Ano 2 • Número 67
R$ 2,00 São Paulo • De 10 a 16 de junho de 2004
Em greve desde o final de maio, funcionários e professores das três universidades estaduais paulistas – Unesp, Unicamp e USP – fizeram, dia 3, em São Paulo (SP), passeata contra o sucateamento e a privatização do ensino. A mobilização, que conta com apoio dos estudantes, começou após o governo estadual propor reajuste zero às categorias. Para os manifestantes, a atitude evidencia o baixo grau de preocupação com a educação. Agora, eles exigem reajuste de 16% e ampliação do repasse de verbas, entre outras reivindicações em defesa da universidade pública. Pág. 4
Jovens e trabalhadores venezuelanos saíram às ruas de Caracas, capital do país, no dia 6, e se manifestaram contra a articulação da oposição para derrubar o governo de Chávez
Assentamentos criam emprego e geram renda
Ativistas de movimentos sociais protestam contra a política de guerra de George W. Bush antes da reunião do G8
Fórum propõe Câmara aprova flexibilização de financiamento de direitos autorais moradia popular Durante o V Fórum Internacional de Software Livre, realizado em Porto Alegre (RS) entre os dias 2 e 5, o Ministério da Cultura anunciou medidas para a flexibilização da política de direitos autorais. Em alguns casos, serão permitidas as reproduções de músicas e livros. O ministro Gilberto Gil deu o exemplo, e liberou parcialmente os direitos de sua música Oslodum. No evento, o professor estadunidense William Fisher propôs a criação de um banco de dados com registros de artistas que liberarem suas obras, autorizando o compartilhamento por internet e, no caso de músicas, a execução em rádios comunitárias. Gil não descartou a possibilidade de apoiar a idéia. Pág. 5
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Críticas à inoperância na reforma agrária
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Rappers da América Latina cantam no Rio
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Marcio Baraldi
Greve exige mais atenção ao ensino público
• Com o apoio dos EUA, oposição manobra referendo • Amazônia e integração do continente correm perigo • Meios de comunicação conspiram contra o governo
Gregorio Marrero/AP/AE
e um lado, as classes populares. De outro, a elite e o apoio estadunidense. O próximo embate entre essas duas forças da sociedade venezuelana já tem data marcada para ocorrer. No dia 15 de agosto, o mandato do presidente Hugo Chávez será submetido a um referendo revogatório. Em um processo marcado por irregularidades e classificado pelas elites como o fim do governo Chávez, a oposição conseguiu apoio de 20% da população para convocar a consulta. A ofensiva foi respondida pelo reacenso do apoio a Chávez, que tem adotado medidas populares, como a reforma agrária, e obtido bons resultados, como a recuperação econômica. EUA e mídia – O referendo revogatório visando derrubar o governo de Hugo Chávez faz parte de um plano de hegemonia dos Estados Unidos na América Latina. Além dos interesses no petróleo, nas reservas de biodiversidade e na água da região amazônica, os Estados Unidos reeditam a política contra Cuba, promovem investidas militares e ofensivas diplomáticas tentando minar a luta pela integração latino-americana. Na Venezuela, contam com a parceria de poderosos meios de comunicação, como a Organização Cisneros, de Gustavo Cisneros, com fortuna estimada em 4,6 bilhões de dólares. Págs. 9, 10 e 11
Erik S. Lesser/EFE/AE
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Por que querem derrubar Chávez
Frutos da luta pela terra, os assentamentos provam que outro Brasil é possível. Com geração de emprego e renda, acesso à moradia, saúde e educação. É o que mostram duas extensas pesquisas coordenadas por professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. O trabalho derruba mitos como o índice de evasão (alto só em condições muito precárias) ou a presença de pessoas vindas da cidade (80% das famílias são das próprias regiões dos assentamentos). Mais: a variada produção de alimentos dos assentamentos dinamiza as economias locais. Pág. 7
E mais: IMPOSTOS – Os pobres chegam a pagar cerca de 40% mais impostos do que os ricos, política que emperra o crescimento equilibrado da economia. É o que mostra estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Pág. 8 GLIFOSATO – O governo do Paraná está multando agricultores que utilizam o agrotóxico à base de glifosato, comercializado pela Monsanto. Pág. 13 DEBATE – O controle de capitais é imprescindível para o Brasil sair do atoleiro. Foi a política adotada pela Malásia, apesar da reação adversa do mercado financeiro que, por fim, curvou-se ao desempenho da economia malaia, como mostra o economista João Sicsu. Pág. 14
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CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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NOSSA OPINIÃO
Urgência social
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Brasil tem problemas de 500 anos, todo mundo sabe. Não dá para mudar tudo de uma vez, num curto espaço de tempo, por ação unicamente de um governo. Existem limitações financeiras e culturais. No entanto, o povo brasileiro enfrenta sérios problemas emergenciais, os quais provocam danos reais e fatais a milhões de pessoas. O não combate a esses problemas representa sofrimento coletivo e desestruturação da sociedade. Boa parte da população enfrenta a fome e a miséria. Para esses, é preciso não apenas um programa emergencial de nutrição, como o Fome Zero, mas também criar alternativas concretas de sobrevivência. Nesse sentido, compete ao governo federal a aprovação e o desenvolvimento de políticas públicas voltadas especialmente para a geração de empregos, para a reforma agrária e para o financiamento de atividades de autosustentação, seja na agricultura, na indústria, no comércio e na prestação de serviços. O Brasil não suporta mais a violência urbana nos grandes centros, onde os jovens – principalmente – são vítimas diárias da falta de educação, da falta de trabalho e da falta de
perspectivas. É preciso, nas metrópoles, desenvolver programas que representem verdadeiras alternativas de trabalho, de estudo, de lazer saudável, evitando que parcela da juventude caia no ócio, nas drogas e nas estatísticas dos homicídios e da mortalidade precoce. Ninguém tolera mais ver a banalização da violência e o controle das cidades pelos narcotraficantes, contrabandistas e pelo crime organizado que adentra as esferas policiais, do Judiciário e dos parlamentos. É preciso combater as quadrilhas e a corrupção no aparelho do Estado e, ao mesmo tempo, é preciso impor os valores da cidadania e do respeito integral aos Direitos Humanos. Vários indicadores apontam o Brasil entre os países com maior desiguldade econômica e social, com níveis altíssimos de violência, com desemprego recorde por anos seguidos. Esses dados só podem provocar vergonha e indignação. A reação a esse quadro desalentador não pode ser burocrática, fria e retórica – sem levar em conta o sofrimento diário de milhões de pessoas. Está faltando ao governo Lula a garra política para enfrentar, com coragem e determinação, os pro-
blemas que afligem a parcela mais pobre e mais carente do povo brasileiro. Faltam programas sociais – principalmente de educação e cultura para os jovens – que alterem de forma concreta e imediata os destinos de quem vive no abandono e nas periferias sangrentas do Brasil. Cabe ao governo assumir essas questões como prioridades máximas a serem resolvidas, objetivo que somente poderá ser alcançado com a convocação de toda a sociedade para empreender um verdadeiro mutirão na criação de alternativas para a juventude brasileira. Do contrário, corremos o risco de perder toda uma geração de brasileiros. Somente com programas sociais bem direcionados, com ação imediata nas concentrações populares, com mobilização de recursos financeiros e humanos, é que se poderá reverter essa situação de barbárie em que vivemos. É preciso parar de uma vez com a nossa guerra civil de muitos anos, não com mais armas e mais truculência, mas com instrumentos eficientes de inclusão social. O governo Lula ganhou voto de confiança para tocar essa missão. Falta fazer.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES MISSÃO NO HAITÍ Como leitor e assinante do jornal, julgo importante esclarecer que, diferentemente do noticiado, nosso país dispõe de legislação específica, codificada no Código Penal Militar. Apesar de ter posição contrária, em relação ao Tribunal Penal Internacional, justamente porque aqueles que mais violam os direitos recusaram submeter-se às atribuições daquela Corte, considero nobre as missões de paz da ONU e nossos soldados têm muitos ensinamentos a transmitir às outras nações. Nossa Justiça Militar foi criada no início do período imperial, 1808, sendo a mais antiga corte do país. Integra o Poder Judiciário, outro motivo de exemplo para o mundo, não estando nossos combatentes, no Brasil e no exterior, sem a devida vigilância e proteção do sistema legal vigente no país. Brigadeiro Sérgio Ferolla por correio eletrônico PRIVATIZAÇÃO Começaram privatizando uma ponte; você, como não tinha carro nem amigos do outro lado, não esquentou, até se orgulhou quando estufou o peito e bradou: esses burguesinhos têm mais é que pagar. Agora já são inúmeros os “caminhos privatizados”, bem como outras tantas estruturas públicas. Quando você viu o sucateamento da saúde nem pestanejou, pois a empresa na qual trabalhava concedia “saúde privada”. Não podemos aceitar as diversas formas de retirar dinheiro do contribuinte, principalmente sobre a roupagem de privatização de caminhos já construídos, transformados em pedágios. As intenções privatizantes do governo do Estado do Espírito Santo em privatizar parte da BR-101 não pode ser aceita sem protestos. O governo sequer cogitou intenções privatizantes quando estava em campanha. O governo federal não pode cometer mais essa traição contra o povo, entregando para o executivo
estadual parte da BR-101 para fins de privatização. Basta a obediência servil ao Fundo Monetário Internacional. O problema de má conservação das vias não será resolvido com privatizações. O problema das deficiências nas estruturas públicas decorre simplesmente da falta de retorno aos cofres públicos do dinheiro roubado. Fernando Magno Vitória (ES) MEDALHAS OU TURISMO? No mês de agosto, lá vamos nós para mais uma Olimpíada, desta vez em Atenas, na Grécia. Porém, a velha e surrada frase que diz “vamos aos jogos olímpicos para ganhar experiência” não servirá mais para justificar nossos fracos desempenhos de jogos anteriores. Se em nossa primeira olimpíada (1920) começamos muito bem (15º lugar), com a conquista de três medalhas (ouro, prata e bronze) em Sydney, na Austrália, em 2000, demos um vexame histórico. Na base do “já ganhei”, lá chegamos com chances de umas oito ou dez medalhas de ouro. E quantas ganhamos? Nenhuma. O que ganhamos foram apenas doze medalhas, seis de prata e seis de bronze, o que foi muito pouco se considerarmos a numerosa delegação que mandamos. Entre atletas, técnicos, dirigentes e amigos do Comitê Olímpico Brasileiro, foi gente demais, e boa parte para fazer turismo. Agora em Atenas, segundo afirmam, nossas chances serão bem maiores e melhores, com reais possibilidades no iatismo, atletismo, no voleibol de quadra e de praia, na ginástica, no judô, na natação e talvez no boxe. Para tanto, temos potencialidades que devidamente aproveitadas nos levarão ao topo do mundo esportivo. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS)
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CRÔNICA
De volta à intolerância
Luiz Ricardo Leitão Há sinais inquietantes de intolerância em Pindorama. No Rio de Janeiro, por decisão da atual governadora, presbiteriana, a rede estadual de educação contratou professores para aulas sobre o Criacionismo (a tese de que a criação do Universo e da vida é resultado da intervenção divina, conforme relata a Bíblia) aos alunos do ensino médio. Ou seja: para combater as teorias científicas do Evolucionismo, grupos evangélicos estão se valendo da nova “disciplina” a fim de criar uma falsa contraposição entre ciência e fé. Como um triste simulacro do que ocorre nos Estados Unidos, os professores de Biologia das escolas públicas fluminenses já estão sofrendo contestação de alguns alunos, para os quais a origem da vida só pode ser explicada pelo livro do Gênesis. Pois é... Quem diria que em pleno terceiro milênio Darwin e seus primatas ainda fossem a própria imagem do demônio! Embora não seja contrário à existência de instituições de ensino reli-
giosas, considero que o princípio da educação pública, gratuita e laica é uma conquista inalienável da sociedade moderna. Lembro-me da serena figura de dom Romualdo, o monge beneditino que me deu aulas de religião na 5ª série. Sua interpretação dos relatos bíblicos era fascinante e incutiu entre os alunos a vaga suspeita de que, afinal de contas, o “Livro dos livros” (transcrito e reescrito por tantos escribas ao longo dos séculos) é muito mais alegórico do que possa supor nossa vã imaginação. A fuga dos judeus do Egito, por exemplo... Por que as águas do Mar Vermelho se abriram para a saída dos fugitivos e tornaram a fechar-se, obstruindo a passagem das tropas egípcias? Um milagre? Talvez, respondia o platônico professor; mas por que não pensar que os judeus cruzaram o canal com a maré baixa e os soldados foram detidos pela maré alta? O tempo passou. Dom Romualdo largou a batina, casou, mas não abandonou a sua fé; apenas foi pregar em outras freguesias. O que ele diria da
vã pretensão de Rosinha e sua turma? Apesar da imensa desigualdade social, o Brasil jamais conheceu conflitos religiosos tão agudos quanto os da Europa e Oriente Médio. Por que será que Little Rose e Little Boy estão chocando o ovo da serpente? E qual será a próxima medida da governadora? Será que ela interditará os museus de Arqueologia e Ciências Naturais, que insistem em contar-nos a história dos seres vivos segundo as teorias darwinistas? Ou fará como o pastor Kent Hovind, que abriu um parque chamado Dinosaur Adventure Land na Flórida (EUA), só para mostrar ao seu rebanho que os dinossauros foram concebidos por Deus há 6 mil anos, no sexto dia da divina criação do planeta? Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em literatura latinoamericana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Edit. Ciencias Sociales, Cuba)
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NACIONAL VIOLÊNCIA NO CAMPO
Missão denuncia incapacidade do governo
Representantes de entidades brasileiras e internacionais são atacados por milícia armada e fazem relatório de denúncias
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epresentantes de organizações internacionais que vieram ao Brasil investigar a violação de direitos humanos no campo vivenciaram, na prática, a violência das milícias montadas por latifundiários. Dia 7, um grupo armado da Fazenda Canoas, em Montes Claros (MG), atirou diversas vezes contra representantes da Organização Internacional pelos Direitos Humanos à Alimentação (Fian, sigla em inglês), da Via Campesina e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Sem ferimentos, eles conseguiram fotografar e filmar o ataque e, com o material coletado, vão iniciar uma campanha internacional para denunciar fazendeiros brasileiros que agem à margem da lei. “Esse é um caso exemplar da ação do latifúndio armado no Brasil. Agora, é preciso pressão internacional para o governo tomar medidas radicais como desapropriar e prender esses jagunços”, avalia Gilberto Portes de Oliveira, secretário-executivo do Fórum de Reforma Agrária e responsável pela articulação da missão internacional. “É urgente que o governo priorize e agilize o processo de
relata Portes. Os representantes também criticaram o programa Crédito Fundiário, lançado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Sérgio Castro/Agência Estado/AE
Jorge Pereira Filho da Redação
DECEPÇÃO
Policiais militares acompanham a desocupação da Fazenda Santa Terezinha, em Taubaté (SP), durante reintegração de posse
reforma agrária e garanta proteção aos camponeses, maiores vítimas de violência e exploração por parte dos grandes latifundiários”, cobrou Sofia Monsalve, da Fian, que tem status consultivo frente à Organização das Nações Unidas
(ONU). Os representantes visitaram acampamentos e assentamentos do Pará, Pernambuco e Minas Gerais, entre os dias 3 e 7, para investigar denúncias de sem-terra ameaçados e violentados por capangas e seguranças privados.
“As entidades avaliaram que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) são inoperantes na desapropriação de terras e na emissão de posse aos acampados”,
A missão internacional marcou audiências nos poderes Executivo e Legislativo para divulgar o relatório. Dia 8, os representantes das entidades saíram decepcionados de uma reunião com o ministro de Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, que defendeu o Crédito Fundiário. “A avaliação de todos é que o ministro insistiu em um discurso vazio. Isso vai constar do relatório entregue ao presidente Lula”, contou Portes. Os representantes das organizações tiveram, depois, reunião com o presidente do Incra, Rolf Hackbart. “Ele se comprometeu a agilizar as desapropriações de terras e garantiu que haverá concursos públicos para recuperar a força de trabalho do Incra”, contou Portes. Depois das audiências, que devem terminar dia 12, a missão internacional vai fazer um documento final que será entregue ao relator especial da ONU pelo Direito à Alimentação, Jean Ziegler, e ao Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, em Genebra, na Suíça.
MOBILIZAÇÃO INTERNACIONAL
TRABALHO
Encontro debate direitos humanos camponeses
Reforma sindical retira direitos dos trabalhadores
João Alexandre Peschanski da Redação
jeto político mundial, a carta deve abordar, ainda, a privatização dos recursos naturais e da soberania alimentar. “Há diferenças entre camponeses de todos os continentes, mas todos são vítimas do neoliberalismo, e se tornam cada vez mais pobres e reprimidos”, comentou Nicholson. Para ele, os governos devem estabelecer políticas agrícolas em benefício dos trabalhadores. Nesse sentido, critica a posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, durante o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancun, em setembro de 2003, defendeu o fim de subsídios à agricultura: “Toda a ajuda do Estado às grandes empresas exportadoras precisa acabar, mas é
Em sua quarta conferência internacional, que deve reunir de 300 a 400 pessoas em Itaici (SP), de 14 a 19, a Via Campesina vai divulgar uma carta de direitos humanos campesinos que será entregue à Organização das Nações Unidas (ONU) e outras entidades internacionais. Segundo Paul Nicholson, da coordenação da organização, o documento trará um anuário da repressão aos trabalhadores rurais nos últimos quatro anos e propostas para melhorar as condições de vida e de trabalho dos pequenos agricultores. Considerada um instrumento de mobilização dos trabalhadores em defesa de um pro-
preciso que os governos apóiem a agricultura familiar”. Nicholson se declara decepcionado com a atuação do governo Lula, pois acredita que o Brasil podia ser um carro-chefe da resistência ao neoliberalismo, mas o presidente preferiu manter uma política de apoio às transnacionais. “O problema da fome assola o país e não é o mercado que pode resolvê-lo. Empresas como o McDonalds não alimentam o mundo, pelo contrário, aumentam a fome e seu poder precisa ser combatido”, diz.
ENCONTRO ESTRATÉGICO A conferência da Via Campesina está sendo vista como estratégica, à medida em que vai constituir um espaço para articulação da luta in-
ternacional da organização e fortalecer as alianças com movimentos sociais mudiais. “Pensamos que é fundamental fortalecer a luta local e regional. Gastamos muita energia e tempo articulando grandes eventos internacionais, como o Fórum Social Mundial, que foram muito importantes, mas agora é a hora de pôr em prática o que discutimos”, avalia Nicholson. Um dos principais objetivos da Via Campesina para 2004 é impedir a nova rodada de negociações da OMC, marcada para julho. “Em Cancun, com mobilizações em todo o mundo, interrompemos a pauta da reunião. Temos que repetir o feito e apresentar a proposta dos trabalhadores para o mundo”, conclui Nicholson.
MORADIA
Tatiana Merlino da Redação “Não é do jeito que esperávamos. Mas também nós nunca tivemos uma política nacional de habitação”, avalia Antônio de Araújo, da executiva nacional do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), sobre a aprovação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), que vai financiar habitações para famílias de baixa renda. O projeto, aprovado dia 3 na Câmara dos Deputados, ficou doze anos em tramitação. “Foi a primeira lei de iniciativa popular, com mais de um milhão de assinaturas de apoio”, conta Araújo. Inicialmente proposta no projeto de lei 2710 de 1992, com o nome de Fundo Nacional de Moradia Popular, a emenda segue para o Senado. “Nosso maior desafio foi a aprovação na Câmara; agora os movimentos vão se mobilizar para a aprovação no Senado”, afirma Donizete de Oliveira, da direção da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), lembrando que “enquanto o fundo não começar a funcionar”, as mobilizações continuarão.
