Ano 2 • Número 80
R$ 2,00 São Paulo • De 9 a 15 de setembro de 2004
Excluídos gritam por mudanças no país rupos de luta por moradia, indígenas, sem-terra, mulheres, moradores de rua, pastorais sociais e centrais sindicais uniram suas vozes em um único refrão, “Brasil: mudança pra valer, o povo faz acontecer”, na 10ª edição do Grito dos Excluídos, que promoveu manifestações em todo o país, dia 7. O tema pretende fazer a população compreender que os políticos são os únicos que podem resolver os problemas e que as transformações só acontecem com “pressão de baixo para cima”. Ari Alberti, da coordenação do Grito, disse que o povo “deve continuar gritando e tem que ficar mais nervoso que o mercado”, referindo-se a alegações do governo de que não faz mudanças sociais pois o mercado ficaria “nervoso”. Os organizadores do Grito planejam, para 12 de outubro, o Grito da América Latina. Pág. 3
Jaqueline Maia/Diário de Pernambuco/AE
Observador traça mapa da violação em MT
Alexander Zemlianichenko/AE
Cerca de 1,8 milhão de pessoas protestam, em 2 mil localidades do Brasil, contra a política excludente do governo
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Em Recife, representantes de movimentos sociais e de sindicatos participam da 10ª edição do Grito dos Excluídos em defesa de mudanças no país
Na Colômbia, plano para matar ativistas sociais O assassinato de líderes da oposição continua sendo a saída número um do presidente colombiano Alvaro Uribe para impedir qualquer mudança social e política no país. Criado pelas Forças Armadas, o Plano
O desrespeito aos direitos humanos das populações rurais, indígenas e quilombolas foi denunciado em relatório do observador internacional Jean Pierre Leroy, que se declarou “chocado” com a situação no Estado do Mato Grosso. Depois de percorrer mais de 3 mil quilômetros na região, em agosto, Leroy também considerou “desastrosas” as conseqüências ambientais e sociais do agronegócio. Pág. 8
Camponeses coreanos recordam mártir da terra
Mal a economia reage, governo quer subir juros Em nome de uma possível alta da inflação em 2005, a equipe econômica jogou um balde de água fria na animação com os resultados da atividade econômica no primeiro semestre. Afinal, mesmo sem distribuição de renda ou geração dos empregos necessários para absorver a massa de trabalhadores que chega ao mercado, o Produto Interno Bruto aumentou bastante no segundo trimestre de 2004. E, em vez de apenas o agronegócio e as exportações azeitarem a economia, outros setores ligados ao mercado interno começaram a engrenar. Pág. 5
Sem-terra do RS conquistam assentamento Pág. 4
Banco Mundial libera verba e estabelece metas Pág. 7
Na Bolívia, luta em defesa do petróleo e do gás Pág. 9
Dragão pretendia matar 85 expoentes políticos de esquerda, sindicalistas, ativistas dos direitos humanos e jornalistas. Entre 1986 e 2002, foram mortos 4 mil sindicalistas. Pág. 9
Terrorismo de Estado – Alexandera Smirnova, avó de Inna Kasumova, segura foto de sua neta durante o seu funeral em Beslan, na Ossétia do Norte, Rússia
Mais uma vez, Argentina resiste a pressão do FMI Fracassou a visita do diretorgeral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo Rato, à Argentina, dia 31 de agosto – quando milhares protestaram, nas ruas de Buenos Aires, contra o pagamento da dívida externa.
O presidente Néstor Kirchner disse que o aumento do superávit “não é negociável” e se manteve firme em sua decisão de pagar apenas 25% do que exigem os credores privados. Pág. 10
Dia 10, milhares de agricultores da Coréia do Sul celebram o primeiro aniversário da morte do camponês Lee Kyung Hae com protestos em mais de cem cidades. Lee se suicidou durante a Quinta Reunião Ministerial da
Organização Mundial do Comércio, em Cancún (México). A Via Campesina, que reúne organizações camponesas de mais de 60 países, declarou 10 de setembro o Dia das Lutas Camponesas. Pág. 11
Categoria se mobiliza e Incra ganha fôlego
Novo Provão já começa a receber críticas
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) deve contratar 4,5 mil funcionários. Em entrevista ao Brasil de Fato, José Parente, diretor da Confederação de Servidores do Incra, atribui a conquista à mobilização da categoria. Pág. 7
O MEC iniciou o novo sistema de avaliação do ensino superior. As instituições serão avaliadas por comissões internas e externas, além da prova dos estudantes. Para representantes do movimento estudantil, problemas do antigo Provão continuam. Pág. 6
Festival de cultura agita favela paulista A princípio, a idéia era embelezar o Jardim São Luiz, em São Paulo. Mas daí surgiu um programa que vai capacitar jovens não só para transformar o espaço físico, mas para promover eventos culturais na periferia. Para inaugurar o projeto, o 1º Favela Cultural teve cinema, teatro, oficinas de grafite e espetáculos musicais. Pág. 16
E mais: GOLPE NA ÁFRICA – Mark Thatcher, filho da ex-primeiraministra britânica Margaret Thatcher, está preso na África do Sul, acusado de financiar tentativa de golpe na Guiné Equatorial. Ele queria derrubar o presidente Teodoro Obiang e colocar em seu lugar Severo Moto, alinhado com os interesses de exploração das reservas de petróleo e diamantes. Pág. 12 OMC – Para Walden Bello e Aileen Kwa, do Bangkok-based Focus on the Global South, quem ganha com as novas resoluções da Organização Mundial do Comércio são os Estados Unidos. Brasil e Índia perdem. Pág. 14
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De 9 a 15 de setembro de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Agê, Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 5555 Natália Forcat, Nathan, Novaes, Ohi • Editor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Dafne Melo e Fernanda Campagnucci 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ
CARTA AOS LEITORES
Em defesa da imprensa independente São Paulo, 7 de setembro de 2004 Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dezoito meses, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos resistindo!
Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um(a) amigo(a). Se você é vinculado(a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Ou melhor: a única alternativa que nos resta é o seu apoio. Atenciosamente Conselho Editorial do Brasil de Fato
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NOSSA OPINIÃO
O terrorismo de Estado e o massacre
T
odos nós assistimos às cenas horrorosas do massacre de centenas de crianças e mulheres num colégio da pequena cidade de Beslan, na Ossétia do Norte. Dessa tragédia que nos envergonha a todos como seres ditos civilizados, devemos refletir sobre dois aspectos. Primeiro, devemos nos perguntar: por que tal massacre aconteceu? Segundo as respostas simplistas da grande imprensa, a culpa é do fanatismo dos chechenos. Ou pior ainda, a maior parte da imprensa cometeu mais um terrorismo ideológico ao combinar o massacre com a presença de “muçulmanos” e árabes. Ou ao afirmar que as forças de segurança russas não estavam preparadas para negociar. E mais: chegou-se a dizer que se trata de um método clássico dos russos. Tudo isso não só não explica, como esconde as verdadeiras respostas que devemos buscar. A grande imprensa não quer debater as verdadeiras questões que estão no ar: por que na Europa central, ou velho Cáucaso, passou-se a utilizar os métodos de terrorismo que têm custado tantas vidas? Quem os fi-
nancia? Quem treina os terroristas e que interesses há por trás? Não é casual que os mesmos grupos terroristas atuaram com os mesmos modus operandi no Afeganistão, na Bósnia, na Chechênia, no Paquistão. Trata-se da mesma matriz financiada e treinada pela CIA, que há muitos anos tornou-se o verdadeiro terrorismo de Estado, promovendo esse tipo de massacre. Os objetivos todos sabemos: são políticos e só interessam ao grande capital estadunidense e ao seu governo, com suas armas, com seus interesses geopolíticos e com o controle do petróleo. Se o Afeganistão e a Chechênia não tivessem reservas de petróleo, é possível que as crianças russas teriam sido poupadas. O terror de Estado é o que gerou esse terror estúpido, sem ética, ou princípios políticos. Essa mesma política, verdadeiramente terrorista, do grande capital internacional e seu governo Bush, é que comete todos dias massacres no Iraque, que mantém mais de 700 cidadãos de várias nacionalidades do Oriente Médio presos em sua
base militar de Guantánamo (Cuba) à revelia de qualquer tribunal, feito animais, sem nenhum direito. Esse mesmo terror acaba de pressionar o governo perdedor do Panamá, uma semana antes de passar seu cargo, a anistiar cinco terroristas cubanos, que estavam presos no Panamá, respondendo penas por atentado contra a vida do presidente cubano Fidel Castro. Saíram da prisão e voaram direto num jatinho para Miami. A segunda grande questão que deve nos inquietar é como a humanidade não reagiu. Tivemos a bela demonstração popular em Roma, em que mais de 150 mil italianos marcharam indignados pelo massacre. E nos demais países, e aqui no Brasil? Crianças são massacradas e as forças sociais e políticas ficam perplexas e nada fazem. Essa situação já aconteceu, quando Hitler invadiu a Polônia. E o final da história todos sabemos. As crianças russas são filhas de toda humanidade. E foram assassinadas pela sanha incontrolável de interesses econômicos e geopolíticos das chamadas grandes potências. OHI
FALA ZÉ
CRÔNICA
As mazelas do chauvinismo midiático Luiz Ricardo Leitão Nossas quatro medalhas de ouro não lograrão, decerto, escamotear o show de cinismo e chauvinismo que boa parte da “grande imprensa” e, sobretudo, os principais locutores das redes de TV aberta demonstraram em relação à presença brasileira em Atenas. Como nos piores anos da ditadura militar, reeditou-se entre nós um verdadeiro pastiche de nacionalismo. Faltou-nos somente a pena de um Nélson Rodrigues para fazer de nossa delegação uma nova “pátria de calção e chuteiras”. O caso Daiane dos Santos foi emblemático: os bufões “globais” elegeram a gauchinha o novo ícone da grandeza pátria e trataram de converter em regra aquilo que, infelizmente, é uma louvável exceção para uma nação que nunca investiu no social e apenas se preocupa em ultrapassar as metas do superávit primário prescritas pelo FMI. Senti falta do saudoso Sérgio Porto, para registrar mais esta página do “festival de besteiras que assola o país”. Todos nós sabíamos que Daiane havia operado o joelho meses antes da competição e que iria concorrer
