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Ano 2 • Número 75

R$ 2,00 São Paulo • De 5 a 11 de agosto de 2004

Brasil, o paraíso da especulação Nigrizia

Dinheiro dos impostos alimenta a ciranda financeira, que gira mais de R$ 138 bilhões por dia e prejudica o país

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ciranda financeira, filha legítima da política de juros altos, está de volta. Em junho, as aplicações de um dia para o outro (overnight) movimentaram mais de R$ 138 bilhões, o equivalente a cerca de 9% de toda a riqueza gerada pelo país em um ano (PIB). Este nível de especulação é alimentado com o dinheiro dos impostos, já que boa parte do que o governo arrecada vai para o pagamento de juros no cassino financeiro, com ganhos de bilhões para empresas e bancos. Ou seja, o contribuinte paga a conta da especulação, movida a

taxas de juros, mantidas nas alturas a pretexto de evitar o estouro da inflação. Em junho, o dinheiro da ciranda representava 18,2% de toda a dívida pública federal. No overnight, são negociados títulos públicos que são um pedaço da dívida federal. Com esses papéis, os bancos obtêm lucros astronômicos, como mostra o balanço semestral do Bradesco: o aumento da receita com a negociação de títulos públicos, com elevação de 36%, contribuiu muito para o lucro líquido de R$ 1,25 bilhão obtido até junho. Pág. 6

E a reação da economia não é nenhum espetáculo Os últimos indicadores relativos ao emprego, renda, produção industrial e vendas do comércio vêm sendo comemorados com alarde. Porém, os números devem ser avaliados com cautela, inclusive porque os dados disponíveis não autorizam concluir que a economia iniciou um novo

ciclo de crescimento mais longo do que surtos anteriores. É preciso notar que comparações são feitas com um período de baixíssimo crescimento, que foi 2003. E que sérios constrangimentos persistem, como a dependência externa e o nível dos juros. Págs. 2, 7 e 14

Tadeu Vilani/Zero Hora/AE

Oposição pretende assassinar Chávez

Mulheres do grupo negro Nyal, uma das etnias atacadas por milícias ligadas ao governo do Sudão

Em entrevista a um jornal da Venezuela, o ex-presidente Carlos Andrés Pérez, residente em Miami, nos Estados Unidos, defendeu a “via violenta“ para derrubar o governo venezuelano. Ele afirmou que o presidente Hugo Chávez “deve morrer como um cachorro“. Não

E mais: PLANOS DE SAÚDE – Médicos estão empenhados em frear a sede de lucros das operadoras de saúde. Em diversos Estados, promovem boicotes e, em outros, lutam na Justiça por remuneração mais justa. Pág. 3 AMBIENTE – Entidades em defesa das águas criticam a transposição do Rio São Francisco. Elas afirmam que o projeto não resolveria os problemas da região. Pág. 13 CULTURA – O ator cearense Gero Camilo defende a democratização do acesso ao teatro e ao cinema. Pág. 16

Por outro modelo educacional para o campo Um modelo educacional que atenda às necessidades da população rural e respeite as diversidades culturais que lhe são específicas. Essa é a principal reivindicação de cerca de 2 mil pessoas que, desde o dia 2, participam, em Luziânia (GO), da 2ª Conferência Nacional por uma Educação do Campo. Entidades rurais reclamam da falta de política educacional para o campo, enquanto fomentam ensino pedagógico baseado nas idéias de Paulo Freire. O professor Miguel González Arroyo classifica o método de revolucionário. Pág. 5

O arquiteto Oscar Niemeyer recebe prêmio Luta pela Terra, concedido pelo Movimento dos Sem Terra Marcio Baraldi

O governo do Sudão recebeu um ultimato: em 30 dias, deve encerrar a limpeza étnica praticada contra a população negra de Darfur, por milicianos de origem árabe. A orientação é do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Desde o início da crise, cerca de 30 mil muçulmanos negros foram assassinados e mais de 1,3 milhão decidiram abandonar suas casas por causa do assédio das milícias Janjaweed. Centenas de milhares de pessoas tiveram de procurar refúgio no vizinho Chade. Pág. 12

Douglas Mansur

Sudão recebe ultimato para se desarmar

é a primeira vez que a oposição ameaça o presidente venezuelano: a polícia do país divulgou, recentemente, um plano de grupos paramilitares para fazer um atentado contra Chávez. A ação foi frustrada pela polícia e mais de 120 pessoas foram presas. Pág. 9

Fórum articula luta contra o livre comércio

Pág. 10

István Mészáros fala do câncer da globalização

Pág. 11

Candidatura indígena cresce e incomoda Nas eleições municipais de outubro, cerca de 300 indígenas vão concorrer a cargos eletivos em cidades de todo o país. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a participação indígena cresceu 50% em relação a 2000. As candidaturas estão sendo incentivadas pela campanha “Tem Aldeia na Política”, que também alerta para os riscos que a política partidária pode trazer à diversidade do movimento indígena. Pág. 8


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De 5 a 11 de agosto de 2004

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

��� • Editor-chefe: Nilton Viana ���• Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ���• Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ���• Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles ���• Ilustradores: Agê, Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 5555 Natália Forcat, Nathan, Novaes, Ohi ���• Editor de Arte: Valter Oliveira Silva ���• Pré Impressão: Helena Sant’Ana ���• Revisão: Dirce Helena Salles ���• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Cristina Uchôa e Dafne Melo 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

CARTAS DOS LEITORES CULTURA Gostaria de parabenizar mais uma vez Brasil de Fato. A reportagem sobre um dos maiores poetas do mundo e, quiçá, o maior da América Latina, Pablo Neruda, assim como a matéria sobre um dos maiores escritores brasileiros, Guimarães Rosa, mostra que o periódico está comprometido com a cultura. Mas gostaria de sugerir um espaço para a literatura nacional e universal. A contribuição do periódico é de suma importância para que as pessoas possam conhecer bons livros, já que, se depender de nosso governo, a situação não mudará. No momento em que perdemos uma das maiores referências da imprensa alternativa, o Pasquim 21, o jornal Brasil de Fato deve assumir de vez a responsabilidade de continuar com esse magnífico trabalho e não se deixar levar, por maiores que sejam as dificuldades que enfrentarão, pelo poderosos que querem sempre calar a voz daqueles que vão contra a corrente. Erik C. G., por correio eletrônico VENEZUELA Meus cumprimentos pela edição nº 67, em particular pelos artigos referentes à situação em torno do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Em tempos de cães e neocães de guarda cada

vez mais agressivos e oficialistas, decerto jamais encontraria informações tão minuciosas e análises tão profundas em “Folhas”, “Estadões”, “Vejas” e em outros supermercados do jornalismo brasileiro. Paulo Jonas de Lima Piva São Paulo (SP) JUSTIÇA MILITAR Como leitor e assinante do Brasil de Fato, julgo importante esclarecer que, diferentemente do noticiado, nosso país dispõe da legislação específica, codificada no Código Penal Militar. Apesar de ter posição contrária em relação ao Tribunal Penal Internacional, justamente porque aqueles que mais violam os direitos recusaram submeter-se às atribuições daquela Corte, considero nobre as missões de paz da ONU; nossos soldados têm muitos ensinamentos a transmitir às outras nações. Nossa Justiça Militar foi criada no início do Período Imperial, 1808, sendo a mais antiga corte do país. Integra o Poder Judiciário, outro motivo de exemplo para o mundo, não estando nossos combatentes, no Brasil e no exterior, sem a devida vigilância e proteção do sistema legal vigente no país. Brigadeiro Sergio Ferolla por correio eletrônico

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 3038 1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: brasildefato@teletarget.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

NOSSA OPINIÃO

As coisas boas do FMI

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esta vez, sem muita fanfarra, os inspetores do Fundo Monetário Internacional (FMI) estiveram no Brasil por uma semana, examinaram detalhadamente as contas brasileiras e se foram com palavras de elogio. O governo Lula está cumprindo direitinho as recomendações do Fundo. Para não dizer que não houve nada negativo, o inspetor chefe, Charles Collyns, fez uma observaçãozinha discreta sobre o aumento recente da inflação. Isto, porém, não impedirá que ele diga aos seus chefes para aprovar as nossas contas. Ufa! Que alívio! Com esse êxito formidável, três coisas boas irão ocorrer brevemente. O Fundo irá liberar 1,3 bilhão de dólares para o Brasil gastar! Quanta generosidade! Mas o Brasil merece, pois economizou 13 bilhões de dólares a mais do que o próprio Fundo exigiu para que os credores internacionais possam dormir tranqüilos, sem risco de levar um calote. O curioso é que o governo não pretende usar esse bilhãozinho (afinal, o que é um bi para quem economizou 13 bi a mais do que o exigido?) A segunda coisa boa que vai acontecer, depois que o Sr. Collyns der seu parecer favorável, será a nota da Moodys. A Moodys é uma empresa especializada em dar nota aos países que cumprem ou descumprem as exigências do FMI. A nota que ela dá

chama-se “risco país”. No fundo ela diz aos investidores internacionais: “Se você emprestar dinheiro ao país ‘x’, o seu risco de levar calote é de tantos por cento”. Com o parecer do Sr. Collyns, certamente a Moddys baixará uns três pontos do atual “risco Brasil.” Sensacional! Abre caminho para a terceira coisa boa: os investidores internacionais farão suas contas e concluirão que podem ganhar uma boa grana investindo no Brasil. Então, eles comprarão empresas brasileiras, construirão fábricas (dessas que fabricam telefone celular perfumado para “acabar com a concorrência”) ou montarão negócios (do tipo cabeleireiro de cachorro em shopping center). Tudo na maior modernidade: máquinas e computadores no lugar de gente, a fim de obter altíssimos lucros em pouco tempo e repatriar o dinheiro investido com grandes lucros. Este tipo de investimento (e é desse tipo o que vem para cá) não aumenta em nada a produção brasileira. Contribuirá apenas para aumentar o desemprego estrutural e para aumentar a dívida externa, pois, depois de um tempo, esse investidor baterá no caixa do Banco Central cheio de reais para trocar por dólares, a fim de enviar seus lucros e seu capital para o país de origem. Uma alternativa também muito procurada é o jogo na Bolsa de Va-

FALA ZÉ

lores. Esse cassino tem a vantagem de possibilitar que o dinheiro investido saia do país do dia para a noite, se os juros nos Estados Unidos se tornarem compensadores. Até quando os brasileiros acreditarão em FMI, Bolsa de Valores, Moodys e toda essa caterva que só vê a vida pelos cifrões e que vem para cá unicamente para explorar os nossos recursos e a nossa gente? Precisamos nos convencer de que a ruptura com o FMI é o primeiro passo para reequacionar toda a nossa produção e voltá-la, não para produzir perfeitas inutilidades a fim de satisfazer a frivolidade da elite dirigente, mas para garantir alimento, casa, educação e saúde para todos os 180 milhões de brasileiros. Para atingir esse objetivo, em uma ou duas décadas, não precisamos nem de capital nem de tecnologia estrangeira, mas de um governo verdadeiramente comprometido com a causa do povo e da Nação. Os trabalhadores precisam acionar seus sindicatos, os camponeses mobilizar suas organizações, as sociedades civis e as ONGS sérias precisam montar uma campanha nacional para fazer ver ao governo que de nada vale manter o acordo com o FMI, pois a política econômica que este exige dos países colhidos em suas malhas impede completamente o desenvolvimento.

OHI

CRÔNICA

Estados Unidos não mudam com Kerry Renato Pompeu

A grande mídia brasileira está dando a entender que, se John Kerry for eleito presidente dos Estados Unidos no lugar de George W. Bush, tudo vai mudar para melhor. A idéia geral é de que Bush é um “demente” e que Kerry vai pôr ordem na casa e repor os EUA como farol da democratização e da paz mundial. No entanto, o programa real de Kerry, para o Iraque, fala em continuidade, “por mais quatro anos”, da presença de tropas de ocupação. Na verdade, a guerra contra o Iraque não foi resultado de nenhuma paranóia ou demência de Bush, e sim conseqüência de interesses materiais bem concretos das classes dominantes estadunidenses. Numa época de crescentes déficits internos e externos na economia dos EUA, a guerra, em especial quando relacionada com o petróleo, se tornou uma necessidade material. É uma maneira de o Estado estadunidense fomentar a economia, por meio das encomendas de armamentos. Assim, faz os mais pobres – que lá, como em muitas outras partes do mundo, pagam mais impostos do que os mais ricos – financiarem o relançamento da produção industrial. Essa situação deve se manter, com mais aventuras militares, seja qual for o presidente de plantão.

Meios republicanos conservadores dos Estados Unidos acham Kerry até melhor do que Bush, “porque matou mais comunistas”. Com efeito, enquanto Bush não combateu durante a Guerra do Vietnã, Kerry atuou pela Marinha no delta do Rio Mekong. Segundo seus biógrafos, seu superior, o almirante Elmo Zumwalt, ficou preocupado porque Kerry chacinou muitos civis vietnamitas nãocombatentes. Kerry diz que tornará os EUA ainda mais fortes e mais influentes no mundo. Ou seja, procurará a todo custo aumentar ainda mais o poderio militar estadunidense. Ele diz que tem o apoio de governantes europeus que se opõem à política unilateral de guerras preventivas do governo Bush. Aqui devemos deixar de lado as baboseiras sobre legalidade ou não da intervenção estadunidense e britânica no Iraque, sem o respaldo da ONU, e constatar que esse respaldo não ocorreu porque a França, a Alemanha e a Rússia tinham interesses econômicos no Iraque que Bush não se propôs a respeitar. Não é que França, Alemanha e Rússia tenham mais respeito pelos povos do que Bush; simplesmente ficaram de fora do saque e chiaram.

Portanto, o máximo que Kerry pode promover, na política externa dos EUA, é uma aceitação maior da participação de outros países nos butins do Terceiro Mundo (devemos lembrar que o próprio Brasil só se opôs à ação no Iraque porque também tinha interesses econômicos lá). Não se trata de respeito à opinião pública, como mostra o caso da Espanha: lá, desde o início 90% da opinião pública era contra a guerra. Contudo, assim mesmo o governo Aznar mandou tropas, por ter certeza de que os interesses espanhóis no Iraque seriam respeitados, já que havia essa garantia por parte dos Estados Unidos. Na medida em que a política de Kerry se torna mais conhecida nos próprios EUA, ele começa a perder terreno nas pesquisas eleitorais. A tese em que sua campanha se baseou (“qualquer um menos Bush”) está se revelando cada vez mais falsa, motivo pelo qual mais estadunidenses passam a querer se abster nas eleições. Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor de Canhoteiro, o Homem que Driblou a Glória (Ediouro) e Memórias de Uma Bola de Futebol (Editora Escrituras)

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NACIONAL SAÚDE

Médicos boicotam planos privados

Luís Brasilino da Redação

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édicos de todo o país estão mobilizados contra a ganância das operadoras de planos de saúde. De forma diversificada, eles se articulam, alegando que seus honorários não são reajustados há quase 10 anos, enquanto as mensalidades pagas pelos pacientes subiram cerca de 200% no período. Para os clientes, a situação também é dramática, pois a precarização do sistema público de saúde já levou 37 milhões de brasileiros a procurar os serviços dos inescrupulosos planos privados. Em São Paulo, o principal pólo do setor no país, as operadoras começaram a sofrer um boicote, dia 30 de julho. Outros 16 Estados fazem mobilizações similares. Os demais brigam na Justiça com as empresas de saúde. A briga, contudo, não significa que os pacientes não estejam sendo atendidos; os planos de saúde é que perdem o poder de definir o valor pago aos profissionais da saúde. “Estamos estrangulados, não podemos procurar e aprender procedimentos novos, ir a congressos etc”, conta Antônio Gonçalves Pinheiro, terceiro vice-presidente e conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM). Para Renato Azevedo Júnior, segundo secretário do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), os médicos chegaram “ao fundo do poço”. “Estamos há uma década sem reajuste, os consultórios estão fechando e daqui cerca de 5 anos eles deixarão de existir”, alerta.

AUMENTOS ABUSIVOS

Emy Oviedo deverá pagar em dinheiro suas consultas, devido ao boicote dos médicos com as operadoras de planos

considerou abusivos e ilegais os aumentos propostos. Uma notícia publicada na internet, no sítio da Agência Nacional de Saúde (ANS), explica o caso da seguinte forma: “Diante do risco de os usuários não suportarem o novo valor abusivamente majorado, o que poderia caracterizar o estado de inadimplência dos mesmos, permitindo com isso a rescisão unilateral dos contratos, entendeu-se que a via judicial adequada era impedir a aplicação dos índices de reajustes pretendidos pelas referidas operadoras, calculados em até 85,1%”. Ou seja, as operadoras queriam dificultar que idosos, justamente quem sofreu aumentos mais altos, continuassem nos planos.

COMO OS CLIENTES DEVEM AGIR • Solicitar recibo de consultas, exames ou outros procedimentos de que fizer uso, e pedir reembolso às seguradoras. • Quem não tiver condições de fazer o pagamento à vista, deve negociar pessoalmente com o médico. Há a possibilidade de o médico depositar o cheque apenas depois que o reembolso for efetuado. • Se a seguradora alegar que só deve pagar o determinado nos contratos, o cliente deve pedir a indicação de um médico que não faça a cobrança dos honorários. • Se a seguradora não reembolsar e também não oferecer um profissional disposto a prestar atendimento, o cliente pode entrar com uma ação judicial – por meio de um advogado ou no Juizado Especial Cível. Levar cópia do RG, o recibo e um documento constatando que a seguradora se recusa a pagar um valor acima do contrato e indicar outro médico.

Cobram muito caro e fazem de tudo para dificultar a permanência dos idosos. Isso é uma coisa cruel. Aumentam a carga das pessoas – que, geralmente, já se aposentaram e começam a sofrer com uma maior incidência de doenças, ou seja, quando elas mais precisam – para ver se elas saem do plano”, avalia.

Renato Cobucci/Hoje em Dia/Folha Imagem

Para os médicos, o cenário chegou a esse ponto graças à sede de lucro das operadoras. “Elas estão acostumadas a ter lucros exorbitantes e não querem perder isso. Não vamos aceitar esse absurdo”, promete Pinheiro. “Na minha opinião, os convênios têm gordura de sobra.

Eduardo Nicolau/AE

Profissionais boicotam planos de saúde, que elevaram abusivamente as mensalidades pagas por 37 milhões de usuários

Coincidência ou não, na busca por lucros, também no final de julho as operadoras tentaram repassar aos segurados reajustes na mensalidade que alcançariam até 85,1%. Porém, seguidamente a Justiça tem dado ganho de causa às entidades de defesa do consumidor. O governo federal também

A OUTRA PONTA Se, por um lado, os planos de saúde tiram dinheiro de seus clientes, do outro quem sofre são os médicos. A tabela dos convênios, utilizada para definir o valor de

diversos tratamentos, está defasada e não incorpora avanços tecnológicos dos últimos dez anos. “É difícil para o médico escolher livremente o tratamento a indicar e os planos ainda decidem os honorários pagos”, afirma Azevedo Júnior. “Chamamos as operadoras para participar das discussões de elaboração de uma lista unificada (até agora, cada convênio tem a sua) e atualizada. Depois, tentamos debater sua aplicação, mas quem endureceu foram as seguradoras: elas dizem que não querem negócio. Por isso decidimos partir para a paralisação”, explica Pinheiro. Segundo Azevedo Júnior, no começo de julho os médicos de São Paulo enviaram cartas para 1 mil operadoras, propondo uma negociação, mas somente cinco pequenas empresas responderam. Ele espera que a mobilização sirva para abrir um canal de negociação inexistente hoje em dia. Para superar a crise, os médicos resolveram criar uma nova tabela de honorários. Contrataram assessoria da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP) e estipularam critérios para definir valores para os novos procedimentos e atualizar os demais. Assim, criaram a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM). Azevedo Júnior conta que, dos 3.968 procedimentos da lista elaborada pelos médicos, 1.062 não estão na tabela atualmente usada pelas operadoras. Para Pinheiro, a lista veio para ficar. “Ela é muito boa e algumas operadoras já começam a fazer acordos”, diz. “Agora, as seguradoras que não quiserem negociar vão parar no país inteiro. A ANS, a sociedade e outras operadoras já estão com a gente. Chegará um momento no qual elas vão ter que decidir. Ou fazem um acordo (diminuindo os lucros) ou saem desse mercado”, conclui Pinheiro.

