Ano 2 • Número 69
R$ 2,00 São Paulo • De 24 a 30 de junho de 2004
Canavieiros explorados até a morte Cristobal Herrera/AP/AE
Usinas exigem aumento de produtividade e cortadores de cana de São Paulo adoecem e morrem de tanto trabalhar
T
rabalhadores do corte de cana no Estado de São Paulo estão morrendo de tanto trabalhar. Para não perder os empregos nas usinas de açúcar, os canavieiros dobraram a produção em 20 anos e chegam a cortar até 12 toneladas de cana por dia. Eles se dizem vítimas da “birola” – cãibras, tontura, dor de cabeça, vômitos e convulsões –, principalmente no final da safra. Em maio, três jovens sem antecedentes de doenças faleceram durante o trabalho. Para atingir as metas impostas pelas empresas, os trabalhadores temporários tomam injeções e um componente à base de glicose, sem receita médica. Pág. 8
União Européia barra a canola da Monsanto Em Havana, milhares saíram às ruas no dia 21 contra o aumento das hostilidades que a ilha vem sofrendo por parte governo estadunidense
Duzentos mil cubanos repudiaram, dia 21, acusações do governo dos Estados Unidos de que Cuba promove tráfico de pessoas e estimula o turismo
Castro, em carta pública a George W. Bush. O presidente cubano denunciou planos de intervenção militar na ilha. Pág. 9
Cerca de 7 mil pessoas participaram da festa comemorativa dos 20 anos do Movimento Sem Terra, em Itapeva (SP)
Bové critica ONU por aceitar o neoliberalismo
Operários vão a Brasília exigir resposta
Em entrevista ao Brasil de Fato, o ativista francês José Bové criticou a Organização das Nações Unidas (ONU) que, segundo ele, não se posiciona contra o neoliberalismo. Bové entregou ao secretário-geral da instituição, Koffi Annan, dia 13, uma proposta para mudar as políticas do comércio internacional. Pág. 10
Trabalhadores que assumiram o controle de suas fábricas quando estavam em processo de falência chegaram a Brasília (DF), dia 22, em busca da regularização de sua situação. Apesar de estarem produzindo e recebendo normalmente, esses operários sofrem com leilões de máquinas e prisões de dirigentes. Pág. 3
O passeio dos dólares dos brasileiros ricos Em 2003, brasileiros ricos tinham aplicados no exterior mais de 82 bilhões de dólares, segundo o Banco Central. Paralelamente, no mesmo ano, o ingresso dos investimentos estrangeiros diretos (que vão para a produção) no país diminuiu 39% . Nem por isso, o governo brasileiro aceita
sexual. “O senhor deveria saber que nos Estados Unidos morre uma proporção maior de crianças no primeiro ano de vida do que em Cuba”, respondeu Fidel
Francisco Rojas
Em festa que reuniu 7 mil pessoas para comemorar os 20 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dia 20, dois ministros de Estado garantiram o início da implantação do Plano Nacional de Reforma Agrária ainda este ano. Em carta ao movimento, escrita de próprio punho, o presidente Lula afirmou: “Já liberamos os recursos que permitirão o assentamento de qualidade, este ano, de 115 mil famílias”. Dia 15, no Rio Grande do Sul, cansados de esperar por novos assentamentos, sem-terra de quatro municípios iniciaram um jejum do qual participam também trabalhadores urbanos. Dia 21, após serem despejadas das margens da BR-386, 500 famílias começaram a marchar rumo a Porto Alegre. Págs. 3 e 4
Cubanos refutam acusações dos EUA
controlar o fluxo de capitais especulativos, que vem e vão do país atraídos pelos juros, cujo nível faz a festa dos 80 mil milionários nativos que, só em 2003, jogaram 1,75 trilhão de dólares no mercado financeiro, 3,5 vezes o valor do PIB do país. Pág. 7
Piqueteiros querem mais de Kirchner
Pág. 10
Maringoni
Ministros fazem promessas e sem-terra jejuam
Filme mostra face perversa da Justiça
Pág. 16
Com os votos dos novos Estados-membros, a União Européia rejeitou a canola transgênica da Monsanto. Para Geert Ritsema, da organização Amigos da Terra/Europa, a votação demonstra que “os EUA não podem contar com os novos integrantes para promover suas políticas de alimentos manipulados geneticamente”. Pág. 12
Via Campesina lança agenda de lutas mundiais Camponeses de 76 países reunidos em Itaici (SP), de 14 a 19, definiram uma plataforma de mobilizações contra o neoliberalismo e as políticas das instituições financeiras internacionais. A principal deve ocorrer em 10 de setembro, dia internacional da luta contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Para a data, dirigentes sul-coreanos esperam reunir um milhão de pessoas nas ruas de Seul. Págs. 2 e 12
E mais: ÁFRICA – No Zimbábue, o governo está tomando terras de fazendeiros brancos e distribuindo entre pequenos e médios produtores negros. O zimbabuano Rob Sacco conta as transformações pelas quais o seu país atravessa. Pág. 13 DEBATE – José Arbex Jr. e Sérgio Murillo de Andrade, candidatos à Federação Nacional dos Jornalistas, discutem o programa de ajuda financeira do BNDES aos grandes grupos de comunicação. Pág. 14 MEMÓRIA – Dia 21, morreu Leonel de Moura Brizola, controverso político gaúcho, ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro e fundador do PDT. Pág. 15
2
De 24 a 30 de junho de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
��� • Editor-chefe: Nilton Viana
���• Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ���• Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ���• Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles ���• Ilustradores: Agê, Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 5555 Natália Forcat, Nathan, Novaes, Ohi ���• Editor de Arte: Valter Oliveira Silva ���• Pré Impressão: Helena Sant’Ana ���• Revisão: Dirce Helena Salles ���• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Bruno Fiuza e Cristina Uchôa 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ
NOSSA OPINIÃO
A luta mundial dos camponeses
F
oi um sucesso absoluto a IV Conferência Internacional da Via Campesina, que reuniu mais de 130 organizações camponesas de todos os continentes no convento de Itaici, em São Paulo. Não só pela representatividade dos 450 delegados, mas pelo nível dos debates e pela unidade política com que se expressaram os movimentos camponeses. Em uma profunda análise da situação da agricultura em todo o mundo, os camponeses viram que um mesmo capital transnacional agora procura se apoderar da agricultura, tentando controlar o comércio agrícola internacional (com Monsanto, Cargill, Bunge), buscando padronizar os alimentos com suas agroindústrias (como faz a Nestlé, entre outras corporações) e tentando controlar a biodiversidade, a água e as sementes, por meio do aparato jurídico da lei de patentes concedido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Viram, portanto, que agora há um inimigo comum que os explora em todos os países, da Coréia ao Brasil, de Moçambique à Noruega. Mas os camponeses não ficaram assustados. Ao contrário, se dedi-
SAUDAÇÕES Meus cumprimentos pela edição 67, em particular pelos artigos referentes à situação em torno do presidente da Venezuela Hugo Chávez. Em tempos de cães e neocães de guarda, cada vez mais agressivos e oficialistas, decerto jamais encontraria informações tão minuciosas e análises tão profundas em “Folhas”, “Estadões”, “Vejas” e em outros supermercados do jornalismo brasileiro. Paulo Jonas de Lima Piva por correio eletrônico DESEMPREGO Fora os que estão perdendo os seus empregos, é de 170 mil o número de pessoas que chega ao mercado de trabalho em busca do primeiro emprego. Assim, quando o governo propagou aos quatro ventos que, de janeiro a abril deste ano, criou 460 mil novas vagas de emprego, mesmo que os tenha criado, está enganando a todos nós. Pois, vejamos: 680 mil novos candidatos ao mercado de trabalho, menos as 460 mil vagas criadas, dá um déficit de 220 mil vagas para o
mesmo período, que vai engrossar o número de mais de 2,8 milhões da população economicamente ativa que forma o contingente de desempregados atuais. Diante disso, cabe ao povo perguntar: E os 10 milhões de empregos prometidos? Não teria o senhor presidente Lula se equivocado ao dizer emprego, quando deveria ter dito desemprego? Além do mais, o que se pode esperar de mais um governo que diz uma coisa e faz outra? Agora mesmo, por exemplo, na aprovação da medida provisória do salário-mínimo – esmola – na Câmara Federal, pouco faltou para o estouro de champanhe, com o governo comemorando a miséria do seu próprio povo. Em todas essas, o que faz o PT? Joga no lixo os seus desencantados princípios de moralidade pública e, aos poucos, sem direito de crítica, vai se deixando corromper de braços dados com os desmandos do governo neoliberal global do senhor Lula e companhia, ou melhor, governo neolula. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS)
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 3038 1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: brasildefato@teletarget.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
as sementes são um patrimônio do povo, não das empresas transnacionais, e por isso devem estar a serviço de toda a humanidade. Foram condenados ainda, a manipulação e o uso de sementes transgênicas. Durante a Conferência, a Via Campesina resolveu organizar campanhas contra a OMC, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – organismos que são meras expressões da vontade das grandes empresas transnacionais e não dos interesses dos povos. Assim, já foi agendada, para dia 10 de setembro, uma campanha internacional de luta contra a OMC e as empresas transnacionais que operam na agricultura. Milhares de camponeses de todo o mundo devem sair às ruas para esse protesto. Como se vê, apesar de uma conjuntura internacional tão difícil, são os camponeses que dão exemplo de articulação e de mobilização internacional. Oxalá sirva de estímulo para outros setores sociais, aqui do Brasil, e de todo o mundo. Longa vida à Via Campesina internacional.
FALA ZÉ
OHI
CRÔNICA
Saudades do Barão de Coubertin
Luiz Ricardo Leitão
CARTAS DOS LEITORES
caram a debater a necessidade de fortalecer cada vez mais as articulações e as mobilizações em âmbito internacional – seja fazendo lutas comuns, entre vários países; seja articulando as redes de movimentos sociais, como a Marcha das Mulheres, a rede mundial de pescadores, o movimento sindical internacional e a assembléia mundial dos movimentos sociais, reunida ao redor do Fórum Social Mundial. Dessa reflexão, surgiu uma plataforma comum em defesa da democratização do acesso à terra, por meio de reformas agrárias verdadeiras. Em defesa do modo de produzir da agricultura camponesa, da qual dependem mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo. Em defesa da soberania alimentar, que significa que cada povo tem o direito e o dever de produzir seus próprios alimentos, e que os governos locais devem aplicar essa política e não apenas pensar em exportar ou depender de ajuda dos países ricos. A plataforma comum defende ainda a necessidade dos camponeses controlarem e reproduzirem suas próprias sementes, uma vez que
O que diria Pierre de Fredi, o Barão de Coubertin, se assistisse ao “desfile” da tocha olímpica pelas capitais dos cinco continentes? O famoso educador francês, idealizador dos jogos olímpicos modernos, nasceu em 1863, na Cidade Luz, e morreu em Genebra, em 1937, bastante desgostoso, por certo, com as cenas de racismo que Hitler patrocinara contra os atletas negros nas Olimpíadas de 1936, em Berlim. Ele viveu uma outra época, não menos turbulenta do que a nossa, porém bem mais propícia ao espírito idealista que marcou o esporte no início do século passado. Os desportistas de então eram quase todos “amadores”. Afinal de contas, segundo a célebre máxima do Barão, o que importava era “apenas competir”. No Brasil, muitos pagavam de seu próprio bolso a passagem até a Europa e viajavam semanas em um transatlântico para poder representar o país no grandioso evento. É óbvio que o capital já buscava converter em mercadoria tudo quanto fosse possível e que o nosso frágil planeta já padecia as mazelas do imperialismo – a “etapa superior do capitalismo”, enunciara um certo Vladimir Ulianov, vulgo Lênin, nos primórdios da Revolução Russa. Contudo, ainda não havia a mídia eletrônica, nem tampouco o seu ce-
nário mais dantesco, a “sociedade do espetáculo” da era pós-moderna, em que o mundo não pára de condensar-se em imagens voláteis de consumo. Imaginem o simpático Barão nas ruas do Rio de Janeiro, naquela fria manhã de domingo, a contemplar o “esporte espetacular” global... De imediato, ele tomaria um susto com a lista de “atletas” convidados a carregar a tocha popstar. Seria complicado explicar-lhe que a Xuxa não era uma nadadora, como o seu xará das piscinas, mas apenas uma “celebridade” das telas em fim de carreira. E Tony Ramos, com aquela pança pantagruélica, representaria que esporte? Ao final, foram mais de 120 socialites, empresários, artistas e, por vezes, até atletas: faltaram quilômetros para que tanta gente carregasse a chama olímpica no disputadíssimo revezamento da Cidade Maravilhosa. Por ordem do COB, por exemplo, mais de 15 pessoas ligadas ao vôlei foram escaladas para o trajeto, já que o dirigente máximo do Comitê comandou durante décadas a CBV (foi ele quem expulsou Jacqueline da Seleção Feminina, depois que a ousada jogadora recusou-se a exibir uma certa marca comercial no uniforme sem receber “direito de arena”). À frente do cortejo, um trio
elétrico da Coca-Cola, repleto de pompom-girls (essa invenção dos ginásios ianques, agora importada pelos cartolas do nosso futebol), todas elas louras, como as paquitas amestradas da tevê, dançando ao som da pior (sub)música estrangeira (sem xenofobia, amigos!). Ao longo do trajeto, centenas de outdoors da poderosa empresa anunciavam que ela será a torcedora nº 1 do Brasil em Atenas, como se alguém ainda acreditasse que uma multinacional possui outra pátria que não seja o capital. No fim, ficou-me a certeza de que, na era da esportização neoliberal do planeta, a única competição em curso é a dos magnatas do esporte com os executivos da mídia internacional. Se o contrato assinado pela Fifa com as grandes redes de televisão, antes da Copa de 98, atingiu a sonora cifra de 2,3 bilhões de dólares, quanto não estarão faturando os guardiões da “chama olímpica” com a sua micareta transcontinental? Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)
Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:brasil-al@brasildefato.com.br•BA:brasil-ba@brasildefato.com.br•CE: brasil-ce@brasildefato.com.br•DF:brasil-df@brasildefato.com.br•ES:brasil-es@brasildefato.com.br•GO:brasil-go@brasildefato.com.br•MA:brasil-ma@brasildefato.com.br•MG:brasil-mg@brasildefato.com.br•MS:brasil-ms@brasildefato.com.br•MT:brasilmt@brasildefato.com.br•PA:brasil-pa@brasildefato.com.br•PB:brasil-pb@brasildefato.com.br•PE:brasil-pe@brasildefato.com.br•PI:brasil-pi@brasildefato.com.br•PR:brasil-pr@brasildefato.com.br•RJ:brasil-rj@brasildefato.com.br•RN:brasil-rn@brasildefat o.com.br•RO:brasil-ro@brasildefato.com.br•RS:brasil-rs@brasildefato.com.br•SC:brasil-sc@brasildefato.com.br•SE:brasil-se@brasildefato.com.br•SP:brasil-sp@brasildefato.com.br
3
De 24 a 30 de junho de 2004
NACIONAL REFORMA AGRÁRIA
Sem-terra retomam mobilizações no Sul Miguel Enrique Stédile de Porto Alegre (RS)
S
em perspectiva de novos assentamentos e despejado da beira das estradas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) retomou as mobilizações no Rio Grande do Sul. Os trabalhadores rurais iniciaram um jejum em quatro municípios e organizaram uma caminhada em direção à capital gaúcha para sensibilizar a sociedade para a lentidão da reforma agrária no Estado. Em 18 meses, apenas dois novos assentamentos foram criados, contemplando 53 famílias. As mobilizações denunciam também o descumprimento do acordo firmado no mês de maio com os governos federal e estadual, que assumiram o compromisso de adquirir áreas para assentamentos em trinta dias. Para isso, foram liberados R$ 30 milhões pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Outros R$ 20 milhões seriam investidos em sessenta dias e o governo do Estado complementaria os recursos com mais R$ 10 milhões. Apesar da disponibilidade do dinheiro, o prazo encerrou dia 15, sem que nenhuma família fosse assentada no Estado. O jejum iniciado nesse dia em Carazinho, Pelotas, Porto Alegre e Santa Maria conta com a participação também de entidades e movimentos urbanos como o Movimento dos Trabalhadores Desempregados e a Central Única dos Trabalhadores. “Sentimos que essa era uma tarefa nossa”, afirma o metalúrgico e jejuante Ênio Santos, para quem “a reforma agrária gera empregos e diminui a exclusão social e a miséria”. Marcus de Oliveira, metalúrgico de Santa Cruz do Sul, considera o jejum um momento de conscientização: “Enxergar o povo aqui, jeju-
Julio Penz
Um jejum de trabalhadores rurais e urbanos e uma marcha a Porto Alegre marcam os protestos pela inércia do governo
Concentração de trabalhadores sem-terra do acampamento de Coqueiros (RS), em frente ao Fórum de Carazinho (RS)
ando, desperta indignação e revolta com a situação da reforma agrária no Estado. O que mais indigna é que não estamos aqui para pedir recursos, mas para que os recursos que já existem sejam aplicados”. Em cada município, 15 trabalhadores participam do jejum. O grupo é substituído a cada 48 horas por novos jejuantes. Além da falta de perspectiva de novos assentamentos, os trabalhadores sem-terra gaúchos passam por uma situação inédita: estão sob ameaça de despejo das margens das rodovias. O Ministério dos
Transportes pediu a reintegração de posse das margens da BR 386, onde estão três dos sete acampamentos do Estado. Outros acampamentos teriam o pedido de reintegração das rodovias pedidos em breve. Após a desocupação dos acampamentos, dia 21, 500 famílias iniciaram uma marcha rumo a Porto Alegre. “Não podemos ficar no latifúndio improdutivo, nem na beira da estrada; então vamos discutir com a sociedade o que ela acha que devemos fazer”, afirmou Nina Tonin, da coordenação estadual do movimento.
MOVIMENTO OPERÁRIO
Das fábricas ocupadas a Brasília Luís Brasilino da Redação
Cansados de esperar uma resposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 200 trabalhadores de fábricas ocupadas foram, dia 21, para Brasília (DF). Eles representam os interesses de 1.400 operários ameaçados de perder seus empregos. “O governo desapareceu depois da reunião que fizemos com o (Ricardo) Berzoini (ministro do Trabalho)”, informa Serge Goulart, coordenador dos Conselhos das Fábricas Ocupadas. Em um encontro, dia 5 de maio, os operários ouviram a promessa de que Lula daria, em até dez dias, um retorno para suas reivindicações. Só que até agora nada foi feito. Na manhã do dia 22, ao chegar a Brasília, os manifestantes fizeram uma passeata até o Congresso Nacional. Depois visitaram gabinetes de deputados federais e se encontraram com João Paulo Cunha, presidente da Câmara. No começo da noite, eles conseguiram uma
audiência com Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência, na qual esperavam agendar uma reunião com Lula, que não pôde encontrá-los por estar com viagem marcada. Para Goulart, a manifestação tem surtido efeito principalmente no sentido de conquistar a opinião pública. Em junho de 2003, 350 funcionários da Cipla e da Interfibra, de Joinville (SC), tiveram um encontro com o presidente no qual entregaram um documento com 70 mil assinaturas pedindo a estatização das fábricas para salvar o emprego de 1000 pessoas. Lula nomeou um grupo de trabalho composto por quatro ministérios, mais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para propor alternativas. De lá para cá, funcionários de outras três fábricas – Diamantina (Curitiba-PR), Flakepet (Itapevi-SP) e Flaskô (SumaréSP) – se juntaram ao movimento em busca de soluções. A mobilização em torno das ocupações de fábrica começou no
primeiro semestre de 2003. Em negociação com os patrões, os trabalhadores da Cipla e da Interfibra, em greve pelo pagamento de salários atrasados e em busca da recuperação de outros direitos trabalhistas, conquistaram o comando administrativo e operacional de suas empresas. Situação semelhante aconteceu nas demais fábricas. Após as ocupações, os trabalhadores conseguiram reverter quadros de falência e hoje produzem e recebem seus salários em dia. Mas até sua situação ser regularizada, explica Goulart, eles sofrem com leilões de máquinas, prisão de dirigentes, entre outras ameaças. Dessa forma, os trabalhadores pedem o encaminhamento, por meio do BNDES, de um plano de viabilidade econômica e reestruturação societária das empresas e uma negociação com o Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre penhora das contas bancárias, leilões de máquinas e equipamentos e as ameaças de prisão dos dirigentes do movimento.