contra ginastas de grande tradição no esporte. Ou será que já esqueceram que a pátria de Catalina Ponor é a mesma de Nadia Comaneci, a romena que encantou o mundo e os jurados, obtendo a primeira nota 10 na história dos Jogos? Pode parecer um lugar comum, mas a cultura desportiva é algo que nem ao menos a queda de um muro e o advento de uma trôpega ordem neoliberal conseguem erradicar da noite para o dia em qualquer canto do mundo. Por mais que o “socialismo real” tenha cometido graves equívocos políticos, a atenção concedida à área social, sobretudo à educação e ao esporte, rende frutos até hoje. Vejam bem o quadro de medalhas e digam quem foi o grande campeão de Atenas. Estados Unidos? Não. China, outro fenômeno do socialismo pragmático? Não. Somem-se os ouros de Rússia, Ucrânia & Cia., que a resposta será dada: mais de 40 medalhas obtidas pela falecida URSS, caro leitor! Mas isso não é obra do acaso. Ao longo de décadas, o sistema de ensino soviético ofereceu aos seus jovens toda a infra-estrutura indispensável à prática massiva de esportes, assim como o
aperfeiçoamento na modalidade de sua preferência. Aliás, não carecemos ir tão longe. O segundo país olímpico das Américas continua a ser Cuba, que, apesar do bloqueio ianque e das agruras do Período Especial, adota o mesmo modelo: ensino formal, artes (balé, inclusive) e esportes não são privilégio de uma elite. Lá, as Daianes não são “descobertas” por acaso em praças públicas. Assim que revelam seus dotes, os cubanos são encaminhados para uma escola especializada, onde estudam e treinam em horário integral. Não têm de pagar a um clube ou academia, nem precisam mendigar ao “mercado” verbas e patrocínio para seguir uma carreira esportiva. É por isso que uma ilha de onze milhões de habitantes, mesmo sem Rrronaldos e Rrrobertos Carlos, é uma potência esportiva, ao passo que o nosso gigante adormecido apenas engatinha na história dos Jogos. Luiz Ricardo Leitão é editor e escritor. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é também professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
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De 9 a 15 de setembro de 2004
NACIONAL MOVIMENTOS SOCIAIS
Milhares “gritam” contra a exclusão N
a ensolarada manhã do dia oficialmente dedicado à Pátria, 7 de setembro, caravanas que totalizaram cerca de 90 mil pessoas vindas de todo o país desfilaram pelas ruas da cidade de Aparecida do Norte, no interior do Estado de São Paulo. Guiados pelo lema “Brasil, mudança para valer, o povo faz acontecer”, os manifestantes protestaram contra a exclusão social, durante a 10ª edição do Grito dos Excluídos. “O grito é um estímulo ao povo, e pretende mostrar que, se não houver pressão de baixo para cima, as mudanças não vão acontecer”, afirmou Ari Alberti, da coordenação nacional do Grito. Um ato público na praça da Basílica contou com a presença de representantes de diversos movimentos sociais, como grupos de luta por moradia, portadores de deficiência física, indígenas, mulheres, moradores de rua, além das pastorais sociais e das centrais sindicais. Num momento em que o governo comemora um aparente crescimento da economia, os movimentos chamaram a atenção da população: “O aumento da produtividade e do Produto Interno Bruto (PIB) não geram emprego, como prega o governo. É preciso avançar, porque a exclusão social continua muito grande”, afirmou Luiz Bassegio, da Pastoral dos Migrantes, e secretário executivo do Grito. “As transformações só virão com a participação do povo em ocupações de terras, praças e prédios públicos”, disse Luiz Gonzaga da Silva, Gegê, da Central de Movimentos Populares, explicando que, desde o último Grito, no ano passado, não houve nenhuma mudança na política econômica do país. Alberti ressaltou,
Alderon Costa/Rede Rua
Tatiana Merlino da Redação
Romildo Jesus/AE
Mobilizando quase 2 milhões de pessoas no país, o Grito dos Excluídos organiza o povo para conquistar mudanças
O povo nas ruas, em todo o país Em Aparecida do Norte (SP), movimentos sociais reivindicam mudanças; em Salvador (BA), 4 mil foram às ruas gritar contra a exclusão
ainda, que o povo “deve continuar gritando e tem que ficar mais nervoso que o mercado”, referindo-se às alegações de que o governo não promove mudanças sociais porque o mercado ficaria “nervoso”. Entre as bandeiras do Grito, estão a realização do plebiscito sobre a dívida externa, a campanha contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a campanha pela desmilitarização. Até dia 3 de outubro, data do primeiro turno das eleições municipais, os movimentos ligados ao Grito vão intensificar a campanha “Meu voto é contra a Alca, o livre comércio, a dívida e a militarização”, que tem como obje-
tivo politizar as eleições e estimular o debate. O movimento também defende a auditoria cidadã da dívida e, no dia 7, distribuiu panfletos informando os passos da campanha.
GOVERNO MAIS DISPOSTO
Fernanda Campagnucci
SÃO PAULO
Para os organizadores, há uma possibilidade de que, após as eleições, o governo esteja menos pressionado e mais disposto a discutir as necessidades dos movimentos. Alberti lembra ainda que as organizações sociais têm tido bastante dificuldade em ser ouvidas: “Apesar de o governo estar amarrado com o grande capital, acreditávamos que seria mais fácil lutar por reforma agrária, pelo plebiscito da Alca, e por salário mínimo”. Mesmo acreditando que a economia está cada vez mais dependente do capital estrangeiro, João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que o povo está “mais consciente e confiante de que é preciso mudar”. Para Stedile, “o grito é um patrimônio do povo pobre brasileiro. É uma escola itinerante de conscientização, que levou informação e for-
Organizada por pastorais, movimentos sociais e sindicais, a décima edição do Grito dos Excluídos ocorreu, este ano, em 2 mil localidades de todos os Estados do país, mobiliando aproximadamente 1,8 milhão de pessoas. “O Grito dos Excluídos está mudando a Semana da Pátria”, explica Ari Alberti, da coordenação do Grito. Segundo ele, a temática da exclusão vem sendo tratada em muitas escolas: “As discussões ajudam as crianças a ter outra dimensão de cidadania”. Em Cuiabá (MT), 2 mil pessoas marcharam e reivindicaram melhorias para a saúde e para educação. Na cidade de Belém (PA), cerca de 4 mil pessoas acompanharam as manifestações do Grito e a celebração ecumênica que ressaltou a importância da preservação da água. Em Porto
Alegre (RS), mais de 3 mil pessoas compareceram à caminhada dos excluídos, dividida em cinco grupos: moradia, desemprego, modelo econômico, questão agrária e a identificação da exclusão. Em Salvador (BA), 4 mil pessoas estiveram presentes nas manifestações. Cerca de 10 mil pessoas, integrantes de associações, sindicatos e pastorais, participaram das atividades do Grito em Fortaleza (CE). Na capital mineira, o Grito foi desencadeado pelo 3º Fórum Social Mineiro, que começou dia 4 de setembro e discutiu questões como soberania, imperialismo, Alca, forças sociais e organização e novo projeto para o Brasil. Os movimentos que integram o Grito preparam, para o dia 12 de outubro, o Grito na América Latina, que deve acontecer em vários países da América Latina. (TM)
mação ao povo. Enquanto houver garganta, defenderemos o direito de gritar”, disse. Uma defensora dos direitos populares, Jane Aparecida de Moraes participou pela primeira vez do Grito e assistiu atentamente à missa na Basílica de Nossa Senhora Aparecida. A jovem saiu de São José dos Campos, São Paulo, em um grupo de três ônibus de militantes do Movimento Único dos Sem Teto (MUST). Jane mora em uma ocupa-
ção há sete meses: “Antes eu sofria calada, agora eu vejo a vida por outro lado”. O que mais a impressionou na manifestação? “Ver que tem muitas pessoas na mesma luta que eu. E há muito pelo que brigar: trabalho, saúde, educação, reforma agrária e urbana”. Ao falar sobre a atuação do governo Lula em relação aos temas sociais, ela ironiza: “Horrível, uma palhaçada. Ele está terminando com o que resta do Brasil. Mas mesmo assim, não vou desistir da luta”.
ANÁLISE
Dez anos de protestos dos excluídos Dom Demétrio Valentini
Na capital paulista, manifestantes feministas queimam fotos de mulheres nuas
Manifestantes fizeram o Grito no Ipiranga Fernanda Campagnucci da Redação Na cidade de São Paulo, aproximadamente 6 mil pessoas participaram do Grito dos Excluídos, dia 7, em frente ao Museu do Ipiranga. Os manifestantes marcharam de seus bairros, pela manhã, até o Monumento do Ipiranga. Durante o ato público, o morador de rua Sebastião Nicobemes Oliveira fez um apelo por políticas públicas para os sem-teto: “A sociedade acha que somos objetos que não pensam. Não moramos nas ruas porque queremos. Não podemos mais morrer como indigentes, resgatem a nossa dignidade”. Integrantes da Sociedade Cristã de Doentes e Deficientes também se pronunciaram, alertando que o problema “não é a deficiência, mas
o preconceito”. O movimento ainda declarou seu repúdio à decisão do Supremo Tribunal Federal de tornar o voto dos deficientes facultativo. A Marcha Mundial das Mulheres realizou um protesto simbólico em que foram queimados cartazes de mulheres nuas. Segundo Nalu Faria, coordenadora da Marcha, o movimento pretende reforçar a “ofensiva contra a mercantilização da vida e do corpo das mulheres, bem como o reflexo dessa mercantilização no cotidiano”. Para Eduardo Cardoso, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), houve maior pluralidade de grupos no Grito deste ano. Entre as novidades, houve a participação do povo indígena do Arari e de uma estátua humana, em luto pelos moradores de rua assassinados.
