O recurso da transnacional tramitava na 1ª Câmara do Conselho de Ética, desde 5 de fevereiro, e tentava reverter a proibição da campanha “Monsanto – Se você já pensou num mundo melhor, você já pensou em transgênicos”. A campanha da Monsanto, desenvolvida pela Fischer América, foi veiculada nas principais mídias, a partir de dezembro de 2003. Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a campanha transmitia afirmações de cunho científico passíveis de dúvidas e que não constituíam, conforme queria a Monsanto, a opinião unânime da comunidade científica, da sociedade civil e dos próprios órgãos governamentais.
aliás, contradiz o próprio pedido da Monsanto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o aumento do limite máximo de resíduos tóxicos em 50 vezes do atualmente autorizado para a soja convencional. Além disso, a veiculação da campanha de cunho institucional – que visa promover as marcas da Monreprodução
da Redação
santo, uma produtora estadunidense de alimentos geneticamente modificados e de agrotóxicos – estaria induzindo os cidadãos a praticar condutas ilícitas. No Brasil, é proibida a produção e a comercialização de alimentos transgênicos, sem o devido licenciamento ambiental, com exceção da soja transgênica irregularmente plantada em alguns Estados.
A 1ª Câmara do Conselho de Ética do Conar havia acolhido parcialmente a representação formulada pelo Idec, além das manifestações da população e de entidades não-governamentais, por entender que a campanha da Monsanto apresentava afirmações “de caráter peremptório, totalitárias e que, portanto, deve-se adequar aos
ditames do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, com a modificação, ou supressão, dos termos e informações passíveis de questionamentos e contradições que possam induzir os cidadãos a erro quanto a tema dos transgênicos, além de incentivar a prática de ilícitos pelo público-alvo”. (Idec, www.idec.org.br)
Montagem com anúncios da Monsanto proibidos de circulação, mais uma vez, pelo Conar
MENTIRA PUBLICITÁRIA Segundo o Conar, a publicidade associava os alimentos transgênicos a uma suposta melhoria da qualidade de vida, da saúde humana e do meio ambiente, além de uma improvável redução no uso de agrotóxicos. Essa afirmação,
ESPÍRITO SANTO
Moradores denunciam Aracruz Erick Schunig de Vitória (ES)
ANÁLISE
A farsa na mina de Capão Xavier
Frei Gilvander Moreira de Belo Horizonte (MG) O pseudodesenvolvimento humano está colocando em risco a harmonia e convivência dos diversos seres vivos. Exemplo recente é o caso da mina de Capão Xavier, de propriedade da MBR – Minerações Brasileiras Reunidas S.A. A empresa insiste, há mais de 12 anos, em implementar o projeto em Nova Lima (MG). A exploração do minério de ferro de alto teor, durante os próximos 22 anos, é o grande problema, uma vez que a pretensa mina está sobre o grande aqüífero Ribeirões de Fechos, Catarina, Mutuca e Barreiro que abastece 320 mil pessoas, ou seja, 9% da população de Belo Horizonte e 7% da região metropolitana da capital mineira. Além do aqüífero, a região possui uma rica biodiversidade em animais, flora e espécies endêmicas, como é o caso do microcrustáceo com 500 milhões de anos, um verdadeiro fóssil vivo. Há também grutas como a de Capão Xavier, de rara formação, com 20 metros de profundidade (das 3.500 grutas cadastradas no Brasil, somente existem seis grutas semelhantes a ela).
PÚBLICO VERSUS PRIVADO Nesse caso, a questão é: mineração ou água? Trata-se de uma escolha. Ou água para consumo humano, para a flora e a fauna e para assegurar o abastecimento das futuras gerações, ou 173 milhões de toneladas de ferro de alto teor, com valor equivalente a R$ 6,5 bilhões, para a MBR, a Vale do Rio Doce e seus acionistas. Em Capão Xavier, o que deve prevalecer: o interesse público ou o privado?