Roberto Barroso/ABr
Contra a reforma sindical Mais de 15 mil estudantes, militantes, servidores e sindicalistas reuniram-se em Brasília, dia 16, para protestar contra as reformas trabalhista e sindical. A passeata pela Esplanada dos Ministérios foi organizada pela Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), um movimento de sindicatos de base, federações e confederações que desaprova o relatório que servirá de base para as transformações nas leis do trabalho, aprovado pelo Fórum Nacional do Trabalho. Para eles, o documento representa os interesses da cúpula das centrais sindicais e abre portas para a retirada de direitos dos trabalhadores. Agregando mais bandeiras à sua luta, a marcha também criticou a política econômica e as reformas universitária e tributária.
Ruralistas também terão sigilo quebrado Apesar de a bancada ruralista ter impedido a quebra de sigilo bancário da União Democrática Ruralista (UDR), a CPI mista da Terra deverá investigar as contas do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). A entidade, que movimenta cerca de R$ 13 milhões por ano, é presidida por Carlos Sperotto, também presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), versão gaúcha da UDR. O pedido de quebra de sigilo foi feito pelo senador Sibá Machado (PT-AC) e pelo deputado João Alfredo (PT-CE), baseado em um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de julho de 2000. O relatório do TCU aponta uma série de irregularidades, tais como o desvio de recursos do Senar para financiar atividades da Farsul, como a reforma da sede da entidade e
a contratação de funcionários com recursos do Senar. Até mesmo a confecção de bonés e camisetas da Farsul teriam sido financiados pelo Senar. De acordo com o Senar, 80% de seu orçamento é destinado a cursos profissionalizantes. Sobre esse processo, o relatório do TCU questiona: “Como está sendo conduzido o processo atual para seleção de instrutores autônomos para desenvolver cursos? Tudo indica que o processo é o de “apadrinhamento” e o edital lançado foi para dar fachada legal”. Para o deputado estadual frei Sérgio Görgen (PT-RS), a denúncia é um escândalo: “Afinal, o Senar é mantido com dinheiro público”. O Senar nega as acusações e diz ter as contas disponíveis para a CPI. (MES)
PARANÁ
Despejo fere vários trabalhadores rurais da Redação Cerca de 500 policiais militares realizaram, dia 16 de junho, um violento despejo na Fazenda Sonda, município de Santa Maria do Oeste, região Centro-Oeste do Paraná (a 320 km de Curitiba). Trezentas famílias estavam acampadas desde maio do ano passado na fazenda de 2,8 mil alqueires, de propriedade de empresários do grupo Master, do Rio Grande do Sul. Esse foi o segundo despejo sofrido pelas famílias, que foram desalojadas em outubro do ano passado e voltaram à área duas semanas depois. Durante o despejo, a Polícia Militar agrediu os trabalhadores com tiros e bombas de efeito moral. O saldo da violência foram vários feridos e seis pessoas hospitalizadas. A trabalhadora Isolete Proença teve um olho perfurado ao tentar socorrer o seu filho. A PM também destruiu pertences e símbolos dos trabalhadores, como bandeiras e bonés, além de apreender instrumentos de traba-
lho. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os trabalhadores perderam 36 alqueires de milho, 20 alqueires de soja, cerca de 120 cabeças de gado, 30 cavalos e mais de 800 galinhas e porcos, além de lonas, utensílios domésticos e roupas. Após o despejo, a PM colocou as famílias em caminhões e levou para vários locais da região. Dois dias antes, a PM havia tentado realizar um despejo em outra fazenda, Três Marias, no município de Manoel Ribas. As 470 famílias acampadas conseguiram negociar com o secretário de Segurança do Paraná, Luiz Fernando Dellazari, o prazo de uma semana para que os trabalhadores deixassem a fazenda. Segundo informações dos trabalhadores, mais de cem caminhonetes de fazendeiros ligados à União Democrática Ruralista (UDR) e ao Primeiro Comando Rural (PCR) acompanharam a tentativa de despejo na Fazenda Três Marias. Na coordenação da ação, estava o presidente estadual da UDR, Marcos Prochet.
4
De 24 a 30 de junho de 2004
Dioclécio Luz La Tribu cumple años Instalada em Buenos Aires, Argentina, La tribu, uma das melhores rádios comunitárias da América Latina, está fazendo aniversário (cumple años, como se diz em espanhol). A jovem e madura emissora sobreviveu a Carlos Meném e ao efeito nefasto do neoliberalismo no país. Só isso a credenciaria como uma guerreira das ondas.
NACIONAL QUESTÃO AGRÁRIA Fotos: Douglas Mansur
Espelho
Chico César oculto A grande mídia costuma ocultar os bons artistas. Ainda mais quando ele é comprometido com as causas sociais, como é o caso de Chico César. O cantor e compositor paraibano é a atração na celebração dos dez anos do Projeto de Assentamento Palmares, localizado no município de Parauapebas, a 570 Km de Belém, no dia 26 de junho. Ouvidor da imprensa O Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), de Recife, criou um sítio na internet com análises sobre as matérias veiculadas na mídia pernambucana. O foco primordial desta monitoria é a abordagem dos direitos humanos. É um exemplo a ser seguido em todas as Unidades da Federação. Confira em www.ombudspe.blogger.com.br Grosseria punida Dia 14 de junho o Ministério Público do Rio Grande do Norte determinou que a concessionária de veículos Via Costeira e a agência Lúmina promovam um evento tratando da violência contra a mulher. A concessionária vai ter de cobrir todos os custos e a agência de publicidade vai ter de elaborar os folders e cartazes. Isto por causa de anúncio veiculado na edição de 29 de abril do diário Tribuna do Norte, no qual, ao lado do rosto de uma mulher espancada vem a chamada: “Mecânica, funilaria e pintura Via Costeira. Tá na cara que precisa”. Uma grosseria contra a mulher, devidamente punida. Imprensa alternativa O jornalista uruguaio Mário Deugaudio escreveu reportagem sobre a importância da imprensa alternativa para o processo democrático e apresentou algumas sugestões para efetivar a sua viabilização. Um grupo de cidadãos brasileiros, jornalistas ou não, está colhendo assinaturas nos mais diversos pontos do país, em defesa da imprensa alternativa e contra a chamada Grande Imprensa. Veja o texto completo em www.consciencia.net/ midia/imprensaalterna-tiva.html, assine o texto e envie para gustavo@consciencia.net Eleições na Fenaj Marcadas para 6 a 8 de julho as eleições para a presidência da Federação Nacional dos Jornalistas.
Mais de 7 mil pessoas, de diversos países, participaram da comemoração dos 20 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Ministros garantem reforma O MST comemorou 20 anos, dia 20 de junho, com uma festa para 7 mil pessoas
João Alexandre Peschanski da Redação
C
hurrasco, cultura e política. Este foi o cardápio da comemoração dos 20 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em um assentamento de Itapeva (SP), dia 20 de junho. Participaram do evento cerca de 7 mil pessoas, vindas de vários Estados e de dezenas de países. Moram e trabalham no assentamento, considerado modelo para a reforma agrária, 400 famílias, que participaram ativamente da organização da festa. Durante o evento, foi inaugurado o Bosque Internacional da Solidariedade, onde centenas de pessoas, especialmente crianças, plantaram árvores em uma das áreas do assentamento. Representantes de diversos movimentos sociais que haviam participado da IV Conferência Internacional da Via Campesina, em Itaici (SP), de 14 a 19 de junho, foram convidados a plantar rosas sobre uma área onde foi feito um desenho do globo terrestre. “O MST não é só brasileiro, é uma inspiração para o mundo todo, para a luta de todos,
e viemos mostrar nossa solidariedade ao movimento”, comentou o dirigente suíço Florian Rochat, da entidade Centro Europa – Terceiro Mundo (Cetim). Um ato cultural recuperou a história do Brasil. Caracterizados como indígenas, escravos, imigrantes e camponeses, atrizes e atores encenaram a criação do país e o nascimento do MST. Enterrados no chão, surpreendendo os milhares de espectadores, dez pessoas se levantaram e, em um momento simbólico, emanciparam o Brasil.
No final, centenas de crianças dos assentamentos do movimento cantaram versos como: “Viva o MST / fazemos parte de você”.
PROMESSAS E COBRANÇA Políticos, religiosos e dirigentes campesinos fizeram discursos sobre o MST e a reforma agrária. O assessor especial da Presidência, Frei Betto, leu uma carta escrita à mão pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se desculpou por não poder comparecer à festa. “Nosso governo assumiu o compromisso histórico
de realizar a reforma agrária. Para isso, já aprovamos o Plano Nacional de Reforma Agrária e liberamos os recursos que permitirão o assentamento de qualidade, este ano, de 115 mil famílias. Continuaremos a respeitar a autonomia dos movimentos populares e o diálogo permanente com o MST de modo especial”, dizia o texto. Os ministros José Fritsch, da Pesca, e Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, também garantiram que o governo está fazendo o possível para atender às demandas do povo. Representando o MST, João Pedro Stedile, da coordenação nacional da organização, cobrou mais coragem do governo. Ele afirmou que Lula é refém das transnacionais e só poderá realizar a reforma agrária que promete, se mudar o modelo da agricultura no Brasil que “beneficia apenas as camadas ricas da sociedade”. No almoço de confraternização, foram servidos aos participantes da festa pratos à base de mandioca, cenoura e arroz cultivados pelos assentados – além de um churrasco onde foram consumidos doze bois, doados pelos trabalhadores semterra do assentamento.
Ajuda às estatais A Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais), que reúne 21 TVs estatais do país, vai pedir uma linha de financiamento ao BNDES como fizeram as redes privadas. O objetivo da Abepec é modernizar as instalações daquelas emissoras (hoje sucateadas), com equipamentos digitais. Taí um bom lugar para se aplicar dinheiro público – em emissoras públicas. SP fashion week Eis o tema principal do jornalismo nacional. A TV, os jornais e a internet mostram os desfiles de modelos, a exibição de famosos e celebridades. Cobertura total da grande imprensa para o entretenimento dos grã-finos. É o jornalismo moderno – atenção para o fugaz, a história não existe. Liberdade de expressão “Ante qualquer hipócrita pretensão de apresentar a ‘Grande Imprensa’ como tribuna de livre expressão, de informação plural e objetiva, de igualdade de oportunidades para defender idéias e pontos de vista diferentes, é possível observar que por detrás dessa vitrine o que predomina é a mais raivosa defesa dos interesses dos ‘poderes fortes’ a que estão aliados e os financiamentos estatais ‘a fundo perdido’ dos quais são beneficiários”. Mario Deugaudio, jornalista uruguaio.
Plantio, para inspirar, e ato cultural, para recuperar a história, fizeram parte da programação do dia de comemorações em Itapeva (SP)
5
De 24 a 30 de junho de 2004
NACIONAL REFORMA AGRÁRIA
Lentidão nos processos favorece latifúndio Enquanto a Justiça demora para julgar desapropriações de terras improdutivas, os fazendeiros se fortalecem
A
lém da violência e do poder político utilizados por fazendeiros, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) enfrenta outros obstáculos no Espírito Santo: a lentidão da Justiça nos processos de desapropriação de terras improdutivas e a expansão da monocultura de eucalipto. Essa
Mantida a condenação de Manuel Maluco
é a opinião de Ademilson Pereira, coordenador estadual do MST no Estado, que denuncia a morosidade com que os processos são tratados, aliada a manobras de latifundiários e a omissão do governo estadual em questões relativas à reforma agrária. Segundo Pereira, apesar da desapropriação de oito fazendas, os processos estão parados na Justiça, sem que haja uma justificativa plausível. Para ele, nos últimos
anos ocorreu um fortalecimento da articulação política dos fazendeiros junto às autoridades federais e estaduais, impedindo o processo de reforma agrária no Estado. Aliado a isso, há o recrudescimento do Poder Judiciário em relação a ocupações de terras consideradas improdutivas pelo MST. “Ultimamente, a Justiça vem exigindo a retirada de sem-terra de áreas improdutivas. Contudo, devido a uma medida
provisória, a terra desocupada não precisa ser vistoriada com o objetivo de desapropriação pelo governo federal”, explica Pereira.
NOVO DESERTO VERDE Uma das propriedades consideradas improdutivas pelo MST é a Fazenda São Jorge, de 1,1 mil hectares, localizada no município de Conceição da Barra (ES). A área foi ocupada em maio, mas em seguida
Fase
Erick Schunig de Vitória (ES)
Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ) Vitória de um grupo de famílias de camponeses sem-terra do município de Seropédica (RJ), área decretada pelo governo José Sarney como objeto de desapropriação para fins de reforma agrária: foi mantida a condenação de Manuel Toledo Junior, o Manuel Maluco, por tentativa de homicídio a três pessoas que feriu a bala, entre eles uma jovem de 17 anos. O crime, ocorrido em 1992, na comarca de Itaguaí, teve novo julgamento dia 15, na 2a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, Fórum do Rio de Janeiro pois o réu, pediu a redução da pena. O julgamento foi feito diante de três desembargadores com função de juiz, entre eles o relator que leu o processo concordando com a defesa. Caso fosse aceita a redução da sentença, haveria a prescrição, ou seja, a extinção da condenação por ser inferior a quatro anos e 2 meses, em regime semi-aberto. O grileiro, como é chamado, foi condenado depois de oito adiamentos de julgamento e uma absolvição, mas recorreu da decisão e aguarda em liberdade. A condenação, de quatro anos e 2 meses, ainda não foi expedida. Espera-se a ordem de prisão para agosto. Manoel Maluco, que recebeu pela Câmara de Vereadores o título de Cidadão de Itaguaí, em 1994, é acusado, além da tentativa de homicídio, de ter colocado veneno na água do rio que abastecia o acampamento de Seropédica e de ter ateado fogo nos barracos das famílias acampadas.
Fazenda improdutiva em Conceição da Barra (ES), ocupada em maio: com provas forjadas, foi obtida reintegração de posse
No Pará, sem-terra sofrem ameaças da Redação Cerca de 150 famílias de semterra estão ocupando uma área da Fazenda Inajaporã, no município de Santa Maria das Barreiras, no Pará. Sob ameaças de milícias de fazendeiros, sem pertencer a qualquer organização rural e sem receber cestas básicas desde abril, elas aguardam o cadastramento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para serem assentadas. No início do ano passado essas famílias formaram um acampamento conhecido por Itamaraty, a 50 quilômetros de Redenção. Em novembro de 2003, mudaram para a beira da Fazenda Inajaporã, localizada na mesma estrada – área já vistoriada pelo Incra, penhorada pelo Banco do Brasil, mas que estava invadida por fazendeiros. No início de maio, sem receber
cestas básicas há um mês, sem o laudo de vistoria do Incra e diante do início da temporada de plantio, as famílias entraram na fazenda com o objetivo de fazer uma roça comunitária. Alguns dias depois foram atacadas por pistoleiros armados, junto com alguns homens conhecidos da Polícia Civil que fizeram ameaças a homens, mulheres e crianças. As famílias bloquearam, então, a rodovia que dá acesso a Santana do Araguaia, como forma de chamar a atenção das autoridades e para conseguir proteção contra os pistoleiros.
PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS Em encontro realizado nesse dia, em caráter de urgência, com a presença da PM, da Polícia Civil, do Incra de Conceição do Araguaia e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) Sul, ficou acertado que a cesta básica voltaria
a ser entregue dentro de 15 dias e que a Policia Militar daria proteção aos sem-terra. Dia 11 de junho, ainda sem receber as cestas básicas prometidas, os sem-terra avançaram um pouco mais adiante na fazenda e foram de novo violentamente atacados por mais de oito pistoleiros armados, que apontaram as armas até para crianças, exigindo a desocupação da área em algumas horas, sob risco dos barracos serem queimados. Com medo e como meio de pressionar as autoridades policiais a protegê-los contra os pistoleiros, os sem-terra fizeram mais um bloqueio à estrada. Em comunicado à imprensa, a Comissão Pastoral da Terra e a Fetagri declaram preocupação porque, “após várias diligências no local, as polícias civil e militar não desarmam os pistoleiros que ameaçam essas famílias”.
da Redação A construção de hidrelétricas com interesses particulares fez novas vítimas dia 18. Um buraco de 20 metros de altura e 15 metros de largura na Barragem de Camará, a 152km da capital paraibana João Pessoa, causou uma inundação que resultou em 4 mortos e mais de 1600 pessoas desabrigadas nas cidades de Alagoa Grande e Mulunga (PB). Militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) atribuem a tragédia “à ganância de empresários e governantes que não se preocupam com a vida e, sim, com o lucro que uma obra pode proporcionar ou até mesmo com os ganhos políticos que são computados no momento de sua construção”. Uma nota oficial do MAB diz que “empresas e governos donos das barragens montam campanhas monstruosas de propaganda para divulgá-las como símbolo do desenvolvimento. No entanto, os verdadeiros perigos e problemas que essas obras causam sempre foram, e continuam sendo, escondidos das populações ribeirinhas”. Enquanto o atual governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), e o anterior, senador José Maranhão (PMDB), brigam para
Marcello Casal Jr/ABr
Ganância de políticos causa mortes na Paraíba
Igreja no município de Itá, que ficou isolada com a barragem construída na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul
apontar um culpado pela catástofre, o MAB faz um alerta: “Se a lógica da atual política de construção de barragens – exploração do povo e enriquecimento de grandes empresas – não for alterada, casos como esse irão se repetir”. Um exemplo é a Barragem de
Itá, na divisa dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, sobre a qual circularam fortes boatos de que uma ruptura na parte inferior da barragem poderia comprometer a obra. A notícia foi desmentida pela Tractebel, empresa belga responsável por
diversas barragens, mas, segundo informações do MAB, nenhuma investigação isenta foi realizada para dar tranqüilidade ao povo da região. No Mato Grosso, indícios de falhas na Barragem de Manso constituem caso identico ao do Sul do país.
a Justiça emitiu laudo de reintegração de posse. A fazenda não atinge o índice necessário de produtividade, de 0,8 cabeça de gado por hectare, mas os donos alegam um número maior de cabeças de gado, por meio das fichas de vacinação. Segundo Pereira, a manobra favoreceria a venda da propriedade para a empresa Bahia Sul Celulose, que possui no Sul da Bahia e Norte do Espírito Santo vastas áreas cobertas pela monocultura de eucalipto destinada à produção de celulose. Um exemplo é o próprio município de Conceição da Barra, em que 40% do território esta coberto por plantios de eucalipto das empresas Bahia Sul e Aracruz Celulose. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1% dos latifundiários do Espírito Santo concentra 25% das terras do Estado. O MST calcula que, no governo Lula, foram assentadas apenas 200 famílias no Espírito Santo. O movimento reivindica agora um levantamento real das terras devolutas no Estado, com esclarecimentos do governo estadual e do Poder Judiciário e a desapropriação para fins de reforma agrária. Até lá, pretendem acampar próximo às fazendas, pressionando pela agilização das decisões.
