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Ano 2 • Número 71

R$ 2,00 São Paulo • De 8 a 14 de julho de 2004

Protestos param Florianópolis

Fechando cinco terminais de ônibus e os acessos da ilha de Florianópolis ao continente, manifestantes querem barrar o aumento de 15,6% nas tarifas de ônibus

Chávez cria patrulhas para impedir fraudes Intervenção no Haiti conta com tropas e futebol Além do envio de tropas do Brasil para o Haiti, está em negociação com a Confederação Brasileira de Futebol um amistoso entre as seleções de futebol dos dois países. Líder haitiano enxerga nessas atitudes uma cooperação com ações do governo estadunidense para intervir em mais um país da América Latina. A deposição de Aristide representou um golpe num processo que estava sendo conduzido pela própria população. Pág. 10

dando votos. A campanha, liderada pelo próprio presidente, deve reunir um milhão de voluntários, segundo estimativas do governo. Pág. 9

Desamparados pela falta de políticas públicas, jovens pobres e toxicodependentes estão lotando unidades da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), quando deveriam receber tratamento especializa-

do. Em Ribeirão Preto (SP), um dos principais pólos de saúde do país, adolescentes com transtornos de conduta não recebem atendimento e acabam encarados como criminosos. Eles são penalizados por “desvios” como

Protesto de funcionários da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de São Paulo (SP), que entraram em greve para reivindicar reposição salarial, em frente à Secretaria de Justiça, no Centro da cidade, no dia 6 de julho

Os movimentos sociais exigem emprego e renda Em defesa do emprego e por mudanças na política econômica, durante a próxima semana, até dia 16 – Dia Nacional de Lutas e Mobilizações por Mudança na Política Econômica – movimentos sociais, sindicatos, desempregados, prometem fazer passeatas, greves e acam-

pamentos. As reivindicações da CUT são pela retomada do crescimento; empregos e melhores salários; redução dos juros; serviços públicos de qualidade; reforma agrária; rejeição da Alca; não renovação dos acordos com o FMI. Pág. 7

Relator da CPMI denuncia ruralistas

Software livre questiona poder da Microsoft

O deputado João Alfredo (PT-CE), relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, disse que, ao invés de diagnosticar a situação fundiária, a comissão, por influência da bancada ruralista, tenta incriminar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e constranger o governo. Pág. 3

O governo decidiu enfrentar as transnacionais do setor de informática: prepara a implantação de programas de computador gratuitos em toda a administração federal, substituindo os sistemas proprietários da Microsoft. Para o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, a medida reforça a soberania nacional. Pág. 4

agressões, brigas e mentiras. Pela cidade, que integra a rota caipira de drogas, circulam cerca de cinco toneladas de entorpecentes por mês, movimentando perto de R$ 100 milhões por ano. Pag. 8

Ensino em São Paulo sofre com falta de verbas

Paulo Liebert/AE

Compostas por pessoas que apóiam o presidente da Venezuela, as patrulhas antifraudes percorrem as ruas identificando eleitores, conferindo registros eleitorais e arreca-

Febem, falsa saída para jovem doente

E mais: TRABALHO INFANTIL – Um relatório da organização Human Rights Watch denuncia trabalho infantil em plantações de cana-de-açúcar da Coca-Cola, em El Salvador. Pág. 10 ÁFRICA – Darfur é o centro do conflito no Sudão, que está em guerra civil desde 1983. No entanto, a situação é reflexo do que vem acontecendo na região Sul sudanesa. Pág. 12 MURAIS – O artista plástico Luís Ventura acredita que a arte deve estar a serviço de uma causa social. Distante dos grandes salões de arte, ele tem seu trabalho reconhecido internacionalmente. Pág. 16

Monocultura conta com apoio externo

Pág. 13

Maringoni

studantes, associações de moradores e sindicatos tomaram as ruas da capital catarinense em protesto contra o aumento de 15,6% anunciado pela prefeita Angela Amin (PP, antigo PPB). Para alguns moradores, a passagem custará R$ 3 – a mais alta do Brasil. O movimento tem bloqueado avenidas como estratégia para pressionar o poder público a negociar. A prefeita tenta jogar a população contra a mobilização, afirmando à imprensa que vai cortar programas sociais para reduzir o preço da tarifa. Os manifestantes já ocuparam a Câmara dos Vereadores para exigir a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O presidente da Casa, vereador Marcílio Ávila, teria se comprometido a cumprir a reivindicação. A polícia tem reprimido os protestos com bomba de gás lacrimogêneo e gás pimenta. Pag. 5

Felipe Christ/AE

E

População se mobiliza contra reajuste da tarifa de ônibus; passagem ficou 250% mais cara em sete anos

Recursos insuficientes, combinados com uma política oportunista do governo do Estado de São Paulo, resultam na criação de vagas sem qualidade nas universidades estaduais. Um caso gritante é o da Unesp, que passa por uma crise de expansão. Professores, funcionários e estudantes das três universidades estaduais em greve lotaram o plenário da Assembléia Legislativa para pressionar por mais recursos para o setor. Pág. 5

O governo paga muito caro para atrair dólares

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De 8 a 14 de julho de 2004

NOSSA OPINIÃO

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

��� • Editor-chefe: Nilton Viana ���• Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ���• Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ���• Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles ���• Ilustradores: Agê, Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 5555 Natália Forcat, Nathan, Novaes, Ohi ���• Editor de Arte: Valter Oliveira Silva ���• Pré Impressão: Helena Sant’Ana ���• Revisão: Dirce Helena Salles ���• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Cristina Uchôa e Dafne Melo 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

A derrota política do governo Bush

O

que explica os Estados Unidos terem concedido, antes da data anunciada, a suposta “devolução da soberania” ao Iraque? A resposta não é simples, mesmo deixando de lado o óbvio fato de que soberania não se negocia. À primeira vista, George W. Bush apenas dá prosseguimento a um plano elaborado com antecedência, cujo objetivo era empossar um governo iraquiano fantoche, capaz de promover a “guerra suja” contra a resistência antiimperialista, devidamente apoiado pelas tropas de ocupação estadunidenses. O novo primeiro-ministro Iyad Alawi tem notórios vínculos com a CIA. Vista por esse ângulo, a manobra estadunidense assinala uma linha de coerência e força. Mas, se olhamos mais de perto, a “entrega da soberania” marca uma derrota política e moral da Casa Branca, dadas as circunstâncias: isolamento internacional, denúncias de prática de tortura pelas tropas de Tio Sam, desmascaramento das mentiras que deram pretexto à invasão do Iraque. No âmbito do Oriente Médio, a invasão do Iraque produziu um desastre para Washington: acelerou a crise do governo saudita (tradicional aliado da Casa Branca), elevou extraordinariamente a tensão entre Israel e Palestina e alimentou as correntes fundamentalistas de todos os lados. E, talvez mais importante do que tudo isso, o fiasco de Bush no Iraque

colocou os neoconservadores (neocons) na berlinda. O neoconservadorismo, ideologia adotada por Bush, propõe uma síntese entre valores éticos e morais extraídos da religião judaico-cristã e a consolidação da idéia de que os Estados Unidos são portadores do “destino manifesto” de serem a primeira entre as nações. Parte da elite estadunidense é neoconservadora ou é simpática às suas idéias, incluindo professores, juízes, estrategistas políticos e intelectuais, como o editor e jornalista Irvin Kristol, Paul Wolfowitz (vice-secretário da Defesa de Bush) e Clarence Thomas (da Suprema Corte). Entre os políticos neocons estão o vice-presidente Dick Cheney e os secretários de Estado Donald Rumsfeld (Defesa) e John Ashcroft (Justiça). Qual a diferença entre neocons e conservadores? Os conservadores, isto é, os presidentes republicanos do passado e seus apoiadores, agiram dentro de certos limites. Mesmo papai George Bush não ousou ignorar a ONU e transformar o ataque a Bagdá, em 1991, em ocupação colonial (hipótese defendida por Wolfowitz). Dentro dos Estados Unidos, mesmo os presidentes mais reacionários, como Richard Nixon, jamais tentaram algo como a promulgação do Decreto Patriótico de 2001, que suspendeu a vigência dos direitos

civis. Os neocons não reconhecem limites. Promovem uma “revolução reacionária” que subverte a ordem, em nome dos interesses geopolíticos e das corporações transnacionais. Qualquer semelhança com a prática do Estado nazista não é mera coincidência. As iniciativas assumidas pela Casa Branca após 11 de setembro de 2001 (particularmente, invasão do Afeganistão e do Iraque, carta branca para os “ataques preventivos” e chacinas contínuas promovidas por Ariel Sharon na Palestina) pareciam provar a invencibilidade da máquina de guerra neoconservadora e a inutilidade das instâncias internacionais multilaterais. Mas o fiasco no Iraque – e, por extensão, no Oriente Médio – colocou um claro limite ao movimento que tudo arrasta. Assim como, no plano interno, o tremendo sucesso de público e bilheteria do novo documentário de Michael Moore, Fahrenheit 9/11, é um sintoma de profundo desgaste de Bush e sua equipe. A derrota política do governo Bush no Iraque provou que um governo pode ter poder bélico invencivel, pode ter poder econômico insuperável (eles estão gastando 150 bilhões de dólares por ano). Mas nada disso é suficiente para ganhar uma guerra, se houver resistência popular. Ou seja, o povo ainda é o senhor de toda história.

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES CONDIÇÕES IMPOSTAS Até que haja uma reversão significativa dos atos até agora praticados pelo governo, quase todos contrários às promessas de campanha e aos interesses maiores do país, continua não apenas a posse, como a continuação de Lula/PT no poder político da nação condicionado não só à manutenção da política econômica do governo anterior, como à sua ampliação, o que poderá levar o Brasil à condição de nova colônia mundial. Estivesse eu enganado não estaríamos presenciando o incremento de toda uma economia voltada primordialmente para os interesses do Primeiro Mundo. Estamos seguindo à risca as exigências dos organismos internacionais que nos governam. E, como tal, fomos além do exigido quando aumentamos espontaneamente o superávit primário de 3,75% para 4,25% do nosso PIB, com o que nosso poder de investimento público interno ficou mais reduzido ainda. Assim, as tão prometidas “mudanças” foram para o espaço, como se diz popularmente. É preciso, no mundo atual, que essas diferenças, digo, que as riquezas, todas elas resultantes de trabalho da grande maioria de homens e países, parem de ser distribuídas para tão poucos homens e países. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS) IRAQUE Anuncia-se a transferência de poder aos iraquianos e o julgamento de Sadam Hussein, mas ficam algumas perguntas. Eu sugiro que o Brasil de

Fato entreviste alguém que pudesse respondê-las. Se um ex-ditador será julgado pelas mortes de inocentes e, como não foi comprovado haver tais “armas de destruição”, também os comandantes de tropas que lideram a matança de iraquianos inocentes serão julgados junto com Sadam? E por que não? Se nenhum dos terroristas presos na Inglaterra, Espanha, França eram iraquianos por que invadir um país e causar tantas mortes como se fosse para vingar as do Wolrd Trade Center? Por que os EUA podem se incomodar com os ditadores e torturadores na América Latina entre os anos de 1960 a 1970? Em vez de só denunciar esses fatos, por que o Brasil de Fato não cobra dos palarmentares, no Congresso Nacional, que se manifestem sobre essas torturas praticadas por alguns países que invadem outros? É bom ver surgir a imprensa alternativa no Brasil como o Brasil de Fato, pois é ridícula a passividade e a subservivência de certos setores da mídia, que reproduzem o noticiário das agências internacionais. Antônio Marcos Vicentini Campinas (SP)

ERRATA A dívida pública brasileira aumentou 16 vezes de junho de 1994 a maio de 2004, e não quintuplicou, como foi informado equivocadamente na página 8 da edição número 70.

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 3038 1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: brasildefato@teletarget.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

Uma ponte entre ilhas e continentes Luiz Ricardo Leitão

Oscar Niemeyer tem mais de 96 anos. Ainda está ativo e lúcido, embora caminhe com dificuldade e sua visão esteja prejudicada. O espírito continua afiadíssimo – e os projetos não param de fervilhar nas pranchetas e quadros que povoam o belo escritório situado na Avenida Atlântica, no Rio, quase em frente ao Forte de Copacabana, onde a romaria de admiradores nunca parece ter fim. O local não é uma referência acidental na vida de Niemeyer: o traço sinuoso que um dia concebeu Brasília e tantas outras obras inesquecíveis teria sido inspirado pelas curvas das montanhas e das figuras femininas que desfilam pela praia. No dia 28 de junho, no Palácio Universitário da Praia Vermelha, duas instituições renderam ao velho arquiteto uma homenagem pelo conjunto da obra e por seu engajamento nas lutas em defesa das causas mais nobres. Foi uma iniciativa do Projeto Encontro de Culturas, do Centro de

Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em convênio com o Ministério da Educação Superior de Cuba. Não resta dúvida que, para aqueles que desejam promover a globalização da solidariedade neste mundo tão desigual, a cultura será sempre a melhor via para unificar os povos. Por isso, quando o reitor da Universidade Central de Las Villas, de Santa Clara, em Cuba (terra onde repousam os restos mortais de Che Guevara), entregou a Niemeyer o diploma de Doutor Honoris Causa, a utopia voltou a latejar mais forte. Há duas décadas, quando Chico Buarque e Pablo Milanés cantavam juntos Yolanda no Canecão, ou Milton Nascimento e Mercedes Sosa interpretavam as canções de Silvio Rodríguez, o sonho da unidade latino-americana soava muito mais tangível. Vieram os anos 90: apregoou-se o fim da história, caíram os muros, impôs-se o regime neoliberal e nós voltamos a padecer a velha sina – “desuniram nossas mãos; e, apesar

de sermos irmãos, nos olhávamos com temor”. Após o 11 de setembro, contudo, a América Latina, a exemplo de todo o Terceiro Mundo, parece acreditar que não serão as armas que ditarão o futuro da humanidade. –“Todos contra Bush!”, conclamou Niemeyer ao final da cerimônia, enquanto os aplausos explodiam. O velho arquiteto, sensibilizado com a homenagem, permaneceu até o final, cumprindo o sublime mandamento dos grandes criadores: “Todo artista deve ir aonde o povo está”. Verdadeiro artífice da unidade entre Brasil e Cuba, Oscar Niemeyer é “uma ponte entre ilhas e continentes”. Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)

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NACIONAL REFORMA AGRÁRIA

Denunciado desvio da CPMI da Terra Relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito critica ação de ruralistas, que tentam incriminar MST

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deputado João Alfredo (PTCE) criticou, dia 6, no plenário da Câmara dos Deputados, os rumos dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, da qual é relator. Segundo ele, a CPMI deixou de lado seu objetivo, de diagnosticar a situação fundiária brasileira, para, por influência da bancada ruralista, tentar incriminar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e constranger o governo. De acordo com Alfredo, os ruralistas estão tentando resgatar seu objetivo inicial, de criar a chamada “CPI do boné”. A proposta foi apresentada no Senado após o episódio em que o presidente Lula recebeu sem-terras em Brasília, em julho do ano passado, e usou um boné do MST, provocando críticas da oposição conservadora. A “CPI do boné” não foi levada adiante em função de negociação encabeçada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que acabou levando à criação de uma comissão mista, com integrantes do Senado e da Câmara. O objetivo era “realizar amplo diagnóstico sobre a estrutura fundiária brasileira, os processos de reforma agrária e urbana, os movimentos sociais de trabalhadores, assim como sobre os movimentos de proprietários de terras”, de acordo com o requerimento aprovado pelo Congresso.

prietários de terras. Houve também duas viagens – a Pernambuco e ao Pará –, parte do roteiro proposto por Alfredo, que incluiu visitas a todas as macrorregiões do país. O equilíbrio mantido até então, diz Alfredo, foi quebrado após os ruralistas terem conseguido a aprovação da transferência do sigilo bancário, para a CPMI, de duas

entidades ligadas ao MST: a Associação Nacional das Cooperativas Agrícolas (Anca) e a Confederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab). Os requerimentos – de autoria dos deputados Abelardo Lupion (PFL-PR), Kátia Abreu (PFL-TO) e outros – foram aprovados por unanimidade. Contudo, quando foram à votação ouAnderson Barbosa

da Redação

Ruralistas ainda visam a uma “CPI do boné”, para enfraquecer movimento social

Roberto Barroso/ABr

RAPOSA SERRA DO SOL

havia inquéritos na Polícia Federal (PF) para apurar supostos desvios de recursos públicos, destinados pelo governo federal às entidades, por intermédio de convênios. O relator da CPMI da Terra disse que ainda não recebeu confirmação oficial, mas extra-oficialmente foi informado de que esses inquéritos não existem.

MOBILIZAÇÃO JOVEM

Pelas reformas e contra o desemprego Rodrigo Brandão do Rio de Janeiro (RJ)

GOLPE NA VOTAÇÃO Segundo o relator da CPMI, até a primeira semana de junho a Comissão vinha cumprindo seu objetivo. Foram realizadas mais de dez audiências públicas, com especialistas na questão agrária, representantes de trabalhadores rurais e de pro-

tros requerimentos, que pediam a transferência do sigilo de entidades ligadas aos proprietários rurais, os ruralistas votaram contra. Em seu pronunciamento, Alfredo assinalou que os motivos apresentados nos requerimentos relativos à Anca e à Concrab não se comprovaram. As proposições se basearam no argumento de que

A trindade educação, trabalho e terra foi a tônica do 1º Encontro Nacional de Jovens e Estudantes por Trabalho, Educação e Reforma Agrária (Eneterra), realizado dias 2, 3 e 4, no campus da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ). Foi nesse encontro que João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fez críticas ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci, sob aplausos da platéia. Na grande imprensa, esse foi o fato que ganhou maior destaque no encontro – organizado por MST, União Nacional dos Estudantes (UNE), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras 23 entidades reunidas na Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). Mas o encontro ganhou importância por reunir cerca de mil jovens das cinco regiões do país, e até do México, para discutir temas de interesse social. No documento elaborado como resultado do encontro, subscrito por representantes da UNE e de executivas e federações de cursos universitários, os participantes do Eneterra exigem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “cumpra o programa que o elegeu em 2002, priorizando um projeto de desenvolvimento com distribuição de renda, reforma agrária e geração de empregos”. Os jovens também pedem que a educação básica seja prioridade e que a reforma universitária entre na pauta de discussões da CMS. Entre os sindicalistas, jovens trabalhadores e militantes de outros movimentos fora da esfera das uni-

versidades, a primeira preocupação foi expressa nas palavras de Stedile: “Nossa bandeira tem que ser o emprego. Sem emprego não dá para ter dignidade, não podemos ser gente. Precisamos de outro modelo econômico para o país porque não dá para enviar todo ano 50 bilhões de dólares aos banqueiros do Brasil e do Exterior.”