REFORMA AGRÁRIA

Sem-terra é assassinado no Paraná da Redação

Um sem-terra morreu e sete ficaram feridos, na madrugada do dia 30 de julho, em um acampamento na Fazenda Santa Filomena, na cidade de Guairacá (PR). De acordo com a secretaria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Estado, cerca de dez pistoleiros armados atiraram contra o acampamento de cerca de 400 famílias que estavam na frente da fazenda. Elias Gonçalves Moura, de 20

anos, foi atingido no pescoço e morreu no local. Os outros feridos foram hospitalizados e passam bem. Após o assassinato e a violência contra os trabalhadores do MST, as 400 famílias transferiram o acampamento para dentro da fazenda, considerada improdutiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), após uma vistoria em 1997. O proprietário da fazenda, Francisco Rocha, recorreu da decisão. Uma perícia, em março do ano passado, confirmou o resultado da vistoria do Incra. Com a en-

trada de um novo recurso por parte do proprietário, o processo agora se encontra no Tribunal Regional Federal (TRF). Diante do ataque aos sem-terra, o MST, em nota, exige “a desapropriação da Fazenda Santa Filomena e o assentamento das 400 famílias acampadas; punição para os assassinos e mandantes da violência contra os sem-terra, em Planaltina do Paraná; e agilidade do governo federal no processo da reforma agrária cumprindo as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA)”.

Rio quer mais assentamentos

De novo, contra a lei Empresas de viação não cumprem lei que autoriza idosos com mais de 60 anos a adquirir gratuitamente passagens interestaduais. Geralda Gomes e a irma Geni Braga exibem passagem de trem de Belo Horizonte a Vitória com 50% de desconto.

No Estado do Rio de Janeiro, o Plano de Recuperação dos Assentamentos não saiu do papel. Esta foi uma das conclusões a que chegaram os participantes do 5º Encontro dos Assentados do Estado Rio de Janeiro. A reunião de avaliação da política fundiária do governo Lula, de 24 a 27 de julho, reuniu cerca de 270 sem-terra fluminenses, na Universidade Rural. As principais exigências são a retomada do Plano Regional de Reforma Agrária, assentamento das quatro mil famílias de acampados, recuperação dos assentamentos, crédito para os assentados e a desapropriação das terras improdutivas. A organização do encontro ficou a cargo do Instituto de De-

tos trabalhos de assessoria técnica na área de desenvolvimento comunitário, agroecologia, comercialização e administração, além de fazer cursos de aperfeiçoamento nessas áreas. De acordo com Assentados fluminenses exigem reforma agrária no Estado Fernanda Matheus, do setor de educasenvolvimento e Ação Comunitária ção da coordenação estadual do (Idaco) e da Associação Estadual MST, “o encontro foi um evento de de Cooperação Agrícola (AECA), todos os assentados, não apenas os com o apoio do Instituto de Terras e ligados ao MST. O objetivo era ter Cartografia do Estado do Rio de Ja- um retrato da situação dos mais de neiro (Iterj), da Universidade Rural 20 assentamentos e, a partir desta do Rio de Janeiro e a participação realidade, propor ações e prindo Movimento dos Trabalhadores cipalmente construir uma pauta Rurais Sem Terra (MST). O Idaco de reivindicações junto ao poder desenvolve em alguns assentamen- público”

Nestor Cozetti

Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)


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Dioclécio Luz Matéria paga no New York Times Foi em 17 de julho de 1957. O The New York Times propôs uma edição especial sobre Brasília à Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, estatal responsável pela construção da cidade). Cobraria pelo serviço o correspondente hoje a R$ 13 mil. Quem recuperou essa história foi o Correio Braziliense, na edição do dia 1º. Como se percebe, matéria paga faz parte do jornal estadunidense. Agora, resta uma dúvida: será que também foi paga a matéria de Larry Roth chamando Lula de beberrão? Sem dinheiro público para novelas Na edição anterior, esta coluna citou a possibilidade de o Ministério da Cultura mudar a Lei Rouanet para beneficiar novelas da Globo. A proposta foi oficialmente desmentida por Orlando Senna, secretário-executivo do Ministério da Cultura, em resposta ao cineasta Geraldo Moraes: “A Secretaria de Audiovisual não trabalha com essa hipótese”, diz ele. Ainda bem. Rádios comunitárias (1) A Rádio Câmara está oferecendo gratuitamente alguns programas para as rádios comunitárias. Basta solicitar por correio eletrônico (radio@camara.gov.br) ou por telefone (61-216-1730 ou 216-1700, com Felismar, Gilson, Lúcio ou Fidel). Rádios comunitárias (2) A lista de programas da Rádio Câmara inclui: “Pinga Fogo” (debates); “Palavra de Especialista” (temático, com técnicos); “15 Minutos de Cidadania” (tema que esteja preocupando a sociedade, analisado a partir de casos concretos e as soluções encontradas); “Repórter Especial” (atualidade); “Aplauso” (entrevistas com músicos e artistas); “Era do Rádio” (a história do rádio por meio das músicas); “Música do Dia” (a importância da data e uma música que marcou época); “Trocando Idéias” (debate de projetos que podem virar lei); “Rádio Criança” (parte do site da emissora em que estão notícias e informações sobre a realidade da criança e do jovem). Enquanto isso... O Viva Rio continua distribuindo o áudio dos programas da TV Globo nas rádios comunitárias. Tem programas denunciados pela baixaria, como “Zorra Total” e “Casseta e Planeta”, e por ser deseducador infantil, como é o caso do programa da Xuxa. Rádio comunitária que se preza foge disso. Curta Taguatinga Dias 10 a 15, acontece a 6ª Mostra Taguatinga de Curta-Metragem, na cidade que fica a 20 quilômetros de Brasília. São filmes em 16mm; mostras de vídeo e documentários; oficinas de imagem e documentário; seminário sobre a democratização e a descentralização da comunicação e da produção da imagem. No ano passado, mais de 10 mil pessoas participaram do evento. Mais informações em www.mostrataguatinga.com.br Glauber Rocha, gênio da raça “Se eu quisesse ganhar dinheiro, ia ser empresário ou me dedicaria inteiramente à indústria de comunicação”, dizia Glauber Rocha. “Mas eu não quero ter as doenças da burguesia: senilidade sexual e câncer” (citado por Zuenir Ventura, no artigo “Glauber Rocha, gênio da raça”). De passagem nas telas Um bom filme nacional para ver e gostar: De passagem, de Ricardo Elias. Não perca. Elza Soares, cada vez melhor A mídia comete uma grande injustiça com Elza Soares. Ela está cantando cada vez melhor. Mas não aparece na TV, não toca nas rádios comerciais. A mídia não consegue obrigá-la a cantar pagode, axé, sertanejo – essas coisas que vendem, e qualquer um canta. Por isso censurar uma das vozes mais belas deste país. Elza é uma guerreira na história e na música – ela não se vende.

NACIONAL PRÊMIO LUTA PELA TERRA

Um reconhecimento aos aliados Evento lembra 43 pessoas e entidades que contribuem com a luta pela reforma agrária

Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)

C

erca de 500 pessoas participaram, no dia 26 de julho, da cerimônia do Prêmio Luta pela Terra, entregue pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a 43 personalidades e entidades de diversas áreas que contribuíram com a luta pela reforma agrária no Brasil. A entrega do prêmio, no auditório Gilberto Freire, da Funarte do Rio de Janeiro, integrou a série de comemorações dos 20 anos do MST. Segundo o MST, o “Luta pela Terra“ é uma homenagem a artistas, intelectuais, políticos, pensadores nacionais e instituições que fortaleceram a luta dos sem-terra. São escolhidas pessoas que, por sua atuação, sensibilizaram a sociedade brasileira para mudanças sociais e contribuíram para o debate sobre a necessidade de construir um projeto popular para o Brasil. No dia 26, o primeiro a receber a homenagem foi Oscar Niemeyer. Aos 96 anos, o renomado arquiteto comunista subiu ao palco, visivelmente emocionado, e destacou a importância do MST nas lutas do povo brasileiro. Em sua saudação, ele enfatizou: “A vitória é certa”. Outra homenageada foi a cantora Beth Carvalho, que se declarou “uma brasileira apaixonada pelo Brasil”, com a certeza de que “o MST vai mudar a história deste país”. Na primeira parte do evento

Fotos: Douglas Mansur

Espelho

Casal do MST em mística de abertura da cerimônia de entrega do prêmio

foi reservada a homenagens póstumas a Paulo Freire, Florestan Fernandes, Josué de Castro, Mário Lago, Madre Cristina, Anita Mantuano, Milton Santos, David Capistrano Filho, Carlito Maia, José Gomes da Silva, dom José Gomes, Darcy Ribeiro, Clóvis Moura, Isaac Akcselrud, padre Josimo Tavares, Dorcelina Folador, Patativa do Assaré, Jair Borin, Lélia Abramo, Evandro Lins e Silva e Leonel Brizola.

OS HOMENAGEADOS Imprensa – revista Caros Amigos TV – Reportagem de Douglas Magalhães sobre o despejo de sem-terra em Sergipe Fotografia – Sebastião Moreira, pela foto do bispo beijando os pés de sem-terra em Presidente Prudente (SP), publicada em Brasil de Fato em abril de 2004. Vídeo – Deserto Verde Música – Pereira da Viola Pintura – Sérgio Ferro Organização social – Comissão Pastoral da Terra (CPT) Personalidade do exterior – Serena Romagnolli (Itália) Jurista militante – Luiz Eduardo Greenhalgh Igreja – Dom Paulo Evaristo Arns Entidade sindical – Central Única dos Trabalhadores (CUT) Instituição educacional – Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Movimento indígena – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) Personalidades – Plínio de Arruda Sampaio, Celso Furtado, Apolônio de Carvalho, Sebastião Salgado, Leandro Konder, Manuel Correio de Andrade, Oscar Niemeyer, Beth Carvalho e dom Pedro Casaldáliga.

Pesquisa mostra melhores programas para crianças Fernanda Sucupira de São Paulo (SP) Nada de apresentadoras loiras ou desenhos animados violentos. Os pais querem que seus filhos se divirtam, mas assistindo a programas de qualidade. Esse é o resultado da segunda etapa da pesquisa encomendada pelo Midiativa – Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes, que mostra quais são os programas da TV aberta com as qualidades desejadas pelos adultos: ser atraente, gerar curiosidade, confirmar valores, ter fantasia, não ser apelativo, gerar identificação, mostrar a realidade, despertar o senso crítico, incentivar a autoestima e preparar para a vida. A primeira fase da pesquisa, concluída em março, pretendia identificar os valores que os pais gostariam que os programas transmitissem para seus filhos. Essa

fase qualitativa ouviu 30 casais da cidade de São Paulo a respeito de aproximadamente 80 programas divididos por faixa etária. Ela resultou em uma lista de 10 mandamentos para uma programação infanto-juvenil de qualidade. “Os resultados revelam muito mais o que falta do que o que existe de bom. Eles mostram que há um vazio enorme na programação para crianças e jovens, pois quase não existem programas infantojuvenis de qualidade atualmente”, acredita Laurindo Leal Filho, professor de Comunicação Social da Universidade de São Paulo. Uma das conclusões da pesquisa foi que, apesar de apresentar alguns programas de qualidade, a TV não cumpre totalmente o papel que os pais esperam que ela tenha na formação de seus filhos. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)

IMPRENSA

Condenado, jornalista recorre ao Supremo Verônica Couto de São Paulo (SP)

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, estudioso da região amazônica, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), para tentar reverter sua condenação por crime de difamação. Lucio Flávio luta contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que rejeitou recurso contra sua condenação. A pena, de um ano de detenção, foi convertida na obrigatoriedade de fornecimento de duas cestas básicas, cada uma no valor de um salário-mínimo, durante seis meses, a instituições de caridade. A condenação, resultado de um processo movido pelo desembargador aposentado João Alberto Paiva, tem como pivô a maior extensão de terra em disputa no país, no vale do Xingu (também conhecida como “Terra do Meio”), a 800 quilômetros a oeste de Belém. A área, estimada entre 5 milhões e 7 milhões de hectares, consta do Livro Branco da Grilagem de Terras do Brasil, de 2002. Foi classificada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrá-

rio como um dos maiores casos de grilagem em território nacional. O sociólogo Lúcio Flávio publicou, no Jornal Pessoal (que ele faz sozinho há quase 17 anos), um histórico da controvérsia que cerca a legitimidade da área, confirmada pelo então desembargador Paiva como “inquestionavelmente” de propriedade particular. Apesar do que diz o desembargador, a titularidade privada é questionada pelo Instituto de Terras do Pará (Interpa), pelo Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária (Incra), pela Polícia Federal e pela Fundação Nacional do Índio (Funai), entre outras entidades. A decisão do desembargador e a reportagem de Lúcio Flávio são de 2000. Paiva, atualmente aposentado, se sentiu ofendido com a matéria e, dispensando o direito de resposta, decidiu recorrer diretamente à Justiça, com base na Lei de Imprensa, alegando delito de difamação. A denúncia foi formulada por meio do Ministério Público,

com base em representação preparada pelo escritório José Eduardo Alckmin, de Brasília. Um recurso encaminhado ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará foi rejeitado por “intempestividade”. Na prática, o jornalista perdeu o prazo, devido a um confuso e suspeito vai-e-vem dos autos. A base do recurso ao STF foram os procedimentos e o trânsito incomuns dos autos do processo, que impediram a contagem regular do prazo para a ação da defesa.

ABI é convidada a integrar CMS Maria Luiza Franco do Rio de Janeiro (RJ) Convidada, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com sede no Rio de Janeiro, deve integrar a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). O convite foi feito ao recém-eleito presidente da entidade, Maurício Azedo. A CMS reúne hoje 23 entidades, entre elas o Mo-

vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União dos Negros pela Igualdade (Unegro), Marcha Mundial das Mulheres, Pastoral Operária, Federação Nacional dos Advogados e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O convite foi feito em reunião

com diretores da ABI e representantes do MST. No encontro, ficou decidido que a ABI enviará Mário Augusto Jakobskind como observador para acompanhar o referendo na Venezuela, dia 15. Entre outros, integram a delegação brasileira os juristas Marcelo Lavenère, da Ordem dos Advogados do Brasil, Dalmo de Abreu Dallari e Fábio Konder Comparato.


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NACIONAL EDUCAÇÃO

Encontro exige novo modelo para o país

Conferência em Luziânia defende modelo educacional que atenda às necessidades e respeite as diferenças no campo

S

e tivesse de ser resumida em um único adjetivo, a 2ª Conferência Nacional por uma Educação do Campo, realizada desde dia 2, seria chamada apenas de “estratégica” pelas quase mil pessoas reunidas em Luziânia, município goiano que compõe a região do entorno do Distrito Federal. Para os movimentos sociais e sindicais rurais, o encontro marca a mobilização por um novo patamar da educação para a população que vive no campo, onde uma criança tem oito vezes menos chance de ser alfabetizada, de acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A conferência se tornou um foro de discussão de modelo de educação que atenda às necessidades e respeite as diferenças no campo. Ademar Guimarães, do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), afirma que os atuais moldes educacionais estão colocando em risco a própria existência do camponês, forçando-o a ter hábitos urbanos e o inserindo numa realidade que não é a sua.”A educação atual não condiz com a realidade dos camponeses. A educação que temos hoje não considera a variedade de cultura que nós temos no Brasil. É como se existisse uma só cultura. E o que é mais grave: uma cultura urbanizada”, afirmou.

especificamente dessa questão”, alegou. Ele também fez uma defesa veemente da vinculação das verbas da sua pasta. “Educação não é política pública secundária que possa ser contingenciada”.

Douglas Mansur

da Redação

A VOLTA DE PAULO FREIRE

Novo modelo de educação para atender à população do campo

Para João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o país está numa encruzilhada. Na abertura do evento, ele considerou que a educação do campo é “descartável” e acaba no rol de políticas do Ministério do Transporte, porque requer apenas automóveis do tipo perua para tirar o povo do campo. A tese apresentada por Stedile foi inteiramente endossada pelo ministro Tarso Genro, da Educação. Ele afirmou que o modelo de desenvolvimento do Estado brasileiro ainda não conseguiu se desvencilhar do capital financeiro especulativo, que usa e abusa da chantagem relativa à dívida públi-

ca. “Não haverá nenhuma mudança e nenhuma transição se não houver um movimento de fora para dentro”, disse. “As grandes mudanças sociais que se dão dentro da democracia só existem quando a cidadania participa ativamente, colocando as suas propostas e pressionando democraticamente. Não existe nenhum paradigma de mudanças – a não ser em ditadura – que não tenha vindo também de fora do governo”, complementou. O sinal de boa vontade do governo, segundo Genro, foi dado no 31 de julho. “A partir de agora nós temos uma Secretaria Especial da Alfabetização e da Diversidade e uma coordenação especial para a educação no campo que vai tratar

Especialista em educação popular, o professor Miguel González Arroyo, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou que as experiências realizadas com os movimentos sociais camponeses são uma prova do potencial que a educação no campo pode desempenhar como vértice da transformação social. “Às vezes se fala muito mal da educação do campo e rural. Há motivos. Realmente, há muito descaso, muito abandono. O jovem do campo não tem perspectivas. Não tem condições de estudar mais do que até a quarta série (do ensino fundamental). Isso tudo precisa ser falado. Mas você tem que falar também de uma outra realidade, que é o trabalho que vem sendo feito pela diversidade de movimentos do campo e pelo movimento sindical”, sublinhou Arroyo. “Se a educação pública do campo está abandonada, a educação dos movimentos sociais hoje é uma das fronteiras mais avançadas do movimento pedagógico brasileiro”, afirmou o ex-secretário municipal de Educação de Belo Horizonte.

Para o especialista, o que há de mais interessante na educação do campo dos movimentos sociais e sindicais é que eles estão recolhendo tudo que havia de mais progressista na concepção pedagógica, didática, de currículo e de formação de professores. “Quem está retomando toda pedagogia de Paulo Freire, todo o movimento de educação popular dos anos 60 e 70 no Brasil são eles. Isso traz muita esperança”.