Alan Marques/ Folha Imagem
Câmara aprova financiamento popular
Integrantes da Central de Movimentos Populares acompanham votação sobre liberação de verbas para moradias populares
Com a aprovação do projeto também fica instituído o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), que centralizará todos os programas destinados a habitações populares por meio da articulação entre União, Estados, Distrito Federal e municípios. Dia 3, integrantes da Central dos Movimentos Populares (CMP) foram ao plenário para pressionar os parlamentares e, depois da confirmação da aprovação, comemoraram can-
tando o hino nacional. Para Edmundo Fontes, da Confederação Nacional de Associação de Moradores (CONAM), a aprovação da emenda é uma conquista importante “para aqueles que lutam pelo direito à moradia”, mas o desafio agora é “definir os valores que serão investidos no fundo”, pois não há fonte de recursos definida. A emenda aprovada não vincula recursos além dos previstos no Orçamento Geral da União (OGU) pa-
ra esse fim. A única fonte garantida do FNHIS é o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social, aprovado em lei de 1974. Parte da verba do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), vinculada em outras versões do projeto de lei que institui o novo fundo para moradias populares, foi excluída da versão aprovada pela Câmara. “Esperávamos que o fundo fosse aprovado com um mix de recursos”, afirma Araújo.
da Redação Cerca de 20 mil manifestantes devem protestar, dia 16, em Brasília (DF), contra a flexibilização generalizada das leis trabalhistas no Brasil. Essa é a expectativa de sindicatos de base, federações e confederações organizados em torno da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), para quem a reforma sindical e trabalhista planejada pelo governo Lula se insere numa conjuntura mundial de retirada de direitos dos trabalhadores. Eles avaliam que os compromissos assumidos pelo presidente com grandes empresários e com o Fundo Monetário Internacional (FMI) são responsáveis pela política econômica que mantém o pagamento da dívida e as negociações da Área de Livre Comérico das Américas (Alca), arrochando salários e aumentando o desemprego. Para a Conlutas, a reforma da Previdência teria sido feita sob essa lógica; e a reforma trabalhista e sindical segue os mesmos moldes, ao sugerir que prevaleçam as negociações, em detrimento do que estabelece a lei. Essa situação seria possível com o fortalecimento da cúpula das centrais sindicais – que poderá decidir em nome dos trabalhadores – e com a rigidez nos critérios de representação, em prejuízo da indepedência dos sindicatos. Além disso, a reforma compromete o direito à greve, permitindo contratações para substituir trabalhadores paralisados. Outra crítica da Conlutas – a qual agrega, entre centenas de entidades, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (AndesSN), o Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco), a Federação Nacional dos Trabalhadores do Fisco Estadual (Fenafisco) e a Federação Democrática dos Metalúrgicos de Minas Gerais (FSDMG) – é a substituição do imposto sindical pela contribuição negocial. Se por um lado a medida livra o trabalhador de um tributo de 3,33% no salário uma vez ao ano, por outro, abre a possibilidade desse desconto chegar a 13,3%.
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Jornalismo tipo VEJA 1 Na edição nº 1856 (2 de junho), a revista Veja defende o agronegócio como exemplo do “país que dá certo”. A revista defende a Veracel, do grupo Aracruz-Celulose, instalada no sul da Bahia, por gerar 10 mil postos de trabalho, “diretos e indiretos”. A Veracel, recentemente ocupada por trabalhadores sem-terra, não planta feijão nem arroz; planta somente eucaliptos para atender ao mercado. Jornalismo tipo VEJA 2 A Veja não informou que: 1) a Veracel vai produzir 900 mil toneladas/ ano de celulose – tudo para exportação; 2) a empresa ocupa terras agricultáveis da Bahia, no que era Mata Atlântica; 3) os tais empregos “diretos e indiretos” incluem pipoqueiros, vigias, serventes, enfim todos os subempregos que o empresariado costuma contabilizar quando precisa obter recursos públicos e construir sua imagem social. Jornalismo tipo VEJA 3 Boa parte dessa edição foi bancada por todos nós: tem seis páginas de propaganda do Banco do Brasil. Vocês vão ter que aguentá-la Imagine a Copa do Mundo transmitida por uma única emissora. Isso aconteceu em 2002. Pois a TV Globo fechou negócio com a Fifa e a dose vai se repetir na Copa de 2006. A emissora pagou 78 milhões de dólares pelos direitos de exclusividade. Agora só resta ao povo brasileiro engolir novamente o balaio de bobagens no padrão global. Audiência da TV Câmara O Brasil inteiro ficou ligado na votação do salário-mínimo, dia 2, em transmissão direta pela TV Câmara. A direita, que fez uma festa em cima da proposta de aumento-merreca dada pelo governo, chegou a denunciar em plenário que a transmissão teria sido vetada. Não era verdade. Em nenhum momento a transmissão foi cortada. A população pôde ver e ouvir as defesas e as críticas à proposta do governo, sem cortes, sem censura. A direita não está acostumada com democracia na comunicação. Jornalistas solidários com Cuba A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) condenou as novas medidas de agressão à Cuba anunciadas pelos Estados Unidos, destinando 59 milhões de dólares para intervir no processo político local. “É realmente lamentável que em pleno século 21 um governo que não gosta de outro governo diga que fará o possível para mudá-lo”, diz nota da entidade. Moção nesse sentido foi aprovada pela Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de expressão da ONU. Repressão às comunitárias no RS 1 O Rio Grande do Sul, sede de um dos maiores latifúndios da comunicação, o da família Sirotsky, vai colocar as polícias Civil e Militar (os “brigadianos”) para fazer apreensão de equipamentos de emissoras “clandestinas”. A Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert), que reúne todos os latifundiários do Estado, é que está articulando isso, juntando Secretaria Estadual de Justiça, Ministério Público e Anatel. Repressão às comunitárias no RS 2 Por emissoras clandestinas entenda-se comunitárias que não têm ainda “autorização” concedida pelo Ministério das Comunicações. Ah, sim, operar emissora clandestina é considerado crime federal. Portanto, a Brigada Militar não tem competência para apreender equipamentos. O movimento das rádios comunitárias está entrando com ações na Justiça contra essa irregularidade. Zero Esse é o número preciso de aviões que já caíram devido a interferências causada por operação de rádios comunitárias. Música obscena não pode Deputado pelo PTB/RS, o pastor Reinaldo faz a sua cruzada moralista. Ele apresentou o projeto de lei nº 3013 proibindo as emissoras de rádio de veicular “músicas que contenham em suas letras palavras obscenas ou que aludam o ato sexual” antes da 22 horas. Isto é, nada de palavrão e de fornicação.
EDUCAÇÃO
Por salário e qualidade de ensino Professores, funcionários e estudantes das universidades estaduais fazem greve conjunta Luís Brasilino da Redação
O
governo do Estado de São Paulo está sucateando e privatizando o ensino público superior. Indignados com essa política, mais de 4 mil professores, funcionários e estudantes das universidades estaduais paulistas se reuniram, dia 3, na Avenida Paulista, em São Paulo (SP) e caminharam, debaixo de chuva, até a Assembléia Legislativa, onde foram recebidos por deputados estaduais. Sebastião Arcanjo (PT) afirmou que essa manifestação foi fundamental, “já que não existe vitória sem luta, sem mobilização”. Professores, funcionários e alunos da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em greve desde o final de maio, participaram de uma reunião com a Comissão de Cultura, Ciência e Tecnologia. Entre as reivindicações apresentadas, uma depende totalmente da Assembléia Legislativa: a ampliação dos repasses do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos atuais 9,57% para 11,6%. Segundo Lisete Arelaro, professora da USP, a mudança no ICMS é a condição mínima para dar dignidade e possibilitar o funcionamento das três universidades públicas. No entanto, os deputados ligados ao governador esvaziaram a sessão para tirar a legitimidade das propostas levadas pelos trabalhadores. De todo modo, o deputado Jonas Donizete (PSB), presidente da Comissão, decidiu manter a audiência pública mesmo sem quorum para a reunião assumir caráter deliberativo.
ENSINO SUCATEADO O deputado Arcanjo conta que o comportamento do governo do Estado de não negociar com os trabalhadores e retirar recursos da educação
Daniel Garcia/Adusp
Dioclécio Luz
NACIONAL
Passeata que reuniu mais de 4 mil professores, alunos e funcionários, na Avenida Paulista, em São Paulo (SP)
superior já vem de anos. “O Estado de São Paulo precisa, por meio de uma distribuição mais adequada de recursos, permitir que nossas universidades avancem seus projetos de pesquisa e de extensão e paguem salários adequados a seus trabalhadores. Portanto, essa manifestação contribui para desconstituir o mito de competência e eficiência associada à imagem de Geraldo Alckmin (governador de São Paulo)”, disse Lisete no dia da manifestação. Para a professora da USP, o conjunto de medidas que vem atingindo as universidades, tanto estaduais quanto federais, em São Paulo, demonstra um incentivo à privatização do ensino: “Vivemos uma situação inédita. Fora o Japão, não existe nenhum lugar com 95% das vagas do ensino superior nas mãos das instituições privadas, como acontece no Brasil. Nem nos Estados Unidos é assim. Lá, somente 48% das vagas são privadas”. Os estudantes concordam. Rodolfo Vianna, diretor do Diretório Central dos Estudantes da USP e
aluno de jornalismo, diz que os estudantes defendem o crescimento no número de vagas. “Mas universidade deve ser pública, gratuita e de qualidade para todos. A expansão tem de ser responsável. Se feita sem verbas, representa sucateamento, a proliferação de cursos seqüenciais – como é o caso da USP Zona Leste e de cursos de curta duração voltados para a lógica de mercado com baixa qualidade”, explica.
NEGOCIAÇÃO A proposta de reajuste salarial de 0%, feita pelo governo estadual antes da greve e mantida as três vezes que as partes sentaram para negociar, foi o estopim da mobilização. “O arrocho salarial que o governo impôs para o funcionalismo de uma maneira geral chegou nas universidades. Com o 0%, estamos voltando a um salário conquistado num movimento forte, no ano 2000. Nossas perdas estão sendo bastante consideráveis”, afirma Milton Vieira do Prado Júnior, presidente da Associação dos Docentes da Unesp
e coordenador do Fórum das Seis – entidade que reúne os sindicatos de funcionários e professores das três universidades estaduais paulistas. A situação do ensino do Estado de São Paulo, no entanto, impede que os trabalhadores lutem somente pelo aumento de vencimentos. “Para nós, essa greve ultrapassou a questão da reivindicação salarial e se tornou verdadeiramente a defesa da universidade pública”, esclarece a professora Lisete. Assim, além de um reajuste salarial de 16% e ampliação do repasse do ICMS, professores, funcionários e também estudantes reivindicam mais verbas para a educação pública, contratação de professores e funcionários, aumento na assistência estudantil, instalação na Assembléia Legislativa da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Sonegação e Renúncias Fiscais, expansão de vagas com financiamento público e com qualidade, defesa das universidades públicas paulistas e do Centro Paula Souza, instituição de ensino superior tecnológico.
Eleições para DCE escancaram denúncias Daniel Cassol de Porto Alegre (RS) A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembléia Legislativa gaúcha vai requerer investigações junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal a respeito das denúncias de fraude eleitoral, enriquecimento ilícito, violência e ameaças de morte que marcam a história recente do Diretório Central dos Estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). As responsabilidades da reitoria também devem ser averiguadas. À semelhança de pleitos passados, segundo denúncias de estudantes encaminhadas à CCDH, nas últimas eleições para o DCE da PUC-RS, realizadas dias 6 e 7 de maio, integrantes da chapa de situação fizeram parte da comissão eleitoral, o edital foi publicado apenas um dia antes do pleito, garotas arregimentadas junto a agências de modelos fizeram propaganda eleitoral e seguranças do próprio DCE vigiaram a votação. No final, a chapa de situação “Todos somos um” venceu com 2101 dos 2775 votos, em um universo de cerca de 30 mil estudantes, mantendo no poder um grupo que estaria há doze anos à frente do DCE. “Essa história se repete a cada dois anos”, diz o deputado estadual Estilac Xavier, vice-presidente da CCDH. A diferença, este ano, foi a reação dos estudantes, que no dia seguinte às eleições bloquearam a Avenida Ipiranga, em frente à universidade. Além disso, foi montado um acampamento no campus da
Ana Paula Aprato/Assembléia Legislativa/RS
Espelho
Reunião da comissão de Cidadania e Direitos Humanos na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul
PUC, que terminou em conflitos entre integrantes do DCE e da oposição. Os estudantes que estavam acampados contam que na noite de 18 de maio integrantes do DCE foram autorizados a entrar para fazer um churrasco de comemoração. Depois de uma série de provocações, houve um conflito que deixou pelo menos quatro estudantes feridos levemente. No primeiro momento, a Polícia Militar não foi autorizada a entrar no campus. A imprensa também ficou fora. Alunos do acampamento relatam que o número de seguranças foi reduzido naquela noite e as luzes foram apagadas. “Enquanto os 25 acampados eram covardemente agredidos pelos capangas do DCE, contratados junto à Camisa 12 (torcida organizada do Internacional), apenas quatro vigias da PUC tentavam conter os cerca de
60 agressores”, informou um boletim distribuído pelo Atitude Movimento Estudantil Independente. “Organizamos o churrasco para protestar contra a reitoria”, afirmou o presidente da chapa de situação, Paulo Renato Ardenghi. Ele diz que as agressões começaram do outro lado e que alguns de seus colegas chegaram a receber golpes de tijolo e faca.
AMEAÇAS DE MORTE Uma reunião extraordinária da CCDH, realizada dia 21 de maio, listou uma série de denúncias na presença de deputados, representantes das chapas de oposição, líderes estudantis gaúchos, da próreitora de assuntos comunitários da PUC, Helena de Oliveira, e do assessor jurídico da universidade, Roque Bregalda. O DCE não enviou representantes.
Houve denúncias, inclusive, de que um ex-presidente do DCE comprou um bar em Porto Alegre: “Esse grupo se organiza em torno do recurso financeiro. Há uma evolução patrimonial do grupo”, afirmou Xavier. O estudante de jornalismo Felipe Simões Pires falou que já recebeu cinco ameaças desde o início das manifestações. Na mais grave delas, conta que o atual presidente do DCE, Felipe Tisbierek, e um homem de nome José Eduardo, o ameaçaram na noite do confronto. “O tal Edu disse que eles tinham levantado a minha vida, onde eu moro, nome da minha mãe e da minha irmã. Disse que ‘acidentes acontecem’ e que poderia acontecer comigo o que aconteceu com o estudante de Direito (morto sob circunstâncias não esclarecidas, em 1999)”, relatou.
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NACIONAL SOFTWARE LIVRE
Fórum discute política para bens culturais Rafael Evangelista de Porto Alegre (RS)
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ons ventos estão soprando para a distribuição de bens culturais no Brasil. O Ministério da Cultura anunciou, dia 4, a flexibilização da rígida política de direitos autorais e o incentivo ao compartilhamento do trabalho intelectual. A idéia é inscrever nas produções culturais frases como “alguns direitos reservados” ou mesmo “nenhum direito reservado” – em lugar do restritivo e usual “todos os direitos reservados”. Isso permitiria a reprodução parcial de material como músicas e livros. O ministro da Cultura, Gilberto Gil, foi o primeiro a dar o exemplo, ao liberar, parcialmente, os direitos de sua canção Oslodum. O palco da inovadora proposta foi o V Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre, que aconteceu de 2 a 5 de junho. O encontro reuniu cerca de cinco mil pessoas, entre desenvolvedores e adeptos dos programas para computador com licença aberta. Eles constituem uma das frentes mais avançadas da luta pela democratização do conhecimento – um conceito que o capitalismo neoliberal repele, mas que conquista cada vez mais apoiadores em todo o mundo. Nesse terreno, o governo brasileiro não tem vacilado. Em 2004, abraçou definitivamente a causa, incentivando a adoção dos sistemas livres em diversas esferas do poder público e oferecendo incentivo à pesquisa tecnológica na área. A cada ano que passa, o Fórum de Software Livre identifica-se mais com o Fórum Social Mundial. A idéia de compartilhar conhecimento e informações é central para o movimento – e não será possível construir um outro mundo sem fazer uso das ferramentas livres. Nomes tão diversos como o ministro e compositor Gilberto Gil, os jornalistas Marcelo Tas e Luis Nassif, o antropólogo Hermano Vianna e o ex-responsável pela Warner Music na América Latina, André Midani, dividiram a mesa de discussão com figuras conhecidas do movimento como Marcelo Branco, Lawrence Lessig e Jon “maddog” Hall. Em pauta, estiveram o uso das licenças da organização Cre-
Beto Garavello/divulgação
No Fórum de Software Livre, o Ministério da Cultura anuncia incentivos ao compartilhamento justo da produção
O movimento que defende o Software Livre tem como objetivo a partilha da informação e do conhecimento
ative Commons, que pretendem transferir as liberdades oferecidas aos usuários de software livre (usar, copiar, alterar e distribuir), para obras culturais como músicas, filmes e livros. O Ministério da Cultura já anunciou que pretende ver as licenças acolhidas na legislação brasileira e incentivar os artistas a adotá-la. Ao invés de deixar a administração de suas obras nas mãos das corporações da indústria cultural, os autores autorizariam certos usos, como o compartilhamento na internet, a execução em rádios comunitárias ou a criação de novas versões ou remixes.
TROCA DE ARQUIVOS Na mesa, também esteve presente William Fisher, autor de uma das mais interessantes propostas para a regulamentação das trocas de arquivos na internet. Professor de Direito da Universidade de Harvard, ele diz que, por meio do Mi-
nistério da Cultura, o Brasil apóia sua idéia e pode ser o primeiro país do mundo a adotá-la. O ministro Gil não nega nem descarta a idéia. Diz que o ministério está de ouvidos abertos a qualquer proposta que permita tirar da ilegalidade práticas que hoje são classificadas como ‘’pirataria’’. A proposta é simples. Cria-se um banco de dados com o registro das obras que circulam por meio das novas licenças. Constróem-se sistemas de trocas de arquivos, por meio dos quais os usuários podem baixar em seus computadores músicas, filmes, imagens e textos. Os artistas passam a receber diretamente, sem passar pelas mãos de gravadoras, valores proporcionais ao número de vezes que suas obras forem baixadas. O dinheiro para esse pagamento vem de taxas cobradas dos provedores de internet, fabricantes de CDs virgens e aparelhos para execução de mídias digitais.
As idéias de Fisher estão expostas no texto Promises to Keep: technology, law and the future of entertainment (Promessas a cumprir: tecnologia, legislação e o futuro do entretenimento). A obra ainda não foi lançada em livro, mas parte de seu conteúdo está disponível na internet. Para o autor, as tecnologias causaram uma mudança que deixou o antigo modelo de negócio da indústria do entretenimento obsoleto. É preciso criar uma nova base jurídica para remunerar os autores das obras, sem frear a inovação tecnológica e a democratização dos bens culturais.
