Ano 2 • Número 77
R$ 2,00 São Paulo • De 19 a 25 de agosto de 2004
Vitória de Chávez, derrota de Bush O
povo venezuelano marcou posição histórica dia 15. A maioria dos cerca de 10 milhões eleitores, ao votar pelo não, no referendo revogatório do presidente Hugo Chávez, deliberou pela continuidade de seu mandato até dezembro de 2006, e pela revolução bolivariana. O resultado assinala a derrota das elites locais e de seu principal patrocinador, George W. Bush, presidente dos Estados Unidos. Fortalecido pela intensa mobilização popular, Chávez discur-
sou: “Esse processo que vivemos na Venezuela irá se aprofundar. Começa uma nova etapa que significa ampliar a luta contra a pobreza”. A vitória impulsiona as forças populares na América Latina. “O resultado demonstra que uma liderança mais decidida, com definições mais claras, tem respaldo popular muito forte. Podemos ter programas políticos muito mais avançados na região”, avalia o sociólogo Theotônio dos Santos. Págs. 2, 9 e 10
Marcelo Hernandez/AP/AE
Venezuelanos confirmam mandato do presidente e fortalecem mudanças sociais na América Latina
Medidas antiterror violam direitos humanos Jeffrey Frank, dirigente da Liga Nacional dos Advogados Progressistas, afirma que o candidato democrata John Kerry também defende o Ato Patriota, medida que limita as liberdades civis e políticas nos EUA. Na Grã-
Bretanha, Justiça legitima evidências obtidas por depoimentos conseguidos sob tortura em outros países. “A sentença é uma aberração legal e moral”, protestou a Anistia Internacional. Págs. 11 e 12
Donos do agronegócio impõem terror no campo
Déficit dos EUA é uma ameaça a outras economias
berto Mânica, o maior produtor de feijão do Brasil, não são exceção. O fazendeiro está preso desde o dia 13, suspeito de mandar assassinar quatro funcionários do Ministério do Trabalho. Pág. 5
Simpatizantes do presidente Hugo Chávez comemoram a vitória no referendo que decidiu sua permanência no poder
Patrícia Santos/AE
Os fazendeiros do agronegócio usam de qualquer meio para aumentar lucros: violência, exploração de trabalhadores e corrupção do poder público. A denúncia é de entidades que atuam no campo. Casos como o de Nor-
Empresas transnacionais ganharam a possibilidade de se apoderar do petróleo brasileiro. Governo federal e Judiciário, numa ação conjunta, garantiram a realização da sexta rodada de licitações para exploração de al-
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Palestinos protestam com greve de fome
Orquestra de violeiros difunde cultura caipira
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E mais: QUILOMBOLAS – Campanha nacional, lançada dia 18, tem o objetivo de pressionar o governo para que regularize os territórios de quilombos. Pág. 4
CONSELHO DE JORNALISMO – Rogério Christofoletti e Chico Sant´Anna debatem a polêmica proposta de criação de um órgão federal regulador da atividade jornalística. Pág. 14
gumas das mais preciosas áreas petrolíferas da nação. Vencendo o leilão, a empresa se torna dona de tudo que extrair, ameaçando a soberania e a auto-suficiência do país no insumo. Pág. 3
Sem garantia de Projeto favorece transnacionais crescimento auto-sustentado de transgênicos
Pág. 12
ÁFRICA – Os sul-africanos batem recordes na natação e superam as expectativas ao derrotar Estados Unidos e Austrália nas Olimpíadas de Atenas. Pág. 13
Brasil rifa suas melhores reservas de petróleo
Petroleiros e militantes protestam contra o leilão de reservas de petróleo
Hoje, não há como afirmar com seriedade que a economia brasileira está entrando em um ciclo de crescimento auto-sustentado. Seja porque os efeitos expansionistas das exportações tendem a ser neutralizados pelo impacto negativo do arrocho fiscal e monetário sobre o gasto público e a formação bruta de capital. Ou porque a vulnerabilidade externa diminuiu mas não foi resolvida. Pág. 7
Apresentado pelo senador Osmar Dias (PDT-PR), dia 10, o projeto de Lei de Biossegurança beneficia as grandes empresas de transgênicos. A avaliação é da engenheira agrônoma Ângela Cordeiro, especialista em biotecnologia, para quem a proposta dá super poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), impedindo o controle das decisões pela sociedade. Pág. 8
Movimento por moradia acusa irregularidades
Olga, muito melodrama e pouca política
Cerca de 5 mil manifestantes ligados a movimentos por moradia saíram nas ruas de São Paulo, dia 12, para denunciar irregularidades da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) na administração de verbas para projetos de habitação. A passeata terminou em frente ao Ministério Público (MP), onde diversas entidades entregaram documento ao procurador geral da Justiça do Estado exigindo uma investigação. Pág. 4
Dirigido por Jayme Monjardim, o longa-metragem sobre a vida de Olga Benário passa ao largo da militância política da líder comunista alemã. Um roteiro melodramático do romance de Olga com Luís Carlos Prestes, o filme estréia, dia 20, em circuito nacional. Com um orçamento de R$ 12 milhões, foi produzido pela Globofilmes, das Organizações Globo, que durante o regime militar proibiu a veiculação de imagens de Prestes. Pág. 16
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De 19 a 25 de agosto de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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NOSSA OPINIÃO
Uma vitória do povo latino-americano
A
vitória do governo Chávez, que teve seu mandato consolidado pela esmagadora maioria da população venezuelana, tem muitos significados. Antes das eleições, o cenário político e a correlação das forças que se enfrentaram já davam mostras de que todo o processo colocava não apenas o governo Chávez em julgamento. Vencer o referendo representou também uma série de conquistas políticas para o povo de todo o continente. Em primeiro lugar, foi um ganho do ponto de vista da conjuntura nacional, onde há um confronto aberto e permanente, próprio do aprofundamento da luta de classes no cenário venezuelano. De um lado, a velha oligarquia e uma burguesia lúmpem, acostumada com os privilégios de 40 anos de exploração sem limites do petróleo. Essa burguesia se locupletava com consumo de luxo e com remessas incontroláveis de capital para Miami, nos Estados Unidos. E transformou o país em uma ilha em que alguns esbanjavam riqueza, e de outro lado, a imensa maioria da população não tinha futuro. O fenômeno Hugo Chávez, com as forças militares insurretas em aliança com uma ampla camada da população pobre e desorganizada, pôs fim a essa dominação de déca-
das. Não houve uma revolução no sentido clássico. Mas está em curso um verdadeiro processo de mudanças sociais. Em primeiro lugar, o governo mudou completamente as instituições e aprovou uma constituição progressista. Nos últimos meses, está utilizando os recursos do petróleo em proveito de toda população, financiando diversos programas sociais. A vitória popular no referendo representou uma derrota política para as oligarquias que não querem perder privilégios e vai permitir maiores avanços nas mudanças sociais. O maciço apoio popular demonstrou que as mudanças na política econômica e social somente serão possíveis com ampla mobilização popular. Estão iludidos os que pensam que é possível combater privilégios das elites apenas combinando com elas, em reuniões atapetadas de palácios. Agora, quiçá se gerem as condições para o debate na Venezuela de um novo modelo econômico para o país, que garanta emprego para toda a população e distribua renda, sem depender a vida inteira apenas do petróleo. O segundo significado que vale para toda a América Latina é que o governo Bush e suas trans-
nacionais deram um xeque-mate na Venezuela. E se ganhassem a partida, pensavam em vir para uma ofensiva conservadora em todo o continente. Uma vitória dos conservadores pró-ianques consolidaria a hegemonia estadunidense em toda a região andina, uma vez que os governos do Equador e da Colômbia são completamente submissos. E, assim, acumulariam para impedir mudanças no Peru, na Bolívia. E fortaleceria a política imperialista para enfrentar a pretensa autonomia do Mercosul, com os governos Kirchner e Lula. A derrota da política de Bush na Venezuela influirá também decisivamente para a sua própria derrota interna. Pois, com o resultado do referendo, Bush perde votos entre os conservadores da Flórida e na população em geral dos Estados Unidos, que viu que a política de desestabilização de governos latino-americanos não tem mais futuro. Felizmente não se repetiu em 15 de agosto, na Venezuela, as artimanhas da CIA, aplicadas no Chile, em 1973, e na Nicarágua, em 1990. Muita água passará debaixo da ponte venezuelana, mas o povo latinoamericano derrotou em Caracas os interesses do capital estadunidense. E assim, podemos avançar.
FALA ZÉ
OHI
CRÔNICA CARTA AOS LEITORES
Em defesa da imprensa independente São Paulo, 17 de agosto de 2004 Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dezoito meses, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos resistindo!
Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um(a) amigo(a). Se você é vinculado(a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Ou melhor: a única alternativa que nos resta é o seu apoio. Atenciosamente Conselho Editorial do Brasil de Fato
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As Olimpíadas e a hipocrisia
Renato Pompeu A antiga Iugoslávia, já constituída só da Sérvia e do Montenegro, mas incluindo ainda o Kosovo, foi impedida de participar da Copa do Mundo de 1994, sob o argumento de que era responsável por uma guerra de agressão contra a Croácia e a Bósnia. Em 1980, os Estados Unidos não participaram das Olimpíadas de Moscou, sob o argumento de que a União Soviética estava ocupando ilegalmente o Afeganistão. Desta vez, não há dúvidas de que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, mais seus aliados da chamada Coalizão, estão envolvidos numa guerra de agressão contra o Iraque, pois não têm o respaldo da ONU. No entanto, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, e seus vassalos, estão participando, belos e lampeiros, das Olimpíadas de Atenas, sem que nenhuma autoridade esportiva tivesse protestado, apesar de o evento supostamente ser um ato de confraternização entre os povos e de celebração da paz. Nenhum país, também, mesmo os que foram contra a intervenção no Iraque, se colocou contra a presença nestas Olimpíadas de países empenhados em guerra de agressão. Restaram as manifestações dos torcedores no jogo de futebol em
que o Iraque derrotou Portugal, que envolveram coros e faixas contra a ocupação do território iraquiano, muito particularmente contra os Estados Unidos, alvo maior da fúria da torcida. Mas, no jogo de basquetebol em que Porto Rico derrotou os EUA, não houve maiores protestos. Por muito menos do que os bombardeios contra alvos civis no Iraque e por muito menos do que as torturas infligidas pelos estadunidenses aos prisioneiros iraquianos e em Guantánamo, a Iugoslávia foi proibida de atuar na Copa do Mundo – e até hoje o Tribunal especialmente criado para julgar os crimes de guerra na antiga Iugoslávia – não conseguiu condenar o presidente Slobodan Milosevic, por não ter reunido provas contra eles. No entanto, lá estão, em Atenas, os atletas dos EUA e da Grã-Bretanha. Também é significativo que, apesar de estar erguendo um verdadeiro Muro da Vergonha, Israel esteja participando das Olimpíadas sem que praticamente ninguém tenha assinalado o seu protesto – com exceção do judoca campeão mundial iraniano Arashi Miresmaili, que se recusou a lutar contra um israelense –, enquanto os palestinos não estão representados nos jogos. Mais exatamente, os palestinos, co-
mo os curdos e os assírios, e outros povos sem Estado, não podem participar, nem das Olimpíadas, nem da Copa do Mundo de Futebol, a não ser vestindo a camisa de países dominados por outros povos, como a Jordânia, a Turquia ou a Síria. A África do Sul do apartheid não podia participar da Copa do Mundo, mas nas Olimpíadas teve menos problemas. Tudo isso acontece porque, enquanto os atletas, na maioria das modalidades – com exceção por exemplo do tênis, da natação e do iatismo – são esmagadoramente provenientes das camadas mais populares, as autoridades que dominam o esporte são em geral da direita mais conservadora, muitas delas próximas do fascismo. Pelo menos, no entanto, e praticamente ignorados pela grande mídia, houve protestos de massa, organizados, na abertura dos Jogos Olímpicos, contra as más condições de trabalho nas fábricas de artigos esportivos em todo o mundo, em especial nos países atrasados, algumas das quais são patrocinadoras das Olimpíadas. Que se aprenda a lição para que, da próxima vez, os esportes sirvam realmente para consagrar a paz e escarmentar a guerra.
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NACIONAL PETROBRAS
No Brasil, Estado contra sociedade
Luís Brasilino da Redação
O
governo brasileiro pode estar abrindo mão de uma das mais importantes reservas estratégicas da nação: as bacias petrolíferas de Alagoas, Campos (RJ), Espírito Santo e Sergipe. Essas são as áreas incluídas na sexta rodada de licitação, promovida entre os dias 17 e 18, para explorar 17 regiões petrolíferas divididas em 913 blocos, muitos deles “azuis” (áreas vizinhas a terrenos onde a Petrobras investiu cerca de 800 milhões de dólares e achou muito petróleo). Ao final do primeiro dia de leilão, a Petrobras arrematou 61 das 81 áreas vendidas, mas perdeu um importante bloco na Bacia de Campos para a estadunidense Devon Energy Corporation. “A ministra (das Minas e Energia, Dilma Rousseff) alega que o governo não perderá o controle das jazidas, o que é inverdade: o artigo 26 da lei 9478/97 dá a propriedade do petróleo a quem produzir. Logo, as empresas estrangeiras que adquirirem as áreas azuis se tornarão donas de todo óleo extraído”, explica Fernando Siqueira, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet). “O Direito Constitucional de Propriedade permite às empresas fazer o que bem entenderem com o petróleo, inclusive exportá-lo, independentemente da ANP, o que é e sempre foi o objetivo delas: aumentar suas reservas e não as nossas”, acrescenta , Siqueira. Isso significa que o país pode ficar sem nenhuma gota daquela que é, atualmente, a principal fonte de energia do mundo.
CONTINUÍSMO Para impedir o pior, Roberto Requião, governador do Paraná, entrou, dia 9, com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF), tentando provar que a Lei 9.478/97 é inconstitucional. No dia 16, Carlos Brito, ministro do STF, concedeu liminar parcial suspendendo justamente o artigo 26 dessa lei. Com essa decisão, dificilmente transnacionais participariam do leilão. Porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou em ação. Via Advocacia Geral da União (AGU), impetrou, no dia 17, mandado de segurança, julgado e acatado pelo presidente do STF, Nelson Jobim, cassando a liminar. A matéria deve ser analisada nos próximos dias por toda a Tribuna, e a decisão que ela tomar será retroativa. O leilão, no entanto, foi realizado como a ANP queria.
Anderson Barbosa
Em matéria de reservas estratégicas de energia, a licitação de petróleo do governo vai na contramão da história
Petroleiros e militantes sociais protestam contra leilão das reservas, em frente ao prédio da Petrobras, na Avenida Paulista, em São Paulo
Golpe na campanha “O petróleo é nosso” Jorge Pereira Filho da Redação Às vésperas de a morte de Getúlio Vargas completar 50 anos, o Brasil está novamente envolvido em uma polêmica sobre a privatização do petróleo. A 6ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo (ANP) é o oposto do que defendia a campanha “O Petróleo é Nosso”, encampada pelo político gaúcho morto em 24 de agosto de 1954. A campanha teve apoio da União Nacional dos Estudantes Mais uma vez o governo petista deu continuidade à administração Fernando Henrique Cardoso. Para Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia e ex-funcionário da ANP, o governo FHC preparou a privatização e Lula a continua.
SOBERANIA? “Inexiste preço que pague a venda de uma reserva estratégica”, afirma Metri. Os leilões ameaçam a soberania
(UNE), nacionalistas, militantes do Partido Comunista e militares, entre outros. Contra ela, estavam a elite e os meios de comunicação comerciais (entre eles, o Estado de S. Paulo e O Globo), que defendiam as transnacionais. A campanha começou a ganhar força nas ruas em 1946, e reuniu mais de 30 mil pessoas em comício no vale do Anhangabaú (SP). Em 1953, Getúlio Vargas publicou a lei 2004, criando a Petrobras e estabelecendo o monopólio estatal no setor. Em 1995, Fernando Henrique Cardoso derrubou o monopólio,
sob resistência do PT e das forças populares. Em 1997, o tucano criou a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e definiu novas regras para o setor. O PT organizou fortes protestos durante as quatro rodadas de licitação da ANP. A quinta foi preparada pelo governo FHC, mas realizada no início da gestão petista, sob a alegação de não interromper um processo já iniciado. Agora, o governo do PT defende a realização da sexta rodada, ignorando seus compromissos históricos e dos movimento popular em defesa do petróleo.
de várias maneiras. “Primeiramente, se esse leilão não se apoiar num planejamento energético estratégico, ele pode estar consumindo a energia da geração seguinte, quando o barril deverá estar muito mais caro (custava 28 dólares em 2003 e chegou a 46 dólares nos últimos dias), para gerar enorme superávit comercial, agora”, afirma o engenheiro. Além disso, esse leilão chega exatamente no momento em que o Brasil está prestes a atingir a au-
to-suficiência. O que é bom para o país, que não precisaria gastar moeda forte para importar petróleo, e que desenvolveria uma atividade econômica com geração de renda e emprego.
CHOQUE À VISTA “Auto-suficientes, poderíamos aproveitar para fornecer derivados no mercado interno a preços mais baixos que as cotações internacionais. Essa seria uma vantagem
comparativa do país, transferida para a sociedade e a economia. Os produtos brasileiros de exportação ficariam mais competitivos, e os consumidos pela população, também”, defende Metri. Mas o que pode acontecer, caso transnacionais vençam os leilões, é o Brasil ver suas reservas sendo exauridas no momento em que especialistas mundiais apontam para um terceiro e definitivo choque do petróleo – previsto para 2015. Pelo raciocínio de Metri, supondo que o mercado interno já esteja abastecido pela Petrobras no período 2006/2015, a concessionária, que foi “empurrada” pelo contrato de concessão com a ANP para produzir petróleo, não vai poder destiná-lo para o abastecimento interno. “Como a ANP poderá proibir que ela exporte sua produção? Se não exportar, vai fazer o quê? Jogá-lo fora? Mas, na cabeça do diretor-geral (da ANP), isso só é preocupante se o mercado interno não estiver abastecido. Ele não se preocupa com o médio prazo. Não acredita que, talvez, não haja mais petróleo barato no mercado internacional para ser importado”, reclama ele. (Com Luiz Antonio dos Santos)
Ribeirinhos e indígenas criticam gasoduto Márcio Raphael Comunidades ribeirinhas e populações indígenas estão insatisfeitas com a forma como foi elaborado e apresentado o projeto de construção de um gasoduto da Petrobras, ligando a bacia de Urucu, no município de Coari (a 370 quilômetros da capital) a Manaus (AM). O gasoduto terá 397 quilômetros, cortando florestas, rios, lagos e vilarejos de oito cidades, para levar gás natural e veicular a Manaus. Em carta aberta à sociedade civil, elaborada no 6º Seminário sobre Gás Natural de Urucu, realizado de 2 a 4 de agosto e promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT-AM), os representantes dos oito municípios afirmam que não se sentem esclarecidos sobre os impactos socioeconômicos e ambientais do gasoduto Coari-Manaus. E informam que será encaminhada à Justiça uma Ação Civil Pública,
ou Ação Popular, para embargar a execução do projeto. As obras do gasoduto devem começar em março de 2005. Para isso, a Petrobras já obteve licença de instalação no Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, mesmo que não sejam apenas oito os municípios afetados pelos dutos, mas cerca de 200 comunidades ribeirinhas terão suas vidas completamente alteradas.