UNIVERSIDADE CAMPONESA Uma das experiências que os participantes da conferência querem divulgar é a Universidade Camponesa (Unicampo), que vem funcionando como projeto piloto na Escola Agrícola do município de Sumé (PB). A unidade recebe agricultores de 27 cidades da região. Atualmente, são 35 agricultores e filhos de agricultores, de 22 a 28 anos, que participam dos cursos de formação baseados no princípio do educador Paulo Freire. O resultado, afirma Jean-Philippe Tonneau, assessor da universidade, vem sendo surpreendente e o grau de envolvimento dos alunos não poderia ser melhor. “A gente percebe uma grande vontade de fazer, de construir, de servir para as comunidades. Tivemos um retorno muito bom”, comenta. (Com Adital, www.adital.org.br, e Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior. com.br)

Mário Osava do Rio de Janeiro (RJ) Defender o ensino público como um direito humano “para toda a vida” e rejeitar sua mercantilização. Esses são alguns dos princípios contidos na carta aprovada na terceira edição do Fórum Mundial de Educação (FME) encerrado dia 30 de julho em Porto Alegre (RS). O documento “Construindo uma Plataforma Mundial de Luta” menciona 16 orientações para a promoção de uma “educação emancipadora em todos os níveis”, gratuita, universal e de qualidade, sendo “obrigação do Estado” assegurar seu financiamento. Os educadores, reunidos de 29 a 31 de julho, rejeitaram os acordos nacionais e internacionais que tratam a educação como mercadoria e também “os programas de ajuste estrutural que pressionam governos” a reduzir investimentos na área social. Por outro lado, chamaram para uma mobilização mundial que exija igualdade de gênero e o fim das discriminações nas escolas, democratização da gestão e valorização dos trabalhadores da educação, além de incentivos ao protagonismo infanto-juvenil na produção do conhecimento. O FME, que desde 2001 acontece em Porto Alegre, em 2004 teve a participação de mais de 22 mil pessoas de 48 países. Três conferências, cinco debates temáticos e 79 atividades autogestionadas, incluindo seminários, oficinas, encontros e depoimentos, permitiram as discussões sobre o tema “A educação para que outro mundo seja possível”. Mais de dois mil painéis foram apresentados com mensagens sobre temas variados e também serviram como contribuição para a Plataforma de Luta. “O documento final é provisório, porque a plataforma continua em construção”, afirmou o francês Bernard Charlos, um dos 29 membros do Conselho Internacional do FME. O fórum enfrenta três grandes desafios para o futuro imediato, afirmou Charlot na cerimônia de encerramento: estreitar seu vínculo com o Fórum Social Mundial (FSM), tornar-se mundial e “ir além do

Fotos: Leonardo Melgarejo

Plataforma reivindica ensino público de qualidade

Documento da terceira edição do Fórum Mundial de Educação defende o ensino público, gratuito, universal e de qualidade

discurso”, passando da afirmação de princípios para uma plataforma de lutas. “O fórum até agora foi muito americano e brasileiro e terá de ser realizado na África e na Ásia para tornar-se mundial”, ressaltou Charlot. A próxima edição ainda não tem data nem local definidos pelo Conselho Internacional.

DESOBEDIÊNCIA EDUCACIONAL Na última conferência do evento,

sobre “solidariedade, democracia e paz”, o francês Bernard Cassen, diretor do jornal Le Monde Diplomatique, assinalou a necessidade de resgatar o significado dessas e outras palavras que foram distorcidas ou negadas pelo pensamento liberal, “um vírus anestésico que infectou todas as mentes”. Os “trabalhadores do conhecimento”, como educadores e intelectuais, segundo ele, devem “desmantelar as defesas ideológicas

do neoliberalismo” como contribuição para “outro mundo possível”, lema do Fórum Social Mundial. “Solidariedade não pertence ao vocabulário liberal, que só reconhece indivíduos, destruindo a idéia de sociedade, exaltanto as fortunas individuais e reduzindo a vida ao consumo”, afirmou Cassen. Para ele, a democracia foi sacrificada em favor da “esfera econômica e financeira” e, segundo o pensamento liberal, a

paz é obtida pela guerra e, por isso, sempre é necessário um inimigo, atualmente o terrorismo. O uruguaio Hugo Rodríguez chamou a atenção para “o risco das palavras”. Segundo ele, a insistência em dizer que educação “é um investimento”, e não um gasto, levou à atual obsessão por “medir a rentabilidade” do ensino. “Antes educava-se para a solidariedade, agora, se faz para que alguém seja competitivo, com uma mudança total de valores”, acrescentou, para realçar a importância da linguagem. Marcelo Rezende Guimarães, professor de pedagogia de PUC de Porto Alegre, disse que a escola tem de ensinar também direitos humanos e desobediência civil. Em sua opinião, já há sinais do “outro mundo” nas grandes marchas e movimentos pacifistas e nas campanhas pelo desarmamento. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

Campanha pede participação popular da Redação Os conselhos de educação são os mecanismos de participação mais conhecidos pelos brasileiros. De acordo com pesquisa encomendada pelo Observatório da Educação, programa da organização não- governamental Ação Educativa, sobre como a população brasileira percebe o poder e a participação, 46% dos entrevistados apontam os conselhos como espaço de participação. Eles são considerados efi-

cazes por 35% dos que conhecem algum mecanismo, enquanto 28% pensam que nenhum mecanismo é eficaz. A pesquisa ainda aponta que 44% dizem ter vontade de participar e a motivação principal, para 63% deles, é melhorar a situação da comunidade. Dos que não participam, 35% afirmam ser por falta de informação, e 26% por falta de tempo. Segundo Carla Almeida, pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá, algumas das

deficiências da participação como ocorre hoje é a pouca pluralização dos atores sociais, com a exclusão de setores mais empobrecidos, e o afastamento entre representantes e representados. Outra dificuldade é o maior poder do setor governamental, que possui infra-estrutura, recursos humanos e materiais, informações, e maior capacidade de obtenção de consensos. Para pressionar por maior participação na definição de políticas públicas, desde junho

a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que articula mais de 120 organizações, passou a fazer parte de um grupo de mediação junto ao Ministério da Educação (MEC). Entre as possibilidades de participação da sociedade civil estão a avaliação participativa do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2004 e a elaboração de planos estaduais e municipais de educação. (Com Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)


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NACIONAL ESPECULAÇÃO

A ciranda financeira voltou

Fatos em foco Cúmulo do cinismo Diretor do Banco Central, Luiz Augusto Candiota recebia depósitos de doleiros em conta não declarada à Receita Federal, existente em banco dos EUA investigado por suspeita de “lavagem” de dinheiro ilícito, e fazia remessas de altas quantias para empresa fictícia sediada no Uruguai. Depois de ter todas essas operações “normais” informadas pela imprensa, teve a coragem de dizer que deixava a diretoria do BC porque ofenderam a sua “honra”. Empreendedorismo O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, compra chácara de empresa brasileira que pertence a duas empresas com sede nos EUA. Detalhe: ele é dono das três empresas. E acaba de abrir mais uma empresa no Brasil, sem informar o governo e o Senado que aprovaram sua indicação para o BC. Pergunta ingênua: por que alguém precisa ter quatro empresas fictícias se não pretende fazer nada ilegal ou imoral? Inversão de valores O ministro Antonio Palocci, da Fazenda, deu força para os presidentes do Banco Central, Henrique Meirelles, e do Banco do Brasil, Cássio Casseb, continuarem em seus cargos, apesar das denúncias de sonegação de impostos e envolvimento com contas bancárias em paraísos fiscais. Alegou que queria evitar crise no governo. O ministro nem se preocupou com o belo exemplo que está dando para a Nação. Escolinha do crime Apesar do histórico pregresso de vários diretores dos principais bancos estatais, muitos deles pegos nos mais variados tipos de crimes, nos governos de Collor de Mello e de Fernando Henrique Cardoso, o governo Lula continua preenchendo esses cargos com o mesmo pessoal credenciado pelo “mercado financeiro”. Tudo gente fina, a maioria com mestrado, doutorado e PhD em falcatruas de alto nível. Realismo absurdo O governo Lula bateu novo recorde no primeiro semestre de 2004: conseguiu economizar (gerar superávit fiscal) mais de R$ 46 bilhões de reais, o equivalente a 5,76% do PIB. O resultado é superior ao que foi determinado pelo FMI (4,25%) para pagamento de juros aos bancos estrangeiros. Em compensação, os programas sociais prioritários não consumiram nem 10% do orçamento da União. Até parece que não existe desemprego, exclusão social, miséria e fome no Brasil. Impunidade no campo O jovem agricultor Elias Gonçalves de Meira, de 20 anos, foi assassinado por pistoleiros, sábado passado, durante ocupação da Fazenda Filomena, em Planaltina, oeste do Paraná, uma área considerada improdutiva pelo Incra há mais de seis anos. Mais uma morte violenta no campo porque a reforma agrária não avança o que deveria. Distância do mundo O Brasil é a 15ª economia do mundo, a 31ª maior renda per capita, está localizado na 72ª posição do Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU, e aparece em 109º lugar, entre 175 países pesquisados, no Índice de Exclusão Social, elaborado por pesquisadores brasileiros com base em dados sobre distribuição da renda, desemprego e violência. A questão é: o país consegue sair dessa situação sem mudar o sistema que a engendrou? Cartas marcadas Além de pautar a mídia e promover seus aliados no governo Lula, o empresariado faz campanha aberta contra ministros e setores não totalmente controlados por eles. É o caso da “pesquisa” divulgada pelo jornal O Globo, segundo a qual 128 jornalistas elegeram os melhores (Palocci, Amorim, Furlan e Rodrigues) e os piores (Zé Dirceu, Humberto Costa, Olívio Dutra e Berzoini) do governo. Coincidentemente os “melhores” fazem o jogo do capital e os “piores” são petistas com trajetória política de esquerda.

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

E

la já foi declarada morta e enterrada algumas vezes, mas sempre ressurgiu das cinzas para turbinar os lucros de bancos e grandes empresas. No Plano Collor, em 1990, o seqüestro da poupança dos brasileiros deveria representar um “tiro” único e certeiro contra a ciranda financeira. Mais tarde, com o Plano Real, anunciou-se a intenção oficial de acabar de vez com o overnight – aplicações financeiras realizadas por grandes grupos financeiros e econômicos, e mesmo pessoas físicas, por um único dia, com alto poder para desestabilizar a economia. A idéia então, como agora, era alongar o prazo daquelas aplicações, para que o dinheiro permanecesse por mais tempo nos bancos e contribuísse para financiar investimentos produtivos, o que ampliaria a produção e criaria mais empregos. Mas a ciranda sempre voltou, patrocinada pela política de juros altos. Como agora, mais uma vez. Esquecido pelo noticiário econômico, relegado a terceiro plano pela imprensa e analistas bem-pagos, o espectro do overnight ronda novamente a economia, com todo o seu poder para criar distorções e distorcer políticas econômicas.

CASSINO Em junho, a ciranda movimentou R$ 138,02 bilhões por dia, em média. Isso mesmo: em um único dia, a especulação financeira gira o correspondente a 8,7% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, quase 9% de toda a riqueza gerada pelo país em um ano. Um espetáculo financiado com o dinheiro dos impostos, já que boa parte do que o governo arrecada tem sido destinada ao pagamento de juros no cassino financeiro, com ganhos também de bilhões a grupos econômicos e bancos. Mais claramente, o contribuinte paga a conta da especulação, movida a generosas taxas de juros, que são mantidas nas alturas a pretexto de segurar os preços e evitar que a inflação estoure. Mais grave: neste ano, revertendo a tendência observada em 2003, a ciranda passou a crescer de forma ameaçadora, a despeito dos juros relativamente mais baixos do que no ano passado. Comparado a junho do ano passado, quando o overnight movimentou, diariamente, R$ 113,80 bilhões, correspondente a 7,8% do PIB, em valores aproximados, houve um salto de 21,3%. Em valores atualizados com base na variação dos preços medida pelo Índice Geral de Preços (IGP), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a ciranda experimentou um avanço real de 10%.

ESPETÁCULO DE LUCROS O dinheiro da ciranda respondeu, em junho, por 18,2% de toda a dívida pública do governo federal, diante de uma participação de 16,5% em julho de 2003, e de apenas 13,9% em dezembro de 1999. No overnight, bancos, corretoras, financeiras, fundos de investimento e investidores em geral negociam, diariamente, títulos públicos que representam um pedaço da dívida do governo federal. São papéis emitidos pelo Banco Central e pelo Tesouro Nacional e vendidos ao mercado para levantar recursos destinados ao pagamento dos juros que incidem sobre a dívida total do governo. Parte desses papéis troca de mãos todos os dias, numa espécie de cassino garantido pelo BC e pelo Tesouro, que cobrem os riscos da operação, assegurando os lucros do sistema. A compra e venda de títulos públicos federais movimentam cente-

Anderson Barbosa

As aplicações do dia para noite cresceram mais de 20% nos últimos 12 meses

Hamilton Octavio de Souza

Juros mais baixos não impediram o crescimento do overnight

culadores, o que lhes confere um amplo poder para desestabilizar as políticas adotadas pelo Banco Central para controlar os preços.

nas de bilhões de reais diariamente, gerando lucros de bilhões para os participantes do cassino, sem produzir um único grão de arroz, e sequer um mísero emprego no lado real da economia. São transações virtuais, inacessíveis aos mortais comuns, que não têm centenas de milhares ou milhões de reais sobrando nos bolsos. As aplicações no overnight podem ser sacadas de um momento para outro pelos investidores/espe-

PERIGO À VISTA Se isso acontecesse em junho, ou seja, se todos decidissem retirar o dinheiro do overnight, o governo se veria, da noite para o dia, sem recursos para honrar pouco mais de 18% de sua dívida mobiliária (quer dizer, a dívida que está em poder de

A MARCHA DA CIRANDA FINANCEIRA 150

138,0

Aplicações financeiras no overnight, movimentação 132,8 diária média, valores nominais – em R$ bilhões

122,3

120 113,8

90

89,0

60 54,4

101,1

61,6

30 0

Dez 1998

Dez 1999

Fonte: Banco Central (BC)

Dez 2000

Dez 2001

Dez 2002

Jul 2003

Dez 2003

Jun 2004

DÍVIDA VOLTA A CRESCER 800 700

Evolução da dívida pública mobiliária federal em poder do mercado, valores nominais – em R$ bilhões

600 500 400

441,4

624,1

623,2

Dez 2001

Dez 2002

669,4

731,4

758,2

510,7

300 200 100 0

Dez 1999

Dez 2000

Jun 2003

Dez 2003

Jun 2004

instituições financeiras e empresas, expressa em títulos do BC e do Tesouro). A ciranda registrou um crescimento explosivo entre o final de 1999 e 2002, quando registrou um movimento diário, médio, de R$ 132,76 bilhões (10% do PIB), em valores nominais, num salto real (depois de descontada a inflação do período) de 40,7%, em três anos. O recorde observado em 2002, na média diária das aplicações por um dia no mercado financeiro, sofreu a influência da elevação dos juros para 26% no final daquele ano, e do clima de incerteza que rondava a economia por conta das eleições presidenciais e, mais tarde, diante da expectativa gerada pela posse do novo governo. No ano seguinte, como as taxas de juros começaram um lento e torturante processo de redução, os recursos destinados por empresas e bancos para a ciranda recuaram para R$ 122,34 bilhões no final de 2003 (8,1% do PIB), numa queda de 14,4% em relação a dezembro de 2002, em valores atualizados para junho deste ano com base no IGP. Desde dezembro, o overnight teve um avanço nominal de 13% (o que equivale a um crescimento real de 5,5%, depois de descontada a variação do IGP). Na comparação entre junho de 2004 e dezembro de 1999, quando o overnight movimentava R$ 61,57 bilhões (6,4% do PIB) por dia, em média, os dados do BC registram um aumento real de 27,1%.

Bancos nunca ganharam tanto como em 2004 Os bancos brasileiros não precisam ir para paraísos fiscais para ter lucros astronômicos. Podem ficar por aqui. No primeiro semestre de 2004, o lucro líquido do Itaú, de R$ 1,824 bilhão, aumentou 22,4% em relação ao mesmo período de 2003, e foi o maior desde 1987. O Bradesco não ficou atrás: seu lucro líquido de janeiro a junho de 2004 foi de R$ 1,25 bilhão, mais 21,7% do que o apurado em igual período de 2003. Este resultado deixou para trás o lucro líquido somado de três empresas produtivas: CSN, Klabin e Pão de Açúcar, de R$ 1,09 bilhão. Boa parte do lucro dos bancos veio dos títulos públicos e da cobrança de tarifas – a receita do Bradesco com negociação de títulos aumentou 36,5% e a procedente de tarifas, 28,3%. O faturamento do Itaú com tarifas foi de R$ 2,858 bilhões, 16,4% a mais do que no primeiro semestre do ano passado. (Anamárcia Vainsencher)

Fonte: Banco Central (BC)

O jogo do mercado, aceito pelo BC Em momentos de turbulência na política ou na economia, o Banco Central aumenta os juros para conseguir financiar (pagar) os juros e amortizar as parcelas de sua dívida, que vencem todos os meses. Os juros altos, segundo a equipe econômica, evitariam uma fuga em massa dos investidores, o que deixaria o governo em situação difícil. Mas não precisaria ser assim, já que grandes bancos e grandes empresas, em suas transações diárias, sempre têm recursos sobrando, e só poderiam mesmo destinar o dinheiro para o overnight, porque vão precisar utilizar os recursos no dia seguinte. Ou seja, todos os dias, as empresas recebem contas de clientes e têm contas a pagar. Quando há sobra de dinheiro, seu departamento financeiro providencia a

aplicação no mercado financeiro. Esse dinheiro, no entanto, deve estar disponível no dia seguinte, ou alguns dias mais tarde.

BRECHAS DA LEI Portanto, não poderá ficar retido em aplicações de prazo mais longo. A saída é aproveitar as brechas que a legislação e o BC permitem: investir as sobras de caixa por um, dois ou três dias, ganhando alguma coisa na ciranda financeira, sem muito esforço. Em tese, portanto, esse dinheiro não teria mesmo para onde ir, já que não há outras aplicações no mercado que ofereçam liquidez daquele tipo (ou seja, que permitam a retirada dos recursos um, dois ou três dias após sua aplicação). Para alguns economistas, o BC poderia até mesmo pagar juros

negativos (quer dizer, inferiores à taxa mensal de inflação) por esse dinheiro, já que ele ficaria parado no caixa das empresas, ou no cofre dos bancos, sem render um centavo a mais a seus donos. Mas o BC prefere aceitar o jogo do mercado, a pretexto de evitar supostas crises no setor financeiro. O Banco Central termina perpetuando um outro tipo de distorção, que justifica plenamente o carinhoso apelido conferido pelo mercado ao cassino dos juros. O avanço da ciranda contribui para endividar o governo ainda mais, ao aumentar as despesas do BC e do Tesouro com o pagamento de juros. Assim, o governo precisa vender mais títulos para pagar a dívida “velha”, criando novas dívidas, e mais despesas com juros, num círculo vicioso, fechando a ciranda.


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De 5 a 11 de agosto de 2004

NACIONAL CONJUNTURA

Economia dá alguns sinais de reação

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

O

governo, analistas “chapabranca” e mídia convencional reagiram com euforia diante dos indicadores recentes sobre o desempenho da atividade econômica. O tom de comemoração que tem contaminado o noticiário econômico, no entanto, deve ser avaliado com a devida cautela, até porque os dados disponíveis não autorizam concluir que a economia teria, de fato, iniciado um novo ciclo de crescimento, de prazo mais longo do que os surtos ocorridos há poucos anos. Por enquanto, o que se observa é um comportamento mais favorável daqueles indicadores, com recuperação da produção industrial, algum avanço do emprego e reação das vendas no comércio, quando comparados a um período de recordes negativos em toda a economia, como foi o ano de 2003. Apenas duas áreas colheram bons números ao longo da primeira metade do ano passado, quando a atividade econômica parece ter atingido o fundo do poço: os setores ligados à exportação e à agropecuária. Por isso, a análise das taxas de incremento atuais deve levar em conta que o período utilizado para comparação foi muito ruim para a economia, penalizada pelo desemprego, achatamento de salários e da renda. Segundo avaliação do professor Fernando Cardim, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a economia experimenta, hoje, uma tendência de “recuperação cíclica”, o que não enseja motivos para maior agitação. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Cardim afirma que a demanda interna, o emprego e o investimento caíram, no ano passado, muito mais do que se podia esperar. Na fase seguinte, com a melhora no nível de expectativa dos agentes econômicos (trabalhadores/assalariados, consumidores, empresas, bancos etc.), o consumidor sente-se um pouco mais animado a comprar e as empresas passam a produzir mais, ocupando a capacidade produtiva que estava ociosa (ou seja, as máquinas e equipamentos que deixaram de ser usados durante a fase mais dura da retração). “É o que ocorre hoje”, sublinha o professor.