NOVOS TEMPOS, NOVAS LEIS Fisher afirma que as tentativas de aplicação das leis atuais de direito autoral foram equivocadas. Não frearam o compartilhamento ilegal e trouxeram mais prejuízos que benefícios. É cada vez mais difícil dissuadir os usuários a desistir de compartilhar seus arquivos:
“Como podemos ensinar nossos filhos a emprestar seus brinquedos e ao mesmo tempo dizer a eles que compartilhar filmes e músicas é imoral?”, pergunta ele. O livro aborda, logo na introdução, o Brasil. Fisher conta sua visita ao país, em agosto de 2000, para uma palestra dirigida a advogados e juízes sobre direitos autorais e a internet. No meio de sua palestra, quando falava do Napster (na época, o mais popular sistema de troca de músicas pela rede), o advogado pediu que levantasse a mão quem já havia utilizado o sistema. Para sua surpresa, mais da metade da platéia, envolvida em questões do Direito, respondeu positivamente. Fisher considera o fato um sinal de que até mesmo esse tipo de público não acha moralmente condenável o compartilhamento de arquivos pela rede. As leis, então, precisam dar conta disso. (Portal Porto Alegre, www.portoalegre2003.org)
TRABALHO ESCRAVO
Confisco de terras corre risco na Câmara
Aprovada em comissão especial por unanimidade, depois de acordo da bancada do governo com representantes dos chamados ruralistas, a proposta de emenda constitucional (PEC) 438, de 2001, que determina o confisco da terra onde for constatada a exploração do trabalho escravo, corre sério risco de “encalhar” na pauta do plenário da Câmara dos Deputados. Um dos principais “termômetros” que podem ser consultados para aferir a viabilidade e o tempo calculado de trâmite de uma matéria é certamente o ânimo do relator. No caso da emenda constitucional em questão, a tarefa continua a cargo do deputado federal Tarcísio Zimmermann (PT-RS). Diz ele, parlamentar do mesmo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o governo “abdicou” de aprovar a mudança constitucional, apontada como uma das prioridades no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, lançado em 11 de março de 2003.
A matéria chegou a ser colocada em discussão no Plenário dia 26 de maio, mas uma questão de ordem contestando a redação da PEC, levantada pelo deputado Miro Teixeira (PPS-RJ), provocou manifestações de apoio de alguns de seus colegas – José Carlos Aleluia (PFL-BA), Asdrubal Bentes (PMDB-PA), Nelson Marquezelli (PTB-SP) e Fernando Coruja (PPSSC) – e inviabilizou a votação em primeiro turno. O ex-ministro Teixeira questionou trecho da emenda que poderia provocar interpretação segundo a qual trabalhadores de terras onde forem encontrados cultivos de psicotrópicos poderiam vir a ser beneficiados com o mesmo “assentamento prioritário” previsto aos colonos mantidos como escravos nas respectivas glebas. De acordo com um assessor legislativo da Câmara que acompanha o caso, não há possibilidade de que a mudança na Constituição provoque esse tipo de interpretação. “No plenário, os ruralistas não cumpriram o acordo firmado na comissão. Há resistências e não houve segurança para que a emen-
Também havia uma possibilidade muito remota de colocar a emenda em votação dia 2, mas as atenções foram todas canalizadas para a aprovação da medida provisória (MP) que reajusta o salário-mínimo para R$ 260. Trabalhadores em regime de semi-escravidão em Em conversa com fazendas do Maranhão representantes do Conselho Nacional pela da fosse votada naquele momen- Erradicação do Trabalho Escrato”, comenta o ministro Nilmário vo (Conatrae), o presidente da Miranda, da Secretaria Nacional Câmara, João Paulo Cunha (PTde Direitos Humanos. Para ele, a SP), prometeu que a PEC voltará interpretação feita por Zimermann à pauta dia 16. São necessários para o não andamento da matéria votos favoráveis de 2/3 dos 513 reflete a “ansiedade’ de quem é parlamentares da Câmara para relator. “Estive nesta sexta (4) que a emenda seja aprovada. Com com o ministro Aldo Rebelo (Co- a proximidade do recesso do mês ordenação Política) e, por parte do de julho, a tarefa de conseguir governo, está tudo certo para que a quorum para essa votação não PEC seja votada e aprovada. O de- se apresenta como uma das mais putado (Zimermann) se apaixonou fáceis. No segundo semestre, a pela questão e ficou frustrado. Eu atenção estará toda voltada para as também fiquei”. eleições municipais e dificilmente A matéria voltou à pauta do ple- essa matéria terá chances de ser nário dia 1º, mas acabou não sendo votada. O relator Zimmermann, apreciada por falta de quórum. por exemplo, já estará em cam-
João Roberto Ripper
Maurício Hashizume de Brasília (DF)
panha para a prefeitura de Novo Hamburgo-RS. Na prática, a bancada ruralista que quebrara o acordo na votação no plenário ainda está levando o bônus de prorrogar o trâmite da matéria, que corre sério risco de “ir para o vinagre”, como disse o próprio Zimermann. Há até parlamentares ruralistas afirmando que são “contra a expropriação de terras por trabalho escravo” e que “isso não passa do jeito que está e nem se houver modificação”. De qualquer forma, a assessora especial da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Raquel Cunha, promete continuar no esforço para a aprovação do confisco de terras. O Conatrae marcou uma reunião para definir estratégias em relação ao tema. A assessora do ministro Nilmário Miranda deverá se encontrar com a ex-deputada federal e atual delegada regional do trabalho no Pará, Socorro Gomes: “Ela está desenvolvendo um belo trabalho de combate ao trabalho escravo no Pará e poderá nos ajudar nas articulações no Congresso”, disse Raquel. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)
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NACIONAL RUMOS DO GOVERNO
Novo partido Lançado no último domingo, em Brasília, o Partido do Socialismo e da Liberdade (PSOL), que reúne os parlamentares expulsos recentemente do PT. O novo partido engrossa o time das agremiações de esquerda PSTU, PCO, POR e outras de oposição ao governo Lula. Concentração 1 Pesquisa do IBGE sobre as condições de consumo da população brasileira, no primeiro trimestre deste ano, concluiu que o Estado de São Paulo responde por 32% do consumo nacional. Concentração 2 Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas revela que cinco grandes grupos econômicos controlam 70% do comércio varejista na região metropolitana de São Paulo. São eles: Pão-de-Açúcar, Carrefour, Sonae, Sonda e D’Avó. O faturamento total do setor é de R$ 6 bilhões, e é gerado em 2.177 pontos de vendas. Vida mínima Pesquisa do Dieese sobre o custo da cesta básica de alimentos para uma família (casal e duas crianças), no mês de maio, mostra que os preços subiram em 11 das 16 capitais pesquisadas. Em Florianópolis, o aumento foi de 10% em apenas um mês. O custo da cesta básica em São Paulo foi de R$168,68. Para quem ganha o salário-mínimo de R$ 260, sobra muito pouco para moradia, transporte e outras despesas familiares. Rolo compressor Somente cinco deputados federais do PT votaram contra o governo na questão do salário mínimo: Chico Alencar, Walter Pinheiro, Dra. Clair, Ivan Valente e João Alfredo. Mais cinco se abstiveram, mas os outros “rebeldes” petistas desistiram do confronto com o governo. A retaliação já começou. Bola da vez O governo brasileiro não tem sido solidário como deveria com o de Hugo Chávez, da Venezuela, que continua sendo a bola da vez nos ataques do imperialismo. Quem conhece o modus operandi da política externa dos Estados Unidos sabe que essa posição de cautela exagerada jamais evitará que Brasil e Argentina deixem de ser alvos permanentes dos ataques do império. Agronegócio danoso Por falta de orientação correta e de fiscalização do Ministério da Agricultura, o Brasil teve um prejuízo de 1 bilhão de dólares com a exportação de soja contaminada de fungicida para a China. E ainda ficou com o nome sujo no mercado internacional. Supercrescimento Nas eleições municipais de 2000, o PT apresentou candidatos a prefeito em quase mil municípios. Agora, em 2004, pretende apresentar candidatos em três mil municípios. O que importa é a quantidade e não a qualidade política dos candidatos. Presente atualizado Fato ou lenda, está circulando na internet a seguinte história: em 1984, Tancredo Neves e Paulo Maluf estavam na disputa presidencial no colégio eleitoral. No dia 3 de setembro, aniversário de Maluf, os jornalistas que cobriam a campanha de Tancredo entraram no gabinete do candidato e perguntaram como ele presentearia o opositor. Sem dar uma só palavra, Tancredo parou, olhou um livro sobre a sua mesa e o empurrou em direção aos jornalistas. Era o Código Penal.
Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)
“A
transição não é transição, é o modelo a ser perpetuado para além desses dezoito meses de governo. E o que nós queremos é o socialismo!”. Essa exclamação, feita pelo deputado federal Ivan Valente (PT-SP), sintetiza os debates do seminário “Queremos um outro Brasil!”, que lotou o auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, dias 4 e 5. Como palestrantes, o deputado Chico Alencar (PT-RJ); o professor Gaudêncio Frigotto, da Universidade Federal Fluminense; o formulador do Plano Nacional de Reforma Agrária, Plínio de Arruda Sampaio, e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa. Lessa contou que foi convidado diretamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para presidir o banco dos sonhos dos brasileiros: “Vou socializar com vocês esses sonhos, como um brasileiro que quer um Brasil melhor. É a dimensão da esperança que nos traz aqui para reviver e revisitar os sonhos”. Lessa falou dos novos rumos do país: “Um Brasil que inclua 55 milhões de brasileiros, entre dois subgrupos: um de 12 milhões de desempregados, dos quais 40% são menores de 25 anos; outro, de 20 milhões de brasileiros do Nordeste semi-árido, sofrendo de cardiopatias e insuficiência renal devido à água sem as condições mínimas adequadas, que conduz a esse quadro epidemiológico. Esses dois recortes servem para fixar que os problemas do presente são de dimensão cósmica. São duas faturas que exigem um novo padrão de desenvolvimento. Este se arrasta há duas décadas com uma taxa rastejante de crescimento. Cortar o gasto público e elevar a taxa de juros, um modelo vicioso de mais de 20 anos. Só há uma maneira de manter a estabilidade, colocá-la de forma republicana em discussão com a sociedade. Articulação entre sociedade de trabalhadores organizada com empresários para dirigir o processo. É difícil, mas exeqüível. A estabilidade entregue somente ao governo produz um resultado que não é bom”.
REFORMA AGRÁRIA Plínio de Arruda Sampaio disse que deve-se criar um “momento de desconstrução da desconstrução”. Ele acrescentou que os presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso fizeram uma desconstrução empedernida e traidora. “Consiste agora em restaurar e recuperar a intervenção do Estado na sociedade. Romper com o Fundo Monetário Internacional, restabelecer o controle de capitais, desmon-
Gaudêncio Frigotto (centro): o mais difícil é compreender as contradições atuais e trabalhar sobre isso para obter mudanças
tar a armadilha da dívida externa, reestruturar a dívida interna, retomar o controle do Banco Central, dizer não à Área de Livre Comércio das Américas (Alca)”. Para Sampaio, “terra, teto e soberania nacional são palavras-chave. Nada salvará o país sem uma fortíssima reforma agrária. Reforma agrária é quebrar o latifúndio, fortalecer o poder camponês, o agricultor familiar, para se antepor à hegemonia do agronegócio. Como exportar tudo e o povo aqui ficar com fome? O programa do Lessa não resolve, o capitalismo não resolve os problemas brasilei-
ros. Dentro do capitalismo, não há solução. Precisamos construir a opção socialista senão não há solução. A estrutura ‘partido’ é insuficiente, a institucionalidade é a mediocridade partidária”. O professor Gaudêncio Frigotto ressaltou três questões: o que nos trouxe até aqui, em que pé estamos e o que fazer. “O mais difícil é entender em que contradições estamos metidos, e como lutar e ter essas utopias do socialismo trabalhando as contradições do capitalismo. O ponto em que estamos exige uma autocrítica da esquerda? O PT não fez mais que tentar a Presidência,
sem uma utopia socialista?”. Frigotto apontou a existência de uma nova classe – nem burguesia, nem proletariado – que gere os fundos do capital, em um novo sindicalismo de tipo americano. Segundo ele, esse núcleo que decide tem um projeto de melhorar o capitalismo e não de acabar com ele. Gaudêncio indica o caminho: “Temos que trabalhar na contradição das mudanças que não só o melhore, mas aponte para a sua ruptura. Lula não está disposto a ser diferente de Lagos (presidente do Chile) que, eleito pela esquerda, fez reformas dignas da direita”.
Abaixo-assinado pede democracia Ao final do seminário “Queremos um outro Brasil”, o presidente do BNDES, Carlos Lessa, recebeu das mãos de jornalistas um abaixo-assinado reivindicando “a democratização das verbas públicas para todos os meios de comunicação”. Esse abaixoassinado foi enviado também ao deputado federal Luiz Greenhalgh (PT/ SP) e a Ricardo Kotscho, secretário de Imprensa da Presidência da República. O documento ainda será encaminhado ao Congresso Nacional. A idéia do abaixo-assinado surgiu a partir de um artigo do jornalista uruguaio Mário Deugaugio, que defende a imprensa alternativa como instrumento indispensável para o funcionamento da democracia. Para os signatários, trata-se não só de valorizar a democracia, “mas de criar uma alternativa à grande imprensa, o que é perfeitamente viável, dependendo da vontade política. Em países como o Canadá e a
Marcos Fonseca Lima
Doce regresso Depois de sua realização na Índia, este ano, o Fórum Social Mundial retorna ao palco das três versões anteriores, a cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde consagrou a confraternização de quem acredita que “um outro mundo é possível” sem o neoliberalismo. O 5º Fórum será de 26 a 31 de janeiro de 2005.
No Rio de Janeiro, especialistas questionam o papel do Estado e fazem propostas para mudanças Mauricio Scerni
Hamilton Octavio de Souza
Seminário avalia alternativas
Carlos Lessa recebe abaixo-assinado de integrantes do Brasil de Fato-RJ
Venezuela, o poder público viabiliza a existência da imprensa alternativa ao grande monopólio por entender que dessa forma se dá vez e voz a quem não tem vez e voz nas páginas diárias da grande imprensa”. O abai-
xo-assinado conclama todos à “construção de um sistema de comunicação alternativo poderoso, eficiente e verdadeiramente independente dos grupos econômicos e financeiros internacionais”. (NC)
TVs fazem pressão contra campanha Aiuri Rebello de São Paulo (SP) No dia 13 de maio, a Rede Record de Televisão enviou carta ao Corregedor da Câmara dos Deputados, deputado Luiz Piauhylino (PTB-PE), afirmando que o deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara e coordenador da campanha contra a baixaria na TV, cometeu “abuso de poder” ao entrar em contato com as Casas Bahia para pedir que a empresa reavalie sua estratégia de anunciar no programa Cidade Alerta. A Record ainda promete tomar providências jurídicas contra o deputado. “Eles disseram que vão me processar por danos morais.
Divulgação
Fatos em foco
Mas não estão me intimidando”, rebate Fantazzini, esclarecendo que a campanha está aberta a negociações com as emissoras. Dia 29 de
abril, a Rede Bandeirantes teve atitude semelhante, enviando carta com ameaças ao deputado. Segundo a coordenação da campanha, foram contatados 14 anunciantes que veiculam propaganda em programas “que promovem a baixaria na TV”. Destes, oito não responderam ao ofício; e seis responderam, dos quais cinco se comprometeram a rever suas estratégias de marketing a curto ou médio prazo. A Secretaria da Fazenda do Distrito Federal, por exemplo, informou que já foram canceladas as inserções comerciais no programa Cidade Alerta, da Record – noticiário que ocupa o 10º lugar na sexta edição da lista dos programas de mais baixaria da televisão. O único anunciante que respon-
deu mas não se comprometeu com nenhuma mudança foi a empresa Casas Bahia. Segundo a rede de lojas, o contrato de publicidade com as emissoras é verticalizado, ou seja, independentemente da programação, os anúncios são exibidos uma vez em todo intervalo comercial. “Nós não ficaremos calados, tanto que já mandamos respostas para as cartas da Record e da Bandeirantes. Não queremos tirar o programa de ninguém do ar, só queremos respeito ao telespectador”, continua Fantazzini. “Se eles mantiverem os abusos, vamos continuar falando com os anunciantes, ou melhor, vamos divulgar as marcas que investem na baixaria na TV”, promete o deputado.