CALENDÁRIO O jornalista José Arbex Jr. fez a defesa da democratização dos meios de comunicação e lembrou que seis famílias dominam as redes nacionais de televisão. Em resposta às inúmeras perguntas sobre a Venezuela, Arbex denunciou o comportamento do governo estadunidense e das transnacionais que o sustentam: “Lembram do que fizeram com o Allende (presidente chileno derrubado em um golpe comandado pela CIA) em 1973? Pois é isso mesmo que tentam fazer com Chávez”. A Venezuela está no calendário de mobilizações definido no Eneterra. Para os dias 13 e 14 de agosto, a CMS está articulando um acampamento em Brasília, diante da Embaixada dos Estados Unidos, em protesto contra a interferência estadunidense no referendo que vai decidir, no dia 15 seguinte, o destino do governo Hugo Chávez. Antes, a semana entre os dias 12 e 17 de julho será dedicada à elaboração do cadastro de desempregados e a manifestações em todo o país contra a política econômica e pela geração de empregos. Dia 25, está programada a Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária. Tudo culmina, dia 7 de setembro, com o Grito dos Excluídos.

CRIME NO PARÁ

Os índios da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, lutam pela homologação de suas terras há mais de 30 anos

Indígenas ocupam para pressionar Tatiana Merlino da Redação As comunidades da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, cansaram de esperar pela homologação de suas terras pelo governo federal. Dia 30 de junho, cerca de 300 pessoas das aldeias em Raposa, Serras, Baixo Cotingo e Surumu ocuparam uma área na margem do igarapé Jauari, a 180 quilômetros de Boa Vista. “Nosso objetivo é evitar que os rizicultores ampliem a degradação ambiental na terra indígena”, afirma Jacir José de Souza, coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Segundo representantes do CIR, em vão a situação vem sendo denunciada aos órgãos competentes. A Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério Público, a Po-

lícia Federal ou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não responderam às reclamações, nem propuseram soluções. A ocupação reúne indígenas de aldeias das quatro etnoregiões da Raposa Serra do Sol atingidas pela poluição dos rios e igarapés, causada pelo uso excessivo de agrotóxico nas lavouras de arroz irrigado. De acordo com Souza, mais pessoas estão se deslocando para a ocupação, que deve reunir até mil acampados.

INTIMIDAÇÕES E PRESSÃO Paulo César Quartieiro, maior produtor de arroz na terra indígena, esteve no local para intimidar as lideranças indígenas quando iniciavam a construção de “malocas”, para ficarem durante a noite. Segundo Souza, o rizicultor “estava

comprando indígenas para ficar a favor dele, e nos atacar”. Os jornais locais anunciaram um suposto seqüestro de Quartieiro, por integrantes do CIR. Contudo, os coordenadores da entidade e os representantes da Funai contestaram a informação. “Isso é mentira”, diz Souza. Na verdade, dois servidores da Funai – César Augusto Júnior e Gilberto Pereira da Silva – foram seqüestrados, dia 30, pelo rizicultor Quartieiro e pelos índios contrários à homologação da Raposa Serra do Sol. Os servidores teriam sido designados para ir até um posto indígena na região do Contão, para monitorar um possível conflito entre indígenas que brigam pela homologação da reserva. A Polícia Federal enviou uma equipe à região para apurar o seqüestro, e na noite do dia 4, os seqüestrados foram liberados.

Grileiros ameaçam irmã de trabalhador assassinado da Redação Ivanilde Prestes, irmã de Adilson Prestes, 26 anos, assassinado dia 3 na Gleba Curuá, município de Novo Progresso, Sudoeste do Pará, diz que teme pagar com a própria vida as denúncias que ela e o irmão fizeram sobre os grileiros na região. “A gente não tem segurança, está acuado e não tem pra onde ir”, afirmou. “Os bandidos estão soltos, sem ninguém fazer nada. A gente já denunciou, já fez tudo, mas ninguém foi preso ainda”, disse. O Pará é o Estado recordista em conflitos fundiários e trabalhadores rurais assassinados. Ivanilde acusa grileiros pelo assassinato do irmão, com seis tiros de pistola 9 milímetros, disparados por dois homens. O motivo da disputa seria a Fazenda Sete Quedas, com 3 mil alqueires. O interesse, segundo

ela, seria a madeira da mata nativa. “Foi pela grilagem de terra, eles já perderam na Justiça e agora mataram meu irmão. Já ameaçaram executar a família toda”, denunciou. No dia 6, o Ministério Público (MP) designou o promotor Arnaldo Célio da Costa Azevedo para acompanhar as investigações do assassinato de Prestes. Em 2002, ele já tinha denunciado a grilagem de terras, exploração ilegal de mogno, madeira de elevado valor comercial, em terras indígenas nos municípios paraenses. Segundo Ivanilde, há um grupo armado ligado aos grileiros que age nas cidades de Castelo dos Sonhos, Moraes de Almeida e Novo Progresso, com o apoio da Polícia Militar. Os pistoleiros só andam em bando de seis a dez, em uma caminhonete, e utilizam armas de 9mm e 12 mm. (Com agências)


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Telefone mais caro As tarifas de telefone estão mais caras, sob as bênçãos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em nota oficial, a agência reconhece ser correta a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dando aumento maior. As empresas, que são as maiores defensoras das agências reguladoras, festejam. Enquanto isso, a Anatel continua fechando rádios comunitárias, com uma excepcional eficiência. O Pasquim se foi O jornal Pasquim fechou. O nº 117 (junho) foi o último. Era uma das melhores escolas de jornalismo opinativo do país. O Brasil vai ficar mais sisudo e menos inteligente com a sua partida. Os fichados no TCU O Tribunal de Contas da União (TCU) disponibilizou na internet a lista de todas as pessoas que não podem ser candidatas nestas eleições, por estarem envolvidas em “irregularidades” – novo nome para corrupção, desvio, sonegação e sujeira. Para saber quem andou mexendo em dinheiro público, confira (e divulgue) em: www.tcu.gov.br Devo mas não pago A edição do dia 7 da revista Carta Capital denuncia que um grupo de produtores de cinema arrumou um jeitinho de não pagar os R$ 6 milhões que devem ao Banco do Brasil (BB). O Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio de Janeiro, “compra” os filmes desses produtores com incentivos fiscais (dinheiro nosso). Da lista dos privilegiados consta Luiz Carlos Barreto (Bossa nova), Zelito Viana (Villa-Lobos - Uma vida de paixão), Paulo Thiago (O vestido), Aníbal Massaini (Pelé eterno), que, juntos, devem R$ 3,2 milhões ao BB. Fonte de qualidade Para quem busca uma boa fonte de notícias, a dica é a Agência Câmara. De forma profissional e democrática, a Agência relata o que está acontecendo na Câmara dos Deputados. Interessados – já são mais de 10 mil – podem se tornar assinantes sem pagar nada. Basta se inscrever no endereço: www.agencia.camara.gov.br Rádio Comunitária Heliópolis A Rádio Comunitária Heliópolis, de São Paulo, em parceria com a Oboré, promoveu, dia 3, o 1º Fórum de Avaliação e Planejamento. Depois de 12 anos no ar, a Heliópolis comemorou aniversário refletindo sobre “relacionamento, programação, técnica, jurídico e gestão”. A emissora surgiu em 1992, como uma “rádio de poste”. Hoje é referência entre as comunitárias de todo o país. Em 2002, ganhou o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), por promoção da cidadania. Mostra de curtas em Goiânia Já estão abertas as inscrições para o “4ª Goiânia Mostra de Curtas”, considerado o maior festival de cinema brasileiro em curta-metragem do Centro-Oeste. O evento acontece em Goiânia, de 12 a 17 de outubro. Mais detalhes em: www.goianiamostracurtas.com.br Combate à baixaria na TV Foi decidido pela Campanha contra a Baixaria na TV, da Câmara dos Deputados, que no dia 17 de outubro o Brasil vai dar um basta ao lixo televisivo. A sugestão é que os telespectadores desliguem seus televisores durante um período determinado de tempo, em protesto pela falta de qualidade da programação. Mais informações em: www.eticanatv.org.br Cadê o dinheiro? “Num país onde o governo aplica R$ 500 milhões em publicidade nas TVs abertas privadas, sendo 78% em uma única delas – portanto, R$ 400 milhões –, R$ 100 milhões nos outros seis canais minoritários e apenas R$ 4 milhões em todos os canais abertos de TV educativa, cultural e pública, algo tem que ser mudado”. O alerta é de Assunção Hernandez, produtora de cinema

DIREITOS AUTORAIS

Microsoft aprisiona conhecimento Governo dissemina software livre na administração pública, contrariando interesses de Bill Gattes Jorge Pereira Filho da Redação

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ão poucos os setores do governo que decidiram enfrentar as transnacionais na defesa do interesse público. O Instituto Nacional de Tecnologia de Informação (ITI), no entanto, parece ser uma honrosa exceção nesse deserto de subserviência às grandes empresas. Dirigido pelo sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, o ITI prepara a implantação de “softwares livres” em computadores de toda a administração federal, substituindo os tradicionais “softwares proprietários” da Microsoft. A medida – justificada pela maior qualidade e liberdade proporcionadas pelo software livre – dissemina uma filosofia nãomercantilizada de compartilhamento do conhecimento. Além disso, reduz o envio de remessas para o exterior, com o pagamento de royalties à transnacional. Os estadunidenses da Microsoft desaprovaram a conduta. Dias atrás, interpelaram judicialmente Amadeu, por ter feito supostas críticas na imprensa aos procedimentos da transnacional. Nas entrevistas, o sociólogo explicou que a Microsoft tentava seduzir a administração pública a utilizar seus programas. Ele criticou também o método pelo qual a Microsoft doa licenças sobre seus softwares, para “viciar” os usuários, restringindo acesso dos concorrentes – a chamada “técnica do aprisionamento”. Depois de uma forte reação, interna e internacional, do movimento em defesa do software livre, a Microsoft parece ter desistido do processo. Prova de que a administração pública não fica sozinha quando aposta no movimento organizado da sociedade. Brasil de Fato - Como está o processo da Microsoft? Sérgio Amadeu – São eles que devem responder, porque não falam mais no assunto. Tentaram um processo de intimidação, mas parece que recuaram. Houve uma reação pronta e internacional ao caso. Além disso, em nenhum momento, o governo ou eu fomos chamados pela imprensa para

BF - Mas a Microsoft seduz muitos governos com a doação de licenças... Amadeu – Primeiro, o custo menor é apenas uma das vantagens do software livre. Depois, quando uma empresa que vive da venda de licença passa a doá-las, é a maior prova de que seu paradigma está afundando, pois para manter seu monopólio, tem de usar o modelo do outro, do software livre. Não entendo por que reforçar o monopólio se podemos utilizar programas que nós, brasileiros, podemos participar do seu desenvolvimento.

O monopólio se beneficia da pirataria. Acima, fiscais do governo apreendem material pirata

Amadeu – Quando você compra um software, na verdade está comprando uma licença de uso. O software nunca vai ser seu. É como comprar uma casa que não pode ser pintada, reformada. O software proprietário trabalha com permissão de uso e sempre vai ser daquele que o produziu. BF - E por que essa operação complexa virou um procedimento naturalizado no comércio de softwares? Amadeu – Porque o Estado, em primeiro lugar, fez o trabalho de usar e ampliar a base de aplicação desse software. Em gestões anteriores, o governo tinha

Existe uma técnica de aprisionamento, que não é de interesse do país nem do governo criticar qualquer empresa. Pelo contrário. Sempre fomos chamados para responder, isso sim, às críticas que as empresas fazem sobre o governo. BF - O que você disse? Amadeu – Eu tenho tudo gravado, minha afirmação foi feita dentro de um contexto. Existe uma técnica de aprisionamento, de monopólio, que não é de interesse do país nem do governo, que deve ter independência de fornecedores. O país tem de aumentar sua autonomia tecnológica, aperfeiçoando sua capacidade de desenvolver programas. BF - Como funciona o sistema de licenças da Microsoft? Software – Programa de computadores Software livre – Programas de computadores desenvolvidos por usuários de computador em uma comunidade aberta. Os mais famosos, como o Linux e o Openoffice, são gratuitos. Nenhum deles cobra licença de uso. Software proprietário – Programas criados por transnacionais, como a Microsoft, de alto custo financeiro, comercializados com o código fechado, em geral em regime de monopólio; os mais famosos são o Windows e o Word. Em tese, usuários têm de pagar licenças para utilizá-lo. A obrigação onera os orçamentos de governo e empresas. Hardware – Componentes físicos do computador, como o processador, o drive, a memória etc.

espaço maior na sociedade da informação. Temos excelentes desenvolvedores. Obviamente, isso incomoda o monopólio.

Marcello Casal Jr./ABr

Dioclécio Luz

NACIONAL

uma reserva de mercado para softwares proprietários de uma única empresa. Além disso, essa empresa também se beneficiou da pirataria. A partir de um acordo com uma grande empresa de hardware, a IBM, o software seria fechado e viria junto com o equipamento. A empresa deixou que o programa fosse copiado de maneira irregular, sem pagar licença, por outros fabricantes de computador no resto do mundo para ampliar massa crítica. Na verdade, o monopólio do software proprietário se beneficiou e continua se aproveitando da pirataria. BF - Que impactos isso pode ter na administração pública? Amadeu – O que está em jogo é o futuro. Vou dar um exemplo. Juliana Bruce/Planeta Porto Alegre

Espelho

O Brasil tem 170 mil escolas – menos de 20 mil com salas de informática. O governo vai informatizar 100 mil escolas, ou 2 milhões de computadores. Se eu usar o software proprietário, vou ter de pagar licença. Isso mesmo tendo um programa seguro, estável e que não implica envio de royalties ao exterior.

BF - Agora, a Microsoft aposta na OMC e na Alca para obrigar o reconhecimento de patentes de softwares. Amadeu – Existe uma pressão em vários fóruns para endurecimento da legislação de propriedade intelectual. Nos séculos 19 e 20, o argumento era que a propriedade de idéias serviria para garantir a inovação, remunerar os investidores e permitir que a sociedade se beneficiasse do conhecimento. Toda a lógica era a lógica social. No século 21, com a sociedade digital, isso foi invertido. O endurecimento da propriedade das idéias não tem servido à sociedade, mas sim para bloquear a disseminação dos benefícios da era digital. Essa política só beneficia, na verdade, uma indústria de contenciosos. Quem está estabelecido vai para o contencioso jurídico, para bloquear acesso à tecnologia da informação e às suas inovações. Quando se

A escolha: destinar recursos públicos com um programa livre ou reforçar o monopólio Além disso, com o software livre, não vou gastar dinheiro público para os professores ensinarem seus alunos a usarem o software do monopólio. Um educador que usa um software que não pode ser compartilhado contraria a idéia da troca do conhecimento, princípio da educação. A escolha é: ou não desperdiço recursos públicos com um programa livre ou reforço o monopólio de uma empresa do primeiro mundo. BF - De que forma o software livre contribui para isso? Amadeu – O software livre dá ao usuário quatro liberdades: usá-lo para qualquer finalidade, estudá-lo profundamente – tendo acesso a seu código-fonte –, alterá-lo da melhor forma e, ainda, distribuir essas alterações. Além disso, tem mais segurança, é muito mais estável, mais barato e permite que desenvolvedores brasileiros participem da sua criação. Seu desenvolvimento é feito de maneira colaborativa, compartilhada internacionalmente, mas cada participação local se faz presente. Por isso, é um grande instrumento para o Brasil ter um

transforma o software em algo patenteável, se coloca em risco todo o desenvolvimento da tecnologia da informação no mundo e, em particular, em países como o Brasil. BF - Como, na prática, se dá esse bloqueio? Amadeu – A patente é para bens industrializados que tiveram grande soma de investimento aplicada no seu desenvolvimento. Mas as principais inovações da tecnologia de informação não vieram das grandes empresas, e sim foram criadas por inovadores isolados, na comunidade do código aberto. Isso permite uma redistribuição da sua inovação, algo impossível com a tecnologia industrial, sobretudo pela exigência de grande soma de capital investido. A forma de impedir esse benefício social da tecnologia da informação é bloquear rotinas óbvias, transformar a programação de softwares em algo patenteável. A lei de patentes de softwares responde à exigência de uma série de monopólios e é um grande perigo para o compartilhamento do conhecimento.

Quem é Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo, formado pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado na área da disputa de poder na sociedade digital. Participou da gestão de Marta Suplicy, em São Paulo, quando implantou telecentros (espaços com computadores de acesso gratuito) na periferia paulistana. Hoje, preside o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI).


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NACIONAL FLORIANÓPOLIS

Mobilização exige tarifa de ônibus menor

Daniel Guimarães e Dafne Melo de Florianópolis (SC) e da Redação

Fotos: CMI

População da capital catarinense rejeita aumento proposto pela prefeitura; tarifa subiu 250% em sete anos

P

rimeiro, foi em Salvador. Depois, em Fortaleza. Agora, os estudantes de Florianópolis estão protestando contra o aumento das tarifas de ônibus e exigindo passe livre. O estopim para o protesto, que ganhou amplo apoio popular, foi a aprovação, pela Câmara Municipal, de um aumento de 15,6% no transporte público. A mobilização já toma conta da capital catarinense e foi endossada por associações de bairros e sindicatos. Com o novo aumento, o bilhete custará R$ 3 para trechos de 30 quilômetros. Há 40 anos, o sistema de transporte é controlado por cinco empresas cujas licenças para atuar no setor são renovadas constantemente. Em 1996, a então recémeleita prefeita Angela Amin (PP, antigo PPB) ampliou por mais vinte anos a concessão das empresas. Apenas nos seus dois mandatos, as tarifas de ônibus já subiram 250%. Só em 2003, foram anunciados três aumentos. Estudantes universitários, secundaristas e trabalhadores de Florianópolis fizeram duas grandes mobilizações, até o momento. Dia 28 de junho, três mil manifestantes fecharam os terminais de ônibus Canasvieiras, Santo Antônio de Lisboa, Trindade, Rio Tavares, Lagoa da Conceição e do Centro da Cidade. Dia 2 de julho, houve uma passeata nas pontes que ligam parte de Florianópolis ao continente.

Entre os manifestantes se reuniram estudantes secundaristas e universitários, além de trabalhadores

empresas para calcular o preço da tarifa. Hoje, os grupos privados não liberam o documento. No dia 28 de junho, os estudantes ocupa-

ram a Câmara Municipal para pressionar os vereadores. O presidente da Casa, Marcílio Ávila, teria se comprometido a abrir a CPI.

Protestos de estudantes em Salvador e Fortaleza Protestos estudantis contra os reajustes das tarifas de ônibus já marcaram duas grandes capitais brasileiras recentemente. Em Fortaleza, os estudantes se uniram aos trabalhadores das empresas de ônibus local para impedir a instalação de catracas eletrônicas. Além disso, defendem passe livre para desempregados e deficientes físicos. A mobilização já conta

CPI O movimento exige também a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a licitação, a construção dos Terminais de Integração e as planilhas de custos utilizadas pelas

dois meses, reúne milhares de pessoas e tem protestos marcado para o dia 8. Em Salvador, durante 2003, os estudantes secundaristas e universitários paralisaram a cidade bloqueando avenidas para exigir o fim do aumento de 15% da tarifa de ônibus. Houve 40 bloqueios de ruas simultâneos, envolvendo 20 mil pessoas na capital baiana.