PRÓS E CONTRAS No seminário, a preocupação dos cerca de 50 representantes das comunidades era saber quais as implicações atuais e futuras do gasoduto. “Sabemos que o gás pode trazer emprego, mas que também gera prostituição, marginalidade e tráfico de drogas”, disse o cacique Germano Marins, da etnia Miranha. De acordo com as lideranças e a CPT-AM, as audiências públicas realizadas pela Petrobras e secretarias estaduais não foram
suficientemente democráticas para legitimar a construção do gasoduto. Mas o gerente executivo de gás e energia da Petrobras, Hênyo Trindade Barretto, declarou que a empresa ouviu os ribeirinhos: “Durante 11 meses e vinte dias, nós realizamos várias pré-audiências públicas nas comunidades. Ouvimos as pessoas; listamos seus questionamentos e sabemos da responsabilidade que temos pela frente”. Ribeirinhos, indígenas e CPT decidiram realizar outras reuniões com as comunidades envolvidas no projeto Coari-Manaus, para esclarecer as populações do interior e da capital e encontrar meios para intervir no empreendimento.
MAU EXEMPLO A província petrolífera e gasífera de Urucu fica em Coari, cuja prefeitura recebe royalties da Petrobras há 16 anos. Em 2003, foram R$ 29 milhões. Com uma
população de 67.087 habitantes, a cidade deveria ser uma das mais prósperas do Estado. No entanto, pesquisa feita por Dieter Gawora, doutor em sociologia da Universidade de Kassel (Alemanha), mostra que indicadores como incidência de malária, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e abastecimento de água nas residências, colocam Coari em situação desconfortável. Em 1995, aponta Gawora, eram pouco mais de 2 mil os casos detectados de malária; em 2000, passaram a 7 mil. Tirando Manaus, Coari ocupa o quinto lugar no IDH, em comparação com os outros municípios envolvidos no projeto do gasoduto. Em abastecimento de água, ocupa o último lugar.
PROGRESSO? A comunidade de Vila Lira, em Coari, sentiu o gosto amargo do progresso depois de ter sido atravessada por um poliduto que liga a
bacia de Urucu a Coari. Segundo a pesquisa, com o aumento do fluxo de embarcações e outras perturbações ambientais, o potencial pesqueiro do vilarejo despencou. A produção pesqueira de 33 toneladas anuais, de 1995, caiu para 4 toneladas em 2000. Se, em 1995, Vila Lira faturava, anualmente, cerca de R$ 33 mil, em 2000, não atingiu R$ 4 mil. Dieter alerta que grandes projetos como o do gasoduto CoariManaus geram, também, grandes expectativas, como prova o aumento do fluxo migratório. Daí a necessidade de se fazer amplos estudos de impactos socioambientais para “mitigar o aumento da violência, marginalidade, prostituição, tráfico de drogas, entre outros. Chagas sociais características de cidades que sofreram um rápido aumento populacional”. Márcio Rafael é assessor de imprensa / CPT-AM
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Dioclécio Luz Micão no Xingu Os índios do Xingu têm uma cerimônia milenar de homenagem aos mortos da tribo, o Quarup. Só para índios. Exceção foi feita apenas para os irmãos Villas Boas e Darcy Ribeiro. Este ano, porém, foi incluído o latifundiário da comunicação, Roberto Marinho. Por quê? Só a política explica. Ou Mércio Pereira, presidente da Funai. O fato é que o dono da TV que sempre discriminou a cultura indígena e seus valores, a TV que fez uma novela (“Uga-Uga”) ridicularizando os índios, foi homenageado por eles. Micão. Dificuldades para escrever “Hoje, o escritor que deseja combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, contra cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda a parte se empenham em sufocá-la; a inteligência de a reconhecer, quando por toda a parte a ocultam; a arte de a tornar manejável como uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente, precisa de ter habilidade para difundir entre eles”. (Bertolt Brecht, 1934, citado por www.piratininga.org.br) Agência incomoda as grandes As grandes redes de comunicação não gostaram da proposta de criação de uma agência para o audiovisual, a Ancinav, taxando o cinema estrangeiro e as verbas de publicidade das TVs. Todo dia fazem matéria contra. Defendendo o projeto, porém, está a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas (ABDs), a Associação Paulista de Cineastas (APACI), a Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão (ABPI-TV), entre outros. Cuba não existe na Globo No desfile de abertura das olimpíadas, a transmissão da Globo, sob o comando de Galvão Bueno, ignorou a delegação cubana. Enquanto os cubanos desfilavam, com uma das maiores delegações já enviadas a uma olimpíada, Galvão Bueno comentava outros assuntos abobrinhas, como sempre. Normal. De Cuba (e Venezuela), na Globo, só se fala quando acontece coisa ruim. TV Câmara na frente Foi exibido, pelo menos na TV Câmara, o documentário “A Revolução Não Será Televisionada”, de Kim Bartley e Donnocha O’Briain, sobre o golpe na Venezuela. Nenhuma TV comercial exibiria o trabalho. Ah, sim, o documentário mostra como a mídia local, nas mãos dos grandes empresários, participou do golpe contra o povo venezuelano. Não responda O golpe militar de 1964 no Brasil foi planejado e executado com o apoio explícito dos grandes jornais e emissoras nacionais. Se houver um novo golpe, de que lado eles irão ficar? Propaganda interativa no Brasil A Mitsubishi inaugurou a propaganda interativa para os assinantes da Sky (TV por assinatura). É assim: depois dos 30 segundos de propaganda convencional, o consumidor poderá navegar e conhecer detalhes do automóvel anunciado, por dentro e por fora. Estima-se que no próximo ano a propaganda interativa vá movimentar mais de 4 bilhões de dólares. Só pra burguesia. Não existe trabalho escravo É o que diz o “advogado agrário” Luiz Augusto Germani, em artigo assinado na revista Agroanalysis (nº7, julho), dedicada ao agronegócio, da Fundação Getúlio Vargas. O advogado, defensor dos ruralistas, diz que estão tratando por “trabalho escravo” o que é, na verdade, “trabalho informal”. Mais um pouco e ele diz que no Brasil não há ninguém passando fome... Festival de curtas Abertas as inscrições para o Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro – Curta Cinema 2004, que acontecerá de 2 a 12 de dezembro, no Centro Cultural Banco do Brasil, Cine Odeon BR, Circuito Estação Botafogo e outras salas. Haverá exibição de produções em 35mm, 16mm e trabalhos captados em digital, com cópia de exibição em Betacam SP. O regulamento e a ficha de inscrição estão disponíveis em: www.curtacinema.com.br
NACIONAL HABITAÇÃO
Ministério público recebe denúncias Documento entregue por manifestantes aponta irregularidades na CDHU Dafne Melo da Redação
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ara marcar as comemorações do Dia Estadual de Luta em Defesa das Políticas Sociais, cerca de 5 mil manifestantes de diversos movimentos por moradia saíram em passeata, dia 12, rumo à sede do Ministério Público Estadual, no centro de São Paulo. Eles foram entregar ao procurador geral da Justiça do Estado, Rodrigo César Rebello Pinho, um documento elaborado pelas entidades União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior (UMM), Central dos Movimentos Populares (CMP), Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo (Facesp) e Articulação pelo Direito à Cidade. O documento denuncia irregularidades na conduta da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), ligada ao governo estadual. De acordo com Joaquim Pereira, coordenador da CMP, a CDHU tem se recusado a cadastrar pessoas com mais de 55 anos na lista de espera da Companhia, o que fere a Constituição Federal e o Estatuto do Idoso – cujo artigo 38 determina que 3% das unidades habitacionais construídas pelo poder público devem ser destinadas a idosos. “Na zona leste, temos documentado casos de pessoas com 50 anos que não conseguiram se cadastrar. Eles estão excluindo pessoas dos programas sem base legal nenhuma”, diz Pereira.
Fotos: Anderson Barbosa
Espelho
Movimentos protestam contra a falta de políticas públicas em frente à Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo
volvimento”, diz Maria da Graça Xavier, da UMM. “Além disso, queremos um retorno sobre a aprovação da Lei 10.535, conhecida como Lei de Compra de Terras, que permite a transferência de parte da verba ao trabalhador, para que ele mesmo compre a terra. Há um ano, fizemos uma reunião com o governador Geraldo Alckmin para discutir isso. Ele deu um prazo máximo de dois meses para sancionar a lei, mas até
hoje ela está parada”, conta Xavier. As entidades também criticam o atual sorteio feito pelo governo. “O método não respeita o local de origem das famílias. Defendemos um sorteio por região, para evitar grandes deslocamentos. Muitas vezes as pessoas já estão estabelecidas no local e têm que mudar para outro lado da cidade, o que prejudica a ida ao trabalho, por exemplo”, explica Pereira. A implantação do Fundo e do
Conselho Estadual de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, uma bandeira antiga dos movimentos por moradia, engrossa a pauta de reivindicações. Esses dois órgãos permitiriam a presença de representantes populares na fiscalização das verbas destinadas à habitação. A criação dos dois órgãos foi aprovada na Conferência Estadual de Cidades, pelo então presidente da CDHU, Barjas Negri, mas não se concretizou até hoje.
VERBA DESVIADA Outra denúncia é a má utilização da verba de 1% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que deveria ser destinada à habitação. Entre 2000 e 2003, foram entregues 60 mil unidades habitacionais em todo o Estado, o que representa apenas 1/3 da meta proposta pela própria CDHU para o período. De acordo com uma nota assinada pelas entidades, há também descumprimento da Lei 9142, de março de 2005, que destina 10% do orçamento da habitação para construção de cooperativas geridas pelos moradores. “A verba não está sendo utilizada para a habitação. Entretanto, em nome de programas para a área, o governo continua fazendo empréstimos com o Banco Interamericano de Desen-
Verba do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que deveria ser destinada à habitação, é má utilizada
QUILOMBOS
Campanha pede regularização de terras da Redação
Dia 18, foi lançada em São Paulo a Campanha Nacional pela Regularização dos Territórios de Quilombos, organizada pelas entidades Coordenação Nacional das Comunidades de Quilombos (Conaq), Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (Cohre), Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Instituto Polis e Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq). A iniciativa também conta com o apoio do Servicio Latino Americano y Asiático de Vivienda Popular (Selavip) e da Fundação Ford/Brasil. Atualmente, há cerca de 1.200 territórios quilombolas espalhados por todo o país, dos quais apenas 29 são regularizados. As maiores concentrações estão na Bahia, no Maranhão e no Pará. De acordo com Letícia Marques Osório, do Cohre, a campanha vai pressionar o poder público para promover a regularização fundiária dessas áreas buscando ampliar a segurança da posse das terras dessas comunidades como meio de evitar os despejos e deslocamentos forçados. O objetivo é, depois de
fixar os quilombolas em suas terras, permitir seu acesso a programas e projetos públicos de saneamento básico, agricultura familiar, educação e cultura, saúde e moradia. A campanha também vai fiscalizar o processo de regularização de trinta áreas consideradas prioritárias pela Comissão de Direitos Econô-
micos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU). O governo federal, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), tem até o final do ano para cumprir o acordo. Os quilombos são comunidades negras rurais que se distinguem de outros setores da coletividade
nacional devido a seus costumes, tradições e condições sociais, culturais e econômicas específicos. Essas comunidades constituem territórios étnicos, originados principalmente com as fugas de negros africanos que se rebelavam contra a escravidão iniciada a partir do século 17, pela colonização portuguesa.
TRABALHO
TST confirma derrota da Monsanto da Redação
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou um recurso da empresa Braskalb, do grupo Monsanto. A empresa tenta negar vínculo empregatício com 25 trabalhadores rurais gaúchos que prestaram serviços em propriedades onde foram cultivadas sementes de milho híbridas, resultantes de cruzamento genético. O ministro do TST, Milton de Moura França, reconheceu a comprovação, nos autos, de que esses trabalhadores executaram serviços essenciais à atividade econômica da empresa,
receberam pagamentos diários e ficaram subordinados aos técnicos agrícolas da Monsanto. No recurso ao TST, além da declaração do vínculo empregatício, a multinacional questionou a condenação ao pagamento de horas em percurso e de adicional de insalubridade. Foi contestado ainda o laudo pericial que possibilitou o deferimento do adicional de insalubridade pelo fato de ele não ter sido realizado nos locais onde os agricultores efetivamente trabalharam. Os agricultores afirmaram que “trabalhavam sem nenhuma prote-
ção, expostos aos efeitos nocivos dos defensivos agrícolas (inseticidas e formicidas), com roupas encharcadas durante o dia inteiro em função da chuva, ou da ação dos pivôs de irrigação”. Disseram ainda que “nessas ocasiões recebiam aguardente para se aquecer”. A Monsanto adquiriu a Braskalb em 1998 e manteve os mesmos métodos de produção de sementes por biotecnologia, alugando terras de agricultores gaúchos, por não ter terras na região de Carazinho (RS). (Com informações da página eletrônica do Tribunal Superior do Trabalho, www.tst.gov.br)
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NACIONAL VIOLÊNCIA NO CAMPO
Terror, característica do agronegócio
Fazendeiros como Norberto Mânica geram medo no meio rural e perseguem aqueles que lutam por reforma agrária
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essoas como o fazendeiro Norberto Mânica, suspeito de mandar assassinar quatro funcionários do Ministério do Trabalho, em Unaí (MG), no final de janeiro, não é uma exceção no campo brasileiro. A observação é de representantes de duas organizações que lutam pela reforma agrária – o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Em Minas, é o Mânica. Em outros Estados, a violência tem outro nome, como a família Mutran na região Norte”, denunciou o agricultor paraense Saul de Oliveira, da coordenação do MPA. A família Mutran, proprietária de diversas fazendas no sul do Pará, é a maior exportadora de castanha-do-pará do país. (Leia mais sobre crimes e irregularidades de grandes fazendeiros no quadro ao lado.) Mânica, considerado o maior produtor de feijão do Brasil, foi preso em Cordélia (PR), no dia 13, e então encaminhado para a Superintendência da Polícia Federal, em Brasília. Ele é suspeito de ser o mandante do assassinato dos fiscais Eratóstenes de Almeida, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e do motorista Ailton Pereira de Oliveira. Segundo a PF, os fiscais foram assassinados para não realizar vistorias nas propriedades da região, em especial a de Mânica, que havia sido investigado por denúncia de manter trabalhadores sob forma de escravidão. Silva havia aplicado várias multas ao fazendeiro que, somadas, chegam a R$ 2 milhões. Mânica foi indiciado por homicídio qualificado e formação de quadrilha. Também estão presos quatro pistoleiros e dois agenciadores, suspeitos de ter participado do crime.
EXPLORAÇÃO Desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, que investiga propriedades onde há suspeita de ocorrer trabalho escravo, 5.010 trabalhadores foram libertados. Isto representa 52% de todos os casos de libertação realizados desde 1995, quando o grupo foi criado. “Lula tem realizado um bom trabalho de fisAgronegócio – Secalização, mas tor da agricultura baseado em extenele não rompe sas monoculturas, com a princicuja produção está voltada para a expor- pal causa da tação, e articulado existência de com corporações, trabalho escraprincipalmente para vo no Brasil: o implementar novas tecnologias e equiagronegócio”, pamentos nas proanalisa Antopriedades rurais. nio Canuto, se-
cretário nacional da CPT. Segundo ele, fazendeiros como Mânica não são do tipo “coronelzão”, mas grandes empresários rurais. “É preciso desmistificar o agronegócio, pois seu crescimento não está ligado ao desenvolvimento do país, como muitos dizem, mas ao aumento da exploração dos trabalhadores”, afirma. De acordo com o relatório “Conflitos no Campo”, publicado pela CPT, em abril de 2004, os Estados onde o agronegócio mais se expandiu, como Mato Grosso, Pará
Com projetos financiados com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estatal, a operação da Aracruz Celulose, além de gerar poucos empregos, causa problemas de saúde aos funcionários e demite dirigentes sindicais. Segundo Aloir da Conceição, ex-diretor do Sindicato das Indústrias de Papel, Celulose e Químicos (Sinticel), muitos trabalhadores adquiriram problemas de saúde devido à poluição e acidentes de trabalho no complexo industrial da Aracruz. “Nós precisamos de emprego, mas não a qualquer custo”, diz. É a mesma a opinião de José Afonso Rangel, funcionário da Aracruz Celulose, que acredita que
em 2003, 35.292 famílias foram despejadas de suas terras.
ACIMA DA LEI Para Oliveira, do MPA, os fazendeiros do agronegócio têm um perfil parecido, independentemente do Estado onde estão. Sua primeira característica é que eles vivem em uma lógica do enfrentamento com os movimentos sociais. “Nunca abrem canais democráticos de negociação. Consideram que todos os que lutam por reforma agrária são criminosos”, diz o agricultor.
A segunda é que não permitem qualquer tipo de intervenção em suas propriedades, “que são como pequenos reinos, onde eles são a força máxima”. A terceira é que eles se colocam acima da lei, armando alguns de seus funcionários e corrompendo as forças públicas locais. Por último, avalia o integrante do MPA, esses tipos de fazendeiros não se preocupam com o ambiente, “pois se pautam pela busca do maior lucro possível, no menor tempo possível”, e usam máquinas pesadas, que destroem a terra, e venenos.
Contra o trabalho escravo, fiscalização ����
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A GEOGRAFIA DO CRIME PARÁ > Família Mutran • maior exportadora de castanhado-pará do país • multada pela comprovação e reincidência de trabalho escravo Osvaldo dos Reis Mutran, o Vavá Mutran, assassinou um fiscal de ICMS e um menino de 8 anos. MINAS GERAIS > Norberto Mânica • maior produtor de feijão do país • preso por mandar assassinar fiscais que investigariam denúncias de trabalho escravo em suas terras GOIÁS > Wander Carlos de Souza, prefeito de Acreúna • maior produtor de algodão do país • em 2003, foram encontrados 125 trabalhadores sem registro, 80 como escravos, nas fazendas Tatuibí e Rio Fontoura, de sua propriedade RONDÔNIA > Ernandes Amorim • um dos maiores fazendeiros do Estado • preso sob acusação de liderar uma quadrilha que teria lesado os cofres públicos em cerca de R$18 milhões, por meio de desvio de recursos públicos, extração ilegal de minérios, roubo de madeira em áreas de reserva, grilagem de terras, fraude de documentos públicos, abertura de empresas fantasmas e sonegação de impostos estaduais e federais. RIO GRANDE DO SUL > Carlos Speroto • presidente da Farsul no Rio Grande do Sul
Aracruz Celulose persegue sindicalistas Erick Schnuning de Vitória (ES)
e Rondônia, são também aqueles onde mais se registram casos de violência no campo. Dos 73 trabalhadores rurais assassinados em 2003, 50 foram nestes Estados. “Os fazendeiros do agronegócio querem evitar qualquer obstáculo na hora de conseguir lucro. O jeito mais fácil para eles é explorar os trabalhadores e eliminar os que estiverem causando problemas. Também são os principais responsáveis pela expulsão de pequenos agricultores de suas propriedades”, avalia Canuto. Segundo o relatório,
alguns dos problemas de saúde foram conseqüência de vazamento de cloro, utilizado no branqueamento da celulose. Mas há coisas ainda piores. Joaquim Arthur Branco, empregado da empresa e militante sindical, informa que a Aracruz pressiona e tenta cooptar os trabalhadores. Ele diz que a empresa cooptou um grupo de funcionários para disputar as últimas eleições do Sinticel, realizada em 2002, e marcada por uma série de irregularidades. De acordo com Branco, as acusações vão desde antecipação irregular do processo eleitoral, descumprindo o estatuto, até o desvio de combustível por integrantes da atual diretoria o sindicato, que está sendo questionada na Justiça. Enquanto isso, trabalhadores que integravam a antiga diretoria estão sendo demitidos.