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NACIONAL OUTRO BRASIL É POSSÍVEL
Assentamentos dinamizam a economia
Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
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em a luta pela terra, não haveria reforma agrária. Em assentamentos espalhados por várias regiões do Brasil, de posse da terra, trabalhadores rurais, mesmo ainda pobres, passam a viver menos precariamente, com melhor acesso à saúde e educação. E em zonas tipicamente caracterizadas por monoculturas como a canavieira, os assentados diversificam a produção, especialmente de alimentos, que escoam nos mercados locais. Graças à renda obtida, passam a consumir bens como geladeiras e televisão. É o que mostra o trabalho resultante da pesquisa coordenada por Leonilde Medeiros, Sérgio Leite, Moacir Palmeira, Beatriz Heredia, professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e pela pesquisadora Rosângela Cintrão. A professora Leonilde Medeiros conversou com Brasil de Fato sobre os principais resultados dos dois levantamentos realizados. Um, contou com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia, e será publicado em julho, pela Editora Mauad. O outro, encomendado pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento (Nead), do Ministério do Desenvolvimento Agrário, resultou no livro Impacto dos Assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro, produzido pela Editora Unesp e recém-lançado na l8ª Bienal Internacional do Livro, de São Paulo. Brasil de Fato – A senhora pode explicar como foi feita a pesquisa sobre o meio rural brasileiro? Leonilde Medeiros – A pesquisa partiu da constatação de que havia muitos estudos sobre assentamentos, mas pouca reflexão sobre o significado no seu entorno. Foi nisso que investimos. Na verdade, foram duas pesquisas. Na primeira, com recursos da Finep, o professor Sérgio Leite e eu fizemos uma pesquisa em seis Estados – Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Sergipe, Mato Grosso e Acre – de 2000 a 2001. Trabalhamos com assentamentos criados de 1985 até 1997, e que já conhecíamos, para avaliar os impactos econômicos, sociais e políticos na região onde se localizavam. BF – E a outra pesquisa? Leonilde – Quando já havíamos terminado todo o trabalho de campo do primeiro levantamento, houve uma solicitação do Nead ao professor Moacir Palmeira, do Museu Nacional, para uma outra pesquisa sobre o impacto dos assentamentos. O Nead queria avaliar o impacto nas áreas de maior concentração de assentamentos. Integrei a coordenação da pesquisa, ao lado dos professores Sergio Leite, Moacir Palmeira, Beatriz Heredia (do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais), e da pesquisadora Rosângela Cintrão. Escolhemos o sul do Pará, a zona canavieira de Pernambuco, o entorno do Distrito Federal, o sul da Bahia, o leste catarinense e o sertão do Ceará. Tivemos o cuidado de trabalhar em áreas que não tivessem sido cobertas pela pesquisa anterior, justamente para termos um mapa melhor dos assentamentos. BF – Qual o universo envolvido? Leonilde – Nos municípios selecionados, fizemos uma amostra dos assentamentos e, neles, uma das famílias. No total, trabalhamos em 97 assentamentos e entrevistamos cerca de 1.600 famílias, além de prefeitos, técnicos do Emater, pessoal do Incra que dava assistência técnica aos as-
Renato Stockler
País afora, ao invés da monocultura, assentados diversificam produção, consomem mais e movimentam mercados locais
Donos da terra, os trabalhadores rurais optam pela produção diversificada. (Foto de campo de soja em assentamento de Itaberá, SP)
Quem é Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a socióloga Leonilde Medeiros é uma das coordenadoras da pesquisa Os impactos regionais da reforma agrária: um estudo sobre áreas selecionadas, que deu origem ao livro “Impactos dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro”, publicado pela Editora Unesp. sentamentos, lideranças sindicais do MST. BF – Quais as conclusões da pesquisa? Leonilde – O primeiro aspecto que chamou a atenção é que os assentamentos são geradores de emprego. Cada lote cria em torno de três empregos para a família. Vale ressaltar que uma parte importante da renda dos assentados provém do trabalho no lote, ou no assentamento, e que os empregos criados, tipo merendeira, não são trabalhos propriamente agrícolas. Outro fato importante: 80% das famílias entrevistadas vieram da própria região onde está o assentamento, famílias que, antes, eram, de alguma forma, de trabalhadores rurais. BF – Então cai por terra a teoria segundo a qual vem gente da cidade para inflar os assentamentos? Leonilde – Veja, muitos dos que tiveram um passado rural são pessoas que passaram pela cidade, tentando se inserir no mercado de trabalho urbano e optaram pela terra. Há também os que não têm um passado próximo ligado à agricultura. Dos assentados, cerca de 20% vieram de áreas urbanas e 80% moravam em áreas rurais. Há, no entanto, variações por região. BF – O que mudou na vida dos assentados? Leonilde – Procuramos comparar a situação antes e depois do assentamento, indagando se a vida tinha melhorado ou piorado em relação à saúde, educação, acesso a alimentos e comunicação, condições de moradia, posse de eletrodomésticos etc. A grande maioria acha que a situação melhorou. Embora a situação seja de muita pobreza, comparando com as condições de vida anteriores, houve melhoria substantiva. Porque os assentados passam a ter casa, algum tipo de
alimentação que provém do cultivo no lote, mais acesso à educação e saúde. Também procuramos checar isso verificando a posse de alguns bens. BF – Melhorou o padrão de vida? Leonilde – Exato. A posse de eletrodomésticos aumentou incrivelmente com a aquisição, principalmente, de geladeiras e televisão. Isso nos levou a concluir que os assentamentos estão tendo um papel importante na inserção tanto econômica como social de famílias que antes viviam em uma situação extremamente precária, e não teriam outra alternativa de trabalho. Dos entrevistados, 87% têm, no máximo, até a quarta série primária, e há parcela grande de analfabetos. São pessoas que não têm condições de inserção no mercado de trabalho porque não têm habilidades mínimas para isso. BF – Qual a faixa etária dos entrevistados? Leonilde – Em média, entre 40 e 60 anos, ou seja, pessoas maduras, mas não velhas. Normalmente, no lote vivia o casal, uma família nuclear típica. Outro fato que chamou a atenção é que, estabelecida a família nuclear, começam a chegar parentes, o sogro, a sogra, o irmão, o tio, o pai, a mãe etc., parentes que, pelo que investigamos, encontram uma espécie de abrigo para uma situação de precariedade. Ou então há, ainda, o caso de os familiares ficarem esperando no próprio assentamento conseguir o lote. Isto é, uma forma de também buscar acesso à terra. BF – E o que viram sobre a evasão? Leonilde – O aumento populacional dos lotes se contrapõe um pouco à análise simplista sobre a evasão dos assentamentos. Ela existe, obviamente. Eu mesma já trabalhei numa pesquisa sobre o assunto. Mas é preciso pensar as
condições da evasão, ou seja, por que as famílias saem, e, ao mesmo tempo, analisar o componente de atração exercido pelo assentamento. Além disso, o grau de evasão depende da região. No Nordeste, por exemplo, o índice é baixo, fica em torno de 10% a 15%. Na região Centro-Oeste, é muito alto, em torno de 50%, especialmente em Mato Grosso. No Sul fica em torno dos 20%. BF – Por que essas diferenças? Leonilde – No Centro-Oeste, sobretudo em Mato Grosso, está claro que o motor da evasão são as precárias condições do assentamento, como as dificuldades de comunicação, em áreas de endemias. Isso faz com que as famílias desistam muito facilmente. No Nordeste, grande parte dos assentamentos resultou de conflitos pela manutenção dos trabalhadores na terra (foreiros, arrendatários). Eram famílias que já estavam na terra e, para elas, ser assentada significava estabilizar uma situação conflituosa. Tanto é assim que o pessoal não sai, a não ser quando se tratam de idosos. O tempo de acampamento é outro fator. Quando é muito longo, há descapitalização porque quando as pessoas chegam, estão sem nenhuma reserva. Caso atrase o crédito, não conseguem agüentar. Na pesquisa feita em 98, concluímos que a existência de um índice de evasão não significa que o assentamento tenha fracassado. Às vezes, a família sai e vem outra para o lugar. A evasão se dá no início, num período que é um pouco tumultuado, mas depois há uma certa estabilização e o assentamento caminha sem dificuldades. BF – O que mais a senhora destacaria na pesquisa? Leonilde – Mais de 90% dos assentamentos pesquisados foram originários de algum tipo de conflito pela terra, não necessariamente de ocupação. Chegamos à conclusão que esses conflitos geraram desapropriações e, de alguma maneira, foram os próprios conflitos que permitiram a conformação da concentração de assentamentos. Quer dizer, há um conflito, área desapropriada, os vizinhos meio que se miram no exemplo, há continuidade da luta e outras áreas são desapropriadas. BF – Isso significa que a luta do MST está correta? Leonilde – Sim. Na verdade, sem pressão dos movimentos,
as desapropriações não andam, até porque há mil limites para as desapropriações. Historicamente, isso é totalmente visível. Outro aspecto importante é que as lutas resultam em concentração dos assentamentos. É o que se chama de área reformada por baixo, isto é, áreas reformadas posteriormente. Também verificamos que a concentração de assentamentos acontece em áreas com algum tipo de crise. Por exemplo, na zona canavieira nordestina, a crise da cana, que resultou em usinas endividadas e falidas, facilitou as desapropriações. A mesma coisa no sertão do Ceará, na zona cacaueira da Bahia, ou no sul do Pará, onde os assentamentos nasceram com a regularização de posse que vem do final anos 70, e que tem relação com a crise dos grandes projetos de ocupação da região. BF – Mais algum outro aspecto a destacar? Leonilde – A diversificação da pauta produtiva regional. Áreas que eram marcadas pela monocultura, especialmente na região canavieira de Pernambuco e cacaueira da Bahia, passam a ter uma enorme diversidade de produtos, o que enriquece a comercialização local, principalmente de alimentos. Alguns, como feijão, mandioca, milho e criação de pequenos animais, são cultivados em todos os assentamentos. Não por acaso são esses produtos que encontram mercado local muito fácil. Na região canavieira de Pernambuco, houve multiplicação de feiras, em função da produção dos assentamentos. Por outro lado, vemos em algumas regiões uma certa especialização. No Sudeste do Pará, chama a atenção a produção de abacaxi, uma inovação na região. Abacaxi que vai para Brasília e até para o Sudeste, como o Rio de Janeiro. Em suma, uma diversificação produtiva extremamente significativa que dinamiza o comércio local. BF – Por que essa produção não é contabilizada? Leonilde – Ela pode não aparecer nas estatísticas nacionais, até porque é uma produção vendida, em grande parte, de maneira informal, nas feiras e pelos atravessadores. Mas é uma produção que dinamiza os mercados locais. Mesmo que a grande maioria dos assentados nunca tenha tido acesso a certas facilidades, como, por exemplo, crédito, ou mesmo instrumentos agrícolas.
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De 10 a 16 de junho de 2004
NACIONAL POLÍTICA EXCLUDENTE
Mais pobres pagam mais impostos
Tributos, taxas e contribuições embutidas nos preços dos produtos estimulam ainda mais a concentração da renda
A
história parece velha de séculos. E é mesmo. A política de impostos transformou-se, no Brasil, num meio de concentrar ainda mais a renda em favor dos mais ricos, penalizando as famílias mais pobres, principalmente aquelas consideradas isentas do Imposto de Renda (IR). Em estudo recente, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) desnuda os artifícios criados pelos diversos governos para arrancar mais impostos do povo, numa política que termina, em última instância, emperrando as chances de crescimento equilibrado da economia. A análise do Instituto mostra que os muito pobres chegam a pagar, proporcionalmente, em torno de 40% mais impostos do que as famílias com renda mais elevada. Tomando os números da mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre julho de 2002 e julho do ano passado, o IBPT concluiu: as famílias com renda média de até R$ 400 por mês são obrigadas a desembolsar 24,4% dos seus rendimentos para pagar impostos, taxas, contribuições. Na outra ponta, para as famílias com rendimentos médios acima de R$ 6 mil, os impostos levam apenas 17,3% dos ganhos mensais (veja o gráfico).
PUNIÇÃO EM DOBRO Os mais pobres são duplamente punidos pelo modelo econômico em vigor. Primeiro, porque ganham pouco, o que faz com que suas despesas de consumo superem em 65% tudo o que recebem em um mês. No total, os rendimentos para quem tem renda de até R$ 400 somam, mensalmente, ao redor de R$ 2,068 bilhões, conforme dados do IBGE, mas as despesas de consumo
POLÍTICA DELIBERADA
Trabalhadores da Itautec, em São Paulo, realizam protesto pela correção da tabela do imposto de renda, dia 7
atingem R$ 3,420 bilhões – o que corresponde a 65,3% mais do que toda renda mensal. Ou seja, sobra muito mais mês do que salário para aquelas famílias, condenando-as a se endividar crescentemente, ou a lançar mão do escambo, trocando serviços por comida e remédios. E, mais uma vez, porque pagam impostos, taxas e contribuições escondidas nos preços dos produtos que consomem.
DISTORÇÕES EM CADEIA Os gastos de consumo (alimentos, roupas, remédios, aluguel e outras) correspondem a praticamente 95% do orçamento das famílias com renda mais baixa, diante de menos de 70% para as famílias com rendimento acima de R$ 6 mil. Para estas, os gastos de consumo chegam a R$ 15,027 bilhões em um mês, representando menos de 56% de seus rendimentos totais (R$ 26,887 bilhões).
Aumento de tributos ou justiça fiscal? Os números apurados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) confirmam que é mais correto, sob o ponto de vista de uma política tributária equilibrada, insistir na cobrança dos chamados impostos progressivos - que cobram proporcionalmente mais de quem pode pagar mais, reduzindo o peso sobre aqueles que têm renda mais baixa. A pesquisa mediu, entre outros fatores, quanto as famílias gastam com impostos todos os meses, considerando apenas os impostos declaratórios, ou seja, aqueles que as próprias pessoas declaram ao governo, como o Imposto de Renda, ou aqueles cobrados sobre imóveis e veículos por prefeituras e governos estaduais (como o Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU, e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA). Na média de todas as famílias pesquisadas, os impostos levam 4,43% do rendimento mensal, o equivalente a uma despesa de R$ 79,31. A participação avançou substancialmente desde 1975, quando estava próxima a 1,2%. A questão, neste caso, é que os ricos pagaram e pagam mais do que os mais pobres. Para as famílias com renda de até R$ 400, os impostos representavam, até janeiro do ano passado, data base da pesquisa do IBGE. 2,16% do rendimento médio mensal, diante de 7,17% para as famílias com renda acima de R$ 6 mil.
MENOS INJUSTIÇA Em valores absolutos, enquanto o rendimento médio das famílias mais ricas era 42 vezes maior do que o das famílias mais pobres, a dife-
A política tributária acaba jogando o fardo mais pesado dos impostos nas costas dos mais pobres, que passam a dispor de menos renda para consumir alimentos, roupas, remédios, televisores, geladeiras, DVDs, lazer. Com uma carga de impostos proporcionalmente menor, as famílias mais ricas podem consumir mais bens e serviços e investir em imóveis, ações, ampliando seu patrimônio, acumulando mais riquezas. Numa palavra, o modelo tributário incentiva a concentração de renda e riqueza num grupo reduzido de pessoas, que representam apenas 5% de todas as famílias, mas detêm quase 31% de todos os rendimentos.
Matuiti Mayezo/ Folha Imagem
Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
rença entre os valores dos impostos efetivamente pagos era de 139 vezes. Para o IBPT, não se justificaria, a esta altura, provocar um aumento na tributação das famílias de renda mais alta, já que a carga de impostos subiu aceleradamente nos últimos anos. Mas considera que faria todo o sentido reduzir ou isentar de impostos as famílias menos favorecidas. Há caminhos para se atingir aquele objetivo, mesmo no caso dos tributos indiretos, que vêm escondidos nos preços dos produtos e serviços que todos consomem. Na verdade, não seria preciso qualquer inovação. A legislação em vigor já prevê a possibilidade de redução da cobrança de impostos sobre produtos de consumo popular, com conseqüente taxação mais pesada, proporcionalmente, sobre bens e serviços consumidos tipicamente por pessoas de renda mais alta. As leis que regulam tanto o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual, quanto o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), federal, definem que o ministro da Fazenda e os governadores poderão adotar cobrança diferenciada de impostos conforme o grau de essencialidade dos produtos. Alimentos da cesta básica, por exemplo, já são isentos ou pagam alíquotas de impostos menores em vários Estados. Bastaria incrementar políticas assim para corrigir as distorções atuais, o que não significaria, necessariamente, abrir mão de receitas, desde que há possibilidade de taxar mais produtos considerados menos essenciais ou supérfluos (como camisas de seda, que eram isentas do IPI até recentemente). (LVF)
Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)/POF-IBGE
Os alimentos, que sofrem uma tributação de 22%, em média, têm um peso de 32% no orçamento mensal dos grupos com renda menor (ou seja, quase um terço dos gastos é destinado à compra de comida). No
caso dos mais ricos, no entanto, apenas 9% do orçamento são destinados à alimentação, o que cria uma óbvia distorção: como gastam proporcionalmente menos para se alimentar, pagam também menos impostos.
Não se produz um quadro assim por acidente, ou por erro na dosagem dos impostos. Trata-se, na prática, de uma política deliberada dos governos estaduais, prefeituras e do governo federal de aumento da tributação indireta sobre produtos e serviços consumidos pelo brasileiro, sem distinção de renda ou poder aquisitivo. Assim, ricos e pobres pagam a mesma coisa, quando deveriam merecer tratamento diferenciado, que respeitasse a capacidade de pagamento de cada faixa de renda. Numa política justa de impostos, quem pode mais, paga mais. No Brasil, acontece o contrário. Os tributos, taxas e contribuições indiretas, cobrados das empresas, são repassados aos preços dos produtos e serviços. E os governos, nos últimos anos, vêm aumentando exatamente esse tipo de taxação. Segundo o IBPT, nos anos 70, os impostos incidentes sobre o consumo representavam apenas 7,5% de todas as riquezas produzidas pelo país em um ano, ou seja, do Produto Interno Bruto (PIB). Vinte anos depois, aquela participação subiu para 13,6% e já atingia, em 2003, 15,5%.
ANÁLISE
A maldita herança liberal na AL Emir Sader
Nos últimos 20 anos, 91 milhões de pessoas se tornaram pobres na América Latina e 226 milhões vivem com menos de 2 dólares por dia. O que o povo rejeita nas pesquisas é esse sistema, e não a democracia. Mais da metade dos 400 milhões de latino-americanos não consegue satisfazer suas necessidades básicas; 102 milhões são indigentes, não conseguindo sequer dar o que comer a seus filhos. Esse é o balanço sintético da aplicação das políticas liberais no continente, nas duas últimas décadas e meia. Nos últimos 20 anos, quase 91 milhões de pessoas se tornaram pobres na América Latina – 226 milhões vivem com menos de dois dólares (seis reais) por dia. Aumentou o número de pobres e de indigentes. Há 40 milhões a mais de indigentes hoje do que há 20 anos. Um dos aspectos novos é o surgimento dos “novos pobres”, setores de classe média que se proletarizaram – a Argentina é o caso mais dramático. Nos últimos seis anos, 23 milhões de latino-americanos deixaram de pertencer à classe média, para passarem à categoria de pobres. Na Argentina, a taxa de pobreza duplicou entre 1999 e 2003, passando de 19,7% a 41,5%, enquanto a indigência se multiplicou quase por quatro, subindo de 4,8% a 18,6%. Cerca de 7 milhões de pessoas deixaram de ser da classe média para se transformarem em pobres. Os dados estão no documento “Desigualdade na América Latina e
no Caribe: ruptura com a história?”, redigido pelo Banco Mundial (BID). Como resultado das políticas liberais, o país mais eqüitativo da América Latina em termos de renda é mais desigual que o país mais injusto da Europa – incluída a Europa do leste, também assolada pelo liberalismo – e somente comparável com algumas zonas da África e com alguns países surgidos do desmembramento da União Soviética. Enquanto na Suíça a classe média representa 60% da população, em vários países do nosso continente não chega a 20%. Os setores mais vulneráveis nesse vendaval de miséria que o liberalismo promoveu no continente são os idosos, as mulheres, os indígenas e sobretudo as crianças. A precarização das relações de trabalho se estendeu a níveis sem precedentes, junto com o desemprego, que bateu seu recorde histórico no continente em 2003. A concentração de renda, sob os efeitos da financeirização das suas economias, fez com que o segmento mais rico tenha renda 20 vezes superior ao que recebe os que estão entre os 40% mais pobres. A perspectiva é desalentadora, porque a desigualdade é muito alta. Sem programas econômicos centrados na distribuição de renda, e não na estabilidade monetária e no ajuste fiscal, essa situação assustadora tende a piorar. Segundo o BID, a proliferação da violência está associada ao aumento da miséria e da indigência no continente. Uma de cada três crianças tem fome e 60% delas são pobres na América Latina, apesar da enorme capacidade de o continente produzir ali-
mentos. A cada ano, 190 mil crianças latino-americanas morrem por males ligados à pobreza, que poderiam ser evitados. Atualmente cerca de 40 milhões de crianças vivem ou trabalham nas ruas da América Latina. Somente na América Central, mais de dois milhões de crianças estão no mercado de trabalho. A cifra de crianças é igual à de adultos desempregados, o que significa que caso se evitasse que as crianças trabalhassem, esses adultos teriam acesso aos empregos. No entanto, os empregadores preferem as crianças, porque estas não gozam de direitos trabalhistas e acabam sendo remuneradas bem abaixo do que os mais velhos. Somente na favelas brasileiras residem 6,5 milhões de pessoas, mais do que o dobro da população do Uruguai. Em Buenos Aires e nos seus subúrbios, as “vilas-miséria” abrigam 1,3 milhão de habitantes. Entre 1999 e 2002, a taxa de pobreza aumentou de 43% a 44% e a indigência chegou a 19,4%. Daí que a maioria da população latino-americana rejeita o sistema político, econômico e social existente, que os analistas confundem com rejeição da democracia. A pergunta das pesquisas não deveria ser se gostam da democracia, mas se gostam do tipo de sistema em que vivem: essa é a rejeição da maioria dos latino-americanos. Emir Sader é professor da Universidade de São Paulo e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Artigo publicado originalmente na Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br
Ano 2 • número 67 • De 10 a 16 de junho de 2004 – 9
VENEZUELA URGENTE
Referendo definirá rumos do país
Gregorio Marrero/Associated Press/AE
SEGUNDO CADERNO
Conselho Nacional Eleitoral anuncia votação para 15 de agosto, enquanto oposição pressiona para voto manual Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
O
futuro da Venezuela será definido em 15 de agosto, quando o presidente Hugo Chávez será submetido a um referendo revogatório que definirá se pode ou não seguir no governo e terminar seu mandato. O anúncio foi feito extra-oficialmente pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), dia 8. Os reitores do CNE também indicaram que os resultados do plebiscito devem ser divulgados antes de 19 de agosto. Se a data não for cumprida, o caráter revogatório do pleito não será alterado. A data do plebiscito é crucial para a oposição que quer derrubar o governo. Se a votação ocorrer após 19 de agosto – quando restará um terço para o cumprimento do período presidencial – e o mandato de Chávez for revogado, o vice-presidente seguirá no governo até 2006, quando serão realizadas novas eleições. Caso a votação seja realizada antes de 19 de agosto, e se a oposição conseguir os cerca de 3,8 milhões de assinaturas necessárias, novas eleições devem ser convocadas em 30 dias.