Numa tentativa de jogar a opinião pública contra os manifestantes, a prefeita Angela Amin já propôs, em declarações à imprensa, reduzir o número de ônibus em circulação ou cortar programas sociais para atender às reivindicações. Nas negociações oficiais, a prefeita propôs uma redução de 7% no valor das tarifas, a partir de 2005, por meio de um subsídio da prefeitura. A proposta foi rejeitada.

REPRESSÃO E AMEAÇAS Dia 3, a Polícia Militar, com ajuda da Tropa de Choque, utilizou gás de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo para dispersar 3 mil pessoas que protestavam nos terminais do Rio Tavares, Canasvieiras, Centro e Santo Antônio de Lisboa. Segundo Marcelo Pomar, estudante de História da Universidade do Estado

de Santa Catarina (Udesc), mais de 50 pessoas ficaram feridas. No mesmo dia, Pomar foi agredido por cinco homens e levado para a 1ª Delegacia de Polícia de Florianópolis, onde ficou preso por 4 horas. “Não justificaram a ação. Só depois descobri que o juiz da 1ª Vara da Fazenda, Domingos Paludo, deferiu um Interdito Proibitivo que me impedia de participar de qualquer manifestação em via pública”, conta o estudante. Pomar foi solto após assinar um termo se comprometendo a não participar de manifestações. Dois dias depois, o estudante sofreu uma ameaça de morte por telefone. A Secretaria de Segurança Pública entrou em contato com a família do estudante, que foi aconselhada a tirar o jovem da cidade. Névio de Oliveira, representante da União Floropolitana de Entidades Comunitárias (Ufeco), acredita que empresas estão contratando seguranças para repreender estudantes. De acordo com Pomar, esses seguranças brigam com a própria PM durante as manifestações. Os estudantes reivindicam ainda livre acesso ao transporte público. Em 2001, o vereador Márcio de Souza (PT) apresentou à Câmara local projeto propondo o passe livre. A proposta, no entanto, foi arquivada por Gean Marques (PSDB), sob alegação de inconstitucionalidade. Os estudantes argumentam que a própria Constituição Federal determina, como dever do Estado, garantir atendimento ao educando “através de programas suplementares de transporte, alimentação e assistência à saúde”. Um novo texto foi elaborado discriminando novas fontes de financiamento do passe livre, como IPVA, multas de trânsito e Zona Azul, que arrecadam mais de R$ 30 milhões. Em outros Estados, a defesa do passe livre também já ganhou força entre os estudantes.

EDUCAÇÃO

Luís Brasilino e Marília Chaves da Redação Começou a ser travada na Assembléia Legislativa de São Paulo mais uma batalha contra a precarização do ensino público no Estado. Dia 6, centenas de funcionários, professores e estudantes das três universidades estaduais paulistas foram pressionar os deputados para aprovar a elevação do repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a educação de 9,57% para 11,6%. “A universidade pública não pode se sustentar com a verba disponível hoje”, afirma Lucília Borsari, primeira secretária da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), uma das instituições em greve há mais de 45 dias, junto com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Para expandir, exigimos verba especial, além do aumento no repasse”, completa Lucília. O problema é que, mesmo com pouco dinheiro, o número de cursos e de vagas vem crescendo. Sueli Mendonça, vice-coordenadora do Fórum da Seis (entidade que representa funcionários e professores das três instituições) e da Associação dos Docentes da Unesp (Adunesp), diz que a atual “proposta de expansão no Estado de São Paulo está afinada com as diretrizes gerais de um documento do Banco Mundial”. Segundo ela, o texto “coloca que não é possível atender a todos no mundo com o mesmo padrão de qualidade. É necessário existir modelos diferenciados e ter cursos mais rápidos, baratos, pós-médios

Assembléia Legislativa/SP

Greve expõe precarização do ensino superior

Manifestantes na Assembléia Legislativa de São Paulo, cobram repasse de mais verbas para a educação

e de nível técnico superior”. Sueli conta que o documento também propõe acabar com assistência estudantil, bolsas de estudo, moradia e restaurante universitário. Além de afirmar que o aluno deve pagar mensalidade e que a universidade precisa captar recursos no mercado, vendendo suas tecnologias.

EDUCAÇÃO AMEAÇADA Marcus Faro, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, explica que a doutrina

segundo a qual o Estado deve se retirar rapidamente dos serviços públicos vem sendo propagada não só pelo Banco Mundial, como pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), desde a década de 80. A abertura desses mercados essenciais para o capital privado começou a se dar no Brasil com o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “A cada ano que passa os serviços sociais ficam mais restritos a quem

paga”, relata Faro. A Unesp, mais que a USP e a Unicamp, passa por uma crise política e econômica relacionada a um projeto de expansão. Maria José Manoel, do Conselho Universitário (CO) e da diretoria do Sindicato dos Funcionários da Unesp (Sintunesp), explica que desta vez a comunidade toda se envolveu na greve. João Carlos Camargo, um dos coordenadores do Sintunesp, diz que a implantação de novos cursos para a universidade é “imprescindível

para o Estado e para o país, mas, do modo como vem sendo feita, é um terror para a universidade. Amplia sem garantir qualidade”. Segundo os dirigentes do sindicato, a verba destinada aos novos cursos foi utilizada para suprir uma demanda reprimida. Para Camargo, somente se essa cota extra de recursos fosse incluída no montante destinado ao custeio da universidade seria possível implantar novos cursos com qualidade. Quando o projeto de expansão foi aprovado, em 2002, uma comissão ficou encarregada de acompanhar e avaliar as condições de implantação dos novos cursos. No entanto, essa comissão só foi constituída este ano, a pedido do CO. As vagas oferecidas, as condições em que se encontra o corpo docente, o corpo técnico administrativo, os alunos e a infra-estrutura foram avaliados; e o relatório parcial divulgado em junho apontou precariedade dos cursos implantados nas regiões de Dracena, Itapeva, Ourinhos, Registro, Rosana, Sorocaba, Iperó e Tupã. A maioria dessas unidades apresentou vários problemas. Oferta de vagas acima do previsto e aprovado; insuficiente número de computadores, acervo, horário e espaço físico na biblioteca. Além disso, conforme aponta o relatório, os problemas da unidade de Registro já tinham sido levados ao reitor e ao pró-reitor de graduação pelo corpo docente. Foi feito um pedido para que os vestibulares de algumas dessas unidades não se realizassem. Mesmo assim, o reitor não acatou o pedido e aprovou os vestibulares sem que a matéria fosse apreciada pelo CO.


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NACIONAL VULNERABILIDADE EXTERNA

Vale tudo para obter dólares

Fatos em foco Exemplo presidencial O presidente Lula afirmou, em discurso no Pará, na última semana, que o Brasil pode voltar a crescer se o povo brasileiro tiver a mesma determinação do povo vietnamita na época da guerra contra os Estados Unidos. Não se sabe por que Lula fez tal comparação, mas é bom lembrar que o Vietnã do Norte era dirigido por Ho Chi Minh, uma grande liderança e um grande exemplo para seu povo. Manchete forçada O jornal Folha de S. Paulo publicou sábado, dia 3, a seguinte manchete: “Emprego cresce mais no interior do Brasil”. Mas o texto explica que o estudo do IPEA comprovou que, de 1992 a 2002, durante a maior parte do governo FHC, “a taxa de desemprego no interior subiu de 8% para 9,6%”, já que o número de vagas abertas foi menor que o de pessoas que entraram no mercado de trabalho. Dá para entender? Campanha embolada A disputa pela Prefeitura de São Paulo, principal teste para a recuperação nacional do PSDB, tende a ficar mais embolada ainda com a coligação PSB-PMDB, acertada na última hora. E deve colocar Luiza Erundina no mesmo patamar de Marta Suplicy, José Serra e Paulo Maluf. O resultado ainda é totalmente imprevisível. Pura fantasia Comentários emanados da corte palaciana dão conta que o presidente Lula tem garantido a quem quiser ouvir que, depois da eleição de outubro, vai mesmo promover uma guinada na política econômica, principalmente para estimular o crescimento e a geração de empregos. Os mais céticos acham que se trata apenas de mais um prazo para acalmar os eternos iludidos. Aceno popular Na linha de que o governo federal ainda vai mudar, o assessor da Presidência da República, Frei Betto, declarou, em reunião com lideranças de Mairinque e Sorocaba, o seguinte: “A tendência, hoje, no governo, é não renovar o acordo com o FMI”. Quem viver, verá ... o dia em que o Brasil não precisará cumprir imposições do capital internacional. Disputa midiática Os principais jornais insistem que o Plano Real, depois de 10 anos, trouxe grandes benefícios para o país, especialmente a estabilidade econômica e o controle da inflação. É claro que evitam colocar nesse balanço a falência de muitas empresas, o fechamento de vagas de trabalho, a redução dos direitos trabalhistas e a precarização das condições de vida de boa parte da população. Mais uma vez a situação das pessoas fica em segundo plano. Dúvida cutista A CUT planeja, para o próximo dia 16, uma manifestação nacional contra o desemprego. Existe muita expectativa sobre o tom que será adotado nos atos públicos, já que está cada vez mais difícil defender a geração de empregos sem criticar a política econômica do governo Lula. A Central precisa optar se assume ou abafa as críticas dos trabalhadores de sua base. Escândalo vazio A imprensa comercial tentou transformar uma declaração de João Pedro Stedile, do MST, em agressão sensacionalista. Na verdade, a palavra “panaca”, segundo o dicionário do Aurélio, quer dizer indivíduo simplório, que, por sua vez, quer dizer ingênuo ou simples. Isso, em muitas situações, é virtude e não ofensa. No caso de quem dirige a política econômica brasileira, o sentido mais adequado é “tolo” mesmo.

Jorge Pereira Filho da Redação

E

m uma operação que quase passou despercebida, o governo brasileiro voltou a emitir títulos da dívida com juros flutuantes, dia 22 de junho. A medida reedita uma prática que até o governo Fernando Henrique Cardoso hesitava em utilizar. O resultado é que o Brasil vai contrair uma dívida cujo pagamento vai variar de acordo com o comportamento dos juros no mercado internacional. Não é a primeira vez que um governo brasileiro utiliza esse mecanismo para atrair investimentos externos. Na década de 70, foram comuns lançamentos de títulos com juros flutuantes. A história terminou mal. Em 1979, os Estados Unidos aumentaram sua taxa de juros de 4% para 20%. Boa parte da dívida brasileira quintuplicou e o país decretou moratória na década de 80. A dívida teve de ser renegociada, o país viveu um período de crise econômica – batizado de A Década Perdida – e paga até hoje o custo desse endividamento. Hoje, a dívida pública brasileira já chega a R$ 946,7 bilhões. O Banco Central não explicou por que decidiu voltar a utilizar esse mecanismo, mas uma simples conta mostra as razões evidentes que motivaram o governo.

Governo aceita pagar mais por recursos externos para evitar aumento do dólar e das dívidas do setor privado

aumenta em todas as áreas da economia. Vemos um crescimento da participação dos produtos agrícolas nas exportações, como frango, soja contaminada”, diz Gonçalves.

Maringoni

Hamilton Octavio de Souza

Anderson Barbosa

Para fechar as contas externas, governo emite títulos remunerados por juros flutuantes

PPPS PRIVATIZANTES

PERDAS PARA TODOS “O governo brasileiro está desesperado, pegando recursos a um custo alto para sustentar a cotação do dólar e permitir que o setor privado pague suas dívidas. Estamos retornando à tragédia da socialização da dívida”, analisa o professor Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na avaliação do economista, o governo decidiu pagar mais pelos recursos externos para evitar uma alta do dólar, que poderia aumentar ainda mais as dívidas do setor privado, ou diminuir, internacionalmente, a lucratividade das transnacionais. Desta forma, o dinheiro público acaba sendo utilizado para garantir a rentabilidade do setor privado. “A participação do setor público na dívida interna está aumentando, enquanto a do setor privado diminui. Isso mostra uma tendência de continuidade da vulnerabilidade externa brasileira. O governo do PT está cometendo os mesmos erros da era FHC”, constata Gonçalves. Em maio, apesar do resultado positivo da balança comercial, entraram no país, como investimento direto, apenas 200 milhões de dóla-

LEI DE FALÊNCIAS

Anaí Rodrigues de São Paulo (SP) No dia 29 de junho, a votação do projeto da nova Lei de Falências (PL 4.376/93) pelo plenário do Senado foi adiada a pedido do relator, senador Ramez Tebet (PMDB/ MS). A decisão foi suspensa, mas as críticas ao projeto continuam. Em entrevista à Carta Maior, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Sebastião Vieira Caixeta, critica o projeto no que toca à situação dos trabalhadores. Para ele, o projeto muda pontos que deveriam ser mantidos e mantém pontos que deveriam ser mudados. O procurador do Trabalho aponta três modificações prejudiciais aos trabalhadores: a inversão da prioridade dos créditos na falência, a possibilidade da negociação dos créditos trabalhistas na recuperação judicial e a mudança na regra de su-

res. O BC projetava, para este ano, um média mensal de 1,08 bilhão de dólares. Por outro lado, saíram mais recursos. A remessa de lucros das transnacionais bateu recordes, chegando a 745 milhões de dólares. Além disso, prevê-se que, em 2004, o Brasil gaste mais 50 bilhões de dólares em pagamento de juros e amortizações da dívida. Vai faltar moeda estrangeira, avalia Gonçalves: “Uma crise cambial no Brasil é questão de tempo, e vai ocorrer antes mesmo de o Lula terminar o mandato. As reservas estão muito baixas, a liquidez internacional está diminuindo, a credibilidade

está decaindo e as expectativas em relação à economia brasileira estão péssimas”. Para o professor da UFRJ, o resultado de um ano e meio das políticas econômicas do governo pode ser medido pelo aumento da vulnerabilidade externa em três áreas: financeira, comercial e produtiva. No âmbito financeiro, está ocorrendo o problema da dívida, que aumenta a galope (alta de 40%, com Lula). Na área comercial, o Brasil voltou a participar do comércio internacional majoritariamente com produtos primários. “Há pelos menos coerência nisso. A vulnerabilidade

No setor produtivo, por sua vez, as transnacionais estão enviando mais recursos para o exterior. “Em 2004, vai ser a primeira vez, em muitos anos, que o investimento externo direto ficará negativo. As empresas estão comprando dólar barato e remetendo para o exterior como lucro”, explica o economista. Essa situação não vai melhorar com o projeto de Parcerias Público-Privadas (PPPs), vendido pelo governo Lula como a pedra fundamental da recuperação econômica. Trata-se de um acordo em que o Estado garante a lucratividade das empresas por decênios em troca de investimentos em infra-estrutura. “As PPPs são um erro grosseiro e vão aumentar a vulnerabilidade externa no setor produtivo, porque se trata de um setor que não gera receitas em dólar, mas em real”, diz Gonçalves. Como as transnacionais vão remeter seus lucros, haverá mais saída de dólares do país. Na prática, o governo estará financiando sua própria crise cambial. Atualmente no Senado, o projeto das PPPs sofre, principalmente da oposição, dificuldades para ser aprovado. Mas é difícil crer que esse impedimento permanecerá, uma vez que as PPPs também passaram a ser bandeiras dos governos estaduais de Geraldo Alckmin, em São Paulo, e Aécio Neves, em Minas Gerais.

A nova lei erra o alvo cessão dos créditos trabalhistas em caso de venda da empresa. Hoje, explica ele, os créditos trabalhistas são pagos antes de qualquer outro, inclusive da Fazenda e dos créditos com garantia real. Mas o projeto da nova lei mantém essa prioridade apenas dentro de um limite de 150 salários-mínimos e os créditos excedentes a esse valor perdem sua prioridade.

PREJUÍZOS Outra mudança é a extinção da concordata e a criação da recuperação judicial. O procurador diz que, pelo projeto, durante essa recuperação judicial os créditos trabalhistas podem ser negociados, e, inclusive, parcelados em até um ano. Para o procurador, isso deveria ser resolvido em negociação coletiva. “Os trabalhadores têm interesse em preservar a empresa. Afinal, é dali que eles tiram o seu ganha pão, mas também têm que

estar atentos à sua sobrevivência”, afirma Caixeta. O terceiro ponto criticado se refere à sucessão em caso de venda da empresa. O procurador observa que, hoje, se uma empresa falida é vendida, o sucessor da unidade produtiva mantém a responsabilidade dos débitos da empresa, inclusive dos trabalhadores. “O projeto, no entanto, desonera o sucessor em algumas condições, inclusive na questão dos créditos trabalhistas”, aponta.

EQUÍVOCOS Para ele, essa mudança é prejudicial aos trabalhadores porque reduz a possibilidade de recebimento do crédito, uma vez que o credor (a massa falida) fica sem bens, já que foram alienados. Além disso, ele acredita que essa modificação abre espaço para fraudes, uma vez que o “dono de uma empresa falida pode aliená-la apenas como forma de se livrar dos créditos trabalhistas”.

Para o procurador, todas essas são questões preocupantes porque refletem uma ordem de prioridade equivocada. “As mudanças são feitas sob o pretexto de trazer maior segurança para as operações de crédito que, em última análise, são feitas por bancos, e acabam prejudicando o trabalhador”, afirma. “Não que não seja importante proteger as operações de crédito, mas isso não pode ser feito às custas do trabalhador”, argumenta. Ele observa, ainda, que “o banco suporta a quebra de uma empresa com muito mais facilidade do que o trabalhador, até porque os riscos da atividade comercial já são considerados em cada transação”. Como conseqüência das mudanças propostas na nova lei, Caixeta acredita que o risco da empresa vai ficar para o trabalhador que não terá nenhuma garantia de recebimento dos seus créditos. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)


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NACIONAL DESEMPREGO

Mobilização em defesa do emprego

Luís Brasilino da Redação

“E

stamos vivendo a maior crise social da história do Brasil, por causa dos altos índices de desemprego provocados, essencialmente, pela política econômica do governo federal”. Movida por essa situação descrita pelo economista José Carlos de Assis, coordenador do Movimento Desemprego Zero, a semana do dia 12 a 17 deve ser marcada por manifestações a favor do emprego e contra a atuação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), dentro da campanha “O Brasil quer trabalhar”, prepara, nos Estados, uma jornada de lutas contra o desemprego. Estão programadas mobilizações em dezenas de cidades, preparadas por cada região. De modo geral, os manifestantes vão acampar em pontos estratégicos de seus municípios e intensificar a coleta de informações do Censo Social do Desemprego. Mauro Cruz, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), conta que o desemprego foi escolhido como pauta geral por afetar todos os setores da sociedade, até mesmo quem está empregado. “É uma questão que une desde estudantes e sindicalistas, até sem-terra e sem-teto”, explica. Os atos serão realizados durante toda a semana até o dia 16, data definida pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) como o Dia

Nacional de Lutas e Mobilizações por Mudança na Política Econômica. Até o fechamento desta edição, estavam confirmadas manifestações em 14 Estados, que deveriam se juntar aos protestos da CMS. Para isso, os sindicalistas planejaram passeatas e greves, além de participar dos acampamentos dos desempregados. A plataforma de reivindicações da CUT é ampla: retomada do crescimento econômico; geração de empregos e melhores salários; manutenção e ampliação dos direitos trabalhistas; distribuição de renda; redução das taxas de juros; redução da jornada de trabalho sem redução de salários; serviços públicos de qualidade; uma nova estrutura sindical; aumento real de salário; reforma agrária; rejeição da Área de Livre Comércio das Américas (Alca); e não renovação dos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em resumo, mudanças radicais na política econômica do governo petista. Justamente pela falta de alterações nessa política econômica, Assis acredita que a queda na taxa de desemprego registrada em maio foi só uma oscilação de conjuntura e não uma tendência duradoura. Sendo assim, os movimentos estão convencidos de que só grandes transformações na condução da economia podem reverter o quadro atual de crise social. “A mobilização vai cobrar uma ampliação real do processo de reforma agrária e a criação de uma política efetiva de emprego urba-

assim, a alocação de recursos para investimentos sociais”, afirma Antonio Carlos Spis, secretário de comunicação da CUT. Para ele, as mobilizações constituem o elemento necessário para o governo romper com os setores conservadores da sociedade. De seu lado, Assis sustenta que, dentro da conjuntura política atual, a situação do desemprego só muda com mobilização social. “A gente só transforma esse país no dia em que a sociedade civil for mais ouvida e respeitada pelas autoridades”, concorda Andrade.