QUILOMBOS
No ritmo atual, demarcação levará 500 anos Eduardo Geraque de Olinda (PE) O cálculo é do professor Alfredo Wagner Berno de Almeida, antropólogo da Universidade Federal Fluminense. Se o Brasil tem hoje apenas 71 áreas quilombolas tituladas, muitas delas ainda contestadas na Justiça, as mais de 2 mil não demarcadas vão demorar mais de 500 anos para serem regularizadas, caso o ritmo atual seja mantido. O reconhecimento dos quilombos apenas foi possível com a promulgação da atual Constituição Federal, em 1988. Os mais de 300 trabalhos que existem sobre o tema na antropologia brasileira, segundo Almeida, são mais que suficientes para criar uma base teórica da questão. “O que existe hoje é uma certa letargia. A Constituição foi o resultado de uma discussão e não o começo de um processo. O governo atual ainda não titulou nenhuma área e, provavelmente, nada será feito até o fim do ano”, disse o pesquisador. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, não adianta apenas dar o título. É preciso ir além, por exemplo, liberando as áreas utilizadas atualmente por comunidades não negras para que elas possam ser realmente ocupadas. Isso envolveria recursos financeiros, uma vez que as áreas precisam ser desapropriadas. Gilvânia da Silva, da comunidade quilombola de Nossa Senhora das Criolas, próximo a Petrolina (PE), concorda que a titulação é insuficiente. “Até ameaças de morte estamos sofrendo dos fazendeiros. Temos o título, mas ele não é reconhecido de verdade”, diz. Na visão da líder comunitária, a situação apenas será resolvida quando o governo pagar pelas terras: “Depois disso, os fazendeiros provavelmente deixarão a área.” “Aciência tem ferramentas importantes para fazer os laudos etnográficos e colaborar com a correta mediação dos problemas”, afirma Almeida. Na visão do pesquisador, a definição de quilombos e da territoriedade negra está cristalizada do ponto de visto científico desde 1993. (Agência Fapesp, www.agencia.fapesp.br)
6
De 24 a 30 de junho de 2004
NACIONAL CONJUNTURA
A economia segue ladeira abaixo Desemprego e renda baixa seguram “recuperação”. Indústria e comércio desaceleram
Hamilton Octavio de Souza Ameaça tucana Pesquisa do Ibope, encomendada pelo PT, indica que o candidato tucano José Serra está na frente da atual prefeita Marta Suplicy na corrida para a Prefeitura de São Paulo. Ele tem 22% contra 21% da petista. Depois, estão Paulo Maluf, com 18%, e Luísa Erundina, com 10%. E o menos rejeitado dos quatro, segundo o Ibope, é Serra. Dívida ilegal Em 1994, quando o PSDB assumiu o governo estadual, São Paulo tinha uma dívida de R$ 34 bilhões. Hoje, os valores ultrapassam a casa dos R$ 130 bilhões, crescimento em valores reais da ordem de 35,29%. Em 31 de dezembro de 2003, a dívida do Estado chegou a 2,24 vezes a receita e, no primeiro quadrimestre de 2004, atingiu 2,26 vezes a receita, ou seja, ultrapassou o limite legalmente estabelecido de, no máximo, duas vezes a receita. Banco FHC Em 10 anos, desde a implantação do Plano Real, em 1994, até o ano passado, o lucro dos dez maiores bancos em operação no país cresceu 1.039%, a maior parte do tempo nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Até o momento, o governo Lula não mudou em nada o funcionamento do sistema financeiro. Assalto informatizado Ainda sobre os bancos: pesam contra eles milhões de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor por saque em conta bancária sem a devida autorização do cliente. Ou seja, os bancos assaltam com amparo legal e sofisticação tecnológica. Dinheiro público Candidato a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o jornalista Beto Almeida já disse que não vai colocar panos quentes no “Proer da Mídia”, como quer a Rede Globo e seus aliados no jornalismo. Ao contrário, o candidato da Chapa 2 defende que o dinheiro público do BNDES fortaleça a mídia pública e comunitária, e não as empresas privadas que visam lucro. Reação negativa O escândalo provocado pela “Operação Vampiro” afetou diretamente os bancos de sangue de São Paulo, que tiveram significativo decréscimo nas doações. Agora, esses bancos precisam de pessoas voluntárias com urgência, pois a situação é grave e compromete inclusive a realização de cirurgias. Quem puder ou tiver interesse em ajudar, deve entrar em contato com Fundação Pró-Sangue: 0800-550300. Muita grana Na próxima semana, de acordo com a legislação eleitoral em vigor, os candidatos já podem iniciar a campanha e seus respectivos esquemas de propaganda. O PT, segundo fontes partidárias, deve gastar cerca de R$ 80 milhões nas eleições municipais deste ano. Inferno astral Está para ser aprovada no Senado a nova Lei de Falências das empresas. Um dos itens mais safados limita o pagamento devido aos trabalhadores no acerto de contas da massa falida, o que tira um direito assegurado há muitas décadas. É mais uma ação do grande império neoliberal que não acaba nunca. Pesos diferentes O presidente do PT, José Genoíno, já anunciou que o partido não pretende punir os senadores que votaram contra o governo no reajuste do saláriomínimo. Nova expulsão, em início de processo eleitoral, pode provocar desgaste generalizado para a sigla e até uma cisão de maior dimensão. Verbas secretas O governo federal tem uma rubrica orçamentária denominada “verba secreta”, criada no tempo da ditadura militar que existe até hoje. Em 2003, o governo Lula registrou nessa conta o gasto de R$ 10 milhões, pouco acima dos 9,9 milhões gastos no último ano do governo FHC.
Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
D
esde os últimos meses do ano passado, embora a economia ainda derrapasse no desemprego elevado e nos salários achatados, já parecia com certa nitidez que a atividade econômica não tenderia a repetir, no começo de 2004, os péssimos resultados observados na primeira metade de 2003. Até por um “efeito banguela”, como um carro que desce a ribanceira em ponto morto, e tende a manter uma certa velocidade na subida até ser barrado pela inércia. A economia, no início deste ano, portanto, parecia retomar o crescimento, simplesmente porque já havia atingido um outro nível, ligeiramente acima do fundo do poço. Daqui para frente, segundo a consultoria Global Invest e o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a continuidade daquela tendência, que indica uma recuperação ainda bastante tímida quando se leva em conta o desempenho extremamente negativo observado em 2003, dependerá de uma redução significativa nos índices de desemprego e de uma reação mais expressiva da renda das famílias. Sem aqueles dois fatores, a economia continuará oscilando ao sabor das exportações e do desempenho de setores diretamente relacionados à agropecuária – que não têm revelado, até o momento, força suficiente para romper a estagnação gerada pela política de juros e impostos elevados e de cortes de gastos e investimentos públicos. Os dados sobre o desempenho da indústria e do comércio em abril, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o ritmo de recuperação daqueles setores entrou em desaceleração, ainda que as taxas permaneçam superiores aos resultados do mesmo período de 2003. Os números mancham de nuvens o céu de brigadeiro imaginado pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e adiam o prometido crescimento sustentado para mais tarde. Na visão do IBGE, “os índices da atividade industrial em abril confirmam a manutenção do patamar atingido em março e a sustentação de resultados positivos frente aos meses iniciais de 2003”. O que não deixa de ser correto. A questão toda está exatamente no que aquela avaliação evita mostrar.
O OUTRO LADO Examinadas isoladamente, as estatísticas produzidas pela pesquisa mensal do IBGE mostram que a produção física cresceu a um ritmo aparentemente acelerado: alta de 6,7% em relação a abril do ano passado, e de 6,1% neste ano, até abril, puxada por um salto de 22% na produção de bens de capital (máquinas, equipamentos, caminhões, ônibus, tratores e colheitadeiras, entre outros itens) e de quase 23% na produção de bens duráveis (carros, celulares, geladeiras, freezers, DVDs, aparelhos de som). O ritmo de crescimento, no entanto, não foi o mesmo verificado em março, quando a indústria havia crescido 2,1% na comparação com fevereiro. A taxa mensal murchou para uma variação modesta de 0,1% – o que sugere virtual estabilidade. Os novos números mostram também uma desaceleração expressiva na comparação com igual período do ano passado, já que a indústria em geral havia crescido quase duas vezes mais em março (mais 12,4%). Tomando a produção mensal média realizada no ano passado, em março a indústria havia anotado um avanço de 7,9%, e passou a crescer 1,7% no mês seguinte. A indústria de transformação, que inclui todas as empresas indus-
Victor Soares/ABr
Fatos em foco
A indústria de vestuário, por exemplo, cresceu somente 3,5% em abril, em contraste aos 10,7% de março
EM RITMO DE DESAQUECIMENTO Setor de atividade Indústria geral Indústria extrativa Indústria de transformação Alimentos Vestuário e acessórios Calçados e artigos de couro
Indicadores da produção industrial em 2004* Fevereiro Março 101,55 112,36 102,74 97,50 101,49 113,23 101,71 109,10 86,97 110,67 92,96 105,29
Abril 106,69 98,74 107,14 101,88 103,51 89,17
(*) Base: igual mês do ano anterior = 100 Fonte: IBGE
A disparada (enganosa) das vendas no comércio Os números parecem mais do que vistosos. A pesquisa mensal do comércio, divulgada na semana que passou pelo mesmo IBGE, único indicador de alcance nacional disponível, mostra que o volume de vendas e a receita nominal (ou seja, não atualizada com base na variação dos preços em geral) do setor saltaram 9,89% e 9,17%, respectivamente, na comparação entre abril deste ano e o mesmo mês do ano passado. Na mesma ordem, comparando o período entre janeiro e abril deste ano e de 2003, o volume e a receita de vendas acumulam crescimento de 8,01% e de 9,61%. De acordo com o Instituto, a principal contribuição para o cres-
cimento mensal das vendas veio do segmento de móveis e eletrodomésticos, com salto de 32,8% em relação a abril do ano passado. O volume de vendas nos hipermercados, supermercados, incluindo alimentos, bebidas e fumos, entre outros produtos, aumentou 6,7%. Há dois pontos a ponderar, aqui. Em primeiro lugar, o varejo enfrentou quase 13 meses de resultados negativos antes de voltar a respirar com folga relativamente maior. A base para comparações, portanto, é muito baixa, o que explica, parcialmente, as taxas de crescimento observadas agora. Além disso, a comparação mês a mês já mostra quedas no volume de vendas e no faturamento. Em
relação a março deste ano, portanto, o volume vendido pelo comércio caiu 3,76%, enquanto a receita encolheu 3,27%. Detalhe final: a tênue reação estimulou o varejo a repassar aumentos de preços ocorridos nos meses anteriores e a recompor suas margens de lucro. A receita nominal acumula um aumento de 11,59% nos 12 meses encerrados em abril, diante de uma variação de apenas 0,42% para o volume vendido. Aparentemente, o comércio conseguiu faturar mais sobre um volume de vendas proporcionalmente menor – uma política que pode estar por trás da recente retração observada na comparação mês a mês.
triais menos as mineradoras, experimentou um incremento de 13,2% em março e também passou a avançar num ritmo mais moderado em abril, com variação de 7,1% diante de idêntico mês do ano passado. Entre os 26 setores que formam a indústria de transformação, 21 deles tiveram taxas de crescimento menores em abril. A tendência de desaceleração atingiu até mesmo o setor de bens de capital, cujo desempenho reflete o comportamento dos investimentos na economia. A produção de máquinas e equipamentos, depois de avançar 24,3% em março, cresceu 13,4% em abril. O segmento ‘outros equipamentos de transporte’, que exclui os automóveis, havia saltado 30,7% e reduziu aquela taxa para 15,6%, sempre na comparação com o mesmo período de 2003.
indústrias de alimentos, vestuário, calçados, remédios e produtos de higiene e limpeza, pela ordem, apontam as seguintes variações: de 9,1% em março para apenas 1,9% em abril; de 10,7% para 3,5%; de 5,3% positivos em março para 10,8% negativos em abril; de mais 7,4% para menos 4,8%: e de 23,6% para 4,9%. O próprio IBGE faz questão de destacar que as taxas observadas até aqui no setor industrial devem-se, em grande parte, à base de comparação muito achatada, já que a indústria e toda a atividade econômica encontravam-se deprimidas nos primeiros meses de 2003. Não há ainda indicadores que confirmem sequer a tímida previsão de crescimento (recuperação) sacada pelo governo para 2004. “No cenário atual, é factível acreditar que a magnitude de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,5%, esperada pelo governo para este ano, não se concretize”, avalia a Global Invest, uma consultoria independente, com sede em Curitiba (PR). A empresa projeta, para 2004, uma variação de 2,9% para o PIB (o total de riquezas
produzidas pelo país em determinado período).
MERCADO INTERNO Os setores diretamente influenciados pelo consumo das famílias (que têm sua capacidade de consumir definida pelo nível da renda e do emprego) experimentaram reversão ainda mais severa. As
EMPREGO EM BAIXA Confirmando a desaceleração, o nível de emprego na indústria apresentou baixa de 0,5% entre março e abril deste ano, recuando 0,2% até mesmo na comparação com abril de 2003. Nos três meses encerrados em abril, a indústria literalmente congelou as contratações de novos empregados, já que o emprego manteve-se no mesmo nível alcançado no trimestre terminado em março. Num reflexo da redução do emprego e do menor número de horas trabalhadas, o total de salários pagos pela indústria a seus funcionários murchou novamente em abril, com tombo de 2,4% frente a março, quando se registrou queda de 1% em relação a fevereiro. Numa avaliação ainda preliminar, ao contrário do que sugerem as análises mais otimistas da equipe econômica, a recuperação ensaiada pela economia a partir da segunda metade do ano passado parece que terá fôlego curto, como temiam analistas independentes.
7
De 24 a 30 de junho de 2004
NACIONAL CAPITAIS EM FUGA
Rota dos dólares de brasileiros ricos
Enquanto o dinheiro de nativos vai para paraísos fiscais, os investimentos estrangeiros no país voltam a cair Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
DESTINO CERTO Só no ano passado, o valor dos depósitos, investimentos, aplicações financeiras em geral e empréstimos mantidos por brasileiros no exterior aumentou 13,5%, atingindo 82,057 bilhões de dólares, diante de 72,325 bilhões em 2002. O BC só terá uma visão mais nítida do destino daqueles dólares depois de julho, quando se poderá saber quais países receberam investimentos de brasileiros. Ressalve-se que o dado pode ser parcial, já que os números refletem apenas os valores declarados por empresas e pessoas físicas, envolvendo operações de valor igual ou superior a 100 mil dólares (ao redor de R$ 314 mil). De qualquer forma, caso seja mantida a tendência observada em 2001 e 2002, pode-se dar como certo que a parcela mais gorda daquelas aplicações continuou concentrada nos chamados paraísos fiscais, que não exigem comprovação da origem dos dólares e cobram impostos reduzidíssimos, quando cobram.
NO PARAÍSO Em 2002, por exemplo, para um total de 67,6 bilhões de dólares destinados a investimentos diretos (compra de participações em empresas estrangeiras, por exemplo), empréstimos a empresas fora do país e aplicações financeiras, nada menos do que 66% do total (perto de 44,5 bilhões de dólares) tomaram o rumo de paraísos fiscais. As Ilhas Cayman, mais famosas pelo sigilo assegurado aos investidores/especuladores do que por suas praias, foram o principal destino dos dólares retirados do Brasil, ao acolher 25,5 bilhões de dólares em 2002, ou quase 38% de todos os recursos que saíram naquele ano. Em 2004, a especulação parece ter sido a principal atração dos investidores domésticos, já que os investimentos diretos praticamente repetiram os números de 2002, estacionando em 54,5 bilhões de dólares. Os depósitos financeiros foram o grande responsável pelo aumento dos ativos (bens, patrimônio e aplicações financeiras) de brasileiros no exterior.
MENOS INVESTIMENTOS O saldo daqueles depósitos (incluindo contas correntes e outras formas de depósitos em bancos fora do país) mais do que dobrou, pulando de 7,890 bilhões de dólares para 16,692 bilhões de dólares, numa variação equivalente a 8,802 bilhões de dólares. Isso significa dizer que os depósitos responderam por 90,4% do crescimento líquido
Distribuição dos capitais brasileiros no exterior, em bilhões de dólares 2001 68,598 49,689 5,163 9,441 4,305
Total Investimentos diretos Aplicações financeiras Depósitos Outros investimentos e aplicações
2002 72,325 54,423 4,449 7,890 5,563
2003 82,057 54,462 5,500 16,692 5,416
Variação (%) 2003/2002 +13,5 +0,07 +23,6 +111,6 -2,6
Fonte: Banco Central
FUGA DE INVESTIMENTOS Investimentos estrangeiros diretos, valores em bilhões de dólares Ano Brasil México Argentina Chile 1999 28,5 13,1 23,9 8,7 2000 32,7 16,4 10,4 4,8 2001 22,7 26,5 2,1 4,2 2002 16,5 14,4 0,8 1,8 2003 10,1 10,7 0,5 2,9 Variação (2003/2002) -39,0% -25,7% -37,5% +61,0%
América Latina 109,0 96,8 87,7 50,6 49,0 -3,2%
Fonte: Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad)
do total de ativos no ano passado. Enquanto os brasileiros endinheirados ampliavam suas aplicações em outras praias, os estrangeiros cheios de dólares trataram de levar seu dinheiro para outras praças. Segundo dados divulgados pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), os investimentos estrangeiros diretos no país, aqueles que se destinam a gerar maior capacidade de produção na indústria, criando empregos, desabaram de 16,5 bilhões de dólares, em 2002, para 10,1 bilhões de dólares no ano passado – uma queda de 39%, com
perda de 6,4 bilhões de dólares. Em toda a América Latina, de acordo com a Unctad, os investimentos estrangeiros baixaram 3,2%, de 50,6 bilhões de dólares para 49 bilhões de dólares no mesmo período, num recuo de 3,2% (menos 1,6 bilhão de dólares). Quase todos os países da região sofreram baixas, é verdade, mas as perdas para o Brasil foram proporcionalmente mais severas, equiparando-se àquelas sofridas pela Argentina, em plena moratória. A entrada de investimentos estrangeiros naquele país caiu 37,5% no ano passado. A diferença é que a
Argentina tem se recusado a seguir a cartilha do Fundo e esnobou as políticas recomendadas pelo mercado financeiro internacional. O castigo recebido foi quase o mesmo aplicado ao Brasil, que decidiu obedecer cegamente às políticas ditadas pelo FMI e recebeu como compensação o corte nos investimentos externos. Desde 2000, quando os investimentos atingiram um pico de 32,7 bilhões de dólares por conta das privatizações, o Brasil acumula perdas de 22,6 bilhões de dólares, num tombo de 69%. Neste quesito, o país só ficou à frente da
Argentina (que perdeu 98% dos investimentos), mas foi superado pelo México (queda de 60%) e pelo Chile (menos 67%). Em toda a América Latina, as perdas somaram 60 bilhões de dólares desde 1999, o equivalente a um corte de 55% no total de investimentos registrados naquele ano. O exemplo do México comprova que acordos como o desejado pelos Estados Unidos para toda a América Latina, a exemplo da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), não deverão servir como atrativo para novos investimentos. A despeito do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), os investimentos estrangeiros no México despencaram de 26,5 bilhões de dólares em 2001, para apenas 10,7 bilhões de dólares no ano passado, quando encolheram mais 25,7% em relação a 2002, atingindo níveis bastante próximos do brasileiro. A região, que chegou a responder por 48% dos investimentos estrangeiros destinados a países em desenvolvimento, viu sua fatia murchar para 28%, em 2003. Numa triste ironia, os países latinos, em sua maioria, adotaram políticas tidas como neoliberais, escolhendo o caminho do corte de gastos e investimentos públicos, arrocho de salários, juros elevados e abertura dos mercados a capitais estrangeiros, a pretexto de que isso os levaria ao crescimento e à estabilidade econômica.