MANOBRAS E FRAUDES Hugo Chávez reafirmou a importância de respeitar a decisão dos reitores do CNE como fiscais dos processos eleitorais, mas lembrou que o principal oponente no referendo serão as fraudes organizadas pela oposição. Um dos rumores sobre possíveis irregularidades está na automação dos votos. “Só a oposição pode responder as razões de querer o voto manual. Até onde sei, o CNE tem equipamentos para fazer a eleição eletrônica”, questionou. Ao que tudo indica, o CNE deve automatizar as eleições, contrariando a vontade dos membros da opositora Coordenadora Democrática (CD), que desde a confirmação do referendo, dia 3, têm manifestado rejeição às urnas eletrônicas disponíveis no país. Para o historiador Mário Sanoja, professor da Universidade Central da Venezuela, se trata de mais uma manobra da oposição para tentar fraudar o processo eleitoral. “Essa é a maneira pela qual eles podem
retirar os votos que não lhes interessam, como sempre fizeram”, avalia. Chávez, que deu “boas-vindas” à oposição por ter entrado no “caminho democrático”, poderá concorrer à novas eleições caso perca o referendo. A conclusão é do ministro de Relações Exteriores, Jesus Arnaldo Pérez, que afirmou em Quito, Equador, que “nada impede que Chávez se represente”. A questão é polêmica. O artigo 233 da Constituição diz que um novo presidente eleito deve assumir o cargo do titular destituído, o que abre precedentes para dúvidas. A decisão deve ficar para o Tribunal Supremo de Justiça.
Milhares de simpatizantes do presidente venezuelano Hugo Chávez participam de uma marcha em Caracas
Marchas levam milhares às ruas de Caracas O anúncio do referendo revogatório não intimidou os venezuelanos que apóiam o presidente Hugo Chávez. Dia 6, milhares de pessoas de várias partes do país participaram de uma marcha na Avenida Bolívar, em Caracas, numa das maiores manifestações populares dos últimos anos na capital do país. “No referendo, confrontaremos dois projetos: o nosso, bolivariano, e o de Washington”, afirmou Chávez. O pequeno produtor rural Vicente Caldera conseguiu um lugar em uma caravana de 27 ônibus e participou da marcha. Ele viajou 75 quilômetros, do município de Bríon, no Estado de Miranda, até Caracas. Enquanto seguia com a multidão, formada por pessoas de diversas etnias, Caldera afirmou: “Agora o povo aprendeu que pode
sair às ruas para se manifestar sem ser punido pela polícia, inclusive a oposição, que pode dizer o que pensa. Isso Chávez trouxe de volta, há cinco anos”.
CONFIANÇA DA MAIORIA Beneficiado com o crédito rural de 5 milhões de bolívares ( aproximadamente R$ 7,8 mil), o agricultor comemorava os resultados da parceria com os mercados populares do governo. “Antes não tinha para onde vender. Agora o povo tem acesso a alimento, pagando pouco. A oposição não vê isso porque nem precisa sair de casa para fazer compras, pede por telefone”, disse. Na marcha, o presidente Cháves desafiou: “Vamos ver se é verdade que eles são maioria”. O presidente pediu que seus apoiado-
res se organizem em grupos para ajudar na campanha massiva de registro da população, para “dobrar o número de votos que a oposição conseguiu”. Em seu discurso, previu uma dificuldade, reflexo da exclusão: muitos venezuelanos não possuem cédula de identidade ou registro eleitoral. Com um eleitorado de aproximadamente 13 milhões de pessoas, o índice de abstenção em votações chega a 30%.
CHUVA PARA A OPOSIÇÃO Ao ouvir o discurso do presidente, o agricultor Caldera comentou: “Na verdade a oposição não queria o referendo, pensava que o presidente não ia aceitar para poder dizer que aqui não tem democracia. Agora eles não sabem o que fazer”.
Na véspera da marcha popular, dia 5, foi a oposição que saiu às ruas, para celebrar o que chamaram de “derrota” do presidente. A “marcha da vitória”, que deveria seguir até a Avenida Libertador, acabou mudando de trajeto por causa da chuva. “Temos de lutar contra essa educação de pensamento único”, disse Henry Ramos Alluo, um dos membros da Coordenadora Democrática, ao se referir às missões de alfabetização organizadas pelo governo. Com a mulher e o filho de 5 anos, cada um com uma bandeira na mão, o publicitário Aron Alvarez afirmou: “Queremos outro governo para trazer igualdade para a Venezuela. Não dá para seguir assim, alimentando os mais humildes, que têm de trabalhar”. (CJ)
Fraudes e maracutaias marcam vitória da oposição Gilberto Maringoni de Caracas (Venezuela) Dia 3, em Caracas, diante de vários microfones e câmaras de televisão, o presidente da Junta Nacional Eleitoral (JNE) da Venezuela, Jorge Rodríguez, anunciou o que classificou de “cifras ainda não definitivas, mas que marcam uma tendência conclusiva”: 2.451.871 assinaturas apuradas respaldavam a convocação do referendo revogatório do mandato presidencial de Hugo Chávez. Chegava ao fim uma disputa de seis meses, que envolveu a primeira coleta de assinaturas, no início de dezembro de 2003, e nova chamada, entre 28 e 30 de maio. A oposição venezuelana obteve o número mínimo de assinaturas – 20% do total do eleitorado nacional
– para a convocação da consulta popular. Na primeira coleta de assinaturas, em 2003, a oposição alegou ter coletado cerca de 3,4 milhões de firmas, supostamente ultrapassando em 800 mil o número mínimo exigido, de 2,6 milhões de eleitores. No entanto, após meses de exame, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) constatou irregularidades em aproximadamente 1,8 milhão de assinaturas. O novo processo foi convocado, para confirmação de presença. A oposição suou a camisa para obter a adesão de um quinto da população. Contudo, tenta alardear uma desaprovação ao governo. Dia 2, o editorial do jornal El Nacional, um dos principais apoiadores do golpe de Estado de 2002, chegou a dizer que “o regime cessou de
governar e permanece solitário em sua desguarnecida trincheira, de onde só sairá para se entregar”.
ARITMÉTICA E POLÍTICA O processo foi marcado por denúncias de irregularidades. Dia 31 de maio, Francisco Carrasqueiro, presidente do CNE, em reunião com observadores internacionais, ressaltou que “cerca de 25 mil cédulas de identidades apresentadas nas mesas de votação são falsas, pois as fotos não coincidem com os nomes e esses estão em desacordo com os números”. Alguns centros de clonagem de cédulas foram descobertos pela polícia e o CNE constatou que 7 mil mortos “compareceram” aos locais de assinatura. “Mas não vale a pena fazer desta uma batalha meramente
aritmética”, assinala Luís Lander, professor de estatística e pesquisador da Universidade Central da Venezuela. Para ele, reduzir a luta política a números corresponde a aceitar o jogo da oposição. “O que significam 20% dos votos, diante das realizações desses últimos anos, da recuperação econômica, do crescente apoio popular?”, pergunta. Na mesma direção segue o vice-presidente da República, José Vicente Rangel. Em discurso na abertura da 3ª Cúpula da Dívida Social e pela Integração Latino-Americana, realizada no teatro Tereza Carreño, dia 2, disse: “A decisão não está na coleta de assinaturas, mas no referendo. Os que hoje se aferram a ele são os mesmos que não o queriam na Constituição”.
O governo conta com uma inequívoca carta na manga: a recuperação econômica dos últimos meses, lastreada no aumento do preço do petróleo, cujo barril ultrapassou a marca de 42 dólares. Segundo o ministro do Planejamento Jorge Giordani, o PIB venezuelano, que caiu 27,8% no primeiro semestre de 2003 por causa do locaute petroleiro, subiu 29,8% no primeiro trimestre de 2004. Ou seja, a atividade econômica interrompida há um ano foi retomada e a produção petroleira segue ao redor de 3,1 milhões de barris ao dia. O desemprego, que no final do ano bateu a escandalosa marca de 27,8% da população economicamente ativa, caiu agora para 21,8%. E a inflação conhece um ritmo descendente nos últimos meses.
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De 10 a 16 de junho de 2004
AMÉRICA LATINA ANÁLISE
Batalha decisiva contra a globalização Pedro Ruiz
Sorte do movimento antineoliberal é travada com a oposição venezuelana e em oposição ao poder dos Estados Unidos rebelião popular que se prolongou por uma semana, a partir de 27 de fevereiro de 1989, e que resultou em mais de 1.500 mortos. O episódio, marcado por violentas manifestações de protesto e saques em várias cidades, ocorreu logo após a posse de Carlos Andrés Pérez, em dezembro de 1988.
SOBERANIA E INTEGRAÇÃO Gilberto Maringoni de Caracas (Venezuela)
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O TEMOR DAS ELITES Em que pese o verbo inflamado do presidente, a conduta oficial no terreno econômico caracteriza-se por extrema cautela. A dívida segue sendo paga, a reforma agrária ainda não tocou nas grandes propriedades e as empresas anteriormente privatizadas e os contratos firmados seguem como estavam. Oficialmente, não se pretende construir uma sociedade socialista e o maior parceiro comercial são os Estados Unidos. Então, onde mora o perigo? Reside no fato de que Chávez não realiza um governo que tenha se enquadrado politicamente na mediocridade dos países que o cir-
Hugo Chávez retorna ao poder depois de uma tentativa frustrada de golpe da oposição em abril de 2003
cundam. Deseja transformar o petróleo, principal riqueza nacional, em bem público, cujos dividendos sirvam para fortalecer o Estado e melhorar seus serviços, como educação, saúde e infra-estrutura. Opõe-se resolutamente à implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Aprovou uma nova Constituição, extremamente democrática, em 1999, e investe fundo na organização popular. As classes dominantes têm medo do que Chávez aponta para o futuro, um futuro com roteiro imprevisível para elas.
Luis Silva
ão é exagero, nem proclamação vazia. É uma constatação cristalina: a grande batalha contra a globalização neoliberal se dá na Venezuela. A vitória ou derrota do governo Hugo Chávez no referendo revogatório está longe de ser uma questão interna do país caribenho e possui a rara característica de sintetizar uma contenda muito maior. Ali se joga o futuro das forças democráticas e progressistas mundiais nos próximos anos. Com a adesão ao modelo neoliberal dos governos Lula, no Brasil, e Lucio Gutiérrez, no Equador, contrariando um desejo expresso nas urnas, o presidente Chávez desponta quase solitário como uma pedra no sapato para a hegemonia estadunidense na América Latina. Seu acompanhante mais próximo é o líder cubano Fidel Castro. Daí as pressões externas brutais – que incluem tentativas de isolamento internacional – que se manifestam pelo menos desde o final de 1998.
CRISE ANUNCIADA A Venezuela é um país rico. Tem petróleo em abundância, cuja renda responde por 28% da composição de seu PIB e representa quase 80% de sua pauta de exportações. Mas também é um país profundamente desigual e dependente. Segundo dados da FAO (órgão das Nações Unidas voltado para a alimentação), 49% da população têm renda anual inferior a 230 dólares e cerca de 80% vivem na pobreza; 70% do que os venezuelanos consomem vêm do exterior. Durante a década de 1970, após a elevação dos preços do petróleo, patrocinada pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), o ingresso de divisas trou-
Enrique Mendonza, governador do Estado de Miranda e líder da Coordenadora Democrática, anuncia os números “oficiais” da oposição
xe uma súbita prosperidade para alguns setores da sociedade. Eram os tempos da Venezuela petrolera. Mas no início dos anos 1980, os preços internacionais do petróleo despencaram e a crise da dívida externa tomou conta do continente. A Venezuela quebrou. O 28 de fevereiro de 1983 ficou marcado como o fim de um sonho. O presidente da República, Luís Herrera Campíns desvalorizou a moeda nacional, o bolívar, como culminância de um processo que incluía, nos últimos anos, a queda substancial dos pre-
ços do petróleo, disparada da dívida pública, que fora multiplicada por dez entre 1974 e 1978, e o aumento dos juros para empréstimos. O desemprego avançou aos saltos. dando início a uma crise material e de valores, que acabou se mostrando irreversível. Com o fim da Venezuela petrolera, entrava em parafuso também o pacto político que a sustentou. No entanto o desenlace dessa crise ainda levaria uma década e meia para se manifestar plenamente e teria seu ponto de ruptura no caracazo, uma
Tentando fazer frente a uma crise de endividamento e fuga de capitais, Pérez fechou um acordo com o FMI que incluía um acentuado aumento nos preços dos combustíveis para o mercado interno. A rebelião – e uma feroz repressão – foi uma conseqüência lógica dessas medidas. E, depois da quebra, o povo encontrou um canal de expressão e um ponto de apoio: o tenente-coronel Hugo Chávez Frias, que tentara um fracassado levante militar contra o governo Pérez, em 1992. Guindado à condição de herói nacional, Chávez foi eleito presidente em fins de 1998, com a promessa de mudar o país. O processo chavista não tem como meta o socialismo, mas a luta pela soberania nacional e pela integração latino-americana. “Entretanto, é radical na busca por transformações estruturais”, garante Rafael Vargas, ex-ministro da Secretaria da Presidência. O centro de sua estratégia econômica é o controle do petróleo por parte do Estado – a Pdvsa (Petróleos de Venezuela, estatal petrolífera) sempre teve uma autonomia tamanha, que era chamada, nos anos 80, de “um Estado dentro do Estado” – e a diversificação da atividade produtiva, com justiça social. Busca, a duras penas, realizar uma reforma agrária e urbana que contemple a maioria despossuída. Chávez não tem um partido revolucionário à altura deste nome e apresenta um estilo personalista e centralizador à toda prova. Mas há um marco importante: as classes dominantes o odeiam e ele rejeita concessões fáceis. E incentiva como poucos a organização popular. Não é tudo, dirão os mais exigentes. Mas é meio caminho andado para que ele vire seu país de pernas para o ar em favor de seu povo.
Está em jogo o controle da Amazônia “Atualmente, boa parte do território colombiano situado na fronteira entre Colômbia e Venezuela está controlada por tropas paramilitares, ou diretamente monitorada por tropas estadunidenses. Não por acaso, é a área onde se encontra uma das mais ricas bacias petroleiras da América Latina”, afirma Gloria Inés Flórez, diretora da organização não-governamental Promoção Social Alternativa, que há dez anos atua em defesa dos direitos humanos nas regiões fronteiriças do Nordeste e Sudeste, e na capital colombiana. Gloria participou, em Caracas, de uma delegação de observadores internacionais do processo de reparo. Que ninguém se iluda: na Venezuela, o que está em jogo é o plano de ocupação militar imediata, pelos Estados Unidos, de todo o território amazônico situado fora dos limites brasileiros (aqui, o processo também está em curso, mas com outras formas, ritmos e prazos). O verdadeiro nome do jogo não é narcotráfico, nem guerra ao terror. É controle do petróleo, das reservas de biodiversidade e da água. Do ponto de vista da Casa Branca, a
eventual derrota do governo Chávez vai abrir uma avenida onde já existe rua pavimentada. Na Venezuela, o que está em jogo é o futuro da Amazônia e o do Brasil como nação soberana.
DESCARTÁVEIS A tragédia humana é indescritível. O Plano Colômbia – agora qualificado como Iniciativa Andina, para englobar também o Equador e, eventualmente, outros países da região – expulsa de seus lares centenas de milhares de indígenas e camponeses, que, em situação miserável, tentam encontrar refúgio em áreas próximas, incluindo países vizinhos, configurando um movimento migratório de proporções equiparáveis às encontradas em situações de guerra. Os miseráveis abarrotam campos de refugiados onde, sem qualquer assistência, lutam para sobreviver as 24 horas seguintes. Parte deles tenta refazer a vida nas cidades colombianas, onde são tratados como lixo – literalmente: são qualificados como desechables, ou descartáveis. O relato de Gloria coincide com aquele feito por Blanca Chancoso, da Confederação Nacional dos Povos Indígenas do Equador (Conaie). Blanca explica que os Estados Uni-
avançados de tropas estadunidenses, ou paramilitares sob instrução e direção de oficiais estadunidenses. Trata-se, portanto, de uma clara ocupação militar do território, no mesmo estilo daquela praticada no Vietnã, O ex-presidente estadunidense Jimmy Carter e sua equipe onde utilizaram o desfolhante “ados encontraram um expediente rá- gente laranja”, também fabricado pido e eficaz para deslocar popula- pela mesma Monsanto. A Venezueções indígenas e camponesas inde- la, nesse quadro, é a grande “pedra sejadas de suas áreas: a fumegação no sapato” de Tio Sam. É uma força com o “gás verde”, um pesticida de regional que ameaça atrapalhar os elevadíssimo grau tóxico fabricado planos de ocupação da Amazônia. pela transnacional Monsanto (a mesma dos transgênicos). O pre- O DEDO ESTADUNIDENSE Hugo Chávez denunciou, em 10 texto para as fumegações – sempre há um pretexto – é a necessidade de de maio, a captura de 88 mercenádestruir as plantações de coca. Mas rios colombianos em ações paramifotos exibidas por Blanca mostram litares na periferia de Caracas. Wacrianças em carne viva, por terem shington tenta fomentar um conflito militar entre a Venezuela e os seus sido expostas à ação do gás. O despejo do “gás verde” nada vizinhos já integrados à Iniciativa tem a ver com plantações de coca. Andina (Colômbia e Equador). Seu objetivo é “limpar a área”, com Esse é o sentido da recente invasão o objetivo de criar vazios popula- do Haiti pelos Estados Unidos, reacionais onde serão instaladas novas lizada com a bênção do governo bases militares ou acampamentos Lula. O Haiti, localizado na ilha
Venpres
José Arbex Jr. de Caracas (Venezuela)
Hispaniola (que divide com a República Dominicana), fornece uma base de operações muito próxima da fronteira Norte da Venezuela, e também situada a poucos quilômetros de Cuba. É um ponto ideal a partir do qual os Estados Unidos podem enviar os seus navios de guerra para uma eventual operação de cerco, como chegaram a fazer durante a tentativa de golpe contra Chávez, em 2002. As ações militares se combinam com a ofensiva diplomática. Às vésperas do reparo, em 26 de maio, o funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos Roger Noriega acenou com a expulsão da Venezuela da OEA, caso o governo Chávez não respeitasse os resultados do processo. Era uma clara chantagem, movida por um sujeito relacionado com a “máfia da Flórida”, organização que garantiu, mediante a fraude, a condução de George W.Bush à Casa Branca. Outro braço da ofensiva diplomática foi fornecido pelo Centro Carter, que durante o processo de reparo multiplicou ameaças veladas ao governo, além de extrapolar todos os limites de um grupo “observador” para se tornar protagonista e organizador da oposição burguesa a Chávez.