Divulgação
Cerca de 300 moradores do distrito de Vila do Riacho, no município de Aracruz (ES), próximo às fábricas da Aracruz Celulose, denunciam violações de direitos humanos. A acusada é a empresa de segurança Visel – Vigilância e Segurança Ltda., prestadora de serviços para a empresa Aracruz. As denúncias foram feitas em assembléia, dia 19 de maio, em Vila do Riacho. Participaram representantes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rede Alerta Contra o Deserto Verde, Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e da Polícia Militar. Também estiveram presentes o presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, Cláudio Vereza (PT-ES) e representantes da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado. Os moradores relataram uma forte repressão da Polícia Militar e da Visel em relação às pessoas que retiram resíduos de eucalipto para a fabricação de carvão vegetal. A coleta de restos de madeira e galhos é fonte de renda para um grande número de famílias desempregadas em uma região onde houve total devastação da flora e fauna. Eles denunciaram que a abordagem é truculenta, com cerceamento do direito de ir e vir. Foram efetuadas prisões, inclusive de adolescentes, e materiais de trabalho ficaram retidos. De acordo com Isaías Santana, coordenador de relações políticas e institucionais do MNDH, as denúncias são graves e as tentativas de defesa, inibidas pelos repressores. Segundo ele, o MNDH, a Rede Alerta Contra o Deserto Verde e lideranças da comunidade vão fazer um pedido à Polícia Federal para verificar a legalidade das ações da Visel e encaminharão um pedido de audiência para a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, para tentar esclarecer os atos de violência.
Vistas da mina de Capão Xavier, que está sobre aquífero
Sabemos que as explorações minerárias da MBR já destruíram parte do patrimônio histórico natural de Minas Gerais – a Serra do Curral e o Pico do Itabirito. Essas explorações secaram nascentes do Clube Campestre e, em Macacos, prejudicaram diversos mananciais, inclusive na cidade de Itabirito. Deixaram uma enorme cratera, sem recuperação, em Águas Claras, e fizeram estragos ambientais em Tejuco, no município de Brumadinho. A MBR tem sido denunciada e autuada por diversos danos ambientais e omite informações aos órgãos ambientais e à população de Belo Horizonte. A despeito de tudo isso, afirma que “vem minerando desde 1961 com responsabilidade ambiental.” Só acredita nisso quem não conhece o passado da mineradora.
DESTRUIÇÃO À VISTA Um dos piores legados que a MBR quer deixar, em Capão Xavier, é um lago, apresentado como a grande solução para a preservação das águas. O “estudo de avaliação ambiental”, entregue pela mineradora à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e Conselho
Estadual de Política Ambiental (Copam), decreta o sepultamento definitivo do projeto no local, pois nele estão evidentes os riscos ambientais a que estará exposta a população da cidade. Hoje, ali nascem águas de classe especial. As águas do futuro lago serão de classe 2. Há a previsão do aparecimento de gás sulfídrico, de odor repugnante; de algas azuis, as chamadas cianofíceas, cujo metabolismo transforma nutrientes em gases; e de formações altamente tóxicas, como o próprio cianureto letal. Fenômeno ainda mais grave que ocorrerá de forma natural, ao longo do tempo, é a eutrofização, ou seja, água com superalimentação de nutrientes. Será responsável pela formação no ambiente lacustre de cheiro e odor repugnantes, tornando o lago impróprio até mesmo para o banho. As águas de ambientes eutrofizados apresentam graves problemas para tratamento, tornando inviável o seu aproveitamento. O fato de não existir, em águas temperadas, lagos com tal profundidade torna a proposta uma arriscada aventura. Estudos da consultoria Frasa, apresentados à Feam e ao Copam,
mostram que se a mineração de Capão Xavier for iniciada, as águas do manancial de Fechos terão sua vazão natural reduzida em 40% e os mananciais de Catarina e Barreiro, em torno de 20%, além de impactos irreversíveis em sua zona de proteção. Assim, vai ferir flagrantemente a Lei Estadual nº 10.793/92, que proíbe a instalação de atividades extrativas minerais sobre bacia de mananciais de abastecimento público. Tal atividade coloca em risco a qualidade das águas, não apenas em níveis mínimos, mas em níveis elevados. Diante da vedação legal, a mineradora teceu uma rede de convênios, acordos e documentos para burlar as leis ambientais. No entanto, a Feam e o Copam concederam as licenças para a operação da mina, em um processo viciado, pois pessoas comprometidas com os interesses da MBR participaram da votação. Não tinham isenção para decidir sobre o assunto. Por isso, os atos administrativos estão sendo argüidos nas Justiças estadual e federal e o projeto continua suspenso por força de liminar. Mais informações: www.capaoxaviervivo.org, movimento@capaoxaviervivo.org