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• respondeu processo pelo assassinato de seu vizinho, em 1989. Agora, está respondendo processo no TCU (Tribunal de Contas da União), porque a federação desviou recursos do Serviço de Aprendizagem Rural – entidade ligada a Farsul ESPÍRITO SANTO > Aracruz • maior exportadora mundial de celulose • a empresa comprou a rica região da Mata Atlântica para instalar uma floresta homogênea de eucalipto, onde não se reproduz mais nenhum tipo de vida, além do eucalipto. Além dos 60 mil hectares acumulados, a empresa se apossou de dez mil hectares da ultima reserva dos Guarani, que vivem na miséria, confinados num pequeno espaço. RIO DE JANEIRO > Usina Santa Cruz • em uma operação conjunta com o Ministério Público e a Polícia Federal, o Ministério do Trabalho comprovou a prática de trabalho escravo na usina. Uma ação civil pública pede indenização por danos morais coletivo no valor de R$ 5 milhões, contra o Grupo José Pessoa.
Marcelo Campos, coordenador do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, explica a matemática para acabar com o trabalho escravo: para os fazendeiros, fiscalização e informação, para os trabalhadores, reforma agrária. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele analisa o impacto do assassinato de três fiscais do grupo, em Unaí (MG), em janeiro. Brasil de Fato – Qual o balanço da atuação do Grupo Móvel este ano? Marcelo Campos – Em relação ao ano passado, o trabalho foi dificultado por três motivos: o assassinato dos fiscais em Unaí (MG), as fortes chuvas no interior do país e a greve da Polícia Federal (PF). No primeiro semestre de 2004, foram libertadas 1.051 pessoas. BF – Qual foi o impacto do assassinato? Campos – Muitos dos fiscais, principalmente em Minas Gerais, ficaram com medo de ir a campo. Lidam, no dia-a-dia, com enfrentamentos. Desde fevereiro, aumentamos a segurança da categoria. A partir do diagnóstico da violência nas regiões, a PF acompanha os fiscais. No norte do Mato Grosso, sul do Pará e Tocantins, sempre andamos com presença policial. BF – Como é feito o diagnóstico das regiões? Campos – Contamos com o apoio de organizações da sociedade civil, principalmente sindicatos e movimentos sociais. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) coloca à disposição os dados que recolhe e denuncia casos que venha a descobrir. BF – As punições para quem mantém trabalhadores em re-
Lindomar Cruz/ABr
João Alexandre Peschanski da Redação
Quem é
Marcelo Campos é coordenador do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, que investiga casos de trabalho escravo em todo o Brasil.
gime de escravidão são muito leves? Campos – As penas são frágeis, o que dificulta nosso trabalho. Muitos fazendeiros não se incomodam em pagar multas e continuam mantendo trabalhadores escravizados. Quando se sentirem incomodados, perdendo suas propriedades ou sendo presos, aí os casos de trabalho escravo vão diminuir. BF – A fiscalização é suficiente para acabar com o trabalho escravo? Campos – Acabar com o trabalho escravo depende de duas frentes de atuação. A primeira é fiscalizar o fazendeiro e mostrar que ele tem vantagens respeitando seus funcionários. A segunda, que depende muito da luta de movimentos sociais, é dar condições de acesso à terra e informações para os trabalhadores. Para isto, é fundamental ter reforma agrária. (JAP)
Restrição de crédito a escravocratas Juliana Andrade de Brasília (DF) Nilmário Miranda, ministrochefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, quer que o Conselho Monetário Nacional aprove resolução que impeça a concessão de empréstimos, por entidades privadas, a exploradores de mãode-obra escrava. A restrição já vale para financiamento público. “Temos que mostrar ao país que financiar escravocrata é atividade de alto risco para os negócios de quem empresta”, explicou o ministro, acrescentando que se empenhará para que a resolução seja aprovada pelo Conselho “o mais breve possível”. O Ministério do Trabalho e Emprego divulgou duas “listas sujas”, uma com 52 nomes, outra com 49, de empregadores e propriedades rurais autuados por uso de trabalho escravo. Segun-
do Miranda, estender às instituições privadas o impedimento de concessão de empréstimos seria mais um instrumento de combate ao trabalho escravo no país, para acabar com essa prática até o final de 2006. Ao fazer um balanço dos 18 meses do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, dia 16, o ministro destacou a aprovação em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê a expropriação de terra onde for constatada a exploração de mãode-obra escrava. Mas a PEC ainda precisa ser aprovada em segundo turno na Câmara e, depois, passar novamente pelo Senado.
MODIFICAÇÕES Foi retirado da PEC o dispositivo que dava prioridade ao assentamento, nas terras expropriadas, de colonos que trabalhassem em
regime de escravidão. Para Miranda, a mudança não prejudica a proposta: “Se essas pessoas quiserem fazer parte do assentamento, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) poderá cadastrá-las”. Das 76 ações previstas no plano, 65 já foram implementadas, ou estão em andamento. Para o ministro, os principais avanços são na área de fiscalização. Até julho, as equipes de fiscais do Ministério do Trabalho fizeram 99 operações em 387 propriedades rurais, libertando quase 6,5 mil trabalhadores – que receberam R$ 8,7 milhões em direitos trabalhistas. Nilmário Miranda disse que, agora, é preciso implantar ações de reinserção social e prevenção nos municípios fornecedores de mão-de-obra escrava, para evitar que esses trabalhadores voltem a ser aliciados. (Com Agência Brasil www.radiobras.gov.br )
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NACIONAL ECONOMIA
Hamilton Octavio de Souza Desafio chavista A vitória de Hugo Chávez é incontestável, mas representa um grande desafio desconfortável para outros presidentes eleitos nos últimos tempos: quem tem a coragem para submeter seu mandato em referendo democrático e popular? Tática do desvio Diversionismo ou não, os polêmicos projetos do audiovisual e do Conselho Federal de Jornalismo serviram para tirar da mídia os escândalos envolvendo os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil, respectivamente Henrique Meirelles e Cássio Casseb, ambos acusados de praticar remessas ilegais de dólares e sonegação de impostos. O que o Congresso Nacional pretende fazer para esclarecer esses casos? Proteção palaciana Assinada pelo presidente Lula, a medida provisória que deu status de ministro e foro especial para Henrique Meirelles apenas reforça que o Palácio do Planalto trata seus aliados com total cumplicidade, especialmente os suspeitos de práticas criminosas. Pirataria do rei O IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – conseguiu provar, pelo laudo pericial, que a empresa espanhola Telefonica tem possibilidade técnica de oferecer o Speedy (serviço de conexão de banda larga à internet) sem a necessidade de provedor de acesso. Isso demonstra que a cobrança desse servidor, pela empresa, não passa de crime de estelionato. Soja envenenada Segundo a Revista do IDEC, na edição de agosto, boa parte da sojasemente envenenada com fungicida, igual à que foi rejeitada pela China, acabou misturada com a soja-grão e industrializada em vários produtos de consumo. Enquanto o povo brasileiro se alimenta de veneno, as agências e órgãos governamentais dormem em absoluto silêncio. Teatro de enganação Está preso em Brasília o fazendeiro Norberto Mânica, um dos maiores produtores de feijão do país, acusado de mandar matar os fiscais e o motorista do Ministério do Trabalho em Unaí, Minas Gerais. Apesar das provas de seu envolvimento com o crime, o povo de Unaí aposta que Mânica não fica muito tempo preso. Como dizem em Minas, é mais fácil ver boi voar do que fazendeiro rico na cadeia. Sufoco da juventude O governo federal abriu 50 mil vagas para o FIES, programa de financiamento do ensino superior. É muito pouco. No total, 163 mil estudantes fazem parte no programa, que atende menos de 10% dos inscritos todos os semestres. A maioria abandona os estudos por falta de vagas em escolas públicas e por falta de recursos para se manter em escolas privadas. Ética e jornalismo O jornalista e escritor português Miguel Urbano Rodrigues faz duas palestras esta semana em São Paulo: na quinta-feira, às 14 horas, no Sindicato dos Professores de São Paulo, e, na sexta-feira, às 9 horas, no auditório Tucarena da PUC-SP, no lançamento do Núcleo de Estudos de Jornalismo “Perseu Abramo”. Registro histórico “As eleições municipais, apesar de serem uma disputa política local, necessariamente se darão num contexto de embate entre dois campos básicos de forças que buscam seu fortalecimento tendo em vista o rumo político futuro: as forças comprometidas com o governo Lula e as forças conservadoras derrotadas em 2002”. Do presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, na revista Princípios, de agosto-setembro de 2004.
EUA: rombos de bilhões de dólares Brasil pode sofrer conseqüências do endividamento da mais poderosa locomotiva mundial Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
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e fosse um país cucaracha, os Estados Unidos estariam, agora, em maus lençóis. Os técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial já teriam iniciado uma romaria pelos gabinetes mais importantes da República para pressionar o país a adotar uma política de arrocho aos gastos públicos e achatamento dos salários, impondo ao governo um pacote de medidas destinadas a estancar o crescimento, reduzir importações e, assim, economizar dólares para o pagamento do que os EUA devem aos grandes banqueiros mundiais. Mas isso, obviamente, não vai acontecer. No caso de uma crise – embora pareça improvável falar em crise num momento em que a economia estadunidense retoma o crescimento – a conta vai ser paga pelos chamados países periféricos, Brasil incluído. No lugar dos EUA, qualquer outra nação já teria seu risco país rebaixado pelas empresas especializadas em avaliar a capacidade de pagamento dos países, com o conseqüente surgimento de análises apontando os riscos de um calote na dívida estadunidense, fuga de capitais e especulação desenfreada com o dólar.
FANTASMAS O mais provável, no caso de agravamento das expectativas mundiais em relação à economia dos EUA, é que se repita o que ocorreu no começo dos anos 80. No início dessa década, para desaquecer a economia e enfrentar a disparada da inflação, provocada pela alta do petróleo, os EUA aumentaram as taxas de juros para até 21% ao ano (apenas para comparar, em 2004, após a mais recente elevação, os juros básicos do país passaram a 1,5% ao ano) e transferiram quase toda a conta do ajuste para o conjunto da economia mundial, levando praticamente todas as economias nacionais à recessão. Neste momento, esse tipo de ameaça ainda parece distante, mas há alguns fantasmas a pairar sobre a rota de recuperação estadunidense e, por tabela, o restante do mundo. Dois problemas começam a ocupar, com maior assiduidade, a agenda de preocupações dos economistas e analistas econômicos.
PAÍS DOS DÉFICITS O déficit comercial (importações maiores do que exportações) dos EUA atingiu um recorde em junho, batendo em 55,8 bilhões de dólares – em um único mês, num salto de 19% frente a igual período do ano passado (o maior aumento mensal em cinco anos). Apenas para se ter uma dimensão daquele montante, o Brasil deve exportar, em 2004, algo em torno de 90 bilhões de dólares (em 12 meses), gerando um saldo positivo (exportações maiores do que importações) de aproximadamente 30 bilhões de dólares (em 12 meses). A economia estadunidense caminha para produzir mais um recorde neste ano, quando se prevê que as importações devem superar de longe as exportações, deixando um buraco bastante superior aos quase 500 bilhões de dólares registrados em 2003. Apenas no primeiro semestre, o déficit na balança comercial (exportações menos importações) aproximou-se de 290 bilhões de dólares. Esse rombo tem sido financiado, ou coberto, pelos bilhões de dólares que investidores de todo o mundo (liderados por chineses, japoneses e alemães) emprestam aos EUA, todos os meses. O temor dos economistas é que o rombo se torne tão gigantesco que acabe afugentando aqueles investidores – o que forçaria o país a desvalorizar
Nilton Fukada/Agência Estado
Fatos em foco
Rombo na economia estadunidense pode levar a uma forte desvalorização do dólar e crise no planeta
A EVOLUÇÃO DOS DÉFICITS (Valores em bilhões de dólares) Déficit fiscal Período receitas menos despesas do governo 1993 1998 2000 2001 2002 2003 Período 1993 1997 2000 2002 2003
(328,9) 37,9 159,0 (39,3) (397,0) (506,3) Déficit nas contas externas (82,0) (136,0) (413,4) (473,9) (530,7)
o dólar brutalmente, empurrando a economia mundial rapidamente para uma crise.
GASTOS MILITARES Um segundo tipo de ameaça vem do crescimento excessivo dos gastos militares dos EUA, que tem produzido buracos em escala avassaladora nas contas do Tesouro – e que tendem a se agravar com a piora nas condições políticas e militares no Iraque. Nos primeiros 10 meses do ano fiscal estadunidense, que começa em outubro, as despesas do Tesouro superaram as receitas em 395,78 bilhões de dólares. O déficit, por sua vez, já é maior do que todo o rombo acumulado no ano fiscal anterior (outubro de 2002 a setembro de 2003), que girou em torno de 374,27 bilhões de dólares – ou seja, em 10 meses, o rombo é quase 6% maior do que o déficit recorde acumulado nos 12 meses anteriores.
Apenas em julho de 2004, o buraco nas contas do Tesouro subiu 27,6% na comparação com o mesmo mês do ano passado, pulando de 54,2 bilhões de dólares para 69,2 bilhões de dólares. A mais recente estimativa do governo indica que o rombo deverá acumular, até setembro, quando se encerra o ano fiscal 2003/04, algo como 445 bilhões de dólares – um recorde negativo, praticamente 19% maior do que o déficit de 2002/03 (que já havia sido recorde).
INVESTIDORES Também neste caso, o buraco nas contas públicas tem sido coberto por dólares que investidores de todo o mundo injetam na economia estadunidense, por meio da compra de títulos do Tesouro (o que eleva o endividamento do governo e gera despesas com o pagamento de juros e das prestações daquela dívida). Se aqueles investidores acreditarem que os EUA possam vir a enfrentar dificuldades para honrar sua dívida, poderão deflagrar uma fuga, forçando o governo a aumentar as taxas de juros – decisão que teria poderes para detonar um desaquecimento da economia mundial. Proporcionalmente, tomando-se as devidas cautelas em relação ao tamanho de cada economia, a situação dos EUA, hoje, lembra a crise que o Brasil enfrentou entre 1999 e 2000, quando o rombo nas contas externas superava o correspondente a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas em um ano no país. Neste momento, o déficit em conta corrente dos EUA, que considera o resultado de exportações e importações e outras receitas e despesas fora do país, é maior do que os 5,4% do PIB registrados em 2003.
Mais emprego na indústria de São Paulo da Redação Em julho, a indústria paulista criou 11,7 mil postos de trabalho a melhor marca no mês, desde 1999, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O número de vagas abertas no mês passado aumentou 0,76% em relação a junho, elevando o aumento acumulado para 2,73%. Com esse resultado, a Fiesp reviu, para mais, sua projeção do nível de emprego, que era de 1,5% a 3,5%, para 4%, o equivalente a cerca de 70 mil novas vagas. A entidade avalia que o aumento do emprego é consistente, resultando tanto da melhora do mercado interno, como do contínuo bom desempenho das exportações. Entre 47 segmentos industriais, 28 fizeram novas contratações; 11 demitiram trabalhadores e oito mantiveram estável o quadro de pessoal. Os setores que mais contrataram em julho foram os de perfumaria (8,07%), forjaria (4,3%), bebidas em geral (4,1%), congelados e supercongelados (3,68%) e artefatos de borracha (2,78%). Por outro lado, de acordo com a Fiesp, os segmentos que mais contribuíram para a recuperação do nível de emprego na indústria paulista foram a cadeia automotiva (montadoras e seus fornecedores), calçados e vestuário, aparelhos elétricos, alimentação, metalurgia, bebidas e perfumaria. Na análise da entidade, a abertura de novas vagas está mais abrangente, ao invés de se concentrar, como até recentemente, nos setores exportadores.
Altas do petróleo e juros ameaçam Na visão da Global Invest, empresa de análise e consultoria econômica com sede em Curitiba (PR), alguns riscos têm sido solenemente ignorados pelo mercado financeiro, desprezados no momento de avaliar os riscos de investir em ações, dólares e aplicações financeiras em geral. “A lógica (no Brasil) pode parecer ter sido revogada, mas nos parece mais ter sido postergada”, afirma um dos mais recentes relatórios da Global, ao apontar, entre outros fatores supostamente ameaçadores, a alta de 25% nos preços internacionais do petróleo, desde que o governo anunciou o mais recente reajuste dos preços dos combustíveis no Brasil, há quase dois meses. A cotação média do barril rompeu a barreira dos 45 dólares na
Bolsa de Nova York há uma semana, batendo um recorde nominal. Em valores atualizados com base na inflação estadunidense, o preço do barril ainda representa praticamente a metade dos níveis alcançados na crise de 1979, quando cada barril chegou a ser negociado a 91 dólares.
OURO NEGRO Isso não significa que a valorização atual não ofereça dificuldades extras para a política econômica, ao pressionar para cima os preços dos combustíveis e a inflação em todo o mundo, num momento em que a China aumenta em 40% sua demanda por petróleo, e os países árabes, maiores produtores mundiais, não parecem ter capacidade para aumentar a produção rapidamente.