Em 2004, o Grito dos Excluídos chega à sua décima edição. Realizado pela primeira vez em 1995, logo se firmou como iniciativa a constar na programação de cada ano, parte integrante do calendário indicativo dos compromissos a serem assumidos e realizados. Nessa data simbólica, convém registrar a história do próprio Grito, para perceber como ela faz parte da história maior que o Grito ajudou a construir. Para entender o Grito dos Excluídos, para perceber porque ele se firmou, e para discernir os critérios da permanente avaliação que o acompanhou e precisa continuar acompanhando, nada melhor do que lembrar o contexto onde o Grito nasceu e onde se inseriu. Em primeiro lugar, o Grito desabrochou da Campanha da Fraternidade, no ano em que ela tinha por tema “Os Excluídos”. O Grito dos Excluídos quis ser um desdobramento da Campanha da Fraternidade sobre os Excluídos. Desde sua primeira edição, O Grito foi realizado no contexto da “Romaria dos Trabalhadores”, somando com seus objetivos. Teve como data referencial o Dia da Pátria, mostrando com
isso a incidência direta da exclusão no projeto de nação que precisamos construir. Outro dado indispensável é o fato de o Grito ter sido incluído no Projeto da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), já em 1996, como fruto da avaliação feita a partir de sua primeira edição no ano anterior. Isto é, o Grito logo se inseriu na programação pastoral a nível nacional. Há outros aspectos importantes para entender a história do Grito. Entre eles, o protagonismo garantido aos próprios excluídos. E sobretudo a sintonia com a expressão religiosa, respaldada por uma fundamentação teológica que mostrava a consistência do grito na própria história da salvação. Consolidada sua promoção como momento de expressão conjunta de objetivos comuns das causas sociais, o Grito dos Excluídos foi logo percebendo sua vocação universal. E em pouco tempo firmou-se como referência continental, no contexto dos países da América Latina, submetidos todos eles ao processo de globalização excludente, que se acelerou a partir da década de noventa. Nesse contexto, o Grito encontra sua justificativa, e sua motivação.
Ele aglutina a resistência contra o atropelo dos valores culturais, denuncia a dinâmica excludente do neoliberalismo, alerta contra a tentativa de dissolução das identidades nacionais e das políticas públicas em nome de uma eficiência econômica que só contempla os interesses corporativos do capital transnacional. O Grito se revestiu de força convocadora de todos os que querem se contrapor à aparente inexorabilidade de uma globalização excludente, mostrando que uma “outra globalização é possível”, aquela marcada pela solidariedade e guiada por valores éticos que postulam a proeminência do valor da vida, a serviço da qual deve ser colocada a economia. É significativo que o lema do primeiro Grito dos Excluídos foi exatamente esse: “A Vida em Primeiro Lugar”. O Grito já trazia em seu nascimento sua certidão de autenticidade e sua justificativa ética. O Grito expressa a urgência de iniciativas diante da gravidade da situação vivida pelos excluídos, que descobrem seu protagonismo, e convocam para a solidariedade. Dom Demétrio Valentino é bispo da diocese de Jales, em São Paulo
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TERRA
Assentamento sai, sob pressão
Dioclécio Luz Governo Lula fecha rádios Cinco rádios comunitárias de Volta Redonda, norte do Rio de Janeiro, foram fechadas dia 19 de agosto. A Polícia Federal invadiu as rádios, apreendeu os equipamentos e prendeu três operadores e voluntários. São os presos políticos do governo Lula. E também em Campinas Cinco pessoas foram presas pela Polícia Federal em Campinas, São Paulo, por operar rádio comunitária sem autorização oficial. Uma das pessoas, da Abraço-Sudoeste, foi presa por questionar a legalidade da ação da Anatel e da Polícia Federal. Ou seja, como no regime militar, quem é contra, escuta a ordem: “teje preso!” Fim da Voz do Brasil O senador Jorge Bornhausen (PFLSC) apresentou projeto de lei tornando opcional às emissoras de rádio a retransmissão da Voz do Brasil. Esse é um dos raros programas jornalísticos de caráter democrático (todos os partidos e parlamentares têm espaço), ouvido por milhões de pessoas. As emissoras querem faturar mais e não gostam de democracia, por isso querem acabar com o programa. Complica outorga de comunitárias O deputado Gilberto Kassab (PFLSP) apresentou o Projeto de Lei 2126/03, que cria mais restrições ainda à outorga de rádios comunitárias. O tal projeto diz que só poderão receber autorização as entidades que comprovarem existir há mais de dez anos e apresentarem atestado de idoneidade expedidos pela prefeitura, pela Câmara municipal e por um juiz local. Ainda é preciso uma audiência pública na localidade. Mais um pouco e se exige a presença de Jesus Cristo, em pessoa, para garantir que a rádio é cristã. O refazimento da história O Jornal Nacional, da TV Globo, comemora 35 anos com uma série de reportagens, livro, matéria na Veja, na rádio CBN etc. A Globo quer provar, com essas matérias, que o jornal é decente, imparcial, difunde a cultura, lutou contra a ditadura militar. O jornal criado para atender aos interesses políticos dos militares e o bolso de Roberto Marinho quer refazer a história. O fim dos artistas de plástico Qual o prazo de validade desses artistas construídos pela indústria cultural? Por quanto tempo ainda se venderá as duplas breganejas com suas múltiplas clonagens? Quanto tempo demora para se degradar o plástico que forma essas bandas de axé, grupos de pagode, forró-pop? São centenas de clones espalhados por aí. Mas, felizmente, com mais cinco anos, todos vão sumir. A raridade do Cordel “A produção de uma literatura popular em versos e divulgada em folhetos impressos, chamados de “cordel”, garante ao Nordeste brasileiro a condição de talvez único continuador no século 21 da mais antiga forma de transmissão do saber da humanidade: a divulgação da informação pelo processo rítmico-menmônico das palavras”. (José Ramos Tinhorão, em Cultura popular temas e questões, Ed. 34, 2001) Viva Rio quer rádio comunitária A ONG Viva Rio está pleiteando uma rádio comunitária. A Viva Rio mantém uma parceria com a TV Globo para distribuir programas da emissora e alimenta uma rede de rádios comunitárias. Com uma rádio na mão vai ser mais fácil cooptar rádios comunitárias para os interesses hegemônicos da Globo. Abuso de poder Antes censurados, hoje algemados. Não importa se motivo era válido ou não, mas o que é certo é que a Polícia Federal mineira exagerou. Durante uma busca no jornal O Tempo, policiais extrapolaram suas obrigações – e poderes: deram voz de prisão e algemaram o editor Almeidinho Camilo. As duas atitudes não constavam da ordem judicial, que os orientava.
Sem-terra cobram e conquistam primeiro assentamento do governo Lula no Rio Grande do Sul Miguel Enrique Stédile de Porto Alegre (RS)
F
oi preciso uma marcha e novas ocupações para que, vinte e um meses depois de sua posse, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva iniciasse o assentamento das primeiras famílias de trabalhadores sem-terra no Rio Grande do Sul. Apenas 53 famílias foram assentadas no Estado nesse período, porém em áreas adquiridas pelo governo anterior. Há cerca de três meses, os governos federal e estadual haviam se comprometido publicamente com a liberação de R$ 60 milhões para início dos assentamentos, em sessenta dias. O prazo venceu, nenhuma família foi assentada e os trabalhadores sem-terra retomaram as mobilizações no Estado. No dia 1º de setembro, as famílias acampadas no município de Coqueiros do Sul iniciaram uma marcha em direção à Fazenda Guerra. Enquanto a Brigada Militar bloqueava a marcha, uma parte das famílias, por outro caminho, ocupava o latifúndio pela terceira vez este ano. Houve um início de conflito entre policiais e marchantes, aplacado rapidamente e impedindo que alguém fosse ferido.
Com uma área ocupada e com a marcha próxima ao latifúndio, o governo federal foi obrigado a acelerar as negociações para adquirir uma área de 1.664 hectares no município de Nova Santa Rita, pertencente ao Montepio da Família Militar, e sob administração do próprio governo federal. A área, que já havia sido ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) este ano, está sob responsabilidade da Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão federal que administra a massa falida dos antigos proprietários. O anúncio oficial da área ainda não ocorreu. Porém, tanto a Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) quanto as famílias acampadas estão confiantes na aquisição. Com o avanço das negociações, a marcha foi suspensa e a área, desocupada. O coordenador estadual do MST Isaías Vedovatto acredita que com a conquista dessa área o processo de assentamentos no Estado deve “desencantar”. A estimativa é de que cem famílias sejam assentadas nessa área e de que outros assentamentos sejam anunciados ainda este mês.
Leonardo Melgarejo
da mídia
NACIONAL
Líderes sem-terra esperam que o Incra anuncie novas áreas para assentamento
TRABALHO ESCRAVO
Buscas vão aumentar no Pará e no Maranhão Juliana Cézar Nunes de Brasília (DF) O coordenador do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho, Marcelo Gonçalves, acredita que as mortes de quatro pessoas que trabalhavam em regime de escravidão, num acidente rodoviário, dia 29 de agosto, em Rondon, no Pará, mostram a necessidade de tornar as buscas por trabalho escravo ainda mais rápidas e permanentes. Os trabalhadores, que estavam em um caminhão que tombou com 14 pessoas, faziam parte de um grupo mantido em regime de escravidão em três carvoarias. O suposto aliciador dos trabalhadores, Sérgio Venturini, tentou retirar os carvoeiros do local do acidente antes da chegada do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Entre 1995 e 2003, o Pará foi recordista no número de trabalhadores escravos libertados – cerca de 4,6 mil. O Maranhão ficou em quarto lugar, com 624 pessoas encontradas em condição de escravidão. “O projeto de fiscalização nesses Estados começou no ano passado, mas será reforçado com as evidências da infração aos direitos trabalhistas”, revela o coordenador. No mesmo local, os auditores do trabalho libertaram 59 pessoas. “Estamos fazendo a identificação dos trabalhadores, que serão hospedados em local adequado, até que recebam os direitos trabalhistas”, conta. A siderúrgica que utiliza os ser-
Marcello Casal Jr/ABR
Espelho
Polícia Federal faz blitz em fazendas do Maranhão, onde 624 casos de trabalho escravo foram registrados, de 1995 a 2003
viços da carvoaria já foi notificada. O aliciador não foi preso. A idéia do Ministério do Trabalho é garantir o pagamento dos trabalhadores para depois incriminá-lo. “Como ocorreu o acidente e as mortes, serão tomados procedimentos que vão além daqueles previstos na legislação trabalhista”, alerta.