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DEBATE RUMOS DO GOVERNO
Lula na China: a Periferia da Periferia
Reinaldo Gonçalves
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a semana em que foram divulgados resultados medíocres da economia, a máquina de propaganda do governo e boa parte da imprensa concentraram-se na viagem de Lula à China. O crescimento do PIB brasileiro de 2,7% no primeiro trimestre revela, simplesmente, que o Brasil de Lula continua andando para trás, pois a economia dos EUA avançou mais de 4%, enquanto a previsão para a economia mundial é de crescimento superior a 3,5%. Como resultado desse desempenho medíocre da evolução da produção, os dados do IBGE mostraram aumento da taxa de desemprego em abril. Na viagem de Lula à China – civilização milenar que, inclusive, é a origem dos fogos de artifício – os “pirotécnicos” do Planalto ficaram extasiados com os resultados. Esses pirotécnicos, que conduzem parte da política externa de Lula, são responsáveis pelas quatro dezenas de viagens de Lula ao exterior, com resultados pífios do ponto de vista da inserção ativa do país no cenário internacional. Essas viagens têm benefícios altamente questionáveis e se restringem a somente dois aspectos: (1) a chamada diplomacia de projeção pessoal do Excelentíssimo Senhor Presidente da República; e, (2) na política interna, como manobra diversionista pelos resultados negativos da gestão econômica e da política social. As notícias sobre as negociações mostram claramente a ilusão da política externa de Lula. O governo brasileiro divulgou que foram negociados contratos de longo prazo com a China, de forma a que o Brasil se torne grande fornecedor de álcool, soja, madeira, minério de ferro e produtos siderúrgicos. Houve negociações também para a venda de urânio (minério), bem como a atração de investimentos chineses para a área de infra-estrutura (transporte e portos). Na perspectiva da política de “exportar a qualquer custo”, essas negociações são aparentemente positivas. Ademais, a viagem de Lula à China parece contradizer a crítica freqüentemente feita a Lula de que ele não tem na cabeça um projeto de Brasil, e sim um mesquinho projeto de poder. Nesse sentido, a ofensiva brasileira para obtenção de inúmeros contratos de exportação e captação de investimentos chineses parece indicar que Lula tem um projeto de crescimento orientado para o exterior. AINDA OS PRIMÁRIOS
Entretanto, numa perspectiva de desenvolvimento econômico e social de longo prazo, a viagem de Lula dá motivos para grandes preocupações quanto ao futuro do Brasil. Na realidade, tanto a política multilateral de Lula, focada na abertura de mercados externos para as exportações agrícolas brasileiras, como esta iniciativa bilateral na China indicam que o modelo de Lula para o Brasil parece ser o de “Periferia da Periferia”. Ou seja, enquanto a China melhora cada vez mais seu padrão de comércio exterior e, portanto, se move do Terceiro para o Segundo Mundo, Lula contenta-se em fazer com que o Brasil se torne fornecedor de produtos primários para um país do Terceiro Mundo. Este é o “Modelo Periferia da Periferia”, que está implícito na política econômica externa de Lula, tanto no plano multilateral como bilateral. Se o Brasil for bem-sucedido nas negociações agrícolas, haverá o aprofundamento do processo
de reprimarização da pauta de exportações do país, ou seja, a presença crescente das commodities agrícolas nas exportações. Como se sabe, essas commodities envolvem grandes riscos, como a volatilidade de preços, protecionismo crônico e baixo crescimento da demanda. É verdade que, nos últimos dois anos, temse observado uma tendência de aumentos expressivos de preços desses produtos no mercado internacional, mas é ainda mais verdadeiro que a experiência histórica indica que haverá uma reversão dessa tendência no futuro próximo. Não é por outra razão que, no mesmo momento em que Lula se vangloria de estar se tornando um grande fornecedor de produtos primários para a China, vários países em desenvolvimento fazem pressões na Organização Mundial do Comércio para que se criem mecanismos de redução dos custos associados à dependência desses países com relação à exportação de produtos primários. A reprimarização da pauta de exportações por meio da política de exportar produtos primários a qualquer custo tem uma primeira e evidente implicação: aumenta a vulnerabilidade externa do Brasil na esfera comercial. E, portanto, reduz o grau de liberdade do país para ter uma política externa independente. INVESTIMENTOS CHINESES