No Brasil, a elevação dos preços do petróleo já foi usada como pretexto para que o Banco Central desistisse de promover novas reduções nas taxas de juros, mantendo o estrangulamento que retarda a retomada da economia e inibe o crescimento do país. Nos Estados Unidos, o Banco Central de lá poderá ter que acelerar a alta das taxas de juros, mesmo que seja apenas para acompanhar o ritmo dos preços. O detalhe é que as despesas com juros, nos EUA, devem consumir, neste ano, o correspondente a apenas 1,4% do PIB, diante de quase 9% do PIB no Brasil – obviamente, um país muito mais rico do que os EUA e, por isso mesmo, com dinheiro sobrando para bancar luxos no mercado financeiro. (LVF)
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NACIONAL RUMOS DA ECONOMIA
Existem muitos obstáculos a superar
da Redação
O
s indicadores mais recentes sobre o desempenho da economia brasileira têm sido positivos. Será que, afinal, o país está retomando o caminho do crescimento sustentável, ou não passaria de um vôo de galinha? Para responder a essas perguntas, Brasil de Fato está ouvindo economistas, dirigentes sindicais e líderes de movimentos sociais. Nesta edição, publicamos as análises do economista e jornalista José Carlos de Assis, coordenador do Movimento Desemprego Zero, e do economista Plínio de Arruda Sampaio Jr., professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Se, em junho, o rendimento dos trabalhadores continuava baixo, e se quase 70% dos novos empregos formais criados nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE só pagavam até um saláriomínimo, o que explica a recuperação da atividade econômica? José Carlos de Assis – O que melhor explica a aparente recuperação da atividade, ao lado do crescimento das exportações e do agronegócio, é a fraca base de comparação de 2003. Tivemos queda do PIB, no ano passado, e esse decréscimo se concentrou no primeiro semestre; no segundo, já houve um soluço de recuperação. Assim, bastava a produção ficar no mesmo lugar, no início deste ano, em comparação com o fim do ano passado, para se registrar algum crescimento trimestral estatístico em 2004. Assim mesmo, foram pífios 2,8%. Na segunda metade do ano, é muito provável que as taxas de crescimento trimestrais se reduzam, face a uma base de comparação mais alta. Felizmente, para o governo, quando o indicador mais baixo vier, já terão passado as eleições. Então ele inventará que o espetáculo de crescimento foi adiado para 2005. É importante notar que, do ponto de vista estritamente monetário, as mesmas razões que impedem a economia de crescer, a impedem de cair muito. É simples. Os juros básicos altos inibem qualquer projeto de investimento de mais largo prazo, portanto inibem o crescimento. Entretanto, esses mesmos juros,
ANÁLISE
Pe. Alfredo J. Gonçalves A retomada do crescimento é, hoje, um fato inquestionável. Praticamente todos os setores da economia apresentam sinais consistentes e generalizados de recuperação. Ninguém, em sã consciência, pode negar a evidência dos índices apresentados com certa regularidade nas últimas semanas. Claro que temos aí dados positivos a serem registrados. O que não podemos é fazer disso uma espécie de panacéia para todos os males. Quem conhece as bases estruturais da economia brasileira, ao longo de sua história, tem motivos suficientes para manter-se com um pé atrás. Diante do otimismo exagerado de alguns setores do governo, não custa empreender um vôo de pássaro sobre nossa trajetória econômica passada. Embora rápida e superficial, essa retrospectiva pode nos vacinar contra euforias irresponsáveis. Todo motorista sabe que, se quiser evitar dissabores pela estrada, deve dar uma olhada no retrovisor antes de acelerar. Tomando nas mãos os estudos
incidindo sobre saldos de caixa de pessoas e de empresas, aumentam a renda monetária dos ricos. Se se observa o consumo interno que está crescendo, nota-se que é principalmente o consumo dos afortunados. Alimentos, bebidas, calçados e vestuário popular, junto com outros bens de consumo não duráveis, estão praticamente estagnados ou em queda, em relação à média de 2002. Em conclusão: temos algum crescimento, sim; mas ele está concentrado na produção destinada aos afortunados, os únicos cujo consumo cresce, porque, para eles, taxa de juros alta resulta em aumento de renda. Plínio de Arruda Sampaio Jr. – A recuperação da economia brasileira foi gerada fundamentalmente pelo expressivo dinamismo no setor exportador e pelos efeitos multiplicadores de renda daí decorrentes. Quais as chances de a atual reação se manter e conduzir a economia a um crescimento de maior fôlego? Assis – A meu juízo, nenhuma chance. Temos uma política monetária contracionista e uma política
fiscal geradora de desemprego. Por mais que as exportações e o agronegócio cresçam (são a mesma coisa, basicamente), o poder de arraste sobre o conjunto da economia é relativamente pequeno. Afinal, as exportações representam apenas algo como 15% do PIB. Além disso, o que gera emprego e renda interna líquidos não é o conjunto das exportações, mas o aumento do saldo comercial. Suponhamos que, neste ano, tenhamos realmente o espetacular aumento do saldo comercial em 10 bilhões de dólares: isso é apenas 2% do PIB. É muito pouco para ter efeito significativo sobre a taxa de desemprego – como, aliás, as pesquisas confirmam. Sampaio Jr. – Não há o mais mínimo indício que permita alguém afirmar com algum grau de seriedade que a economia brasileira está prestes a entrar em um ciclo de crescimento auto-sustentado. Em primeiro lugar, porque os efeitos expansionistas das exportações tendem a ser neutralizados pelo impacto negativo do arrocho fiscal e monetário sobre o gasto público e a formação bruta de capital. Em segundo, porque a vulnerabilidade externa foi arrefecida mas não dissipada e, portanto, a economia brasileira continua sujeita a crises de estrangulamento externo. A mudança na política das autoridades monetárias norte-americanas, sinalizando que as taxas de juros vão começar a aumentar, tende a reforçar os dois argumentos acima mencionados. Por fim, é impossível imaginar a economia crescendo a taxas elevadas sem investimentos
Terminal do Porto de Santos (SP): exportações representam apenas 15% do PIB
Fotos: Embrapa
A fraca base de 2003 faz os números de 2004 parecerem mais sólidos do que são – porém eles ainda são pífios
Desenvolvimento econômico no país é cada vez mais complexo
que garantam uma substancial ampliação na infra-estrutura de transportes e energia elétrica – fatos que ainda não estão postos no horizonte. Na verdade, a economia brasileira não superou nenhum dos problemas estruturais responsáveis pelas duas últimas décadas de estagnação econômica. Não há, portanto, qualquer razão para imaginar que o desempenho da economia possa vir a ser qualitativamente distinto do verificado nos últimos anos. As deficiências de infra-estrutura existentes podem afetar o desempenho da economia e o das exportações? Assis – Não vejo grandes riscos para a infra-estrutura, exceto pelo quadro de degradação generalizada que já existe, porque não acredito numa recuperação sustentada da demanda. Como a demanda pode voltar a crescer se a recuperação do emprego ainda é ínfima, e localizada nos trabalhos sem qualificação, e a renda do trabalho continua abaixo do ano passado? Fala-se em crédito. Mas as pessoas se esquecem que crédito é obrigação, não é renda; não vai além de um ciclo: o sujeito toma emprestado uma vez, e depois passa o resto da vida correndo atrás para pagar. Acho muito importante, do ponto de vista social, os programas de microcrédito que foram lançados. Entretanto, a sua repercussão econômica é quase nula. O que gera aumento sustentado do consumo é renda e emprego, e renda e emprego, numa economia em profunda recessão como a nossa,
só aumentam a partir da expansão do dispêndio público, para o que é essencial a redução da taxa de juros e do superávit primário. Concorda com o diagnóstico segundo o qual não são necessários elevados investimentos para atender à demanda e ao crescimento do mercado? Assis – Não, não estou de acordo. O país precisa de grandes investimentos em infra-estrutura, para contornar os gargalos que já existem e se agravarão com uma eventual retomada sustentada da economia, a partir de uma política macroeconômica adequada, e isso só pode ser feito pelo Estado, mediante a redução do superávit primário articulado ao aumento do dispêndio público, como já disse. Isso, deslanchando a oferta na frente da demanda – em alguns casos, atrás da demanda, tendo em vista o estado deplorável de nossa infra-estrutura – significaria lançar as bases do crescimento sustentado, já que aquele dispêndio público em infraestrutura resultaria em mais emprego, mais renda e mais investimento para atender à demanda oriunda desse emprego e dessa renda adicionais, e assim por diante. Sampaio Jr. – A grande preocupação das autoridades econômicas, principalmente no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e no Ministério da Energia, com a possibilidade de gargalos de oferta nos setores de transporte e energia indica o contrário.
A panacéia do crescimento clássicos de Celso Furtado, Caio Prado Junior, Otávio Ianni, Raymundo Faoro, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda – para citar apenas os principais – podemos extrair algumas lições do passado. Do ponto de vista econômico, desde seus primórdios, a economia brasileira assenta-se sobre um tripé: latifúndio, trabalho escravo e monocultura de exportação. Não é difícil constatar que tais expressões não são apenas metáforas de nossa história, são antes de tudo chaves para entender o estado atual do desenvolvimento econômico. O latifúndio permanece e privilegia o agronegócio; vigora igualmente a superexploração da mão-de-obra, assalariada ou não; e ainda somos um país fornecedor de matérias-primas para os centros da economia mundial. Do ponto de vista político, o Brasil continua na mão de alguns donos do poder. São relativamente poucas e poderosas famílias. O conceito de patrimonialismo aplica-se como uma luva, não somente ao passado, mas às práticas políticas dos dias atuais. A apropriação privada da rex pública, incluindo
riquezas, privilégios e poder de decisão, permanece uma atitude comum na política brasileira. Embora oculta por uma democracia de fachada, essa prática não deixa de ser visível em figuras emblemáticas de nosso cenário eleitoral. Do ponto de vista sociocultural, é evidente que o esquema da Casa Grande & Senzala continua presente na sociedade brasileira. O apartheid social encontra-se bem impresso no abismo crescente entre ricos e pobres. Abismo que chega ao ponto de “naturalizar” a dicotomia entre a vida de uns e de outros, dividindo dois mundos que, apesar de coexistirem lado a lado, são praticamente incomunicáveis. Um olhar retrospectivo e atual mostra que o Brasil, a bem dizer, não tem uma cultura de direitos, mas de privilégios para os moradores da Casa Grande e favores para os habitantes da Senzala. Um exemplo: o entrelaçamento de todos esses fatores faz com que qualquer obra pública, construída com recursos públicos, provenientes dos impostos dos cidadãos, seja vista não como um direito, mas co-
mo um favor de fulano ou sicrano. Resulta que as obras e as gestões do poder público acabam sofrendo de um personalismo doentio, o que distorce completamente o caráter da administração estatal, tanto em nível federal quanto em nível estadual e municipal. Isso sem falar da corrupção e de uma série de outros mecanismos vampirescos acostumados à cobiça sobre o erário público. Tudo isso para concluir que, em termos econômicos, políticos e socioculturais, qualquer crescimento tem sido historicamente viciado. Beneficia unicamente aqueles que se encontram na ponta da pirâmide social, relegando a grande maioria da população a uma exclusão crescente. Estruturas injustas comandam a dinâmica da economia, fazendo com que o crescimento gere uma concentração cada vez mais acentuada. Sobre essa distorção estrutural da economia brasileira, os dados são fartos e amplamente conhecidos. É público e notório o grau de concentração de renda, de terra e de riqueza em nosso país. Para citar apenas um exemplo, em 50 anos de crescimento sustentável, de 1930
a 1980, a desigualdade social em nossa sociedade só fez aprofundar-se. A diferença é que, quando há crescimento, sobram algumas migalhas para os trabalhadores e o conjunto da população. Em tempos de crise, até essas migalhas são suprimidas. Veja-se, a esse respeito, o discurso pela flexibilização das leis trabalhistas. Colocando um ponto final, o crescimento econômico deve ser comemorado, sem dúvida, mas sem otimismos exagerados. O remédio pode revelar-se simples analgésico, que abranda a dor, mas encobre e prolonga a doença. Um dos princípios básicos da Doutrina Social da Igreja é que o desenvolvimento social não se mede pelo crescimento puro e simples, mas pela distribuição dos benefícios do progresso. Aqui está o nó da questão. O foco de nossa atenção e ação deve ser por uma real e efetiva distribuição de renda, e não apenas pelos indicadores de aumento da produção e consumo. Pe. Alfredo J. Gonçalves é vigário da Paróquia de São Bernardo do Campo (SP)
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NACIONAL BIOSSEGURANÇA
Especialista desmascara projeto de lei
A
lardeado como um avanço pelo governo, o projeto de Lei de Biossegurança fere a Constituição Federal e beneficia as grandes empresas de transgênicos. A avaliação é da engenheira agrônoma Ângela Cordeiro, ex-assessora de biossegurança do governo do Rio Grande do Sul (1994-1998). “A proposta é um retrocesso em relação à legislação anterior, pois tira do âmbito técnico as decisões sobre o assunto. O que vai prevalecer é o jogo político, das influências, onde as empresas vão sempre sair ganhando”, comenta Ângela. O projeto, apresentado no dia 10 pelo senador Osmar Dias (PDT-PR), altera substancialmente o texto que veio da Câmara dos Deputados e dá à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) o poder de liberar a comercialização de organismos geneticamente modificados (OGMs), suplantando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que teria até quinze dias para confirmar a decisão do órgão técnico. Cria ainda o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) para resolver, em última instância, processos que estejam gerando controvérsias. O senador Dias não acredita que a lei seja votada em 2004 devido ao processo lento dos trabalhos no Senado, num momento em que o Congresso está praticamente vazio por conta das eleições municipais. Além disso, antes de ser votado em plenário, o projeto deve ser analisado pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Assuntos Sociais (CAS) e Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Caso aprovada, a proposta também deve ser discutida e votada na Câmara dos Deputados. Para evitar que a burocracia adie a votação, dia 12 o senador fez um requerimento para que a lei seja votada em regime de urgência, isto é, sem passar pelas comissões. Integrantes do governo divergem sobre a questão. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, discorda do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, relator original do projeto (veja texto ao lado), e defende que o Ibama detenha o poder de decisão sobre a comercialização dos produtos transgênicos. Rebelo garante que a intenção do governo é votar a proposta até setembro: “As negociações já evoluíram bastante, e esse é todo o esforço do governo para não precisar de uma nova medida provisória”. Se o projeto de Dias não for aprovado este ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá assinar uma medida provisória para liberar o plantio da soja transgênica da safra 2004/2005.
SUPER PODERES Ângela denuncia os “super poderes” da CTNBio. De acordo com o artigo 13 do projeto, torna-se responsabilidade da comissão deliberar sobre o uso de OGMs, com base em estudos que a própria instituição realizar. Diz Medida provisória o texto: “Os (MP) – instrumento órgãos de redo governo para imgistro e fiscaliplementar leis, que entram em vigência zação, em caso imediatamente, sem de solicitação precisar passar por pela CTNBio, votação no âmbito legislativo. Como o o b servarão, seu nome indica, quanto aos asé provisória – só pectos de biosvigora enquanto não for apreciada pelo segurança do Congresso, que poOGM e seus de abolir a MP, moderivados, o dificá-la ou torná-la parecer técnipermanente. Substituiu, na Constituição co prévio conde 1988, o antigo clusivo da decreto-lei, pelo qual CTNBio”. o Executivo tinha o poder de decretar A proposta de leis permanentes. Dias modifica
Teste com sementes transgênicas: projeto de Lei de Biossegurança representa retrocesso e vitória das grandes corporações da indústria alimentar
Votação é fundamental para governo Para a engenheira-agrônoma Ângela Cordeiro, o governo pretende agilizar ao máximo a votação Ð e a implementação – da Lei de Biossegurança. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva impôs os transgênicos por medida provisória, de modo autoritário, para impedir problemas com as grandes corporações, e agora precisa limpar sua imagem”, analisa. O projeto de lei foi apresentado no final de 2003, sob a relatoria do então deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), atual ministro da Coordenação Política. No mesmo ano, agricultores do Rio Grande do Sul pressionaram o governo pela liberação do cultivo de organismos
geneticamente modificados. Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, os produtores plantavam transgênicos alegando não saber que eram ilegais. Para amenizar as pressões, Lula emitiu uma medida provisória liberando os OGMs. A proposta de Rebelo pretendia substituir a lei 8.974, de 1995, assinada durante o governo de FHC. “A legislação anterior era muito avançada, estipulando critérios claros e técnicos sobre os OGMs. Infelizmente, não foi cumprida”, explica Ângela, para quem o projeto atual representa um retrocesso em relação à lei de 1995. Ao ser convidado para o cargo de ministro da Coorde-
nação Política, Rebelo transferiu a redação final do projeto para o deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE). Em fevereiro de 2004, a proposta foi votada e aprovada na Câmara. O projeto foi então enviado para o Senado, onde o relatório ficou sob a responsabilidade de Osmar Dias (PDT-PR). Se o senador não houvesse feito alterações no texto de Calheiros, a lei seria votada no Senado Ð e possivelmente aprovada. Como fez modificações no texto que recebeu da Câmara, a proposta deve ser votada pelos senadores e então encaminhada para a apreciação dos deputados. (T.O. e J.A.P.)
a competência original da CTNBio. O objetivo inicial da comissão, cujos representantes são designados pelo governo, é prestar apoio técnico e assessorar ministros e o presidente na formulação e implementação de políticas ligadas à biossegurança. Para Ângela, a mudança de responsabilidade fere a Constituição, pois a comissão não tem legitimidade para decidir sobre políticas ambientais. “Sua única função deveria ser a realização de um parecer técnico; as decisões devem ser deixadas aos órgãos competentes”, afirma. Segundo ela, o
Ibama deve realizar análises de impacto ambiental de todos os OGMs antes que estes sejam liberados. O governo defende a competência da CTNBio para realizar as análises pois a Comissão tem uma composição mais diversificada, com a participação de técnicos e ministros. Para integrantes do Palácio do Planalto, a questão da liberação dos transgênicos é mais profunda do que um embate entre o Ibama e a CTNBio e depende de mecanismos para unir decisões técnicas e políticas. Ângela acredita que o governo quer eliminar possíveis entraves à
liberação dos transgênicos. “O Ministério do Meio Ambiente e, por conseguinte, o Ibama, têm colocado certa resistência ao uso comercial dos OGMs. Isso não interessa a Lula, que está se desgastando politicamente com a emissão de medidas provisórias. O governo quer agilidade e desconsidera o debate sobre o assunto”, comenta a agrônoma.
SEM ENTRAVES Em sua opinião, o governo não convida pessoas ligadas à área de bioética, direito ambiental, direito constitucional e sociologia para
participar da comissão: “Pessoas com esse perfil poderiam retardar as decisões, e isto não é vantagem para o governo. Além disso, muitos participantes são reconhecidamente representantes das grandes empresas de transgênicos. Como esperar que alguém com interesses diretos na liberação dos OGMs faça um parecer técnico neutro? As cartas já estão marcadas”.
CONSELHO AUTORITÁRIO De acordo com o projeto de Dias, em especial o nono artigo, o CNBS deve “decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGMs” e “resolver controvérsias entre a CTNBio e os órgãos de registro e fiscalização”. Participam do conselho integrantes do governo, em especial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “O Conselho reedita a postura autoritária das medidas provisórias pois as decisões, no final das contas, sempre recaem nas mãos do governo”, critica Ângela. Além disso, segundo ela, o Mapa tem uma postura pró-transgênicos e isso vai facilitar a liberação. “Há sabidamente integrantes desse ministério que estão na política para fazer o jogo das grandes corporações. A decisão sobre os OGMs nunca vai ser técnica. Vai se pautar pelo jogo de interesses políticos e comerciais”, conclui a especialista.
TRANSGÊNICOS
Produtores de algodão podem ser autuados Lana Cristina de Brasília (DF)
O Ministério da Agricultura vai enviar ao laboratório SGS 40 novas amostras de algodão em folha de 33 propriedades do Mato Grosso. Existe a possibilidade da presença de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) no material coletado em fiscalização de rotina, no final de julho. O laboratório, credenciado pelo ministério para verificação de existência de OGMs, deverá entregar o resultado dentro de quinze dias. Outras dez amostras já tinham sido analisadas, e foi verificada a presença do material transgênico em quatro delas. As propriedades de onde foram coletadas são de Primavera do Oeste, Novo São Joaquim e Santo Antônio do Leste. Com a confirmação, os produtores serão autuados pela Delegacia Federal de Agricultura do Estado. Se comprovada a infração, os agricultores se-
rão enquadrados na lei de sementes e na lei de biossegurança. A partir de agora, o ministério garante que vai intensificar a fiscalização nas lavouras de algodão em Mato Grosso e ampliar o trabalho nos outros 16 Estados produtores. O plantio de algodão transgênico é tipificado como crime porque não foi autorizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), conforme prevê a lei. Os infratores ficam proibidos de colher e a lavoura pode até ser destruída. O algodão já colhido será interditado. O secretário de Defesa Agropecuária, Maçao Tadano, disse que a ação do ministério será rápida para evitar a contaminação de outras lavouras. Existe esse risco, conforme explicou o secretário, porque o pólen é transportado por insetos e aves. Com isso, o algodão transgênico pode cruzar com o algodão convencional. (Agência Brasil, www.radiobras.gov.br)
Embrapa
Tiago de Oliveira e João Alexandre Peschanski de Brasília (DF) e da Redação
Aldair/Greenpeace
A agrônoma Ângela Cordeiro considera a proposta apresentada dia 10 como um retrocesso que fere a Constituição
Plantio de algodão transgênico é crime; novas fazendas estão sendo investigadas
Ano 2 • número 77 • De 19 a 25 de agosto de 2004 – 9
VENEZUELA URGENTE
Chávez vence e quer diálogo com opositores
Chico Sanchez/EFE/AE
SEGUNDO CADERNO
Após o anúncio dos resultados, o presidente garantiu aos opositores que eles não serão excluídos do projeto do país Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
A
pós uma longa jornada eleitoral, o presidente Hugo Chávez saiu vitorioso do histórico referendo revogatório a que foi submetido dia 15. Com 58,25% de votos a favor e 41,74% contra a continuidade de seu governo, Chávez seguirá no poder até 2006. Após o anúncio dos resultados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o presidente discursou para milhares de venezuelanos. “A partir de hoje começa uma nova etapa que significa aprofundar a luta contra a pobreza, a partir de um modelo econômico produtivo e diversificado, que atenda às necessidades básicas de toda a população”, assegurou, e garantiu aos venezuelanos que optaram pelo “sim” que o projeto que avança no país não os exclui. “A Venezuela mudou para sempre, não há passo atrás”, anunciou. Imediatamente depois do anúncio parcial dos resultados, os líderes da oposição afirmaram que não reconheceriam os resultados por se tratar de uma “megafraude”. “A presença da multidão nas filas e a alegria delas indicava em quem votariam”, justificou o porta-voz da opositora Coordenadora Democrática (CD), Henry Ramos Allup. A oposição alega que houve mani-
pulação na transmissão dos dados e exige a contagem dos comprovantes dos votos. O CNE se declarou disposto a realizar qualquer tipo de auditoria desde que sejam cumpridas as etapas de revisão estabelecidas no regulamento: das atas de votação, da transmissão de dados, das urnas eletrônicas e, por último, revisão do voto em papel. Nem mesmo a declaração da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Centro Carter (leia texto abaixo) fez a oposição mudar de tom. A Coordenadora Democrática convocou seus apoiadores a sair às ruas para protestar. Chávez qualificou a atitude de “irresponsável”, já que tem incentivado atos de violência no país. Na primeira entrevista coletiva após a vitória (veja texto na página 10), Chávez convocou “ao menos um líder de-
Da sacada do palácio presidencial, em Caracas, Chávez comemora vitória e apoio da população
mocrático da oposição” a aceitar a derrota com “dignidade”.