REINCIDÊNCIA O suposto aliciador de trabalhadores escravos, Sérgio Venturini, foi autuado pelo mesmo crime em 2001, durante uma visita da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Pará para apurar denúncias de trabalho
infantil em carvoarias. Responsável pelo relatório da visita, o deputado federal Orlando Fantazzini (PT-SP) descreveu na ocasião as condições encontradas em três carvoarias. Uma delas, administrada por Venturini. “Detectou-se a presença de crianças e adolescentes, algumas desempenhando atividade como barrelagem e enchimento de fornos. A fumaça intensa provoca vários problemas de saúde, como também o não fornecimento de água potável”, revelou Fantazzini. “Em uma caixa de madeira encontramos alguns peixes e, ao questionarmos se era criação, formos informados que os peixes
eram colocados ali para comer os micróbios da água”. Na conclusão do relatório, Fantazzini condenou o “atual modelo de carvoaria”. Segundo ele, esse modelo propicia a exploração do trabalho infantil, funciona em regime de semi-escravidão e degrada a pessoa humana, com a solidariedade de siderúrgicas. A permanência em meio a fumaça e madeira em farpas aumenta a incidência de vários acidentes e problemas de saúde. Entre eles, deficiências respiratórias, dores de cabeça, febre constante, irritações nas vistas, queimaduras e mutilações. (Agência Brasil, www.radiobras.gov.br)
QUILOMBOLAS
Milícias ameaçam comunidade mineira Fernanda Campagnucci da Redação A comunidade quilombola Brejo dos Crioulos (Araruba, MG) está sendo ameaçada por milícias armadas, conforme denúncia feita dia 30 de agosto por entidades ligadas à luta pela terra em Minas Gerais. Uma nota, assinada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, pelo Centro de Agricultura Alternativa, pela Central Única dos Trabalhadores e pelos
vereadores Sued Botelho (PT-MG) e Lipa Xavier (PCdoB-MG), relata a presença de homens armados na Fazenda São Miguel, ocupada por cerca de 300 famílias remanescentes de quilombolas. A mesma fazenda já havia sido ocupada em março deste ano e desocupada em seguida, por ordem da Vara de Conflitos Agrários. Até hoje, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não encaminhou a desapropriação. Segundo Paulo Roberto Faccio, da CPT do norte de Minas Gerais,
tiros na região, durante o dia e à noite, impedem o sono dos trabalhadores quilombolas. “A população está cada dia mais revoltada com o descaso das autoridades. O clima está cada vez mais tenso, a comunidade vai reagir a qualquer momento”, diz Faccio. Ele conta ainda que, na manhã do dia 1º de setembro, três tiros foram disparados contra um dos trabalhadores, que passava de moto pelo local. O rapaz não sofreu ferimentos. “Os quilombolas procuraram a polícia para fazer um boletim de ocor-
rência do atentado, mas só foram atendidos à tarde. Correm outras ameaças, os pistoleiros querem a ‘cabeça’ de quatro lideranças da comunidade. Já fizemos várias denúncias à polícia federal e todas recebem a mesma atenção; ou seja, nenhuma”, relata Faccio. Na tarde do dia 1º, as famílias receberam uma ordem de despejo a ser cumprida em 24 horas. Até o dia 3, ninguém havia deixado o local, e nenhum contato foi feito com os movimentos para a negociação da saída.
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De 9 a 15 de setembro de 2004
NACIONAL CONJUNTURA
O governo fala em pisar no freio Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
N
em bem a economia começou a apresentar sintomas de recuperação, a equipe econômica, em mais um momento de revelação conservadora, começa a preparar a opinião pública para uma nova rodada de “ajustes”. Para que mesmo? Para – pasme-se – conter o crescimento. Na visão dos economistas que prestam serviços ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central, um crescimento acelerado pode levar a aumentos de preços e, portanto, da inflação, já que as empresas não estariam preparadas para produzir em volume suficiente para atender à demanda. Assim, o avanço de 4,2% no Produto Interno Bruto (PIB), no primeiro semestre, em relação a igual período de 2003 (num momento em que a crise na economia chegava ao fundo do poço), seria suficiente para fazer disparar os alarmes no coração do comando econômico. Numa visão retrospectiva, aquele tipo de análise parece não só desfocada como totalmente desligada da realidade dos números.
ABAIXO DE 2001 A economia atravessou um longo e tenebroso inverno nos últimos 15 meses, depois de enfrentar ciclos de crise sucessivos, desde 1999. O consumo das famílias, que responde por 57% do PIB (e que, portanto, tem força para determinar seu desempenho), anotou cinco semestres consecutivos de baixa – ou seja, dois anos e meio, 30 meses de taxas negativas ou insignificantes. Os investimentos, da mesma forma, atravessaram em baixa os cinco semestres, contados a partir da primeira metade de 2001. No caso do consumo das famílias, acumulou-se um tombo de 10,5% naqueles 30 meses, enquanto os investimentos murcharam 27,5%. No segundo trimestre de 2004, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo das famílias cresceu 5% frente aos mesmos três meses do ano
Antonio Gaudério/Folha Imagem
A atividade econômica consegue respirar e emite os primeiros sinais concretos de reação
Operários trabalham na linha de montagem de eletrodomésticos: dados do IBGE mostram a capacidade de reação da economia doméstica
passado, diante de uma variação positiva de 11,7% para os investimentos na mesma comparação. Mas, tomado o segundo trimestre de 2001, vê-se que as famílias continuam gastando quase 2% a menos em seu consumo, e empresas e governo mantêm um nível de investimento quase 7% mais baixo.
INFLAÇÃO & TARIFAS A produção industrial, por conseqüência, foi decrescente, o que contribuiu para que o setor acumulasse capacidade ociosa – ou seja, tivesse que paralisar parte de suas máquinas ou utilizá-las em ritmo inferior à sua capacidade plena. O resultado mais evidente desse processo foi um aumento expressivo do desemprego, achatamento de salários e perdas de renda para o trabalhador/assalariado. A recente recuperação dos indicadores econômicos, portanto, não parece ter força suficiente para que as empresas voltassem a produzir a plena carga, o que poderia resultar em altas de preços e mais inflação.
A persistência das taxas de inflação em níveis elevados, neste ano, guarda muito mais relação com políticas adotadas no passado para tornar setores estatais atraentes a compradores e investidores privados. Na privatização/liquidação das empresas estatais, o governo concordou que seus preços e tarifas (energia e telefones, por exemplo) fossem corrigidos com base em índices de preços voláteis, que flutuam para baixo e para cima ao sabor das variações no mercado do dólar e de preços no atacado. É esta combinação que tem impedido uma queda mais rápida da inflação.
TERRORISMO OFICIAL O caminho para a realização dos “ajustes” que o ministro Antônio Palocci, da Fazenda, e seus principais auxiliares julgam necessários, numa visão corroborada pela equipe do Banco Central, começou a ser trabalhado desde meados de agosto – antes, portanto, que o IBGE trouxesse a público os dados mais quentes sobre o desempenho
do PIB no segundo trimestre. Na reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), realizada nos dias 17 e 18 de agosto, quando se decidiu manter as taxas de juros básicas em 16% ao ano, os conselheiros – representados pelo próprio presidente-ministro do BC, Henrique Meirelles, e pela diretoria do banco – anteciparam que, muito provavelmente, será preciso aumentar os juros antes do final do ano, de forma a conter a inflação. Mas eles ressalvaram, no entanto, que uma eventual elevação dos juros não “acarretará prejuízos ao processo de crescimento sustentado da economia brasileira”. Economista reconhecido por seu conservadorismo, ex-ministro da Agricultura e do Planejamento, atual deputado federal por São Paulo, Delfim Netto foi um dos primeiros a condenar a análise torta feita pelos membros do Copom. E descarregou críticas em sua coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo: “O mais grave é que o Banco Central pensa que teve
qualquer coisa a ver com a recente expansão da economia, quando sua irrelevância para o processo salta aos olhos depois de ter perdido várias oportunidades para baixar os juros”.
DE OLHO EM 2005 A ata da reunião do Copom aponta a necessidade de uma revisão dos juros (para cima, claro) caso os preços do petróleo se mantenham elevados, e diante da eventual possibilidade de que a expectativa de aumento dos combustíveis, aqui dentro, gere pressões que ameacem a inflação em 2005. Delfim foi duro com os conselheiros, classificando a ata de “terrorista” ao supor a existência de riscos onde eles não existem. “Seu aumento (do petróleo) terá pequena influência sobre a taxa de inflação”, emenda o ex-ministro e atual aliado do governo petista no Congresso. E encerra o artigo: “O maior agente da deterioração das ‘expectativas inflacionárias’ é exatamente a sucessão de atas ‘terroristas’ do Copom”.
O avanço das atividades, trimestre a trimestre Medido pelo IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB), que soma todas as riquezas produzidas por empresas, pelo governo e pessoas físicas, apresentou um crescimento de 5,7% no segundo trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2003 – o melhor resultado desde o terceiro trimestre de 1996. A taxa mostra uma tendência de aceleração em relação aos primeiros três meses de 2004, quando a economia havia registrado um incremento de 2,7% (também em relação a igual período de 2003). Daqui para frente, analistas e economistas acreditam que o PIB tenderá a apresentar taxas de crescimento menos expressivas, já que a base para comparação (o segundo semestre de 2003) não estará tão achatada como na primeira metade do ano passado, quando a economia desabou, literalmente, para o fundo do poço.