Como se isto não bastasse, Lula vangloria-se de ter atraído investimentos chineses para a área de infra-estrutura por meio do chamado programa Parceria Público-Privada. Este programa significa, entre outras coisas, que o investimento externo direto controlará um setor de produtos não-comercializáveis internacionalmente e que terá uma taxa garantida de investimento. O primeiro aspecto refere-se ao fato que empresas estrangeiras controlam serviços de utilidade pública e de infra-estrutura que têm receita em moeda nacional, mas têm despesas em dólares (remessas de lucros). Cria-se, assim, uma pressão perpétua sobre o balanço de pagamentos e transfere-se para o exterior decisões de investimento em áreas estratégicas. O segundo aspecto trata de garantir para o investidor externo uma taxa mínima de retorno, ou seja, ausência de risco. Esse tipo de mecanismo retrógrado usado por D. Pedro II no século 19, que elimina riscos para o capitalista, significará subsídios do governo para os investidores estrangeiros e deverá ter sérias conseqüências sobre as finanças públicas. Para ser mais preciso, imaginemos a seguinte situação: o Brasil faz contratos de longo prazo de exportação de soja para a China e atrai investimentos desse país para o setor de infra-estrutura. Contrato de longo prazo significa, na prática, desconto sobre o preço do produto. Naturalmente, esse custo tem
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correspondência na garantia de mercado. Entretanto, o contrato de longo prazo não garante estabilidade de receita, pois os preço das commodities são determinados pelo mercado internacional. Ademais, empresas chinesas investirão em transportes e portos no Brasil para escoar a soja exportada. Muito provavelmente, esses investimentos serão, em parte, financiados pelo BNDES, o que reduz os recursos disponíveis para outras áreas. O risco, então, é que as empresas chinesas controladoras de ferrovias e portos, reduzam os preços de seus serviços, o que repercutirá no preço mais baixo da soja brasileira exportada para a China. O resultado provável é que essas empresas chinesas na infra-estrutura econômica tenham prejuízo e, conseqüentemente, o governo federal entregará títulos públicos para compensá-las pelo prejuízo, ou seja, haverá a garantia do retorno sobre o investimento externo. Em síntese, o povo brasileiro subsidiará a exportação de soja para a China. O “Modelo Periferia da Periferia” de Lula significa, ademais, a consolidação de estruturas, relações e processos econômicos retrógrados. A exportação de soja tem um custo de oportunidade extraordinário, pois a terra usada para produzir o grão poderia ser orientada para o cultivo de produtos agrícolas para consumo no mercado interno. Ao promover e subsidiar o modelo primárioexportador, Lula consolida uma estrutura fundiária retrógrada, voltada para o agronegócio e a grande propriedade. SAMBA-ENREDO
Frente à turbulência internacional, o governo Fernando Hernique tentou seguir a linha de menor resistência, uma fuga pela lateral. Para isso, montou bombas de efeito retardado que foram explodindo uma após a outra. A última bomba foi o acordo com o FMI em agosto de 2002. O resultado das escolhas estratégicas equivocadas e dos erros de política econômica do governo FHC é a espada de Dâmocles da vulnerabilidade externa – uma bomba de efeito retardado com impacto devastador. Empurrar com a barriga só agravou o problema. Aqui reside o pecado original de Lula.
O grande desafio do Brasil no início do século 21 passa pela escolha de um dos três caminhos: (a) continuar numa trajetória medíocre, sobrevivendo temeroso entre turbulências internacionais; (b) mergulhar em uma crise profunda e desestabilizadora da ordem econômica, social e política, que agravará ainda mais o processo de exclusão social no país e envolverá risco de ruptura institucional; ou, (c) acabar com o casamento nefasto entre a globalização e o neoliberalismo, divórcio este que permitirá a luta efetiva contra a exclusão social. Lula optou pela primeira trajetória. O problema é que essa trajetória de linha de menor resistência faz com que aumente o risco do Brasil cair na segunda, ou seja, numa crise sistêmica. O argumento central é que se torna impossível uma política externa independente para um país que tem tido aumento da sua vulnerabilidade externa. Poder é a probabilidade de realizar a própria vontade, independentemente da vontade alheia. O poder na arena internacional, ou seja, o grau de independência da política externa, depende inversamente da vulnerabilidade