MODELO EXCLUDENTE
Juros altos produzem lucros milionários
O banco de investimentos estadunidense Merrill Lynch, um dos maiores e mais famosos do mundo, e a empresa de consultoria financeira Capgemini, entre outras ocupações mais rentáveis, se empenham, todos os anos, em calcular o desempenho de uma fatia privilegiada de cidadãos – aqueles que dispõem de, no mínimo, 1 milhão de dólares sobrando no bolso para investir no mercado financeiro, seja na compra e venda de ações, seja em aplicações mais prosaicas, como fundos de investimento, por exemplo. Em 2003, a pesquisa contou 7,7 milhões de milionários em todo o mundo, que movimentaram uma dinheirama estimada em 28,8 trilhões de dólares – equivalentes a quase 90% de todas as riquezas geradas pelo planeta no período. Entre aqueles, pouco mais de 1% – exatos 80 mil – viviam no Brasil e investiram no mercado financeiro a bagatela de 1,75 trilhão de dólares Ð três vezes e meia o valor do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Embora o Brasil tenha uma participação de apenas 1,4% no PIB mundial, nossos milionários ficam com 6% dos trilhões gerados pela especulação financeira planetária.
lhões auferidos em igual período do ano passado. Como a inflação da FGV atingiu 4,94% nos 12 meses encerrados em março, o ganho real do setor registrou um aumento de 11,5% – turbinado por um salto de 22% nas receitas obtidas com a cobrança de serviços prestados aos clientes. Retomando o trabalho da ABM Consulting, os dados mostram que a receita proveniente da cobrança de tarifas – um dos alvos preferenciais das críticas da clientela que tem acesso aos serviços bancários – também subiu como rojão, pulando de R$ 4,2 bilhões, em 1994, quando respondiam por 44% das despesas com pessoal, para R$ 27,7 bilhões no ano passado, cobrindo com folga a folha de pagamentos dos bancos, na faixa de R$ 26,5 bilhões. O aumento, portanto, alcançou 560%, superando a inflação acumulada no período em 127%.
Anderson Barbosa
O
governo brasileiro abriu o país aos investidores/especuladores internacionais, cortou despesas e investimentos públicos para pagar o que deve a seus credores aqui dentro e no exterior, elevou os juros a taxas recordes com duplo objetivo: segurar a inflação, decretando a paralisia virtual do mercado interno, e atrair dólares. Enfim, seguiu à risca a cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e governos dos países ricos. Foi o aluno mais aplicado para colher, além de desemprego crescente e estagnação econômica, uma fuga espetacular dos investidores que, supostamente, aquela política deveria conquistar. Para quem pensa que somente estrangeiros poderiam estar sangrando a economia, o Banco Central do Brasil (BC) ajuda a entender que a fuga para fora do país foi protagonizada, também, por nativos ricos e suas empresas, e bancos endinheirados.
PARA ONDE FORAM OS DÓLARES
CONCENTRAÇÃO
LUCROS DISPARAM Na média, cada milionário local investiu 21,875 milhões de dólares, quase seis vezes mais do que cada um dos milionários do resto do mundo – o que sugere que ricos brasileiros são (muito) mais ricos, até porque podem ampliar seus ganhos milionários aplicando sobras de dinheiro num mercado que oferece um dos juros mais altos do planeta. Detalhe: os 80 mil brasileiros na lista do Merrill Lynch representam 0,04% da população total do país. Ainda no mundo da ciranda financeira, a ABM Consulting, que também atua na área de consultoria econômica e financeira, analisou os balanços contábeis dos dez maiores bancos do país, entre 1994 e 2003, sob encomenda do jornal Folha de S.Paulo. Nenhuma surpresa, na ver-
Investimentos devem ter sido em especulação, não no setor produtivo
dade: os lucros daqueles bancos entraram em disparada, refletindo os ganhos obtidos graças à política de juros altos vigente naquele período (e mantida até hoje) e à criação e aumento das tarifas bancárias. Somados os resultados dos dez bancos, os lucros saltaram de menos de R$ 1,3 bilhão para quase R$ 14,6 bilhões, um pulo de 1.039%, entre 1994 e 2003. A inflação do período, medida pelo Índice Geral de Preços (IGP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), contentou-se com 191% – o que significa dizer que o
lucro daquele grupo de bancos aumentou praticamente quatro vezes mais do que a inflação, enquanto a renda dos brasileiros murchou e o desemprego cresceu, inclusive no setor bancário.
TARIFAS CARAS No primeiro trimestre de 2004, a tendência se repetiu. De acordo com dados divulgados pelo Banco Central (BC), os bancos acumularam um lucro de R$ 5,56 bilhões entre janeiro e março, mais de 17% em comparação com os R$ 4,75 bi-
Com os cofres recheados e os incríveis privilégios assegurados pelo BC, como demonstram a privatização dos bancos estaduais e os programas de salvamento de instituições quebradas, como o Bamerindus e o Nacional, os maiores bancos privados foram às compras e assumiram o controle de 43 instituições financeiras – o que ajudou a incrementar seus lucros nos anos seguintes. Por isso mesmo, a participação dos dez maiores bancos no mercado saiu de menos de 62% para quase 80% no ano passado, agravando a concentração bancária no país e dificultando a adoção de políticas de barateamento do custo dos empréstimos. A decisão do BC de segurar as taxas básicas de juros em 16%, anunciada há uma semana, preserva intocado esse estado de coisas, estimulando a concentração da riqueza. Mantém, de um lado, a perspectiva de ganhos cada vez mais gordos para os bancos e milionários e, de outro, condena o restante do Brasil a taxas medíocres de crescimento. (LVF)
8
De 24 a 30 de junho de 2004
NACIONAL CANAVIEIROS
Mortes e doenças atingem trabalhadores Bernadete Toneto e Tatiana Merlino da Redação
T
rabalhar até morrer. É isso o que tem acontecido com alguns cortadores de cana em cidades do interior de São Paulo, submetidos a metas de produção “subumanas”, exigidas pelas usinas de açúcar. A avaliação é da socióloga Maria Aparecida Moraes Silva, da Unesp de Araraquara, para quem a imposição da média de corte pode ser caracterizada como escravidão. “Eles estão morrendo de overdose de trabalho”, diz. De acordo com a socióloga, o excesso de esforço físico para atingir as metas de produção – os trabalhadores desferem cerca de 9.700 golpes por dia - tem levado a uma sucessão de doenças. “A partir das três da tarde, o trabalhador começa a sentir câibras e fortes dores na coluna, em razão da perda de potássio, sobretudo nos dias de mais calor”, diz. Segundo ela, muitos trabalhadores se queixam de “birola” – cãibra seguida de tontura, dor de cabeça e vômitos. “Eu mesmo já tive esse problema na roça. A birola dá tudo. Esse é o problema que dá na pessoa na cana”, relata José Maria de Lima, trabalhador do município de Pacaembu, na região de Alta Paulista. “Fiquei internado três dias com esse negócio de birola, eu nem sabia o que era isso. Em mim deu uma vez, e nunca mais quero ter”, conta. O psicólogo Cassiano Rumin, de Pacaembu, desenvolveu sua tese de mestrado, na USP de Ribeirão Preto, sobre a saúde dos cortadores de cana. Depois de apurar dados com os trabalhadores, constatou que há muitas internações por excesso de trabalho: “Eles chegam a ter desmaios e convulsões”, diz. Valter da Silva, também do município de Pacaembu, disse que viu gente cair “e ficar dando câimbra no chão”. Ele lembra o caso de um trabalhador que “caiu e ficou se batendo. Até o ôni-
Fotos: Renato Stockler
Obrigados a cumprir metas de produção subumanas, cortadores de cana não resistem ao excesso de esforço físico
O excesso de esforço físico leva a uma sucessão de doenças, o trabalhador sente cãibras, dores na coluna, tontura, dor de cabeça, vômitos e convulsões
bus sair batendo em buraco e chegar ao hospital, a 37 quilômetros, ele morreu. Morreu no caminho”.
MORTE POR ESFORÇO Segundo Maria Aparecida, a morte por birola é freqüente. Professora em Araraquara há mais de vinte anos, ela pesquisa o trabalho dos cortadores de cana e colheu vários depoimentos de familiares de jovens que, após a jornada de trabalho, sentiram cãibras e dores no peito, e morreram em seguida. “Hoje não tem mais o chicote nem correntes. Mas há as correntes invisíveis”, afirma a socióloga. “E essa escravidão os leva inclusive à morte. O pior é que eles sabem que estão morrendo pelo esforço”, diz. José Lima explica que, por conta do excesso de esforço físico, os cortadores de cana envelhecem
Lavradores listam enfermidades A intensificação do trabalho, associada às condições insalubres na lavoura, leva a um grande desgaste físico do cortador de cana. Entre os principais problemas são listados calor excessivo, aspiração de fuligem da cana queimada misturada aos resíduos de agrotóxicos e posição curvada do corpo – a cana precisa ser cortada a três centímetros do chão. Aliada à fraca alimentação, os trabalhadores são comparados, no final da safra, a um “bagaço”, com os nervos esgotados. “Alguns deixam de trabalhar, não agüentam a dor do impacto do facão e ficam com sérios problemas de coluna”, diz o pesquisador Cassiano Rumin. “É de ficar abaixado o dia todo”, explica o trabalhador José Maria de Lima, para quem o trabalho repetitivo “dá muita dor nos ombros, munheca e cotovelo”. O lavrador Valter da Silva, que sofre de problemas na coluna, conta ter visto gente ficar “travada na roça”. A fumaça do corte da cana também gera problemas brônquio-respiratórios: “Eu vejo gente se queixando de dor de cabeça. Acho que eles respiram muito aquela cinza da cana”, diz Silva, que reclama de nervosismo: “O cansaço ataca um pouco os nervos”. Há também a ocorrência de problemas genito-urinários. “Muitos dos trabalhadores reclamam de
dores nos rins. A perda de líquidos é muito grande e eles se queixam de dificuldades em urinar”, explica Rumin.
ESTRESSE E TENDINITE Muitos trabalhadores também reclamam de estresse “O horário de levantar é muito cansativo, o cara tem que ter uma saúde muito boa, senão ele realmente não agüenta”, constata Runin. Em geral, os canavieiros acordam às 4h, saem às 5h para a lavoura e voltam para casa às 20h. Dulce da Cruz lembra que, antes de trabalhar com a cana, não tinha nenhum problema de saúde. “Depois, me tornei uma pessoa doente”. Com o excesso de trabalho, Dulce começou a perder os movimentos do braço, uma enfermidade diagnosticada como tendinite. Antes disso, ela cortava cerca de 300 a 400 metros de cana por dia, um rendimento considerado bom. Ela afirma que tem problema de “nervo” por conta do trabalho na cana. “Não sou a mesma pessoa, não tenho paciência igual eu tinha”. “Eu queria falar para essas pessoas que cortam cana: se elas sentirem dor no braço que elas tomem providência, que não fiquem com medo do fiscal. Não deixe fazer com elas o que fizeram comigo, porque hoje eu sou uma pessoa totalmente perdida, vivo à base de medicamento”. (BT e TM)
mais rapidamente do que outros trabalhadores, “por ter muito trabalho e pouco descanso. A cada ano que passa, a cana envelhece um pouco a pessoa. Se você tem 30 anos, quando tiver 35, vai ver que está quase com 40”, calcula.
TEMPORADA ABERTA Segundo a Pastoral dos Migrantes de Guariba, as “mortes da cana” da safra de 2004 já começaram. No mês de maio, três jovens trabalhadores morreram no eito da lavoura.
Dois deles, provenientes do Vale do Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais, morreram nas cidades de Araçatuba e Bauru. O terceiro, Manoel Neto, 34 anos, morreu na região de Catanduva. No atestado de óbito de Neto, nascido no Estado da Bahia, constava: parada respiratória e síndrome da morte súbita. O corpo do trabalhador não passou por autópsia. De acordo com a advogada Andréia Cunha Santana, da Pastoral dos Migrantes de Guariba, a família cogita
entrar com ação na Justiça. “Três trabalhadores já morreram dessa forma”, indigna-se. Andréia afirma que, de acordo com os familiares, os trabalhadores não tinham problemas de saúde. “Acredito que há um desleixo por parte dos usineiros, pelo fato de os trabalhadores serem migrantes”. Os corpos dos dois lavradores que morreram em Araçatuba e Bauru foram transladados para suas cidades natal. O corpo de Neto foi enterrado em Catanduva.
Suprimentos para elevar a produção Para compensar a fraca alimentação dos cortadores de cana, que não conseguem cumprir as exigências do aumento da produtividade, os usineiros, orientados por nutricionistas, distribuem um componente à base de glicose. Os trabalhadores tomam o “soro” depois do meio-dia, quando começam a sentir cãibras e dores na coluna. “Eles distribuem o soro quando percebem que a produtividade começa a diminuir”, afirma a socióloga Maria Aparecida Moraes Silva. “Eles já são magros e perdem cerca de cinco quilos por safra”, diz. A prática é mais utilizada no fim da safra, quando, de acordo com os trabalhadores, “a gente fica com os nervos esgotados, a gente fica sem sangue”. Segundo Antonio*, que trabalha na Usina Bonfim, em Guariba, o soro serve “para a gente ficar mais violento, com mais fome, com mais vontade de trabalhar”. Em sua 14ª safra, ele diz que se submete a duras condições de trabalho porque não quer que seus filhos passem pelo mesmo. Os mineiros João* e Sebastião* afirmam saber da existência do soro, mas nunca tomaram. “Temos medo do que tinha dentro”, justificam. De acordo com Jadir Ribeiro, agente da Pastoral dos Migrantes de Guariba, alguns trabalhadores vão além e queixam-se de dificuldades em manter relações sexuais com suas parceiras, em decorrência da ingestão do soro.
“AMARELINHAS” EM AÇÃO No município de Pacaembu, para a reposição de energia, muitos trabalhadores tomam medicamentos, que chamam de injeções de “amarelinhas”. “Quem indica o uso dessas injeções são os próprios usineiros, e os trabalhadores acreditam que é para o próprio bem deles”, afirma o psicólogo Cassiano Rumin. Os cortadores de cana desconhecem os efeitos das injeções para a saúde. Tomado no período da
Não atingindo a meta exigida pela usina, o trabalhador corre o risco de demissão
entressafra, o medicamento produz inchaço, entre outros efeitos colaterais. “Não se sabe o que tem nessas injeções, mas elas são tomadas sem receita”, diz Rumin. Em sua pesquisa, ele encontrou casos de lavradores que sofrem convulsões, tremedeiras e suores.
EFEITOS DA MODERNIZAÇÃO O resultado da modernização das usinas de açúcar e álcool, mediante a mecanização do corte da cana-de-acúcar nos últimos anos, teve outros efeitos perversos para os trabalhadores. A modernização é responsável pela demissão de 30 mil cortadores de cana na região de Ribeirão Preto nos últimos dez anos. Provocou a diminuição dos salários e contribuiu para o agravamento das condições de trabalho, refletido nas condições de vida e na saúde dos trabalhadores. O trabalho dos cortadores de cana é temporário; dura o período da safra, do começo de maio até o início de dezembro. Além da atividade ser pesada, ela se torna mais difícil, porque os cortadores de cana trabalham por produção. A cada ano, as metas de produtividade aumentam, e aqueles que não atingem a média são demitidos no final do mês. Durante a década de 80, a média fixada pelas usinas era de 5 a
6 toneladas de cana cortada por trabalhador a cada dia. Na década de 90, a meta passou para, em média, 8, 9 toneladas. No início dos anos 2000, estava em torno de 10 toneladas. Atualmente, os trabalhadores devem cortar de 12 a 15 toneladas/dia. Luciano Ferreira foi um dos dispensados da safra deste ano da Usina Bonfim, na cidade de Guariba. Pela primeira vez em São Paulo, o jovem saiu de Bom Sucesso, Paraíba, junto com seu irmão João, que trabalhou na cana em anos anteriores, “para ver se conseguia alguma coisa”. Depois de um mês de trabalho, como não atingiu a meta exigida pela usina – “não sei de quanto era” – foi demitido. Doente, aguardava um lugar na colheita de laranja. O rapaz, de 22 anos, acha “que o povo de São Paulo é chato”, e não queria ter saído de sua cidade natal. Alega que, como só estudou até a quarta série, é difícil “conseguir um serviço melhor. Porque esse, de cortar cana, eu queria saber quem inventou”. Até o fechamento desta edição, procurada, a Usina Bonfim não tinha se pronunciado. (BT e TM) * Os nomes foram modificados e os sobrenomes, ocultados, por questões de segurança dos trabalhadores.
Ano 2 • número 69 • De 24 a 30 de junho de 2004 – 9
CUBA
População confirma apoio a Fidel Castro
Cristobal Herrera/AP/AE
SEGUNDO CADERNO
Manifestação de 200 mil cubanos rejeita acusação dos EUA, de que o país promove turismo sexual e tráfico de pessoas Jorge Pereira Filho da Redação
E
m um discurso vibrante para uma platéia de 200 mil pessoas, o presidente cubano, Fidel Castro, denunciou que os Estados Unidos planejam uma intervenção militar na ilha e prometeu que o povo vai resistir, mesmo que ele não esteja mais vivo. Castro ofereceu, ainda, assistência de saúde gratuita aos milhares de estadunidenses pobres sem cobertura médica em sua própria terra. A manifestação, dia 21, foi mais uma resposta dos cubanos ao aumento das hostilidades à ilha por parte do governo estadunidense. Em maio, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, confirmou que trabalha na construção de um governo de transição em Cuba, em um informe dado à Comissão de Ajuda à Cuba Livre.