SEM EUFORIA A análise segue linha semelhante à adotada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), em boletim do início de julho, para avaliar os números mais recentes sobre a produção industrial,

Juca Varella/Folha Imagem

No 1º semestre, crescem produção industrial e vendas do comércio, mas empregos não avançam na mesma velocidade UMA REDUÇÃO MÍNIMA Variação da taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo

25 20

(em relação ao total da população economicamente ativa – em %) 20,6

20,3

20,4

19,7 20,0

19,8

19,9 19,1 19,1

20,7 20,6

19,1 19,7

15 10 5 0

Ago

Jun Jul 2003

Set

Out

Nov

Dez

Jan Fev 2004

Mar

Abr

Mai

Jun

Fonte: Dieese

VALOR DO RENDIMENTO MÉDIO REAL EM MAIO Mai/03 Abr/04 Mai/04 Mai/04 X Abr/04 Mai/04 X Mai/03

Ocupados

Assalariados

R$ 938 R$ 944 R$ 975 3,2% 4,0%

R$ 1.002 R$ 1.019 R$ 1.038 1,9% 3,6%

Fonte: Dieese

Compras pelo crediário aumentaram, mas movimento não indica crescimento

VOLUME DE VENDAS NO COMÉRCIO Variação em relação a igual mês do ano passado, em % Setores – 2004 Geral 1. Combustíveis e lubrificantes 2. Hiper e supermercados, alimentos, bebidas e fumo 2.1. Super e hipermercados 3. Tecidos, vestuário e calçados 4. Móveis e eletrodomésticos 5. Veículos, motos, partes e peças

Mar 11,00 11,57 3,86 3,79 7,12 36,08 32,23

Abr 10,15 9,23 6,75 7,20 -0,16 33,21 13,00

Mai 10,01 4,13 5,17 5,20 22,47 35,58 21,44

Fonte: IBGE

divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o IBGE, a produção industrial cresceu 2,2% em maio, na comparação com abril, e 7,8% em relação a maio do ano passado – resultado festejado pelo governo como um recorde para o setor. “O que é mais relevante para avaliação do desempenho da produção industrial (...) é a variação do índice e não seu valor absoluto. Recordes de produção industrial (especialmente depois de períodos prolongados de retração, acrescente-se) podem não significar muita coisa”, segundo o Iedi. O Instituto lembra que, entre

1995 e 2002, nos dois períodos do governo Fernando Henrique Cardoso, a indústria chegou a bater sete recordes, sem que isso alterasse o balanço final daqueles períodos: um incremento médio de 2% ao ano para a atividade industrial, praticamente repondo o crescimento da população (isto é, quase sem crescimento real), “e um dos mais baixos na história industrial brasileira”.

POUCAS VAGAS Mais claramente, o Iedi procura demonstrar que, mais importante do que medir “recordes” ocasionais, é assegurar que o setor tenha condições para manter taxas expressivas

de crescimento ao longo do tempo – o que exige investimentos em volume que as empresas e o governo não têm feito. Os números do IBGE mostram, confirmando a avaliação do Iedi, que o emprego tem crescido em ritmo mais lento do que aquele observado para a produção industrial. Em maio, o nível do emprego na indústria avançou 1% sobre abril e 0,9% em relação a maio de 2003. Trata-se do quinto mês consecutivo de avanço, o que ainda não é suficiente sequer para retomar os níveis observados no começo de 2001. Num período mais longo, entre janeiro e maio, o emprego acumula um recuo de 0,3%, com queda de 0,9% nos 12 meses encerrados em maio de 2004. Apenas para comparação, a produção industrial aumentou 6,5% de janeiro a maio, e 2,8% em 12 meses, o que indica que as empresas industriais produzem proporcionalmente mais com menor número de funcionários. A recuperação também não chegou aos salários com a mesma intensidade. Em maio, a folha de pagamento dos trabalhadores na indústria emagreceu 1,1% em relação a abril, e cresceu 7,2% na comparação com maio de 2003, acumulando, em 2004, uma variação de 8,8% frente aos primeiros cinco meses de 2003, e avanço de 1,9% em 12 meses.

MAIS VENDAS Pelo sexto mês consecutivo, e depois de um período de 13 meses de resultados negativos, antes de iniciar a recuperação atual, as ven-

das do comércio alcançaram um incremento de 10% em maio, frente a igual mês do ano passado. Nos cinco primeiros meses de 2004, sempre em relação ao mesmo período de 2003, as vendas aumentaram 8,5%, num avanço acumulado de 1,8% em 12 meses. O IBGE destaca que o setor de tecidos, vestuário e calçados registrou, pela primeira vez neste ano, desempenho acima da média do varejo, com incremento de 22,47% em relação a maio do ano passado. O Iedi considera “prematuro” concluir que aquele setor tenha consolidado uma tendência firme de recuperação. “O fator determinante para o setor ter ampliado enormemente suas vendas em maio derivou das baixas temperaturas vigentes (em especial nas Regiões Sul e Sudeste), o que concorreu para a antecipação de vendas”, aponta o Iedi. Embora a demanda esteja em aparente recuperação, como mostram os dados do varejo, o espaço para repassar altas de preços aos produtos finais (roupas, calçados, televisores, geladeiras, aparelhos de som etc.) parece contraditoriamente mais curto para o comércio. Enquanto nos últimos 12 meses, até maio, a receita do comércio havia aumentado 11,2% (diante de um volume de vendas apenas 1,8% maior), nos cinco primeiros meses deste ano, a diferença foi bem menor: receitas em alta de 9,8% para um salto de 8,5% no caso do volume vendido. Entre janeiro e maio, há um virtual equilíbrio entre receitas e volumes de vendas (mais 10,1% e 9,7%, pela ordem).

BRASIL X ARGENTINA

Trégua na guerra das geladeiras da Redação Se não chegou ao fim, a “guerra das geladeiras”, envolvendo as duas principais potências econômicas do Mercosul, combinou uma trégua. Após negociações entre representantes dos dois governos e de setores empresariais, Brasil e Argentina chegaram a um acordo mínimo sobre o comércio de fogões, geladeiras e máquinas de lavar. Márcio Fortes, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, classificou como um sucesso as negociações realizadas por empresários brasileiros e argentinos. Mas, de acordo com os empresários argentinos, o Brasil terá que reduzir o volume de exportações dos referidos produtos. Pelo acordo, em 2004, as exportações brasileiras de fogões para a Argentina ficaram limitadas em 90

mil unidades. No primeiro semestre de 2005, o volume deve cair para 47,5 mil unidades. No caso das geladeiras, não foram fixadas metas. Foi criado um grupo de trabalho para definir, até setembro, a dimensão do mercado consumidor argentino e o seu crescimento. Feito esse estudo, o Brasil poderá exportar 50% do mercado argentino de geladeiras. Enquanto isso, a indústria brasileira foi autorizada a exportar 36,6 mil geladeiras.

OS NÚMEROS No final de extensas negociações, as limitações impostas às exportações brasileiras resultaram inferiores às desejadas pelos produtores argentinos. Segundo informação do jornal Clarín, as quotas fixadas para os produtos brasileiros foram as seguintes: *Fogões: 90 mil unidades em

2004, 95 mil em 2005. O mercado argentino total do produto é de 400 mil unidades, dos quais 30% são fogões made in Brazil. Os argentinos querem baixar essa participação para 18%, mas concordaram, por enquanto, em reduzi-la para 22%. *Geladeiras: 285 mil unidades em 2004 e 143 mil no primeiro semestre de 2005. Os argentinos querem reduzir as importações do produto para 260 mil unidades. Os empresários brasileiros querem aumentar as exportações para 310 mil. Pelo acordo firmado, a participação brasileira no mercado argentino de geladeiras cairá de 60% para 57%. O argumento dos argentinos é que a importação de eletrodomésticos brasileiros é uma ameaça à sua indústria. Os números que apresentam mostram que, hoje, a indústria brasileira atende 60% do consumo

de geladeiras na Argentina, 51% do de máquinas de lavar roupas e 30% do de fogões.

DEIXA DISSO A política automotiva também é motivo de desentendimento entre Argentina e Brasil. Mais uma comissão será constituída para elaborar uma proposta comum que, posteriormente, será negociada com a União Européia. Outra iniciativa para esfriar os ânimos comerciais entre os dois países foi a decisão dos governadores dos quatro Estados que integram o Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul) de estreitar suas relações com províncias argentinas. Germano Rigotto (RS), Roberto Requião (PR), Luiz Henrique da Silveira (SC) e José Orcírio dos Santos (MS) vão se reunir com os governadores das seis provín-

cias que compõem a Comissão Regional do Comércio Exterior do Nordeste Argentino (Crecenea). O Codesul e o Crecenea têm uma agenda conjunta nas áreas de intercâmbio comercial, cultural e de turismo. Esse encontro discutirá, inclusive, a questão da rota única estabelecida pela Argentina para os caminhões brasileiros que se dirigem ao Chile. O governo argentino chegou a anunciar a intenção de fechar as fronteiras aos caminhões brasileiros, o que implica-ria quase dobrar a distância percorrida pelos milhares de veículos de carga brasileiros para chegar no Chile. A portaria foi revogada, mas persistem as pressões internas na Argentina para que essa decisão seja adotada. (Por Marco Aurélio Weissheimer, da Agência Carta Maior – ww.agenciacartamaior.com.br)


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NACIONAL POVOS INDÍGENAS

Candidaturas enfrentam oposição

No Amazonas, indígenas concorrem a cargos majoritários, incentivados pela campanha “Tem Aldeia na Política”

D

os cerca de 300 indígenas que concorrerão a cargos eletivos em outubro, em todo o país, dois líderes indígenas são candidatos a prefeito de municípios do interior do Amazonas: Messias Batista, da etnia Saterê-maué, em Barreirinha, e Pedro Garcia, do povo Tariano, em São Gabriel da Cachoeira. A participação dos índios nas eleições, como candidatos ou como eleitores, é incentivada pela campanha “Tem Aldeia na Política”, que ressalva, contudo, que a política partidária traz riscos e contradições à diversidade do movimento indígena. A campanha “Tem Aldeia na Política” é coordenada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com apoio da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazonia Brasileira (Coiab) e pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR). Segundo o Cimi, houve um crescimento de 50% da participação indígena no processo eleitoral. Em 2000, foram aproximadamente 200 candidatos, dos quais 80 conseguiram se eleger vereadores. Mesmo com o voto não sendo obrigatório para os povos indígenas, na última eleição foi eleito um prefeito indígena: Marcos Potyguara, no município de Bahia da Traição, na Paraíba. A população indígena atual é de cerca de 700 mil pessoas, segundo dados da Coiab. No Amazonas, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), há 95.170 indígenas. Batista e GarDiversidade indígecia são candidana – No Amazonas tos pelo Partivivem 95 mil indígedo dos Trabanas, segundo dados da Funai, pertencenlhadores (PT), tes a 65 etnias. embora o mo-

No município nunca houve um governante indígena, embora mais de 90% dos quase 30 mil moradores sejam indígenas, pertencentes a 17 etnias diferentes, segundo dados do Instituto Sócio-Ambiental (ISA). “O PC do B e o PV, que estavam na comissão, não apoiaram minha candidatura. Em compensação, a gente conseguiu o apoio do PDT, PSB e PSC”, relata Garcia.

Roberto Barroso/ABr

Thaís Brianezi de Manaus (AM)

CONSCIENTIZAÇÃO

Movimento vem discutindo outros modelos de participação, inclusive com a reserva de vagas no Congresso Nacional

vimento indígena esteja declaradamente descontente com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A rejeição é decorrência principalmente da não homologação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. “Todo partido tem sua ideologia própria, que é muito diferente da ideologia indígena. A gente hoje faz uma grande discussão para decidir qual partido apoiar. Quem sabe, no futuro, possa surgir um partido indígena. Por que não?”, pondera Jenival de Oliveira, da etnia Mayuruna e coordenador-tesoureiro da Coiab. “A prática da política eleitoral nas aldeias tem sido altamente destrutiva, um fator de divisão das comunidades. Isso ocorre pelo favorecimento de alguns grupos ou

pelo estímulo a conflitos internos, com a promoção de bebedeiras, por exemplo”, denuncia o cientista político Egon Heck, do Cimi. Ele lembra que, em Roraima, os índios decidiram não participar do processo eleitoral e tentam impedir que candidatos entrem nas aldeias para fazer campanha.

REJEIÇÃO PARTIDÁRIA Para se tornar candidato, Batista enfrentou resistência do diretório municipal do PT em Barreirinha, município com 22,5 mil habitantes, dos quais cerca de 7 mil são Saterêmaué. Um dos membros do partido recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral e entrou com pedido de impugnação da candidatura, alegando que Messias, atual vice-prefeito da

cidade, afastou-se do cargo fora do prazo estabelecido em lei. O parecer do juiz eleitoral foi favorável a Batista, que pôde seguir com a candidatura mas não obteve apoio de nenhum outro partido. Mesmo enfrentando oposição do partido, Batista acredita que sua participação nas eleições é importante para seu povo. “É a única maneira de o movimento indígena crescer e poder defender seus direitos”, declara. Em São Gabriel da Cachoeira, a escolha de Pedro Garcia como candidato majoritário é fruto de dois anos de discussões constantes. Em 2002, foi criada uma comissão indígena suprapartidária, com o objetivo de garantir que um representante do movimento fosse candidato a prefeito.

da Redação Os índios Xavante, acampados na BR-158, em Ribeirão Cascalheira (MT), decidiram reocupar suas terras e entrar na reserva Marãwatsedé, ocupada por posseiros. Indignados, eles exigem ações imediatas para resolver os problemas das crianças, que estão morrendo vítimas de pneumonia e desnutrição. Em uma semana, faleceram três bebês – um de um ano e meio e dois de um ano –, enterrados na beira da rodovia. Outras quatro crianças estão internadas em estado grave. Os 480 Xavante estão acampados na rodovia há nove meses, aguardando autorização da Justiça para que possam retornar para sua área de origem, na reserva Marãwatsedé. A decisão depende do juiz José Pires, da 5ª vara federal de Cuiabá (MT). Segundo Edson Beiriz, administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Goiânia, e coordenador das ações da fundação junto à comunidade, os índios consideram que a doença e morte das crianças são conseqüência do acampamento na beira da estrada. “Sua cultura está totalmente comprometida. Eles não estão se alimentando com o que é próprio da sua cultura, da caça e da pesca. Estão vivendo de doação de cestas básicas”, informou Beiriz. O administrador da Funai disse que as crianças estão expostas a toda sorte de perigo na estrada, respiram fumaça de caminhão e adotaram hábitos que fogem da tradição de sua cultura.

FAZENDEIROS E MADEIREIRAS O conflito entre índios e fazendeiros envolve uma área de 165 mil hectares. Entre os anos 63 e 66, os Xavante foram deportados em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB)

Agência Estado

Xavante pressionam por reserva ocupada

Comunidades fiscalizam atividades ilegais da Redação

Cansados de esperar pela Justiça, Xavantes da reserva Marãwatsedé pretendem retomar áreas invadidas por fazendeiros

para o cerrado da Bacia do Rio das Mortes. Passaram por diversas outras aldeias, mas não conseguiram se adaptar a nenhuma delas. Na operação morreram 90 índios. A reserva está atualmente ocupada por posseiros e fazendeiros de soja. Segundo informações de funcionários da Funai, duas madeireiras clandestinas também estariam atuando na área. A área, que foi devolvida por um decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, está demarcada, homologada e registrada em cartório. Em outubro do ano passado, os Xavante resolveram retornar às origens, mas foram impedidos por uma ponte caída e estrada bloqueada por fazendeiros. Segundo Beiriz, políticos e fa-

Cimi, Coiab e CIR produziram, em abril, a cartilha “Tem Aldeia na Política”, que visa incentivar e qualificar a participação dos índios nas urnas, com alertas e dicas para que o eleitor consiga reconhecer um candidato alinhado às causas indígenas, como a demarcação de terras. Oliveira e Heck ressaltam, no entanto, que o movimento indígena tem discutido outros modelos de participação política: a autonomia na administração interna dos territórios indígenas; o Parlamento Indígena, como canal de reflexão e de intervenção direta no governo, a exemplo do que ocorre no Equador; e a reserva de vagas para indígenas no Congresso Nacional, como acontece na Colômbia. “Por que não trabalhar um parlamento indígena, que não depende de voto, mas sim de representatividade? Isso não é de uma hora para outra que acontece, mas é preciso que se comece um trabalho”, pondera Oliveira. “No Brasil, infelizmente, ainda estamos longe de conseguir avanços desse tipo. Temos um Congresso e um Executivo, apesar de tudo, muito conservador nessa linha da compreensão dos povos indígenas, da alteridade e da construção de novas relações”, lamenta Heck.

zendeiros da região estimularam a invasão da área para impedir o retorno dos indígenas. “São grandes latifundiários que estão destruindo a mata e derrubando árvores para plantar soja”. Ocupam a área cerca de 400 posseiros. Destes, cerca de 250 são clientes da política de reforma agrária que esperam pelo direito de ocupação de uma outra área. “Com esses aí, os índios já disseram que convivem, até que o governo defina a área em que devem morar”. O restante, entretanto, são fazendeiros que se recusam a deixar a terra. O juiz da 5ª Vara do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Francisco de Deus, emitiu liminar desaconselhando o retorno dos Xavante à sua terra. Agora o caso

está nas mãos do juiz José Pires, que não emite parecer. “Essa é uma situação que eu nunca vi em toda a minha história. Eles estão passando por cima de um decreto presidencial, estão desobedecendo a uma decisão superior e a própria Constituição”, diz o administrador da Funai. O drama dos xavante recebe apoio de diversas instituições, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a prelazia de São Félix do Araguaia. Tanto o bispo de São Félix, dom Pedro Casaldáliga, como Edson Beiriz estão ameaçados de morte. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, já ofereceu apoio e segurança a dom Casaldáliga, mas ele recusou. (Com Agência Brasil, www.radiobras.gov.br)

As comunidades indígenas da área Raposa Serra do Sol, em Roraima, começaram, dia 27 de julho, uma fiscalização para impedir o tráfico de combustível e drogas em suas terras. Mais de 400 pessoas estão na Aldeia Pedra Branca, a 300 quilômetros de Boa Vista, vistoriando veículos e pessoas suspeitos de transportar cachaça, combustível, drogas e maquinários para a garimpagem ilegal na região. A ação acontece no entrocamento que dá acesso aos vilarejos Mutum, Água Fria, Socó e Uiramutã e não inclui bloqueio da estrada nem impede a entrada de pessoas ou de veículos nos locais. As comunidades de Raposa Serra do Sol estão reagindo ao aumento do garimpo nas cabeceiras dos rios Maù e Cotingo. No dia 26 de julho, num vôo sobre o rio, foram encontrados 10 acampamentos de garimpeiros, número superior ao registrado em maio, quando o administrador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), Martinho Andrade, constatou pelo menos seis balsas de garimpo em atividade. Uma balsa está ancorada no Maú, a menos de mil metros da corrutela de Mutum, um dos cinco vilarejos instalados no interior da Raposa Serra Sol. A base de apoio ao garimpo tem a permanência defendida pelos inimigos dos índios, na proposta de demarcação em ilha. Políticos, fazendeiros, rizicultores e militares pretendem excluir da área as corrutelas de Socó, Uiramutã, Água Fria, Surumu e Mutum, além de lavouras de arroz, estradas, sede municipal e fazendas tituladas pelo Incra.