externa do país. O fato grave a destacar é que o ajuste macroeconômico, as estratégias e as políticas econômicas de Lula têm provocado aumento da vulnerabilidade externa do Brasil nas dimensões comercial, produtivo-real, tecnológica e monetário-financeira. Portanto, no lugar do maior grau de liberdade para uma política externa independente, o agravamento da atual trajetória de instabilidade e crise está reduzindo ainda mais a probabilidade do país realizar sua própria vontade na arena internacional. A retórica de Lula e dos pirotécnicos do Planalto revela uma política externa marcada pela síndrome do samba-enredo, ou seja, muita alegoria e pouco enredo. Enquanto isso, a China realiza uma política externa independente com base em um modelo de inserção ativa no cenário internacional. LIÇÕES DA CHINA
O processo de reformas iniciou-se em 1978 e atingiu o conjunto da economia chinesa e suas instituições. Como resultado, a economia da China é a de maior
eficiência dinâmica do mundo. Eficiência dinâmica é a capacidade de sustentar elevadas taxas de crescimento no longo prazo. Esse conceito combina, assim, a importante questão estática (de curto prazo) relativa à alocação de recursos, com o dinamismo de longo prazo – rápida acumulação (altas taxas de investimento), crescimento do emprego, aumento contínuo de produtividade e absorção do progresso técnico. Naturalmente, a eficiência dinâmica da economia chinesa não eliminou incertezas críticas quanto ao futuro. Dentre as incertezas, pode-se mencionar: o aumento da desigualdade de renda, a crescente importância da demanda externa (exportações) e a dependência com relação ao mercado norte-americano (que absorve cerca de metade das exportações chinesas). Alguns analistas também chamam atenção para os riscos associados à “dinâmica elitista e de jogo de camarilhas própria de todo modelo burocrático”, que gera corrupção. A China tem uma economia mista, visto que menos da metade do fluxo de investimento é privado e que somente uma parcela minoritária da produção é controlada pelo capital privado. O sistema econômico é baseado na propriedade coletiva e estatal, ainda que a parcela do investimento privado no investimento total tenha crescido ao longo dos anos. O governo central e os governos provinciais têm sido particularmente ativos no sentido de promover a concorrência e, simultaneamente, regular o funcionamento do mecanismo de mercado num sistema econômico assentado na propriedade social da riqueza. Houve mudança importante no padrão de comércio exterior da China na medida em que a participação dos produtos manufaturados no total das exportações aumentou de 48% em 1983 para 83% em 1994, e para 87% em 1999. O aumento da competitividade chinesa nos manufaturados tem sido significativa. A China aumentou sua participação no comércio mundial de produtos manufaturados de 0,80% em 1980 para 1,85% em 1990, e 4,11% em 1999. A China entrou no século 21 com exportações de manufaturados no valor de aproximadamente 150 bilhões de dólares. O contraste com a situação brasileira não poderia ser maior. A partir de 1995, o Brasil não somente perde competitividade internacional nos produtos manufaturados, como também experimenta um processo de reprimarização da sua pauta de exportações. Assim, o dinamismo de comércio exterior da China é diametralmente oposto à inserção regressiva do Brasil no sistema mundial de comércio. A experiência chinesa tem mostrado que economias de porte continental, com ampla disponibilidade de fatores de produção e numa situação de efetivo controle das suas contas externas, podem implementar uma estratégia de ampliação tanto do mercado interno quanto do mercado externo, simultaneamente ao aumento das importações. Neste sentido, o comércio exterior funciona como um elemento, ainda que auxiliar, do processo de acumulação e de crescimento econômico, sem gerar problemas de estabilização macroeconômica e sem aumentar a vulnerabilidade externa do país. Como o Brasil tem que aprender com a China! Reinaldo Gonçalves é professor titular de Economia Internacional da UFRJ
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agenda@brasildefato.com.br
NACIONAL
I ENCONTRO DA DIVERSIDADE Dia 3 “Gênero e raça” será o tema do 1º Encontro da Diversidade, promovido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). A temática será debatida por Dione Moura, do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade de Brasília, e Rita Segato, da pós-graduação em Antropologia Social da mesma universidade. Local: SDS, Ed. Boulevard Center, bloco A, 3º andar, Brasília Mais informações: (21) 2220-5018, movintsoc@yahoo.com.br CONFERÊNCIA NACIONAL DA JUVENTUDE De 16 a 18 Depois das 27 conferências estaduais acontecidas no Brasil para discutir políticas públicas para a juventude, haverá em Brasília a conferência nacional para definir junto à Comissão Especial de Juventude, políticas necessárias para a juventude brasileira. Local: Câmara dos Deputados, Praça dos Três Poderes, Brasília Mais informações: (31) 3497-8599, leokoury@hotmail.com