NOVA OFENSIVA Dia 16, Bush incluiu Cuba na lista dos países acusados de promover tráfico de pessoas e turismo sexual. Anunciou, também, uma série de medidas endurecendo o bloqueio econômico contra o povo cubano. Os imigrantes que moram nos Estados Unidos terão um limite menor para enviar dinheiro a seus familiares na ilha. Cubanos cujos parentes trabalham no governo ou são filiados ao Partido Comunista estão proibidos de mandar recursos. Os Estados Unidos também restringiram o acesso dos imigrantes à ilha que só poderão visitar o país a cada três anos – antes, podiam fazê-lo a cada ano. As viagens são apenas a parentes de primeiro grau e não poderão durar mais do que 14 dias. Além disso, não é permitido levar nada para os Estados Unidos. Quem está em Cuba, tem até o dia 30 para regressar. As autoridades estadunidenses informaram, ainda, que vão pagar recompensas para quem delatar descumprimentos das normas.
As medidas de Bush têm como objetivo asfixiar economicamente a ilha, reduzindo o fluxo de dólares e de pessoas que visitam o país. Hoje, o turismo é a principal fonte de receita externa dos cubanos. “Minha mãe me disse que não poderá me visitar porque a agência de viagem não lhe deu garantias de que poderá voltar depois do dia 30. Não sabemos mais quando poderá vir”, lamentou Luisa Arteaga, à Prensa Latina. O objetivo dos Estados Unidos é criar um clima de instabilidade no país e reduzir o apoio a Fidel Castro. Mas os cubanos reagiram de forma diferente. Um dia depois das novas medidas, em 6 de maio, um milhão de pessoas saiu às ruas. Agora, duzentos mil cubanos rejeitaram a acusação de que promovem turismo sexual.
HIPOCRISIA “Incluir Cuba numa lista de países que praticam o tráfico ilegal de pessoas é cínico. Algo ainda mais infame e repugnante é afirmar que Cuba promove o turismo
Multidão se reuniu no dia 21 de junho em frente ao Escritório de Interesses dos EUA em Havana, Cuba
sexual, inclusive com crianças”, registrou Castro, em carta pública enviada a Bush e lida na manifestação. O presidente cubano ressaltou que nenhum país do mundo se compara a Cuba na proteção física e moral de suas crianças. “O senhor deveria saber que nos Estados Unidos morre uma proporção maior de crianças no primeiro ano de vida que em Cuba. Cem por cento das crianças e adolescentes em nosso país, incluídos os que sofrem alguma forma de deficiência mental ou física, freqüentam as escolas correspondentes e estudam”, discursou Castro.
O desemprego, que não caiu nos Estados Unidos durante toda a gestão Bush, também foi lembrado. “Apesar do bloqueio dos Estados Unidos e da queda do campo socialista, o desemprego em Cuba atinge apenas 2,3%, várias vezes menos que o de seu próprio país, o mais rico e industrializado do mundo”, comparou.
FRACASSO O presidente cubano denunciou que os Estados Unidos pretendem agir em total desrespeito à Constituição, à Assembléia Nacional e às decisões do povo cubano.
Referindo-se a Bush, afirmou: “O senhor e seu grupo de assessores próximos declararam sem pudor seu propósito de impor pela força o que qualificam de transição política em Cuba, caso ocorra minha morte enquanto ocupo meu cargo atual. A maior falta de vergonha, entretanto, talvez tenha sido anunciar que as primeiras horas serão decisivas, já que a idéia seria impedir depois, a qualquer custo e em qualquer circunstância, que uma nova direção política e administrativa assumisse a condução de nosso país”. (Com agências internacionais)
VENEZUELA
Meios de comunicação devem ser regulados
Um surpreendente encontro, dia 18, entre o presidente Hugo Chávez e o magnata das telecomunicações, Gustavo Cisneros, sinalizou um possível diálogo entre governo e os meios de comunicação na Venezuela. A reunião, em Caracas, é o segundo passo que a oposição dá em direção à Constituição, depois de aceitar o referendo revogatório, marcado para 15 de agosto. Cisneros é acusado de ser um dos principais articuladores do golpe de 2002. Em seu programa dominical “Alô Presidente”, dia 20, Chávez revelou que o empresário se mostrou “disposto a respeitar a Constituição e a reconhecer a necessidade de equilíbrio entre os meios de comunicação”, disse. Negou, contudo, que o encontro foi para selar um pacto entre governo e oposição em relação ao resultado do referendo. “O único pacto que tenho é com o povo venezuelano. Nem a Constituição, nem o projeto estão em negocia-
Wendys Olivo/Venpres
Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
Carter articulou o encontro entre Chávez e Gustavo Cisneros
ção. Não há pactos por debaixo da mesa”, garantiu Chávez.
COMUNICAÇÃO SOB CONTROLE O encontro foi articulado por Jimmy Carter, ex-presidente estadunidense e amigo de Cisneros. Dias depois, Francisco Diez, do Centro Carter (CC) – organização que integra o quadro de observadores do referendo – anunciou um possível acordo entre os
meios de comunicação privados, para que a consulta popular ocorra em um cenário livre de conflito e violência. “A idéia é facilitar um canal para estabelecer esse clima”, disse Diez. O mediador do diálogo, escolhido pelo CC, é William Ury, da Universidad de Harvard, que deve chegar a Caracas dia 28. Para Olga Dragnic, professora de Comunicação Social da Universidade Central da Venezuela (UCV) e integrante do Observatório Global dos Meios da Venezuela, a tentativa de normatizar o trabalho
da imprensa no país é bem-vinda, “sobretudo para que assuma o papel de informar de maneira imparcial e equilibrada”. Apesar de considerar
positivo, ela não acredita que um possível regulamento seja respeitado. Há uma semana, em uma das sedes do canal de TV Venevisión, de propriedade de Gustavo Cisneros, foram encontrados 24 revólveres, 5 pistolas e munição. A apreensão foi feita pela Guarda Nacional, que investiga a suposta participação do grupo Cisneros no caso dos paramilitares colombianos presos no mês passado. A empresa se eximiu de qualquer responsabilidade. “Esse é um exemplo que ultrapassa os limites democráticos para a ilegalidade absoluta” critica Olga.
Campanha de solidariedade Movimentos sociais, artistas, intelectuais e ativistas lançaram, no Brasil, uma campanha em apoio ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Para participar, basta digitar um e-mail, com a frase “Se fosse venezuelano, votaria em Chávez dia 15 de agosto” e assinar embaixo. O texto deve ser enviado para os endereços sri@mst.org.br ou para fgmorais@uol.com.br. O escritor Fernando Morais e o bispo dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), vão levar as assinaturas recolhidas à Venezuela, em julho.
10
De 24 a 30 de junho de 2004
AMÉRICA LATINA ARGENTINA
Piqueteiros retomam mobilizações
da Redação
M
ilhares de desempregados tomaram as principais cidades argentinas, durante quatro dias, para reivindicar políticas sociais do governo de Néstor Kirchner. Movimentos piqueteiros de diversas tendências políticas bloquearam avenidas de Buenos Aires, Córdoba, Mar del Plata, Río Negro e Rosário. Lojas dos McDonald´s foram ocupadas e a Repsol (transnacional petrolífera que comprou a ex-estatal YPF) paralisou suas atividades em Buenos Aires, temendo as manifestações. Os piqueteiros criticam a política econômica do governo que, embora tenha gerado crescimento econômico, não diminuiu significativamente o desemprego. Em 2003, quando Kirchner assumiu a presidência, 14,5% dos argentinos estavam desempregados. Os últimos dados sobre desemprego, divulgados em maio, registram índices de 14,4%. O percentual sobe para 19,5%, se forem somados os desempregados beneficiados pelos programas sociais, que aparecem nas estatísticas como empregados. Enquanto isso, a economia cresceu cerca de 8% em 2003 e, neste ano, mais 7%. “Espero que, com essa massiva mobilização, o governo mude de atitude em relação a nós, porque os números mostram que o desemprego está tão forte como antes”, afirmou ao jornal Página 12, Gustavo Giménez, do MST Teresa Vive.
REIVINDICAÇÕES NAS RUAS Os manifestantes condenaram a criminalização dos movimentos populares e exigiram o cumprimento de uma pauta de medidas imediatas. As principais são a universali-
Sebastian Hacher/CMI Argentina
Desempregados tomam ruas e ocupam McDonald’s; principal bandeira é universalização dos programas sociais
QUAIS SÃO AS REIVINDICAÇÕES • Universalização dos programas sociais • Aumento do programa de ajuda ao desempregado de 150 pesos para 350 pesos • Reajustes salariais • Fim do pagamento da dívida externa • Não ao envio de tropas argentinos ao Haiti • Reestatização das empresas privatizadas • Diminuição das tarifas públicas • Redução da jornada de trabalho
zação dos programas sociais – que hoje atendem a apenas uma parcela da população –, o aumento de 150 para 350 pesos da ajuda aos desempregados dada pelo governo e o não-pagamento da dívida externa. Centenas de piqueteiros respondem a processos judiciais em função das mobilizações. Os desempregados também querem que Kirchner recue da sua decisão de enviar soldados argentinos ao Haiti. “Vamos lutar junto para que nenhum militar argentino apóie um governo títere dos ianques”, diziam os protestos populares. Em Buenos Aires, funcionários da privatizada Transporte do Oeste
exigiram a reestatização da empresa. “O que hoje vemos é a continuação da política de ajuste fiscal. Os problemas sociais não estão sendo solucionados”, avaliou Néstor Pitrola, líder do Pólo Obrero, ao mesmo diário argentino.
ORIENTAÇÕES DIFERENTES Os piqueteiros, no entanto, não constituem um movimento único. Embora a pauta de reivindicações seja praticamente a mesma, as organizações têm orientações políticas diversas, o que desencadeou protestos diferentes. Os mais radicais, conhecidos como Movimento Independente de Jubilados
e Desocupados e liderados por Raúl Castells, ocuparam as lojas do McDonald´s e exigiram a doação de 20 mil litros de leite e 10 mil livros para repartir entre os pobres.
DIÁLOGO E PROTESTO Já o Movimento de Unidade Popular ocupou, em Buenos Aires, o Hotel Sheraton, que abrigava a missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) encarregada de renovar o acordo com a Argentina. Os piqueteiros tomaram também a estação de trens e liberaram as catracas para os passageiros. Outros grupos, como o Bloqueio Piqueteiro Nacional e a Corrente Classista
Combativa (CCC), mantiveram os tradicionais bloqueios de avenidas e ruas. O governo Néstor Kirchner afirmou que as exigências são razoáveis, mas criticou os cortes de avenida como método de pressão. Já empresários e partidos de direita pressionam o governo para reprimir as manifestações. Os piqueteiros, no entanto, não pretendem recuar e já anunciaram novos cortes de avenidas para dia 26. No mesmo dia, completam-se dois anos do assassinato dos desempregados Maximiliano Kosteki e Dario Santillán, em um confronto com a polícia durante um protesto popular. (Com agências)
LIVRE COMÉRCIO
Unctad se omite na crítica à globalização
A XI reunião da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) terminou, dia 18, confirmando os temores dos participantes do Fórum da Sociedade Civil, evento realizado em paralelo por movimentos sociais e organizações não-governamentais. As declarações oficiais da reunião oficial, batizadas de “Consenso de São Paulo” e “Espírito de São Paulo”, fogem das críticas ao neoliberalismo. Tampouco há críticas à forte influência das transnacionais nos organismos internacionais e no comércio mundial, limitando o espaço dos Estados nacionais a desenvolverem políticas públicas em prol do desenvolvimento. A Unctad parte do pressuposto de que há algumas restrições – como o crescimento lento e instável – que impedem países pobres de aproveitar supostos benefícios da globalização. A organização, evidentemente, não entra no mérito de quem são os verdadeiros ganhadores do processo de mundialização do capital. Para José Bové, ativista francês que entregou as reivindicações do Fórum da Sociedade Civil ao secretário-executivo das Nações Unidas, Koffi Annan, deve-se ver com desconfiança a atuação de organismos internacionais como a ONU. “Quem garante que, nos próximos dias, Annan não encontre um presidente de transnacional e firme um acordo com ele também?”, questiona o camponês. Brasil de Fato – Qual é sua avaliação do encontro com o secre-
Quem é
Carlos Santos/REDES
João Alexandre Peschanski e Jorge Pereira Filho de Itaici (SP) e da Redação
tário geral das Nações Unidas, Koffi Annan, no dia 13? José Bové – O encontro foi a ocasião de expressar, na Organização das Nações Unidas (ONU), pela primeira vez, o princípio da soberania alimentar. Na ocasião, eu representava um conjunto de movimentos sociais e entidades, muitos dos quais solidários à luta da Via Campesina. A oportunidade foi importante porque, para ganhar a luta dos camponeses de se alimentar com o que produzem, é preciso que a soberania alimentar seja reconhecida como um direito fundamental dos povos, no mesmo nível dos direitos humanos. O combate tem de ser realizado também no seio da ONU. O que importa é que este direito se transforme na norma pela qual o comércio e outras atividades devem se organizar.
Um dos principais ativistas mundiais na luta contra a globalização, José Bové é criador de carneiros no sul da França e coordena a Confédération Paysanne (Confederação Camponesa). Trata-se da principal organização de pequenos agricultores francesa e integra a Via Campesina, que une movimentos de camponeses de todo o mundo.
BF – A ONU e a Unctad são o canal institucional pelo qual isso vai ser possível? Bové – Não podemos ser ingênuos. O encontro com Annan só ocorreu porque a Via Campesina e as organizações sociais que lutam contra o neoliberalismo são fortes e articuladas internacionalmente. A ONU não podia desconsiderar o peso e a influência dos movimentos sociais. Dos encontros da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Seattle (em 1999) e Cancún (em 2003) a todas as mobilizações locais e regionais, os camponeses se tornaram a força social mais bem organizada do mundo. Isso gerou uma revolução cultural para muitas pessoas, que acreditavam que não se falaria mais dos camponeses no século 21. No entanto, os agricultores são a principal força social – o
que é lógico já que representam 55% da população mundial. A ONU teve de se render a isso e também à evidência dos fracassos das reuniões de Seattle e Cancún em relação à agricultura, tema que hoje divide os países mais ricos e todos os outros do planeta. Assim, colocar a questão da agricultura com o enfoque dos movimentos sociais se tornou obrigatório no seio das instituições institucionais. Eles não podem mais ignorar o tema da agricultura, também porque é isso que bloqueia as negociações da OMC. Os movimentos sociais estão em uma posição de destaque, o que nos permite pôr na mesa nossas propostas. BF – Isso quer dizer que a ONU vai se posicionar em favor dos pequenos agricultores? Bové – Nas relações internacionais de hoje, a ONU e suas instituições não têm poder algum. São organizações que estabelecem normas, mas que não têm a capacidade de aplicá-las. O verdadeiro poder está com instituições como o Banco Mundial e
o Fundo Monetário Internacional (FMI), cuja proposta é aplicar em todos os níveis as regras do comércio na agricultura. Por isso, os movimentos sociais querem aproveitar o espaço que tiverem, mas defendem a recriação das instituições internacionais. Nos princípios, a ONU é indispensável e não podemos tolerar que continue funcionando do jeito de hoje, de modo fechado, esclerosado e que não tem a capacidade de se impor e impedir as políticas das grandes potências, principalmente os Estados Unidos. Recriar a ONU é um trabalho a longo prazo, do qual a Via Campesina deve participar. BF – Qual foi a proposta a Annan? Bové – Eu disse que a proposta da Via Campesina, baseada na soberania alimentar, está em total contradição com a lógica neoliberal das transnacionais. Não podíamos conceber a agricultura com organismos geneticamente modificados e o controle das grandes empresas. Isso não beneficia os camponeses e a população mundial. BF – As negociações com a ONU vão continuar? Bové – O encontro foi um primeiro passo. Nos próximos meses, integrantes da Via Campesina devem se reunir com Annan para continuar a discussão sobre a soberania alimentar. Mas, com a ONU, as coisas são incertas: quem garante que, nos próximos dias, Annan não encontre um presidente de transnacional e firme um acordo com ele também?
11
De 24 a 30 de junho de 2004
INTERNACIONAL PALESTINA
Camponeses sem-terra organizam ocupação
S
entados ao lado de um barraco de lona preta, Mohammad Khalil Abu Khalil e Mohammad Ibrahim E’widat tomam chá de hortelã e, como fazem todas as noites, observam o pôr-do-sol. “Isso nos dá a certeza de que mais um dia acabou e que continuamos aqui”, diz Khalil. Moram, com outras 600 famílias, em Arab Al-Jahaleen, um acampamento de camponeses semterra, a cerca de 50 quilômetros de Jerusalém Oriental. Khalil e E’widat não têm trabalho há doze anos, desde que foram expulsos de suas terras. Eles dividiam uma pequena fazenda, onde cultivavam oliveiras. “Nunca fomos ricos, mas tínhamos algo nosso, suficiente para pagar comida e educação para as crianças”, relata E’widat, que tem dez filhos. Até o ano passado, como não havia escola na comunidade e o Exército israelense não permite que os camponeses saiam do acampamento, nenhum deles estudava. Segundo Khalil, algumas mães organizaram cursos de alfabetização, mas não conseguiam atender a todas as crianças da comunidade – em média, doze por família. Em 2003, com apoio financeiro de deputados holandeses e do governo palestino, os sem-terra construíram uma escola para crianças até a 5ª série. A “cabana do ensino”, como chamam o local, foi feita com telhas de material sintético, recuperadas do lixo, e tem cerca de 20 metros quadrados. Em janeiro deste ano, o Exército israelense fechou a escola e prendeu os dois professores que se revezavam nas aulas. Khalil afirma que dezenas de soldados entraram na comunidade, com jipes e caminhões, e um deles disse que o local formava terroristas e, por isso, não podia continuar funcionando. De acordo com ele, os camponeses tentaram reagir e foram reprimidos. “Não faz sentido, nossas crianças apenas estudavam árabe, inglês e matemática”, comenta. Apesar de serem palestinos, os moradores do acampamento estão em território anexado pelo governo israelense. Têm uma identidade especial, emitida por funcionários de Israel, que lhes dá o direito de morar no local, sem pagar impostos,
Sem-terra palestinos são obrigados a viver ao lado de depósito de lixo israelense, no acampamento de Arab Al-Jahaleen
mas precisam de autorização para sair da comunidade. Ao redor do acampamento, há três colônias residenciais israelenses. Duas delas, Ariel e Ma’ale Adunim, têm mais de cem mil habitantes.
ORGANIZAÇÃO E PRODUÇÃO No início dos anos 90, como E’widat e Khalil, milhares de pequenos agricultores palestinos da região foram despejados de suas fazendas – mesmo os que tinham título de propriedade. “Os soldados nos tiraram de nossas terras para construir colônias para israelenses. Não tínhamos para onde ir e decidimos ficar na região”, diz E’widat. Os camponeses ocuparam um terreno de 400 dunams (aproximadamente 600 metros quadrados por família), onde montaram um acampamento onde estão até hoje. Segundo Khalil, no início ergueram barracos com lonas e pedaços de madeira doados por parentes ou encontrados no lixo. Hoje, ainda há dessas casas, mas também existem outras, de alvenaria. A maior parte da terra não é boa para a agricultura e, onde o solo é fértil, os trabalhadores organizam lavouras coletivas. “Todos ajudam no plantio e os pro-
DIREITOS HUMANOS
Preconceito penaliza refugiados na Europa Gustavo Capdevila de Genebra (Suíça)
Acaba de ser lançada, na Áustria, uma campanha, com cartazes nas ruas, com o objetivo de modificar “a forma como os refugiados são apresentados ao público”. A campanha, movida pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), quer mostrar que os que pedem asilo não são responsáveis pela maioria dos crimes relacionados com drogas cometidos na União Européia. “Os refugiados desejam desesperadamente retornar às suas casas, como comprovaram de maneira dramática as crises registradas na província sérvia de Kosovo e no Camboja, Moçambique e Timor Leste”, disse o alto comissário Ruud Lubbers. Na opinião do Acnur, a melhor solução para os refugiados é a repatriação voluntária, uma vez que as condições no país de origem tenham voltado ao normal. Assim, retornaram aos seus lares, em 2003, 1,1 milhão de pessoas.