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De 10 a 16 de junho de 2004
INTERNACIONAL COMUNICAÇÃO
Mídia é o principal adversário Leslie Mazoch/AP/AE
Oposição a Hugo Chávez está baseada em meios de comunicação, liderada pelo milionário Grupo Cisneros
Renato Rovai de São Paulo (SP)
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a linha de frente da oposição a Hugo Chávez está a mídia. Todas as articulações que objetivam derrotar o atual presidente venezuelano foram abençoadas ou coordenadas pelos meios de informação local. O próprio golpe de 11 de abril de 2002, que alguns ainda teimam em denominar de militar, foi midiático-militar. Os grupos de mídia é que operaram o evento, cabendo a alguns setores militares ser o braço armado do espetáculo. É a realidade virtual construída pela mídia, esse adversário sem rosto que o presidente da Venezuela terá de enfrentar nas urnas no referendo de seu mandato. São muitos os nomes que se escondem por trás dessas organizações. São enormes os interesses transnacionais. Mas um desses personagens merece destaque e atenção: Gustavo Cisneros. Ele é a terceira maior fortuna da América Latina; mundialmente, vem depois de Carlos Slim,o bilionário presidente da Teléfonos de México, que é o 17º, e da família Safra, que está em 91º. Cisneros está em 94º lugar na lista dos 500 mais ricos da revista Forbes de 2004, com fortuna estimada em 4,6 bilhões de dólares, e tem influência e negócios para além da Venezuela. Até por isso, mesmo
MÍDIA
Centenas de milhares de venezuelanos vão às ruas apoiar Chávez, mas a mídia diz que seu governo não tem apoio popular
tendo acumulado prejuízos, pode liderar o golpe midiático-econômico que durou quase dois meses e que fez com que a Venezuela tivesse retração de 12% no PIB do ano passado. A Organização Cisneros é acionista majoritária da Univisión, a rede de televisão em língua espanhola que possui 18 estações nos EUA e registra a maior audiência entre a comunidade latina do país. Além da Univisión, Venevisión e Direct TV Latin America (144 canais vistos em 100 milhões de residências), a holding tem participação acionária na Chilevisión, na colombiana Caracol Televisão e na Caribbean Communications Network. Associados à Hicks Muse, Tate & Furst, os Cisneros participam da aliança ibero-americana de investimentos Iamp (Ibero-American
Media Partners), que nasceu em 1997, com capital de 500 milhões de dólares, para comprar negócios de comunicações na América Latina, na Espanha e em Portugal. As redes dos Cisneros produzem e distribuem mais de 19 mil horas de programas em espanhol e português por ano, para 40 milhões de lares em 21 países, em três continentes. A organização também é uma das líderes do mercado de bebidas da América Latina, com fornecimento para mais de 100 milhões de consumidores da região, e é dona da Panamco, a maior engarrafadora da Coca-Cola fora dos Estados Unidos. É evidente que Gustavo Cisneros não vai aparecer em nenhum programa pedindo ao povo venezuelano que vote contra Chávez no referendo. Vai se esconder completamente. Cuidará apenas de operar
suas máquinas de poder – a mídia comercial local e ao redor do mundo que reverbera a lógica política neoliberal. O grande adversário de Chávez é essa mídia. Se o governo vencer, ela é que será derrotada. Ela e a dita “credibilidade” de muitos de seus jornalistas-megafones que insistem em dizer que o governo Chávez não tem representatividade popular. Agora, mesmo levando em consideração os erros políticos que cometeu, se Chávez perder, o esquema midiático-político-empresarial deixará claro quem manda. Renato Rovai é editor da revista Fórum e autor de dissertação de mestrado, defendida na USP, com o título Midiático Poder - O golpe dos supermeios e o fortalecimento da guerrilha informativa no caso Venezuela
Brasil peca pela contra-informação
Luiz Antonio Magalhães de São Paulo (SP) Os brasileiros que pretendem se manter informados sobre o que realmente se passa na Venezuela têm poucos veículos de comunicação à sua disposição. Com exceção de órgãos da imprensa crítica, o que se vê nos jornais e revistas do país, para não falar das emissoras de televisão, é mais contra-informação, transmitida em um noticiário quase sempre desfavorável ao presidente Hugo Chávez. Há veículos declaradamente anti-Chávez, como o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja, que pelo menos deixam claro para seus leitores, em seus editorais, essa postura. Ser a favor ou contra o presidente venezuelano não é pecado, e revelar o posicionamento aos leitores é um ato de honestidade. O grande problema é que o noticiário vem sendo contaminado pela postura editorial. VENEZUELA População: 3 milhões de habitantes (93% urbana) Economia: O país é o quarto maior exportador de petróleo e possui uma das maiores jazidas do planeta. A exploração, feita pela estatal PDVSA, sempre esteve nas mãos da elite, que atua em sintonia com o seu principal comprador, os Estados Unidos. Hugo Chávez rompeu com essa política e prometeu repartir, entre os mais pobres, o dinheiro do petróleo. A Venezuela exporta também produtos primários: minério de ferro, alumínio e cimento.
No caso de Veja, por exemplo, difícil é encontrar fatos nas matérias, quase todas recheadas de adjetivos e sempre contrárias a Chávez. Já no “Estadão”, a tática é um pouco mais sutil. O noticiário é apresentado sem tantos adjetivos, mas se resume praticamente a releases da oposição a Chávez ou a informes das agências de notícias internacionais, sobretudo as estadunidenses, que também se posicionam ostensivamente contra o presidente venezuelano.
EM CIMA DO MURO Além dos jornais e revistas que praticamente se orgulham de participar do movimento pela derrubada de Chávez, há os que procuram apresentar uma pseudo-isenção – até pelo público-alvo a que se destinam, muitas vezes simpático ao líder da revolução bolivariana. É o caso da Folha de S. Paulo. O diário paulistano não está entre os que questionam Sociedade: A desigualdade marca a sociedade venezuelana. Cerca de 27% da população encontram-se em situação de pobreza; 7% são analfabetos; a taxa de mortalidade infantil está em 23,7%; 17% não têm acesso a água potável. Fonte: Governo venezuelano e OMS CRONOLOGIA 1998 6 de dezembro – Hugo Chávez é eleito presidente da Venezuela, em primeiro turno, com 56% dos votos. 1999 1º de janeiro – Ainda na posse, Chávez convoca plebiscito pela
a legitimidade do mandato de Chávez ou apóiam o movimento pródeposição do presidente. Na semana passada, por exemplo, em editorial a Folha fez uma ginástica mental para se posicionar favoravelmente ao referendo revocatório, mas sem apoiar incondicionalmente a deposição de Chávez. “Uma vez que o plebiscito revocatório é um dispositivo constitucional que foi referendado pela população, não há razão para considerar a consulta ilegítima. Se há algo a condenar, são as tentativas do presidente – que anteontem se apressou em posar de campeão da democracia – de frustrar o referendo, ora fazendo valer sua influência para manipular o Judiciário e a comissão eleitoral, ora recorrendo a detalhes burocráticos kafkianos para determinar sucessivas coletas de assinaturas e revalidações”, diz o editorial publicado um dia após o anúncio de que a oposição havia
conseguido os votos necessários para convocar o plebiscito. Como se vê, a Folha deve considerar “detalhes burocráticos kafkianos” a exigência de que somente os vivos assinassem o referendo. A má vontade da mídia brasileira com Chávez não é novidade. Ficou clara quando praticamente toda a imprensa nacional comemorou o fracassado golpe contra o presidente, publicando capas e manchetes sobre a suposta “renúncia” do líder bolivariano, que evidentemente nunca ocorreu. Na verdade, a questão de fundo é o controle da mídia em toda a América Latina. O projeto de Chávez passa por uma profunda democratização dos meios de comunicação (que ele ainda não teve força suficiente para empreender), e este modelo pode contagiar os demais países do continente. Tudo que os proprietários dos grandes grupos de comunicação no Brasil não desejam.
realização de uma Assembléia Constituinte. 15 de dezembro – Aprovada nova Constituição. 2000 30 de julho – Megaeleições, definidas pela nova Constituição. Hugo Chávez se reelege com amplo apoio popular. 2001 10 de dezembro – Chávez aprova pacote de 49 leis, entre elas a de Terra, a de Pesca e a de Hidrocarbonetos, sobre o petróleo. No dia seguinte, em protesto, a Fedecámaras e a Central de Trabalhadores da Venezuela (CTV) convocam paralisação nacional.
2002 9 a 11 de abril – Nova paralisação nacional, chamada pela Fedecámaras, CTV e diretores da PDVSA. 11 de abril – Golpe de Estado, patrocinado pelas duas entidades, partidos de direita, meios de comunicação, parte das forças armadas e apoio da embaixada estadunidense. 13 de abril – População se rebela e derrota golpe. Chávez é reconduzido ao poder. 2 de dezembro – Oposição inicia paro nacional, que dura dois meses e aprofunda crise econômica.
REPERCUSSÃO O que está acontecendo na Venezuela se aproxima de uma revolução. A reforma agrária de Chávez é um exemplo para a América Latina. Ele criou novas leis, não ficou só no discurso. Em setembro do ano passado, assentou mais de 100 mil famílias de pequenos agricultores, desapropriando um milhão de hectares. A reforma agrária venezuelana é também criar escolas, alfabetizar os camponses, facilitar o acesso à saúde dos mais pobres. Ao mesmo tempo, Chávez propõe grandes mudanças para o continente, sugerindo a Alba e redes latino-americanas de telecomunicações e petróleo. Mantendo firme suas posições, ele enfrenta o imperialismo e estabelece um novo projeto de sociedade e continente. A América Latina tem de seguir o exemplo, pois não há outra alternativa senão enfrentar o domínio dos Estados Unidos. Egídio Brunetto da coordenação da Via Campesina Nesta conjuntura, certamente haverá uma ação reacionária, interna e externa, contra o governo de Hugo Chávez. Por isso, no exterior, todos devem se solidarizar com o governo venezuelano. O governo brasileiro teve papel importante na época do locaute, ao respaldar a legalidade do governo Chávez. Agora, não basta defender a legalidade, mas apoiar o programa popular e democrático, combatendo a manipulação que a mídia internacional e nacional e os Estados Unidos fazem contra o governo eleito. Os Estados Unidos fazem uma opção aberta pela troca de Chávez, por golpe ou por outro meio. É provável que subsidiem ações contra-revolucionárias, pela mídia e pela Coordenadoria Democrática, pois têm interesses petrolíferos na Venezuela, quarto maior exportador mundial e país mais próximo do que o Oriente Médio. Além disso, os EUA querem manter também a hegemonia estratégica na região. Ivan Valente deputado federal (PT-SP) e integrante da Conferência Parlamentar das Américas (Copa) Os pobres sempre estão do lado dos pobres. Por isso, apesar das contradições do governo, o povo brasileiro apóia o povo venezuelano. Temos que defender a autonomia dos países latino-americanos e a resistência ao governo dos Estados Unidos. Chávez, com coragem, enfrenta o Império. Ele só consegue isso porque tem o apoio de seu povo. Os brasileiros devem defender os venezuelanos, pois estes defendem o bem do continente, com a proposta de uma integração popular continental. A solidariedade do povo brasileiro é fundamental, pois, quando a situação do país ficar insustentável e começarmos a nos mobilizar contra os EUA, também vamos precisar de ajuda. Dom Pedro Casaldáliga bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) e um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) O resultado (da votação) demonstra de forma clara a determinação do presidente Hugo Chávez, demais autoridades constituídas e das forças políticas daquele país, inclusive a oposição, de chegar a uma solução democrática, pacífica, constitucional e eleitoral para o quadro institucional da Venezuela. Salientamos também o papel da OEA, em particular do secretário-geral (Cesar) Gaviria, e do Centro Carter neste processo. Mas creio igualmente importante ressaltar que o Grupo de Amigos da Venezuela, criado por iniciativa do presidente Lula, do Brasil, e composto também por Chile, México, Estados Unidos, Espanha e Portugal, contribuiu para facilitar o diálogo entre os venezuelanos e evitar confrontações. Reafirmo a disposição do Brasil de continuar atuando no sentido de moderação e de apoio às normas constitucionais e da democracia naquele país irmão. Temos plena confiança na capacidade das autoridades e do povo venezuelanos de levar a bom termo o processo político em curso. Celso Amorim Ministro das Relações Exteriores
2003 3 de fevereiro – Fim do paro nacional. É decretada prisão dos presidentes da Fedecámaras e CTV, que fogem do país. A crise econômica é profunda, mas tendência é de recuperação. Fundamentos econômicos melhoram no segundo semestre. 21 a 24 de novembro – Oposição recolhe assinaturas para tentar convocar um referendo revogatório do mandato de Chávez, conforme definido pela nova Constituição. 2004 28 a 30 de maio – Oposição consegue, em segunda convocação, reunir o número mínimo de assinaturas para o referendo.
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INTERNACIONAL ÁFRICA
O primeiro adeus de Nelson Mandela
Marilene Felinto da Redação
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os 86 anos (que completará em 18 de julho), Nelson Mandela pede um pouco de sossego e anuncia sua retirada quase que total da vida pública. No dia 1º de junho, o advogado, líder político, herói sul-africano da luta contra o apartheid e primeiro presidente negro (19941998) da África do Sul anunciou o que, segundo ele, não seria uma despedida, mas apenas um recolhimento à leitura e à reflexão. O discurso da mais assediada das personalidades da África contemporânea foi marcado pela simpática advertência que já virou slogan mundo afora: “Não me telefonem, eu telefono para vocês”. Mandela disse também que quer passar mais tempo com a família e os amigos, além de se dedicar a escrever suas memórias sobre o período em que foi presidente da África do Sul, tarefa sempre interrompida pela falta de tempo. “O que vim fazer aqui esta manhã é um apelo mais do que um anúncio”, disse ele em Johannesburgo, na sede da Fundação Nelson Mandela. “Completo 86 anos dentro de poucas semanas, o que significa uma vida muito longa, privilégio de poucas pessoas. Tenho ainda a acrescentar a bênção de estar com muito boa saúde, ao menos de acordo com meus médicos. Tenho certeza de que ninguém me chamará de egoísta se eu pedir para passar mais tempo, enquanto ainda gozo de boa saúde, com minha família, meus amigos e também comigo mesmo.” Desde que deixou a Presidência da África do Sul, em 1999, Mandela se dedica a causas sociais, atuando em três instituições criadas por ele, a Fundação Nelson Mandela, o Fundo Nelson Mandela para a
France Presse
Herói sul-africano da luta contra o apartheid retira-se da vida pública para refletir e escrever
Quem é Nelson Mandela Nelson Rolihlahla Mandela nasceu na aldeia de Umtata, província de Transkei, em 18 de julho de 1918. Filho do chefe da casa real do Transkei (povo Tembu), estudou nas universidades de Fort Harare e Witwatersrand (Johannesburgo). Formou-se em letras e direito em 1942. Dois nos depois, ingressou no Congresso Nacional Africano (CNA) e passou a combater a política racista do apartheid, regime segregacionista imposto pela minoria branca na África do Sul durante meio século. Mandela foi preso em 1962 e condenado à prisão perpétua por conspiração contra o regime.
Nelson Mandela em seu aniversário de 80 anos, na África do Sul
Infância e a Fundação Mandela Rhodes. No ano passado, Mandela liderou pessoalmente uma campanha mundial de combate ao HIV/Aids, que já contaminou cinco milhões de pessoas na África do Sul. A campanha tem como lema a frase: “46664, dê um minuto de sua vida para parar a Aids”. O número 46664 era o registro de Mandela na prisão de Robben Island, onde ele esteve preso por 28 anos, condenado à prisão perpétua sob a acusação de conspiração contra o governo segregacionista branco da África do Sul. A campanha — considerada a maior já organizada contra a do-
ença — virou um projeto a longo prazo, sob a chancela da Fundação Nelson Mandela. O lançamento foi marcado por um megaconcerto de música na Cidade do Cabo, região sul do país, que contou com a presença de astros da música popular mundial que seguem apoiando o projeto, entre os quais o cantor Bono Vox, da bandaU2, Queen, Eurythmics, entre outros grupos e personalidades. Na ocasião, Mandela disse que era o seu desejo usar aquele número de estigma (46664) em favor de uma campanha de ajuda aos “sentenciados à prisão por toda a vida devido à Aids”. O dinheiro arrecadado com uma exposição dos
Em 1979, recebeu o Prêmio Jawaharlal Nehru e publicou “I Am Prepared to Die” (Estou Disposto a Morrer). Foi libertado em 1990, por pressão internacional contra o regime da África do Sul, depois de passar 28 anos na prisão de segurança máxima de Robben Island. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1993 e foi eleito presidente da África do Sul em 1994, nas primeiras eleições multirraciais da história do país. Foi casado com Winnie Mandela, de quem se separou logo depois que deixou a prisão. Atualmente é casado com Graça Machel, moçambicana, viúva do líder Samora Machel.
Desenhos de Nelson Mandela inspirados na prisão de segurança máxima de Robben Island, onde ele esteve preso por combater o regime racista da África do Sul.
desenhos de Mandela no período da prisão em Robben Island também foi utilizado para a campanha de combate à Aids.
COPA MANDELA O mais recente feito desse herói sul-africano por seu país e seu povo foi contribuir para a escolha da África do Sul como sede da Copa do Mundo de Futebol em 2010. Organizadores da comissão para a eleição da África do Sul disseram que foi o trabalho duro e a personalidade de Mandela os elementos a fazerem a diferença na hora da escolha. “Duvido que a África do Sul tivesse conseguido a indicação sem
Nelson Mandela. Eu fico comovido toda vez que o vejo. A aura dele, acredito, produziu a mágica em favor da África do Sul durante a apresentação”, afirmou Allan O’Ryen, um dos organizadores da comissão, à imprensa sul-africana no final de maio. “Depois que foi solto da prisão e eleito presidente da África do Sul, muita gente pensou que, como muitos líderes africanos, Mandela permaneceria no poder por longo tempo, mas ele surpreendeu a todos quando recusou todas as tentativas de manterem-no no cargo. Essa qualidade de caráter tornou-o muito querido aos olhos de muitos líderes mundiais”.
Roberto Correa Wilson de Havana (Cuba) A moçambicana Graça Machel, viúva do ex-presidente Samora Machel e atual mulher de Nelson Mandela, é uma das mulheres cuja vida está comprometida com os esforços de seu país por deixar para trás a triste herança do colonialismo. Graça Machel nasceu em 1945, na província de Gaza, no sul de Moçambique. Por sua força de vontade, muito jovem ainda foi admitida na Universidade de Lisboa, onde estudou línguas germânicas, nos tempos em que seu país era colônia portuguesa. Sua permanência em Lisboa lhe permitiu compreender melhor a natureza do sistema colonial português. Naquela cidade, relacionou-se com estudantes de Angola, Cabo Verde e outras colônias, os quais desenvolviam atividades clandestinas. Em Lisboa também teve início seu relacionamento com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que liderava a guerra anticolonial e era presidida por Samora Machel, um dos dirigentes mais brilhantes de sua época na África. Embora conhecesse Machel desde Moçambique, foi durante um treinamento militar na Tanzânia que os dois se apaixonaram, relação que culminou em casamento dois meses depois de alcançada a independência, em 25 de junho de 1975.