ESPÍRITO SANTO II ENCONTRO DA REDE BRASILEIRA DE SOCIOECONOMIA SOLIDÁRIA Até dia 6 O objetivo do encontro é fortalecer o movimento da socioeconomia solidária no Brasil, por meio de uma troca rica e horizontal de experiências. Entre as atividades estão plenárias, seminários, debates, dinâmicas, grupos de trabalho, painéis e mostras de vídeo. Local: Rodovia do Sol, 01, Guarapari Mais informações: (27) 9942-4754 www.redesolidaria.com.br
RIO DE JANEIRO DEBATE - DIREITOS DA MULHER NO ACESSO AO EMPREGO Dia 4, das 14h às 16h Organizado pelo Movimento Interferência Social (MIS) e pelo Núcleo de Cidadania e Trabalho da Delegacia Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, o tema do debate será “A Convenção 111 e os direitos da mulher no acesso ao emprego”. Local: Av. Churchill, 94, 7º andar, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2220-5018, movintsoc@yahoo.com.br
RIO GRANDE DO SUL DEBATE - A GUERRA DO PARAGUAI 140 ANOS DEPOIS Até dia 13 Promovido pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o Ciclo Imaginário Vivo promoverá exposições e o debate “A guerra do Paraguai 140 anos depois”. Entre as atividades, haverá a palestra “Sob o olhar da imprensa e dos viajantes: mulheres paraguaias na Guerra do Paraguai”, baseada na dissertação de mestrado de Fernando Lares Ortolam. Entrada gratuita. Local: R. Sete de Setembro, 1020, Porto Alegre Mais informações: (51) 3221-9130, 9951-2869
DIA NACIONAL DOS CATADORES Dia 7, das 10h às 14h Haverá atividades em comemoração ao Dia dos Catadores em todas as capitais do país, organizadas pela Comissão Nacional do Movimento dos Catadores de Materiais Recicláveis. Local: Escadaria do Teatro Municipal, São Paulo Mais Informações: (11) 3209 3419 3208 5096, movimentocatadoressp@uol.com.br
SÃO PAULO ENCONTROS COM RUY DUARTE DE CARVALHO Dias 2 e 3, 19h30 Durante o encontro, organizado pela Casa das Áfricas e pelo Núcleo Interdisciplinar do Imaginário e Memória/Laboratório do Imaginário (Nime/Labi-USP), haverá palestras sobre o trabalho do antropólogo, poeta e ex-cineasta de Angola. Entre os temas debatidos nas palestras estão “Travessias da oralidade, veredas da modernidade” e “Literatura e antropologia: possíveis interferências”. Local: Vários, entre eles, a Pontifícia Universidade Católica (PUCSP), R. Ministro de Godoy, 984, 3º andar, São Paulo Mais informações: casadasafricas @casadasafricas.org.br LIVRO - ALFABETIZAÇÃO CULTURAL, A LUTA ÍNTIMA POR UMA NOVA HUMANIDADE Lançamento dia 3, 19h O livro de Dan Baron Cohen, com tradução de Ali Rocha e publicado pela Alfarrabio Editora, traz oito processos culturais coletivos ilustrados com mais de 600 fotografias inéditas e narrativas do convívio do autor com o povo Pataxó, com os camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e com comunidades da periferia urbana. O autor, nascido na Inglaterra, é formado em literatura inglesa com pós-graduação em teatro político pela Universidade de Oxford. Há seis anos residente no Brasil, colabora na formação de educadores comunitários e arteducadores. Local: R. Maria Antonia, 294, São Paulo Mais informações: (11) 6107-8357 ou 9182-6064. EXPOSIÇÃO - OS HORIZONTES DA FOTOGRAFIA: MEMÓRIA E
Uma radiografia da exploração As respostas dadas pelo capital à sua crise estrutural – das quais o neoliberalismo e a reestruturação produtiva podem ser consideradas as principais – estão trazendo conseqüências desastrosas ao mundo do trabalho, provocando enorme desemprego em todas as áreas de trabalho e regiões do planeta, precarizando, até o limite, as condições de vida dos trabalhadores (na verdade, acentuando a superexploração do trabalhador), degradando e destruindo o meio ambiente. Integrante da coleção “Trabalho e emancipação”, o livro O avesso do trabalho, organizado pelo professor Ricardo Antunes e pela professora Maria Aparecida Moraes Silva, nos oferece, em oito textos, “uma radiografia do mundo do trabalho no Brasil recente, particularmente depois da devastação neoliberal da última RESISTÊNCIA De 4 a 31 A exposição do fotógrafo Douglas Mansur é resultado do registro das transformações de assentamentos e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Estado do Paraná e do Movimento dos Sem Terra do Paraguai. Na abertura, dia 4, às 19h30, haverá um debate sobre fotografia e movimentos rurais na América Latina, com participação do professor Bernardo Mançano (Unesp), do coordenador do MST Gilmar Mauro, e do professor de fotografia da Unisantana, Erivam de Oliveira. Local: Ação Educativa, R. General