Ano 2 • número 75 • De 5 a 11 de agosto de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNO VENEZUELA URGENTE

Um plano para assassinar Chávez

Polícia política frustra plano da oposição para liqüidar o presidente e atentar contra oficiais ligados a ele

A

menos de duas semanas do referendo revogatório do mandato presidencial de Hugo Chávez, o clima no país é de apreensão. O desmonte de um atentado que seria realizado por paramilitares contra o presidente e declarações de líderes oposicionistas indicam que a via escolhida para derrubar o presidente não será pacífica. Grupos paramilitares das Autodefesas Unidas da Colombia (AUC), com o auxílio de integrantes da Guarda Nacional venezuelana, a bordo de um avião F16, pretendiam assassinar o presidente com um bombardeio durante a realização do programa dominical Alô Presidente. “Disseram que qualquer operação que fizessem em Miraflores seria um fracasso se não matasse o presidente”, declarou Miguel Rodriguez Torres, um dos diretores da Disip (polícia política), ao anunciar os detalhes da operação, em entrevista coletiva, dia 31 de julho, ao lado de Lucas Rincón Romero (Ministério do Interior) e de Marcos Chávez (polícia científica). A ação da Disip resultou na prisão de mais de 120 paramilitares, no dia 9 de maio. De acordo com Torres, a estratégia dos paramilitares era bombardear o Palácio Miraflores, de onde Chávez apresentaria o programa. “Um dos coronéis envolvidos discordou do plano porque morreriam inocentes, mas outro respondeu que este era o preço a pagar para tirar Chávez”, afirmou Torres, ao comentar a interceptação de uma das conversas telefônicas. No dia escolhido para o atentado, Chávez não apresentou o programa, alegando problemas de saúde.

PLANOS FRUSTRADOS O assassinato do presidente foi planejado durante uma reunião, dia 23 de abril, no Country Club de Caracas, organizada por Gustavo Zingg Machado, um latifundiário do Estado Zulia, na fronteira com a Colômbia. Além de Chávez, os paramilitares planejavam atentados contra os líderes mais influentes das Forças Armadas, entre eles, os coronéis de destacamento da Guarda Nacional, Jonathan Farías e Arcón Matos – esse último um dos

Venpres

Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

Manifestação em Caracas, em junho, quando milhares foram às ruas para demonstrar seu apoio ao presidente

oficiais que tem contato direto com o presidente. Os grupos também pretendiam tomar a base aérea La Carlota, em Caracas. Farías, Matos e seu efetivo seriam bloqueados por falsos policiais vestidos com uniforme do Exército, nos bairros populares de Cátia, em 23 de janeiro, para evitar que os oficiais chegassem ao Palácio Miraflores, onde atuariam os grupos paramilitares. A presença de grupos das AUC na Venezuela não é fato novo. Na frontei-

ra entre os dois países, o combate entre as forças armadas venezuelanas e grupos paramilitares da Colômbia é frequente. Esses conflitos, segundo o economista e ativista político colombiano, Héctor Mondragón, fazem parte da estratégia de dominação do continente implementada pelo Plano Colômbia, financiado pelos EUA, a pretexto de combater o tráfico de drogas no país. A estratégia do Plano Colôm-

bia é transferir o problema dos paramilitares para os países vizinhos, como Venezuela e Equador, para justificar uma intervenção estadunidense, seguindo os mesmos moldes do que é feito na Colômbia, hoje: assassinatos de camponeses, de ativistas políticos e seqüestros, sob a tutela do Estado. Mondragón denuncia que estão sendo realizados treinamentos de grupos paramilitares venezuelanos na região de fronteira com a

Colômbia para controlar uma possível insurreição popular, caso a oposição não respeite um resultado eleitoral favorável a Chávez. “Se isso acontecer será a colombianização da Venezuela. Serão conformadas as Autodefesas Unidas Venezuelanas (AUVs), que já estão sendo treinadas por paramilitares colombianos e vão dar início a uma série de atos de violência e práticas terroristas no país”, avalia.

Oposição: assassinato é a única alternativa Diante dos resultados das pesquisas de opinião que apontam a vitória do presidente Hugo Chávez no referendo de 15 de agosto, o ex-presidente da Venezuela, Carlos Andrés Pérez, residente em Miami, em entrevista ao jornal opositor El Nacional, afirmou que a oposição não está disposta a respeitar as regras, caso Chávez vença o plebiscito. “O referendo não é a via. Estou trabalhando para derrubar Chávez. A via violenta permitirá tirá-lo do poder. É a única (via) que temos (...). Eu sou parte desse batalhão”, declarou Pérez, que comandou o país de 1974 a 1979 e de 1989 a 1993, quando ocorreu o Caracazo. Ele disse, ainda, que “Chávez deve morrer como um cachorro, com desculpas a esses nobres animais”. O ex-presidente admitiu que, sem Chávez, a demoCaracazo – No cracia deverá ser último mandato de suspensa na VePérez, ocorreu o levante popular no nezuela e o país qual mais de 3.500 passará por uma pessoas foram asetapa de “transassinadas pelas Forças Armadas. Em sição de dois ou janeiro de 2002, o três anos (...) sem TSJ pediu a extraParlamento e sem dição de Pérez para Supremo Tribunal julgá-lo em processo no qual é acusado de Justiça”. de corrupção. “Isso é o que

quer a oposição, uma ditadura”, respondeu Hugo Chávez no Alô Presidente do domingo, dia 1º, quando recomendou à oposição “mais racionalidade, para não se deixar levar pelos chamados de violência dos setores mais radicais da oligarquia”.

FACTÓIDES As declarações de Pérez caíram como uma bomba na Coordenadora Democrática (CD) que, às vesperas do referendo, ainda não conseguiu lançar uma campanha pelo “sim”. Para tentar evitar a repercussão das declarações do ex-presidente, que podem atingir diretamente o eleitorado que é contrário ao governo, mas também à violência, Enrique Mendonza, um dos líderes da CD, disse que vão derrotar Chávez com o “poder das pessoas, pelos votos”. A oposição precisa ter mais de 3,8 milhões de votos para revogar o mandato presidencial. Diante de um cenário nada animador para a oposição, com as ruas do país tomadas por cartazes de “não”, estão sendo criados dois possíveis “fatos” para

tentar impedir a vitória de Chávez. Com a ajuda dos meios de comunicação, os apoiadores do “sim” têm declarado que o governo pretende cometer uma fraude: intervir na empresa de telecomunicações CANTV, ligada à oposição, que transmitirá as informações sobre o referendo no dia do pleito.

EFEITO MADRI Outra possibilidade ventilada nos corredores de Miraflores é que a oposição poderia recorrer ao “efeito Madri”, em alusão ao atentado de 11 de março, que deixou 191 mortos na capital espanhola, três dias antes das eleições. O atentado mudou os resultados das eleições que indicavam a vitória do partido do então presidente José Maria Aznar. Diante disso, Chávez, que reiteradamente tem dito que “seja qual for o resultado”, vai respeitá-lo, fez um chamado “a todos os venezuelanos, civis e militares” para que estejam atentos porque é evidente que setores da oposição, estimulados pelo império (EUA), vão tentar alterar o bom andamento do referendo de 15 de agosto. (CJ)

INTENÇÃO DE VOTO NO REFERENDO DE 15 DE AGOSTO

As últimas pesquisas de opinião (feitas em julho) mostram que a maioria dos venezuelanos votaria pela continuidade do mandato do presidente Hugo Chávez. Pelos levantamentos, em 15 de agosto as respostas à pergunta “Você está de acordo em deixar sem efeito o mandato popular outorgado a Hugo Chávez Frías como presidente da República Bolivariana da Venezuela?” seriam as seguintes:

Não: 60% Sim: 35% Indecisos: 5%

Empresa: North American Opinión Research Período: 15 a 25 de julho Universo: 2.612 eleitores

Não: 51 % Sim: 43% Indecisos: 6%

Empresa: Evans McDonough Company Período: 16 a 22 de julho Universo: 2.000 eleitores

Não: 51% Sim: 40% Indecisos: 9%

Empresa: Intercables Período: 3 a 18 de julho Universo: 1.500 eleitores

Organizações sociais manifestam seu apoio As organizações sociais mais expressivas do continente americano vão iniciar uma campanha em favor do presidente venezuelano Hugo Chávez. O compromisso foi assumido durante a Assembléia dos Movimentos Sociais, dia 31 de julho, no encerramento do Fórum Social das Américas, realizado em Quito, capital do Equador. O plenário das organizações aprovou uma agenda comum de mobilizações que começam dia 12, antes do referendo sobre o mandato de Chávez (dia 15) e seguem até dia 19. “Há riscos de fraudes e de um cenário de violência barata para desestabilizar o governo Chávez.

talista no continente. “Temos de ser solidários agora porque senão sofreremos um contra-ataque do império”, explicou Nalu. Entre os dias 12 e 19, uma comissão dos movimentos sociais deve acompanhar o processo do referendo na Venezuela. Além Fórum Social das Américas, em Quito, no Equador disso, em cada país latino-americano, vão Os movimentos sociais da América ser realizadas vigílias em frente Latina devem se solidarizar com os às embaixadas dos Estados Univenezuelanos”, avaliava, na Assem- dos, antes do referendo, e nas da bléia, Nalu Faria, da Marcha Mundial Venezuela, à espera da divulgadas Mulheres. ção do resultado. Para ela, esse é um momento em Outra ação comum de solidaque se pode avançar na luta anticapi- riedade aprovada pela Rede de

Simone Bruno

Jorge Pereira Filho de Quito (Equador)

Movimentos Sociais foi o apoio à luta da renacionalização do gás na Bolívia. As organizações se comprometeram a fazer campanhas em seus países contra as transnacionais que dominam as jazidas de petróleo no continente, sobretudo Repsol, Total, Amoco e Bristish Gas.

SOLIDARIEDADE No Brasil, o compromisso inclui fazer ações para pressionar a Petrobras a devolver os poços que controla no país andino. Os movimentos vão fazer, ainda, mobilizações em defesa da integração energética das empresas estatais e pelo julgamento do ex-presidente boliviano Gonzalo Sanchez de Lozada, responsável pela privatização do setor.

Durante a Assembléia dos Movimentos Sociais, cada rede de organizações expôs análises coletivas ou propostas de ações conjuntas. No final do encontro, três datas foram definidas como prioritárias para a luta social no continente. Além da campanha em solidariedade à Venezuela, em agosto, os movimentos vão fazer mobilizações no dia 29 do mesmo mês, para protestar contra a política imperialista dos Estados Unidos. Neste mesmo dia, o Partido Republicano vai estar fazendo sua convenção para oficializar a candidatura de George W. Bush à reeleição. Já em 12 de outubro haverá uma mobilização continental contra o livre comércio (veja reportagem na página 10).


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AMÉRICA LATINA FÓRUM SOCIAL DAS AMÉRICAS

Movimentos buscam hegemonia política

No Equador, marcha rejeita livre comércio; no encontro, movimentos sociais defendem modelo alternativo de sociedade

RESISTÊNCIA INDÍGENA Pouco atrás da indígena equatoriana, estava o peruano mineiro Julio Manani, presente no Fórum Social para protestar contra a exploração das transnacionais, sobretudo nas regiões andinas. “Nosso governo apóia e concede benefícios a essas empresas que só trazem miséria e fome. Para conseguir seus lucros, usam métodos que desertificam nossos terrenos e nos deixam mais pobres”, criticou Manani, sobre o apoio do presidente Alejandro Toledo às empresas de mineração. Segundo ele, as transnacionais, financiadas pelo Banco Mundial, prometem às comunidades que vão levar desenvolvimento à regiões. “Na prática, as nossas águas acabam ficando contaminadas, os solos, mais pobres e a agricultura, o nosso principal meio de vida, ficam condenados”, relatou. Experiência de resistências populares, como a da indígena Lus e a do mineiro Manani, convergiram

RIQUEZAS PARA A POPULAÇÃO

Marcha contra os tratados de livre comércio durante o 1º Fórum Social das Américas

A marcha do Fórum das Américas pode ser considerada o ponto alto de um processo de conscientização popular e da integração da luta contra o imperialismo, as transnacionais e as injustiças do modelo capitalista. Durante o Fórum, mais de 10 mil participantes, de 800 organizações, enfrentaram o desafio de refletir sobre o movimento por um outro mundo possível.

Diversas ações e alternativas foram propostas, com destaque para a estratégia sugerida por François Houtard, sociólogo belga: “Temos de convencer a maioria da sociedade que esse modelo atual é ineficaz na produção e distribuição de recursos”. Para Houtard, o momento requer acúmulo de forças com a convergência dos movimentos sociais, visando uma ação comum. “Não podemos esperar mais, as pessoas estão morrendo. Temos de lutar por um modelo de desenvolvimento humano que coloque a produção de riquezas a serviço da população”, concordou a economista equatoriana Wilma Salgado. Uma das avaliações é do filipino Walden Belo, para quem este não é um mundo de múltiplas escolhas: “Ou caminhamos para uma economia global dominada pelos Estados Unidos, por meio dos organismos multilaterais, ou lutamos por um sistema global, com pluralismo de atores, que seguem diferentes modelos de desenvolvimento regional, de acordo com suas tradições, em uma perspectiva de solidariedade e complementariedade”.

Campanha define luta contra livre comércio A Campanha Continental contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) definiu o eixo central de sua luta: tentar barrar o Tratado de Livre Comércio (TLC), que está sendo negociado pelos Estados Unidos com a Colômbia, Equador e Peru. Outra prioridade é pressionar contra o Tratado de Livre Comércio da América Central (Cafta, na sigla em inglês), já assinado por Costa Rica, Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua, mas que requer aprovação do Congresso estadunidense para entrar em vigor, a partir de 2005. Representantes da campanha consideram que os Estados Unidos impulsionaram tais negociações para driblar a resistência popular continental construída contra a Alca, já que o conteúdo dos acordos é praticamente o mesmo. “A concretização dessas negociações representaria um grande avanço do imperialismo nas Américas. Por isso, definimos, oficialmente, que nossa luta agora é contra qualquer iniciativa de livre comércio no continente”, informou Gonzalo Berrón, da secretaria continental contra a Alca e da Aliança Social Continental.

Verena Glass

M

ais de quinze mil pessoas marcharam contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alça) e contra os Tratados de Livre Comércio (TLCs), dia 29 de julho, em Quito, Equador. A passeata, uma mostra de unidade e diversidade no Fórum Social das Américas, reuniu dezenas de organizações do continente, alinhadas na rejeição ao livre comércio. A forte presença de indígenas dos Andes deu cor ao maior encontro de organizações populares do continente. Com seus enfeites coloridos e roupas típicas, os índios – sobretudo os equatorianos – tiveram presença marcante na principal mobilização do Fórum, que acabou dia 31. “Se vierem os TLCs ou a Alca, nossa situação vai piorar”, disse a indígena Lus Copre, vestida de verde e rosa, carregando seu filho de dois anos nas costas, ao lado de sua irmã. Lus cultiva batatas e cevada próximo a Quito. “Trouxe meu filho para que me veja lutando desde cedo”, explicou. Segundo ela, com a abertura do mercado, o preço da batata caiu pela metade nos últimos dez anos. “Antes, nos pagavam 5 dólares por 100 libras de batata. Hoje não consigo mais de 2 dólares. Mesmo assim, os preços dos alimentos não ficaram mais baratos”, contou Lus, enquanto caminhava os 10 quilômetros do trajeto da marcha.

no Fórum Social Mundial para a identificação de problemas comuns e as possibilidades de ações conjuntas. “Essa semana em Quito é histórica para o movimento popular. Temos a oportunidade de trocar experiências entre as diversas organizações do continente. Além disso, estamos mostrando que nós, pobres de todos os países, não estamos de acordo com o livre comércio”, avaliou Leonidas Iza, presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). A Conaie é a organização mais popular do país. Tem se caracterizado pelas duras críticas ao governo de Lucio Gutierrez. “Esse fórum legitima nossa luta contra o neoliberalismo”, acrescentou Iza.

Verena Glass

Jorge Pereira Filho enviado especial a Quito (Equador)

A agenda prevê mobilização contra as negociações do Mercosul com a União Européia

A nova definição inclui também a rejeição às negociações do Mercado Comum do Sul com a União Européia. As decisões foram tomadas em encontros realizados pela Campanha, com secretarias nacionais e regionais, durante o Fórum

Social das Américas, em Quito, Equador, dias 25 a 31 de julho.

MOBILIZAÇÃO CONTINENTAL No calendário da campanha, a principal data é 12 de outubro, quando “se recorda o início da

colonização do nosso continente, para expressarmos nossa vontade de reconquistar a soberania de nossos povos e países”, registra uma declaração oficial, divulgada no fórum. Nesse dia, ocorrerão também o Fórum Mesoamericano e o Grito dos Excluídos. “Nossa idéia é gerar ações em frente às embaixadas dos Estados Unidos, do Equador e do Peru, em solidariedade aos povos desses países”, explica Berrón. As organizações sociais também fizeram um balanço do Mercosul, embora não tenha sido tirada qualquer posição oficial a respeito. “O que temos até agora é que o bloco não vai bem porque está restrito às questões comerciais, sem envolver temas políticos e sociais”, pontua Berrón. Movimentos sociais de quatro países que compõem o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) estudam iniciar uma série de seminários e encontros para discutir o assunto. Para Berrón, a ameaça do acordo com a União Européia uniu as organizações da região e impulsionou uma dinâmica de maior entrosamento no rechaço ao livre comércio. (JPF)

COLÔMBIA

Presidente é acusado de ligações com o narcotráfico

Um relatório até agora secreto do Departamento da Defesa dos EUA (equivalente a ministério), de 1991, recém-liberado, informa que o presidente colombiano Álvaro Uribe, que dia 7 de agosto completa dois anos de mandato, manteve ligações com o Cartel de Medellín (Colômbia), uma das maiores quadrilhas de narcotráfico do mundo. O relatório do Pentágono foi divulgado no número mais recente do semanário estadunidense Newsweek, que circulou a partir do dia 2. O documento, obtido pelo Arquivo de Segurança Nacional, organização não-governamental, coloca Uribe no 82° lugar de uma lista de mais de 106 pessoas vinculadas com o Cartel de Medellín nos anos 90, e o descreve como “político colombiano e senador que se dedica a colaborar com o Cartel de Medellín nos níveis governamentais mais elevados”. O governo

(OEA), havia condenado o Estado colombiano a pagar 6,5 milhões de dólares às famílias de dezenove comerciantes assassinados por paramilitares em 1987. A decisão abre um precedente histórico, sendo a primeira vez que um tribunal responsabiliza as autoridades de um país por causa de delitos causados por grupos de extrema direita.