A MINISTRA Quando Graça Machel assumiu a pasta da Educação, depois da independência, Moçambique apresentava um dos mais altos índices
Jessica Blatt
Ao lado do mito, a grande Graça Machel Quem foi Samora Machel
Graça Machel (de óculos), em evento de sua fundação de apoio às crianças moçambicanas, em Maputo, 2000
de analfabetismo entre todas as nações do continente. Entre 1975 e 1985, o número de alunos matriculados na escola primária e secundária aumentou cerca de 40% entre todas as crianças em idade escolar, em mais de 90% entre homens adultos e em 75% entre mulheres. A ministra, juntamente com sua equipe, realizou uma mobilização que atingiu toda a nação. O lema da campanha foi “fazer do país uma escola onde todos aprendem e onde todos ensinam”, que era a meta estabelecida pela Frelimo. Graça Machel acha que os anos em que esteve à frente da Educação foram os melhores de sua vida. Mas à medida que se desenvolviam com êxito os planos governamentais, e Moçambique redobrava seu apoio aos movimentos de libertação, um grande perigo espreitava o país. Essa política provocou numerosas agressões armadas por parte dos regimes racistas da África do Sul e da Rodésia (atual Zimbábue), que oprimiam a população negra majoritária em seus respectivos países. O regime sul-africano planejou
Um dos mais populares líderes africanos na luta anticolonialista, Samora Machel destacouse também por sua oratória brilhante e grande facilidade de comunicação. Nasceu em Xilembena, província de Gaza (Moçambique), em 29 de setembro de 1933. Estudou em missões protestantes e trabalhou dez anos como enfermeiro. Em 1961, ligou-se à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), de orientação marxista, pela qual participou da luta armada pela independência do país. Em 1969, depois
diversos atentados contra a vida do presidente Machel. Em 1986, derrubaram o avião que levava o presidente para Maputo, capital moçambicana, ocasião em que ele faleceu. O assassinato de Machel foi seguido de cruéis massacres sul-africanos contra a indefesa população sul-africana. A morte do presidente afetou Graça severamente. Houve resistência das novas autoridades em aceitar sua renúncia ao cargo, mas a perda a deixou sem energias. A educação é algo que precisa ser feito com a cabeça e o coração, se não, não funciona, ela repetia ao deixar o cargo em 1986. Entretanto, essa mulher, mãe dos filhos de Samora Machel, soube se superar, dando provas mais uma vez da forte vontade que sempre a acompanhou, e começou a trabalhar em organizações civis. Tornou-se presidente da Organização Nacional da Infância em Moçambique, entidade dedicada a abrigar nos povoados os órfãos surgidos dos ataques sul-africanos ao país, reforçando ao mesmo tempo a função da família e da comunidade.
do assassinato do presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane, assumiu o comando da guerrilha. Presidente de Moçambique a partir da independência (1975), Samora Machel enfrentou graves dificuldades: a economia devastada pela guerra, a oposição armada do grupo dissidente Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) e a hostilidade do governo branco racista da África do Sul. Morreu num desastre de avião perto de Nkomati, África do Sul, cujo governo foi acusado de planejar o atentado.
É também presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, instituição moçambicana que fomenta o acesso ao conhecimento, à tecnologia e ao desenvolvimento sustentável. Em 1996, foi autora do Relatório sobre as Repercussões dos Conflitos Armados nas Crianças, um estudo de 318 páginas publicado pelas Nações Unidas, uma convocatória para que se coloquem as crianças no centro de todos os programas.
COM MANDELA O primeiro contato com Mandela foi durante o funeral de Samora Machel. Mandela encontrava-se ainda preso, mas enviou uma carta a Graça, assinada por ele e Winnie Mandela, sua primeira mulher, que assistiu às honras fúnebres. Graça respondeu a ele via Winnie. Anos depois, conheceram-se pessoalmente, após a libertação de Mandela, em 1990. Segundo Graça, o líder sul-africano era para ela, como para todo o mundo, um mito, um conjunto de valores. Nas primeiras vezes que nos vimos, tive que lidar com a dualidade de que ele era um
mito e uma pessoa de carne e osso, afirma Machel. O resultado da relação que se tornou cada vez mais próxima foi o casamento de Graça e Mandela, em 18 de julho de 1998. O matrimônio não a impediu de continuar com suas obrigações. Entre suas numerosas atividades, é atualmente reitora da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul. Também é membro de conselhos de várias universidades e organizações internacionais. Já recebeu diversos prêmios de vários países em reconhecimento de seus incansáveis esforços em prol das crianças. Ela divide seu tempo entre Moçambique e a África do Sul. Muitos africanos acham a relação de Graça e Mandela um modelo a seguir, que pode influenciar favoravelmente a conduta das novas gerações dos dois países. Assim é que Graça, esposa de duas figuras únicas da África contemporânea, e um baluarte na defesa das crianças do continente, também se constitui em paradigma e em uma mulher africana relevante. (Prensa Latina www.prensa-latina.com.br)
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AMBIENTE PARANÁ
Estado multa por uso ilegal de agrotóxico Aplicação do Roundup Ready, da Monsanto, diretamente na soja não tem amparo legal e pode prejudicar a saúde
O
governo do Paraná está punindo agricultores com multas pela utilização ilegal do produto Roundup Ready, agrotóxico à base de glifosato, comercializado pela transnacional estadunidense Monsanto. O glifosato é o ingrediente ativo de herbicidas mais utilizado no mundo. No Brasil, seu uso é autorizado pelo Ministério da Agricultura apenas para a fase denominada pré-emergente (antes do plantio). Na fase pós-emergente (depois do plantio), o uso é permitido somente entre as linhas de plantação, ou seja, sem contato direto com as folhas e ramos das plantas. No caso da soja transgênica, como a semente é resistente ao glifosato, a aplicação do produto é feita diretamente nas partes aéreas da planta. A pedido do governo estadual, a Universidade Federal do Paraná realizou testes em amostras de soja não convencional submetida ao agrotóxico. Os resultados revelaram a presença de resíduos de glifosato e de ampa (substância resultante de metabolização do glifosato). “Já autuamos seis agricultores pela utilização ilegal do produto”, informa o engenheiro agrônomo Rudmar Pereira dos Santos, da Secretaria de Agricultura do Paraná. A Monsanto está tentando obter junto ao governo federal uma autorização para esse tipo de utilização do agrotóxico. “O nível de resíduos químicos do produto contamina
excessivamente o ambiente e pode ser absolutamente prejudicial à saúde humana”, aponta trecho de uma ação civil pública movida
pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra a utilização do glifosato diretamente em plantações. O glifosato é a
principal causa de intoxicação dos trabalhadores rurais no Brasil.
BULA OMISSA Em abril, o governo do Paraná chegou a proibir a comercialização do glifosato Roundup. Um parecer da Secretaria Estadual da Agricultura recomendava a retirada do mercado do agrotóxico fabricado pela Monsanto, por falta de informações na bula do produto. “Ao
Epitácio Pessoa/AE
Fernando César de Oliveira de Curitiba (PR)
produzir uma cartilha sobre como tratar intoxicações provocadas pelo glifosato, a empresa estadunidense admitiu os malefícios do produto. E agora omite essa informação das bulas”, aponta o engenheiro agrônomo Rudmar dos Santos. Uma liminar obtida pela Monsanto na Justiça paranaense autorizou as vendas do produto no Estado. O mérito do processo ainda não foi julgado.
Monsanto faturou 4,8 bi de dólares em 2002
Carregamento de soja é analisado por técnicos em Porto Paranaguá (PR)
“Se você pensa num mundo melhor, você pensa como a gente. Você pensa num mundo com transgênicos”. A frase publicitária é o destaque principal da página da multinacional estadunidense Monsanto, na internet. Aparece ao lado de uma série de fotos de crianças sorridentes e saudáveis. Líder mundial em vendas de sementes transgênicas – e dos herbicidas a que tais plantas resistem – , a empresa se esforça para convencer a população de que seus produtos geneticamente modificados são seguros. Recentemente, inclusive, lançou mão de uma milionária campanha de propaganda pró-transgênicos. Em 2002, a Monsanto faturou 4,8 bilhões de dólares em todo o mundo. Apenas no Brasil, seu faturamento alcançou a marca de 600 milhões de dólares, segundo dados da própria
empresa. Responsável pela disseminação ilegal de sementes de soja transgênica no país – plantadas em especial no Rio Grande do Sul – , a Monsanto foi diretamente beneficiada, em 2003, pela lei federal que acabou por estabelecer normas para a comercialização de soja geneticamente modificada. A Procuradoria Geral da República ainda aguarda o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de uma ação de inconstitucionalidade movida contra a referida lei. Em uma ação anterior, a Justiça Federal do Distrito Federal já havia se manifestado contra a legalidade do plantio de transgênicos no Brasil. Um dos argumentos contrários aos transgênicos diz respeito à ausência de estudo prévio de seu impacto ambiental, uma exigência da Constituição brasileira. (FCO)
ESPÍRITO SANTO
Assembléia investiga violações de direitos humanos Erick Schuning de Vitória (ES)
A comissão de direitos humanos da Assembléia Legislativa do Espírito Santo vai convocar uma audiência pública para discutir as violações de direitos humanos cometidos pela empresa de segurança Visel, prestadora de serviços para a multinacional Aracruz Celulose. A comissão está averiguando as denúncias feitas pelos moradores
da localidade de Vila do Riacho, no município de Aracruz, relativas à repressão aos catadores de resíduos de eucalipto. Segundo os moradores, a empresa de segurança da Aracruz Celulose, junto com a polícia militar, está realizando prisões de pessoas que coletam esses resíduos – inclusive adolescentes – e apreendendo o material. Há alguns anos, organizações não-governamentais e movimentos de direitos humanos
já denunciam a ação truculenta da empresa Visel e da Polícia Militar contra as comunidades quilombolas pelo mesmo motivo. A assessoria de comunicação da deputada Janete de Sá (PSB-ES), presidente da comissão de direitos humanos da Assembléia, informou que a parlamentar se manifestou contra a violência usada pela Visel e “não entende como uma empresa contratada para fazer a segurança está se portando de forma tão tru-
culenta em relação à comunidade”. A assessoria anunciou ainda que foi prevista uma reunião da comissão, dia 3 de junho, para discutir a situação e convocar uma audiência pública. Os moradores também têm problemas relacionados ao abastecimento de água no local, depois da construção de canais para o abastecimento do complexo industrial da Aracruz Celulose. Segundo as denúncias, a água
consumida pelos moradores estaria provocando doenças de pele e diarréia. Recentemente a Associação dos Geógrafos Brasileiros – seção Espírito Santo – divulgou um estudo onde revela o domínio dos recursos hídricos da região pela empresa Aracruz Celulose. Segundo o estudo, a empresa tem um consumo diário equivalente a 2,5 milhões de habitantes, o que representa 80% da população do Espírito Santo.
ANÁLISE
“Negócio da China” retoma produção de energia suja
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, divulgada na imprensa aos brados de “vai Lula, ajuda o Brasil”, rendeu acordos que ampliarão ainda mais o fluxo de negócios entre os dois países – hoje correspondente a 6,7 bilhões de dólares, com balança favorável para o país sul-americano, que ganhou 4,5 bilhões de dólares, em 2002, pelas exportações aos asiáticos. Entre os acordos bilaterais fechados, está a negociação entre a Central Termelétrica do Sul e a China National Machinery and Equipment Import and Export Corporate (CMEC), que juntas vão construir uma usina termelétrica a carvão em Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul. Grande parte das trocas comerciais previstas entre os dois países envolverá essa fonte de combustível motora da Revolução Industrial do século 18. Essas trocas incluem a instalação de linha de transporte marítimo entre os dois países e o desenvolvimento, na China, de um projeto de produção de carvão para exportação para o Brasil. Os dois países também não
çando nas discussões sobre formas de implementação das fontes renováveis de energia como eólica, solar, biomassa e pequenas hidroelétricas, o Brasil mostra estar na contramão da tendência global, assinando contrato de financiamento para uma usina a carvão mineral e acenando com uma discutível parceria para promover a área nuclear”, admira-se Sérgio Dialetachi, coordenador da Campanha de Energia do Greenpeace Brasil.
Agência Brasil
Evandro Bonfim de Brasília (DF)
OS CUSTOS DO NEGÓCIO
Presidente Lula assina acordos energéticos que colocam em risco o ambiente
escondem o interesse em celebrar acordos de cooperação para o desenvolvimento de energia nuclear. Esses dois anúncios, relacionados a duas matrizes energéticas consideradas sujas, perigosas, nãorenováveis e degradantes para o ambiente, provocaram a imediata reação das organizações ambien-
talistas brasileiras, que apontam a incoerência e o receio para com os novos andamentos da política ambiental do governo Lula, principalmente por conta do papel-chave que o país poderia desempenhar na Cúpula da Energia Renovável, iniciada dia 1°, na Alemanha. “Quando o mundo todo está avan-
Parece justificável, do ponto de vista financeiro, o interesse do Brasil em estreitar relações com Pequim. A China é a maior potência econômica mundial em ascensão. A taxa de crescimento médio do país é de 9% ao ano, na última década, colocando-a como a 6ª maior economia do globo. O custo, porém, reside na série de contradições mostradas pelo próprio governo com respeito à política ambiental e à perda da posição de ponta que o país tem na discussão de temas como promoção de energias renováveis. “O anúncio feito na China não condiz com a mensagem que recebemos do Ministério de Minas
e Energia”, disse Rubens Born, do Vitae Civilis. Tanto a ministra Dilma Rousseff como o secretárioexecutivo do Ministério de Minas e Energia, Maurício Tolmasquin, se comprometeram recentemente com os ambientalistas de que o governo federal não promoveria empreendimentos de geração de energia à carvão ou nuclear. “O Brasil abriu mão de continuar na vanguarda das discussões internacionais e apresentar uma proposta arrojada de implementação e financiamento do desenvolvimento das energias renováveis, como fez na Conferência de Johannesburgo, em 2002, propondo uma meta global de 10% da matriz de energia renovável na matriz energética mundial até 2010”, lamenta o Greenpeace. As duas organizações ambientalistas afirmam esperar que o Brasil “reveja essa iniciativa e proponha à China um acordo de cooperação em áreas de interesse comum, como a da energia renovável por biomassa, eólica e outras fontes sustentáveis que possam, em curto e médio prazos, suprir as necessidades das populações isoladas e do desenvolvimento sustentável de ambos os países”. (Adital, www.adital.org.br)
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DEBATE RUMOS DO GOVERNO
Exemplo a seguir, o da Malásia estavam de acordo com o artigo VIII dos estatutos da instituição, que se refere às “obrigações gerais dos membros”. Por fim, o FMI considerou que o conjunto de medidas estava em conformidade com o artigo, mas avaliou que sua implementação deveria, ainda assim, ser mantida sob acompanhamento.
João Sicsu Se o senhor vice-presidente, José Alencar, me perguntasse: – Com tanta turbulência internacional, nós, ainda assim, podemos reduzir a taxa de juros? Eu lhe responderia: – Senhor vice-presidente, lhe contarei a experiência recente da Malásia.
...POR POUCO TEMPO
D
urante a crise asiática de 1997-98, o ringgit, a moeda malaia, sofreu uma desvalorização de, aproximadamente, 2,50 para 4,20 por dólar estadunidense, desde o final do primeiro semestre de 1997, a agosto de 1998 – apesar da economia da Malásia apresentar sólidos fundamentos. A economia malaia apresentava, então, dados relativamente seguros. Em 1996, o seu PIB cresceu 8,6% e 7,5% no ano seguinte. Sua inflação, nesse período, era inferior a 3%, o desemprego também. Era reconhecido que o aumento da renda era dividido de forma equilibrada entre os diversos grupos sociais e étnicos. Havia investimentos elevados em educação. Somente uma variável não era positivamente avaliada pelos mercados financeiros e o Fundo Monetário Internacional (FMI): a relação dívida/PIB, que era um pouco menor que 60%. A Malásia fez exatamente o oposto do que sugere o receituário padrão do FMI para o enfrentamento de crises de fuga de capitais, que se transformam em crises cambiais. O Fundo propõe a flutuação da taxa de câmbio, a Malásia fixou a taxa de câmbio em 3,80 (que é mantida até hoje). O FMI sugere a elevação da taxa de juros, a Malásia a reduziu. O FMI receita a redução dos gastos públicos para estabilizar (isto é, reduzir) a relação dívida pública/PIB, a Malásia aumentou os gastos públicos e impôs uma trajetória ascendente para esta relação.
CONTROLES DE CAPITAIS
Mas tudo isto somente foi possível porque a Malásia neutralizou, com a adoção de medidas de controles de capitais, os possíveis impactos que a plena mobilidade de recursos financeiros poderia ter causado na sua economia. Sem a adoção de controles de capitais, a estratégia malaia expansionista de enfrentamento da crise não teria sido possível. Na ausência de controles, somente restaria a opção de adoção da estratégia recessiva do FMI. No dia 1º de setembro de 1998, foi imposto um amplo conjunto de instrumentos de controles sobre a saída de capitais para reduzir a pressão latente de desvalorização da moeda malaia. Os investimentos diretos estrangeiros e as transações internacionais comerciais ficaram isentos. No segundo semestre de 1997, a fuga de capitais tinha atingido cifras consideráveis e o nível de reservas do Banco Central malaio estava muito baixo (no início de 1997, suas reservas somavam mais de 27 bilhões de dólares; no início de 1998, somavam menos que 21 bilhões de dólares). Os controles e medidas adotados visavam impedir a fuga de capitais e alongar o perfil das aplicações de estrangeiros na Malásia, sem recorrer a elevações da taxa de juros que estrangulariam a economia, a exemplo do que ocorreu com os países asiáticos que seguiram as políticas propostas pelo FMI.
RECEITA EFICIENTE
As principais medidas adotadas foram as seguintes: (1) Estrangeiros ficaram impedidos de repatriar recursos
obtidos com a venda de ativos financeiros da Malásia por doze meses, a contar da data da transação de venda; (2) Malaios deveriam aprovar previamente a realização de investimentos no exterior além de certos limites, independentemente da forma da transação (antes tal medida era aplicada somente a empresas malaias endividadas internamente); (3) A quantidade de remessa de dólares ao exterior por parte de malaios foi limitada de acordo com a quantidade de recursos trazidos para a Malásia por estrangeiros. Um outro bloco de medidas foi adotado em 15 de fevereiro de 1999. Objetivava desencorajar os investimentos financeiros de curto prazo e, ao mesmo tempo, permitir a saída de capitais de forma não abrupta – já eram medidas de relaxamento dos rígidos controles impostos. A medida mais importante tomada nesta data foi a seguinte: alíquotas regressivas de imposto (relativas ao tempo de permanência) sobre a saída de capitais de estrangeiros oriundos da venda de investimentos financeiros (ações, títulos públicos e outros papéis) foram estabelecidas – 30% se o principal fosse repatriado menos que sete meses depois da data de entrada; 20% se fosse repatriado entre sete e nove meses; 10% para a saída de capitais que permanecessem nove a doze meses; e alíquota zero para a saída de recursos de duração superior a doze meses (não havia imposto sobre a remessa de lucros, juros, dividendos e aluguéis). Os controles sobre a saída de capitais foram estabelecidos em uma situação de crise com objetivo de superá-la e de recuperar a autonomia sobre a política
monetária que teria que manter as taxas de juros em patamares elevados para conter a fuga de capitais, dissolver a pressão especulativa sobre a taxa de câmbio e reduzir a perda de reservas por parte do Banco Central malaio. A introdução das medidas de controles foram acompanhadas da fixação da taxa de câmbio (que estava sob um regime flutuante), da redução da taxa de juros acompanhada de medidas de ampliação do crédito e da manutenção da política fiscal de gastos, iniciada nos primeiros dias de 1998, que tinham o objetivo explícito de estimular o crescimento econômico. RESULTADOS EXCELENTES
Os resultados dos controles foram extremamente positivos. Os controles foram efetivos, isto é, não houve fugas significativas por canais legais ou ilegais. Não surgiu, de forma significativa, qualquer mercado paralelo de dólares. Não houve subvalorização das exportações, nem sobrevalorização das importações (é o que mostra um relatório do Banco Morgan Stanley citado em estudo de técnicos do FMI). O mercado legal futuro de dólares se manteve. Assim, o fluxo de saída de capitais iniciado no segundo semestre de 1997 foi contido. A pressão especulativa foi dissolvida e o câmbio se manteve fixo. Emergiram, então, as condições favoráveis para que fossem mantidas as políticas monetária e fiscal expansionistas. Apesar da eficácia dos controles e da manutenção das políticas expansionistas, o PIB no ano de 1998 contraiu-se em 6,7%. Contudo, a recuperação foi rápida, e as reservas no início de 1999 já alcançavam um patamar superior a 29 bilhões de dólares. (Hoje, a
Malásia possui 51,5 bilhões de dólares em reservas.) O sucesso das medidas de controles na Malásia pode ser atribuído em grande parte: (1) À abrangência dos instrumentos de controles que evitaram truques legais ou ilegais que poderiam burlar as regras estabelecidas – não existiam exceções às regras; quando elas existem, os capitais podem tomar a forma das exceções e fugir e; (2) Ao esforço do Banco Central malaio em ampliar a transparência e o entendimento das medidas adotadas para reduzir as resistências. MERCADO REAGE MAL...