DEMOCRACIA E TRIUNFO Na eleição de maior participação de toda a história do país, em que mais de 2 milhões de novos eleitores foram incluídos nos registros eleitorais, homens e mulheres espe-
raram pacientemente por até nove horas para garantir seu direito de escolha. O horário de encerramento dos centros de votação teve que ser estendido até a meia-noite, de modo a assegurar a participação de todas as pessoas da fila. Muitos nunca haviam votado. Alguns porque estavam marginalizados ao ponto
Um CD com um falso programa de rádio – em que o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Francisco Carrasquero, “anunciava” a suposta revogação do mandato do presidente Hugo Chávez – foi entregue ao órgão eleitoral, que denunciou a fraude em cadeia nacional de rádio e TV. A montagem com a voz do presidente do CNE ia ser veiculada às 20 horas do dia 15, quando estaria encerrada a votação, denunciou o dirigente do CNE, Jorge Rodríguez. “Uma clara tentativa de burlar a vontade dos milhões de venezuelanos”, afirmou Rodriguez. Carrasquero pediu a imediata investigação, que deve ser levada até as “últimas consequências”. O programa iria para fora do país, com o intuito de gerar clima de instabilidade e dar credibilidade à acusação de fraude que desde o início da campanha a oposição tentava criar. Também foi anunciado, em uma página da internet (www.tefuiste.ath.cx), ao meio-dia do dia 15, que 59% dos venezuelanos optaram pelo “sim”, contra 41% de votos pelo “não”. A denúncia trouxe ainda mais tensão ao caótico processo eleitoral, que teve enormes filas por conta do processo de identificação das digitais. O coordenador da campanha do governo, Henry Villegas, afirmou que técnicos ligados à oposição foram responsáveis pelo atraso na votação, com o objetivo de criar um clima de descontentamento e levar o CNE a suspender a identificação de digitais. Esse sistema foi adotado pelo CNE para assegurar que cada eleitor votasse apenas uma vez.
PROTESTOS Acesso ao metrô trancado, pneus queimados, uma pessoa morta e ao menos seis feridos. Es-
Leslie Mazoch/AP/AE
Oposição forja anúncio e estimula violência
Opositor chora durante comemoração do presidente venezuelano, Hugo Chávez, ao fundo, na televisão
se foi o resultado do chamado da oposição para que os apoiadores do “sim” fossem às ruas protestar contra a suposta fraude no resultado do referendo. O conflito foi entre uma centena de oposicionistas que se manifestavam na Praça Altamira, reduto da oposição, e três homens que dispararam contra os manifestantes. Um deles vestia uma boina vermelha, símbolo dos simpatizantes do governo, já identificado pela polícia. Estrategicamente localizada, a câmara do canal Globovision, que apóia a oposição, registrou o momento dos disparos. O incidente foi veiculado exaustivamente durante todo o dia 16, seguido de entrevistas que analisavam a culpabilidade do presidente pelo incidente. “Lamento esses atos de violência. Apelo à população para que não atenda ao chamado desses irreponsáveis, vejam as primeiras consequências”, disse Chávez. (CJ)
de não ter cédulas de identidade, outros porque não acreditavam que um processo eleitoral seria capaz de transformar sua realidade. Na Favela Setenta, do bairro El Valle, o operário Luiz Roberto Gonzalez, que aguardava há mais de cinco horas na fila, explicou tanta paciência: “Batalhamos para manter o nosso governo. As pessoas foram votar porque agora vêem os resultados de nossa democracia participativa”. A lentidão dos técnicos responsáveis por identificar as digitais dos eleitores, a falta de organização, problema estrutural do país, e o súbito “desaparecimento” dos técnicos – acusados de fazer parte de um plano de sabotagem para dificultar a consulta popular – atrasaram o processo de votação. Mesmo diante de tantos obstáculos, Natasha Lujo não perdeu o ânimo: “Estamos celebrando a democracia, nossa Constituição. Estamos construindo um novo país. Voto pelo ´não´para que continuem os projetos de alfabetização, saúde e a integração com países latino-americanos”. Do outro lado da cidade, em Altamira, bairro nobre da cidade, Carmem Fernandez, arquiteta, conta que votou pelo “sim” porque não quer o “comunismo”. “Meus pais são cubanos e tiveram que ir para Miami quando chegou Fidel (Castro). Queremos democracia e mais empregos”, afirma.
OEA e Centro Carter confirmam vitória Mesmo com a acusação de que houve fraude no referendo, feita pela oposição, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Centro Carter confirmaram os resultados apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), um dia após o plebiscito. “A votação superou os 10 milhões de eleitores e há uma clara diferença a favor do governo do presidente Chávez”, declarou o ex-presidente americano Jimmy Carter, do Centro Carter, em entrevista coletiva, ao lado do secretário-geral da OEA, César Gaviria, ex-presidente colombiano. Gaviria ressaltou que “o sistema não permite manipulação nos resultados finais”. Carter disse que inclusive a empresa Súmate, contratada pela oposição, registrou a vitória do governo. Um comunicado entregue
aos observadores mostrava que 55% votaram pelo “não” (à saída de Chávez) e 45% pelo “sim”, desmentindo os anúncios da Coordenadora Democrática (CD) de que a oposição conseguiu 60% dos votos. O aval dos observadores internacionais, vistos pela oposição como seus grandes aliados, praticamente aniquilou a estratégia da CD de que a opinião pública internacional – leia-se Estados Unidos – utilizasse os resultados do referendo para reiniciar a campanha contra Chávez. O subsecretário de Estado dos EUA, Tommy Wolf, afirmou, horas antes do anúncio da OEA e do Centro Carter, que seu governo seguiria o que os observadores internacionais dissessem. Dia 17, os Estados Unidos reconheceram oficialmente a vitória de Chávez. O departamento de Estado
dos EUA anunciou que o país se juntará ao “Grupo de Países Amigos da Venezuela”. O porta-voz Adam Ereli afirmou que os resultados preliminares do referendo “mostram que o presidente Chávez recebeu o apoio de maioria dos eleitores”. A mudança do tom pode estar relacionada à reação dos mercados, os “neo-aliados” do presidente da Venezuela, quarto maior exportador mundial de petróleo. Há uma semana, analistas financeiros estadunidenses admitiram que sem Chávez a Venezuela poderia seguir uma rota de desestabilização, o que provocaria um aumento ainda maior dos preços do petróleo, configurando um cenário desfavorável para o presidente George W. Bush, em campanha para sua reeleição. (CJ)
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AMÉRICA LATINA VENEZUELA URGENTE
Vitória popular fortalece lutas sociais A confirmação no poder do presidente venezuelano vai refletir na força política de toda a América Latina
Jorge Pereira Filho da Redação
Para a deputada Maninha (PTDF), presidente da Confederação Parlamentar das Américas (Copa), que foi à Venezuela como observadora internacional, a vitória de Chávez carrega um simbolismo que será sentido no Brasil: “O país deve aprender que não precisa se submeter a uma política econômica ortodoxa. É preciso implementar reformas profundas”. Outro observador internacional, o ator Marcos Winter, ficou impressionado pelo “sentimento de uma parcela esmagadora da população, historicamente marginalizada, de que existe de fato a possibilidade de uma vida melhor e mais justa”. Winter visitou comunidades pobres e se interessou pelo “projeto barrios”, um programa de educação universal.
Integrantes do MST do Distrito Federal realizam manifestação de apoio ao presidente da Venezuela Hugo Chávez
Para dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o processo pode se irradiar pelo continente. “A escolha dos venezuelanos tem um grande significado porque Chávez se tornou um símbolo de libertação. A mística bolivariana retoma a inspiração de Simon Bolívar, hoje, contra a colonização do mercado e da política que pesa cada vez mais sobre a América Latina”, opina.
ANÁLISE
Revolução bolivariana inicia nova etapa Fernando Morais
Na madrugada do dia 16, Caracas foi despertada pelo estrondo e pelas luzes de fogos de artifício, disparados dos milhares de casebres empilhados nas montanhas que cercam a capital venezuelana. Eram os barrios – as favelas de lá – festejando o resultado do referendo que dera ao presidente Hugo Chávez quase 5 milhões de votos, cerca de 60% do total apurado, assegurando sua permanência no poder até 2006, conforme manda a Constituição do país. Com esse resultado, a revolução bolivariana comandada por Chávez entra em uma nova fase. A derrota acachapante que o chavismo impôs às oligarquias não significa que a guerra acabou – ao contrário, pode estar começando agora. Os nocauteados não são meia dúzia de gatos pingados, mas representantes das trinta famílias que há décadas dominam a Venezuela. Encarapitados na PDVSA, a estatal petrolífera que sempre foi um estado dentro do estado, eles fizeram evaporar, entre 1960 e 2000, uma fortuna equivalente a
Segundo ele, a Venezuela era uma fazenda controlada por poucas famílias e a burguesia local não se conforma com a mudança de rumo do país. Dom Tomás ressalta que o desafio, agora, é buscar a reconciliação para se evitar o aprofundamento da divisão interna. Esse foi o sentido das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu a recon-
ciliação política. Para o brasileiro, as diferenças devem ser resolvidas dentro do processo democrático. Lula disse que ficou satisfeito com a confirmação dos resultados do referendo pelos observadores internacionais. João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Tra-
Paulo Caruso/Diário de São Paulo
ESPERANÇA POPULAR
Joedson Alves/Agência Estado/AE
O
resultado do referendo venezuelano amplia as forças progressistas na América Latina. Mais do que a confirmação do mandato do presidente Hugo Chávez até 2006, a consulta popular não deixa dúvidas sobre o apoio da maioria dos venezuelanos a uma plataforma política caracterizada pela oposição ao imperialismo e pelo favorecimento das classes mais pobres. “O resultado demonstra que uma liderança mais decidida tem respaldo popular muito forte. O discurso de que é preciso ceder muito para manter apoio popular é uma idéia falsa. Podemos ter programas políticos muito mais avançados na região”, avalia Theotônio dos Santos, professor do curso de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). O referendo foi um chamado à participação política. Como o voto não é obrigatório, os pleitos eleitorais costumam ter apenas 40% dos 14 milhões de eleitores. Mas, dia 15, quase 10 milhões participaram do referendo. “O resultado demonstra o crescimento da base social das forças de centro-esquerda e esquerda na América Latina. O índice de 58%, obtido por Chávez, é bem maior do que a esquerda conseguia historicamente. Allende (Salvador Allende, ex-presidente socialista chileno) teve 33% e, depois, chegou a pouco mais de 40%”, lembra Santos.
balhadores Rurais Sem Terra (MST), considerou o referendo decisivo para a geopolítica do continente. “Uma derrota do Chávez abriria espaço para a mudança da política do governo Bush para a América Latina, com uma nova ofensiva da direita a partir da consolidação de sua hegemonia nos Andes (já controlam o governo do Equador e da Colômbia). Seria aberto um novo ciclo conservador de pressões sobre Bolívia, Peru, Argentina e também Brasil”, analisa. Durante os dias que antecederam o referendo, o MST e a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) realizaram vigílias em embaixadas dos Estados Unidos e da Venezuela em apoio ao presidente venezuelano. Para o coordenador do MST, a Venezuela caminha na direção de uma etapa de transformações: “O processo de mudanças sociais que se iniciou com a vitória eleitoral de Hugo Chávez é muito complexo e contraditório, mas inaugurou uma nova forma de fazer política em comunhão com as massas. Empobrecidas por cem anos de desmandos das elites com o petróleo e manipuladas pelo bipartidarismo da direita, as massas deram um basta. E embora não estejam organizadas de forma institucional, colocaram em marcha um processo de mudanças sociais impressionante”.
doze Planos Marshall, recursos decorrentes das receitas da exportação de petróleo. Esses números passam a fazer sentido quando se sabe que a Venezuela é o terceiro maior exportador de petróleo do mundo (só perdendo para a Arábia Saudita e para os Emirados Árabes) e dona de reservas estimadas em 80 bilhões de barris, superiores às da Nigéria, da Líbia, da Argélia, do Qatar e da Indonésia. Visto está que não se trata de uma república bananeira. O que aconteceu na Venezuela dia 15 não diz respeito apenas aos 26 milhões de venezuelanos, mas a todos os que lutam contra a maré neoliberal que a globalização tenta impor ao mundo. Renasce em Caracas a frustrada esperança de que os governos de Lúcio Gutierrez, no Equador, e de Lula, no Brasil, pudessem ser trincheiras dessa guerra desigual. Hugo Chávez passa a dispor do indispensável respaldo popular para levar adiante a revolução bolivariana, mas a vigilância e a solidariedade internacional têm que ser permanentes. Fernando Morais é escritor
Presidente não pensa em recuar Gilberto Maringoni de Caracas (Venezuela) “Não há volta! Esse processo que vivemos na Venezuela irá se aprofundar! É uma revolução, uma mudança estrutural!” Assim o presidente venezuelano, Hugo Chávez, iniciou uma longa coletiva de imprensa no salão Ayacucho, Palácio de Miraflores, na noite do dia 16. Ele sabe que o referendo o deixou mais forte que nunca: “Domingo não se ratificou Chávez, não se ratificou um governo. Ratificou-se um projeto, um conceito e um novo desenho econômico e social”. Para onde aponta tal modelo? “Para uma alternativa ao neoliberalismo e a falsa noção de democracia liberal”, diz, sem hesitar. O líder venezuelano destaca a virada que representa o 15 de agosto. Venceu 8 eleições, um golpe de Estado e uma paralisação petroleira em quase seis anos de mandato. Só foi derrotado em dois Estados no referendo. Nas televisões, a oposição continua denunciando a suposta fraude. Eleva o tom, repete argumentos, exige uma recontagem da totalidade dos mais de 8 milhões de votos válidos. Chávez não se abala. Lembra-se de ter convidado a Coordenadoria Democrática para um
almoço dia 16: “Sabem o que aconteceu? A comida está lá, esfriando em cima da mesa. O problema é que resistem ao entendimento, ao diálogo”, diz. E logo cita uma frase do ex-presidente Jimmy Carter, em entrevista coletiva horas antes: “O diretor do Centro Carter afirmou que mesmo os números deles coincidem com os resultados oficiais”. Se o referendo venezuelano pudesse ser reduzido a poucos personagens centrais, o principal deles seria Chávez. Possivelmente, o segundo seria Jimmy Carter, que sacramentou a soma final. A insatisfação da oposição com o comportamento do líder estadunidense é evidente. Nos episódios anteriores, durante a coleta de assinaturas, Carter era uma espécie de tábua de salvação para os argumentos oposicionistas. Os mais de cem outros observadores internacionais eram menosprezados pela imprensa e por líderes da Coordenação Democrática, como Timoteo Zambrano. Dia 16, tudo mudou e Carter foi ignorado por quase todos.
A TACADA FINAL Chávez brinca e faz o gesto de alguém que dá uma tacada numa bola de beisebol, o esporte nacional: “Rebatemos a bola. Fidel a viu pas-
sar de binóculo. Sabem onde ela foi cair? Nos jardins da Casa Branca”. Gargalhadas gerais. Ele volta a ficar sério: “E os mercados? O preço do petróleo caiu e a Venezuela garante o abastecimento ao mundo”. Afirma não querer o óleo a 50 dólares o barril, mas tampouco o combustível abaixo de 10 dólares. Chávez bem sabe que o impacto dos resultados de 15 de agosto ultrapassam de longe as fronteiras venezuelanas. Olhado inicialmente com desconfiança, mesmo entre a esquerda internacional, o país aparece agora como uma espécie de posto avançado para os que se batem contra a chamada globalização neoliberal. Não é à-toa que nas últimas semanas centenas de ativistas de todo o mundo (dezenas do Brasil) aportaram nas terras de Simon Bolívar. Longe de ser modelo para alguma coisa, o processo venezuelano parece tirar as perspectivas de mudança social do pedestal das utopias inatingíveis. Chávez sente isso e refere-se sempre às lutas políticas históricas em seus discursos. Mas segue pragmático, com os pés bem fincados no chão: “Estamos obrigados a trabalhar o dobro do que nos últimos seis anos. Nossa jornada está longe de acabar”.
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INTERNACIONAL REPRESSÃO
Artista é detido por criticar transgênicos da Redação
O
artista plástico Steve Kurtz, integrante do coletivo de arte estadunidense Critical Art Ensemble (CAE), vive um pesadelo desde o dia 11 de maio. Nessa data, Kurtz acordou e percebeu que sua mulher não estava respirando. Como reação imediata, chamou o Serviço de Emergências e os paramédicos constataram que ela havia sido vítima de uma parada cardíaca, aos 25 anos. Sua esposa, entretanto, não foi o principal foco de atenção dos paramédicos, mas sim um minilaboratório onde Kurtz guardava uma cultura de bactérias inócuas, que seriam utilizadas em uma instalação (obra) artística que criticava a produção e comercialização de alimentos transgênicos. O FBI foi chamado e confiscou o computador, e boa parte dos livros, dos manuscritos e das ferramentas artísticas. Em poucas horas, a divisão Antiterrorismo cercou todo o quarteirão da casa do artista e o prendeu sob a acusação de ser um bioterrorista. Testes realizados pela própria polícia confirmaram que as bactérias eram inofesivas. Kurtz foi acusado de obter ilegalmente amostras de substâncias biológicas no valor de 256 dólares, um crime considerado menor nos Estados Unidos. Aguardando julgamento, o artista pode pegar até 20 anos de prisão. Natalie Jeremijenko, professora da Universidade da Califórnia, conta que cientistas enviam regularmente materiais uns para os outros: “Eu faço isso com meus estudantes, eles fazem entre eles. É a base da colaboração acadêmica. Desse jeito, eles terão que processar toda a comunidade científica”.