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DISTRITO FEDERAL
SÃO PAULO
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MOMENTO CRÍTICO Os internautas acabam de ganhar um novo espaço de análise e discussão sobre o contexto socioeconômico e político do país: é o site Momento Crítico www.momentoc ritico.com.br. Criado por alunos de economia da Universidade Mackenzie, o site contará com reportagens e artigos de articulistas como Heloísa Helena, Franklin Martins e Heródoto Barbeiro, entre outros
Ricardo Teles
AGENDA
dimensão da exploração a que esses trabalhadores estão sujeitos, desmistificam a inclusão positiva do trabalhador pelo capitalismo neoliberal e mostram como as atuais relações de trabalho penalizam a trabalhadora e o trabalhador. “Se eu pudesse, quebraria todas as máquinas”, disse, em desabafo, uma trabalhadora rural, transmitindo um claro recado: o trabalhador não suporta mais a sua situação. CONFIRA
década”. São textos elaborados por pesquisadores junto a trabalhadores rurais e urbanos bancários, caminhoneiros, cortadores de cana, calçadistas etc. que retratam a Jardim, 660, São Paulo Mais informações: (11) 3151-2333 III FÓRUM REGIONAL DE POLÍTICAS CULTURAIS De 17 a 19 Com o tema “Cultura é a Mãe”, o fórum discutirá o papel da cultura na construção de políticas públicas visando o estabelecimento de um desenvolvimento social participativo, sustentável e plural. Aberto à participação popular, o evento contará com a presença de artistas, produtores e gestores culturais, além do ministro da Cultura, Gilberto Gil, da secretária da Cultura do Estado de São Paulo, Cláudia Costin e representantes de diversas entidades governamentais e não governamentais. Inscrições até dia 12. Local: Centro Cultural Roberto Palmari, Rua 2, 2880, Lago Azul, Rio Claro Mais Informações: (19) 3532-4115, www.rioclaro.sp.gov.br
O avesso do trabalho Ricardo Antunes e Maria Aparecida Moraes Silva (orgs.) 416 páginas, R$ 13 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista São Paulo Tel. (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br FÓRUM CULTURAL MUNDIAL De 26 de junho a 4 de julho O evento será dividido em três segmentos: uma convenção global de cinco dias sobre os principais assuntos de arte e cultura mundiais, um festival com programação artística internacional, e um mercado cultural de idéias e oportunidades. O objetivo do evento é buscar alternativas ao modelo de cultura hegemônica vigente, discutindo os seguintes temas: o papel das artes na sociedade, bem como o seu caminho inverso; o alargamento dos valores étnicos; a promoção da prosperidade; o desenvolvimento sustentável; os direitos humanos e a coexistência global pacífica. Durante o evento ocorrerá a Conferência Internacional de Ministros da Cultura. Local: Parque do Anhembi, São Paulo Mais informações: (11) 3179-3716, www.forumculturalmundial.org
MÊS DO ORGULHO GAY EM SÃO PAULO Dia 13 Durante o evento, ocorrerão debates, exposições, espetáculos e entrega de prêmios. O lema da Parada Gay organizada pela Associação do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT) de São Paulo será “Temos família e orgulho”. Local: Concentração em frente ao Masp, Av. Paulista, São Paulo Mais informações: (11) 6281-7686, 8145-9269 / www.paradasp.org.br,
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CULTURA
De 3 a 9 de junho de 2004
FESTA
Tradição caipira renasce com o Divino
Exemplo do sincretismo religioso do país, comemoração em São Luís do Paraitinga preserva manifestações seculares
S
ob a tradicional bandeira vermelha, comunidades de todo o Brasil celebraram, dia 30 de maio, a histórica festa do Divino Espírito Santo, uma tradição portuguesa que, no país, ganhou as cores da cultura caipira. De origem católica, a festa foi ganhando contornos multiraciais e multiculturais, tornando-se importante manifestação de resistência à cultura hegemônica. No Estado de São Paulo, a tradição é mantida na Festa do Divino, em São Luís do Paraitinga, no Vale do Paraíba. As comemorações, que duram 10 dias, neste ano começou dia 21 de maio, com uma novena e a bênção das bandeiras dos fiéis, que desfilaram pelas ruas em cerca de 20 procissões, até dia 30 de maio. Dois fatos marcaram o evento, o primeiro deles o encontro das bandeiras, dia 22, quando as bandeiras das festas anteriores se encontram com a dos festeiros deste ano e que já tinha percorrido os bairros da zona rural, pedindo prendas e anunciando a festa. O segundo momento forte da festa foi o Dia do Divino, dia 30.