EXPORTAÇÕES & CONSUMO A reversão observada entre abril e junho deste ano, que contribuiu para que o PIB encerrasse o primeiro semestre com avanço de 4,2%, aponta uma tendência de melhor distribuição do crescimento entre os diversos setores da economia, com algum alento também para o mercado interno. Segundo cálculos do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a contribuição das exportações para o crescimento do PIB despencou de 55%, no
ENFIM, UM ALÍVIO Evolução do PIB nos últimos trimestres, variação em % Variáveis Acumulado no ano/mesmo período do ano anterior Últimos quatro trimestres/quatro trimestres anteriores Trimestre/mesmo trimestre do ano anterior Trimestre/trimestre imediatamente anterior
2º tri/03
3º tri/03
4º tri/03
1º tri/04
2º tri/04
0,4 1,9 -1,1 -1,2
-0,3 0,7 -1,5 0,4
-0,2 -0,2 -0,1 1,7
2,7 0,0 2,7 1,7
4,2 1,7 5,7 1,5
Fonte: IBGE
QUEM COMANDA A REAÇÃO Contribuição, por setores, para o crescimento do PIB, em % Período
Agropecuária
Indústria
1º tri/04 2º tri/04
29,4 11,4
44,1 47,7
Serviços Exportações 27,4 48,5
55,0 15,4
Fonte: Iedi
primeiro trimestre, para 15,4% nos três meses encerrados em junho, refletindo, parcialmente, uma ligeira desaceleração no ritmo de avanço das vendas externas – a taxa de crescimento de 19,3% observada no primeiro trimestre recuou para 16,5% no trimestre seguinte, sempre em relação aos mesmos períodos de 2003.
SERVIÇOS Para compensar, o consumo das famílias – ainda em níveis inferiores ao segundo trimestre de 2001, como visto – cresceu 5%, depois de registrar modesta variação de 1,2% nos primeiros três meses deste ano. Os investimentos, que haviam crescido somente 2,2% entre janeiro e março,
passaram a apontar um incremento de 11,7% no segundo trimestre. A reversão mais significativa ocorreu no setor de serviços, com salto de 9,9% para o comércio (incluindo varejo e atacado) e de 6,5% para o subsetor de transportes, puxados pelo desempenho da agropecuária e da indústria de transformação. A contribuição dos serviços para o crescimento do PIB saltou de 27,4% no primeiro trimestre, para 48,5% nos três meses seguintes. A indústria contribuiu com 47,7%, diante de 44,1% entre janeiro e março, segundo o Iedi, enquanto a contribuição da agropecuária baixou de 29,4% para 11,4%. A reação do mercado interno,
que passa a influenciar o PIB de forma positiva no segundo trimestre, guarda relação com um aumento de 11,7% na oferta de crédito na economia na primeira metade do ano, segundo o IBGE, e com a relativa redução dos juros básicos (16% na média do primeiro semestre deste ano, diante de 26% em idêntico período de 2003, também em média) – o que não significa, obviamente, que as taxas possam ser consideradas razoáveis. Apenas não estão mais nos mesmos níveis astronômicos observados no começo do ano passado.
RENDA E EMPREGO Os dados mostram, mais uma vez, a capacidade de reação da economia doméstica, mesmo diante de fatores de estímulo não necessariamente animadores. De acordo com o IBGE, o rendimento médio dos trabalhadores somente esboçou uma reação, atingindo, em julho, uma variação de 2% em relação ao mesmo mês de 2003 (com alta para R$ 901,20).
Comparado a julho de 2002, quando o trabalhador recebia, em média, R$ 1.056,64, em valores atualizados com base na inflação, permanece uma queda de 14,7%. O total de pessoas ocupadas havia crescido, em junho, 3% em relação a idêntico mês do ano passado, representando 598 mil pessoas empregadas a mais – a maioria contratada com salários abaixo do mínimo. No mês seguinte, o total de ocupados cresceu 4,3%, representando a criação de mais 786 mil vagas – quase 64% delas destinadas a trabalhadores sem carteira ou por conta própria, o que ainda mostra um baixo dinamismo do mercado formal (que respondeu por 23,8% das novas contratações em julho). Como resultado, a taxa de desemprego recuou de 12,8%, em julho do ano passado, para 11,7% em junho deste ano, e daí para 11,2% no mês seguinte. Os números parecem corroborar os indicadores levantados pelo IBGE, já que é exatamente o setor de serviços que apresenta maior potencial para abrigar trabalhadores/ assalariados sem registro em carteira ou por conta própria. Detalhe: na comparação entre julho deste ano e o mesmo período de 2003, nada menos do que 60% das novas contratações (472 mil, em 786 mil) foram ocupadas por trabalhadores com rendimentos inferiores a um salário-mínimo (embora o número tenha sido menor do que em junho). (LVF)
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De 9 a 15 de setembro de 2004
NACIONAL MOBILIZAÇÃO
Fatos em foco
“Eles matam quem já está morto” A violência não é novidade para os sem-teto, nem para as organizações que atuam com eles
Proteção oficial Amparada por Medida Provisória assinada pelo presidente Lula, a Receita Federal se negou a fornecer, para o Ministério Público, informações sobre as declarações de renda do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Existe uma dúvida: o presidente Lula deu status de ministro para Meirelles, ele ganhou foro especial, mas será que ele ganhou também alvará para a prática de crime federal? Apelo sentimental Diz o ditado popular que o patriotismo costuma ser o último reduto dos velhacos. Sem se preocupar com isso, assessores presidenciais resolveram agora estimular o patriotismo no meio empresarial. A campanha fala em resgate do amor pela pátria, mas não toca nas questões da independência e da soberania – que são lutas importantes para o povo brasileiro. Lavanderia mundial De acordo com levantamento realizado pela ONU, o crime organizado movimenta mais de 2 trilhões de dólares por ano, sendo que 1,3 trilhão passa pelo sistema financeiro. O Brasil está careca de saber que os bancos são as principais lavanderias do dinheiro do crime aqui dentro, mas o Banco Central do Meirelles continua fingindo que não tem nada a ver com isso.
Tatiana Merlino da Redação
“N
a rua, quem me protege é a princesa”, diz o morador de rua Adriano Cruz, de 24 anos, referindo-se à cadela que o acompanha desde os 14 anos, quando foi morar na Rua Bráulio Gomes, região central de São Paulo. Adriano é um dos 10.394 moradores de rua da cidade, dos quais 2.500 vivem no Centro da cidade. A ansiedade entre as pessoas em situação de rua após os ataques do mês passado – quando seis pessoas morreram e dez ficaram feridas – não contagiou Adriano. Ele se recusa a ir para albergues. “De dia eu cuido da princesa, e de noite ela cuida de mim. Não tenho medo, não”, diz ele. O rapaz, que trabalha de “flanelinha”, afirma ser querido por “várias doutoras da região” e diz que na rua aprendeu muita coisa, mas sofreu mais ainda: “Eu já coloquei faca no pescoço de muita mulher, mas hoje não faço mais isso, não”. Adriano saiu de casa depois de uma briga com a mãe: “Eu usava muita droga, e ela toma muita cachaça”. Desde então, vive na rua, onde chega a ganhar R$ 50 por dia. A única amiga que tem, diz ele, é a cadela, que alimenta com ração para gato. Convencido de que os assassinatos dos moradores de rua foram cometidos pela polícia, Adriano não considera novidade a violência a que estão sendo submetidos: “Eu já recebi muita coronhada da polícia, e eles estão sempre por
Para o morador de rua Adriano Cruz, violência não é novidade
aqui, dando enquadro na gente”. O rapaz, que prefere a “liberdade” da rua à “segurança” dos albergues, revela seu sonho: “Cuidar de uma chácara no interior de São Paulo, e não ser visto pelo pessoal da rua nunca mais”.
ROTINA DE VIOLÊNCIA De acordo com Mário Antonio Ferro, educador da Associação Minha Rua, Minha Casa, os crimes sempre ocorreram, mas não havia destaque porque não eram em série. Ferro diz que há muitos relatos de truculência policial e lembra que os comerciantes também ficam bastante incomodados com a presença dos sem-teto. Segundo o educador, entre os freqüentadores da Associação, além da angústia de não ter trabalho, moradia e saúde, após os ataques somaram-se os sentimentos de revolta, dor e indignação: “Eles estão em clima de velório”.
Vitória neoliberal O jornal O Estado de S. Paulo, defensor radical do neoliberalismo, anda mais eufórico do que o governo federal com o momento econômico. Dia 2, por exemplo, o caderno de economia apresentava sete títulos ufanistas: começava com “Agosto, mês de recordes no comércio exterior” e fechava com “Multibrás eleva estimativa de vendas em 60%”. Alguém está na festa errada!
Agenda brasileira – 1 As notícias sobre a nova onda de crescimento da economia tiraram da agenda brasileira os problemas relacionados com a exclusão social, a miséria, a fome e os milhões de crianças e jovens sem futuro – na escola e no trabalho. O povo ficou a ver navios. Agenda brasileira – 2 Também estão sendo colocados para fora da agenda os debates sobre os projetos públicos e as suas relações com a escola privada, a saúde privada, a previdência privada, a comunicação privada e outros serviços privatizados que estão sufocando as classes médias. Está todo mundo batendo o bolso no teto. Ilusão de rico A campanha da candidata do PT para a Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, tomou conta da cidade em material de propaganda, pessoal contratado e veículos alugados. Provavelmente é das mais caras da história do município, mas não está sendo suficiente para mobilizar a militância do partido, nem para assegurar o 1º lugar nas pesquisas eleitorais. A esperança é o Duda Mendonça.
Num dos períodos de dificuldade, começou a beber e chegou a ser internado por dez meses numa casa de recuperação. Enquanto viveu na rua, Silva fez muitos amigos. Sobre os ataques aos sem-teto, constata: “Estão acabando de matar quem já está quase morto”. Segundo ele, os autores dos crimes são os comerciantes junto com a polícia. “Nós só queremos moradia permanente e trabalho digno. A sociedade fabricou a gente, e agora não tem outro meio de se livrar de nós, a não ser nos matando”. Dia 3, a Câmara de São Paulo foi ocupada por moradores de rua em solidariedade às vítimas dos ataques. Uma comissão de moradores entregou um documento com reivindicações ao presidente da Casa, Arselino Tatto (PT), que se comprometeu a cobrar o cumprimento das solicitações. Dia 2, a Justiça de São Paulo determinou que as empresas de telefonia móvel repassem à Polícia Civil informações armazenadas nas subestações do Centro da capital, como parte das investigações sobre os ataques. A Justiça deu 72 horas para as operadoras repassarem as informações para a polícia.