Anderson Barbosa

Para gerar postos de trabalho e renda, movimentos sociais exigem mudanças radicais na política econômica petista

CENSO

Na conjuntura política atual, a situação só vai se modificar com mobilização da sociedade

no. Mas, nos dois casos, é preciso repensar e discutir questões como, por exemplo, a dívida externa”, diz Maurício Andrade, coordenador executivo da Organização Não-Go-

vernamental Ação da Cidadania. “O Dia Nacional de Lutas quer mudar a forma como o governo (Luiz Inácio) Lula (da Silva) conduz a economia, garantindo,

Nesse sentido, uma iniciativa da Ação da Cidadania e da CMS, intensificada na jornada de lutas, ganha papel de destaque. Um cadastro dos desempregados está sendo feito para ajudá-los a se organizar e ampliar seu nível de participação na defesa de seus direitos. “Com isso, queremos criar um mínimo de organicidade entre os desempregados”, conta Cruz, do MTD. Para Andrade, da Ação da Cidadania, o objetivo do cadastro é ter o maior número possível de pessoas para pressionar empresários e o poder público. O cadastro dos desempregados é uma idéia espetacular, na opinião de Assis. “Ele pode ter o mesmo efeito para os excluídos urbanos que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve para os rurais. Mapeando a situação do emprego no Brasil, cria-se um vínculo de relações. Para se fazer uma mobilização, por exemplo, você já sabe quem e onde chamar”, completa o economista. O cadastro será feito até o dia 7 de setembro, data do Grito dos Excluídos. Até o momento, não existem números consolidados sobre adesão ao cadastro.

A tendência ainda tímida de recuperação do emprego, verificada em maio, claramente não vem sendo acompanhada por uma reação dos rendimentos e dos salários em igual proporção. Até pelo contrário, segundo o mais recente levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): a renda das pessoas ocupadas continuou em baixa no período. O dado sugere que as empresas estariam recontratando trabalhadores com salários mais baixos, diante das incertezas de manutenção da recente e modesta reação esboçada pela atividade econômica. O achatamento dos salários, neste momento, ajuda a tornar mais distante a perspectiva de uma retomada sustentada (ou seja, de longa duração), como vem insistindo a equipe econômica, já que, para continuar crescendo, a economia necessitará de mais lenha para queimar. Mais claramente, seria necessário que salários e rendimentos estivessem crescendo, desde agora, a taxas mais expressivas, de forma a sustentar níveis de consumo mais elevados, de alimentos, roupas e calçados, a remédios, televisores e geladeiras.

MENOS GANHOS Os números do IBGE mostram que o rendimento médio caiu 0,7% entre abril e maio, ficando 1,4% abaixo dos níveis registrados em maio de 2003 para o total das pessoas ocupadas. Os empregados com carteira assinada perderam 0,8% dos salários, diante de uma perda de 2% para os trabalhadores por conta própria. A pesquisa mensal realizada na região metropolitana de São Paulo pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Eco-

Anderson Barbosa

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

Folha Imagem

Renda não acompanha criação de vagas

mercado de trabalho – assim como ocorre todos os anos, no mesmo período.

MAIS VAGAS

Índice de desemprego tende a se manter elevado, ainda que demonstre retração. E o nível de renda mostra a queda de salário

nômicos (Dieese) e pela Fundação Seade aponta tendência semelhante na comparação entre março e abril deste ano. O valor médio do rendimento real (em valores atualizados com base na inflação) experimentou um recuo de 0,4%, atingindo um incremento modesto de 1,4% diante de abril do ano passado. A queda foi influenciada principalmente por uma perda de 9,2% registrada para os assalariados sem carteira assinada. Os trabalhadores com carteira registraram, em abril, um ganho de 1,7% frente a março deste ano. Na comparação com abril do ano

passado, os salários dos empregados sem carteira encolheram 5,9%, diante de um avanço de 2,9% nos rendimentos dos trabalhadores com carteira.

EM BAIXA Tanto o IBGE quanto o Dieese indicam tendências semelhantes para o desemprego no curto prazo. No primeiro caso, a taxa de desemprego, depois de quatro meses de elevação, recuou para 12,2% em maio, diante de 13,1% em abril, nas seis regiões metropolitanas pesquisadas. “O desemprego tende a se manter relativamente elevado, nos próximos meses, mas com

tendência moderada de recuo em função de fatores sazonais”, avalia o economista Alexsandro Agostini Barbosa, da consultoria Global Invest. Para junho, Agostini prevê uma taxa ao redor de 11,9%, projetando para dezembro um índice de 10,5%, próximo aos 10,9% alcançados em igual mês de 2003. A previsão de redução explica-se, de acordo com o economista, principalmente por conta da maior demanda geralmente observada no segundo semestre. Em função das festas de fim de ano, o comércio varejista incrementa seus pedidos à indústria, gerando um aquecimento momentâneo do

A pesquisa do Dieese/Seade apontou queda de um ponto percentual na taxa de desemprego total entre abril e maio – de 20,7% para 19,7% – na Grande São Paulo. O índice também ficou abaixo daquele observado em maio do ano passado, quando 20,6% da população economicamente ativa estavam sem ocupação. O total de desempregados na região saiu de 2,044 milhões em abril, para 1,960 milhão no mês seguinte. A retração foi resultado de um crescimento de 3,4% no total de ocupados entre maio do ano passado e o mesmo mês de 2004, significando a criação de 262 mil novas ocupações – um quinto delas destinadas a empregados sem registro em carteira e 15% a empregados autônomos, representando, na soma, quase 35% das novas ocupações. Desta vez, ao contrário do que vinha ocorrendo nos meses anteriores, os trabalhadores com carteira responderam por 49,2% das vagas criadas desde maio do ano passado.


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De 8 a 14 de julho de 2004

NACIONAL DROGAS

Doença de jovens é tratada como crime

Os casos se multiplicam no interior de São Paulo, considerado, pela polícia, como uma das mais importantes rotas internacionais de drogas do país. Ribeirão Preto integra a “rota caipira”, formada também por pólos regionais como Santos e São José do Rio Preto, com movimento estimado em cerca de cinco toneladas de entorpecentes por mês. Na cidade, as drogas giram cerca de R$ 100 milhões por ano, equivalente à arrecadação de municípios de médio porte como Franca.

Adi Leite/Folha Imagem

Reunião da Associação de Mães de Adolescentes em situação de Risco (AMAR)em Ribeirão Preto: apoio e troca de experiências para lidar com os filhos

A “rota caipira” integra uma das mais importantes rotas internacionais de tráfico

FALTAM POLÍTICAS Roger*, de 14 anos, é um exemplo da falta de políticas de atendimento para jovens duais. Deficiente auditivo, ex-aluno da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Brodósqui, foi internado na Febem de Ribeirão Preto por agressões e furtos. A medida foi adotada à revelia do parecer da promotora Daniela Hashimoto, que em documento ao Conselho Tutelar do município alertou que “interná-lo como infrator, como foi requerido várias vezes à Justiça desde a sua primeira infância, representaria mais uma vez abandoná-lo à sua própria sorte, entregando o problema à Febem”. Segundo o Conselho Tutelar, Roger passou por “todos os serviços de saúde e educação da cidade”. O adolescente, negligenciado pela família e expulso de escolas por

agressão, é usuário de drogas, desconhece a comunicação por sinais e nunca recebeu qualquer medida sócio-educativa. “A despeito dos atos infracionais que vêm praticando de forma habitual, na verdade ele está sendo negligenciado pelo Estado”, reconhece a promotoria. Segundo um relatório do Departamento de Psiquiatria do Hospital das

Clínicas de Ribeirão Preto, dirigido ao Conselho Tutelar em fevereiro de 2003, o comportamento de Roger não seria modificado em decorrência do “uso exclusivo de medicação”. Os médicos recomendavam que Roger fosse “cuidado num ambiente que promovesse a adequação de seu comportamento às normas vigentes, com ênfase na melhoria da sua capacidade de comunicação” e alertavam que “uma unidade psiquiátrica não apresenta condições para promover essa adequação”. Logo após receber alta, Roger foi internado na Febem, onde permanece sem tratamento especializado, como apurou o Ministério Público. Durante 15 dias, Brasil de Fato tentou falar com Mirsa Elisabeth De Llosi, coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Segundo sua assessoria de imprensa, esse tipo de problema é tratado pelo município, que, por sua vez, segundo o Conselho Tutelar, “sempre atendeu” o paciente. Entre 1987 e 1995, mais de 4.800 pessoas, de um a 22 anos, pro-

curaram atendimento na Unidade de Emergência Psiquiátrica do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Desse total, 37% eram jovens de 12 a 18 anos, com quadros de dependência química associado a problemas psiquiátricos. De lá para cá, o número dobrou, com uma diferença: os encaminhamentos são feitos pela Justiça ou por educadores. Segundo o professor Erikson Furtado, responsável pelos ambulatórios de clínica psiquiátrica do Hospital das Clínicas, apesar dos avanços na área de saúde mental, não há serviços especializados para atender adolescentes. Os diagnósticos são imprecisos e existe o mito de que o jovem dependente químico é difícil e inabordável. “A discussão da relação entre o uso de drogas e doença mental ainda é uma questão que merece mais atenção”, sustenta Furtado, defendendo a urgente interligação “qualitativa” entre os serviços de saúde existentes. “Há uma enorme carência de profissionais qualificados. Existe muito voluntarismo”. * Respeitando o Estatuto da Criança e do Adolescente, os nomes dos jovens foram trocados e os sobrenomes, ocultos

Calmantes e Febem são os remédios Rodrigo* leva uma vida de desamparo, revelada pela infecção no olho direito. “Há muito tempo está assim, foi por causa de uma facada que ele levou na rua”, diz a avó. Acusado de tráfico de drogas, ele possui um longo prontuário clínico no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, onde estão registrados centenas de atendimentos e nenhum acompanhamento sistemático. Os pais de Rodrigo morreram vítima de Aids. Ele foi expulso da escola várias vezes, pois sua agressividade incomodava a direção. Em fevereiro, na condição de interno da Febem, foi encaminhado ao Hospital das Clínicas, para fazer uma tomografia da qual não soube o resultado. Ao sair da Febem, a família recebeu a informação de que ele deveria comparecer ao programa de Liberdade Assistida, uma das medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Ninguém resolve nada. Nessa liberdade assistida a gente só assina um papel”, denuncia a avó. De acordo com a assessoria de imprensa da Febem, quando um interno precisa de atendimento médico, “são utilizados os recursos disponíveis na comunidade”. Em nota, afirma que “a maior preocupação dos funcionários é não deixar passar o problema sem atendimento” De volta às ruas, Rodrigo continua consumindo drogas, sem tratamento ou acompanhamento.

COLCHÃO E CALMANTE A vida de Rodrigo é semelhante a de Tiago*, que aos 14 anos mora nas ruas, ainda faz xixi nas calças e toma medicamentos psiquiátricos desde pequeno. A mãe de Tiago diz que o rapaz foi parar na Febem porque usa drogas. “Eu perdi o controle, ele foge e se envolve com gente ruim, ele é completamente bobo. O delegado perguntou se ele roubava,

Edson Silva/Folha Imagem

Segundo dados da Polícia Federal, a rota caipira aqueceu o mercado de drogas depois que os canaviais passaram a integrar o esquema de distribuição. Os entorpecentes entram no país pelo Paraguai e são transportados em pequenos aviões e helicópteros até os carreadores – estradas estreitas abertas pelos usineiros para a operação das colheitadeiras. Dali, são levadas aos centros consumidores. Trata-se de um mercado que não pára de crescer, gerando o aumento da criminalidade. Em Ribeirão Preto, cidade que ocupa o sexto lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Estado de São Paulo, há mais gente na cadeia do que no campo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000 eram quase três mil pessoas detidas.

Toni Pires/Folha Imagem

ROTA CAIPIRA

Fotos: Divulgação

E

les têm de 14 a 15 anos. Pobres, portadores de alguma patologia mental e usuários de drogas, estão sendo encarados como um “problema sem solução” em Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo. Na chamada “Califórnia brasileira” – comparação à riqueza da cidade estadunidense – a onda crescente de pequenos crimes e a falta de políticas de atendimento aos adolescentes autores de ato infracional estão lotando as unidades da Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem). Ali, sem tratamento adequado de saúde, acabam se diplomando na escola do crime. Os jovens engrossam a lista de pacientes psiquiátricos classificados, no jargão médico, como portadores de “diagnósticos duais” – em que há comprometimento mental associado ao uso de drogas lícitas ou ilícitas. O sistema público de saúde de Ribeirão Preto – cidade que abriga um dos mais avançados pólos de saúde do país e sede de uma unidade do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo –, não sabe o que fazer com a demanda crescente de jovens duais. Entre os transtornos de conduta que podem levar à internação estão atos como mentir, maltratar outros e brigar constantemente. A internação deveria ser a última medida a ser aplicada a um adolescente autor de ato infracional. Prevista nos artigos 112 e 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a internação só deveria ser adotada em casos excepcionais, por curto espaço de tempo e respeitando as necessidades do jovem. Mas não é isso o que acontece. “O Estado falha ao manter esses adolescentes numa Febem, que não tem nem tratamento médico”, avalia o advogado Luiz Vicente Corrêa, ex-presidente da subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em declarações recentes, Nilmário Miranda, secretário nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, reconheceu a necessidade de um plano nacional para mudar o atendimento nas Febens, que segundo ele funcionam como “escolas do crime”. “Eles ficam à-toa lá dentro. O diretor diz que tem atividade ou tratamento, mas não há”, afirma Vera Lopes, mãe de um ex-interno que, junto com outras mães, fundou a Associação de Mães de Adolescentes em Situação de Risco (Amar).

Patricia Santos/Folha Imagem

Sílvia Cardinale de Ribeirão Preto (SP)

divulgação

Vítimas da rota caipira de drogas, adolescentes pobres vão parar na Febem quando deveriam ter tratamento de saúde

Interno na Febem: a diretoria afirma que há atividades, as mães dizem que não

se era traficante, e ele disse sorrindo que sim”, diz. Paulo *, de 14 anos, tem um diagnóstico médico parecido com o de Rodrigo e Tiago: órfão, ele diz “detestar” a casa-abrigo municipal onde vive. “Lá não tem o que fazer durante o dia”, conta Paulo. Para evitar que o menino vivesse nas ruas, professores da escola estadual que ele freqüenta liberaram sua

permanência no colégio até as 22 horas e improvisaram, num canto da biblioteca, um “colchãozinho” para ele dormir à tarde. Considerado violento, acabou sendo tema de uma mesa-redonda entre os conselhos tutelares, Prefeitura e USP de Ribeirão Preto. Mas, segundo os funcionários, a única conclusão foi que ele deveria continuar usando medicamentos para se acalmar. (SC)


Ano 2 • número 71 • De 8 a 14 de julho de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNO VENEZUELA

O presidente Hugo Chávez criou patrulhas de apoiadores para identificar eleitores e evitar fraudes no referendo

Fotos: Claudia Jardim

Patrulhas vão às ruas para garantir vitória Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

A

pós a comemoração dos 193 anos de independência da Venezuela, dia 5 de julho, a população se prepara para mais uma batalha: a campanha pelo referendo revogatório do mandato do presidente Hugo Chávez, em 15 de agosto. No bairro popular La Pastora, Oeste de Caracas, nem mesmo o forte calor desanima os moradores que organizam grupos de mobilização para garantir a participação maciça de apoiadores ao processo político chefiado pelo presidente. O técnico em informática Oscar Negrini, coordenador da Unidade de Batalha Eleitoral (UBE) da Escola Juan Maria Alberti, é um dos militantes que caminha pelos bairros para formar grupos de até dez pessoas, denominados por Chávez “patrulheiros”. Negrini comenta que o ânimo da população é de enfrentamento de mais uma batalha – desta vez, para manutenção da independência política conquistada em 1811. A campanha, liderada pelo próprio presidente, deve reunir um milhão de voluntários, segundo estimativas do governo. Com nome e endereço à mão, dados oficiais extraídos do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), os patrulheiros têm a missão de identificar pessoas que não têm cédula de identidade, conferir se o registro eleitoral dos votantes ainda é válido e angariar votos dos indecisos. “Vamos buscar uma ampla vitória para que a oposição e o mundo não tenham dúvidas e se convençam”, diz o professor. A meta do venezuelanos chavistas é garantir, no mínimo, 4,5 milhões de votos na consulta popular.

dista Pompeyo Marques. Para remover o presidente do comando do país, a oposição, que pretende mobilizar 400 mil voluntários para sua campanha, terá de conseguir mais do que os 3,75 milhões de votos que Chávez obteve quando foi eleito em 1998. Maria Carrera está confiante e não acredita que os grupos opositores consigam mais do que 3 milhões de votos durante o pleito. Algumas pesquisas de opinião confirmam a avaliação da coordenadora de patrulha: de acordo com levantamento realizado há um mês pelo instituto de pesquisa Northamerican Opinión Research, 55% votariam a favor da continuação do mandato presidencial e 42% do eleitorado estariam contra. As amostras colhidas pela Datos também indicam uma vitória de Chávez, por 51% a 35% da preferência da população. Os dados do Datanálisis, no entanto, revelam que o mandatário venezuelano perderia o pleito com 57,8% a 42,6% dos votos. A aprovação do presidente Chávez se destaca nos bairros mais po-

ANÁLISE

DEPURAÇÃO DO REGISTRO Outra tarefa dos patrulheiros é notificar o CNE quando há falecidos inscritos nas planilhas de controle dos votantes. “A depuração do registro eleitoral está sendo feita pelo povo bolivariano”, afirma a arquiteta Maria Carrera, coordenadora das patrulhas de La Pastora. Durante a coleta de assinaturas para convocar o referendo, nomes de pessoas mortas, extraídas do registro eleitoral, foram utilizados para falsificar cédulas de identidade com o objetivo de aumentar o número de possíveis eleitores contrários ao governo. “Com essa precaução, diminuímos quase pela metade a possibilidade de fraudes”, afirma Maria. O pequeno empresário Juvenal Sanchez, de 50 anos, acaba de se juntar à equipe de voluntários. “Me sinto culpado por termos chegado a esse referendo. Deixei que outros fizessem o trabalho por mim. Agora é definitivo, todos sabem que têm que ajudar”, observa ele, para quem não somente o futuro da Venezuela estará em jogo em 15 de agosto. “Toda a América Latina está em risco. Existem dois projetos para escolher: ou seguimos sob o controle do capitalismo ou construiremos um mundo mais humano, que começamos a fazer aqui. Sabemos que a desculpa para tudo isso é Chávez, mas o motivo é o petróleo”, avalia Sanchez.