Destas, o maior grupo era formado por cerca de 464 mil afegãos, que elevaram para três milhões o número de refugiados que voltaram ao Afeganistão depois de 2002, uma vez relativamente normalizada a situação posterior à invasão liderada pelos Estados Unidos, no final de 2001. No ano passado, outros grandes contingentes de refugiados tomaram o caminho de volta para Angola, Bósnia Herzegovina, Burundi, Costa do Marfim, Croácia, Eritréia, Libéria, Ruanda, Serra Leoa e Somália. O total de 17,1 milhões de pessoas atendidas em 2003 pelo Acnur era composto por 9,7 milhões de refugiados e 4,2 milhões de refugiados internos, dos quais 5,5 milhões na Europa, enquanto que em uma área que inclui a Ásia Central, Sudeste da Ásia, África do Norte e Oriente Médio (Caswaname, sigla em inglês dessas regiões) havia quatro milhões. Outros quatro milhões estavam na África Subsaariana, 2,3 milhões na América e 1,4 milhões na Ásia-Pacífico. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
dutos são divididos para cada família”, explica E’widat. Até 1997, quando conquistaram a terra por decisão da Suprema Corte de Justiça de Israel, os camponeses foram constantemente ameaçados por soldados e colonos israelenses. “Eles entravam no acampamento e destruíam as casas. Assassinaram muita gente,
atirando de longe”, afirma Khalil. Apesar de terem a posse da propriedade, os camponeses temem ser despejados.
RESISTÊNCIA NO LIXO Em 2001, uma empresa recebeu um alvará do governo israelense para montar um depósito de lixo ao lado de Arab Al-Jahaleen. O lixão
está a menos de cinco metros de algumas das casas do acampamento. De acordo com Khalil, todos os dias caminhões despejam toneladas de dejetos, provenientes das colônias israelenses vizinhas. Dentro da própria comunidade, há entulho e ferragem. “É uma forma de nos intimidar, mas não vamos sair”, diz o sem-terra palestino. Por causa da proximidade com o depósito de lixo, há muitos insetos e ratos no acampamento. “Os bichos transmitem diversas doenças e, como não temos remédios nem médicos, qualquer mordida pode ser fatal”, avalia E’widat, que teme por seus filhos. Segundo ele, são freqüentes os casos de problemas cardíacos e cegueira, relacionados à presença do lixão. Os camponeses entraram com uma ação na Suprema Corte para revogar o alvará e ainda esperam uma decisão.
UNIÃO EUROPÉIA
Eleições afastam cidadãos
Tito Drago de Madri (Espanha) Os resultados das recentes eleições para o Parlamento Europeu mostram que o bloco político ainda está longe do coração e dos interesses econômicos e sociais dos cidadãos dos países que o integram. “O Parlamento precisa ter mais poderes se quer atrair votos”, alerta Romano Prodi, presidente da Comissão Européia, órgão executivo da União Européia (UE). Desde a primeira votação, em 1979, as eleições do início do mês foram as que registraram menor índice de participação, com apenas 45% dos 350 milhões de eleitores habilitados. Nos países fundadores e considerados chaves na UE, como Alemanha e França, a participação de 43% esteve abaixo da média européia. O desinteresse ficou mais patente nos dez países incorporados à UE, dia 1º de maio, nos quais apenas 26,4% dos eleitores votaram. Na opinião de Miguel Angel Moratinos, chanceler espanhol e veterano conhecedor da UE, os governantes terão de fazer um esforço a mais para dar maior legitimidade à União Européia que se está construindo. “Os cidadãos europeus compreenderão que, com uma Constituição e um contexto político novo, mais eficaz, mais democrático e mais solidário, pode-se e deve-se envolver a sociedade européia”, disse.
ACORDO CONSTITUCIONAL A elevada abstenção, o aumento dos votos em alguns partidos que se declaram contrários à união da Europa e o uso do voto em países decisivos para punir seus governos em razão de suas políticas internas mostram que o interesse pelo bloco não está na ordem do dia. Para Andrés Ortega, diretor da edição espanhola da revista Foreign Policy, o Parlamento Europeu ganhou muito em poder executivo, já que colegisla (com os congressos nacionais) e co-decide (com o Conselho
Fotos: CMI
João Alexandre Peschanski de Jerusalém Oriental (Palestina)
João Alexandre Peschanski
Despejados de suas terras por soldados israelenses, lavradores resistem e montam acampamento
Abstenção a eleições seria porque os cidadãos querem uma UE mais eficaz
de Ministros) em 60% dos assuntos que afetam os cidadãos. O chanceler britânico de Assuntos Exteriores, Jack Straw, cujo Partido Trabalhista perdeu estrepitosamente nas eleições, também interpretou que os resultados demonstram que os cidadãos querem uma UE “mais eficaz e mais responsável”, e se comprometeu a trabalhar para conseguir um acordo constitucional. No entanto, para entrar em vigor, a Constituição deverá ser ratificada por todos os Estados-membros. Até agora, o pré-texto constitucional garante que o Parlamento Europeu terá, no futuro, a capacidade de bloquear ou aprovar 60% das
resoluções adotadas pela Comissão Européia, entre elas as que se relacionam com a política externa e de segurança e ao próprio orçamento da UE, além de política de imigração e cooperação policial, incluindo o comando da Europolícia, e a política fiscal. Uma mudança importante ocorrerá na designação do presidente da União Européia, que até agora era escolhido por acordo entre os governos mas que, com a nova Constituição, passará a ser designado pelo Parlamento Europeu, o mesmo ocorrendo com os comissários de Política Exterior e de Defesa. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
12
De 24 a 30 de junho de 2004
INTERNACIONAL VIA CAMPESINA
Camponeses lançam agenda de lutas
João Alexandre Peschanski de Itaici (SP)
E
m defesa dos pequenos agricultores e dos povos de todo o planeta, os participantes da IV Conferência Internacional da Via Campesina aprovaram um calendário internacional de lutas. No encontro, realizado em Itaici (SP), de 14 a 19 de junho, 450 dirigentes camponeses, de 76 países, afirmaram a necessidade de resistir à implantação de políticas neoliberais como a privatização de recursos naturais, os investimentos em políticas voltadas à exportação agrícola e o uso de transgênicos. A Via Campesina, que reúne cerca de cem movimentos e sindicatos de camponeses de todo o mundo, convocou agricultores e ativistas a cumprir uma agenda de mobilizações que começa em julho deste ano e vai até julho de 2005 (veja o quadro abaixo). A jornada de lutas contra a OMC, programada para setembro, prevê uma manifestação com um milhão de pessoas em Seul (Coréia do Sul), em homenagem ao trabalhador rural Lee Kyang Hae. Senhor Lee, como é conhecido, se suicidou em protesto contra as políticas neoliberais, dia 10 de setembro de 2003, durante a reunião ministerial da OMC em Cancún (México). Quando praticou o hara kiri (suicídio com faca), ele carregava um cartaz com os dizeres “A OMC mata camponeses”. “Seul tem cerca de 11 milhões de habitantes e colocar um milhão de pessoas nas ruas é um grande desafio. No entanto, os sul-coreanos se emocionaram muito com a coragem e o desespero do senhor Lee e devem comparecer em massa. Ele se tornou um exemplo para a população, divulgando a mensagem que não se deve tolerar o intolerável”, comentou Jai-Kwan Choi, da Liga de Camponeses Coreanos. Para ele, o protesto também vai ser contra a proposta da OMC e do governo da Coréia do Sul de liberalizar a agricultura do país – especialmente o cultivo do arroz, base da alimentação da população. Em julho, deve ocorrer um referendo onde os sulcoreanos vão decidir se aceitam ou rejeitam a proposta, e os movimen-
Fotos: Douglas Mansur
Em Itaici (SP), 450 delegados de 76 países definiram uma estratégia conjunta de resistência ao neoliberalismo
Na Conferência da Via Campesina, o dirigente indonesiano Henry Saragih foi escolhido secretário internacional da organização
tos sociais do país pretendem organizar uma série de greves gerais para conscientizar os trabalhadores sobre as políticas da OMC. Segundo Henry Saragih, da Federação de Sindicatos de Camponeses Indonesianos e secretário internacional da Via Campesina, as mobilizações indicam que os agricultores não agüentam mais o modelo imposto pela OMC. “Esse não é um modelo que dê para ser melhorado ou adaptado, mas precisa ser interrompido. O neoliberalismo gera pobreza, pois sua lógica é privatizar a terra e tirá-la dos pequenos agricultores, e não permitir resistência”, salientou.
SOBERANIA
CAMPANHAS GLOBAIS Além das manifestações, os participantes da Conferência programaram quatro campanhas mundiais: em defesa das sementes, consideradas patrimônio dos povos; pela reforma agrária; pelos direitos humanos dos camponeses, com base em uma carta que deve ser entregue à Organização das Nações Unidas (ONU) exigindo a elaboração de normas em defesa dos pequenos agricultores; e con-
tra as políticas agrárias da União Européia e dos Estados Unidos. O camponês basco Paul Nicholson, da coordenação da Via Campesina, explicou que as campanhas pretendem criar alternativas às políticas neoliberais, mobilizar a população
mundial em relação aos problemas na agricultura e também “abrir espaço para discutir os tratados de livre comércio que os Estados Unidos e a União Européia querem impor aos países mais pobres, obrigando-os a se submeter ao domínio
JORNADA DE RESISTÊNCIA A Via Campesina convocou todos os agricultores e ativistas a mobilizar os povos em torno de um calendário de lutas internacionais • de 19 a 24 de julho – semana mundial de luta contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) e as transnacionais; • 10 de setembro – jornada internacional no dia de luta contra a OMC; • 25 de novembro – dia internacional de luta contra a violência às mulheres; • de 4 a 8 de dezembro – conferência pela reforma agrária, em local a ser definido; • julho de 2005 – mobilização para impedir a reunião ministerial da OMC em Hong Kong (China).
das transnacionais”. A carta sobre os direitos humanos campesinos, segundo Saragih, é um meio de denunciar a fome e a miséria às quais são submetidos os trabalhadores do campo: “É contraditório que justamente quem tem o conhecimento milenar para produzir alimentos passe fome e esteja cada vez mais pobre; enquanto a riqueza é transferida para as transnacionais, que consolidam seu poder e força de repressão”. A Índia, país com imensa população pobre, é um exemplo desse cenário. De acordo com a dirigente camponesa indiana Chukki Nanjundaswamy, muitos trabalhadores da Índia estão desesperados, sem ter como alimentar suas famílias, sem oportunidades de emprego e sem ter como vender sua produção. Ela conta que, desde 1996, 26 mil camponeses indianos se suicidaram: “Em alguns casos, por causa de altos endividamentos e sem assistência social, os trabalhadores se suicidam com os agrotóxicos que utilizam em suas plantações”.
Camponeses definiram estratégia de luta contra o neoliberalismo
No encontro, os dirigentes campesinos apresentaram uma definição de soberania alimentar, a partir de um conjunto de propostas da Via Campesina para a agricultura. Para Chukki, o termo soberania alimentar corresponde “ao direito das populações e dos Estados de estabelecer sua política agrícola e alimentar, sem se submeter às pressões das transnacionais e dos países ricos”. Inclui a defesa da produção agrícola local para alimentar a população e o direito das populações a escolher o que querem consumir. “Daí advém a necessidade de fazer reformas agrárias, de impedir a proliferação de organismos geneticamente modificados e de reverter a privatização dos recursos naturais”, analisou Chukki. “Não é uma proposta que se ajuste ao modelo neoliberal, não pode ser inserida dentro da lógica da exploração dos trabalhadores e domínio das transnacionais. Estamos em contraposição ao sistema dominante”, explicou a indiana. Para ressaltar o ideal da luta dos camponeses, no dia 19, trabalhadores peruanos organizaram uma cerimônia incaica de plantio de sementes, agradecendo a terra por dar alimentos e vida. “Por machucá-la para plantar / peço perdão à terra / porque ela é a mãe dos homens e os protege”, cantaram os camponeses, encerrando a conferência.
SOBERANIA ALIMENTAR
União Européia rejeita a canola transgênica
Stefania Bianchi de Bruxelas (Bélgica) Organizações ecologistas comemoraram a decisão de um comitê de especialistas da União Européia (UE) de rejeitar um pedido de Bruxelas para importar canola transgênica da empresa estadunidense Monsanto. Os votos de seis dos dez novos membros que se incorporaram à UE em 1º de maio tornaram possível uma decisão majoritária contra esse produto geneticamente modificado. Para Geert Ritsema, coordenador de transgênicos da organização Amigos da Terra/Europa, essa votação demonstra que os Estados Unidos não podem contar
com os novos Estados-membros para promover suas políticas na área dos alimentos manipulados geneticamente. “Os Estados-membros devem colocar a segurança dos cidadãos europeus e seu meio ambiente à frente dos interesses financeiros de gigantes da biotecnologia como a Monsanto e seus amigos da Casa Branca”, ressaltou Ritsema. Os novos integrantes – Chipre, Estônia, Hungria, Malta, Lituânia e Polônia – se uniram aos antigos – Áustria, Dinamarca, Grécia, Itália, Grã-Bretanha e Luxemburgo – para rejeitar a canola conhecida como GT73, modificada geneticamente para resistir ao herbicida Roundup da pró-
pria Monsanto. Bélgica, República Checa, Finlândia, França, Holanda, Letônia, Portugal, Eslováquia e Suécia apoiaram o lançamento da semente oleaginosa transgênica, enquanto Alemanha, Irlanda, Espanha e Eslovênia se abstiveram. A votação foi a primeira prova da UE ampliada na área dos organismos modificados geneticamente depois da decisão da Comissão, em maio, de introduzir o primeiro alimento transgênico no bloco em cinco anos. A Comissão havia conseguido em maio seu propósito de importar uma variedade de milho doce transgênico. Os Estados-membros não conseguiram uma maioria para destravar a decisão e devolveram a questão da
importação à Comissão, que a aprovou. O milho doce resistente a pestes e herbicidas é o primeiro produto transgênico autorizado na Europa desde a moratória imposta em 1999, diante da crescente preocupação pelo possível impacto desses produtos no meio ambiente e na saúde. A aprovação inclui somente a importação e venda do milho nos Estados-membros, e não seu cultivo. Adrian Bebb, da Amigos da Terra/Europa, disse que o risco de polinização cruzada é importante. “As sementes da canola são muito pequenas, fortes e crescem muito bem na Europa, podendo cruzar rapidamente com plantas silvestres”, explicou. O comitê assessor do go-
verno britânico sobre lançamento de novos produtos no meio ambiente advertiu que se a canola transgênica for importada, “será muito provável a queda acidental de sementes (durante o transporte) e isso resultará na hibridação com plantas silvestres ou outros cultivos”. A proposta de importação da canola transgênica será agora examinada pelo Conselho de Ministros, que terá três meses para aprová-la ou rejeitá-la. Se esse órgão não adotar nenhuma posição nesse prazo, o assunto retornará à Comissão, que, então, poderá tomar a decisão final, como fez no caso do milho doce. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
13
De 24 a 30 de junho de 2004
INTERNACIONAL ÁFRICA
Líder explica revolução no Zimbábue
Rob Sacco, coordenador de entidade camponesa, diz que o povo de seu país apóia reforma que redistribui terras férteis
Quem é
Ripper
João Alexandre Peschanski de Itaici (SP)
E
Brasil de Fato — Mugabe iniciou uma reforma agrária, chamada compulsória, que beneficia os pequenos agricultores zimbabuanos. Como se iniciou? Rob Sacco — Mugabe é o líder de um partido revolucionário, o Zanu, que participou da luta pela independência do Zimbábue em 1980. Os ingleses, quando perderam o controle do país, obrigaram o novo governo zimbabuano a assinar um contrato, segundo o qual não haveria mudanças na política agrícola do Zimbábue por 10 anos. O governo, ainda em fase de instalação, obedeceu. O resultado foi a permanência de uma enorme desigualdade na distribuição das terras férteis do país. Dos 32 milhões de hectares do Zimbábue, apenas 16 são férteis e, até o início da reforma agrária de Mugabe, estavam nas mãos de 4 mil fazendeiros, todos ingleses. A lógica era simples: os brancos ricos ficavam com as melhores terras e os negros pobres com as inférteis, marginais. Apesar de terem conquistado o poder político, os zimbabuanos estavam longe de ter o poder econômico. Com benefícios comerciais e alfandegários, os fazendeiros brancos enviavam seus produtos à Inglaterra e ficavam cada vez mais ricos. No campo da agricultura, as relações econômicas eram todas com a Inglaterra e, além disso, os fazendeiros ingleses deixavam todo o seu capital em bancos do país europeu. A economia do Zimbábue estava externalizada. BF — Depois dos 10 anos do acordo com a Inglaterra, o país iniciou a reforma agrária? Sacco — Entre 1990 e 1996, o governo negociou com o primeiro-ministro inglês, John Major, para fazer a reforma agrária. A negociação foi chamada de plano de ajuste estrutural e era o reconhecimento da responsabilidade da ex-metrópole com o desastre
Rob Sacco é coordenador da entidade Uso Sustentável e Participativo da Terra e Ambiente (sigla em inglês, Pelum) do Zimbábue. A organização participa do projeto de reforma agrária do presidente zimbabuano, Robert Mugabe, cadastrando pequenos agricultores e realizando pesquisas sobre a concentração fundiária no país.
social que ocorria no Zimbábue. O novo programa de reforma agrária piorou a situação dos camponeses, ao optar por uma maior abertura da agricultura ao mercado internacional. Não era a solução. Com a eleição de Tony Blair, em 1997, a situação piorou ainda mais. A vida no campo era insuportável e, em 1999, um chefe camponês, da região de Suosue, liderou a primeira ocupação de terra do Zimbábue no período pós-independência. Ele encabeçou um grupo de centenas de famílias das terras marginais para as terras férteis. Os fazendeiros brancos tentaram, por todos os meios, como repressão e pressões no governo, despejar os camponeses, mas Mugabe apoiou os trabalhadores. Disse: “É uma ocupação legítima. Se a Inglaterra não ajuda o Zimbábue a resolver os problemas sociais, então os zimbabuanos têm o direito de lutar pela terra”. Isto serviu de exemplo para camponeses em todo o país. BF — A partir daí as ocupações de terra aumentaram? Sacco — Como forma de protesto, sim, mas, no início dos anos 2000, o Parlamento criou uma lei em favor da reforma agrária compulsória. Isto é, o Estado poderia tomar a terra de fazendeiros se considerasse que esta não era produtiva ou se era muito grande para uma mesma família.