João Peschanski
Apoiado pelo Ato Patriota, governo dos EUA detém “suspeito” de terrorismo com base em material de uso artístico
A cartilha do autoritarismo Algumas das aberrações do Ato Patriota, decretado pelo governo estadunidense após os atentados de 11 de setembro de 2001, em nome do pretenso combate ao terrorismo. – Qualquer cidadão está sujeito à investigação dos serviços de inteligência desde que esta seja justificada como importante para a segurança do país (art. 206). – O governo pode espionar computadores sem precisar de ordem judicial (art. 217). – Os imigrantes que forem considerados uma ameaça para o país devem ser presos – sem direito a julgamento – até que sejam deportados (art. 412).
Ativistas de direitos humanos e críticos do governo Bush têm seus direitos civis e políticos cerceados pelo Ato Patriota
A prisão de Kurtz causou espanto em diversos setores da comunidade científica, até nos mais ligados a setores conservadores. “Baseado no que li, Kurtz tem trabalhado com organismos totalmente inócuos”, diz Donald A. Henderson, professor emérito de saúde pública da Universidade Johns Hopkins e cientista indicado pela administração de George W. Bush para chefiar a divisão nacional de saúde pública. Henderson nota ainda que os organismos envolvidos nesse caso não aparecem na lista do governo de substâncias que poderiam ser usadas como arma biológica.
Apesar de controversa, a prisão encontra amparo legal no Ato Patriota, editado logo após os atentados de 11 de setembro. Em nome do combate ao terrorismo, o decreto concedeu novos poderes às autoridades e agências de inteligência dos EUA e, na prática, limitou os direitos civis e políticos dos cidadãos estadunidenses e imigrantes. “O material de Kurtz não é perigoso fisicamente, mas politicamente”, alega Mary-Claire King, professora da Universidade de Washington. “Eles (Steve Kurtz e o CAE) recriam idéias científicas usando uma maneira particular
de ver as coisas. Para mim, isso é ensinar. Isso não me parece uma ameaça. O que realmente assusta, é viver em um lugar onde isso é considerado como tal”, completa. A conceituada revista científica inglesa Nature também manifestou apoio ao artista. “Com a perseguição de alguns cientistas nos últimos anos, parece que o governo escolheu Kurtz como forma de advertir toda a comunidade científica e artística. Arte e ciência são formas de produção humana que podem ser muito esclarecedoras e a liberdade de ambos deve ser preservada como parte de uma democracia
saudável”, escreveram os editores da revista. A cultura de bactérias de Kurtz seria utilizada na obra intitulada “Free Rage Grain”, que seria exposta do Museu de Arte Moderna de Massachussets. Na instalação, alimentos comprados em supermercados ou trazidos pelos próprios visitantes poderiam ser analisados a fim de verificar a presença de material transgênico. “Não há meios legais de impedir que as grandes corporações parem de usar material geneticamente modificado em nossa comida,” disse a porta-voz do CAE, Carla Mendes. “Ainda sim, ter o equipamento necessário para testar a presença de organismos geneticamente modificados faz você ser acusado de bioterrorismo”.
ENTREVISTA
Paulo Pereira Lima da Redação O advogado Jeffrey Frank, um dos dirigentes do National Lawyers Guild, a Liga Nacional dos Advogados Progressistas, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, diz que não vê grandes diferenças entre o presidente George W. Bush, candidato à reeleição nos Estados Unidos, e seu opositor, o candidato democrata, senador John Kerry. Na sua opinião, ambos têm a mesma política para a América Latina: são contra o presidente venezuelano Hugo Chávez e contra o governo cubano; favoráveis a intervenções militares para salvaguardar os interesses dos grandes conglomerados dos EUA; favoráveis às restrições aos direitos dos cidadãos estadunidenses, em nome do combate ao terrorismo – como o Ato Patriota, que, na avaliação de Frank, tem como objetivo “isolar o povo de meu país, cortar os laços de solidariedade para com movimentos sociais e populares do mundo inteiro”. Para o ativista, trata-se de um plano da “elite estadunidense” em defesa da hegemonia do pensamento único interno e para acabar com as divergências. Brasil de Fato – De acordo com sondagens das eleições estadunidenses, Kerry está com uma leve vantagem em relação a Bush. Os latino-americanos têm algo a comemorar com isso? Jeffrey Frank – As pesquisas mostram uma vantagem muito pequena de Kerry em relação a Bush, e não sei se isso é motivo para comemoração. A eleição de Kerry não é mais vantajosa para os latino-americanos que a de Bush.
Anderson Barbosa
Candidato democrata defende mesmas idéias de Bush
BF – Em que a política de Kerry em relação à América Latina se diferencia da de Bush? Frank – Os dois apóiam a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), ambos são contra Hugo Chávez (presidente venezuelano) e contra o governo cubano. Eles têm a mesma política, mas Kerry tenta passar uma posição mais internacionalista, diz que irá consultar mais as Nações Unidas, que tentará assegurar que os outros países apóiem as políticas estadunideneses. Mas Bill Clinton, que era um presidente democrata, se quisesse bombardear um país, ele bombardeava. Clinton lançou um foguete para cada dia de governo, e é um democrata. BF – Então não se trata de uma política belicista de governo, mas de uma política belicista de Estado. Frank – Primeiramente, temos que entender que o presidente, nos Estados Unidos, tem poder suficiente, que ele tem controle sobre a classe dominante. Acredito que há uma política, hoje, para os Estados Unidos dominarem o mundo militarmente. Durante os anos Clinton eles ganharam o máximo de lucros por meio dos acordos de livre comércio, do
Quem é
Advogado há 24 anos e mestre em Direito pela Universidade de Nova York, Jeffrey Frank, 51 anos, é diretor da seção de Chicago, da Liga Nacional dos Advogados Progressistas, que reúne cerca de seis mil integrantes.
Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial. Agora, para manter o controle, eles estão utilizando a força militar. BF – Kerry tem se manifestado contra ou a favor do Ato Patriótico, a legislação que impôs restrições aos direitos civis e políticos dos estadunidenses, sob o pretexto de combater o terrorismo? O senhor acha que ele vai continuar essa política de perseguição até mesmo contra os ativistas pacifistas e sociais? Frank – Kerry é a favor do Ato Patriótico. Não há indicação de que ele vá mudar essas coisas, mas ele evita falar sobre elas, como evita falar sobre Guantánamo (base militar estadunidense em Cuba), sobre os segredos militares, sobre o que ocorreu nas prisões no Iraque. Ele votou a favor do Ato e vai continuar a apoiá-lo. BF – O que o Ato Patriótico mudou na vida de um cidadão comum? Frank – O Ato não mudou a vida da maioria dos estadunidenses, mas mudou para aqueles que vivem à margem da sociedade e para os que são ativistas políticos. Particularmente, para quem é imigrante há mais impacto. O que a
maioria dos estadunidenses está começando a entender é que a possibilidade de perda de direitos civis é real. A pergunta é: o que o governo tem direito de saber sobre a sua vida pessoal? As provisões do Ato Patriótico permitem ao governo checar o que você está lendo em bibliotecas, que livros você comprou, seus arquivos médicos, e itens que são muito pessoais. Essas são coisas que estão começando a deixar os cidadãos comuns preocupados. BF – Esses temores podem gerar uma mobilização política contra o Ato? Frank – Há um movimento comunitário contra o Ato, mas não sei o poder que ele tem de verdade. Mesmo assim, integrantes do Congresso estão tomando posição contra parte do Ato Patriótico e contra novas legislações repressoras nele baseadas, que são propostas o tempo todo. O que as autoridades querem é que o povo estadunidense ache que há um agente do FBI atrás de cada caixa de correio, e deixá-los com medo de agir, e gerar medo na sociedade. BF – Essa política do terror pode se estender, por meio das Nações Unidas, a outros países, como legislação? Frank – Acho que sim. Essa mesma atmosfera de terror é usada por Israel para justificar a repressão aos palestinos, é usada pelos chineses para justificar a repressão às minorias muçulmanas. Depois do 11 de setembro, a GrãBretanha passou a um segundo Ato de Segurança Nacional, tornando a legislação muito mais restritiva. O presidente Putin, na Rússia, também fez novas leis
restritivas ao que ele chama de terrorismo. BF – Por que o Poder Judiciário não combateu o Ato Patriótico, já que essa legislação foi contra as liberdades individuais garantidas pela Constituição dos EUA? Frank – Com certeza há várias partes do Ato inconstitucionais. Por exemplo, os Estados do Oeste, liderados pela Califórnia, estão fazendo vários processos em suas cortes contra o Ato. Mas leva em média sete anos para que um processo desses chegue a ser julgado na Suprema corte, Hoje há 300 assembléias municipais (câmaras de vereadores) que votaram contra o Ato, incluindo cidades grandes como Nova York, Chicago, São Francisco. Há assembléias estaduais onde os deputados votaram contra o Ato, como Novo México, Vermont e Maine. E tem também um movimento de advogados, do qual eu faço parte, que é a Liga Nacional dos Advogados Progressistas. BF – Na visão do Ato, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) poderia ser um movimento terrorista? Frank – Os termos “apoio material ao terrorismo” e “movimento terrorista internacional” têm um significado muito amplo, que dependem da interpretação das autoridades. Uma organização terrorista internacional, por exemplo, é toda aquela designada terrorista pelo secretário de Estado dos EUA; no caso atual, Colin Powell. Os critérios para ser designado terrorista são ambíguos. Mesmo você mandar comida para camponeses que fazem parte de uma organização dita terrorista, é ilegal.
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INTERNACIONAL DIREITOS HUMANOS
Justiça britânica legitima a tortura
Por Sanjay Suri de Londres (Inglaterra)
U
m tribunal de apelações da Grã-Bretanha deu ao governo a faculdade de considerar boa a evidência obtida com depoimentos conseguidos sob tortura em outros países. Assim, após declarar durante anos que sua “política ética de relações exteriores” implicava condenar os regimes que apelam para a tortura, Londres deu um radical giro ao avalizá-la. A decisão foi apoiada por dois votos contra um, em um tribunal de apelações no qual defensores dos direitos humanos questionavam a liberdade de dez estrangeiros suspeitos de terrorismo, mas detidos sem acusação durante mais de dois anos. A lei sobre antiterrorismo, delinqüência e segurança, aprovada em 2001, depois dos atentados que deixaram 3 mil mortos nos Estados Unidos, no dia 11 de setembro, permite às autoridades britânicas manter pessoas detidas sem acusações, por tempo indefinido. O governo do Partido Trabalhista utilizou essa lei diante dos protestos de organizações de direitos civis que questionam a detenção indefinida dos estrangeiros. O juiz Lord Laws disse em sua sentença, emitida na semana passada, que o secretário do Interior britânico tem o direito de utilizar a evidência “que chega às suas mãos que foi, ou possa ter sido, obtida com a tortura praticada por agências de outros Estados sobre os quais não tem poder”. A sentença resulta funcional
Fotos: CMI
Sentença de tribunal cai como luva para o governo Blair; mas há juízes que a classificam de aberração moral
Pacifistas ingleses condenam sentença que favorece o uso da tortura
às novas políticas do governo de Tony Blair, segundo organizações de direitos humanos e civis. “O primeiro-ministro e seu secretário do Interior precisam esclarecer sua atitude em relação à tortura. Consideram-na aceitável ou inaceitável?”, questionou o ativista Barry Hugill, da organização Liberty. Ele qualificou a detenção dos dez estrangeiros de “baía de Guantánamo britânica”, afirmando que “estes homens são mantidos ao amparo de operações de inteligência desconhecidos. Se cometeram um
crime, deveriam ser processados ou, do contrário, libertados”.
DEMOCRACIA FRACA O juiz Laws foi apoiado em sua sentença pelo seu colega, o juiz Pill, mas o juiz Neuberger advertiu que o governo britânico não deveria aproveitar “o fruto da tortura. As sociedades democráticas que enfrentam ameaças terroristas não deveriam aceitar que a ameaça justificassem o uso da tortura, ou que o fim justifica os meios”, alertou Neuberger. “Ao
usar a tortura, ou mesmo adotando os frutos da tortura, um Estado democrático enfraquece sua posição diante dos terroristas, ao adotar seus métodos, perdendo, portanto, o predicado moral de uma sociedade democrática e aberta”, afirmou o magistrado.
ANISTIA CRITICA A Anistia Internacional manifestou que, com sua sentença, o tribunal de apelações”abdicou vergonhosamente” de sua responsabilidade. “O Estado de Direito e os direitos humanos saíram perdendo com as medidas adotadas depois do 11 de setembro. A sentença é uma aberração legal e moral”, acrescentou a organização. A de-
manda que motivou a sentença foi apresentada em nome de dez dos 12 homens detidos em prisões de alta segurança na Grã-Bretanha com base na lei antiterrorista. As autoridades permitiram a outros dois abandonarem o país. Apenas um dos suspeitos, identificado pela letra M, ganhou uma apelação judicial em seu caso contra um documento que o descrevia como terrorista internacional. A sentença do juiz Laws implica que os supostos terroristas podem ser mantidos na prisão indefinidamente, com base em informação obtida por policiais ou militares dos detidos na base naval norteamericana de Guantánamo, em território cubano, ou sob outros regimes estrangeiros. A defensora dos dez estrangeiros, Gareth Pierce, qualificou a sentença de “aterradora”. O caso “demonstra que perdemos completamente o rumo neste país, legal e moralmente. Temos obrigações internacionais que nos impedem de usar evidência obtida com a tortura em qualquer procedimento”, afirmou Pierce. O governo de Blair estabeleceu “uma política de relações exteriores ética”, segundo a qual não apóia regimes que recorrem à tortura. A mudança de política que se infere de sua demanda judicial significa que poderá aceitar a evidência obtida com a tortura por aqueles Estados os quais condenava por praticá-la. O governo britânico colocou-se no olho de uma tormenta judicial, e sua posição parece difícil de ser mantida. (IPS/Envolverde, www. envolverde.com.br).
da Redação O Comitê de Famílias de Presos Políticos e Detidos da Cisjordânia, que representa cerca de 5,5 mil presos políticos atualmente em cadeias israelenses, quer o apoio da comunidade internacional na sua campanha contra as violações de direitos dos prisioneiros e as deploráveis condições nas quais são mantidos. Os presos políticos dos cárceres israelenses iniciaram uma greve de fome no dia 15, para protestar contra a sua situação. Eles dizem que suas condições lembram as instalações de Abu Ghoraib, no Iraque, que, recentemente, ganharam notoriedade mundial pelo tratamento dispensando aos prisioneiros. O ministro de Segurança de Israel, Tzachi Hanegbi, declarou à imprensa, no dia 13, que os prisioneiros “podem fazer greve um dia, um mês, e até morrer de fome, mas não vamos atender às suas reivindicações”. Os presos palestinos protestam contra: espancamentos indiscriminados e arbitrários nas celas, nos pátios das cadeias e durante o transporte de ou para as prisões; lançamento de gás lacrimogêneo nas celas e nos pátios, e intimidação por guardas que entram nas celas com pistolas; revistas humilhantes, desnudando prisioneiros na frente de outros e de guardas; submissão a reclusão em isolamento total durante muito tempo; imposição arbitrária de penas financeiras aos detidos por infrações menores, suspensão arbitrária do direito de visita e prolongados confinamentos nas celas como castigo para infrações como cantar ou falar alto; reclusão de crianças junto com prisioneiros adultos, e de presos políticos com comuns; impedimento ou demora de tratamento médico e administração de medicamentos aos enfermos; limitação severa dos membros da família autorizados a visitar os prisioneiros;
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Peace Link
Presos políticos palestinos em greve de fome
Segundo organizações de direitos humanos, há mais de 7 mil presos políticos palestinos nas prisões israelenses
• negação arbitrária da permissão • imposição de condições e obstá- • de viagem aos membros de famílias de presos que vivem na Cisjordânia ou em Gaza, impedindo que viagem para visitar familiares presos;
culos às viagens de familiares de prisioneiros, fazendo com que uma viagem de poucas horas se prolongue por 16 a 17 horas, para uma visita de 45 minutos;
fazer humilhantes revistas dos familiares em visita, inclusive desnudando-os, mesmo que estejam separados dos prisioneiros por barreira de cristal e metálica; submeter os prisioneiros a dietas
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alimentares próximas da fome. O tratamento dado por Israel aos presos palestinos viola tanto as leis internacionais como as israelenses. O Comitê de Famílias planejou uma série de atividades na Cisjordânia, incluindo palestras, acampamentos de solidariedade em frente aos centros de todas as cidades do país e dos postos da Cruz Vermelha. O escritório do primeiro-ministro palestino declarou 18 de agosto dia nacional pelos presos, para que todos os palestinos manifestassem sua solidariedade a eles. Ministros do governo, membros do Conselho Nacional Palestino e líderes dos partidos políticos se uniram ao público nos acampamentos de solidariedade. Há atividades planejadas até o final de agosto. Entre elas, dia 26, uma passeata em Ramallah, tendo à frente Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi. O Comitê convoca a comunidade internacional a se manifestar publicamente no dia 4 de setembro, dia internacional de solidariedade aos presos políticos palestinos, além de pressionar o governo de Israel para que acabe com as violações aos direitos dos prisioneiros que, como seres humanos, têm alguns direitos básicos.