Ministro anuncia censo de moradores de rua O ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social e Combate à Fome) anunciou a realização de um censo nacional da população de rua. Sem citar prazos, afirmou que o levantamento é “viável” e será “encaminhado imediatamente”. O ministro, que participou da abertura do 3º Festival Lixo e Cidadania, dia 1º, em Belo Horizonte (MG), classificou como “inaceitáveis” os ataques a moradores de rua em São Paulo e em outras cidades do país. Afirmou que, embora ainda não haja uma “proposta fechada”, o governo definirá uma política para essa parcela da população. A insuficiência de dados sobre
habitantes de rua no país é vista por especialistas como obstáculo à ação do governo federal. O censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) excluiu os moradores de rua. A principal justificativa é de que como são pessoas sem domicílio fixo, a contagem ficaria impossibilitada. Representantes do Fórum Nacional de Estudos sobre População de Rua, que reúne ONGs e pastorais do Distrito Federal e de cinco Estados, entregaram ao ministro carta que pede “intervenção imediata” do governo em relação “à situação de violência e exclusão a que essa população é submetida”.(TM)
Ministro Patrus Ananias anunciou censo inédito com moradores de rua
EDUCAÇÃO
Novo sistema de avaliação recebe críticas Dafne Melo da Redação O Ministério da Educação (MEC) começou a colocar em prática, dia 1º de setembro, o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), que será coordenado pela Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Conaes), composta por 13 membros escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Educação, Tarso Genro. O sistema é composto de três fases e pode durar até três anos. A primeira fase será a auto-avaliação das instituições, por meio de comissões internas, formadas por segmentos da comunidade acadêmica e representantes da sociedade civil. As comissões terão até dezembro deste ano para apresentar ao MEC uma proposta de autoavaliação com total autonomia, de acordo com Hélgio Trindade, presidente do Conaes. A segunda fase será o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), previsto para 7 de novembro – este ano, apenas para estudantes de Agronomia, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Serviço Social, Terapia
Agência Brasil
Rendição anunciada O presidente da CUT, metalúrgico Luiz Marinho, está propondo para a patronal Fiesp um pacto trabalhocapital para dar sustentabilidade ao crescimento da economia e impedir uma nova escalada nas taxas de juros. Ainda não se sabe se haverá também negociação sobre geração de empregos, recomposição dos salários, redução das desigualdades, redistribuição da renda e outros itens que interessam aos trabalhadores.
O maranhense José Carlos Melo Silva é um dos freqüentadores da Associação Minha Casa, Minha Rua. José Carlos alterna períodos em moradias e na rua. Há um ano e oito meses ele está de volta às ruas. No Maranhão, por três meses não completou o segundo grau. Trabalhou como pedreiro, azulejista e jardineiro. Seu último emprego foi na subprefeitura da Mooca, como ajudante de jardinagem. “É muito difícil arranjar emprego. Tem muito preconceito quando a gente fala que mora em albergue”, conta.
Francisco Rojas
Dupla personalidade O livro do escritor português José Saramago, O Homem Duplicado, mostra, segundo o próprio autor, como o poder transforma as pessoas. A história do livro tem muitas semelhanças com a história do presidente Lula, o qual, afirma o escritor, “não é a mesma pessoa depois que chegou à Presidência da República”.
Francisco Rojas
Hamilton Octavio de Souza
Nova avaliação do MEC pode repetir erros do Provão, dizem estudantes
Ocupacional e Zootecnia. Por fim, uma comissão externa nomeada pelo MEC vai avaliar cada curso. Para Rodrigo Pereira, diretor de políticas educacionais da União Nacional dos Estudantes (UNE), o Enade não foge muito da lógica do Provão, exame aplicado na gestão do ex-ministro da Educação Paulo Renato. “O Provão era muito centrado na avaliação do aluno. O Sinaes tem três avaliações, mas não foi definido quais serão os pesos entre elas. Há o risco de novamente se levar em conta mais o desem-
penho dos alunos e menos outras avaliações importantes”. Para o estudante, uma outra falha é a obrigatoriedade do exame para os que forem selecionados.
RANQUEAMENTO Diferentemente do Provão, onde apenas alunos do último ano faziam a prova, o Enade prevê uma amostragem por sorteio de alunos do primeiro e do último ano do curso. Apenas os alunos sorteados terão que comparecer, sob pena de não receber diploma. “O Enade não
supera as contradições do Provão, apenas dá uma roupagem nova à proposta. A questão do ranqueamento das universidades não está superada. Proibir o aluno de obter o diploma se não fizer a prova, mesmo se teve desempenho acadêmico satisfatório, fere a autonomia universitária”, acredita Céres Ramires Torres, da direção do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). Segundo Hélgio Trindade, o ranqueamento das instituições não será feito apenas com base na nota dos alunos, como no Provão – onde os conceitos para o curso e para a instituição eram dados separadamente – mas terá resultado integrado de todas as fases. Trindade admite, entretanto, que nada impede que as notas obtidas no Enade sejam divulgadas separadamente. A assessoria de imprensa da Universidade de São Paulo (USP) informou que a universidade não participará do Enades em 2004. A pró-reitora de Graduação, Sônia Penin, reconheceu a importância do Enade mas disse que o Conselho de Graduação considerou que há dúvidas em relação à metodologia do exame. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ainda está discutindo a adesão e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) confirmou sua adesão.
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NACIONAL REFORMA DO INCRA
Mais recursos tiram o órgão da UTI Luís Brasilino da Redação
Instituto e dos rumos da reforma agrária no país.
governo federal pode ter dado um passo positivo em direção à reforma agrária. Até o dia 10, a Casa Civil deve enviar ao Congresso, medida provisória, ou projeto de lei, reestruturando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Resultado da luta dos servidores federais com a colaboração dos movimentos sociais, no dia 19 de agosto, os ministros Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) e Guido Mantega (Planejamento), e Rolf Hackbart, presidente do Incra, assinaram um termo de compromisso com os trabalhadores. Pelo termo, devem ser criadas 4,5 mil novas vagas, e implantado um plano de cargos e carreira para os atuais 10 mil funcionários da autarquia. Com a mudança, os salários dos servidores devem, em média, dobrar. Em entrevista ao Brasil de Fato, José Vaz Parente, diretor da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra, conta sobre a situação do
Brasil de Fato – Qual é sua avaliação do acordo? José Vaz Parente – A sua concretização com certeza vai tirar o Incra da UTI e colocá-lo num processo de recuperação continuado, reabilitando-o a responder de forma mais competente às suas obrigações. Mais coisas precisam ser feitas para reestruturar o órgão, capacitar seu pessoal, readequar seus instrumentos normativos e operativos, pois o Incra ainda funciona praticamente nos mesmos moldes do governo anterior: condições absolutamente inadequadas face ao novo modelo de reforma agrária instituído pelo atual governo.
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BF – O que levou à assinatura do termo de compromisso? Parente – Há vários fatores, entre os quais destacamos a consciência crítica dos servidores e das organizações dos trabalhadores rurais, que entenderam que o urgente e inadiável restabelecimento pleno do Incra seria condição essencial à realização do programa de reforma agrária; o compromisso do próprio governo em relação à implementação de uma reforma agrária com qualidade, voltada para expansão e consolidação da produção familiar, mediante a promoção de um desenvolvimento equilibrado do ponto de vista social, econômico e ambiental; e, por último, o apoio das entidades do Fórum Nacional pela Reforma Agrária que exigi-
II PNRA – Projeto do governo federal, apresentado em novembro de 2003, cuja meta é assentar 400 mil famílias até o fim de 2006. Medida provisória – Instrumento do governo para implementar leis, que entram imediatamente em vigor, sem precisar passar por votação no legislativo. Como o seu nome indica, é provisória – só vigora enquanto não for apreciada pelo Congresso, que pode abolir a MP, modificá-la ou torná-la permanente. Substituiu, na Constituição de 1988, o antigo decretolei, pelo qual o Executivo tinha o poder de decretar leis permanentes.
Divulgação
Mobilizações e luta dos servidores federais levam governo a reestruturar o Instituto, que estava às moscas
Quem é Nascido em Teresina (PI) em 1950, José Vaz Parente é formado em agronomia pela Universidade de Brasília (UnB), e em direito pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal. Foi para Brasília há 35 anos e está no Incra há 26. Militante petista, membro do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e da diretoria da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), é o atual diretor da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra. ram do governo resposta urgente à necessidade de reaparelhamento do Incra. É de se destacar também, como fator determinante, a greve dos servidores da instituição, por tempo indeterminado, não em razão somente de direitos e interesses da corporação – o que seria por demais justificável – mas, sobretudo, em defesa de um órgão que tem uma missão de inegável importância para o povo brasileiro em geral e para a edificação da verdadeira democracia para o país. BF – Será possível, agora, cumprir as metas do II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA)? Parente – A criação dos 4,5 mil cargos, além de ser uma medida ultranecessária para recompor nossa força de trabalho, reduzida a um terço de suas necessidades, representa melhores condições de trabalho. Com o plano de carreira, será possível recrutar mão-de-obra mais qualificada, capaz de atender às exigências de um padrão
de reforma agrária voltado ao desenvolvimento rural integrado e sustentado, combinado com a desconcentração da renda e da propriedade. Assim, mesmo admitindo que os novos cargos ainda não seja o quadro ideal para executar o II PNRA e tocar as ações relativas a uma dívida de mais de 5 mil projetos de assentamento, podemos afirmar que tal reforço será altamente significativo para a execução do Plano, caso as contratações sejam feitas a curto prazo, ou seja, no máximo em dois anos. BF – O que ainda falta? Parente – Para a reforma agrária sair do papel, também precisamos reestruturar a autarquia e sanear, em parte, a legislação agrária que, entre outras impropriedades, criminaliza trabalhadores rurais, delimita o universo de intervenção do Estado (em termos de áreas a serem desapropriadas e valores de indenizações), bem como impõe toda uma burocracia aos processos
expropriatórios. Isso se reflete em prejuízos ao Estado e aos trabalhadores rurais que vão desde a simples morosidade na tramitação de processos, até as condenações extravagantes de valores indenizatórios determinadas pelo judiciário, que terminam por inviabilizar a própria reforma agrária. Trata-se, portanto, de uma legislação que mais dificulta do que favorece a realização da reforma agrária. Por outro lado, convenhamos que a garantia da eficácia de um programa de reforma agrária exige, entre outras coisas, a integração de políticas públicas e o próprio envolvimento dos setores organizados da sociedade em regime de parceria com o Estado. BF – Com relação à reforma agrária, quais suas expectativas no mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Parente – Em relação ao atual governo, que ajudamos a eleger, nossas expectativas sempre foram positivas, em que pese entendermos que falta mais ousadia em se tratando das questões sociais, principalmente no que diz respeito à reforma agrária. Contudo, continuamos a acreditar. Apesar do ritmo lento de como as coisas são conduzidas, reconheço a herança por demais adversa que o governo assumiu, remanescente de um passado de mais de 500 anos de desmandos e descasos para com as questões do povo e, porque não dizer, para com as questões relativas aos interesses públicos e coletivos.