BF — Como funciona a reforma agrária compulsória? Sacco — O governo publica em jornais uma lista de terras destinadas à reforma. Funcionários entram em contato com o dono para que desaproprie sua fazenda, para a qual não receberá nenhum ressarcimento financeiro. O único gasto do governo é, quando a terra está ocupada por pequenos agricultores, com melhorias, assistência técnica e ferramentas. O governo tem uma política de que as terras, dependendo da região, têm que ter um tamanho máximo. Por exemplo, onde o solo é mais fértil, as propriedades têm que ter, no máximo, 250 hectares. Nesta região, um fazendeiro que tinha 500 hectares tem que dar metade para a reforma agrária. O dono da terra escolhe a terra com a qual pretende ficar e apresenta, em um tribunal regional, do qual participam trabalhadores da região, o novo desenho da propriedade. Se a proposta do fazendeiro for aceita, o título de propriedade é então queimado no tribunal. Se não, o dono da terra precisa apresentar uma outra. BF — Todos os fazendeiros colaboram? Sacco — Há um grupo de fazendeiros da direita que não quis colaborar e, como é uma política de Estado, toda a sua propriedade foi destinada à reforma agrária. Outros donos de terra, chamados
Sjambok (em português, chicoteadores), que eram conhecidos por serem violentos com os trabalhadores, perderam o direito de ter fazendas. BF — Quem é beneficiado pela reforma agrária? Sacco — Todas as pessoas que quiserem participar precisam cadastrar-se em um escritório do conselho popular distrital. Basta colocar o nome e a identidade. Participam do conselho representantes comunitários, entidades, funcionários. O conselho define então quais são as terras do distrito que devem ser destinadas à reforma agrária e iniciam discussões sobre como melhor distribuir as fazendas. Há dois tipos de propriedades: as chamadas A-1, que são menores e dadas aos pequenos agricultores, que vão receber ajuda financeira do governo; e as A-2, com áreas maiores, destinadas a pessoas que já têm um capital próprio e têm um projeto para fazer agricultura comercial. Até agora, 11 milhões de hectares foram redistribuídos para 300 mil famílias de pequenos e médios agricultores. Mugabe disse que a reforma agrária vai continuar até que toda a desigualdade na concentração fundiária acabe. BF — De forma parecida com o que acontece na Venezuela, parece estar ocorrendo uma revolução agrária no Zimbábue. As grandes empresas e potências não tentam interferir? Sacco — É uma revolução, só que não bolivariana, é zimbabuana. Por enquanto, as grandes empre-
BF — Quais são os desafios de Mugabe e dos movimentos sociais zimbabuanos para estimular as mudanças sociais no país? Sacco — Mugabe tem que ampliar a reforma agrária, não apenas redistribuindo a terra, mas criando escolas e postos de saúde rurais. Aprendemos muito com a revolução de Hugo Chávez, na Venezuela, e pretendemos fazer algo parecido: dar terra, alimentos e dignidade. O problema é que muitas entidades zimbabuanas, que são financiadas por potências internacionais, não apóiam Mugabe. A mudança vai toda vir da própria população, dos pequenos agricultores, que vão criar um projeto de desenvolvimento para o país. A sociedade civil também precisa se reconstruir e se libertar do jugo das grandes potências.
Africanos unidos por comércio justo na Unctad da Redação As delegações de países africanos que participaram da XI Reunião da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês), que terminou no dia 18 último, em São Paulo, foram unânimes em exigir do órgão igualdade de condições nas relações comerciais com os países desenvolvidos. A África, que concentra a maior parte dos chamados Países Menos Desenvolvidos (LDC – Least Developed Countries) no linguajar do comércio mundial, foi a região mais atingida pela falta de fundos de que vem padecendo a Unctad ao longo dos últimos anos, observou a representação de Botsuana (África Austral), indicando a decepção do país com o corte de programas de capacitação para negociações de comércio e a não implementação de campos importantes de estudos em transferência de tecnologias. “Isso não pinta um quadro muito bom dessa organização, e tem impacto negativo no processo de integração dos países na economia global”, afirmaram os bechuanos. A delegação da África do Sul exortou o processo de reforma da Organização das Nações Unidas (ONU), “que deve trazer maior coerência à governação multilateral” e apontou como desafio para
Rose Brasil/ABr
m entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, durante o Encontro da Via Campesina em Itaici, interior de São Paulo, no dia 17 de junho, Rob Sacco, coordenador da entidade Uso Sustentável e Participativo da Terra e Ambiente (sigla em inglês, Pelum), do Zimbábue, falou da verdadeira revolução agrária que está ocorrendo em seu país. Em julho de 2000, o presidente zimbabuano, Robert Mugabe, deu início a uma reforma agrária compulsória chamada de Reforma Agrária e Plano de Implementação de Reassentamentos. O objetivo era dotar de poder econômico a maioria negra do país. Desde então, mais de 4 mil dos 4,5 mil fazendeiros brancos do Zimbábue tiveram suas terras tomadas para fins de reforma agrária. Eles eram donos de um terço das terras mais férteis do país, enquanto aproximadamente 1,5 milhão de pequenos produtores negros dividiam os outros dois terços não férteis. “O governo tem o apoio da população e está disposto a continuar com a reforma agrária” disse Sacco. “Neste momento, para desestabilizar o presidente Mugabe, estão financiando, com dinheiro do governo dos Estados Unidos e Inglaterra, uma imprensa de oposição”, contou, reafirmando que o governo vai continuar com a reforma agrária até que toda a desigualdade na concentração fundiária acabe. No início deste mês, o programa de reforma agrária do Zimbábue sofreu mais uma reviravolta significativa. O governo anunciou sua intenção de nacionalizar todas as terras produtivas do país.
sas não têm o que fazer: o governo tem o apoio da população e está disposto a continuar com a reforma agrária. Neste momento, para desestabilizar o presidente Mugabe, estão financiando, com dinheiro do governo dos Estados Unidos e Inglaterra, uma imprensa de oposição. A imprensa mente e diz que a reforma agrária não traz benefícios para o país, pois seria uma volta para o passado. É mentira, pois os índices de fome, por exemplo, nunca estiveram tão baixos. A imprensa tenta convencer que a população zimbabuana se beneficiará com a globalização e o neoliberalismo. Também com o apoio das potências internacionais, empresários do país criaram um partido, o Movimento por Mudança Democrática (MDC), cujo presidente é um ex-líder sindicalista, muito famoso no Zimbábue, Morgan Tsvangirai. A pauta deles é derrubar Mugabe, custe o que custar, e está custando muito. São milhões de dólares enviados mensalmente por uma organização da Inglaterra, Westminster Foundation for Democracy, e dos Estados Unidos, Heritage. Ambas são entidades da direita de seus países e têm interesses econômicos e comerciais no Zimbábue. Querem que a produção agrícola permaneça a mando das famílias e empresas que a controlavam nos anos 90.
Representantes da delegação do Mali na XI Conferência da Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
o século 21 assegurar que haja uma política em que as regras entre países desenvolvidos, menos desenvolvidos e em desenvolvimento sejam equânimes, equilibradas e pró-desenvolvimento. A representação da Costa do Marfim (África Ocidental) lembrou que a simples eliminação de obstáculos para as trocas comerciais levará a uma diminuição no número de pobres no mundo de 300 milhões de pessoas em 2015. Os marfinenses ressaltaram ainda que
o comércio mundial constitui um dos pilares da paz e do desenvolvimento, mas também da solidariedade internacional. “Os resultados da 5ª Conferência da Organização Mundial do Comércio em Cancún ilustram com eloqüência a falta de solidariedade no plano internacional, que se traduz pela reticência dos países desenvolvidos em assumir compromissos nas áreas de interesse dos países em desenvolvimento”, acusaram os marfinenses.
A delegação senegalesa, por sua vez, criticou a política de subsídios agrícolas dos países desenvolvidos e mostrou que a África é o continente que menos tira proveito da globalização. “A parte que cabe ao continente nas exportações mundiais passou de 6,5% em 1980 para 2,5% no ano 2000”, disseram os senegaleses. “Nesse mesmo período, a África registrou um crescimento médio de 1,1%, contra 5,9% da América Latina e 7,15% da Ásia.”
14
De 24 a 30 de junho de 2004
DEBATE MÍDIA
O lado espúrio da barricada Cisneros, Rupert Murdoch, associados e concorrentes.
José Arbex Jr.
M
eia dúzia de famílias associadas ao capital financeiro e industrial detêm o controle dos grandes meios de comunicação do país, ao passo que dezenas de milhares de jornalistas amargam o desemprego e, com ele, a desesperança, a frustração, a ameaça à dignidade profissional e humana. Paradoxalmente, a sociedade brasileira tem sede de informação. As milhares de comunidades pobres que constituem a maioria do povo, os movimentos sociais, as “tribos” de jovens que tentam se organizar nas periferias, as donas de casa que se preocupam com o orçamento doméstico têm necessidade de que circulem as notícias úteis e verdadeiras. Nessa conjuntura, o desemprego de jornalistas chega a ser um absurdo. Caberia à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) exigir do Estado a mobilização de recursos para ativar, estimular, promover e multiplicar a rede de jornais impressos e emissoras de rádio e televisão comunitárias, livres e independentes dos tentáculos das “famílias” que controlam a mídia. A mera vigência da democracia abriria assim um novo mercado para os jornalistas desempregados. Em nome da democracia e do direito à informação plural, a Fenaj deveria lutar pela abolição de um sistema de concessões de ondas que, historicamente, é produto de uma mentalidade autoritária, segundo a qual os donos do capital também são proprietários do direito de informar. A atual diretoria da Fenaj, cujas propostas são defendidas
IDEOLOGIA DO SILÊNCIO
Ilu
st
ra
çõ
es
:K
ip
pe
r
pela Chapa 1, para as eleições de 6 a 8 de julho, faz o contrário. Em 2003, foram demitidos quase 20 mil jornalistas, mas os burocratas da federação se calaram. Pior: apóiam a destinação dos recursos públicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aos cofres das “famílias” (o “Proer da Mídia”), dando o seu aval ao “coronelismo midiático” que reproduz no ar as condições impostas pelo latifúndio na terra. E mais: pretendem enxergar uma via de democratização da informação na instalação da TV paga (cabo-difusão), sob o pretexto de que isso garantiria a pluralidade das fontes. Claro: conhecemos as profundas convicções democráticas de Gustavo
Acabamos de presenciar uma das conseqüências desastrosas dessa política de se curvar aos desígnios dos monopólios. Cisneros, um dos principais articuladores do fracassado golpe de Estado contra Hugo Chávez em abril de 2002, acaba de visitar o Brasil. Oficialmente, o golpista veio lançar um livro autobiográfico. Na realidade, veio para comprar o SBT, anunciar a consolidação do projeto de se unir a Murdoch para explorar a TV a cabo no Brasil, além de consolidar articulações políticas com as forças contrárias a Chávez. Apesar disso, a diretoria da Fenaj não se manifestou sobre a sua presença no Brasil (aliás, tampouco denunciou a participação da mídia brasileira e internacional no fiasco de 2002). A diretoria da Fenaj costuma afirmar que a entidade não deve se imiscuir em assuntos “alheios à categoria”, e por isso evita tomar posições por ela qualificadas como “ideológicas” (como se a luta dos povos fosse estranha à prática do jornalismo...). A renúncia ao combate pela democracia e pelo pluralismo da informação permite aos burocratas da Fenaj estabelecerem
compromissos e alianças com os donos da mídia. É o que explica, por exemplo, o seu silêncio sobre a responsabilidade da Rede Globo no episódio do assassinato do jornalista Tim Lopes. E também a sua postura passiva e atrelada ao governo quando se trata de lutar contra o desemprego. Os burocratas da Fenaj gritam, estridentes e histéricos, que, contra o desemprego, lutam pela formação de um Conselho Federal dos Jornalistas e pela obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. É ridículo. Tratam o assunto como o supersticioso que agita o talismã para afastar a possibilidade de um acidente. Nenhuma instituição ou certificado vai abolir o desemprego. De nada adiantam mil conselhos e a obrigatoriedade do diploma, se não há colocação para os dez mil novos profissionais que, a cada ano, disputam vagas no mercado brasileiro. Não haverá novas oportunidades
de emprego enquanto se perpetuar o atual modelo coronelista e concentrador, hoje apoiado pelos portadores de amuletos. A questão toda é profundamente política, e a Venezuela acaba de fornecer o exemplo mais claro a este respeito. No fundo, é disto que se trata: ou temos uma mídia plural, profundamente comprometida com as aspirações dos mais pobres, das comunidades e dos movimentos sociais, ou temos a manutenção de um modelo excludente, segregacionista, perpetuador do apartheid e distante do jornalista que quer exercer a sua profissão com dignidade e plena de significado cívico. Os burocratas da Fenaj escolheram o lado espúrio da barricada. José Arbex Jr. é jornalista, professor universitário e presidente de honra da Chapa 2 – Uma outra Fenaj é possível nas eleições diretas da Federação Nacional dos Jornalistas.
Dinheiro não resolve a crise Sérgio Murillo de Andrade
H
á décadas, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) alerta a sociedade sobre os prejuízos que um sistema de comunicação concentrado em sua propriedade, na produção de conteúdo, na destinação de recursos e gerido de forma autocrática causa à cultura e à economia do país. No passado, governos de diferentes colorações políticas ignoraram esse alerta e continuaram a lidar com a área das comunicações de forma clientelista e cartorial. Agora, o governo federal, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ao abrir linhas de financiamento de R$ 2,5 bilhões para atender às empresas de comunicação, resolveu tratar de forma pública um aspecto dessa questão. Em dezembro de 2003, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a Fenaj e outra dezena de entidades nacionais assinaram uma carta aberta ao governo Lula. O documento propõe condicionantes e contrapartidas para a liberação de recursos públicos: • Transparência tanto nas informações quanto nas negociações e decisões; • Tratamento equânime entre os segmentos privados, estatais e públicos da mídia, incluídos os veículos comunitários, universitários e alternativos; • Impedimento de participação no programa de empresas que exercitem práticas históricas de evasão (INSS, Cofins, PIS e FGTS) e elisão fiscal; • Garantia de que o programa
de apoio não se confunda com a base necessária de recursos para a introdução da tecnologia digital na comunicação social eletrônica; • Incentivo à produção brasileira, audiovisual independente, nacional e regional; • Criação de uma infra-estrutura técnica e profissionalizante para a área das comunicações, visando a regionalização da produção artística, cultural, educativa e informativa nos meios de comunicação social e geração de emprego e renda; • Garantia de que os financiamentos não serão usados para agravar a concentração da propriedade dos meios de comunicação; • Garantia de acesso aos re-
cursos por parte de novos empreendedores para estimular a concorrência. A pressão exercida pelo Fórum colaborou para a abertura de um diálogo inédito junto à sociedade. Mas antes que fosse dimensionada a verdadeira crise da mídia, o BNDES levou o pedido das empresas para o Congresso Nacional. E para lá também remeteu a proposta oficial de financiamento. Neste momento, é dever histórico dos jornalistas reunidos em torno da Chapa 1 – Mais Fenaj – informar à sociedade que a crise da mídia continua sendo tratada apenas como demanda particular. Governo, empresas e parlamentares insistem em resolver a questão do ponto de vista estritamente financeiro. No entender de nossa chapa, acionar o BNDES seria a última, e não a primeira etapa do processo. Dentro deste cenário, reivindicar recursos de igual monta para qualquer segmento da comunicação é limitar o papel da sociedade brasileira ao mero julgamento de quem merece ser brindado com financiamento público. O debate nacional, na visão da Chapa 1, é mais amplo e gira em torno de saídas para questões como: • Vazio jurídico-institucional - A legislação brasileira que regula-
menta o setor de comunicações é da década de 60 e desde lá é desrespeitada por parte das empresas privadas e do próprio Estado. Alguns dos avanços alcançados pela Constituição de 1988, registrados em seu Capítulo V, permanecem desregulamentados até hoje. Um dos principais, que incide sobre a complementariedade dos sistemas público, estatal e privado de comunicação, poderia servir de balizador para a liberação de recursos por parte do BNDES. • Concentração dos meios e da produção audiovisual – O vácuo legal patrocinou o surgimento de redes nacionais de rádio e televisão que hoje estão presentes em cerca de 98% do território nacional. A partir do eixo Rio-São Paulo, estes grupos controlam 90% das emissoras de TV existentes no Brasil. Mais do que a propriedade da maioria dos canais, controlam também a oferta de conteúdo audiovisual ao manterem estruturas milionárias de produção de novelas, seriados, musicais, documentários e outros programas. • Modelo de financiamento – Sustentar esta engrenagem exige dinheiro. O mercado publicitário do Brasil em 2003, conforme o projeto Inter-Meios, destinou R$ 14,8 bilhões para os veículos de comunicação. Deste total, o meio TV recebeu mais de 60%. Daquele mesmo montante, a Rede Globo e suas emissoras afiliadas abocanharam uma fatia média entre 70% e 80%. Estes números revelam que o modelo está com os dias contados e tende a reforçar este ciclo permanente de concentração. Antes de inventar linhas de crédito, o governo deveria pensar em um mecanismo para evitar que periodicamente as empresas retornem aos cofres públicos para sanear suas dívidas.
Novas tecnologias e novos atores – Mais do que mero financiador de empresas privadas, o Estado deve ser o principal agente indutor de políticas públicas que visem a inclusão social, o desenvolvimento da cultura e da economia nacional e a democratização do acesso aos meios de comunicação. Partindo desse pressuposto, não se pode ignorar que a introdução da tecnologia digital na comunicação social eletrônica é um dos fenômenos que determinará transformações fundamentais em nossa sociedade. Antes de fortalecer a posição dos líderes de mercado com os recursos do BNDES, seria conveniente pensar como a TV e o rádio digital poderão contribuir para modificar este cenário de concentração estabelecido na área das comunicações. Assim, novos competidores – como fundações públicas, universidades, organizações do terceiro setor, associações de moradores – entrariam em cena com condições mínimas de competição e sobrevivência. A busca de saídas e a popularização destas informações passam necessariamente pela construção de espaços democráticos de controle público das comunicações e pela capacitação da sociedade para debater este tema de forma mais ampla que somente os fatores financeiros. No que depender da Chapa1, estaremos sempre dispostos a insistir no desafio de contribuir para a reflexão e o desenvolvimento de uma área onde, até hoje, a democracia passa ao largo. Sérgio Murillo de Andrade é jornalista, professor universitário e candidato a presidente da Chapa 1 – Mais Fenaj nas eleições diretas da Federação Nacional dos Jornalistas.