France Presse

da Redação

COMERCIANTES ASSASSINADOS

Uribe é descrito num relatório estadundiense como colaborador dos narcotraficantes

colombiano desmentiu o relatório e assinalou que se trata da mesma falsa informação divulgada durante a campanha eleitoral. Mas o relatório do governo estadunidense também diz que Uribe manteve relações com uma empresa envolvida com narcotráfico nos

EUA e afirma que o atual presidente foi amigo pessoal de Pablo Escobar Gaviria, líder do cartel, assassinado pela polícia colombiana em 1993. Na semana anterior, o Tribunal Internacional de Direitos Humanos (TIHD, a sigla em inglês), da Organização dos Estados Americanos

Os crimes ocorreram em 6 de outubro de 1987, em Puerto Boyacá, no departamento (província) do mesmo nome. Membros das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) mataram os dezenove comerciantes que se negaram a pagar um “tributo” aos milicianos direitistas para poderem transportar suas mercadorias. O TIHD assinalou que, na época, os governantes colombianos permitiam o fortalecimento dos grupos paramilitares. Assim, o governo do presidente Uribe terá de indenizar os familia-

res dos mortos, localizar os restos mortais das vítimas, aceitar a responsabilidade pelos fatos num ato público de desagravo e construir um monumento aos assassinados. O tribunal da OEA assumiu o caso após ter considerado insatisfatória a investigação feita sobre o assunto pelas autoridades colombianas, que não iniciaram nenhuma ação penal contra os autores da chacina. Uribe afirmou que seu governo acatará a resolução e disse que, embora a matança não tenha ocorrido durante seu mandato, a Colômbia “é um país de leis, que respeita as decisões dos tribunais”. Atualmente, o governo colombiano prepara um diálogo de pacificação com as AUC e também com um dos grupos guerrilheiros de esquerda, o Exército de Libertação Nacional (ELN). Com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), não houve acordo para conversações. (Com agências internacionais)


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NACIONAL ENTREVISTA

A globalização capitalista é nefasta

Para o filósofo húngaro István Mészáros, a economia deveria ser um instrumento em benefício dos seres humanos

Brasil de Fato – Alguns teóricos afirmam que o trabalho está desaparecendo. O senhor concorda? István Mészáros – Não. O trabalho nunca desaparecerá, é uma parte da natureza, no sentido de que nós temos que trabalhar para sobreviver. Os animais também são parte da natureza e eles podem sobreviver em uma interação direta com a natureza. Nós, humanos, não podemos fazer isso. É preciso uma forma de atividade muito árdua para ganhar as condições de existência, de sobrevivência: o trabalho. Não nos realizamos como seres humanos sem o trabalho. Isso também é um lado positivo. O trabalho não é apenas uma coisa árdua, mas também algo que traz satisfação. Agora, há o outro lado disso, que é o trabalho assalariado, específico do sistema capitalista. Isso deve desaparecer. E tenho esperança de que, no futuro, desapareça, porque longe de ser um prazer é a exploração dos seres humanos.

Professor emérito da Universidade de Sussex (Inglaterra), aos 72 anos o húngaro István Mészáros é um dos mais importantes filósofos marxistas da atualidade. Antes de radicar-se na Inglaterra, foi colaborador de George Luckács, na Universidade de Budapeste, nos anos que antecederam a intervenção soviética na Hungria, em 1956. Entre outros livros, é autor de Para Além do Capital, aguçada reflexão crítica sobre as formas e mecanismos de funcionamento do capital, e de O Século XXI – Socialismo ou Barbárie. tina dependem da luta por seus direitos, contra as imposições de Washington.

Política internacional não significa nada porque as imposições estadunidenses podem alcançar qualquer lugar BF – O senhor cunhou o conceito de “crescimento canceroso”. O que isso significa? Mészáros – Na ideologia capitalista, crescimento canceroso significa que o capital precisa crescer cada vez mais para não entrar em colapso. O sistema precisa acumular sem parar. Mesmo que não corresponda às necessidades humanas, o capital precisa crescer – e isso pode ser extremamente destrutivo. É um conceito totalmente incriticável e destrutivo no sentido de que, por exemplo, produz um tipo de crescimento parasita, como o militarismo. Colossais recursos são

Os seres humanos devem decidir por si mesmos seus objetivos, suas necessidades e produzir de acordo com isso BF – O capitalismo pode existir sem a exploração do trabalho? Mészáros – O capital não é nada sem o trabalho. O capital não trabalha. Labor é trabalho para o capital; se tirar o labor do capital, ele entra em colapso, desaparece. O labor não se baseia na exploração: cooperativas podem estar trabalhando para o próximo, sustentando um ao outro. Com base nisso, é preciso fazer com que as pessoas que trabalham, que estão associadas entre si e livremente, decidam suas próprias atividades de trabalho. Não há necessidade de alguém de fora, como o detentor do capital, dominando o trabalho. BF – Para o senhor, a globalização traz graves problemas. Por que o fenômeno se expande tanto? Mészáros – Há uma integração jurisdicional que obriga os Estados a aceitarem o modelo. Essa integração é imposta pelos Estados Unidos e por alguns países capitalistas euG-8 – Grupo dos ropeus, o que sete países mais significa que a ricos do mundo e a Rússia. legislação esDavos – Cidade tatal pode se suíça onde ocorre tornar uniforanualmente o Fórum Econômico Mundial, me. Eu menlocal em que se deficionei antes ne parte das estratéque a produgias neoliberais. ção deveria ser voltada para os seres humanos, para decidirem por si mesmos seus objetivos, suas necessidades e produzir de acordo com isso. Coisa alguma deveria ser decidida por Washington.

investidos na produção militarista e em aventuras de guerra como a do Afeganistão, de onde se esvai mais de um bilhão de dólares por ano. O sistema capitalista tem operado cada vez mais na produção destrutiva. Você nem mesmo tem que usar o que produz nesse setor. Há produção militarista que sequer tem sido usada. A questão crucial não é crescer ou não crescer, mas o tipo de crescimento, porque crescimento destrutivo é o que eu chamei de crescimento canceroso. BF – Nesse sentido, no Brasil esse câncer... Mészáros – Sim, aqui ou em muitas outras partes do mundo. O único crescimento permitido é o que produz lucros. O crescimento é necessário, mas o aumento da satisfação das necessidades humanas não é permitido porque não é vantajoso. Se fosse vantajoso, seria legitimado. Mas não é. É necessário um tipo de crescimento positivo, voltado, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades humanas. BF – Como superar isso e ter realmente um desenvolvimento para os seres humanos? Mészáros – Tem de ter uma orientação diferente na sociedade, diferentes tipos de objetivos. Quantos bilhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares por dia? Milhares vivem com menos de 1 dólar por dia. Países em desenvolvimento são simplesmente subordinados; seus recursos são sugados pelos EUA e pela produção destrutiva, por-

que não importa o quão melhores são os instrumentos de batalha, você é usado ou não. Também seres humanos são destruídos diretamente, como as milhões de pessoas assassinadas na Guerra do Vietnã. BF – O senhor vislumbra possibilidades de transformações na América Latina? Mészáros – Eu espero que as possibilidades na América Latina sejam positivas no futuro porque há na região uma grande miséria, pobreza e sofrimento. No Brasil, o salário-mínimo de R$ 260 por mês é uma injustiça terrível. Isso não é sustentável, é absolutamente desumano. As perspectivas para a América La-

BF – Após as eleições nos Estados Unidos, o que o senhor acha que acontecerá com a América Latina? Mészáros – Mudança de governo nos Estados Unidos? Eu penso que para isso há uma expressão francesa muito boa : “Plus ça change, plus c´est la même chose”. Quer dizer: “Mudar para não mudar”, ou seja, “quanto mais se muda, mais tudo permanece a mesma coisa”. Se (John) Kerry for eleito, nada mudará. Ele pode falar um pouco diferente de George W. Bush, mas não pensa em mudança significativa. O complexo industrial militar não é simplesmente um problema militarista, mas também uma contradição econômica fundamental, extremamente destrutiva. Como ter uma mudança positiva sem atender ao complexo? E Kerry anda falando sobre enviar mais tropas ao Iraque. Bases militares devem ser removidas de volta aos EUA. Eventualmente, os projetos para a expansão milita-

Luciney Martins

O

mundo tem como enfrentar o “crescimento canceroso” da globalização, fenômeno que provoca o aumento das desigualdades e só favorece ao grande capital. A afirmação é do filósofo húngaro István Mészáros, que participou da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade, realizada em julho no Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele ironizou a possibilidade de mudança na política dos Estados Unidos com a eleição de John Kerry para presidente do país: “Quanto mais se muda, mais as coisas permanecem as mesmas”.

Quem é

Maurício Scerni

Débora Motta e Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)

Se Kerry for eleito, nada mudará. Ele pode falar um pouco diferente de Bush, mas não pensa em mudança significativa

rista vão ser os mesmos do atual governo. Então “ Plus ça change, plus c´est la même chose”. BF – Não acha estranho que, toda vez que Bush está em dificuldades, sempre apareça uma ameaça fundamentalista? Mészáros – Essa é uma boa desculpa para Bush e companhia porque, desse modo, eles podem ditar as normas para o resto do mundo. No passado, foi muito conveniente aos Estados Unidos ter um inimigo na forma da União Soviética. Lembre-se que o então presidente Ronald Reagan chamou a União Soviética de “Império do Mal”. Algum tipo de mentira horrenda teve de ser inventada para levar outros países a acreditar naquilo. Como agora, o conceito de guerra preventiva contra o terrorismo é algo totalmente arbitrário. O terror pode estar em qualquer lugar, em qualquer tempo, em tudo. O fato concreto é que não há nada parecido com a máquina de guerra que eles estão operando para expandir o complexo industrial militar dos Estados Unidos. A cada ano crescem mais e mais os recursos para serem investidos na máquina de guerra. O alvo deles não é um Estado, não são forças militares, mas uma abstração chamada terror, guerra terrorista. BF – O senhor acha que todas as circunstâncias do 11 de setembro estão esclarecidas? Mészáros – É extremamente conveniente explorar o que aconteceu lá. Há um provérbio italiano que diz: “Se non è vero, è ben trovato” (“Se não é verdade, é bem inventado”). É bom salientar que o que aconteceu foi útil para os propósitos das forças estadunidenses de dominação. Aquele ataque singular às Torres Gêmeas, em Nova York, foi terrivelmente conveniente para os propósitos políticos militaristas estadunidenses. BF – O senhor acredita que o capitalismo neoliberal pode estar próximo do fim? Mészáros – Eu não acho que está acabando. A tomada de decisão do G8 é essencialmente estadunidense. Em Davos, e em outros encontros, os EUA estão tentando impor o seu poder condutor, uma política neoliberal. Mas eles não estão sendo muito bem-sucedidos porque o Estado condutor, os EUA, também não está funcionando, pois o modelo não se sustenta. É por isso que muitas mentiras têm que ser inventadas para justificar o projeto neoliberal, que não funciona como integração jurisdicional. É um engano dizer que o capitalismo está acabando. Não está. Há ainda muito suporte para ele.


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Sudão tem prazo para desarmar milícias

Thalif Deen de Nova York (EUA)

O

SUDÃO Localização: Nordeste da África Nacionalidade: sudanesa Cidades principais: Cartum (capital), Omdurman, Cartum do Norte, Kassala Línguas: árabe (oficial), inglês, dinka, nauer entre outras Divisão política: 26 Estados Regime político: república militar islâmica População: 39 milhões Moeda: dinar sudanês Religiões: islâmica (70,3%), religiões tradicionais, cristã Hora Local: +5 Domínio internet: .sd DDI: 249

Crianças sudanesas em acampamento de refugiados no Chade; país tem mais de 1 milhão de deslocados pela guerra

Egito

Darfur

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Chade

elh

erm

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Líbia

o principal fornecedor de equipamento bélico ao Sudão é o Irã, que, além de suas vendas diretas, financiou compras na China no valor de 300 milhões de dólares. Entre as compras Eritréia sudanesas por esse caminho figuram, pelo menos, cinco aviões de combate chineses F-6, bem como tanques e Etiópia baterias de artilharia, segundo a Forecast. Desde o início da crise em Darfur, cerca de 30 mil muQuênia çulmanos negros foram assassinados e mais de 1,3 milhão decidiram abandonar suas casas por causa do assédio das milícias árabes Janjaweed, que contam, segundo a maioria dos especialistas, com apoio de Cartum. Centenas de milhares de pessoas tiveram de procurar refúgio no vizinho Chade. Não há dúvidas de que o governo islâmico de Cartum patrocinou, armou e recrutou as milícias, informou a relatora especial da ONU sobre execuções extra-judiciais, sumárias e arbitrárias, Asma Ma

Sudão tem um mês para pôr fim à limpeza étnica e demais atrocidades contra a população negra da província de Darfur, ou, do contrário, poderá enfrentar sanções econômicas e militares por parte da Organização das Nações Unidas (ONU). Se Cartum “não demonstrar em 30 dias o cumprimento de seu próprio compromisso de garantir a segurança da população de Darfur, o Conselho de Segurança decidirá o que fazer”, disse, no dia 29 de julho, o embaixador dos Estados Unidos na ONU, John Danforth. O relógio começou a andar no dia 30, minutos depois de o órgão executivo das Nações Unidas ter aprovado uma resolução a esse respeito, por iniciativa de Washington. Entretanto, os Estados Unidos foram obrigados a retirar a palavra “sanções” do projeto de resolução, cujo texto foi revisado no dia 29 pela terceira vez depois de várias rodadas de negociações a portas fechadas. As pressões partiram de vários membros-chave do Conselho, entre eles China e Rússia, os quais, como os EUA, possuem direito de veto sobre as resoluções do órgão. “Ao que parece, o uso da palavra ‘sanções’ é rejeitada por certos membros do Conselho”, disse Danforth, que não identificou esses países. “Preferiram usar o jargão da ONU para dizer a mesma coisa”, acrescentou. O texto revisado indica que o Conselho considerará eventuais ações, “inclusive medidas previstas no artigo 14 da Carta da ONU”, contra o governo do Sudão “no caso de descumprimento”. Essas medidas podem incluir “interrupção completa ou parcial de relações econômicas ou de comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas, postais, telegráficas, radiofônicas e por outros meios, e o corte de relações diplomáticas”. A ausência do termo “sanções” é apenas “questão de nomenclatura”, disse Danforth. Apagá-lo “não retirou as bases” do projeto de resolução, acrescentou. China e Rússia, ambos contrários a qualquer sanção contra o Sudão, têm fortes vínculos militares com o governo islâmico e árabe de Cartum.

Fotos: Nigrizia

ONU ameaça país com sanções se continuar massacre de grupos negros por milicianos de origem árabe

Cartum Kas

SUDÃO

Kalleck

República Centro-Africana Rep. Dem. do Congo

Na semana passada, o Departamento de Estado norte-americano advertiu que veria com “grave preocupação” a confirmação da projetada venda de 12 aviões russos Mig-29 Fulcrum para o Sudão. “É um antigo contrato. Só estamos cumprindo as condições. Não tem nada a ver com a situação” em Darfur, declarou há alguns dias a chancelaria russa. A empresa norteamericana de análise de mercado internacional de armas Forecast International concluiu, em 2003, que

Jahangir. Os Janjaweed – que, como suas vítimas, são muçulmanos – freqüentemente costumam usar uniformes do exército regular e veículos oficiais, acrescentou. O conflito em Darfur, reino independente anexado pelo Sudão em 1917, começou nos anos 70 como uma disputa étnica de baixa intensidade entre nômades árabes e agricultores indígenas negros a respeito das terras de pastoreio nessa região com tendência a secas. Mas a tensão evoluiu para uma guerra civil que eclodiu em fevereiro de 2003. Então, duas organizações rebeldes, o Movimento e Exército para a Libertação do Sudão e o Movimento por Justiça e Igualdade, reagiram com violência à contínua hostilidade das milícias pró-governamentais e à falta de investimentos no desenvolvimento da região. Os dois grupos lançaram ataques, às vezes conjuntos, contra instalações militares em resposta às incursões da Janjaweed contra suas comunidades e ao atraso ao qual são submetidas por Cartum. Os rebeldes são apoiados pela população não-árabe que constitui a maioria na região. A resposta do governo foi aumentar o apoio para 20 mil Janja-

weed e uma escalada das ofensivas contra a população civil. O projeto levado ao Conselho de Segurança “demanda ao governo do Sudão o cumprimento de seu compromisso de desarmar as milícias Janjaweed e levar à Justiça seus líderes e associados que incitaram e cometeram violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário”. O clérigo cristão Gabriel Odima, do Centro para a Paz e a Democracia da África, disse à IPS que “a comunidade internacional está banalizando novamente o assassinato de mães, crianças e homens inocentes de origem africana”. Os ataques da Janjaweed constituem uma limpeza étnica destinada a gerar o máximo de terror e, assim, levar a população negra a uma submissão dócil, assegurou Odima. Segundo o projeto de resolução, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, deve informar dentro de 30 dias depois de sua aprovação sobre os avanços ou retrocessos do governo do Sudão no caso de Darfur. A iniciativa também exorta os 191 membros das Nações Unidas a não venderem armas e impedirem que elas cheguem à Janjaweed e outros grupos em luta no Sudão. O governo sudanês garantiu a Annan, que visitou Cartum no mês passado, que deteria e desarmaria a Janjaweed e outros bandos armados e que protegeria os refugiados. Uma delegação encabeçada pelo representante especial da ONU para o Sudão, Jan Pronk, viajará a Darfur para analisar a situação. (IPS/Envolverde www.envolverde.com.br)

Sudaneses temem “outro Iraque” em seu território Hugo Rius de Havana (Cuba) A história da intervenção no Iraque pode se repetir no Sudão, se não necessariamente como cópia exata, ao menos como tragédia semelhante. A resolução que acaba de ser adotada pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), sob forte pressão dos Estados Unidos, deu margem a uma série de desculpas para uma perigosa escalada de ingerência. Com 13 votos a favor e duas abstenções, da China e do Paquistão, aprovou-se um texto que, baseado num discurso de ajuda à população sudanesa de Darfur, impõe prazos ameaçadores ao governo daquele país africano. Exige-se, em resumo, que o governo sudanês desarme e neutralize, em 30 dias, o agressivo grupo paramilitar Janjaweed, que opera em uma área de extensão territorial do tamanho da França, num complexo entorno de conflitos. A crise se instalou ali em fevereiro de 2003, quando se intensificaram os confrontos en-tre forças governamentais e o Movimento pela Libertação do Sudão e o Movimento por Justiça e Igualdade. Como conseqüência imediata, houve um deslocamento interno

A resolução da ONU exige o desarmamento sudanês num prazo de 30 dias

em massa de civis, calculado em cerca de um milhão de pessoas, e um êxodo, para o vizinho Chade, de outras 200 mil pessoas. Não havia dúvidas de que se tratava de uma preocupante calamidade humanitária, e da urgência de se mobilizar assistência internacional. Esse é um lado importante do problema. O outro é que os grupos em conflito dialoguem e resolvam suas diferenças, para cumprirem

imediatamente o cessar fogo assinado em abril deste ano. Esse é o ponto de vista do secretário geral da ONU, Kofi Annan, e da União Africana (UA), conforme a mais recente reunião deste órgão, que ocorreu em AdisAbeba (Etiópia). Na verdade, ambas as autoridades empreenderam esforços para promover conversações substanciais entre as forças em conflito.