BENEFÍCIOS NA PERIFERIA Uma das críticas da oposição ao governo é a utilização dos recursos provenientes da exportação do petróleo para investimentos sociais. Para os grupos que controlaram a produção durante o século 20, a distribuição da renda petroleira por meio das missões populares de alfabetização, desenvolvimento rural e saúde é uma estratégia estritamente “eleitoreira e criminal”, analisa o ex-esquer-

Integrante do grupo de “patrulheiros” identifica nomes inscritos irregularmente nas planilhas de controle dos votantes

bres, onde também estão concentradas as bases de apoio ao governo.

PARTICIPAÇÃO POPULAR Num desses locais, Negrini mostra um dos 12 consultórios médicos e odontológicos recéminaugurados, esclarecendo que o artigo 184 da Constituição garante a participação da comunidade na realização de projetos públicos e reconhecendo que ainda há muito a ser feito para melhorar as condições de vida da população. Equipados com aparelhos novos, com os quais trabalham os médicos cubanos da missão Bairro Adentro, os consultórios não têm trancas. Negrini explica: “Não necessita de segurança, isso é da

comunidade todos nós cuidamos. Aqui ninguém mexe”. A experiência dos moradores de coordenar o bairro tem como símbolo a Escola Juan Maria Alberti, ocupada em 2002, quando ocorreu a greve petroleira e a sabotagem empresarial. A escola seguiu funcionando sob o comando dos pais e alunos. Pouco mais de um ano depois, a escola – que mal tinha os recursos básicos para o ensino fundamental – agora abriga a Oficina Latinoamericana de Cinema e mantém cursos regulares de comunicação comunitária.

MANIPULAÇÃO Liliana Hernandes, de 23 anos, e integrante das patrulhas do bairro, é uma das estudantes do curso de Pro-

jeção Audiovisual. “Aprendemos como os meios de comunicação comerciais manejam a informação e quais são as intenções. Agora assistimos TV com um olhar crítico”, explica que teve de deixar o curso de uma universidade privada porque não tinha mais como pagar as mensalidades. Liliana se inscreveu na universidade bolivariana e deve começar as aulas no próximo ano e demonstra seu apoio a Chávez: “Por isso saio às ruas para defender esse processo. Se a oposição me garantisse uma vida melhor, os apoiaria. Mas eles não têm projeto algum. É com esse governo que vejo alguma esperança para construir um novo país. Há muito o que fazer ainda”.

Um golpista vem aí

José Arbex Jr. O megaempresário venezuelano Gustavo Cisneros, 58 anos, um dos principais articuladores do fracassado golpe de Estado contra Hugo Chávez, em abril de 2002, visitou o Brasil há duas semanas. Qual a razão de sua visita, em dias tão turbulentos de preparação do referendo revogatório (convocado para 15 de agosto) na Venezuela? Oficialmente, Cisneros veio lançar um livro biográfico, além de fazer reuniões para acertar a eventual compra do sistema SBT de televisão, de Sílvio Santos, por módicos 200 milhões de dólares. Mas não é só. O problema é o que não é dito. Cisneros é o terceiro homem mais rico da América Latina (atrás apenas de Carlos Slim, da família Safra de banqueiros e presidente da Teléfonos de México, que adquiriu, em abril, o controle da Embratel). É sócio da Univisión (maior rede de TV em língua espanhola dos Estados Unidos), da Direct TV Latin América, da Chilevisión, da rede colombiana Caracol e de outra rede no Caribe, além de controlar a Venevisión, em seu próprio país. Tem outros interesses, como o controle da distribuidora da Coca-Cola venezuelana, uma das empresas mais fortemente denunciadas por ter ameaçado com demissão os empregados que se recusassem a assinar a petição pelo referendo revogatório. Alguém pode seriamente acreditar que sua visita ao Brasil nada tem a ver com a situação política na Venezuela? É impressionante: ao entrevistá-lo e /ou relatar sua visita, os maiores veículos brasileiros (incluindo O Globo, Folha de S. Paulo, Estadão etc.) não falaram uma palavra sobre o golpe ou a

Aluno da Escola Alberti, beneficiada pelo governo venezuelano. Interesses do megaempresário são contra o projeto de Chávez

conjuntura venezuelana. É como se Cisneros nada tivesse a ver com o assunto. É o tipo de silêncio e omissão que acaba denunciando, de forma absolutamente estrondosa, aquilo que se pretende ocultar.

APOIO PARA O GOLPE Cisneros, certamente, não veio só a “negócios”. Um novo golpe se anuncia na Venezuela. A oposição sabe não ter a menor chance de obter maioria dos votos no referendo de 15 de agosto. Após meses e meses de preparação, e praticando fraude em escala industrial, toda a oposição junta mal conseguiu o número de as-

sinaturas necessário para convocar a consulta, equivalente a 20% do total de eleitores. Mas tampouco a oposição se dispõe a aceitar uma derrota democrática, como já demonstrou várias vezes nos últimos anos. Cisneros, o principal articulador dos golpistas, veio ao Brasil angariar apoio. A julgar pela calorosa acolhida que teve e pelo silêncio cúmplice da mídia, conseguiu. Pior ainda. O golpista venezuelano anunciou também estar em fase de conclusão de um acordo com o magnata australiano Rupert Murdoch, para explorar a televisão a cabo no Brasil. Cisneros controla

a Direct TV e Murdoch, a concorrente Sky. Cinicamente, disse em entrevista à Folha, publicada no caderno “Dinheiro”, em 17 de junho, que as restrições legais brasileiras ao controle estrangeiro da mídia podem ser “contornadas”. Se o negócio for concretizado, os dois juntos terão 95% dos assinantes brasileiros de TV por satélite e mais de 30% do mercado total de TV por assinatura, estimado em 3,5 milhões de clientes. Cisneros vem aí. Muito pior para nós brasileiros. José Arbex Jr. é jornalista


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De 8 a 14 de julho de 2004

AMÉRICA LATINA HAITI

EUA golpeiam a resistência popular Tropas brasileiras cooperam com plano estadunidense; seleção de futebol pode jogar para projetar ação

Embarque de tropas brasileiras para o Haiti, no fim de maio: intervenção militar estadunidense acobertada até pelo futebol

Quem é Dirigente da principal organização camponesa haitiana, Chavannes Jean Baptiste é um dos principais nomes da resistência contra o neoliberalismo em seu país. De 1990 a 1991, foi assessor do então presidente JeanBertrand Aristide, que considera hoje um traidor da luta popular.

Brasil de Fato – Por que Aristide perdeu o apoio popular? Chavannes Jean Baptiste – Quando Aristide foi eleito, em 1990, tinha uma ampla maioria do apoio do povo haitiano. Ligado à teologia da libertação, ele trabalhava em bairros pobres de Port-auPrince (capital do Haiti). Éramos grandes amigos: ele atuava com os operários e eu com os camponeses. Ele estava disposto a fazer grandes mudanças sociais no país e isso assustou os militares que, no dia 30 de Teologia da Libersetembro de tação – Concepção 1991, articualternativa do cristianismo, focando os laram um golproblemas sociais pe para derrulatino-americanos, bá-lo. O povo que foi desenvolvida por teóricos do conti- resistiu e, após nente, como Leonartrês anos no do Boff exílio, Aristide

voltou. Mas retornou totalmente transformado dos Estados Unidos, onde havia passado um período. Fez acordos com empresas e com o então presidente Bill Clinton sobre os rumos da política e da economia haitiana. Queria controlar todo o país e criou um regime autoritário, parecido com os dos ditadores François Duvalier (1957-1971) e Jean-Claude Duvalier (1971-1986). Seu governo, antes marcado pelo respeito à cidadania, havia se transformado em um regime corrupto, com desvios de verbas públicas e ligações com o narcotráfico. Os movimentos sociais e a população entenderam que Aristide havia traído

João Roberto Ripper

O

governo brasileiro trabalha em uma nova investida pela disputa por uma vaga no Conselho de Segurança na Organização das Nações Unidas (ONU). Um acordo firmado com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, levanta a possibilidade de um amistoso da seleção brasileira no Haiti. A idéia é trocar ingresso por armas. A medida – justificada, segundo Teixeira, por um ideal humanitário – dará projeção ao trabalho das tropas brasileiras, que estão no país a serviço da ONU. Mas o amistoso poderá servir, principalmente, para acobertar ainda mais uma escandalosa intervenção militar estadunidense promovida no Haiti. “Aristide foi deposto pelo povo e os Estados Unidos deram um golpe contra o povo haitiano, ocupando militarmente o país”, acusa Chavannes Jean Baptiste, ex-assessor de Aristides, em entrevista ao Brasil de Fato. O novo governo é defendido, agora, pelos militares brasileiros. Detalhe: os cinco mil soldados brasileiros que viajaram ao Haiti carregaram, além de fuzis e granadas, cinco mil camisetas verde-amarelas e milhares de bolas de futebol.

Baptiste – O principal motivo foi porque o povo não agüentava mais. Havia manifestações todos os dias, a economia estava parada. Aristide não queria sair. Os movimentos sociais começaram a se articular e montaram uma plataforma política com 184 organizações. Exigíamos a saída de Aristide. Uma frente armada, com ex-militares, dominava 75% do território do país. O governo não tinha mais escolhas.

Marcello Casal Jr./ABr

João Peschanski e Jorge Pereira Filho da Redação

o projeto popular para o Haiti e começaram a resistir. Apoiado por grupos paramilitares, ele organizou um sistema de repressão a todos que ousavam erguer um pouco a voz contra o governo. BF – A comunidade internacional apoiava Aristide? Baptiste – A França e os Estados Unidos financiaram os militares que derrubaram o governo em 1991, contra os interesses da população. Agora, quando Aristide voltou diferente – e o povo passou

a chamá-lo de traidor –, a comunidade internacional sustentou seu mandato. A Organização dos Estados Americanos (OEA) legitimou a reeleição de Aristide, denunciada como fraudulenta por milhares de observadores internacionais, e se empenhou para garantir o cumprimento dos contratos com países ricos e empresas. Aristide se transformou em um sustento do neoliberalismo no Haiti. BF – Por que, em 2004, Aristide se demitiu do cargo?

EL SALVADOR

Jim Lobe da Califórnia (EUA) A Coca-Cola tem se beneficiado do uso de trabalho infantil em plantações de cana-de-açúcar em El Salvador, alertou novo relatório da Human Rights Watch (HRW), uma organização não-governamental de direitos humanos. Entre 5 mil e 30 mil crianças salvadorenhas – algumas com apenas oito anos de idade – trabalham nos canaviais do país. Ferimentos, como cortes profundos e dilacerações, são comuns, aponta o estudo Fechando os olhos: Trabalho insalubre nas plantações de cana de El Salvador. A produção açucareira no país centro-americano tem crescido e, durante a década de 90, tornou-se a segunda maior lavoura do país, perdendo apenas para a do café. As áreas de cultivo eram de propriedade estatal, mas passaram a ser privatizadas a partir de 1995.

EXPLORAÇÃO TERCEIRIZADA Embora a Coca-Cola não compre a cana diretamente dessas plantações, as engarrafadoras locais adquirem açúcar da maior usina salvadorenha, a Central Izalco, e distribuem o refrigerante por toda a

Scott Olson/AFP

Coca-Cola lucra com trabalho infantil

Protesto colombiano contra Coca-Cola

América Central. A ONG descobriu que a Izalco compra cana-de-açúcar de pelo menos quatro fazendas que utilizam mão-de-obra infantil. A Coca-Cola nega conexão com o trabalho infantil em El Salvador. Mas Michael Bochenek, conselheiro da Divisão de Direitos da Criança da HRW, acredita que a companhia deveria assumir maior responsabilidade. “A Coca diz que não é responsável pelo que acontece além de seus fornecedores diretos, e nós discordamos”, declarou. “Se a Coca-Cola é séria no que diz respeito a evitar qualquer cumplicidade com o uso de trabalho infantil insalubre,

a companhia deveria reconhecer sua responsabilidade em garantir que o respeito aos direitos humanos seja estendido ao longo de toda sua cadeia de suprimentos”. Sob a legislação salvadorenha, a idade mínima para o envolvimento em trabalhos insalubres é 18 anos - e muitos consideram o trabalho em plantações de açúcar um dos empregos mais perigosos na agricultura. As leis, porém, não são cumpridas. As crianças são contratadas informalmente e acabam sem direito às proteções previstas na legislação trabalhista. Um exemplo: são as próprias crianças que arcam com um tratamento médico, quando sofrem ferimentos nas plantações. O código trabalhista salvadorenho obriga empregadores a pagarem despesas médicas provocadas por acidentes de trabalho.

EVASÃO ESCOLAR “O trabalho infantil é absurdamente comum nas plantações de cana-de-açúcar de El Salvador”, denuncia Bochenek, principal autor do relatório da HRW. Baseado em entrevistas conduzidas no início do último ano, o estudo contou com depoimentos de 32 crianças e jovens, de 12 a 22 anos, bem co-

mo de pais, professores, ativistas, acadêmicos, advogados, oficiais do governo e representantes da Associação Açucareira Salvadorenha. “Companhias que compram ou usam açúcar devem tomar conhecimento do que acontece e fazer algo a respeito”. O corte da cana-de-açúcar é perigoso por várias razões. Os materiais utilizados, como facões afiados, exigem destreza e concentração. A monotonia do trabalho e o fato de ser feito diretamente sob o sol tornam os acidentes freqüentes, mesmo entre os trabalhadores mais experientes. Boa parte das crianças entrevistadas pela HRW tinha cicatrizes múltiplas. “Me cortei na perna”, declarou um garoto ao entrevistador da HRW, ao mostrar uma cicatriz no tornozelo esquerdo. “Saiu muito sangue. Recebi pontos na clínica”. Sua mãe completou, esclarecendo que o acidente ocorreu quando ele tinha 12 anos. O plantio da cana é feito em sua maior parte por mulheres e garotas. Crianças que trabalham em canaviais, principalmente durante a colheita, geralmente são forçadas a perder os primeiros meses do ano escolar. (Com tradução de Tiago Soares, www.planetaportoalegre.net)

BF – Por que a comunidade internacional interveio? Baptiste – As grandes potências utilizaram a mobilização para dizer que havia um golpe de Estado no Haiti, mas o que ocorria era um levante popular contra uma ditadura. Aristide foi deposto pelos haitianos e os Estados Unidos deram um golpe contra o povo, ocupando militarmente o país. O povo estava nas ruas lutando pela democracia. Não havia razão para entrar no país, pois não estávamos em guerra civil. Havia conselhos populares em diversas cidades, com o intuito de criar propostas populares para o país e indicar um primeiro-ministro. Mas os Estados Unidos impuseram um novo governo, formado por tecnocratas que se sujeitam às orientações das grandes potências. BF – O que querem as forças internacionais? Baptiste – Certamente não vão trazer democracia. A história mostra que militares estrangeiros nunca conseguem criar mecanismos para tornar um regime político mais justo. Pelo contrário, acentuam ainda mais as rivalidades e conflitos. A população haitiana quer é o desarmamento das gangues de Aristide e da frente armada. Os militares estrangeiros não vão resolver problemas como a miséria, a fome ou a falta de eletricidade. Queremos nos organizar de forma autônoma e soberana. A comunidade internacional nos transforma em um país dependente. As tropas, agora lideradas por um general brasileiro, estão defendendo os interesses dos Estados Unidos, e não de meu povo.

PERU

Polícia reprime professores em greve da Redação Mais de 30 pessoas ficaram feridas em um confronto entre professores grevistas e policiais, em Ayacucho, no Peru, antigo reduto do grupo Sendero Luminoso. A população do município se solidarizou com os professores e saiu às ruas para protestar. Na revolta, a fachada do Hotel San Francisco, de propriedade do prefeito local, e alguns prédios públicos foram queimados. Os professores estão em greve indefinida desde 21 de junho, reivindicando aumentos salariais. O confronto começou quando a polícia decidiu despejar à força os grevistas de três prédios ocupados, desde dia 3, para pressionar a negociação. Um dos principais líderes da greve, Robert Huaynalaya, acusa os policiais de assassinarem dois professores. O governo não reconhece a denúncia. A repercussão obrigou o presidente Alejandro Toledo a convocar o ministro do Interior a intervir na questão.


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INTERNACIONAL IRAQUE

Sadam Hussein está de volta ao palco

Ferry Biedermann de Bagdá (Iraque)

D

ois dias depois que as forças de ocupação do Iraque entregaram o poder a um governo nacional interino, o ex-presidente Sadam Hussein encarou um juiz iraquiano, dia 30 de junho. Um dia depois, junto com outros 11 altos funcionários de seu regime, ouviu as acusações que serviram de palco para a invasão de tropas estadunidenses, em março de 2003. “Sei o que quero que façam a Sadam: que o prendam por toda a vida em um cela, como símbolo do mal”, disse Faraj Hafez, presidente da Liga de Presos Políticos Iraquianos. Assim como outros ex-prisionieros do regime de Hussein, ele está entusiasmado com o julgamento, apesar da previsão de que se passem meses para o início do processo. Por outro lado, os possíveis advogados do ex-presidente contestam as evidências. “Sadam Hussein ainda é o presidente legítimo do Iraque”, disse o advogado Mohammed Rashdan. Osama Ghazzawi, sócio de Rashdan, anunciou que a defesa questionará a legalidade do procedimento, ao considerar que a invasão foi claramente ilegal por não ter sido avalizada pelo Conselho de Segurança da ONU. Integrante de uma equipe de 20 juristas, Ghazzawi duvida que Hussein receba um julgamento justo no Iraque. “Será um espetáculo e tememos por nossas vidas”, afirmou. Os advogados defendem um tribunal internacional

France Presse

Entrega do poder a um governo interino e início do julgamento do ex-presidente acirram divisão interna do Iraque

Defensores de Sadam apontam que a transferência de custódia é vazia, assim como a atual soberania do Iraque

e consideraram que a transferência da custódia de seu cliente “é vazia e insignificante, tanto quanto a denominada entrega da soberania” do país a um governo nacional interino. Por outro lado, o líder xiita Moqtada al Sadr afirmou que continuará a resistir à “opressão e ocupação” e chamou o novo governo interino iraquiano de “ilegítimo”. “Nós pedimos ao povo e ao mundo

que continuem a resistir à opressão e ocupação até nossa última gota de sangue. Resistência é um direito legítimo e não um crime para ser punido”, disse.