ESTADOS UNIDOS
Cientistas divulgam manifesto contra Bush da Redação
Mais de 400 cientistas, entre eles 14 laureados com o Prêmio Nobel, assinaram uma declaração contra a política científica do presidente George W. Bush para os Estados Unidos, num manifesto público sem precedentes. O documento acusa o presidente de distorcer, ignorar e fazer mau uso dos conselhos científicos, o que é negado pela Casa Branca. No passado, cientistas estaduni-
denses se declararam publicamente contra aspectos específicos da política da Casa Branca no campo científico, como foi o caso da “Guerra nas Estrelas”, promovida por Ronald Reagan. Mas, segundo analistas, esta é a primeira vez que um grande espectro de cientistas se opõe abertamente à política de um presidente para a área das ciências em geral. A “guerra” entre cientistas e a administração Bush tem crescido nos últimos quatro anos, mas se
intensificou neste ano eleitoral. A Casa Branca despediu cientistas proeminentes de conselhos consultivos presidenciais e tem cometido, acusam os manifestantes, vários abusos na área das ciências. De seu lado, a administração Bush rejeita as acusações e afirma que os cientistas querem desempenhar um papel político ao tentarem minar a política de ciências do governo. “Não gosto de ver a ciência explorada para fins políticos e é isso que está acontecendo”, comen-
tou John Marburger, conselheiro presidencial para a ciência. Embora os analistas políticos afirmem que muitos dos cientistas gostariam de ver Bush perder para John Kerry nas eleições de 2 de novembro, o documento de protesto é assinado por cientistas e investigadores ligados tanto ao partido Democrata como ao Republicano, casos de antigos conselheiros de Richard Nixon, Gerald Ford e do próprio George Bush, pai do atual presidente. (Com agências internacionais)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Africanos buscam ouro no atletismo
da Redação
O
s recordes chegaram à natação com nomes diferentes no domingo 15 de agosto, nos 28º Jogos Olímpicos, em Atenas, na Grécia. Foi inesperada a vitória da equipe de natação da África do Sul nos 4x100 metros livres com revezamento. Os sul-africanos superaram todas as expectativas ao derrotar as equipes dos Estados Unidos e Austrália, estabelecendo novo recorde para essa prova. A equipe africana, composta pelos nadadores Roland Schoeman, Lyndon Ferns, Darian Townsend e Ryk Neethling, completou a prova em 3min13s17, meio segundo a menos que o recorde anterior. Na África do Sul pósapartheid ainda é grande a resistência da maioria negra em comemorar feitos de atletas brancos, caso dos atletas da natação. Durante o regime racista branco, que durou mais de meio século e só foi encerrado em 1994, os negros tinham os direitos civis limitados, incluindo o de representar o país em competições esportivas. Mas as maiores esperanças de
Fotos: GettyImages
Etiópia, Quênia e Marrocos estão entre os países com tradição de vitória em corridas de longa distância DEZ MELHORES NAÇÕES AFRICANAS EM JOGOS OLÍMPICOS, DE 1896 A 2000 COLOCAÇÃO MUNDIAL
PAÍS
OURO
PRATA
BRONZE
TOTAL
35 36 40 50 54 55 59 70 74 77
África do Sul Quênia Etiópia Egito Marrocos Argélia Nigéria Uganda Tunísia Camarões
19 16 12 6 4 4 2 1 1 1
20 20 2 5 3 1 8 3 2 1
24 18 10 5 9 7 7 2 3 1
63 54 24 16 16 12 17 6 6 3
Os etíopes Haile Gebrselassie (acima e no destaque, ao lado), Kenenisa Bekele e Sileshi Sihine, favoritos ao ouro no atletismo em Atenas; Paul Tergat (abaixo à direita), pentacampeão da São Silvestre, disputa ouro com o campeão Gebrselassie, que já o derrotou duas vezes
medalhas para a África estão no atletismo, nas corridas de longa distância, em que os africanos, especialmente os etíopes, marroquinos, burundineses, quenianos e tunisianos têm tradição histórica de vitórias. O etíope Haile Gebrselassie, 31 anos, e seus compatriotas Kenenisa Bekele, 21, e Sileshi Sihine, 22, são o trio com maior potencial para vencer os 10 mil metros rasos em Atenas. Se ganhar o ouro, Haile Gebrselassie poderá ser o primeiro atleta a conquistar três medalhas de
O Brasil ocupa a 38ª posição no mundo. Fonte: Comitê Olímpico Internacional)
ouro consecutivas nesta prova. Ele vai brigar de perto com Kenenisa Bekele, que bateu o recorde mundial dos 5 mil metros em junho deste ano, na Holanda. A final dos 10 mil metros está marcada para o dia 20 de agosto; a dos 5 mil, para o dia 23. Na maratona, que será disputada no dia 29 de agosto, um dos maiores favoritos é o queniano Sammy
Korir, que tem o segundo melhor tempo da história dessa prova. Korir se recupera de uma contusão sofrida este ano, mas ainda assim é esperança de medalha para seu país. Outros quenianos de peso na equipe de atletismo são Paul Tergat, e Eric Wainaina, medalha de prata nos Jogos de Sidney. Tergat é velho conhecido dos brasileiros. Venceu a corrida de São Silvestre, em São Paulo, cinco vezes (95, 96, 98, 99 e 2000). Nas duas últimas vezes em que tentou o
ouro na provas dos 10 mil metros em Olimpíadas (1996 e 2000), Tergat foi vencido pelo etíope Halie Gebrselassie. Mas continua como grande favorito da maratona em Atenas, já que detém o recorde mundial, obtido em Berlim em 2003. No futebol, a África está representada pelas seleções de Gana, Tunísia, Mali e Marrocos. O maior destaque até agora foi o Mali, que venceu a seleção da Grécia em casa e empatou com o México.
Bikila, descalço, venceu maratona de 1960 Outros heróis olímpicos do continente A etíope Derartu Tulu foi a primeira mulher negra africana a ganhar uma medalha de ouro olímpica, nos jogos de Barcelona (1992). Originária do grupo étnico Oromo, Derartu Tulu cresceu tocando gado nos planaltos de Arsi, na Etiópia. Ela só descobriu que era uma corredora excepcional aos 16 anos de idade. Na final dos 10 mil metros dos jogos olímpicos de 1992, Elena Meyer, da África do Sul, abriu distância depois dos 6 mil metros. Somente Tulu conseguiu acompanhá-la. Pouco antes do início da última volta, Tulu tomou a dianteira e venceu a corrida por 30 metros de diferença. Ela esperou por Meyer (corredora branca sul-africana) na linha de chegada e saiu de mãos dadas com ela para uma volta olímpica pelo estádio, numa demonstração de esperança e paz entre as raças para
de chegada. Era nesse ponto que o trajeto passava pelo obelisco de Axum, um monumento que tinha sido roubado da Etiópia pelas tropas do ditador italiano Benito Mussolini e levado para Roma. Quando alcançou o obelisco, Bikila estava lado a lado com o favorito da maratona, o Rhadi Ben Abdesselem, mas conseguiu ultrapassá-lo e vencer por uma vantagem de 200 metros, estabelecendo novo recorde mundial. Bikila retornou às Olimpíadas em 1964, no Japão, ganhando novamente a maratona, quebrando seu próprio recorde e se tornando o primeiro atleta a conseguir esse feito em dois jogos seguidos. Desta vez ele correu usando tênis e meias. Abebe Bikila morreu em 1973. (Com Prensa Latina www.prensa-latina.com.br)
Getty Images
Kip Keino, orgulho do Quênia
Derartu Tulu (de vermelho), ouro no jogos de 1992, em Barcelona, vence Meyer
uma nova África. Derartu Tulu foi novamente ouro nos 10 mil metros nas Olimpíadas de Sidney, no ano 2000, primeira mulher a ganhar duas medalhas de ouro em corridas de longa distância na história dos jogos.
Futebol de Mboma, de Camarões, derrotou Brasil Nascido na Repúcou para o Brasil, blica de Camarões, na levando o jogo para a costa oeste da África, prorrogação. Apesar Patrick Mboma mude jogar com apenas dou-se com sua família 9 homens, Camarões para a França quando conseguiu atravessar tinha dois anos. Já o tempo de prorrotinha jogado profissiogação sem sofrer nalmente na França, no gols. Venceu o Brasil Japão e na Itália, quannos pênaltis. Nas do atingiu o auge de semifinais, os casua forma no ano 2000. maroneses perdiam No início daquele ano, Patrick Mboma, ouro em do Chile por 1 a 0 liderou a vitória dos Sidney 2000 quando Mboma mar“Invencíveis Leões” cou para empatar o de Camarões na Copa das Nações jogo. Faltando um minuto do temAfricanas. Considerado de segun- po regular, Mboma sofreu pênalti, da divisão na Olimpíada de Sidney cobrado com sucesso por Lauren (2000), o time de Camarões des- Etame-Mayer. Camarões foi para pertou pouca atenção na primeira a final contra a Espanha. Neste fase, quando derrotou o Kuait por jogo, o time camaronês perdia de 2 3 a 2 e empatou em 1 a 1 com os a 0 quando Mboma diminuiu com Estados Unidos e República Tche- um gol certeiro aos 8 minutos do ca. Foi nas quartas-de-final, na par- segundo tempo. Cinco minutos detida contra o Brasil, que Mboma pois, Samuel Eto’o empatou para se consagrou. Ele marcou um gol Camarões. A partida foi decidida aos 17 minutos, levando seu time nos pênaltis, com vitória de 5 a 3 a terminar o primeiro tempo em 1 para os camaroneses. Mboma foi a 0. O grupo seguiu ganhando até escolhido o melhor jogador da quase o final do segundo tempo, África do ano 2000 e ainda contendo já dois jogadores camarone- seguiu liderar novamente a vitória ses expulsos. A poucos segundos de seu país em 2002 na Copa das do fim da partida, Ronaldinho mar- Nações da África. Getty Images/Darrin Braybrook
Bikila, primeiro negro africano a ganhar medalha de ouro
Getty Images/Mike Powell
Primeira negra africana campeã
Kipchoge Keino, queniano da região de Nandi, conhecido como Kip Keino, já tinha 28 anos quando fez sua segunda aparição olímpica, nos jogos do México, em 1968. Sofrendo de violentas dores de estômago, causadas por uma inflamação na vesícula, Keino mesmo assim entrou na corrida dos 10 mil metros. Estava no grupo dos líderes quando, a duas voltas do fim da prova, caiu fora da pista torcendo-se em dor. Mesmo assim, conseguiu levantar-se e terminar a prova, sendo depois desqualificado por ter saído de sua raia. Quatro dias depois, ganhou uma medalha de prata nos 5 mil metros, vencendo Mohamed Gammoudi, da Tunísia, por apenas um metro. Na corrida de 1.500 metros, Keino tentou neutralizar a arrancada final do favorito, Jim Ryun, abrindo larga distância na liderança. Sua tática funcionou e ele ganhou por 20 metros, a maior margem de vitória na história dos jogos. Em 1972, Keino voltou às Olimpíadas, dessa vez nos 3 mil metros com barreira, mesmo sem ter experiência nessa prova. Terminou ganhando o ouro e superando seu companheiro de time, Ben Jipcho. Seis dias após essa vitória, acrescentou uma medalha de prata a sua coleção ao ficar em segundo lugar nos 1.500 metros. IOC/Locatelli Giulio
IOC: Olympic Museum Collections
IOC: Olympic Museum Collections
IOC: Olympic Museum Collections
Vem de longe a tradição africana no atletismo de corridas. As primeiras provas dos Jogos Olímpicos da Antigüidade se deram no atletismo, especialmente no pentatlo, único evento no qual se competia e que incluía saltos, corridas, lançamentos de disco e dardo, além de luta livre. Mas não foram os gregos os pioneiros. Três mil anos antes de Cristo, no Egito e na Mesopotâmia, as competições formavam parte da vida dessas civilizações. No vale do Nilo, as corridas eram muito importantes na formação dos faraós e dos membros da corte. As primeiras medalhas olímpicas da África foram conquistadas nos jogos de Roma, em 1960, com as vitórias do etíope Abebe Bikila (ouro) e do marroquino Rhadi Ben Abdesselem (prata) na maratona, para espanto do mundo. Essas vitórias abriram caminho para o domínio dos atletas africanos em corridas de larga e média distância. Bikila, que deixou a humanidade pasma ao correr descalço os 42 quilômetros da corrida exaustiva, era tão desconhecido que, logo depois da competição, os juizes discutiam como se escrevia seu nome e procuravam informação sobre sua trajetória. Embora o etíope tenha inaugurado o pódio dourado para a África, o primeiro medalhista do continente foi o ganense Ike Quartey, que conquistou a prata na divisão dos 63,5 quilos no boxe. Nascido em 7 de agosto de 1932, Abebe Bikila tinha 28 anos quando se tornou o primeiro negro africano a alcançar o posto mais alto do pódio olímpico. Ele era membro da guarda imperial do rei etíope Haile Selassie. Sua primeira participação olímpica se deu nos jogos de Roma. Ele e seu técnico, Onni Niskanen, decidiram que Bikila deveria prolongar a arrancada final da maratona até um quilômetro para além da linha
Getty Images/Mike Powell
da Redação
Keino (acima), ouro no México; e em 1999, em Seul, no COI
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DEBATE
Rogério Christofoletti
A
polêmica sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo tem mostrado o quanto há de desinformação e deformação na área. Para que tudo fique às claras, devo de antemão me manifestar a favor dos conselhos de jornalismo tanto como profissional da área, quanto como professor e dirigente sindical. Assim, quero demonstrar que a condução do assunto vem se revelando mais como um jogo dos sete erros do que uma cobertura jornalística. Erro nº 1 – O projeto é uma proposta do governo Lula O anteprojeto de lei surgiu na própria categoria, com discussões ocorridas nos congressos brasileiros realizados pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Sua redação final foi concluída em setembro de 2002 e só este ano foi entregue ao governo. Por quê? Porque é atribuição direta do Poder Executivo mandar para o Congresso Nacional projetos de lei que criem autarquias. Erro nº 2 – O projeto é recente, apressado, sigiloso e oportunista Há pelo menos vinte anos se discute o assunto. Durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso aprovou uma lei que transferia do Ministério do Trabalho para a Fenaj a prerrogativa de conceder registros profissionais de jornalistas. O projeto passou por todas as instâncias da Câmara e do Senado. Chegando ao Executivo, recebeu veto a pedido do então ministro do Trabalho, Francisco Dorneles, preocupado com a perda de poder sobre os profissionais da imprensa. Logo após, o Congresso Brasileiro de Jornalistas decidiu pela criação de um órgão que absorvesse as atribuições pretendidas e a idéia dos conselhos de jornalismo foi debatida em pelo menos dois
Jogo dos sete erros congressos nacionais. Considerar que o processo de elaboração foi sigiloso é uma miopia estúpida. Além dos debates nos congressos, o projeto foi amplamente divulgado. Durante meses, a Fenaj manteve em sua página na internet cópias da proposta. Dia 7 de abril, Dia do Jornalista, jornalistas reuniram-se com o presidente da República para a entrega oficial do projeto. Erro nº 3 – O projeto é uma proposta da minoria Desde o 30º Congresso Brasileiro dos Jornalistas, em 2002, já há uma manifestação clara e pública da Fenaj e dos 31 sindicatos que lhe dão sustentação sobre o projeto dos conselhos. Todos os sindicatos participaram dos debates e ajudaram a redigir o anteprojeto. Isto é, os jornalistas articulados e politicamente organizados conhecem a proposta, concordam com ela e a defendem. O projeto é uma idéia da categoria e não de um grupo menor. Para se ter uma idéia, a Fenaj representa cerca de 30 mil profissionais no país. Erro nº 4 – O projeto é uma reação à “onda de denuncismo” O envio do projeto de criação dos conselhos ao Congresso Nacional foi anunciado durante o 31º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em agosto. Na mesma época, pululavam na imprensa denúncias contra os presidentes dos bancos Central e do Brasil, fato que motivou o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a reagir em defesa dos companheiros atacando a mídia. São dois episódios distintos, mas contemporâneos. Setores conservadores e mal-intencionados da mídia querem fazer crer que eles seguem a mesma lógica. Mas, não. A manifestação do ministro da Justiça foi infeliz, a exemplo de outras já dadas. Os conselhos são tema de debates há anos e não servem a uma teoria
conspiratória de retaliação do governo. Erro nº 5 – O projeto é uma forma de censura ou cerceamento Os conselhos serão órgãos de auto-regulamentação da profissão ocupados por jornalistas e não pelo governo. Vão trabalhar pelo pluralismo e pela liberdade de imprensa, pela qualidade dos profissionais e pela sua boa formação. Os conselhos não serão órgãos censores, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil não impede o desenvolvimento da Justiça. Não dá para confundir as coisas: exercício profissional é uma coisa, liberdade de expressão é outra. Os conselhos vão se ocupar do campo profissional e não do cerceamento das formas de expressão. Erro nº 6 – O projeto é redundante, pois a Lei de Imprensa já basta Dizem que a imprensa é o quarto poder e, por isso, deve vigiar os demais poderes. Concordo com a atribuição. Mas quem fiscaliza os fiscais? Os conselhos de jornalismo podem atuar nessa sintonia, como uma instância de equilíbrio e sensibilidade. Muitos acreditam que a Lei de Imprensa seja suficiente para dar conta de abusos dos meios de comunicação. Cinismo. Até pouco tempo atrás, esses mesmos diziam que a lei era desnecessária, já que o próprio Código Penal previa as penalidades para os crimes de imprensa. Na verdade, o que se quer é terreno livre para fazer o que bem se quiser. A Lei de Imprensa prevê penas indenizatórias e até detenção de jornalistas, embora eu não conheça um único caso em que isso se deu. Com os conselhos de jornalismo, devem ser avaliadas questões éticas e não legais, e as sanções podem chegar à cassação dos registros profissionais. Erro nº 7 – O mercado pode ocupar o lugar dos conselhos
empresas e das pessoas que praticam o jornalismo. Independência e autonomia diante do Estado eram as principais bandeiras dos sindicatos dos jornalistas brasileiros, que chegaram a abortar, durante o governo do general João Figueiredo, o envio ao Congresso de um projeto de lei criando o Conselho Federal dos Jornalistas (CFJ). Na ocasião, a Fenaj lutava por eleições diretas para o país e para ela mesma. Os anos passaram, um novo milênio surgiu e a Fenaj luta agora pela criação do CFJ. O carimbo que selou a mudança de postura da Fenaj foi fixado num congresso extraordinário realizado há alguns anos em Vitória (ES). O principal argumento dos que defendiam a criação do conselho era dotar a categoria de poderes para fiscalizar o mercado e evitar a atuação dos chamados irregulares, sem registro profissional. Todos se queixavam que o Estado era ineficiente na concessão de registros, permitindo fraudes, e inoperante na fiscalização do exercício irregular da profissão bem como dos abusos patronais. Os contrários ao conselho foram vitoriosos, tendo em vista a tramitação acelerada de um projeto de lei no Congresso que transferiria a concessão de registros para a Fenaj. Decidiu-se, então, lutar pela aprovação do projeto, o que ocorreu, mas ninguém contava com o veto integral do presidente Fernando Henrique Cardoso.
sendo a centelha para reacender a chama dos que defendiam o CFJ. Técnicos e juristas foram arregimentados e um projeto foi submetido à aprovação em um novo congresso da categoria, em Manaus, em 2002. O projeto encaminhado por Lula ao Congresso é bastante tímido em relação às pretensões originais. Alegam os dirigentes da Fenaj que está na medida do que seria possível diante da correlação de forças existente. O conselho, na forma proposta, será muito mais poderoso diante dos jornalistas legalmente habilitados e que por ventura venham a cometer algum deslize do que contra os charlatões que praticam ilegalmente o jornalismo. A tendência é que os sindicatos venham a se fragilizar com a implantação do CFJ, pois a sindicalização é opcional e o Conselho, obrigatório. O projeto do CFJ define como falta grave o não pagamento da anuidade a ser fixada pelo próprio CFJ. Com a pauperização dos assalariados em nosso país, os profissionais acabam optando em pagar apenas uma das entidades. A outra dúvida é se essa nova autarquia terá condições de sobreviver financeiramente e exercer com excelência sua competência, em especial a fiscalização do exercício profissional. Caberá a ela contratar os fiscais, mão-deobra bastante cara, para atuar em todas as cidades onde exista um jornal, uma TV, uma rádio. A falta de recursos materiais impede que outros conselhos bem mais tradicionais, como o de Farmácia ou o de Relações Públicas, desen-
No Brasil, há concentração dos meios em poucas mãos, há propriedade cruzada, coronelismo eletrônico, desmandos e precariedades no interior do país. Quem deve regular o campo profissional são os próprios jornalistas. Os conselhos podem servir a esse propósito: reunir os profissionais para que zelem pelas condições dos jornalistas em seus campos de trabalho. Deixar que o mercado faça uma separação darwinista dos melhores é acreditar que o empresariado tenha consciência e domínio da
qualidade no ramo; é acreditar que os empresários sejam proprietários também do jornalismo; é acreditar que os jornalistas não são capazes de se organizar e auto-regular; é crer que a sociedade se permita ser refém do poder econômico sobre todas as forças. Inclusive sua consciência.
volvam uma fiscalização eficaz. Mas se conselho não é a solução, qual seria? O melhor seria retomar o projeto vetado por FHC e dotar a estrutura sindical da Fenaj dos poderes de conceder o registro profissional e fiscalizar o mercado. Quanto ao aspecto ético, da qualidade do jornalismo, o mundo nos apresenta várias alternativas. Na Europa, França e Inglaterra, trabalham com a existência de conselhos representativos da sociedade para disciplinar os meios de comunicação. Essa talvez pudesse ser uma competência a ser concedida ao atual Conselho Nacional de Comunicação. Poderia também alterar as comissões de ética existentes nas Fenaj e nos sindicatos. O que falta a ela é a capacidade legal de punir os exageros, os descaminhos. Isso poderia ser muito bem
resolvido legalmente, abrindo inclusive para a participação de setores da sociedade civil. O fato concreto é que a Fenaj, criada em 1946 e que participou das lutas pela criação do saláriomínimo, pela democratização dos meios de comunicação, contra a censura, contra a ditadura, pela ética na política, corre o grande risco de se transformar numa entidade fantasma, a exemplo de sua entidade maior, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade.