O que sempre chamou a atenção foi o repentino interesse dos Estados Unidos, que se aliou sem dificuldade à União Européia por uma alegada causa humanitária como pretexto para somar velhas hostilidades contra o Sudão. Com esse único objetivo em mente, o governo dos EUA foi longe a ponto de fazer com que o Congresso norte-americano formulasse uma declaração em que chama de genocídio o que ocorria em Darfur. Kofi Annan e a União Africana são contra essa conclusão que, ainda não se conseguiu provar, embora considerem que o grupo pró-governamental Janjaweed tenha cometido violações dos direitos humanos. No dia 13 de julho, o presidente do Sudão, Omar Hassan al-Bashir, comprometeu-se com Annan, em comunicado conjunto, a facilitar a assistência humanitária em Darfur, a investigar as violações e perseguir o Janjaweed. O embaixador sudanês na ONU já apresentou alguns resultados disso. Na opinião do enviado especial da ONU, Jan Pronk, para fazer tudo o que foi proposto, o governo de Cartum (capital sudanesa) necessita de tempo, coisa que os Estados Unidos insistem em negar. Desse modo, os insuficientes 30 dias impostos pela resolução para que o Conselho de Segurança volte a examinar o caso equivalem a uma

missão impossível, armada para produzir punições preestabelecidas. Segundo o trecho mais contundente do texto, se não houver progressos, será considerada a adoção de outras medidas, invocando a Carta das Nações Unidas. Essencialmente são os mesmos termos que foram empregados na resolução de novembro de 2002 para autorizar o retorno ao Iraque dos inspetores de armas proibidas, as quais nunca existiram. Com base no instrumento firmado na ocasião, os Estados Unidos forjaram um modo de apresentar depois o país árabe como desobediente, por meio de fraudes inescrupulosas; e fabricaram os pretextos para uma ocupação militar planejada de antemão. Por essa recente experiência, o Sudão tem suas razões para temer que, em Washington, já se esteja planejando a possibilidade de um “outro Iraque”. Se há mais alguma semelhança entre os dois casos, talvez esteja nos indícios de que petróleo foi encontrado no vizinho Chade, separado de Darfur por fronteiras imprecisas, mas unidos por uma mesma base geológica. Enfim, uma trágica história que se repete, nas imposições e saques de grandes potências contra o terceiro mundo. (Prensa Latina www.prensa-latina.com.br)


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AMBIENTE RIO SÃO FRANCISCO

Transposição é inviável, dizem entidades

A

3ª Reunião Plenária do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, realizada em Juazeiro do Norte, de 28 a 30 de julho, terminou sem um acordo, entre entidades de defesa das águas e representantes do governo, sobre a transposição das águas do rio. Durante o encontro, que definiria a política hídrica da bacia, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, defendeu a transposição como sendo um meio para acabar com a seca em parte do sertão nordestino e do interior de Minas Gerais. Para alguns participantes da reunião, Marina foi muito intransigente e não permitiu o debate. A maioria dos integrantes das entidades que esteve na reunião considera a transposição inviável, por não resolver os problemas da região. Para Mariene Martins, do Movimento de Defesa pelas Águas Paulo Jackson pela Ética, Cidadania e Justiça, que participa do Fórum Permanente em Defesa do São Francisco, a vazão do rio está comprometida em quase toda a sua totalidade. “Nossos estudos indicam que poderiam ser disponíveis 360 metros cúbicos de vazão. Acontece que, pegando todas as outorgas, já temos comprometidos 335 metros cúbicos. Então, o que sobraria para a transposição? Vinte e cinco (metros cúbicos)? É muito pouco para um projeto desse porte”, disse. Mariene critica as concessões de outorgas, considerando que elas estão descontroladas e sem fiscalização. Na região de Pirapora (MG), existem 80 outorgas oficializadas, mas, segundo um levantamento do Fórum, foram constatados 1.200 pontos de bombeamentos de água.

Trecho do Rio São Francisco, em Sobradinho (Bahia)

“Mais do que qualquer outra coisa, precisamos saber para onde esta água está indo, como está sendo feito esse processo e, mais ainda, por que que a gente está discutindo isso desde a época de dom Pedro? Por que há mais de 200 anos isso nunca saiu do papel?”, afirma. Durante a reunião, os representantes do governo apresentaram números diferentes dos mostrados pelo Fórum. Um dos encaminhamentos do encontro foi a realização de novos estudos sobre a vazão e as outorgas da Bacia do São Francisco.

DISCUSSÃO POLÍTICA A transposição do São Francisco é uma das principais propostas do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Antes da reunião, em diversos veículos de comunicação, ele a defendeu como sendo totalmente viável. De acordo com representantes de entidades, Gomes ligou para integrantes do comitê para pressionar por uma posição favorável à transposição. Segundo Roberto Malvezzi, da direção

O volume disponível é pequeno para se investir na transposição

Divulgação

da Redação

www.kamekase.org

Movimentos de defesa das águas criticam concessões de outorgas de águas, feitas de forma desordenada

Pescadores que dependem do rio para a sua subsistência

nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ele foi denunciado publicamente e “saiu de cena”. Em entrevista ao Brasil de Fato, Malvezzi disse que não entende a postura de Gomes. “Não sei direito o que está por detrás disto, mas provamos com todos os argumentos possíveis que a transposição é inviável e inútil e eles continuam a insistir. Há algo de errado nisso tudo”, salientou. Para ele, pode haver

desconhecimento real da situação por parte do ministro ou interesses espúrios, como compromissos com latifundiários e empresários interessados na transposição.

OUTRAS PROPOSTAS Malvezzi explicou que o governo deveria levar em consideração outras propostas para combater a seca na região, que seriam menos custosas e trabalhosas. A curto

prazo, ele defende a criação de cisternas para armazenar a água das chuvas. Ele também cita um projeto, chamado “1 + 2” (uma terra mais duas águas), que estabelece a reforma agrária e o investimento do governo para pequenos agricultores terem recursos hídricos suficientes para consumo e produção. Para resolver os problemas dos centros urbanos, como Campina Grande (PB) e Caruaru (PE), Malvezzi diz que o governo deveria atentar para propostas específicas que estão sendo discutidas em universidades. “São mais baratas e podem ser soluções muito melhores para o problema da seca”, avaliou. Apesar de o debate sobre a transposição estar emperrado, Malvezzi disse que conversou com o secretário nacional de Recursos Hídricos, João Bosco Senra, sobre a necessidade de revitalizar a Bacia do São Francisco. “Neste ponto, o governo e entidades estão de acordo. É preciso regular o uso do rio e realizar projetos para desenvolver a bacia. Isto vem antes mesmo de se discutir a transposição”, finalizou. (Com Adital)

TRANSGÊNICOS

Monsanto abusa de clichês para enganar jovens

Um estereótipo corrente diz que surfistas se interessam apenas por ondas e pranchas. A Monsanto, empresa estadunidense de organismos geneticamente modificados, deve realmente acreditar nisso. Com o slogan “Transgênicos: só com um mar de informação dá para ter opinião”, a transnacional foi a principal patrocinadora da 1ª Mostra Internacional de Cultura e Arte Surf, realizada dias 23 a 29 de julho, no pavilhão da Bienal, em São Paulo. O objetivo estava claro no texto que distribuiu à imprensa, segundo o qual “o evento foi escolhido por concentrar um grande número de jovens formadores de opinião”. E, para comunicar-se com esse público, “todo o material e o visual do evento terão uma linguagem jovem, do universo surf”. A ação voltada para os surfistas faz parte de uma grande campanha de comunicação da Monsanto, voltada para públicos específicos. Na feira paulista, modelos contratados pela transnacional distribuíram panfletos, cujo objetivo era defender os transgênicos. No folheto, lia-se: “Tudo o que é desconhecido deixa a gente com o pé atrás. Foi assim quando surgiu o microondas, o celular, o computador. Mas, fale a verdade, hoje você não consegue imaginar sua vida sem essas facilidades. Com os alimentos transgênicos rola a mesma coisa”. No panfleto, a empresa diz que os transgênicos “são consumidos por milhões de pessoas ao redor do mundo há oito anos” e que nenhum problema foi constatado. Nenhuma referência ao fato de que, conforme estudos de universidades no mundo todo, os efeitos dos produtos gene-

ticamente modificados ainda são desconhecidos.

ENQUANTO ISSO, NA EUROPA... A falta de segurança está levando grandes mercados consumidores a recusar transgênicos. Na Europa, as indústrias alimentícias estão se adaptando às preocupações dos consumidores com os organismos geneticamente modificados, selecionando amplamente os ingredientes não-transgênicos para suas formulações alimentares.

Segundo o Greepeace na Europa, cem dias depois de a nova lei européia de rotulagem entrar em vigor, poucos produtos rotulados como geneticamente modificados estão à venda nos supermercados. Os “detetives dos genes” estão procurando rótulos de produtos nas grandes redes de supermercados desde 18 de abril. Eles acharam apenas quatro produtos contendo ingredientes geneticamente modificados na Alemanha, dois no Reino Unido e na República Tcheca e nenhum na Itália e na Áustria. A

maior quantidade de transgênicos – 14 – foi encontrada na França. “O mercado está praticamente livre de produtos contendo OGMs”, disse Eric Gall, do Greenpeace. Glorificada pelos grupos de consumidores, mas criticada pela indústria de alimentos, a mais rígida das leis para rotulagem de alimentos transgênicos diz que todos os alimentos que contenham ou sejam produzidos a partir de OGMs terão que ser rotulados, independentemente da presença transgênica.

As novas regras de Bruxelas para a rastreabilidade e rotulagem de OGMs e para as rações e alimentos transgênicos encontram respaldo no receio que os consumidores têm desses produtos. As regras possuem como objetivo dar ao consumidor a chance de escolher. “A rejeição aos alimentos transgênicos fez com que grandes produtores de alimentos e varejistas se certificassem de que suas prateleiras estavam livres de produtos modificados”, disse Gall. (Com agências)

SEGURANÇA ALIMENTAR

Filme mostra a doença do McDonald’s

da Redação A partir do dia 20, os brasileiros poderão conferir, um caso real: os malefícios provocados pelos lanches servidos pelo McDonald’s, uma das maiores redes de comida pronta do mundo. Estréia, em todo o território nacional, o filme Super Size Me, do diretor Morgan Spurlock. O curta-metragem é um relato fiel de uma experiência de Spurlock, que durante um mês comeu apenas lanches e refrigerantes, num total de 5 mil calorias diárias. Nesse período, ele engordou 11 quilos e teve uma série de problemas de saúde, como um acréscimo de 65 pontos na taxa de colesterol, depressão e problemas no fígado. Super Size Me custou apenas 65 mil dólares, já foi visto por aproximadamente 2 milhões de pessoas nos Estados Unidos e deve ser

Divulgação

da Redação

O diretor, no detalhe, e o material utilizado para divulgação

distribuído para cerca de 35 outros países. Bem-humorado, Spurlock conta que o filme tem provocado reação da cadeia de fast food. Nos EUA, o McDonald’s tem utilizado cartazes com os dizeres “Você viu ‘aquele’ filme?” e, no mesmo espa-

ço, divulga as iniciativas adotadas pela empresa, como patrocínio de esportes e geração de emprego. No Brasil, antes mesmo da estréia, uma emissora de rádio e uma de TV se recusaram a divulgar o filme. Há um mês, a cadeia de lan-

chonete tem distribuído folhetos com informações sobre os lanches, providência que não era adotada no passado. “A gente é muito complacente com tanta coisa nesse mundo. Sempre achamos que não podemos fazer nada. Eu sou só uma pessoa e com um filme choquei uma grande corporação do mundo. Espero que todas as pessoas, após verem o filme, possam pensar que sozinhas elas podem fazer algo”, afirmou Spurlock. Por ano, o McDonald‘s gasta cerca de 1,4 bilhão de dólares em publicidade. O foco principal de suas campanhas de marketing são as crianças. “Se você consegue que uma criança consuma o seu produto até os 12 anos, ela irá consumi-lo por toda a vida. Isso é o que eu acho mais absurdo”, apontou, destacando como a obesidade é um dos maiores problemas de saúde no mundo.(Com Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)


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DEBATE RUMOS DO GOVERNO

Economia no rumo certo

Carlito Merss

O

caminho seguido pelo governo Lula para a retomada do crescimento econômico tem sido o correto. A manutenção da estabilização, aliada a um conjunto de políticas voltadas à correção de desigualdades estruturais, tem resultado em avanços que nos permitem antever melhores dias para o país. De fato, os números mostram que, passada a fase inicial, quando o governo precisou tomar medidas amargas para enfrentar o legado do governo anterior, entramos numa nova fase. Os números mostram as mudanças positivas e, adicionalmente, rupturas com a cartilha neoliberal adotada no governo passado. A começar pelo fato de que o governo tem empreendido todos os esforços para acelerar a inclusão social, com o reforço do Estado e a adoção de novas políticas públicas, rompendo com a visão de que tal integração ocorreria via mercado. O crescimento deste ano deve ficar entre 3,5% e 4%, num processo consistente. O governo Lula aproveitou o momento em que a situação internacional era positiva para ordenar a economia e pôde assim passar ao largo de eventuais turbulências. Como já disse o próprio ministro Palocci, não se dá um cavalo de pau numa economia do tamanho da brasileira, é preciso uma correção de rumo equilibrada. No ano passado, o governo teve de enfrentar turbulências e enfrentar uma perigosa situação herdada dos tucanos, mas graças às corretas medidas, já há quatro trimestres estamos em ritmo de retomada das atividades econômicas. Esse dado por si só já mostra os acertos da política

econômica, que tem garantido os avanços de que o país necessita. Abertura de novos mercados, novas condições para exportação, a atuação de um BNDES ligado à produção, inúmeras medidas no âmbito interno para estimular o setor produtivo, tudo isso compõe o cenário favorável da economia brasileira. Vejamos alguns indicadores em queda em comparação a 2002: taxa de juros, risco-país, câmbio e vulnerabilidade externa. A taxa de juros, por exemplo, no governo anterior era de 26,5% e atualmente está em 16%, a mais baixa dos últimos nove anos; o risco país caiu de 2400 pontos para menos de 600 pontos. Temos superávits comerciais crescentes e pela primeira vez em muitos anos passamos a ter superávit em conta corrente. Houve redução e estabilização do processo inflacionário. A produção industrial está ultrapassando o pico histórico e continua a crescer: aumentou 6,1% nos primeiros quatro meses de 2004 em relação a 2003. Tudo isso veio com a ampliação da oferta de empregos e a adoção de medidas importantes, como a ampliação do volume de crédito para aquisição de máquinas e equipamentos uma expansão de 33,4% em termos reais nos primeiros quatro meses de 2004, em relação ao mesmo período de 2003.

O ritmo de recuperação da economia tem sido sólido e sustentável, basta ver o desempenho da produção industrial, o aumento das vendas e a geração de empregos. Ao contrário de alguns países, com sérios problemas, no Brasil nós já estamos crescendo em cima de um pico histórico, o que dá uma outra magnitude ao que tem sido feito. Tudo isso é resultado da política econômica do governo Lula. Claro que faltam ainda muitos passos para alcançarmos as condições para um desenvolvimento efetivamente sustentável, garantir a distribuição de renda e diminuição do fosso social. Mas esses objetivos têm sido alcançados por diferentes políticas do governo Lula, que em pouco mais de um ano e meio alterou radicalmente o modo de ver o país e administrá-lo conforme os interesses dos brasileiros. DESEMPREGO – QUADRO GRAVE

O desemprego é ainda um problema – o mais grave que enfrentamos –, mas gradualmente novas vagas estão sendo criadas. A taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas do país caiu de 12,2% para 11,7% entre os meses de maio e junho, segundo uma pesquisa do IBGE. A pesquisa mensal de

emprego indica, ainda, que o rendimento médio do trabalhador cresceu 1,8% em relação a maio de 2004, passando de R$ 871,09 para R$ 886,60, e que o número de trabalhadores com carteira assinada cresceu 3,2% em relação a junho do ano passado. A expansão do emprego formal tem sido favorecida pelo desempenho de alguns setores ligados ao comércio exterior e pelo reaquecimento da demanda interna. Nos últimos 12 meses, a expansão do emprego formal foi de 4,83% o que significou a abertura de 1,119 milhão de vagas. O cenário tem deixado inclusive os agentes econômicos mais confiantes, garantindo-se assim os investimentos necessários para que o país tenha não uma bolha, mas um crescimento sustentável ao longo dos próximos anos. O governo tem feito a sua parte, com o estimulo à produção e às exportações, e o Congresso também, com a aprovação de leis que permitirão um estimulo ao crescimento econômico. Entre as diferentes medidas já tomadas ou em processo de aprovação, podemos citar a nova Lei de Falências, novas regras para as agências reguladoras e ainda o lançamento da política industrial; redução do IPI sobre bens de capital; Fim da cumulatividade da Cofins. Medidas de inovação tecnológica, como a lei de inovações e modernização industrial, e os programas de financiamento Modercarga e Modermaq. Mesmo com todos esses indicadores, há distorções nas análises, tanto à direita como à esquerda. De um lado há os que acusam o governo de intervencionista, de outro, aqueles que defendem medidas radicais, como o controle

de capitais externos, do câmbio, redução do superávit primário (acertado em 4,25% do PIB com o Fundo Monetário Internacional), corte na taxa de juros. Entre este último grupo, há os que ainda insistem na tese de que a atual política leva o Brasil a um beco sem saída de estagnação e desemprego. Os números expostos acima comprovam o contrário. Lamentavelmente, conceitos econômicos estão sendo ditados a partir de visões políticas, incluindo a visão de que o governo estaria rendido ao chamado mercado. O fato é que a semente foi lançada e os frutos começam a ser colhidos pelo país. Não se pode correr riscos com políticas econômicas aventureiras, mesmo porque o legado do governo anterior – de exposição do país aos humores do mercado – ainda não foi totalmente clareado, embora já se tenha diminuído a dependência quase crônica de capitais externos, pelo menos no tocante ao financiamento da dívida. O governo Lula tem introduzido mudanças sem expandir o quadro de carências generalizadas em que sempre viveu o Brasil. Estamos trilhando um caminho mais seguro para o país, agora administrado sob a óptica do interesse nacional. Naturalmente, há algumas linhas e diretrizes econômicas do ancien régime, em respeito aos contratos e, acima de tudo, aos interesses da população brasileira, como está consolidado na Carta ao Povo Brasileiro. Em alguns momentos, é preciso esquecer a ideologia e consultar no mínimo os números da conjuntura econômica. Carlito Merss é deputado federal pelo PT de Santa Catarina e vice-líder do partido na Câmara

Ilustrações Kipper

Mais um miniciclo de otimismo

Reinaldo Gonçalves

O

imperativo psicológico de que “desta vez vai dar certo” tem sido enfaticamente expresso pelo presidente Lula, pois segundo ele “o Brasil não pode perder mais essa oportunidade”. Se é verdade que, por um lado, o presidente Lula captura com competência o sentimento do povo brasileiro, é ainda mais verdade que a sua política econômica é extraordinariamente incompetente. O resultado é que nos defrontamos, mais uma vez, com dois cenários básicos que marcam os inúmeros miniciclos de otimismo relativos à trajetória da economia brasileira nos últimos anos: a) a recuperação econômica não deslancha visto que é abortada no curto prazo (nos próximos 12 meses); b) a retomada do crescimento não se sustenta no médio prazo (entre 12 e 24 meses). O fato a destacar é que o otimismo que o governo está promovendo está assentado em base frágeis, considerando as condições internacionais e nacionais, bem como as restrições pelo lado da oferta e da demanda da economia brasileira. Antes de analisarmos as incertezas críticas internacionais e nacionais, cabe destacar os indicadores conjunturais mais recentes. Dentre esses indicadores, o governo tem enfatizado o crescimento da produção, vendas e geração de emprego. Os indicadores de geração de emprego mostram claramente uma recuperação muito modesta e concentrada no mercado informal de trabalho (sem carteira assinada). No entanto, a situação

de desemprego continua muito ruim, pois não há segurança que esse ano o Brasil supere a taxa de 3% a 3,5% do crescimento do PIB, que é necessária para que haja uma geração de emprego superior aos 1,7 milhão de postos de trabalho – número de brasileiros que chegam esse ano ao mercado de trabalho. Deve-se notar ainda que a redução da taxa de desemprego nos últimos meses deveu-se também a que muitos trabalhadores, após meses ou anos procurando emprego, decidiram sair do mercado de trabalho. Isto tem como efeito a redução da taxa de desemprego. Vejamos, agora, as restrições que devem impedir a retomada sustentável da produção e das vendas no curto prazo. Pelo lado da demanda, podemos mencionar que o rendimento médio real do trabalhado em junho de 2004 está 14% menor do que há dois anos. Em outras palavras, ainda que não haja sinais de continuação da queda abrupta de 2003, não há também indicações de crescimento do rendimento médio real do trabalhador e da massa de salários. Consequentemente, não podemos ter expectativas

sérias de crescimento sustentado do consumo no curto e médio prazos. Vale mencionar que o Banco Central anuncia a intenção de manter taxas de juros elevadas e, inclusive, acena com a possibilidade de aumentá-las em função da conjuntura internacional. O Ministério da Fazenda não fica atrás quanto ao anúncio de políticas restritivas. O próprio ministro é enfático quanto à manutenção do hiperávit fiscal primário nos próximos anos. As expectativas são, então, de políticas monetária, creditícia e fiscal restritivas. O desastre patético do salário-mínimo, bem como as negociações com os servidores públicos, indicam que a política salarial também é restritiva. BARREIRAS COMERCIAIS