DESVIO DE DINHEIRO A transferência de poder a um governo interino e o julgamento de Hussein não conseguiram desviar a atenção pública de mais um escândalo: 30 bilhões de dólares em

vendas de petróleo iraquiano desapareceram de fundos controlados pela coalizão que ocupa o Iraque, sem serem usados na reconstrução do país. A denúncia é da organização humanitária britânica Christian Aid, para quem a Autoridade Provisória da Coalizão (APC), máxima instância da ocupação do Iraque encabeçada pelos Estados Unidos, se dissolveu e entregou a soberania nacional a um governo interino sem

prestar contas apropriadas do destino desse dinheiro. Organizações não-governamentais, há meses, se queixam da falta de transparência no manejo dos fundos supostamente destinados à reconstrução por funcionários estadunidenses e iraquianos. “Durante todo o ano em que a APC esteve no poder no Iraque, foi impossível determinar com precisão o que esta entidade fez com o dinheiro iraquiano”, disse Helen Collinson, diretora de políticas da Christian Aid. A resolução 1.483 do Conselho de Segurança estabelece que os ganhos com a venda de petróleo iraquiano sejam depositados no Fundo para o Desenvolvimento do Iraque. O dinheiro, segundo a resolução, deveria ser empregado em benefício do povo iraquiano. Além disso, deveria ser submetido a auditorias independentes. Mas, somente em abril foi designado um auditor, o que deixava um prazo de poucas semanas para ordenar os livros, segundo a Christian Aid. A organização está preocupada com o fato de a entrega do poder a um governo iraquiano impeça o rastreamento do dinheiro, e assim, chamar à responsabilidade a Autoridade Provisória da Coalizão. A Christian Aid comparou a falta de auditoria do dinheiro do petróleo com a abundante informação disponível sobre como foram gastos 18,4 bilhões de dólares pagos pelos contribuintes estadunidenses na operação militar no Iraque. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

ISRAEL/PALESTINA

Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ) Yael Dayan, vice-prefeita de Tel-Aviv e militante do grupo Paz Agora, fez uma visita não-oficial ao Brasil, para falar sobre as possibilidades de israelenses e palestinos alcançarem a paz. Diplomaticamente, manteve a crítica à política linha-dura do primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, ao mesmo tempo em que defendeu a proposta de Israel, de retirada dos palestinos da Faixa de Gaza. Filha do general Moshe Dayan, Yael deu sua receita para o processo de paz: o retorno de seu país às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a criação de um Estado palestino. Antes de participar da filmagem de um documentário, dirigido pelo cineasta Silvio Tendler, ela falou ao Brasil de Fato. Brasil de Fato – Os que criticam a política de Ariel Sharon muitas vezes são chamados de antisemitas. O que a senhora acha disso? Yael Dayan – Onde quer que eu vá, judeus e não-judeus dizem estar sendo terrivelmente acusados de anti-semitismo, por criticarem o governo de Israel. Eu respondo: esqueçam! Essa é uma paranóia da diáspora dos judeus fora de Israel BF – Depois de anos de ódio, é possível alcançar a paz? Yael – Israelenses de esquerda, de direita ou de centro, palestinos, os Estados Unidos, todos concordam com o fim da ocupaAcordo de Genebra – Acordo informal de paz entre israe-lenses e palestinos, firmado em dezembro de 2003 por representantes não-oficiais dos dois lados. Guerra dos Seis Dias – Ação realizada em junho de 1967, quando Israel rompeu um acordo internacional e ocupou a totalidade do território palestino.

Mário Augusto Jakobskind

Vice-prefeita de Tel Aviv aposta num acordo de paz Quem é Yael Dayan, 65 anos, é filha do general Moshe Dayan, que foi ministro do Exterior de Israel no governo Menachem Begin. Viceprefeita de Tel-Aviv, ela milita no Grupo Paz Agora.

mãos das colônicas, estamos nas mãos do Hamas.

ção, com a remoção de todas as colônias e assentamentos, e com a criação do Estado Palestino. Isso é um consenso. BF – Então, por que não acabam com essas colônias? Yael – Ninguém pode imaginar que a ocupação será eterna. O primeiro passo é terminar com a ocupação, mas toda vez que nós caminhamos nessa direção, o Hamas intervém. Mais que nas

BF – Mas, se os israelenses querem a paz, por que votam em Sharon? Yael – Estamos nas mãos dos terroristas. Se, no dia das eleições, ou antes delas, houver alguma explosão, esse ato só fortalecerá Sharon. A paz não será alcançada enquanto houver ocupação, e a ocupação não vai terminar enquanto não evacuarmos todas as colônias e voltarmos para as fronteiras de 1967. Depois de 37 anos de ocupação israelense, o que tem que ser feito será unilateralmente. Infelizmente, o terror só

vai passar como resultado e não como pré-condição da paz. BF – Tentando justificar a política de Sharon contra os palestinos, setores direitistas afirmam que a existência de Israel corre perigo. Yael – Nunca fomos tão fortes quanto somos hoje e chegamos aos limites do poder. Ficamos completamente confusos sobre a força de Israel, porque ainda assumimos o papel de vítima, o que não é verdade. Fomos vítimas no passado, temos a memória coletiva de uma tragédia muito grande, mas que não é um álibi para nossas ações de hoje. A única coisa que está em perigo em Israel é a qualidade de vida e de nossos valores. BF – O que tem sido feito de concreto pela paz? Yael – Trabalho com os grupos dos territórios palestinos e em Gaza, realizando atividades e iniciando o diálogo. Há três semanas, reunimos perto de 250 mil pessoas, ligadas ou não a partidos, que pediram o fim da ocupação israelense e a abertura

de negociações diretas com os palestinos. Dissemos sim à paz. Mas o primeiro estágio é dar suporte à decisão do primeiroministro Ariel Sharon de evacuar a Faixa de Gaza. Isso não vai trazer o acordo final de paz, mas é importante apoiar. Talvez seja a primeira vez que poderemos dar esperança aos palestinos. Quando o primeiro ônibus, carro ou bicicleta passar com os primeiros colonos de volta para casa, vou recebê-los com flores. BF – Como fica a questão do retorno dos palestinos às áreas de onde foram expulsos em 1948? Yael – O Acordo de Genebra pela primeira vez ofereceu uma resposta aos problemas dos palestinos. Temos de reconhecer a nossa responsabilidade mas é impossível recolher todos os refugiados de 1948 e de 1967. O acordo fala de compensação financeira e da reabilitação dos palestinos que desejem retornar à Palestina. Mas temos de ser realistas: os lares de 1948 não existem mais. (Colaborou Débora Motta)

FRANÇA

Liberada privatização de consórcio energético da Redação Passando por cima da dura oposição dos sindicatos, a Assembléia Nacional da França abriu caminho para a privatização parcial do consórcio energético Electricité de France (EDF) e Gás da França. A abertura se deu depois que a Câmara de Representantes decidiu, em primeira votação, pela conversão da empresa em sociedade anônima. Imediatamente, os sindicatos chamaram uma mobilização pela

retirada do projeto no Congresso. Cortaram temporariamente o fornecimento de energia a algumas empresas e instituições, entre elas a fábrica de aviões Dessault, e bases militares. O porto de Marsela também foi afetado. Centenas de sindicalistas realizaram uma manifestação em frente ao Parlamento, para protestar contra a decisão dos parlamentares, e contra o governo, pelos planos de abrir as companhias ao capital privado. As ações já são consideradas as maiores mobilizações trabalhistas do setor energéti-

co desde 1986. “Na República, nenhuma violência é contraposta ao Parlamento”, disse o primeiro-ministro francês Jean Pierre Raffarin, ao recusar um acordo com os sindicatos. Com a reforma dos estatutos da EDF, a França cumpre uma exigência das autoridades européias, de defesa da competência energética. Além disso, o governo se propõe a privatizar até 30% do capital da empresa, a partir de 2005. Os sindicatos temem uma desestabilização com o fornecimento

de energia elétrica e desvantagens sociais se o capital privado chegar à EDF, empresa controladora da Light no Brasil. Eles contam com o respaldo de partidos de esquerda, que tentam frear o debate parlamentar com mais de dois mil pedidos de modificações. O chefe da distribuidora de energia RTE, André Merlin, se referiu à mais dura batalha sindical desde 1986, já que os sindicatos se encontram sob a pressão das bases, favoráveis a ações mais duras. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Petroleiras são cúmplices de crise no Sudão Marilene Felinto da Redação

Fotos: Nigrizia

Descoberta de jazidas acirrou conflito étnico entre norte muçulmano e sul do país, que é cristão e animista SUDÃO

Localização: Nordeste da África Nacionalidade: sudanesa Cidades principais: Cartum (capital), Omdurman, Cartum do Norte, Kassala Línguas: árabe (oficial), inglês, dinka, nauer entre outras Divisão política: 26 Estados Regime político: república militar islâmica População: 39 milhões Moeda: dinar sudanês Religiões: islâmica (70,3%), religiões tradicionais, cristã Hora Local: +5 Domínio internet: .sd DDI: 249

N

Organização das Nações Unidas obteve do governo sudanês promessa de desarmamento de milícias de Darfur (acima) Egito

Líbia

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Chade

lho

e erm

Hassan al-Bashir de apoiar as milícias. O governo nega qualquer cumplicidade nos ataques das milícias e diz que os grupos em guerra estão disputando terra e as escassas fontes de água. A cultura sudanesa, muito distinta no norte e no sul, é uma síntese entre a tradição islâmica e a negra. Políticas como a implantação da lei islâmica, a “sharia”, em 1991, aumentaram a resistência no sul do país, cuja população é majoritariamente animista ou cristã. O Movimento de Libertação do Sudão (MLS) e o Movimento para a Justiça e Eqüidade (MJE) lideram, há 16 meses, uma revolta dos povos negros Fur, Massalite e Zaghawa, de Darfur, que se queixam

Ma

este momento, o centro do conflito no Sudão é o Estado de Darfur, localizado no oeste desse país que está em guerra civil desde 1983. No entanto, a situação em Darfur é apenas reflexo do que já vinha acontecendo na região sul sudanesa. Segundo documento da Human Rights Watch (HRW), organização de defesa dos direitos humanos com sede nos EUA, divulgado em novembro de 2003, o governo sudanês bombardeou impiedosamente a população civil sob o pretexto de liberar terras para a exploração das jazidas de petróleo. O relatório da Human Rights Watch acusa companhias petroleiras transnacionais de saberem dos ataques e se omitirem. Segundo o documento, “o governo sudanês utilizou as estradas e pistas de aterrissagem construídas pelas companhias petrolíferas para lançar ataques contra civis”. De acordo com agências de notícias internacionais, situação parecida acontece agora em Darfur. A população repete histórias semelhantes: de aviões e helicópteros que chegam e bombardeiam suas aldeias e outros alvos civis como hospitais, igrejas, escolas e bases para a assistência humanitária. Depois, milicianos do grupo árabe chamado Janjaweed, armados de revólveres e espadas, chegam a cavalo e a camelo queimando, roubando, estuprando e matando. O conflito em Darfur já criou mais de um milhão de refugiados no interior do próprio país e a fuga de outras 300 mil pessoas para o vizinho Chade e seus desertos inóspitos. Grupos de direitos humanos acusam o governo do general Omar

Darfur Cartum Kas

Eritréia

SUDÃO

Kalleck Etiópia República Centro-Africana Rep. Dem. do Congo

Quênia

também de serem negligenciados e marginalizados pelo governo de Cartum, capital sudanesa. A descoberta de jazidas de petróleo no sul só serviu para impulsionar a

guerra. A fórmula para distribuir a riqueza procedente do petróleo é uma das questões pendentes nas conversações de paz entre o governo e o rebelde Exército Popular de Libertação do Sudão (EPLS). Segundo a Human Rights Watch, 60% dos 580 milhões de dólares recebidos em 2001 como receita do petróleo foram gastos pelo Exército sudanês para compra de armas no estrangeiro e incrementação de uma indústria armamentista própria.

Etnias bastante diferentes compõem a população sudanesa. Os núbios vivem no norte, os árabes na porção central e o sul é habitado por povos nilóticos e sudaneses, de raça negra. Apenas metade da população utiliza o árabe, a língua oficial, e falamse no país outras cem línguas. O grupo religioso dominante é o dos muçulmanos sunitas. Menos de 20% professam crenças africanas tradicionais, e menos de dez por cento são cristãos. No final de junho, o secretáriogeral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, esteve em vários campos de refugiados em Darfur e no Chade, numa visita que teve como objetivo pressionar o governo de el-Bashir a pôr um fim nos conflitos e desarmar a milícia Janjaweed. Annan chamou o conflito de a pior crise humanitária do mundo, e disse que beira o genocídio ou a “limpeza étnica”. Segundo o secretário, a comunidade internacional deve preparar-se para intervir caso o governo Cartum não chegue a assegurar proteção aos civis sudaneses.

Um milhão de refugiados perambulam pelo país Gustavo Capdevila de Genebra (Suíça) Diante da gravidade da crise que ameaça dois milhões de pessoas na região sudanesa de Darfur, os governos destacam a premência da ajuda humanitária, enquanto as organizações não-governamentais também reclamam urgente proteção dos civis. Alguns especialistas estimam que, na melhor das hipóteses, mais de 300 mil pessoas morrerão devido à violência ou à fome. A Anistia Internacional, agência líder em matéria humanitária, com sede em Londres, responsabiliza as Janjawid, milícias apoiadas pelas Forças Armadas do Sudão, pelas maciças violações de direitos humanos contra a população civil de Darfur. Por sua vez, a Human Rights Watch (HRW, com sede nos Estados Unidos) afirma que em Darfur se perpetua uma campanha de “limpeza étnica” promovida pelo governo sudanês contra três comunidades radicadas na região. O resultado dessas perseguições deixa em situação de grave risco aproximadamente dois milhões de pessoas, um terço da população total da localidade, resumiu o escritório de ajuda humanitária da Comissão Européia (órgão executivo da União Européia), conhecida pelas siglas em inglês (ECHO). Entre 705 mil e um milhão de refugiados internos perambulam pelo Sudão (país com cerca de 39 milhões de habitantes) e outros 110 mil cruzaram a fronteira com destino ao Chade, disse aos jornalistas Constanza Adinolfi, diretora da ECHO. Os investigadores da Anistia Internacional estabeleceram que os deslocamentos forçados de comunidades rurais de Darfur são provocados por uma ação sistemática e bem

Campo de refugiados na fronteira Sudão-Chade; população é vítima de saques e massacre da milícia árabe Janjaweed

organizada de saques e destruição das aldeias, disse Liz Hodgkin, representante da organização. Em Darfur não se assiste a um simples problema de algum tipo de conflito étnico espontâneo, advertiu o diretor-executivo da HRW, Kenneth Rooth. Pelo contrário, o governo de Cartum apóia as atrocidades étnicas com o propósito de “limpar a região de três grupos étnicos de origem africana”, afirmou. Segundo a organização, as comunidades africanas não-árabes dos povos fur, masaalit e zaghawa, em sua maioria formada por agricultores sedentários, são alvo dos ataques de aproximadamente 20 mil Janjawid, milicianos originários de povos árabes nômades, que são armados e uniformizados pelo governo sudanês. A composição étnica do Sudão

é muito complexa, com mais de 500 grupos, alguns de ascendência árabe, sobretudo no norte e centro do país. O governo central está controlado por setores árabes muçulmanos.

QUESTÃO HUMANITÁRIA A questão humanitária do problema foi examinada no início de junho, em Genebra, durante uma reunião de delegados de países doadores com funcionários do sistema internacional. Todos os especialistas concordam que Darfur representa atualmente a crise humanitária mais grave no mundo. O coordenador da ajuda de urgência da Organização das Nações Unidas, Jan Egeland, estimou em 236 milhões de dólares as contribuições necessárias no que resta deste ano para atender às necessidades ur-

gentes das comunidades de Darfur e dos refugiados no Chade. Esses fundos se destinariam a alimentos, saúde, abrigo, agricultura, água potável e saneamento, além de educação e proteção dos direitos humanos das populações afetadas. Egeland identificou entre os afetados mais de um milhão de refugiados internos, cerca de cem mil pessoas que acolhem esses grupos e aproximadamente 150 mil refugiados que abandonaram o Sudão em busca de segurança no Chade. Outros 700 mil a 800 mil se somarão no final deste ano à população severamente afetada pelo conflito, previu o funcionário da ONU. Uma perspectiva mais sombria foi descrita pelo administrador da agência de desenvolvimento internacional dos Estados Unidos, An-

drew Natsios. No melhor dos casos, sob ótimas condições, poderemos ter a morte de aproximadamente 320 mil pessoas, disse o representante de Washington. E se as circunstâncias não forem favoráveis, a quantidade de mortos será maior, acrescentou Natsios. O secretáriogeral da ONU, Kofi Annan, havia advertido em abril a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas que em Darfur se incubava o perigo de um novo genocídio, como o ocorrido há uma década em Ruanda. Egeland ressaltou que a situação pode se complicar ainda mais nas próximas semanas, quando tiver início a estação das chuvas na região. Outro obstáculo está nas travas que Cartum coloca à ação de organizações internacionais e agências não-governamentais, disse James Morris, diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos. Para impedir que a fome se espalhe mais, necessitamos sem demora que o governo suspenda as restrições que impedem a atividade de várias organizações não-governamentais, afirmou. A única agência independente que recebeu autorização para atuar no país é a britânica Oxfam, acrescentou Morris. As autoridades internacionais e os governos doadores exigem que as autoridades sudanesas garantam um clima de segurança no país. Isso significa que o governo terá de trabalhar com maior firmeza para controlar e desarmar as milícias Janjawid e deter a violência, ressaltou Morris. Na reunião de doadores e organismos internacionais, Natsios anunciou que Washington destinará188,5 milhões de dólares à ação humanitária em Darfur, esclarecendo que a quantia será entregue durante os próximos 18 meses. (IPS/Envolverde www.envolverde.com.br)


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AMBIENTE EUCALIPTO

Monocultura espera apoio internacional Erick Schunig de Vitória (ES)

M

esmo que nações poluidoras, como os Estados Unidos, não tenham assinado o Protocolo de Kioto (veja o quadro ao lado), já existe uma grande expectativa por parte dos governos de países subdesenvolvidos em relação aos Mecanismos de Desenvolvimento Limpos (MDL) — que consistem em financiamentos, de países ricos para países pobres, de projetos de desenvolvimento sustentável, com o objetivo de compensar as emissões de gás carbônico dessas potências. No Brasil, empresas ligadas ao plantio de eucalipto pretendem se valer desses financiamentos para expandir suas áreas, mesmo estando sob acusação de impactar o ambiente. É o caso da empresa Plantar, interessada em utilizar uma área com mais de 23 mil hectares nos municípios de Felixlândia e Curvelo, em Minas Gerais. Lideranças comunitárias e organizações nãogovernamentais (ONGs) responsabilizam essa empresa pela seca em nascentes de rios e córregos, o que está causando o desaparecimento da fauna e flora nativa. De acordo com Synara Thomas, liderança comunitária do distrito de São João do Buriti, localizado em Felixlândia, o plantio de eucalipto já equivale a um terço do município e trouxe sérios problemas socioambientais: foram extintas três nascentes do Rio São Francisco e a fauna local está morrendo. O plantio de eucalipto da Plantar visa a fabricação de carvão vegetal para o setor siderúrgico e, de acordo com Synara, apesar das denúncias ao Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, sobre o plantio de eucalipto a menos de 30 metros de nascentes e córregos, até agora nada foi feito. “Se esse plantio aumentar, provavelmente mais córregos vão secar”, afirma ela. O advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade mineira de Curvelo, Geraldo Armando, também denuncia que a Plantar utiliza agrotóxicos sem nenhuma proteção para a saúde do trabalhador. Entre as péssimas condições de trabalho desses operários relatadas no sindicato, Armando destaca até agressão física por parte de funcionários da empresa.