ANÁLISE
Carlos Tautz Como toda negociação que envolve o Ministério da Fazenda e o Banco Mundial, a liberação de 505 milhões de dólares para projetos ambientais no Brasil, anunciada na semana passada, está repleta de aspectos mal explicados. Não se sabe ainda por que o Banco se antecipou ao governo brasileiro e colocou à disposição esse montante – o maior até hoje que a institutição já disponibilizou, em todo o mundo – voltado para projetos que sequer foram concluídos. Também está pouco claro que tipo de “metas ambientais” a institutição vai impor ao governo para liberar o dinheiro, nem se haverá controle público sobre esses desembolsos. E olhem que outra batelada de dólares, como já foi anunciado, ainda vem por aí. Serão mais 695 milhões nos próximos meses. Fica a impressão de que o meio ambiente foi usado apenas como desculpa para reforçar o caixa do governo. Afinal, o presidente Lula e seu mais poderoso ministro, Antônio Palocci, da Fazenda, já reiteraram algumas vezes que o Brasil interromperá em 2004 a sucessão de empréstimos solicitados ao Fundo Monetário Internacional (FMI) desde 1998. Voltar atrás seria um desastre, principalmente em ano eleitoral. E é talvez aí – e digo talvez porque a prática da Fazenda foi sempre liberar poucas informações sobre empréstimos externos – que esteja uma saída para manter em alta os números positivos da economia que o governo faz sempre questão de divulgar. Anunciado com pompa, circunstâncias, dois ministros brasileiros (Palocci e Marina Silva, do Meio Ambiente) e o diretor para o Brasil no Banco Mundial, Vinod Thomas, o empréstimo veio embalado numa retórica que não traz boas recordações – foi qualificado de
Flávio Cannalonga
Empréstimo ambiental em versão reestruturada
Não há clareza sobre as “metas ambientais” que o Banco Mundial vai impor ao governo nem de que forma se dará o controle público dos milhões de dólares liberados
“ajuste estrutural” pelo Banco. E é justamente aí que mora o perigo. Desde os anos 80, essa expressão – “ajuste estrutural” – tem sido usada para disfarçar a exigência de aperto fiscal e corte de investimentos. Aliás, naquela época as instituições internacionais de crédito já faziam cobranças leoninas dos tomadores de empréstimos, como parece ser o caso dessas metas a serem exigidas. Tão leonina que nos anos 90 precisou ser rebatizada. Transformou-se em dez recomendações de privatização, desregulamentação e desmonte do Estado. Entre muitos, ficou conhecido como Consenso de Washington. Mas, para o povo
brasileiro, foi mesmo perda de poder aquisitivo, desemprego e crise social. Oficialmente, a primeira parte do empréstimo irá para o Plano Amazônia Sustentável (PAS), o Plano BR-163 Sustentável e o Plano para Prevenção e Controle do Combate do Desmatamento na Amazônia Legal. Mas, é justamente aí que moram as dúvidas. O PAS, uma série de iniciativas para estimular a economia da região com impacto mínimo sobre o meio ambiente, ainda está sendo elaborado, apesar de o governo vir anunciando-o desde agosto de 2003. O Plano BR-163 Sustentável só deve nascer, pelas estimativas
oficiais, em outubro. E deve ser, esperam os ambientalistas, uma versão mais palatável, alternativo à mera pavimentação de mil km entre Cuiabá (MT) e o porto de Santarém (PA) para escoar a soja produzida no Mato Grosso em direção à Europa. Um movimento que tem tudo para beneficiar principalmente o governador matogrossense Blairo Maggi, tido como o maior sojicultor do planeta. Isso apesar da série de denúncias de agressões ambientais que cercam o negócio agrícola no Estado, aquele que apresentou os maiores índices de desmatamento em 2003. Também é estranho ver beneficiado por esse megaempréstimo o
Plano para Prevenção e Controle do Combate do Desmatamento na Amazônia Legal, que não foi capaz de impedir que a destruição da floresta aumentasse em quase 20% em 2003, quando comparado com 2002. Se não houver controle das organizações da sociedade sobre o ritmo e as áreas de investimento dessa montanha de dinheiro sobre principalmente a região Amazônica, corre-se o risco de alocar recursos que, na prática, ampliarão o nível de degradação social e ambiental. Algo como tentar apagar um incêndio com gasolina superaditivada. Carlos Tautz é jornalista
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NACIONAL DIREITOS HUMANOS
Fórum traça mapa da violação em MT André Alves e Elton Rivas de Cuiabá (MT)
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epois de percorrer mais de 3 mil quilômetros em doze dias (entre 15 e 24 de agosto), atravessando quatro bacias hidrográficas em Mato Grosso, Jean Pierre Leroy, relator nacional do Direito Humano ao Meio Ambiente se declarou “chocado”: “As conseqüências ambientais e sociais do crescimento da agropecuária são desastrosas”. Leroy participa voluntariamente do projeto Relatores Nacionais em Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc), apoiado pelo Programa de Voluntários da Organização das Nações Unidas (UNV), da Secretaria Especial de Direitos Humanos, vinculada à Presidência da Republica, e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Publico Federal. O francês, que há mais de 30 anos pesquisa a Amazônia e as práticas de desenvolvimento sustentáveis, fez o diagnóstico do Estado a convite do Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), que congrega 40 entidades não-governamentais. Essa organização se dedica a conhecer e relatar violações ao ambiente – entre as quais a forma como o modelo de desenvolvimento adotado em Mato Grosso expulsa comunidades e culturas inteiras, a partir da conversão da floresta e do Cerrado em campos de soja, algodão e pecuária. A visita do relator vai gerar pelo menos dois relatórios. Um deles, com as realidades dos vários Estados visitados e situações em que as agressões às comunidades são gritantes, será apresentado à ONU e à Organização dos Estados Americanos (OEA). O outro relatório, específico sobre a realidade de Mato Grosso, será enviado a entidades que apoiaram a missão do relator, a órgãos do poder público estadual e às comunidades visitadas. “Esses relatórios são simbólicos. Ninguém é contra o desenvolvimento, mas quando há exclusão de comunidades tradicionais e pequenos produtores sem lhes dar oportunidades de se desenvolver, o Estado está desempregando pessoas, enchendo as periferias”, explica Leroy. No roteiro preparado pelo Formad, foram visitados os rema-
Fotos: André Alves e Elton Rivas
Observador internacional constata que, onde o agronegócio avança, fica um rastro de impactos humanos e ambientais
Relator francês constata a expulsão de comunidades inteiras e a conversão da floresta e do Cerrado em campos de soja e pastos para a pecuária
nescentes de quilombo de Mata Cavalos, no município de Nossa Senhora de Livramento (a 30 km de Cuiabá); os índios Xavante de Marãwatsedé, em Alto Boa Vista, na região do Araguaia; o Assentamento Liberdade, no município de Canabrava do Norte e os atingidos pela Usina Hidrelétrica de Manso, na Chapada dos Guimarães. Não foi ao acaso que a missão – acompanhada de perto pela Delegacia Regional do Trabalho, pelo Fórum Contra o Trabalho Escravo, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Araguaia, além do próprio
Formad – retratou comunidades indígenas, negras e as ditas tradicionais, que sofrem um problema comum: o desrespeito das autoridades competentes, de empresas e fazendeiros da região, muitas vezes com policiais coniventes. Exemplo de resistência a esse sofrimento são as 1065 famílias de 18 comunidades atingidas pela
construção da Usina Hidrelétrica de Manso por Furnas Centrais Elétricas, no município de Chapada dos Guimarães. Apenas 400 famílias foram indenizadas por Furnas quando do enchimento do lago, no final de 1999. Parte delas recebeu um valor em dinheiro e a outra parte foi reassentada e recebe cerca de R$ 200 mensais. A luta de pessoas como Cida Dias, assentada e integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), é para um novo reassentamento em terras produtivas e que beneficie todas as famílias. “Os atingidos sentem na pele o sofrimento da construção da usina, em terras que são só areia”, afirma. Do outro lado do lago, existe um poderoso empreendimento turístico e imobiliário, ponto de encontro da classe média alta de Cuiabá, que nos finais de semana passeia de jet ski e lancha no lago da usina. Outro exemplo de resistência é a dos remanescentes de quilombolas de Mata Cavalo, no município de Nossa Senhora do Livramento,
a 70 km de Cuiabá. De acordo com relatos de vários moradores, cerca de 400 famílias de descendentes de escravos lutam há mais de dez anos na Justiça pela posse definitiva do quilombo onde seus antepassados viveram – terra doada aos ex-escravos no ano de 1883 pelo fazendeiro Ricardo Alves Bastos, proprietário das sesmarias Carcará e Boa Vida, onde hoje é a área de conflito. Em 2002, o Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat) outorgou à Fundação Cultural Palmares, do governo federal, o título definitivo da área e desde o ano passado cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular as terras dos remanescentes de escravos. Para a descendente de quilombola e estudante de direito Laura Ferreira da Silva, a resolução do impasse é política, uma vez que a maior parte dos 45 posseiros e 38 fazendeiros aceita deixar á área, desde que sejam indenizados.