15
De 24 a 30 de junho de 2004
agenda@brasildefato.com.br
AGENDA
NÚCLEO COMUNITÁRIO DA FAMÍLIA Dia 25, lançamento a partir das 18h Projeto do Centro Socorro Abreu de Desenvolvimento Popular e Apoio à Mulher vai oferecer oficinas de capacitação com temáticas sobre: relações interpessoais, direitos, cidadania, auto-estima e gerenciamento, entre outras. Destina-se a donas de casa, que poderão ter acesso a microcréditos. Local: R. Dr. Almeida Filho, 326, Fortaleza Mais informações: (85) 9128-0871 OFICINA DE COMUNICAÇÃO Dias 24 e 25, das 8h às 17h O evento será ministrado pela Assessoria de Comunicação da Cáritas e terá como objetivo apresentar e debater as diretrizes da Política de Comunicação para Mobilização Social da Cáritas Brasileira, estimular a reflexão sobre o que é comunicação, além de repassar técnicas para a elaboração de notícias. Participarão da oficina cerca de 30 pessoas das Dioceses de Tianguá, Sobral e Itapipoca, entre agentes da Cáritas, pastorais e associações comunitárias. Local: Centro de Treinamento do Sumaré, Sobral Mais informações: (85) 231-4783, (85) 9908-7081, comunicacaoce@fortalnet.com.br BUDEGA SOLIDÁRIA Dia 26 Inauguração do espaço que, além de barracas com comidas típicas e artesanato, abrigará manifestações culturais como quadrilha, dramatizações, poesias e forró pé-deserra. A budega visa fortalecer a agricultura familiar e integrar os produtores da região. Esse é o segundo espaço de comercialização de produtos de agricultura familiar e da Economia Popular Solidária (EPS), construído com o apoio da Cáritas Regional Ceará. Local: R. Dragão do Mar, Centro, Aracati Mais informações: (88) 423-3222, 421-3087, caritaslim@brisanet.com.br II ENCONTRÃO CULTURAL DA JUVENTUDE DO MEIO POPULAR
SANTA CATARINA SEMANA PABLO NERUDA De 6 a 11 de julho Promovido pelo jornal Brasil de Fato, com patrocínio da Eletrosul, o evento comemora os 100 anos do nascimento do poeta Pablo Neruda. Programação: Dia 6 - Apresentação da banda Vientosur e do grupo teatral Pesquisa Teatro Novo, no teatro do Centro Integrado de Cultura – CIC, às 20 h, entrada franca. No saguão haverá performance com malabares.Após o show, festa latino-americana com a banda Mambo Jambo, no Café Matisse CIC. Dia 7 - Encontro no auditório da Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina, às 18h30, com palestra de representante do Partido Comunista Chileno, e Dia 4 de julho O encontro é uma realização da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) da Vila Manuel Sátiro (Grupo de Jovens JUB’S). Às 19 horas, haverá um show de encerramento. As oficinas debaterão gênero, etnias, ecologia, igrejas e religiosidade popular, ecumenismo e PJMP comprometida com as lutas sociais e políticas. Local: Paróquia Nossa Senhora das Graças, Fortaleza Mais informações: (85) 8816-8772, edisoaba@bol.com.br
MINAS GERAIS
Dia 9 - Projeção do filme O Carteiro e o Poeta, às 19h e confraternização no Sindicato dos Bancários de Florianópolis. Dia 10 -Apresentação da Banda Vientosur, do grupo teatral “Artesãos de Dionisio” e de malabares, a partir das 14h na Escola Lúcia do Livramento Mayvorne, no Maciço do Morro da Cruz. Dia 11 -Apresentação da Banda Vientosur, do grupo teatral “Artesãos de Dionisio” e de malabares, a partir das 14h na praça da Lagoa da Conceição. Mais informações: mauriantonio@bol.com.br
do professor e historiador Waldir J. Rampinelli sobre a obra de Neruda. Dia 8 - Projeção do filme Chove sobre Santiago, às 19h, no Sindicato dos Bancários de Florianópolis, R. Visconde de Ouro Preto, 308, Centro. Cultural Manoel Lisboa, do Coletivo de Cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Oficina do Autor Editora. Local: Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rua São Francisco Xavier, 524, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2587-7100
Local: Saída da Cinelândia rumo ao Consulado Americano, Rio de Janeiro Mais informações: vivaintifada@infolink.com.br A FORÇA DA MARÉ Até 4 de julho A mostra exibe fotos e objetos da história e do dia-a-dia da Comunidade da Maré, 16 comunidades que constituem o maior complexo de favelas do Rio de Janeiro. Local: Museu da República, R. do Catete, 153, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2558-6350
MOBILIZAÇÃO CONTRA A INVASÃO NO IRAQUE E A OCUPAÇÃO NA PALESTINA Dia 30 A marcha é promovida pela organização Viva Intifada.
FÓRUM NACIONAL DE PEDAGOGIA 11 de julho O evento é uma continuidade do Fórum de Educação “Pedagogo: que profissional é esse?”, realizado em 2002, e terá como objetivos refletir sobre a base de formação do pedagogo, e discutir perspectivas de formação e atuação do profissional. Local: R. Pernambuco, 47, portaria B, Belo Horizonte Mais informações: www.uemg.br/fae/forum
As provas contra os transgênicos Em um panorama de ofensiva do capital transnacional do setor de sementes e agrotóxicos, exigindo a liberação dos cultivos transgênicos em todo o mundo, em 2003 o governo brasileiro aprova a lei de biossegurança. Ignora o “princípio da precaução” e os diversos perigos potenciais que a engenharia genética traz para a saúde e para o ambiente, a precariedade de testes sobre a segurança dos organismos geneticamente modificados (OGMs); a instabilidade genética neles observada, as controvérsias no meio científico sobre o assunto. Assume a política do agronegócio, negando a possibilidade de estabelecer uma política de agricultura sustentável, guardiã da agrobiodiversidade (com melhores solos, meio ambiente mais limpo, sem agrotóxicos, ambiental e economicamente sustentável, com me-
RIO DE JANEIRO LANÇAMENTO-DEBATE: A VENEZUELA QUE SE INVENTA Dias 29 e 30, às 18h30 Dia 29 o autor do livro, jornalista Gilberto Maringoni, e o professor Emir Sader (USP e UERJ), vão participar de um debate. No dia 30, o evento será com o autor, a professora Márcia de Almeida Gonçalves (UERJ/PUC) e o professor Luiz Ricardo Leitão (UERJ/Universidade de La Habana). As atividades são uma iniciativa do Departamento de História (IFCH-UERJ), do Centro
Divulgação
ATO PÚBLICO POR MELHORES CONDIÇÕES DE MORADIA Dia 24, a partir das 14h Promovido pela Comissão de Moradores e pela Pastoral Operária da Arquidiocese de Fortaleza, o ato vai protestar contra as péssimas condições de moradia dos bairros Passaré e Barroso II. Local: Em frente à Secretaria Executiva Regional VI (SER VI), Messejana Mais informações: (85) 238-1400
SÃO PAULO France Presse
CEARÁ
SEMINÁRIOS SOBRE SAÚDE E SEXUALIDADE De junho a outubro Promovidos pela Rede Social São Luís – que reúne organizações de base comunitária do Jardim São Luís, zona sul da capital – o evento faz parte do projeto Mais Saúde na Comunidade e tem como objetivo levar informações sobre prevenção de DST/Aids para a comunidade do Jardim São Luís Programação 28 de junho - Sexualidade e Contracepção 26 de julho - Violência Doméstica e Sexual 30 de agosto - Doenças Sexualmente Transmissíveis 27 de setembro - Aids e Sexo Seguro 25 de outubro - Drogas Local: Associação Atlética Banco do Brasil, Estrada de Itapecerica, 1935, São Paulo Mais informações: (11) 6647-5151, redesocial@sp.senac.br MOSTRA DESIGN POPULAR DA BAHIA Até 11 de julho A exposição de objetos populares baianos é resultado de uma pesquisa realizada por jovens e educadores da organização não-governamental Cipó-Comunicação Interativa. Local: Museu da Casa Brasileira, Avenida Faria Lima, 2705, São Paulo Mais informações: (11) 3032-2564
cam doenças como o câncer. Esta obra – do Grupo de Ciência Independente (ISP) – foi produzida por dezenas de destacados cientistas e permitiu levantar as provas existentes sobre os problemas e os perigos dos cultivos transgênicos e os múltiplos benefícios da agricultura sustentável. CONFIRA
nos consumo de energia, melhor segurança alimentar e benefícios para as comunidades locais, alimentos de melhor qualidade etc.). Evidências científicas mostram que os cultivos de transgênicos não trazem benefícios como o aumento da produtividade; não reduzem o uso de herbicidas e de agrotóxicos; causam contaminação; intensificam os problemas no campo e provo-
Em defesa de um mundo sustentável sem transgênicos Grupo de Ciência Independente (co-edição com a Acción Ecológica e o Governo do Estado do Paraná) 216 páginas, R$ 8 (Preço promocional para assinantes do Brasil de Fato: R$ 4) Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista, São Paulo (SP) Tel./fax: (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br
MEMÓRIA
Morre Leonel Brizola, líder do antigo trabalhismo
“E
le não foi perfeito, mas sempre foi uma figura importante para a nação. Polêmico, estava sempre pronto a reagir nos momentos difíceis do país”. A declaração do arquiteto Oscar Niemeyer, sobre a morte do ex-governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola, dia 21, resume a história do último líder do antigo trabalhismo brasileiro, que tinha suas bases no getulismo. Brizola era presidente de honra do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e vice-presidente da Internacional Socialista e coordenava as articulações para as próximas eleições municipais. O engenheiro Leonel de Moura Brizola tinha completado 82 anos em 22 de janeiro. Gaúcho de Carazinho e um dos fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de Getúlio Vargas, de quem foi assessor, ele se elegeu governador do Rio Grande do Sul em 1958, vencendo uma aliança de direita
na época. Seu governo iniciou o processo de nacionalização da telefonia, com a encampação da ITT e da Bond & Share, em 1961, e o primeiro programa de reforma agrária, com apoio do Movimento dos Agricultores Sem-Terra (Master). A projeção definitiva viria em agosto de 1961, quando Brizola encabeçou a Campanha da Legalidade, que garantiu a posse do presidente João Goulart, logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Com o golpe de 64, o então deputado pela Guanabara tentou organizar a resistência à ditadura, antes de exilar-se no Uruguai, e, a seguir, nos Estados Unidos e em Portugal, até a anistia. Em 1979, depois de perder a sigla PTB, Brizola criou o PDT. Na chamada “Carta de Lisboa”, propunha um “novo trabalhismo”, a defesa de crianças abandonadas e justiça “aos negros e aos índios que, além da exploração geral de classe, sofrem uma
Arquivo Abr
Ex-governador do Rio de Janeiro, o fundador do PDT rompeu com o governo federal e planejava as eleições municipais
discriminação racial e étnica”. Em 1982, nas primeiras eleições diretas desde 1964, elegeu-se governador do Rio de Janeiro, cargo que voltaria a ocupar em 1990. As administrações foram polêmicas. Vistas à distância, deixaram como saldo a urbanização das favelas (“Favela não é problema, é solução”, dizia o então secretário
Darcy Ribeiro) e a alta prioridade para a educação, concretizada nos CIEPs – escolas de período integral, em prédios projetados por Oscar Niemeyer e com a proposta de se constituírem em centros de excelência do ensino público. Candidato à Presidência da República em 89 e 94 e a vice de Lula em 1998, Brizola apoiou Ciro Gomes em 2002 e, no segundo turno, aliou-se a Lula. Mas, ainda em 2003, anunciou a “independência” em relação ao governo Lula, acusando-o de trair suas propostas originais. A última aparição pública de Brizola, no Rio de Janeiro, aconteceu duas semanas antes de sua morte, no lançamento do livro O Dia em que Getúlio Matou Allende, de Flavio Tavares. Ao repórter Mário Augusto Jakobskind, do Brasil de Fato, pediu o endereço eletrônico, que não se lembrava, do semanário, convocando um assessor que o acompanhava para que escrevesse. “Pega
um papel e uma caneta e anote, por favor”, ordenou. Indagado sobre a atual conjuntura, respondeu: “Quer saber de uma coisa? Ando enojado com os políticos. É traição em cima de traição”. No dia seguinte ele viajaria para o Uruguai e só voltaria ao Rio dias antes de sua morte. Duas semanas depois, muitos dos que estiveram na noite de autógrafos presenciaram a saída do corpo de Brizola do Hospital São Lucas, em Copacabana. Personalidades como Niemeyer e a cantora Beth Carvalho e políticos esperavam a saída do caixão, envolto na bandeira brasileira. A governadora Rosinha Garotinho e o marido Anthony Garotinho saíram do local debaixo de uma estrondosa vaia. Tiveram de ouvir os gritos de “traidores”, uma cena que se repetiria no dia 22, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi hostilizado no velório, no Palácio Guanabara, sede do governo fluminense.
16
CULTURA
De 24 a 30 de junho de 2004
CINEMA
A realidade social que a Justiça não vê Áurea Lopes da Redação
A
costumado aos estereótipos propagados pelos filmes que mostram julgamentos teatrais e advogados-heróis que desvendam crimes misteriosos, o público vai se surpreender com a impactante simplicidade de Justiça, da cineasta Maria Augusta Ramos. Com estréia em São Paulo e no Rio de Janeiro dia 25, o documentário brasileiro premiado na Holanda registra o dia-a-dia dentro de um Tribunal de Justiça e a intimidade daqueles que, por ofício ou por destino social, circulam pela arena judiciária. “Não é um filme sobre o sistema penal, mas um retrato da realidade social por meio do sistema penal”, define Maria Augusta. Idealizado para ir além dos estigmas do bem e do mal, da culpa e da inocência, Justiça “aborda a questão da violência e da tensão urbana sob o aspecto das relações humanas e sociais”, diz Maria Augusta, nesta entrevista ao Brasil de Fato. Brasil de Fato – Quando pensou em um filme sobre o poder judiciário, a senhora queria comprovar alguma tese em especial? Maria Augusta Ramos – Não. A base dos meus filmes sempre foram as relações humanas. No ritual da Justiça, essas relações aparecem como uma pequena amostra do que acontece na sociedade. O indivíduo é também o todo. Os significativos diálogos entre réu e juiz, defensor e juiz, mostram como nos relacionamos entre nós, como pessoas, como classes sociais. Por isso o filme humaniza esses atores sociais. Tentei ir além dos estereótipos do bom e do mal, do culpado e do inocente. Quis humanizar esses personagens e tratar a questão da violência e da tensão urbana como um retrato da nossa sociedade. Meu filme não é sobre o sistema penal, mas um retrato da realidade social por meio do sistema penal. Discute o papel do judiciário nessa sociedade. BF – Na sua opinião, qual é esse papel? Maria Augusta – Em geral, espera-se que a Justiça resolva os problemas sociais. Não é assim. Não são as leis, muitas vezes aplicadas com extrema severidade, que resolvem os problemas sociais. Como no caso do jovem personagem flagrado com quatro ou cinco pacotinhos de maconha que é condenado a quatro anos. Com essa condenação, esse juiz não está eliminando a origem do problema. BF – A senhora acha que uma reforma do judiciário, como a que está sendo estudada pelo governo e pela sociedade, pode mudar esse quadro? Maria Augusta – Não posso falar especificamente da reforma pois não acompanho de perto esse tema. Mas acho que temos necessidade de uma mudança profunda. Quais são, hoje, os direitos dos presos? O direito à vida, a não morrer na prisão? O direito de dormir sem ser em pé? Os seres considerados “humanos” têm direito à lei. Os não considerados humanos, como os detentos, não têm. Onde está a Constituição? Ao filmar Justiça, concluí que existem pressupostos básicos a serem garantidos: o réu deve ter direito a uma defensoria
Fotos: Divulgação
Nos cinemas a partir do dia 25, Justiça documenta as mazelas sociais do cotidiano de um tribunal
O documentário, premiado na Holanda, registra o dia-a-dia dentro de um Tribunal de Justiça e tenta ir além dos estigmas do bem e do mal, da culpa e da inocência, abordando a questão da violência e da tensão urbana
A realidade na tela Cenas do documentário Justiça, dirigido pela cineasta brasileira Maria Augusta Ramos
defensoria pública é limitada, impotente. A defensora do rapaz que é pego com o carro roubado não tem condições de atuar ativamente. Ela não tem recursos para ir atrás de provas, testemunhas. Acaba pedindo ajuda à mãe do réu para colher provas. BF – Qual foi a sua maior surpresa ao tomar contato com esse universo penal? Maria Augusta – Desfiz a caricatura de que a máquina da Justiça não funciona. O que vi, foi o oposto. Existe burocracia, morosidade, sim, mas existe também uma máquina de fazer prisioneiros. E uma máquina perversa de fazer prisioneiros. Como deseja a grande parte da classe média, que quer os bandidos na cadeia... E ao contrário do que diz um juiz citado no filme, “que ninguém vai preso neste país”... que funcione; o Ministério Público precisa ser equipado, tem que ter ajuda nas investigações, como tem a polícia; é preciso aumentar o número de defensores públicos, que estão sobrecarregados.
BF – O que a senhora quer dizer com defensoria que funcione, equipar o Ministério Público? Maria Augusta – No documentário, vê-se alguns exemplos. Na verdade, é o juiz quem interpela, interroga. O Ministério Público indicia e depois se abstém, o promotor fica calado durante a audiência. A
BF – A máquina é perversa no sentido de injusta? Maria Augusta – No sentido de extrema severidade. No caso do menino de 18 anos que portava maconha, por exemplo, o juiz emite uma sentença para ser cumprida em liberdade. Sabe o que aconteceu no final dessa história, depois que eu havia terminado o filme? A promotora recorreu e o garoto está preso de novo. Fizemos uma pesquisa em
Quem é Música formada pela Universidade de Brasília, com especializações na França e na Inglaterra, Maria Augusta Ramos se interessou por cinema aos 26 anos, quando decidiu morar na Holanda, em 1990. Estudou direção e edição na The Netherlands Film and Television Academy. Seu primeiro longa-metragem, Brasília, um dia em fevereiro, foi premiado no Festival de Documentários É tudo Verdade. Maria Augusta recebeu prêmios internacionais por outras obras e o filme Justiça acaba de ganhar o prêmio de melhor filme no Festival Vision du Réel, de Nyon, na Suíça.
A partir do cotidiano de um Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro, o documentário escancara as entranhas de um sistema penal falido e exibe as distorções do poder judiciário brasileiro. Mais do que isso, revela o impacto dessas perversidades na vida de todas as pessoas que gravitam em torno desse universo social, de réus a juízes. O filme mostra julgamentos de pequenos crimes, como roubo de carro e porte de drogas leves, e registra cenas das personagens envolvidas nesses processos em seu dia-a-dia longe do ambiente do fórum. Um juiz que leciona, a mãe de um detento e uma defensora pública são filmados na intimidade de suas casas, se relacionando com sua família, dando aula em uma faculdade, durante um culto religioso ou buscando a filha na escola. A câmera também acompanha os réus fora da sala de audiência, na viagem de camburão até a detenção, nas celas superlotadas ou no leito do hospitalpresídio. Adepta do estilo a que chama de “cinema direto”, a diretora Maria Augusta não utiliza depoimentos ou entrevistas. Todas as cenas são fruto do registro de acontecimentos em tempo real.
três varas penais do Rio de Janeiro, para escolher os casos que iriam ser filmados. Entre todos os processos que analisamos, 90% dos casos eram de roubo, assalto e tráfico. Os réus, em 85% dos casos, tinham ente 18 e 25 anos. E você vê no filme um exemplo de como age a maior parte dos juízes: mandam para a prisão por roubo de um pote de creme no supermercado. BF – No filme, a senhora mostra a vida privada de todos integrantes do cenário social judiciário. Menos dos policiais. Por que? Maria Augusta – Não foi possível. Desde o primeiro segundo da filmagem vi que não ia conseguir. A polícia é muito mais fechada. Tanto que os policiais que aparecem no filme estão de costas, não podem ser identificados. No entanto, o papel da polícia é discutido em vários momentos, pelos réus, pelas testemunhas, pelos próprios juízes... Há casos em que as testemunhas são a própria polícia. O juiz sabe que a polícia está mentindo, que esconde, forja circunstâncias... mas não tem como provar.