EFICIÊNCIA QUESTIONADA Não existe consenso da ciência em relação à eficiência dos MDLs, na opinião de Winfried Overbeck, técnico da Federação de Órgãos Para Assistência Social e Educacional (Fase). Ele diz que alguns cientistas estão tentando provar que existe outra forma de reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera por mecanismos como o plantio de árvores. Mas, mesmo com o plantio, os países ricos vão continuar a emitir poluentes na atmosfera e, mais cedo ou mais tarde, o carbono acumulado pelas árvores, como o eucalipto, vai ser liberado a partir do corte. “O cálculo em que os cientistas se apóiam para a diminuição do gás carbônico não leva em conta que os eucaliptos serão utilizados para a fabricação de carvão para a siderurgia, como no caso da Plantar. Eles só levam em conta o processo de fixação, que é temporário”, explica. Overbeck aponta outra contradição relacionada aos MDLs: o objetivo é manter o atual padrão de desenvolvimento, com elevados níveis de consumo e produção. “Corremos o risco de ter aumento do gás carbônico”, argumenta.

APOIO DO GOVERNO Apesar das denúncias, o governo federal tem grande expectativa em projetos desse tipo. A questão dos MDLs e do mercado de

Erick Schunig

De olho nos financiamentos externos para projetos sustentáveis, empresa poluidora quer expandir sua área de plantio O MAPA DA POLUIÇÃO 120 países já ratificaram o Protocolo de Kioto (posição em 26.11.03) Os países desenvolvidos que já ratificaram o Protocolo representam apenas 44,2% das emissões de gases de efeito estufa º Os maiores emissores de gases de efeito estufa no planeta são: EUA — 36,1% (não ratificou o protocolo) Rússia — 17,4% (não ratificou o protocolo) Juntos — 53,5% das emissões Fonte: assessoria de comunicação do Ministério da Ciência e Tecnologia

Cerca da várzea aterrada pela Plantar para fazer desvio da estrada para localidade onde mantém viveiro

carbono está sob análise de uma comissão formada por integrantes dos ministérios do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia e das Relações Exteriores. Na opinião do secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Nelson Barboza, apesar do sistema de créditos de carbono ainda não estar definido em termos internacionais, tudo leva a crer que é um processo irreversível. Mesmo assim ele reconhece que há dúvidas e muitas forças contrárias à expansão do plantio de eucalipto visando o comércio de créditos de carbono. Para o coordenador-geral de mudanças do clima do Ministério da Ciência e Tecnologia, José Miguez, existe um preconceito em relação ao plantio homogêneo, como o do eucalipto. Ele tem conhecimento das críticas feitas contra a Plantar e disse que o projeto ainda está sendo analisado pelo governo, mas acredita que as denúncias provenientes de ONGs são de caráter “ideológico”. O economista representante do Banco Mundial nesse assunto, Werner Kornexl, acredita que, mes-

O impacto ambiental começa pela seca em nascentes e pode chegar à extinção da fauna

mo sem a aprovação do Protocolo de Kioto por grandes poluidores, os créditos de carbono vão ser adquiridos pelas partes interessadas. Para Kornexl, o projeto da Plantar é viável porque já tem um certificado de manejo florestal emitido pela organização certificadora Forest Stewardship Council (FSC).

FEIRA INTERNACIONAL No mês de junho, aconteceu a primeira feira de comércio de créditos de carbono, em Colônia, na Alemanha. De acordo com Kornexl, o mercado interno europeu já aceita projetos de MDL como instrumentos para diminuir as emissões de empresas européias. As empresas que estão negociando os chamados créditos de carbono, como a Plantar, parecem tranqüilas em relação aos rumos desse mercado. Segundo Fábio Marques, representante da Plantar, o projeto faz parte do fundo protótipo de carbono do Banco Mundial e pode ser afetado se o Protocolo não entrar em vigor. Porém, ele lembra que alguns Estados dos EUA e a União Européia estão criando seus próprios esquemas de redução de emissões de gases de efeito estufa — portanto, o risco de que esse mercado não se desenvolva é muito pequeno. Essa tranqüilidade não é compartilhada por integrantes de entidades ligadas aos trabalhadores da região. Uma das diretoras do Sindicato dos Trabalhadores de Curvelo, Grace Borges, esteve na feira com o objetivo de alertar os investidores sobre esses impactos e se surpreendeu ao ver representantes dos ministérios de Relações Exteriores e do Meio Ambiente defenderem a Plantar, inclusive distribuindo panfletos da empresa durante o evento. Marques ressalta que somente um terço dos créditos gerados pelo projeto da empresa será florestal ou temporário. Ele diz que a Plantar recebeu certificação do FSC e já houve diversas auditorias e audiências públicas feitas pelo FSC e pelo banco Mundial, com e sem representantes da empresa. A empresa, segundo garante Marques, permanece aberta ao diálogo, especialmente com a comunidade local.

O atraente negócio dos carbonos

A preocupação do mundo em relação às mudanças no clima levou vários países a se reunirem na cidade japonesa de Kioto, em 1997, com o objetivo de encontrar alternativas para os problemas causados pela emissão de gás carbônico na atmosfera. O documento elaborado durante o encontro, chamado de Protocolo de Kioto, prevê iniciativas para melhorar as condições climáticas

do planeta. Uma dessas iniciativas são os Mecanismos de Desenvolvimento Limpos (MDL), projetos de desenvolvimento sustentável nos países subdesenvolvidos, financiados com recursos de países ricos. O objetivo é compensar as emissões de gás carbônico dos países ricos, maiores poluidores do planeta, por meio de mecanismos que permitam a acumulação de carbono, como por exemplo o

plantio de árvores. Projetos dessa linha gerariam, segundo o Protocolo de Kioto, créditos para os países desenvolvidos – descompromissados de reduzir as suas emissões, esses países se comprometeriam em financiar projetos de milhões de dólares em países como o Brasil, que não estão entre os maiores emissores de poluentes na atmosfera. Esse tipo de iniciativa atrairia investimen-

tos externos para países pobres, gerando um mercado lucrativo para empresas que atuassem na área de meio ambiente, como por exemplo, nos setores energético, de transporte e florestal. Além das grandes quantias envolvidas nesse mercado de crédito de carbono, os defensores dessa iniciativa alegam que diminuirá a dependência de combustíveis fósseis nos países em desenvolvimento.

ANÁLISE

Lógicas, transgênicos e serviços ambientais

Sílvia Ribeiro da Cidade do México (México) Em reportagem do jornal mexicano La Jornada, de 26 de junho, o titular da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Semarnat), Alberto Cárdenas, propõe uma “abertura gradual aos transgênicos” com “zonas de proteção para os tipos de milho mexicano”, segundo a lógica de “trabalhar adequadamente com a biotecnologia, para converter o cultivo de milho em um empório no país de onde se originou o grão”. Só que o México não teve nem vai ter uma “abertura gradual” aos

transgênicos: foi violentamente invadido, contaminando muitos tipos de sementes que deveria proteger e não apenas em Oaxaca, mas em muitos outros Estados, como por exemplo em Puebla, onde o Instituto de Ecologia da Semarnat encontrou contaminação desde 2001. Posteriormente, integrantes de comunidades campesinas e indígenas, junto com organizações da sociedade civil encontraram contaminação de milho nativo em pelo menos nove Estados “no Centro, no Norte e no Sul do país”. Possivelmente também existe em outros Estados, mas não sabemos por que não há provas ou por que, intencionalmente, não fo-

ram divulgados os resultados. Não se reconhecem as cifras existentes, mas sem nenhum dado da realidade que se sustente, alega-se que os transgênicos seriam necessários para aumentar a produção porque “se bem queremos que (os camponeses) continuem cultivando o milho, como fazem agora, nunca vão sair da pobreza”, afirma Cárdenas. Sem dúvida, os camponeses têm outra opinião: sabem que o seu milho está contaminado, por isso em todos os fóruns onde se reúnem para analisar esse problema exigem que sejam interrompidas as importações de milho dos Estados Unidos. Promover a apresentar os trans-

gênicos como alternativa, no lugar do que realmente são, um grave problema, não favorece senão a poucas transnacionais que os controlam, aceitando, na prática, a privatização dos cultivos camponeses mediante as patentes e o controle monopolizante do mercado. (Leia a íntegra deste artigo no portal América Latina em Movimento, www.alainet.org/docs/6367.html) Sílvia Ribeiro é pesquisadora do ETC, grupo dedicado à conservação e ao desenvolvimento sustentável de diversidades culturais e ecológicas, e dos direitos humanos


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DEBATE

Marina Silva

N

a década de 60, uma grande mudança tecnológica e metodológica marcou a história da agricultura no mundo. Os resultados prometidos eram tão significativos que ficou conhecida como “revolução” – a Revolução Verde. Até hoje, ela é objeto de discussões e polêmicas em torno de seu custo-benefício social, econômico e ecológico. Mais de 40 anos depois, ela nos faz lembrar que, diante de inovações tecnológicas que num primeiro momento mostram-se extremamente atrativas do ponto de vista da produção, há sempre um conjunto de outros fatores que nos remetem a avaliações e cuidados que devem ir além do curto prazo. Fatores esses que envolvem questões sociais e ambientais, cuja complexidade demanda atitudes indispensáveis de mediação por parte do Estado, frente à lógica própria do mercado. Nesses tempos de polêmica sobre os transgênicos, nunca é demais pensar nas responsabilidades do Estado frente a estratégias mercadológicas alavancadas por tecnologias novas e importantes, porém em estágios de desenvolvimento que, se apontam horizontes muito promissores de um lado, de outro mantém uma razoável zona de incertezas sobre os efeitos de sua aplicação. O governo do presidente Lula constrói sua política para os transgênicos a partir de cautelas necessárias. Não se trata de uma suposta atitude ideológica ou obscurantista diante de conquista científica e inovação tecnológica. Inexistem razões para sermos ideologicamente contra os transgênicos. Mas existem razões de sobra para adotar cuidados na avaliação de todos os componentes que devem informar a decisão de adotá-los ou não no país.

Fatos e responsabilidades Diante da magnitude do interesse social, econômico e ambiental envolvido, não há porque nos curvarmos à ansiedade do mercado. E nem podemos manter a estratégia de dubiedade que marcou o trato do problema no governo anterior, gerando impasses que estão sendo enfrentados neste primeiro semestre da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sendo coerente com uma de suas diretrizes – a transversalidade – o governo criou uma Comissão Interministerial encarregada de, à luz do Princípio da Precaução, avaliar e apresentar propostas para tornar efetiva a ação governamental, harmonizar a legislação que trata das competências dos órgãos e entidades federais e tratar de outros temas relacionados à biossegurança da manipulação e uso de organismos geneticamente modificados (OGMs). Essa nova estratégia para abordar e resolver os inúmeros desdobramentos do caso transgênicos supõe coragem para enfrentar ataques e pressões, e seriedade para negociar abertamente, levando em conta todos os interesses legítimos envolvidos. Está baseada, além do já citado Princípio da Precaução, na formação de consenso entre os vários ministérios que se ocupam do tema. Em relação às plantas transgênicas, é possível afirmar que o conhecimento científico, no seu estágio atual, não possibilita prever os efeitos decorrentes da sua utilização na saúde, no ambiente e nas diferentes facetas da cadeia produtiva. Isso significa que estamos longe de entender adequadamente todas as implicações da utilização dos transgênicos, fato que, por precaução, nos induz a uma posição de redobrada responsabilidade. As preocupações relativas à segurança da liberação no meio

ambiente de transgênicos são pertinentes e não podem ser ignoradas ou subavaliadas. Se, por um lado, o uso dessas técnicas acenam para a resolução de problemas e para o desenvolvimento de novos e inúmeros produtos, por outro, trazem embutidas questões que precisam ser corretamente dimensionadas, tendo em vista o interesse da sociedade brasileira presente e futura. POSIÇÃO DO GOVERNO

Por esse motivo, está consolidado, no âmbito do governo, o entendimento de que é necessário o licenciamento ambiental dos transgênicos, requisito indispensável para atividades ou empreendimentos potencialmente causadores de significativo impacto ambiental. O Licenciamento Ambiental, conforme previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (nº 6.938/81), foi especificamente normatizado para organismos transgênicos pela Resolução 305/02. Aprovada pelo Conama, após ampla consulta aos diversos setores da sociedade, a resolução está baseada nos dispositivos legais e nos princípios da Precaução, da Participação Pública, da Publicidade e da Garantia de Acesso a Informação. Nesse contexto, os Estudos de Impacto Ambiental, um dos instrumentos do Licenciamento, apresentam duas importantes características. De um lado, permitem que a análise de risco tenha caráter técnico-científico, com base no qual o órgão ambiental toma decisões; de outro, promovem o avanço no conhecimento. Conseqüentemente, o cumprimento da legislação promove a realização de novas pesquisas. A precaução do Ministério do Meio Ambiente em relação aos transgênicos decorre, também, das lições do passado. Uma vez

mais, os maiores prejudicados pelo uso e pela manipulação desses produtos são aqueles que não participam da tomada de decisões, notadamente os pequenos agricultores e os consumidores. Os custos dos impactos da utilização desses produtos são pagos pela sociedade e não pelos detentores da tecnologia. Avançar na liberação indiscriminada no meio ambiente de produtos resultantes da engenharia genética sem as devidas precauções, já previstas na legislação, é uma temeridade, uma vez que o cultivo de plantas transgênicas poderá provocar a disseminação de transgenes, cujos efeitos, particularmente sobre os componentes da biodiversidade, são difíceis de estimar e podem tornar-se irreversíveis. Entendemos que os cultivos transgênicos poderão vir a ser adotados futuramente em nosso país; não há contra eles, de parte do governo, uma posição ideológica, que poderia ser vista como obscurantista. Ao contrário, somos favoráveis à pesquisa sobre OGMs no Brasil, dentro da realidade ecológica de nossos biomas. Quando há razões para suspeitar de ameaças de sensível redução ou de perda de biodiversidade ou, ainda, de riscos

à saúde, a falta de evidências científicas não deve ser usada como razão para evitar a tomada de medidas preventivas ou para se curvar ao fato consumado. Estudos conduzidos em outros países, cuja biodiversidade é profundamente diferente da nossa, em geral mais pobre, devem ser utilizados com a devida cautela. Assim, por se tratar de nova tecnologia e considerando as incertezas em face do reduzido conhecimento científico a respeito dos riscos de OGMs, torna-se indispensável que a liberação de plantas transgênicas para plantio e consumo, em larga escala, seja precedida de uma análise criteriosa de risco e licenciamento ambiental, respaldada em estudos científicos, conforme prevê a legislação vigente. Além disso, a decisão deverá levar em conta a pertinência do ponto de vista econômico, da dimensão social, da diversidade cultural, e o contexto geopolítico global. Essa é a posição do governo brasileiro e caso não fosse esse seu comportamento, poderia e deveria ser questionado pela sociedade por negligência e omissão. Marina Silva é ministra do Meio Ambiente

Márcio Baraldi

TRANSGÊNICOS

Quem precisa de biossegurança? Jean Marc von der Weid

N

esse debate nacional sobre transgênicos, o que menos se discute é biossegurança, apesar de a lei ter esse título. Habilmente, o lobby das multinacionais da engenharia genética nunca aparece na linha de frente com sua reivindicação essencial: liberação dos transgênicos para cultivo comercial sem avaliação de riscos para a saúde e para o meio ambiente. No debate na Câmara dos Deputados, o lobby colocou na linha de frente os cientistas da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), associação que se intitula de biossegurança, mas que só luta pela liberação dos transgênicos. Os cientistas choraram as pitangas acusando o Ibama de impedir as pesquisas sobre transgênicos com suas exigências burocráticas e sua lentidão. Quando o Ibama alterou suas regras para atender às exigências dos cientistas, mesmo antes da votação da nova lei, esses lobistas não ficaram satisfeitos. A nova reivindicação era de apressar a liberação comercial, pois, segundo eles, o Estado não pode gastar dinheiro em pesquisa para depois seus resultados não poderem ser utilizados. Curiosa lógica, a desses cientistas. O Estado deve facilitar as pesquisas em transgênicos com regras menos exigentes e procedimentos mais rápidos. O Estado deve financiar as pesquisas sobre

transgenia. O Estado deve liberar rapidamente o uso comercial dos transgênicos. Mas o Estado não é responsável pela segurança dos alimentos consumidos pelos cidadãos? Não é responsável pela conservação do ambiente? Não é responsável pela manutenção da soberania nacional? O que está implícito na defesa da liberação expeditiva dos transgênicos para cultivos comerciais é a crença na sua total inocuidade, tanto para o ambiente como para os consumidores. Outra crença implícita é de que esses produtos são mais competitivos que os convencionais ou os agroecológicos. Será verdade? Publicações científicas (Nature, Science, Science Biotechnology etc.) sempre citadas pelos nossos pesquisadores lobistas para afirmar a segurança dos transgênicos também afirmam que existem poucas pesquisas sobre os riscos para a saúde e para o ambiente e essas são ou “não conclusivas” ou indicam “riscos potenciais significativos”. Em outras palavras, não há consenso entre os cientistas sobre esses produtos. Por falar em riscos e atrasos na liberação de transgênicos, é bom lembrar que a decisão judicial de 1998 não proibiu o cultivo da soja RR da Monsanto. Condicionou a liberação comercial à apresentação de estudos sobre riscos ambientais e para a saúde a serem apresentados pela empresa e avaliados pelo Ibama e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária

(Anvisa). Já se passaram quase seis anos e a Monsanto preferiu recorrer da decisão e pressionar por uma nova lei mais permissiva e não apresentou qualquer estudo respondendo a essa exigência. A Monsanto deve ter deixado de ganhar alguns bilhões de dólares com a decisão judicial. Não dava para gastar alguma coisa na produção dos estudos que provassem a inocuidade de seu produto? Nesse caso, não dá para acusar os atrasos do Ibama. Estudos sobre a economicidade dos transgênicos nos Estados Unidos mostram que a soja, o milho e a canola resistentes aos herbicidas são menos produtivos e têm custos de produção maiores que seus equivalentes convencionais. O milho com efeito de pesticida para lagartas tem uma produtividade média, em seis anos da pesquisa, apenas 2,5% maior que o milho convencional; e seu custo é mais alto. Apenas o algodão com efeito pesticida sobre a lagarta tem mostrado maior competitividade econômica em algumas regiões dos Estados Unidos, mas isso é devido a uma forte incidência das lagartas nessas regiões. Essa competitividade começa bem alta, com quase 40% de vantagem, mas se reduz em poucos anos para se estabilizar em 20%. No entanto, os cientistas americanos já apontam para a tendência crescente das lagartas de adquirir resistência a esse controle. Por que os agricultores plantam um produto mais caro e menos

produtivo? O controle da oferta de sementes pelas empresas que produzem transgênicos é uma das razões. A outra é que o governo estadunidense cobre as perdas econômicas com generosos subsídios. A terceira é que os agricultores temem ser processados pelas empresas quando seus cultivos são contaminados pelos transgênicos, o que vem acontecendo freqüentemente. Isso os obriga a pagar multas pesadíssimas e a preferir plantar transgênicos quando seus vizinhos o fazem. E a soberania nacional? O argumento dos nossos cientistas lobistas é de que o Brasil não pode “ficar para trás” no uso da tecnologia e essa afirmação parece indicar que se investirmos pesado em pesquisa de transgênicos seremos independentes das empresas transnacionais. Eles “esquecem” que a tecnologia de produção de transgênicos está patenteada pelas empresas e que os “nossos” transgênicos estarão sujeitos a algo perto de 50 patentes que não são nossas. Não só teremos que pagar royalties por essas patentes como estaremos sujeitos ao direito das empresas de permitir ou não o seu uso. Onde vai parar a soberania nacional em uma produção tão estratégica como os alimentos? Finalmente, há uma questão que não tem sido sequer mencionada pelos debatedores do tema. Quem vai garantir o direito dos agricultores que não querem usar transgênicos? Nos Estados Uni-

dos a contaminação dos cultivos convencionais pelos transgênicos é um problema generalizado. A contaminação de milho convencional por um tipo de milho só aprovado para alimentação de gado resultou em um processo de retirada do mercado dos produtos contaminados que custou bilhões de dólares. Outro caso, mais grave, foi a contaminação provocada por experimentos com milho contendo produtos medicinais e que foi parar em cultivos convencionais. Na Europa, a discussão prévia a liberação dos cultivos transgênicos envolve a criação de regras de convivência entre estes e os cultivos convencionais para evitar a contaminação. É tão complicado evitar essa contaminação que as regras de convívio estão provocando a moratória, na prática, dos cultivos transgênicos. O curioso é que toda essa pressão para evitar as pesquisas sobre riscos se faz em nome da competitividade da agricultura brasileira. No entanto, estamos vendo que estamos mais competitivos que nunca, sem usar transgênicos, enquanto nossos competidores, argentinos e estadunidenses, estão investindo nessas culturas. Jean Marc von der Weid é economista da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos.