A reação externa, contudo, não foi favorável às medidas. As agências de avaliação de risco (Moody’s, Thompson Watch e Fitch) reduziram o rating de crédito soberano da Malásia, justificando que as medidas de controles representavam uma ameaça às transações comerciais com o exterior e aos investimentos diretos – que eram as mais importantes variáveis que explicavam o rápido desenvolvimento econômico do país. A Malásia foi retirada do índice do Morgan Stanley de investimentos em mercados emergentes que orienta os administradores dos grandes fundos internacionais. O Morgan Stanley anunciou que a retirada tinha sido para sempre e que a inclusão da Malásia no índice anteriormente tinha sido uma aberração. Assim, o custo de captação externa por parte do governo, bancos e empresas aumentou. O FMI também encontrou uma fórmula para tentar enfraquecer as medidas. O Fundo promoveu uma imediata averiguação local para determinar se as medidas
O apoio doméstico às medidas de controles foi rapidamente conquistado. A queda da taxa de juros e a estabilidade cambial foram vistos pelo empresariado malaio como algo extremamente positivo. Os empresários, sob aquelas condições, poderiam planejar receitas, custos e compromissos de dívidas futuros. A comunidade financeira internacional relaxou as suas restrições já em 1999. A Malásia voltou ao índice de referência para investimentos financeiros publicado por bancos e instituições privadas (inclusive do Morgan Stanley). O spread de juros cobrados sobre os títulos soberanos caiu de aproximadamente 10% ao final de 1998, para menos que 2% no segundo trimestre de 1999. A recuperação da crise pela Malásia foi mais rápida e com menos custos quando comparada com a da Tailândia e Coréia que seguiram os programas de recuperação/empréstimos do FMI. A recuperação malaia foi, de fato, impressionante. Em 1999, a indústria cresceu 8,5% e o PIB cresceu 5,4%; em 2000, cresceu 7,8%; atualmente, mantém taxas de crescimento acima de 5% ao ano. A inflação, que em 1998 foi de 5,3%, no ano seguinte diminuiu para 2,8%, em 2000 foi de 2,2%, em 2001, de 2,8%. A relação dívida/PIB, que era a única variável mal avaliada pelo FMI e a comunidade financeira, em 1996, quando atingiu um patamar próximo a 60%, se manteve em trajetória ascendente do período da crise aos dias de hoje, em que está em um patamar superior a 70%.
QUADRO ATUAL
Hoje, a Malásia mantém poucos instrumentos de controles de capitais. Contudo, é importante mencionar que, se o mercado financeiro ameaçar com um novo ataque contra o ringgit, poderá ser punido novamente com a perda de liquidez das suas aplicações. Então, os financistas especuladores serão certamente mais cautelosos neste país. Portanto, os controles adotados no passado ainda são hoje um valioso ativo nas mãos do governo malaio. O lastro desse ativo, além da experiência bem-sucedida de 1998-9, é o artigo VI dos estatutos de fundação do FMI – que sugere que crises de balanço de pagamentos cuja causa seja a fuga de capitais deve ser enfrentada com medidas de controles do fluxo de capitais, e não com empréstimos e orientações do Fundo. Ou seja, as medidas adotadas pela Malásia são consideradas legais e legítimas segundo os artigos dos estatutos de fundação do FMI, que ainda regem o funcionamento da instituição. Recentemente, as autoridades malaias declararam que mesmo que os Estados Unidos elevem a sua taxa de juros, a Malásia não seguirá o mesmo caminho. As autoridades malaias consideram que a sua taxa de juros de 2,9% ao ano já é muito superior à estadunidense, que é de 1% ao ano. João Sicsu é professor-doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA
CEARÁ FESTA DE SANTO ANTÔNIO Dia 13, 5h A Igreja Matriz de São José, em Maracanaú, sediará a Missa dos Devotos com a bênção das relíquias, em comemoração a Santo Antônio. O lema dos festejos será “Que a fé nos una em celebração a Santo Antônio”. Na mesma data, outra celebração será realizada às 9 horas, na Capela de Santo Antônio dos Pitaguary, e às 12 horas, novamente, na Matriz. Local: Igreja Matriz de São José, Maracanaú Mais informações: (85) 371-6294,
RIO DE JANEIRO CICLO DE DEBATES - DAS UTOPIAS AO MERCADO Até dia 26 Promovido pelo espaço cultural Sérgio Porto, com apoio da prefeitura carioca, o ciclo de seminários vai discutir de que forma as utopias da geração da década de 60 se transformaram no mercado da geração atual. O evento contará com a presença de diversos profissionais da área e se encerrá com a remontagem da peça Hoje é Dia de Rock, de José Vicente.
SÃO PAULO 10º CAMPANHA DO AGASALHO DOS GAVIÕES DA FIEL A Campanha do Grêmio Gaviões da Fiel Torcida completa dez anos. A meta da torcida é arrecadar 100 mil agasalhos até dia 31 de julho para doar a pessoas em situação de rua e moradores de albergues. Quem quiser contribuir deve levar sua doação a algum dos pontos: Centro Acadêmico de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Centro Acadêmico do Mackenzie ou na quadra da torcida (R. Cristina Tomas, 183, Bom Retiro, São Paulo) e subsedes (ABC, Brasília, Guarulhos, Indaiatuba, Piracicaba, São José do Rio Preto, São
SÃO PAULO
José dos Campos, Sorocaba). Mais informações: (11) 221-2066 ATO EM SOLIDARIEDADE A CUBA Dia 14, a partir das 19h Ato para celebração do 76º aniversário de nascimento de Ernesto Che Guevara e para manifestação de repúdio às recentes medidas contra Cuba anunciadas pelo governo dos Estados Unidos. Local: R. Thomaz Gonzaga, 50, Liberdade, São Paulo Mais informações: porcuba@hotmail.com DEBATES POPULARES durante o mês de junho Todos os setores da pesquisa e do ensino – da filosofia à pedagogia, da literatura à música e à economia – são objeto de palestras, cursos e debates, nos moldes de uma universidade popular, pública e pluralista na Biblioteca Pública Municipal Mário de Andrade. O programa, chamado Colégio de São Paulo, é voltado para pessoas de todas as classes sociais e de todos os níveis de escolaridade. Entrada franca. Local: Biblioteca Mário de Andrade, Rua da Consolação, 94, 1º andar (Auditório), São Paulo Mais informações: (11) 3241-3459 www.prefeitura.sp.gov.br/ mariodeandrade
MARCHA NACIONAL CONTRA A ALCA, A OMC E O LIVRE COMÉRCIO Dia 14, 8h30 Promovida pela Coordenação dos Movimentos Sociais, a marcha tem como reivindicações a redução da jornada sem redução de salários, reforma agrária e reforma urbana com a construção imediata de moradias populares; não à Alca, pela integração da América Latina, pelo rompimento com o FMI e pelo não pagamento da dívida externa, em defesa dos serviços públicos, educação, saúde de qualidade. Local: Av. Tiradentes, 1323, São Paulo Mais informações: (11) 5574-7821 www.estudantenet.com.br, uneinternacional@une.org.br Marcio Baraldi
12ª CONVENÇÃO NACIONAL DE SOLIDARIEDADE A CUBA De 10 a 12 de junho Coordenado pela Associação Cultural José Martí-Bahia, com o apoio da CUT, da UNE e da Uneb, o evento pretende intensificar a solidariedade com Cuba. Estarão presentes o embaixador de Cuba no Brasil, representantes dos Ministérios da Educação e da Saúde de Cuba, do Instituto Cubano de Amizade com os Povos e Aleida Guevara. Local: Av. Sete de Setembro, 1001, Salvador Mais informações: (071) 329-2333, ajmba@bol.com.br
Entrada franca. Programação: dia 14, 20h: Leitura do texto “Um Grito Parado no Ar”, de Gianfrancesco Guarnieri (direção de Celina Sodré) 21h: Debate “Liberdade 64, liberdade 68, liberdade 2004”, com Amil Haddad, Celina Coimbra, Beatriz Kushnir e Maria Rita Kehl dia 21, 20h: Leitura do texto “Rasga Coração”, de Oduvaldo Vianna Filho (direção de Roberto Alvim) 21h: Debate “Che Guevara: do herói ao mito pop”, com Walter Salles Jr., Gianfrancesco Guarnieri, Daniel Aarão Reis e Carlos Eugênio. dia 28, 20h: Leitura do texto “Roda Viva”, de Chico Buarque (direção de Gutti Fraga) 21h: Debate “40 anos da sociedade do espetáculo”, com Sérgio Sans, Lúcia Murad, Júlio Ludemir, Rodrigo Fonseca e Daniel Schenker. Local: Espaço Cultural Sérgio Porto, R. Humaitá, 163, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2266-0896
Renato Stockler
BAHIA
EXPOSIÇÃO: “CIDADANIA: EU QUERO UMA PRA VIVER!” Até 14 de junho, das 9h às 16h Na mostra do cartunista e chargista Márcio Baraldi há mais de 40 obras de cunho político e social. Os temas abordados vão desde o movimento sindical até a Alca. Atualmente, o chargista do jornal Brasil de Fato colabora com publicações de sindicatos, faz charges para revistas direcionadas, principalmente, para o público jovem, desenha para alguns jornais e tem seus cartuns exibidos todo domingo na All-TV. Além disso, tem seis livros de charges publicados, um deles com prefácio de Ziraldo e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entrada e estacionamento gratuitos. Local: Av. Zaki Narchi, 536, Santana - São Paulo Mais informações: (11) 6224-7500 11ª CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO (UNCTAD) De 13 a 18 O tema da 11ª Unctad será “Aumentando a coerência entre estratégias de desenvolvimento nacional e os processos da economia global para o crescimento e o desenvolvimento, particularmente dos países em desenvolvimento”. Realizadas a cada quatro anos, suas reuniões
ministeriais representam o maior evento decisório do corpo da organização, estabelecendo prioridades e diretrizes e oferecendo uma oportunidade de debate de temas relacionados ao comércio e ao desenvolvimento. Local: Centro de Convenções do Anhembi, Av. Olavo Fontoura, 1209, São Paulo Mais informações: www.unctad.org
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CULTURA
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HIP HOP
Festival mostra o rap da América Latina Rodrigo Brandão do Rio de Janeiro (RJ)
A
MC Gisele Gomes de Souza, mais conhecida como a Nega Gizza, abriu, dia 1º, o Festival Hip Hop Latino-Americano, que está sacudindo as terças-feiras de junho do solene Centro Cultural Banco do Brasil, na capital do Rio. Mãe, favelada e líder comunitária na Favela Parque Esperança, em Anchieta, assim como o irmão MV Bill, Gizza participou da fundação da Central Única das Favelas (Cufa), responsável pela organização do festival. Nega Gizza, que nasceu na Favela do Parque Esperança, subúrbio do Rio de Janeiro, mostra que as mulheres também podem ter espaço em um mercado dominado por rappers masculinos. “Geralmente estou tranqüila antes de subir ao palco, mas é claro que às vezes dá um friozinho só de pensar que as meninas das favelas prestam atenção ao que canto, me vêem como exemplo”, diz Gizza, 26 anos, vencedora do Prêmio Hutús em 2000 e, em 2001, como melhor artista feminina. As letras de Gizza, que canta e compõe desde 1999, falam de depressão, prostituição, crime, miséria e outros temas cotidianos das comunidades carentes do Rio, tratados sob uma ótica adulta e realista e, em alguns casos, com certo lirismo. Um exemplo é o refrão de Depressão: “Me transformo em cada instante/ Em astronauta viajante/ Tô na depressão/ Não me vejo no espelho e vou andando em contramão”. Outras letras, como a de Fiel Bailarino, chama a atenção para a “contaminação” das comunidades faveladas pelo crime organizado. Um olhar especial é destinado à Hip hop - do inglês, mover os quadris. Surgiu no Bronx (bairro de Nova York, Estados Unidos), no final dos anos 60, no meio das discussões sobre a marginalização de camadas da população, para designar o encontro entre os que hoje conhecemos como b.boys, Djs e Mcs. As festas tornaram-se uma maneira pacífica de expressar a revolta da juventude da periferia.
Fotos: Divulgação
Co-organizado por moradores e movimentos de favelas, evento no Rio apresenta arte de quatro países latino-americanos
O festival foi organizado pela Central Única das Favelas (Cufa), que tem a participação de Nega Gizza (acima, no destaque), líder comunitária
transformação dos jovens em “soldados” do tráfico de drogas. “Ser ou não ser um bailarino destinado a descer? Não vai ter podium para quem não vai viver. O show termina quando anoitecer”, gritavam a plenos pulmões Flávia e Vanessa, que juntaram-se a Gizza, JC e as carrapetas do DJ JL.
GRITO DE PROTESTO Diante das cerca de 300 pessoas que prestigiaram a abertura do festival latino, Gizza repetia que o rap “não é bem música, é um grito de protesto”. Ela aproveitou para criticar o hip hop massificado, aquele para quem as grandes rádios
abrem as poucas janelas nas grades de programação destinadas à música negra. “Esse rap que toca nas rádios a gente chama de babinha. Rap de verdade é este aqui, o rap de raiz, que vem do fundo da alma das comunidades”, discursou, sob aplausos de intelectuais, estudantes universitários e aposentados, público nem sempre habituado ao som e ao grito das favelas e dos guetos. No início do ano, Gizza e o irmão Bill criticaram duramente a organização do Hip Hop Manifesta, festival realizado no Rio que tinha ingressos de até R$ 60 e foi patrocinado por uma famosa marca de cerveja. No festival latino, o fato de
o ingresso custar R$ 8, os espetáculos acontecem durante a tarde, atingindo um público não habituado ao rap, mas freqüentador de museus, cinemas e teatros do espaço.
SOM LATINO-AMERICANO O Hip Hop Latino-Americano reúne, além dos artistas brasileiros, o MC mexicano Boca Floja, que tem como proposta principal desenvolver temáticas sociais, utilizando elementos do rap e da música mexicana e latino-americana. O grupo argentino Actitude Maria Marta, no Rio, faz uma das primeiras apresentações com sua nova formação, exclusivamente feminina. Vincula-
das a iniciativas na área de direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio, as MCs Malena D’Alessio (rapper mais respeitada da Argentina), Karen Pastrana e Karen Fleitas fazem hip hop com fusões de reggae e raggamurfin. No dia 22 sobe ao palco o premiadíssimo cubano Andrés Rivalta Hechevarría, o “Papo Record”, cujo trabalho retrata o cotidiano das ruas de Havana. No dia 29, o polêmico MV Bill – conhecido também pelas críticas ao que chama de “exploração” à comunidade da favela onde nasceu e cresceu pelos produtores do filme Cidade de Deus – encerra a festa.
Grupo palestino faz a intifada do rap Walid Batrawi de Belém (Palestina) Os jovens palestinos, rodeados pela violência e pela pobreza, encontram agora no rap uma forma de se expressar e protestar contra a ocupação israelense. Na cidade de Belém, na Cisjordânia, eles foram cativados pelas letras de denúncia do novo grupo árabe-israelense DAM. A banda nasceu em 1998 e é formada por Tamer Naffar, de 24 anos, seu irmão Suheil, de 20, e o amigo Mahmoud, de 21 anos. Os três são de famílias árabes e têm cidadania israelense. “Procuramos lançar luzes sobre os problemas que os árabes sofrem em Israel, como a discriminação, a pobreza e as drogas”, diz Naffar, que nasceu em Al Lod, cidade habitada tanto por árabes empobrecidos quanto por israelenses. Atualmente, quase 20% da população israelense é constituída por palestinos, que continuaram a viver em suas cidades mesmo depois da fundação do Estado de Israel, em 1948. “Quando meu melhor amigo foi assassinado, em 1998, me dei conta de que poderiam ocorrer mais mortes. Por isso, decidi fazer algo por minha comunidade”, afirma Naffar.
O trio começou então uma turnê pelas principais cidades árabes ao logo da chamada Linha Verde, fronteira imaginária fixada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1949, que separa Israel dos territórios palestinos. Não demorou muito para a banda se tornar popular, sobretudo depois que começou a interpretar suas músicas em árabe, deixando de lado as canções em inglês, cujas rimas eram mais fáceis. “Nosso sucesso chegou ao ponto mais alto logo depois da morte de 13 árabes por parte da polícia israelense, em outubro de 2000. Nossas canções refletiam o que a população pensava naquele momento. Fomos capazes de refletir esses sentimentos”, analisa Suheil.
LINGUAGEM DO PROTESTO A DAM não abandonou completamente as letras em inglês e mantém expressões típicas dos grupos de rap estadunisenses. Mas a temática política foi totalmente absorvida pela banda. “Quando a situação política e de segurança começaram a se deteriorar, nos vimos obrigados a nos defender e tentar mudar a imagem estereotipada que se tem dos árabes, sempre vistos como terroristas”, diz Naffar, as-
sinalando que “o rap se converteu em nossa arma de batalha e nós nos convertemos em combatentes da verdade. Tratamos de deixar nossa mensagem política de uma forma simples”. As letras das canções contêm duras críticas, em especial a Israel. “As mulheres árabes são violentadas. Fiquei grávida e tive um filho chamado ‘atacante suicida”. E quando você me chama de terrorista, me ataca primeiro. E quando você está me golpeando, diz: faça com que as crianças atirem pedras”, diz uma das letras do DAM. E prossegue: “Eles não têm pais que os protejam
em suas casas. Você não vê a arma escondida embaixo da pedra? E quando me revolvo, me chamam de terrorista”.
NA TELA Para Mahmoud, o rap é a linguagem do protesto e do desafio. “Nossas palavras devem sacudir o mundo. Não podemos mudar a situação da noite para o dia, mas pelo menos podemos criar uma mudança”. A música do DAM aparece com destaque no documentário Local Angel – Fragmentos Político-Teológicos, do documentário de Udi Aloni que dá voz a rappers pales-
tinos em Tel Aviv. No filme, o diretor convida filósofos, ativistas políticos e até Yasser Arafat a discutirem as contradições responsáveis pelos conflitos no Oriente Médio. Ao ser questionado sobre a razão de não ter entrevistado o primeiroministro isralense Ariel Sharon em seu filme, o também israelense Aloni foi incisivo: “Morando em Nova York, assisto todos os dias à TV. Vejo toda a mídia a serviço de gente como Bush ou Sharon. Por que eu haveria de usar esse precioso tempo de que disponho para dar voz a eles?”. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)