Ademais, o governo tem mantido as reduzidas barreiras comerciais, contrariamente a que muitos países como Argentina e Estados Unidos têm feito no passado recente. O Ministério da Indústria e do Comércio parece estar envolvido num esforço de criar maiores facilidades para importação. Ao mesmo tempo, o governo mantém os juros altos para atrair capital externo de

curto prazo e faz lançamentos de títulos no mercado internacional (o que aumenta a dívida externa do setor público) e, como resultado, mantém o dólar relativamente barato. Consequentemente, o já combalido setor produtivo brasileiro não encontra as condições necessárias para a substituição de importações. Nesse sentido, o aumento das vendas do comércio deverá resultar, em alguma medida, não do aumento da produção e da renda interna e, sim, da elevação das importações, o que representa um vazamento de renda. Pelo lado da oferta, já há indícios e indicações concretas de que setores-chave atingiram a plena capacidade. O fato concreto é que a queda livre dos investimentos produtivos nos últimos anos, deixou boa parte do setor produtivo com baixa capacidade ociosa. Isso dificulta o crescimento no curto e médio prazos. Essa restrição deverá significar que no lugar do aumento da produção real teremos a pressão da demanda interna gerando mais inflação. Por exemplo, no final de julho, o setor de aço, ao mesmo tempo em que anunciava lucros extraordinários das empresas oligopolistas do setor, também sinalizava plena capacidade e aumento de preços. O espectro do apagão continua rondando a economia brasileira. Não é por outra razão que o Ministério das Minas e Energia procura mudar as regras para o setor. Assim, temos sérias restrições pelo lado da oferta em insumos básicos como energia e aço. Mesmo nos produtos agrícolas corremos risco de abastecimento interno, tendo em vista a

orientação da produção interna para o mercado internacional e a estratégia míope do “caixeiroviajante”, ou seja, exportar a qualquer custo. A conjuntura internacional, por seu turno, recomenda grande cautela, conforme tem assinalado o Banco Central nas suas atas da reunião do Conselho de Política Monetária, o famigerado Copom. O protecionismo, a taxa de juro nos Estados Unidos, o preço do petróleo, a liquidez internacional e os preços das commodities fazem parte do conjunto de riscos e incertezas críticas da arena internacional. Nesse contexto, devemos ressaltar que a situação externa brasileira continua muito frágil. O nível das reservas internacionais do país continua muito baixa e o fato de o Brasil continuar com o “auxíliofuneral” do FMI caracteriza uma situação de gravidade. Desta forma, quando consideramos as incertezas críticas externas e as restrições de oferta e de demanda da economia brasileira, somos levados a uma situação tipo “já vimos essa história antes”. E essa história é o ciclo de recuperação que não se sustenta por muito tempo. Lamentavelmente, Lula está desperdiçando uma oportunidade histórica e continua repetindo estratégias e políticas que geraram uma trajetória de instabilidade e crise que, entre outras coisas, apresenta esses miniciclos de otimismo. Lula está se mostrando incapaz de aprender com os erros alheios e, o que é pior, com os seus próprios erros. Também já vimos essa história antes. Reinaldo Gonçalvez é Professor titular de Economia da UFRJ


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA

CEARÁ EXPOSIÇÃO DE FOTOS “ÁGUAS DE MARÇO: REVELAÇÕES DE UM CENÁRIO URBANO” De 4 a 14 A exposição retrata o drama vivido pela população de Fortaleza desde as chuvas de março. Itinerante e interativa, é uma iniciativa do Centro de Estudos, Articulações e Referência sobre Assentamentos Humanos, com o projeto Águas de Março. Tem apoio da Oxfam-GB, agência financiadora de projetos sociais. A mostra percorre, em agosto e setembro, espaços públicos e privados. A exposição visa sensibilizar a sociedade, levando a uma

MOSTRA - GETÚLIO: 50 ANOS DE LUTO? Dia 21, às 20h Organizada pelo Centro Cultural São Paulo, a mostra tem o objetivo de lembrar a vida do ex-presidente. Além de filmes, haverá o debate “Vargas e a energia: a invenção da Petrobras”. Entre os debatedores estão o historiador Ricardo Maranhão, autor, entre outros, de Brasil e a História volume reflexão mais profunda sobre a questão das enchentes e da moradia. “Águas de Março” é organizada pelo fotógrafo e jornalista Eduardo Almeida e conta com 20 fotos coloridas. Local: Associação Comunitária do Dias Macedo (de 4 a 7); Sest/ Senat (de 5 a 7); e Salão Comunitário do Genibaú (de 13 a 14), Fortaleza Mais informações: (85) 261-2607 e 261-8754; daut@cearahperiferia.org.br

DISTRITO FEDERAL SEMINÁRIO - “POBREZA E DIFERENÇAS REGIONAIS” Dia 8, das 9h às 12h Promovido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef), o seminário tem entre os debatedores Rogério Castro, diretor de Programas Sul/Sudeste do Ministério da Integração Nacional, e Naidison Quintela, técnico em desenvolvimento e secretário executivo do Movimento de Organização Comunitária (MOC). Local: SDS Ed. Boulevard Center, Bloco A, 3o andar, Brasília Mais informações: (61) 322-6508 (ramal 204); andi@andi.org.br

Americanização do Brasil na Época da Segunda Guerra Mundial. Local: Rua Vergueiro, 1000, São Paulo Mais informações: (11) 3277-3611

4: A Era Vargas e de vários artigos relacionados ao ex-presidente; o economista Fernando Gasparian; e o mediador Antonio Pedro Tota, professor do Departamento de História da PUC de São Paulo e autor de O Imperialismo Sedutor, a Divulgação

ESTRÉIA - DOCUMENTÁRIO EVANDRO TEIXEIRA – INSTANTÂNEOS DE REALIDADE Dia 6 A história recente do Brasil é lembrada por Paulo Fontenelle, por meio de imagens e de declarações de Evandro Teixeira, fotógrafo que registrou políticos, personalidades e pessoas do povo durante a sua carreira. Há dez anos, Teixeira – que recebeu prêmios importantes por seus trabalhos – teve seu currículo incluído na Enciclopédia Suíça de Fotografia, onde estão registrados os maiores fotógrafos do mundo. Suas fotos fazem parte dos acervos do Museu de Belas Artes de Zurique, na Suíça; Museu de Arte Moderna La Tertulha, em Cali, na Colômbia; Museu de Arte de São Paulo (Masp); Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro e Museu de Arte Contemporânea (MAC) de São Paulo. Mais informações: www.riofilme.com.br www.evandroteixeira.net

SÃO PAULO

Divulgação

NACIONAL

PARAÍBA SEMINÁRIO SOBRE DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO De 19 a 21 Paralelo ao seminário, está previsto um minicurso sobre “Democracia e participação”. O curso acontece nos dois últimos dias da programação. No dia 19, vai ser discutida a relação dos movimento sociais com as eleições municipais de outubro. Local: Auditório da Biblioteca Central da Universidade Federal de Campina Grande, Hotel Marc Center, R. Getúlio Vargas 369, Centro Mais informações: (83) 341-2800; centrac@terra.com.br

RIO GRANDE DO NORTE 16º FÓRUM DE RESPONSABILIDADE SOCIAL Dia 9, às 19h O fórum é promovido pela orga-

nização não-governamental Natal Voluntários, e contará com a palestra “Transparência e combate à corrupção”, do diretor executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo. Na ocasião, será lançada a cartilha de combate à corrupção da ONG Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo). Grátis. Local: Hotel Escola Barreira Roxa, Via Costeira, s/nº, Natal Mais informações: (84) 211.1527; forum@natalvoluntarios.org.br

RIO GRANDE DO SUL 1º ENCONTRO DE JOVENS DO CONE SUL De 13 a 15 O encontro vai trabalhar cinco eixos, priorizando a importância da sindicalização na América Latina e a necessidade de integração de setores juvenis, movimentos sociais e populares. Os eixos definidos são: educa-

ção, economia solidária, desenvolvimento rural, trabalho e sindicato. Local: Rua Dr. Barros Cassal, 283, Porto Alegre Mais informações: www.cutrs.org.br; cut-rs@terra.com.br

RIO DE JANEIRO DEBATE - “RAÇA E GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO E O FUTURO DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS” Dia 10, às 14h O objetivo é mobilizar pessoas e instituições para avaliar os principais dilemas e convergências que moldam os debates sobre as políticas afirmativas e que tipo de contribuição as empresas podem oferecer em um futuro próximo. O evento é uma realização do Instituto Agenda de Responsabilidade Social e Cidadania e do programa Políticas da Cor, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Local: R. São Francisco Xavier, nº 525, bloco F, 2º andar, Rio de Janeiro Mais informações: contato@insti tutoagenda.org.brcontato@institut oagenda.org.br ; rogerio@politicas dacor.net

SÃO PAULO 1º ENCONTRO ESTADUAL DE ABRIGOS DO ESTADO DE SÃO PAULO Dia 28 de agosto, das 8h às 18h O evento, organizado pelo Centro de Capacitação e Incentivo à Formação (CeCIF), discutirá a situação dos abrigos no Estado e formas de melhorá-los. As inscrições vão até o dia 10 e custam R$ 30. Local: Av. Jorge João Saad, 905, São Paulo Mais informações: (11) 5081-5203; www.cecif.org.br


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CULTURA

De 5 a 11 de agosto de 2004

PROFISSÃO ATOR

Gero Camilo interpreta a vida do brasileiro Aos 33 anos, ator cearense usa teatro e cinema para retratar personagens que são a cara do Brasil da Redação

Brasil de Fato – A televisão ainda é a principal fonte de lazer do brasileiro. Não é injusto o público não ter acesso a outros tipos de arte? Camilo – O público é você, sou eu, que somados somos nós. Considero o público alguém que chega. O que emperra é essa relação entre obra, produto e mercado. É raro ter público em dança, mas, em um espetáculo de graça, lota. É claro que o público está carregado de referências da televisão, e a função do teatro é sacudir.

FUTEBOL

Quem é

Fotos: Renato Stockler

A

os 33 anos, o cearense Gero Camilo quer ser um artista completo. Além de atuar em filmes como Bicho de Sete Cabeças, Carandiru e Cidade de Deus, ele canta, escreve, atua e dirige peças de teatro. Expoente de uma nova geração de atores, que despontaram no cinema, Camilo constrói uma carreira que chama a atenção, a ponto de ter sido chamado pelo diretor estadunidense Tony Scott para participar do sanguinolento filme Man on Fire. Ao lado do gigantesco ator Denzel Washington, o franzino ator interpreta Aurélio Sanchez, um seqüestrador mexicano, tipo diferente do povo brasileiro a quem dá vida e voz. Camilo, que tem origem no teatro, vem interpretando gente brasileira com sotaque nordestino, geralmente em papéis que parecem exigir forte comprometimento mental e físico. Formado pela Escola de Arte Dramática (EAD), na Universidade de São Paulo (USP), em 1998, ele gosta de destacar, em sua carreira, o personagem Firmino, de Narradores de Javé, filme que segundo ele ajudou a recuperar uma imagem desgastada e preconceituosa do Nordeste e que colaborou para mudar o olhar urbano e cinzento do espectador. Mas, mais do que trabalhar em cinema, ele é um ator de teatro. Em 1993, montou e encenou o monólogo Procissão, que conta a história de um romeiro que, de repente, tenta recordar os motivos pelos quais caminha. Já As Bastianas, texto adaptado de contos escritos por Camilo e publicados no livro independente A Macaúba da Terra, revela o cotidiano de uma aldeia no sertão nordestino, com suas histórias e religiosidade. Atualmente, está em cartaz com a peça Entre Atos, que trata da solidão nas metrópoles. Para falar sobre a importância da arte, que segundo ele não pode fazer distinção entre ricos e pobres, Camilo conversou com jovens que participam da revista Viração, responsáveis pela entrevista ao Brasil de Fato.

Gero Camilo é ator, escritor e diretor teatral, formado pela Universidade de São Paulo. Em 2001, ganhou o Candango, como melhor ator coadjuvante, no Festival de Brasília, por sua atuação em Bicho de Sete Cabeças. Em 2003, ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante, no Cine PE – Festival do Audiovisual (novo nome dado ao antigo Festival de Recife), por Narradores do Javé.

BF – O que você acha da televisão? Camilo – Eu tenho muitas críticas, e também uma vontade muito grande de entrar nessa máquina com outros olhares estéticos, que não seja simplesmente o do ibope, da celebridade, da fama. Mas é muito difícil. BF – Na sua peça Entre Atos você fala da solidão na metrópole. Por que escolheu esse tema? Camilo – Há um poema do Carlos Drummond de Andrade que

diz: “Nessa cidade de 2 milhões de habitantes, estou sozinho no quarto, estou sozinho na América”. Estar sozinho na metrópole não é necessariamente estar com a porta fechada. A multidão muitas vezes faz com que a gente se sinta muito sozinho. Estar sozinho nessa cidade é se sentir excluído da participação que pode ter como cidadão, não poder se deliciar com as possibilidades que uma cidade oferece aos seus habitantes. É se sentir apartado dos bens culturais. Além do mais, vivemos em uma sociedade que favorece o isolamento entre as pessoas. BF – A solidão é fruto das injustiças?

Camilo – Também. Na peça, vejo que as pessoas riem muito das situações e, ao mesmo tempo, vão se identificando com as personagens e percebendo como é difícil sobreviver na metrópole, como é difícil se manter vivo, digno e íntegro numa sociedade em que a própria estrutura do capitalismo corrompe e faz corromper. BF – Qual pode ser a saída? Camilo – Eu acho que o teatro propõe saídas, o teatro é uma arte que reúne, é um ato coletivo. Embora eu seja o ator que está no palco, o que acontece é um ato comunitário. No teatro, faço com que as pessoas percebam que o outro é importante também.

BF – O artista da periferia tem mais o que falar? Camilo – Não precisa ser da periferia para retratar a periferia. Burguês ou filho de proletário, tanto faz: na hora em que decide ser um ator, ganha um dia, no outro não ganha. Numa sociedade na qual tudo vira produto, só vai ter acesso à arte quem tem a moeda para comprar. Mas isso não impede que o público arrombe as portas dos teatros ou que as pessoas pulem as catracas dos cinemas. BF – O que é mais gratificante em ser um ator? Camilo – Sinto muita alegria por continuar respeitando as minhas vontades de expressão artística, de transformação do cotidiano. Insistir em ir para a cena, em fazer coisas que emocionem as pessoas realmente é vigoroso porque faz com que o teatro mude a vida de pessoas e elas comecem a ver as coisas diferentes. Isso para mim é um grande prazer, me realiza como ator. (Com equipe da revista Viração).

Jovens participam de projeto editorial Mensal e voltada para os jovens, a revista Viração foi lançada em março de 2003 e se propõe a ser um fórum de debate sobre a cidadania, os direitos humanos, a educação para paz e a solidariedade entre os povos. Sem fins lucrativos, a publicação se apresenta como um projeto social impresso da Associa-

ção de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé, de São Paulo. Um diferencial do projeto é o conselho editorial jovem, formado por representantes de escolas públicas e particulares, organizações não-governamentais e movimentos sociais. Sua finalidade é avaliar a revista, propor e reali-

zar pautas e entrevistas, além de discutir a realidade brasileira e internacional. Viração conta com o apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da Organização das Nações Unidas para a Cultura, Educação e Ciência (Unesco), do Núcleo de Comu-

nicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo, e da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Também possui uma versão eletrônica na internet (www.revistaviracao.com.br). Mais informações pelo telefone: (011) 3237-4091

Representantes do Conselho Editorial Jovem da revista Viração entrevistam o ator Gero Camilo: projeto impresso sem fins lucrativos

Sem-teto disputam campeonato mundial

Cristina Uchôa da Redação É um campeonato mundial de futebol, só que com seleções formadas por atletas sem salários milionários. Muito pelo contrário: os jogadores não têm, literalmente, onde morar. A Copa Mundial de Futebol de Rua (Homeless World Cup) está em sua segunda edição e Faktum – publicação de rua da Suécia, similar à revista Ocas brasileira. Ocas – Organização Civil de Ação Social, que publica revista homônima para a venda por moradores de rua brasileiros. INSP – International Network of Street Publications, ou Rede Internacional de Publicações de Rua.

reúne em Gotemburgo, na Suécia, times de sem-teto de 26 países, com o apoio e a organização da Rede Internacional de Publicações de Rua (INSP, na sigla em inglês). O Brasil é representado pelo pessoal da revista Ocas, vendida exclusivamente por moradores de rua. O campeonato de futebol é, na verdade, uma das atividades de um encontro internacional de moradores de rua, que têm discutido as questões de moradia e de organização social em fóruns realizados entre uma partida e outra. Mas o torneio já proporcionou conquistas concretas: 12 participantes da primeira copa estão contratados como jogadores ou técnicos em

clubes profissionais de diferentes países. Nos jogos, o espírito é de descontração. Compõem a equipe 3 jogadores de linha e um goleiro, no estilo clássico do futebol de várzea, apesar de a quadra ser de cimento com grama sintética dentro da área do goleiro. Nas regras, fica clara a informalidade. Nada de saída de meio de campo depois dos gols. No lugar, utiliza-se a “saída bangu”: o goleiro dá a saída como se fosse um tiro de meta como outro qualquer. Neste ano, a seleção brasileira está dando o que falar. A estréia da equipe, contra a Eslováquia, prometia a manutenção da fama do futebol

pentacampeão do mundo: vitória por 8 a 5. Foi o único resultado positivo. No segundo jogo, com a expulsão temporária de um jogador, a Escócia cravou seis gols de vantagem. Mesmo perdendo nos pênaltis para a República Tcheca, o time brasileiro garantiu vaga na segunda fase do campeonato, disputando nova classificação com Itália, Áustria e País de Gales. Daí veio uma seqüência de resultados desastrosos, com até 10 gols de diferença. Guilherme Araújo, integrante da equipe que tem se correspondido pela internet com os integrantes do projeto Ocas no Brasil, usou os conhecidos argumentos de jogadores profissionais para justificar o mau

desempenho: a Itália se mostrou superior por contar com imigrantes em sua equipe; País de Gales tinha um time forte e jovem; e que a defesa austríaca, ainda que tenha vencido a brasileira, sofreu gols apenas nessa fase do campeonato. “Esvaziamos nosso ego”, foi uma das expressões da reunião do grupo durante a segunda fase, se referindo à aceitação do espírito amistoso do campeonato. O time italiano se consagrou o grande campeão, vencendo por 4 gols a equipe austríaca na grande final. A equipe brasileira disputou o Troféu Faktum, ficando com o seu 7º lugar, com uma vitória sobre o Canadá por 5 a 0 no jogo final.


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