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA GOVERNO LULA: DECIFRANDO O ENIGMA Editado pelo selo Viramundo, da editora Boitempo, em parcecia com o Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e com a Fundação Rosa Luxemburgo, o livro de autoria de Laura Tavares Soares, Emir Sader, César Benjamin e Rafael Gentili, é resultado do trabalho de análise desenvolvido por eles no portal de internet “Outro Brasil” (www.lpp-uerj.net/outrobrasil). É um desdobramento do esforço para entender, a partir de uma perspectiva crítica, os rumos e as políticas aplicadas pelo primeiro governo originário da esquerda a atingir a Presidência da República. Para decifrar o governo, o livro não se concentra nas fofocas políticas, na propaganda governamental ou no sobe e desce diário dos mercados financeiros, mas em dados concretos, nas propostas que estão sendo implantadas pelo governo e nas suas conseqüências para o país no curto e no longo prazo. Dividido em quatro partes: políticas e movimentos sociais; política nacional; política internacional e política econômica, aborda assuntos que vão da reforma da Previdência ao FMI, do Fome Zero às tensões internas do PT, da autonomia do Banco Central ao MST, do desemprego ao Mercosul, traçando um painel abrangente e esclarecedor das políticas públicas – das decepções às esperanças – deste início de governo Lula. O livro custa R$ 24. Mais informações: (11) 3875-7285, 9626-2724, imprensa@boitempo.com EDUCAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA Dia 10, a partir das 19h

aditepp@aditepp.org.br, www.aditepp.org.br

PARAÍBA ENCONTRO CONTRA A ALCA, DÍVIDA E MILITARIZAÇÃO Dias 10 e 11 Durante a atividade, será rearticulada a Campanha Jubileu contra a Alca, dívida e militarização na Paraíba. Os participantes vão debater o tema “O Livre Comércio, a Dívida e Militarização... qual é nossa resposta?”, e assistirão ao vídeo Escola dos Assassinos, sobre a Escola das Américas Local: Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande Mais informações: (83) 221-5708, 9332-0345

O livro, de autoria de Edvaneide Barbosa da Silva será lançado durante a noite cultural do curso Realidade Brasileira. Editado pela editora Xamã, Educação e Reforma Agrária trata de práticas educativas dos assentados do sudoeste paulista. Local: Anfiteatro da História, Universidade de São Paulo (USP) Mais informações: (11) 5081-3939

CEARÁ CARTILHA: AS RELAÇÕES DE GÊNERO NO SEMI-ÁRIDO A cartilha traz um retrato da realidade de homens e mulheres de assentamentos de reforma agrária na região do sertão central, enfocando os municípios de Banabuiú, Quixadá, Quixeramobim e Choró. A partir da realização de oficinas de sensibilização sobre temas diversos, foram avaliados aspectos como perfil sociodemográfico; acesso ao crédito, assessoria técnica e comercialização; saúde sexual e reprodutiva; participação política e divisão sexual do trabalho. Mais informações: (85) 252-2410, esplar@esplar.org.br

Anderson Barbosa

LIVROS

DISTRITO FEDERAL CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES De 15 a 17 O evento é organizado pelo governo federal, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. A conferência será dividida em três etapas: plenárias municipais e/ou regionais, conferências estaduais e conferência nacional, tendo como tema “Políticas para as Mulheres: um desafio para a igualdade numa perspectiva de gênero”. Local: Clube do Exército, Brasília Mais informações: ww.presidencia.gov.br/spmulheres I ENCONTRO NACIONAL DA AGRICULTURA FAMILIAR De 12 a 16 O evento pretende fortalecer a agricultura familiar para a construção de um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Sustentável e Solidário (PADSS) e contribuir com a construção de ambiente nacional propício para permanentes debates e formulações entre as

PARAÍBA

organizações de representação da agricultura familiar. O encontro também busca qualificação e articulação nas intervenções em políticas públicas (em todas as esferas e poderes constituídos), organização da produção da agricultura familiar em todo o país, ampliação e consolidação da identidade da agricultura familiar. Local: Pavilhão da Expo-Brasília, Parque da Cidade, Brasília Mais informações: fetrafbsb@fetrafsul.org.br

PARANÁ ENCONTRO CIDADANIA PARTICIPATIVA Dia 10, das 9h às 17h O encontro, realizado pela Associação Difusora de Treinamentos e Projetos Pedagógicos (Aditepp), tem como objetivo expor novas práticas e possibilidades de exercício de uma cidadania participativa nas ações educativas populares e é destinado a educadores populares, profissionais liberais e instituições governamentais. Local: Aditepp, Rua Des. Westphalen, 1373, Curitiba Mais informações: (41) 223-3260

2ª PLENÁRIA ESTADUAL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS Dias 10 e 11 Durante a plenária serão discutidos os rumos dos movimentos sociais da Paraíba e a organização dos desempregados no Estado. Haverá o debate: “O Brasil Quer Trabalhar”, discussão sobre a formação da Central dos Movimentos Sociais (CMS), além de discussões sobre a campanha dos desempregados. Local: Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande Mais informações: (83) 221-5708, 9332-0345

SÃO PAULO RETRATOS RURAIS Até dia 10 Artesãos, caboclos e paisagens que dificilmente são foco de atenção da sociedade aparecem em detalhes nas 13 fotos do fotógrafo e jornalista Aray Nabuco. Local: Empório São Joaquim, R. Manuel Herculano da Silva Coelho, 225, Campinas Mais informações: (19) 3298-6966. VII SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS De 14 a 16 Realizado pela Ação Educativa, o seminário terá como tema: “Múltiplas linguagens e educação”. Durante o evento haverá conferências, apresentações artísticas e oficinas. Local: R. General Jardim, 660, São Paulo Mais informações: (11) 3151-2333, r. 153, 165, 171, seminarioeja@acaoeducativa.org, www.acaoeducativa.org


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CULTURA

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ARTES PLÁSTICAS

Nas paredes, retratos da vida e da política Aos 74 anos, Luís Ventura faz arte-denúncia e ensina arte muralista a militantes de movimentos sociais

Brasil de Fato – O senhor comentou: “Ainda bem que a esquerda está acordando para os problemas da cultura”. A esquerda estava dormindo? Luís Ventura – No mundo todo, em assuntos culturais, a esquerda Expressionismo abstrato – Movimento artístico originado nos Estados Unidos, que pregava o surgimento de uma arte “verdadeiramente” estadunidense, com forte domínio do subconsciente e negação da reflexão. Muralismo mexicano – Movimento que pregava a utilização de áreas – principalmente paredes ou “murales” – para garantir o acesso da arte à população. Inicialmente arte-denúncia do regime ditatorial de Porfírio Diaz, tornou-se expressão de movimento libertário latinoamericano.

Luís Ventura, 74 anos, é neto de imigrantes e nasceu no bairro do Cambuci, em São Paulo (SP). Artista plástico, trabalha com as técnicas de gravuras, desenho e pintura, em grandes dimensões. Entre seus trabalhos está um mural no metrô de Lisboa, em Portugal.

Fotos: Romulo Sales

A

arte deve estar a serviço de uma causa social. Quem acredita nisso é o artista plástico Luís Ventura, de 74 anos. Distante dos grandes salões de arte, o paulistano que há 26 anos vive no Rio de Janeiro tem seu trabalho reconhecido internacionalmente. “Ventura é um exemplo de coerência. Não teme ser brasileiro”, disse o escritor Bráulio Pedroso. Essa coerência se expressa na militância, que o levou a ensinar a técnica da arte muralista em oficinas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em um encontro nacional, realizado em Ribeirão Preto (SP), Ventura ajudou a preparar artistas do próprio MST, que criaram painéis apresentados nas comemorações dos 20 anos do movimento. “Alguns participantes já tinham experiência e faziam muito bem esse tipo de trabalho. Outros estavam começando. A troca de experiências serviu para que todos nós ampliássemos conhecimentos”, conta. Ventura afirma que sua obra serve para questionar. Foi para isso que abandonou a Faculdade de Direito e foi para a França consagrar-se à sua formação de pintor, escolhendo o mesmo caminho de temas nacionais e populares trilhado por dois colegas de profissão: Candido Portinari e Di Cavalcanti, com quem trabalhou. Em 2002, criou a série “2001”, composta por 11 quadros grandes e painéis, tendo como tema uma série de atos terroristas desencadeados por vários governos estadunidenses nos últimos 60 anos.

Quem é

Nestor Cozetti

Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)

Obras que compõem a Série 2001: “Hiroshima”, “3 Letras de Sangue” e “A Máfia dos Transgênicos” (em sentido horário). O artista se inspirou nos atos terroristas provocados pelas ações dos EUA

está há mais de 50 anos caminhando a reboque das idéias da direita. A esquerda não tem uma política cultural própria. É triste ver, no Brasil, governos estaduais e prefeituras administradas por partidos progressistas promoverem, em seus museus e galerias de arte, movimentos artísticos de caráter internacional, não dando a menor atenção para as correntes com raízes nas artes nacionais. Fico com esperança de uma virada ao ver o Brasil de Fato dedicar espaço para o tema. BF – O senhor criticou essa postura ao escrever que “a Bienal perfuma a bosta que do exterior nos é imposta”. Ventura – Eu falava da invenção de tendências, que foram sendo fabricadas em arte. São os “ismos” criados nas últimas décadas, no fundo uma exigência do mercado, que igual à indústria da moda na verdade não significam nada. Do ponto de vista cultural, não é nada que possa ser con-

siderado sério. Essas tendências parecem poderosas pela intensa propaganda que recebem. Mas, no fundo, são o quê? Apenas bosta efêmera colocada na cabecinha da maioria dos críticos e de muitas pessoas que circulam em torno da arte, papagaios a divulgar que esses “ismos” são a coisa mais importante do mundo. BF – Qual a origem dessas escolas em arte? Ventura – Elas têm início na década de 50, auge da guerra fria, quando a CIA, a central estadunidense de espionagem, influiu de maneira decisiva sobre inúmeras organizações culturais em todo o mundo. Usou o prestígio do Museu de Arte Moderna de Nova York e atuou com organizações como a Fundação Rockefeller e a Fundação Ford e conseguiu impor o expressionismo abstrato como a única arte representativa. Dessa forma combateu a arte de conteúdo social e o figurativismo. No Brasil, o Museu de Arte Mo-

derna de São Paulo teve papel de destaque na aplicação dessa política nefasta, principalmente pela criação da Bienal Internacional de Artes Plásticas. BF – Por que uma crítica tão contundente ao expressionismo abstrato? Ventura – Nelson Rockefeller, cofundador do Museu de Arte Moderna de Nova York, se referia ao expressionismo abstrato como “a pintura da livre empresa”. Frances Storno Saunders mostra em seu livro The Cultural Cold War (A Guerra Fria Cultural, sem tradução em português) que a combinação dos recursos econômicos do Museu de Arte Moderna de Nova York com os da Fundação Fairfield, ligada à CIA, garantiram a colaboração das mais prestigiosas galerias de arte da Europa na difusão dessa corrente estética.

BF – Do outro lado, estão os muralistas mexicanos. Ventura – O muralismo mexicano é permanente fonte de inspiração para muitos artistas. Eu me sinto profundamente tocado por esse movimento. O muralismo mexicano é a pintura mais inovadora que aconteceu nos últimos 100 anos. E pouco se fala sobre esse movimento, praticamente banido dos meios acadêmicos por seu conteúdo social. Até então, as figuras em destaque nas obras de arte eram os reis, príncipes, generais e poderosos. Os muralistas, pela primeira vez na história da arte, colocaram o povo como figura central, como herói. E o fizeram com grande dignidade numa arte revolucionária, pública e monumental. BF – Na sua opinião, há uma contradição entre o político e o cultural? Ventura – Sim. Acredito ter chegado a hora de os progressistas afirmarem que, com relação à arte, o rei está nu. Seria interessante que as organizações progressistas criassem programas para a formação de artistas e ativistas voltados para a arte como produto cultural próprio de cada povo. BF – Como isso poderia ser feito? Ventura – Vi há poucos dias, na TV Cultura do Paraná, um programa gravado em Ribeirão Preto (SP) em que focalizavam um festival de violeiros organizado pelo MST, entre outros patrocinadores. Esse festival de resgate de nossa música é um exemplo a ser incentivado e difundido. As organizações progressistas deveriam competir com garra para garantir espaço nas associações, centros culturais, galerias e museus, para tirar a arte do marasmo e do elitismo em que se encontra. É preciso fazer da arte um elemento vivo, participativo e criador, voltado para a formação de uma sociedade ecológica e solidária.

Semana Roseana: vida e obra de Guimarães Rosa “O Diabo nas Veredas Mortas” é o tema da 16ª Semana Roseana, realizada anualmente em Cordisburgo, cidade mineira onde nasceu João Guimarães Rosa. Este ano, a semana começou dia 4 e vai até o dia 10, com mesas-redondas, palestras, exposição, oficinas de fotografia, vídeo e desenho. Também haverá a posse na Academia Cordisburguense de Letras Guimarães Rosa do escritor mineiro José Augusto de Sousa e a tradicional Caminhada Eco-Literária. Maria Ernestina Barbosa, da organização da Semana, conta que o evento surgiu há dezesseis anos, a pedido de um ex-prefeito da cidade, com a intenção de centralizar as atividades que tinham como eixo a figura de Guimarães Rosa. O estudo de Grande Sertão: Veredas vem sendo feito desde o ano passado e deve terminar em 2006, quando o romance completa 50 anos. De todos os temas analisados dentro dessa narrativa, o deste ano, de acordo com os organizadores do evento, é o mais forte.

Destaque no Modernismo

Divulgação

Edilene Lopes de Belo Horizonte (MG)

O escritor Guimarães Rosa, um dos pioneiros em valorizar o regionalismo

As mesas-redondas vão ter assuntos essenciais dentro de Grande Sertão, como o julgamento de Zé Bebelo, com a presença do professor Luiz Cláudio Vieira, da Universidade Federal de Minas Gerais; a traição de Hermógenes, com os professores Carlos Augusto Monteiro, da Universidade de São Paulo, e Márcia Marques de Morais, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; e a vingança de Riobaldo e Diadorim, com o professor Filimone Manuel Meigos, da Universidade Moçam-

bique, na África. Esses mesmos quadros e vários outros pontos importantes da narrativa serão mostrados também em uma exposição, feita especialmente para a Semana Roseana, do artista José Murilo Batista de Oliveira, natural de Cordisburgo. A semana terá ainda contação de estória, com o grupo Miguilins, composto por jovens entre 11 e 18 anos. Criado em 1995 para incentivar a leitura das obras de Guimarães Rosa e tornar mais atraente as visitas ao museu do escritor, os con-

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) em 27 de junho de 1908 e faleceu no Rio de Janeiro (RJ) em 19 de novembro de 1967. Viveu na cidade natal até os nove anos, quando se mudou para Belo Horizonte. Em 1930 formou-se médico. Foi também diplomata, enveredou pela carreira política, chegando a ser cônsul, secretário de embaixada, ministro e representante do Brasil nas Conferências da Unesco. Guimarães Rosa ocupou a cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras, mas morreu três dias após ter tomado posse. tadores de estória guiam os turistas e narram contos de Rosa. O diretor cultural da Associação de Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa, José Oswaldo dos Santos, ressalta a importância da oralidade e da musicalidade do sertão nas narrações: “Guimarães Rosa é melhor de ouvir do que ler”. Na Caminhada Eco-Literária, rea-

Em 1946, Guimarães Rosa publicou Sagarana, seu primeiro livro de contos. Entre suas principais obras estão: Corpo de Baile (1956 e 1964); Grande Sertão: Veredas (1956); Primeiras Estórias (1962); Tutaméia Terceiras Estórias (1967); Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970), sendo as duas últimas obras póstumas. Na literatura, Guimarães Rosa é figura de destaque no Modernismo, movimento da literatura, artes e arquitetura, marcado pela inovação. Em Guimarães Rosa, a invenção de palavras e o vocabulário regionalista são características marcantes. lizada no primeiro dia da Semana Roseana, as pessoas percorreram cerca de seis quilômetros, entre trechos a pé e de carro, passando por locais importantes retratados na obra de Guimarães Rosa. Este ano, a caminhada trouxe como tema a água e um dos textos-base da andança foi o conto Riachinho Sirimim, do livro Ave, Palavra.


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