CULTURA CAIPIRA Em São Luís do Paraitinga, a Festa do Divino tem jeito, cor e
Irmãos do Santíssimo, existente desde 1805. Uma das características da Festa do Divino em São Luís do Paraitinga é a distribuição de comida. Neste ano, houve mesas para a partilha de café com paçoca e biscoito e outra com comidas típicas. Uma das maiores tradições foi mantida: a distribuição do afogado, um prato típico do Vale do Paraiba, feito com carne de vaca. O almoço foi servido no Pavilhão de Exposições Agropecuárias e, para participar, bastava levar prato e talheres.
Fotos: Elisa Akemi
Bernardete Toneto da Redação
PEDIDOS AOS CÉUS
Apresentação da Cavalhada na Festa do Divino em São Luiz do Paraitinga (SP)
sabor capiriras, pois está ligada às comunidades rurais. “Essas festas, esses acontecimentos tradicionais mobilizam toda a população. É um acontecimento social que extrapola seus aspectos religiosos, muita comida e um ambiente carregado de um espírito comunitário forte”, diz a professora Maria Nazareth Ferreira,
que desenvolve no Brasil pesquisas sobre as culturas subalternas. Na cidade colorida de vermelho (a cor do Divino), as procissões foram acompanhadas por bandas de música, pela Folia do Divino e por dezenas de pessoas que levavam bandeiras e lenços em sinal de devoção e pagamento de promessas
MANIFESTAÇÕES POPULARES NO BRASIL Festa do Divino – Realizada 50 dias depois da Páscoa, é organizada por um “imperador”, cargo que pode ser ocupado por qualquer pessoa, independentemente da idade ou posição social. A mandala, símbolo do Divino, representa a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, enquanto a pomba branca significa a paz. Cavalhadas – Dramatizações de uma batalha a cavalo que teria
acontecido na Europa, entre os cruzados medievais e os mouros ibéricos. Acontecem em todo o Brasil. A mais conhecida é a de Pirenópolis (GO), onde são tão importantes que duram cinco dias. Congadas – Também conhecidas como “festas dos pretos”. Danças de origem africana, com influência ibérica, representando a luta do bem contra o mal, nas
quais os congados representam personagens que imitam cortes européias, com reis, rainhas, princesas e capitães. Moçambiques – Grupos que fazem evoluções com bastões, dançando com chocalhos de lata amarrados nos tornozelos. Assim como as congadas, homenageiam os santos negros – Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santo Expedito.
por graças alcançadas. O principal dia da festa foi o domingo, quando a cidade acordou com o batuque das congadas e dos moçambiques de Taubaté, Lorena, São José dos Campos, Aparecida e Natividade da Serra . Neste dia, os bonecões João Paulino e Maria Angu percorreram as ruas, enquanto violeiros se apresentavam na praça central e doces eram distribuídos gratuitamente. Um dos pontos altos da festa foi a procissão, em que um cortejo com andores percorre as ruas da cidade, ladeado por irmandades, como a dos
São Luís do Paraitinga se formou na segunda metade do século 18 e o Divino é festejado desde, pelo menos, o começo do século 19. A festa, trazida pelos portugueses, já foi alvo de uma queda de braço com setores da Igreja Católica, que resistiam à forte devoção dos “santos negros” – São Benedito e Nossa Senhora do Rosário – que acompanham o Divino. Durante os dias de festa, a cidade pára, o centro histórico fica interditado para automóveis, e pessoas de todas as cidades da região do Vale do Paraíba rezam, pedem bênçãos, pagam promessas e acompanham a procissão do Divino. A lista de pedidos é grande, como o de Genival Côrrea Silva, um devoto de Taubaté que pediu emprego para os três filhos adultos desempregados e uma boa colheita no sítio arrendado. “Agora, só com Deus e com o Divino Espírito Santo, já que os políticos não estão fazendo nada”, disse.