Rogério Christofoletti é jornalista, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, professor da Univali e doutor em Ciências da Comunicação pela USP
Kipper
COMUNICAÇÃO
A criatura contra o criador Chico Sant’Anna
N
uma época complexa para o governo, com denúncias por parte da imprensa contra altas autoridades econômicas, foram apresentados dois projetos de lei à sociedade. Um trata da criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). O outro trata de uma política de incentivo à produção audiovisual. A imprensa mesclou os dois temas como sendo uma forma de o governo controlar a liberdade de expressão no Brasil. Esta leitura é descabida. A reação dos meios de comunicação tem um caráter corporativista. Sob um discurso de que o conselho cerceará a liberdade de expressão, tentam evitar uma fiscalização que em tese seria mais eficaz. Por outro lado, a sociedade precisa de um Procon da imprensa, um foro a que se possa recorrer contra os desmandos do mau jornalismo. Nem por isso, porém, considero que a criação do CFC seja a melhor alternativa para a sociedade ou para os jornalistas. Durante mais de meio século, os jornalistas brasileiros foram contrários à criação de uma representação corporativa na forma de Conselho Federal ou Ordem. Uma das principais razões é o fato de que os conselhos regionais e federais representativos são classificados legalmente como autarquias – órgãos estatais vinculados ao governo. Além disso, não se trata de uma instituição representativa dos trabalhadores, mas sim da atividade. Em outras palavras, um conselho deve representar os interesses das
CHARLATANISMO JORNALÍSTICO
A derrubada do veto nunca foi alvo de uma real mobilização dos sindicatos e da Fenaj e acabou
Chico Sant’Anna é jornalista, foi presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF, vice-presidente da Fenaj, vice-presidente da Federação Latino-Americana de Jornalistas e vice-presidente da Federação Internacional dos Jornalistas
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA ALAGOAS 2º CURSO NACIONAL DE SEMENTES CRIOULAS 13 a 17 de setembro O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizam o 2º Curso Nacional de Sementes Crioulas – variedades que ainda não foram modificadas pela biotecnologia ou por outros processos de melhoramento. Camponeses de vários Estados e técnicos da Embrapa e da Conab vão ser capacitados para implantar bancos de sementes crioulas e desenvolver um programa de produção de sementes em comunidades rurais. De acordo com especialistas, o resgate e o melhoramento das sementes podem garantir segurança contra doenças, pragas e secas, além de possibilitar aos agricultores a exploração de ecossistemas agrícolas, de acordo com o solo, altitude e outros fatores. Local: (a confirmar), Palmeiras dos Indios Mais informações: (61) 244-7648 ou 9267-2051, suzane@mpabrasil.org.br
ESPÍRITO SANTO 2º FÓRUM CAPIXABA DE MICROCRÉDITO E ECONOMIA SOLIDÁRIA 30 e 31 de agosto Entre os objetivos do evento estão a ampliação dos debates em torno das questões relativas ao microcrédito e à economia solidária, a promoção da inclusão social e o lançamento do Fórum Permanente de Microcrédito. O público-alvo consiste em profissionais ou estudantes que queiram compreender melhor as questões ligadas à economia solidária e ao microcrédito. Local: Centro de Convenções de Vitória, R. Constante Sodré, 117 a 157, Santa Lúcia, Vitória Mais informações: www.iges.org.br/forum
MINAS GERAIS 3° FESTIVAL LIXO E CIDADANIA 31 de agosto a 4 de setembro Promovido pelo Movimento Nacional dos Catadores e pelo Fórum Nacional Lixo & Cidadania, entre outras organizações, o evento traz como elementos novos a população de rua, a discussão das alternativas tecnológicas para tratamento dos resíduos sólidos domiciliares e do licenciamento ambiental. As discussões ocorrerão por meio de seminários, oficinas, mostras de produtos reciclados e espetáculos artísticos. Em suas duas últimas edições, o festival destacou a importância da confluência entre a sociedade civil organizada e os gestores públicos, conscientes do papel desempenhado por políticas inclusivas na reconfiguração do fenômeno da pobreza e no alargamento da cidadania. Local: Galpão dos Catadores, R. Ituiutaba, 460, Prado, Belo Horizonte Mais informações: (31) 3332-7633, www.asmare.org.br,
NACIONAL JORNALISMO CULTURAL O programa Rumos, do Itaú Cultural, está oferecendo um prêmio para estudantes do 4º ao 6º semestre de jornalismo. Os alunos deverão produzir, individualmente ou em dupla, uma reportagem para mídia impressa, em língua portuguesa de até 10 mil caracteres, com o tema “A diversidade cultural brasileira”. Os selecionados participarão de um laboratório multimídia de jornalismo cultural, até dezembro de 2005, com produção de matérias, grupos de discussão e seminários, sob a orientação de um jornalista especializado na área. Inscrições: até 31 de agosto Mais informações: www.itaucultural.org.br/rumos2004
RIO DE JANEIRO SOBRE O SIGNO DAS BIOS: TECNOLOGIA, ÉTICA, POLÍTICA E SOCIEDADE 2 e 3 de setembro O evento, organizado pela Fundação Heinrich Böll e o Centro de Estudos e Ação da Mulher (Ser Mulher), tem o objetivo de discutir a biotecnologia sob o ponto de vista da ética, política e sociedade. Serão abordadas questões como os impactos do uso de sementes, alimentos, substâncias ou medicamentos modificados geneticamente na saúde humana, no meio ambiente, no modo de organização econômica e social. Também serão discutidos o patenteamento e a privatização das formas de vida. Dentre os temas anunciados nos painéis estão “Novas Tecnologias, Propriedade Intelectual, Recursos Biológicos e Conhecimento Tradicional: Conceitos e Debates” e “Biotecnologia e impacto nos seres humanos: perspectivas intersetoriais desde uma visão intergral”. Até o momento, o debate em torno destas questões tem sido prioritariamente travado pelos cientistas, religiosos e setores governamentais, com insuficiente participação da sociedade civil organizada. É necessário disseminar informações, aprofundar o debate crítico e participar dos processos de tomada de decisão sobre questões que dizem respeito ao futuro dos seres humanos. Durante o evento, no dia 2 de setembro, às 19h, no auditório do Museu da República, serão lançados o Volume I de “Sob o Signo das Bios: vozes críticas desde a Sociedade Civil”, organizado por Criola, Ser Mulher e Fundação Heinrich Böll, e o livro “O Anjo Silencioso”, do escritor Heinrich Böll. Local: Hotel Glória, Rua do Russel, 632, Rio de Janeiro Mais informações: boell@boell.org.br
SÃO PAULO MIGUEL URBANO ANALISA ATUAL CONJUNTURA INTERNACIONAL 19 de agosto, 14 h O jornalista e escritor português Miguel Urbano Rodrigues vai participar de um debate sobre a atual conjuntura internacional. Principal editorialista do jornal O Estado de S. Paulo entre 1957 e 1974, Miguel Urbano também foi editor internacional da extinta revista Visão. Teve forte atuação na luta contra a ditadura salazarista e apoiou, nos anos 70, os movimentos que lutavam pela restauração da democracia também no Brasil. Com a Revolução dos Cravos, em 1974, retornou a Portugal. Entre os debatedores, Demétrio Magnoli, doutor em Geografia Humana pela USP, autor de livros didáticos e paradidáticos na área de geografia e geopolítica; e João Guilherme Vargas Neto, assessor político de diversas entidades sindicais. Os professores interessados em participar do debate devem confirmar presença. Número de vagas limitado. Local: Auditório do Sinpro-SP, R. Borges Lagoa, 170, Vila Clementino, São Paulo Mais informações: (11) 5080.5988 SEMINÁRIO - A CUT E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL Dia 23 de agosto Com o objetivo de estudar a viabilidade de utilização em grande escala de óleo vegetal – o biodiesel – como fonte alternativa de energia, o governo federal criou um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), com a participação de representantes de diversos setores da sociedade civil, entre eles a Central Única dos Trabalhadores (CUT). O seminário vai debater o Programa
de Produção e Uso do Biodiesel, aprofundando a compreensão sobre o tema, e avançando na elaboração de propostas que objetivem garantir a prioridade à agricultura familiar. O evento contará com a participação do presidente da entidade, Luiz Marinho; Maria das Graças da Silva Foster, secretária de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia; Wanderley Antunes Bezerra, da Petrobras, entre outros. Local: Auditório da CUT, 1º andar, R. Caetano Pinto, 575, São Paulo Mais informações: (11) 2108-9200, www.cut.org.br
TOCANTINS 2º SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO DO CAMPUS DE PALMAS De 15 a 17 de setembro Com o intuito de fortalecer a luta contra a mercantilização do ensino, a partir da reivindicação do movimento dos profissionais da educação referendada na agenda política do Congresso Nacional de Educação (CONED), o simpósio vai discutir a educação como direito social; disseminar a concepção de que a educação não pode e nem deve ser entendida como mercadoria; exigir do poder público a garantia de acesso, permanência e conclusão de todos em uma educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade, referenciada no Plano Nacional de Educação. O encontro também vai demarcar posição no debate sobre a elaboração dos planos estaduais e municipais de educação. Inscrições dias 9, 10 e 11 de setembro, no campus de Palmas. Local: Universidade Federal do Tocantins, Av. NS 15, Alcno 14, Bloco IV, Palmas Mais informações: (63) 218-8026, www.uft.edu.br
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CULTURA CINEMA
De 19 a 25 de agosto de 2004
Olga Benário para ver e esquecer
Superprodução sobre a líder comunista alemã, mulher de Luís Carlos Prestes, cria clima melodramático
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Arquivo Alfa-Omega
ma grande operação comercial, que culmina com a entrega dos prêmios do Festival de Gramado, cerca a estréia, dia 20, em circuito nacional, do filme Olga, dirigido pelo global Jayme Monjardim. O longametragem, baseado na obra Olga, de Fernando Morais, passa ao largo de questões políticas que marcaram o Brasil nas décadas de 20 a 40, tornando-se um drama romântico de forte apelo popular, envolvendo as figuras do líder comunista Luís Carlos Prestes e a alemã Olga Benário. Ironicamente, Olga, escrito por Rita Buzzar, tem produção da Globofilmes, das Organizações Globo, que durante o regime militar proibiu a veiculação de imagens de Prestes. Entre produção e marketing, o filme custou R$ 12 milhões. O objetivo do longa é mostrar uma trajetória melodramática de Olga desde os 17 anos, na Alemanha, até sua morte, aos 33 anos, num campo de concentração. A base está no livro de Moraes, escrito em 1984 e que já vendeu 600 mil cópias no Brasil, fora as edições em 21 países. A campanha de lançamento incluiu pré-estréias em várias capitais, distribuição de 250 cópias e relançamento do livro de Morais – com capa com a foto de divulgação do filme –, além do lançamento de um livro de fotos do próprio diretor.
Fotos: Divulgação
da Redação
UMA HISTÓRIA Olga Benário nasceu na Alemanha, em 1908. Aos 15 anos ingressou na Juventude Comunista e sempre esteve ligada à estrutura do partido alemão, já ilegal nesse período. Cinco anos depois, invadiu
em uma câmara de gás na cidade de Bernburg. Na última carta que enviou ao marido, escreveu: “Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor para o mundo”. Desde o início, Monjardim insistiu que não faria um filme político e sim um filme de amor, para o público chorar no cinema. Utilizando a estética da televisão, abusa de closes, planos fechados e cenas entrecortadas. Não por acaso, escolheu para o papel principal a jovem atriz Camila Morgado, que se tornou conhecida do público depois de sua atuação no seriado global A casa das sete mulheres. Prestes é interpretado por Caco Ciocler e dona Leocádia, mãe de Prestes, pela atriz Fernanda Montenegro.
OUTRA HISTÓRIA
No detalhe, foto tirada pela polícia depois da prisão de Olga no Rio de Janeiro; ao lado, cenas do filme de Jayme Monjardim, com Camila Morgado no papel da militante comunista
a prisão de Moabit e, numa ação ousada, resgatou o professor comunista Otto Braun durante seu julgamento. Em 1928, junto com Braun, foi enviada pelo partido à então União Soviética. Em Moscou, recebeu treinamento militar pelo Exército Vermelho e foi designada, em 1934, para cuidar da segurança pessoal do capitão Luís Carlos Prestes, na viagem que o traria ao Brasil para comandar o primeiro levante comunista na América do Sul. O filme mostra uma Olga Benário corajosa, uma heroína que aprendeu a manejar armas, a pilotar avião e a saltar de pára-quedas. As referências políticas acabam aí, cedendo lugar à aventura amorosa dos dois líderes comunistas, iniciada no final da
viagem para o Rio de Janeiro. Em março de 1936, os dois foram presos pelo governo de Getúlio Vargas e separados. Olga descobriu estar grávida e começou uma campanha, com colegas, para não ser deportada para a Alemanha nazista. Mas os esforços foram inúteis. Olga embarcou num
navio que a entregou à polícia de Hitler, quando estava grávida de sete meses. Foi para uma prisão, onde nasceu sua filha Anita Leocádia, hoje vivendo no Rio de Janeiro. Depois da prisão, foi mandada para o campo de concentração. Morreu com 34 anos incompletos, em fevereiro de 1942,
Morais não foi o primeiro escritor a contar a história de Olga Benário. Em 1965, a história de Olga tornou-se tema da peça teatral Não há tempo para chorar, de Rachel Gertel. Antes, em 1961, a militante comunista Ruth Werner escreveu uma obra densa, em que traz detalhes da mulher com quem tinha vários pontos em comum: ambas eram alemãs, judias e mães. Elas se conheceram ainda jovens, no Partido Comunista alemão, em cursos sobre marxismo. Em seu livro Olga Benário, Ruth lembra que, antes de escrever, pesquisou a vida de Olga durante nove meses. Conversou com pessoas que a conheceram na Federação da Juventude Comunista e, em sua estada em Moscou, além de mulheres que estiveram com ela no campo de concentração. “Meu livro é uma documentação, com exceção dos momentos de Olga na solitária da prisão. Mas pude incluí-los no livro porque a conhecia bem. E também porque eu mesma fui muito ativa, durante 20 anos, como militante comunista na clandestinidade”, disse.
MÚSICA
Orquestra filarmônica democratiza a viola caipira
Uma orquestra formada apenas por violeiros, divididos em grupos que reproduzem os mesmos naipes de uma orquestra convencional, mas com uma diferença: preservar a autêntica cultura caipira. Assim é a Orquestra Filarmônica de Violas, de Campinas, regida por Ivan Vilela, mestre em composição musical pela Unicamp. A próxima apresentação do grupo é dia 22, quando, em São Paulo, será realizado o evento “O Saci de todos os cantos”. O princípio da orquestra é a democracia. Os músicos, na maioria amadores, vêm de várias cidades do interior de São Paulo. Longe dos dois encontros semanais, e fora do palco, são pedreiros, jardineiros, arquitetos, aposentados, jornalistas, estudantes, médicos, advogados, professores e vendedores. O mais novo é Gabriel Lima, de 12 anos, enquanto a madrinha do grupo é dona Isabel Vilela de 76 anos. A Orquestra Filarmônica de Violas foi fundada em 2002. Todas as semanas, os integrantes se encontram na sede da organização nãogovernamental Núcleo de Cultura Caipira, em Campinas, para ensaiar e estudar sobre a cultura caipira. São cerca de 30 pessoas, que montaram um Viola caipira – Insrepertório com trumento de corda introduzido no Brasil dezenas de múpelos jesuítas, que sicas, em sua utilizavam a música maioria clássipara catequizar os índios. A mistura das cos do canciotradicionais cantigas neiro popular. religiosas com o De acordo com dialeto e o batuque o presidente da indígena originou diversos ritmos coorganização, nhecidos até hoje. Wilson Corrêa
projetos. Um deles é de disponibilização de um acervo de cultura caipira, cedido por José de Souza Brandão, pesquisador da Unicamp que há 40 anos recolhe material sobre o assunto. Também quer lançar no mercado um CD, que já foi gravado.
Divulgação
da Redação
CULTURA DO SACI
A Orquestra Filarmônica de Violas promove o resgate da cultura caipira, hoje esquecida nos grandes centros urbanos
de Lima, o objetivo da ONG é resgatar, difundir e pesquisar a cultura caipira. Para ele, embora essa cultura ainda seja bastante forte no interior dos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Paraná e São Paulo, nos grandes centros urbanos, onde o fenômeno da globalização se faz mais presente, elementos de diversas culturas estrangeiras são incorporados à cultura local, enquanto que os elementos de raízes sertaneja e caipira ficam enfraquecidos e esquecidos. Lima considera que “não se pode ser refratário à cultura estrangeira, mas é necessário recuperar a cultura nacional. É uma questão de
identidade. E não perder a identidade está relacionado ao conceito de cidadania”. Na sua opinião, a fala e a música são os elementos mais conhecidos da cultura caipira, mas a culinária, bem como a literatura, a dança, as relações sociais e as festas também são muito características e por isso mantém diversas oficinas que relembram esses elementos.
PARA A PERIFERIA O Núcleo da Cultura Caipira oferece cursos de luteria (construção de instrumentos de corda com caixa de ressonância como violas e violões) para adolescentes de baixa renda, que vivem na periferia de
Campinas. A ONG já formou 10 adolescentes e está capacitando outros 10. “Eu achava que a cultura caipira não fazia parte do cotidiano desses meninos, tão acostumados com o hip hop, e não sabia se o projeto daria certo. Mas depois que realizamos o curso, percebi que eles não só aprenderam a técnica da construção do instrumento, como também passaram a se interessar pelo que estava por trás da atividade, que era o resgate da cultura caipira. Eles começaram a procurar mais informações sobre o assunto junto a seus pais e avós”, afirma Lima. Agora, a ONG está em busca de patrocínio para implementar outros
Na defesa da cultura nacional, a Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci) realiza, no dia 22, no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, o evento “O Saci de todos os cantos”. Além da apresentação da Orquestra Filarmônica de Violas, haverá mostras do contador de histórias Benedito dos Santos, o Ditão, das marionetes de Virgílio Zago e das peças da Cia. Sensação de Teatro. O cartunista Ohi, do Brasil de Fato, vai participar do evento, fazendo desenhos do saci e seus amigos para a criançada. No evento, será lido o “Manifesto do Saci” que declara, entre outros princípios, que o saci trabalha pela união e pelo entendimento das várias iniciativas culturais que devolvam ao povo a valorização de sua identidade cultural, a partir de um movimento de resistência cultural. Criada em São Luiz do Paraitinga (SP), em julho de 2003, a Sosaci reúne os interessados em valorizar e difundir a tradição oral, a cultura popular e infantil, os mitos e as lendas brasileiras. Um dos objetivos do grupo é instituir no país o dia 31 de outubro como o Dia do Saci e seus amigos, a exemplo do já foi feito nas cidades de São Luiz do Paraitinga, Curitiba, São Paulo e, também, no Estado de São Paulo.