Estado importa e exporta escravos O que foi observado pelo relator de Direto Humano ao Meio Ambiente Jean Pierre Leroy na região do Araguaia, próximo ao Parque Indígena do Xingu, mesmo que de forma mais acentuada, não deve ser diferente do que acontece em Mato Grosso: o trabalho escravo. Os relatos de integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Araguaia confirmam o que a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) já sabe. Mato Grosso importa e exporta trabalhadores em condições mais graves do que degradantes. Para Valdinei Arruda, coordenador de fiscalização rural da DRT, “o Estado precisa assumir a luta contra o trabalho escravo como uma luta sua, como uma luta que afeta a dig-
nidade da pessoa humana”. Arruda faz essa afirmação na condição de quem já mapeou a rota do trabalho escravo em Mato Grosso e conta que não raro os candidatos a trabalhadores vêm de Estados como Maranhão ou Piauí, em empresas de turismo de fachada, apenas para fugir da fiscalização. Em Mato Grosso, há pousadas especiais para esses trabalhadores, facilitando o trabalho do aliciador, também conhecido como “gato”.
GRILAGEM Outra situação que parece banalizada é a grilagem de terras públicas por grandes produtores rurais. Em Canabrava do Norte, mais especificamente no Projeto de As-
sentamento Liberdade, 75 famílias que já deveriam estar assentadas em uma área desapropriada pelo Incra aguardam a desintrusão de sete fazendas cujos proprietários impedem a permanência dos assentados na área que lhes foi destinada. Essas famílias vivem hoje nas cidades da região, nas periferias, trabalhando em fazendas e existe ainda um grupo de cerca de cem pessoas acampadas em uma fazenda do prefeito do município de Confresa (100 km de Canabrava do Norte) aguardando a definição da situação. Os trabalhadores rurais foram retirados em agosto de 2003 da Terra Indígena Urubu Branco, em Confresa, e levados pelo Incra para um ponto dentro do próprio assentamento Liberdade,
porém esse local oferecia péssimas condições para as famílias. De acordo com o órgão federal, elas deveriam ficar ali por 21 dias até serem definitivamente assentadas. Um ano se passou e grande parte dos 38 mil hectares do projeto está ocupada com lavoura de soja e algodão, deixando agricultores familiares da região ilhados em suas propriedades, sofrendo as conseqüências do desmatamento e das pesticidas pulverizadas de avião que contaminam os córregos e causam problemas respiratórios nas pessoas. Sem poder viver na terra em que foram assentados, sofrendo ameaças de proprietários rurais para que não reclamem por seus direitos, sobrevivem de doações. (AA e ER)
Tensão entre Xavante e posseiros vai continuar bonita, em língua xavante) começou em novembro de 2003, quando os Xavante, cansados de esperar pela desintrusão da área, decidiram regressar a ela. Foram dez meses acampados em condições precárias na beira da BR 158. Em diversas ocasiões, os ocupantes da terra indígena levantaram acampamento na mesma estrada, separados apenas pelas polícias militar e federal. Fotos: André Alves e Elton Rivas
“O sentimento de impunidade e a manipulação política agravaram a situação, pois os invasores, mesmo conhecedores de que ali era uma terra indígena, não acreditavam que a Justiça um dia iria determinar o retorno dos índios à terra que lhes é de direito”. Essa análise, do relator de Direito Humano ao Meio Ambiente Jean Pierre Leroy, resume a situação em torno da Terra Indígena Marãwatsedé. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de autorizar o retorno de mais de 400 índios às suas terras causou a revolta de posseiros, produtores rurais e políticos da região, como o atual prefeito de Alto da Boa Vista. Grupos ligados a esses setores bloquearam a BR 158 na altura da localidade conhecida como Posto da Mata e queimaram uma ponte obstruindo também a BR 80. O bloqueio durou quatro dias e deixou a região isolada das cidades vizinhas. “Aqui não tem mais mata, derrubaram quase tudo. Como é que nosso povo vai viver? Vamos precisar de apoio para construir a aldeia nova, para fazer nossas roças”, queixa-se o cacique Damião. A retomada da terra Marãwatsedé (terra
Povo xavante busca apoio à sua luta
Foram meses de tensão e hostilidade. Pontes queimadas, ameaças de morte a dom Pedro Casaldáliga (bispo de São Félix do Araguaia), contra funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e manifestações de protesto contra a pichação da Igreja do Alto Boa Vista com expressões de “bispo traidor”, “queremos padre verdadeiro” e uma faixa na estrada dizendo “A Prelazia é a favor da fome do povo”. As péssimas condições do acampamento, poeira da estrada não pavimentada, água insalubre, alimentação irregular e frio causaram, em agosto, a morte de três crianças Xavante e a internação de outras 14 com sintomas de pneumonia e desnutrição. “O Incra já desapropriou duas fazendas na região para esse fim, porém, a pressão política e econômica exercida pelas elites locais trabalha no convencimento de que é possível reverter o processo de demarcação e conseqüentemente dos direitos dos índios sobre a terra”, revelou o superintendente do Incra em Mato Grosso, Leonel Wohlfahrt, durante audiência pública no encerramento da Missão do Relator de Direitos Humanos e Meio Ambiente em Cuiabá, dia 24 de agosto. (AA e ER)
“Aqui não tem mais mata, derrubaram quase tudo”, protestam líderes indígenas
Três crianças morreram e 14 foram internadas após dez meses de acampamento
Ano 2 • número 80 • De 9 a 15 de setembro de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO AMÉRICA LATINA
Ativistas correm perigo na Colômbia Guido Piccoli de Bogotá (Colômbia)
France Presse
Forças Armadas do governo Uribe têm plano para assassinar sindicalistas, líderes populares e de esquerda políticos ameaçados de morte. Berenice Celeyta, ao contrário, preferiu a proteção de “escudos humanos” da organização Peace Brigades. É tido como certo que Uribe tentará atrapalhar as investigações, contando, para isso, com a cumplicidade dos altos escalões da Justiça colombiana. Infiltrada de paramilitares, a Justiça renunciou à ética em diversas ocasiões para justificar todo tipo de desrespeito aos direitos humanos, em nome da luta ao terrorismo.
O
s dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Municipais de Cali (Sintraemcali), na Colômbia, descobriram, dia 31 de agosto, que estavam numa lista de marcados para morrer. E entenderam a mensagem quando um homem não identificado deixou na sede do sindicato um CD com informações “reservadas” do comando do serviço secreto militar. O presidente do Sintraemcali, Luis Hernandez Monrroy, e a ativista de direitos humanos, Berenice Celeyta Alayon, descobriram que seus nomes constavam entre as vítimas de uma Operação Dragão, novo plano de extermínio criado pelas Forças Armadas, com o objetivo de assassinar expoentes políticos de esquerda, sindicalistas, ativistas humanitários e jornalistas. Entre as 85 lideranças citadas nos documentos revelados estão todos os líderes do Pólo Democrático e da Frente Social Política, os dois maiores movimentos da esquerda colombiana. Constam também os nomes do prefeito de Bogotá, Lucho Garzón, e o do juiz Carlos Gaviria, provável candidato às eleições presidenciais de 2006. Para os nomes escritos em vermellho em um dos documentos, considerados colaboradores ou integrantes de grupos guerrilheiros, sugere-se “medida drástica”. Além da Terceira Brigada do Exército de Cali, participam da Operação Dragão os comandos
IMPUNIDADE
Plano Dragão pretendia assassinar 85 lideranças de esquerda da Colômbia; presidente Uribe continua política de ameaças
locais e nacionais de várias polícias secretas e o Ministério da Defesa. Também estão envolvidas pessoas da elite e do governo de Cali, empenhadas num processo de privatização que foi interrompido devido à forte resistência sindical.
APELO À JUSTIÇA Visto que nos documentos secretos são indicados outros centros de operação do plano criminoso, os dirigentes sindicais de Cali conseguiram acionar a Justiça para que autorizasse interceptações telefônicas e blitze em várias cidades colombianas.
Em uma delas, realizada em Medellín, foi preso um dos homenschave da Operação Dragão. É Juliano Villate, tenente-coronel em serviço e, ao mesmo tempo, funcionário de uma das maiores empresas de consultoria empresarial da América Latina, a Consultoria Integral Latino-Americana. Com atuação no processo de privatização na Colômbia, ela é responsável pela avaliação da maior parte das empresas estatais. Em seu depoimento à Justiça, Villate disse que trabalhava em uma pesquisa sobre “soluções para os conflitos sociais”, sobretudo na região
de Cali, onde o presidente Alvaro Uribe tem forte base eleitoral.
CUMPLICIDADE “Se acontecer alguma coisa com um de nós, sabemos que o responsável é Uribe”, afirmou Wilson Borja, deputado da Frente Social Política, em entrevista coletiva. Em dezembro de 2000, quando era dirigente sindical, Borja foi gravemente ferido durante um atentado realizado por militares e paramilitares. O único sinal de reação do governo diante deste escândalo foi reforçar a proteção a alguns
VENEZUELA Fotos: CMI
BOLÍVIA
Movimentos sociais querem candidatos populares Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
Protesto irreverente de bolivianos, em La Paz, em defesa do gás e do petróleo; presidente Mesa reforça aliança com os EUA
Presidente arma coalizão contra mobilizações sociais Alex Contreras Baspineiro de Cochabamba (Bolívia) As massivas mobilizações em defesa do gás e do petróleo realizadas no final de agosto pelos movimentos sociais da Bolívia receberam uma resposta imediata: a rearticulação da coalizão do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada e o ressurgimento do embaixador estadunidense no país, David Greenlee. No dia 25 de agosto, a organização Coordenação do Gás convocou uma manifestação simultânea em quatro cidades: El Alto, Cochabamba, La Paz e Oruro. Cinco dias depois, o Movimento para o Socialismo (MAS) mobilizou milhares de pessoas em Cochabamba, La Paz, Santa Cruz, Potosí, Sucre e Oruro. As bandeiras de luta das organizações são as mesmas: que a nacionalização e industrialização do petróleo prevaleçam sobre exportação
As revelações sobre o Plano Dragão demostram, também, a vontade política de Uribe de continuar perseguindo e assassinando sindicalistas e líderes de movimentos sociais, crimes até hoje impunes. De acordo com um dossiê da Comissão Interamericana dos direitos ao trabalho, com sede em Washington, a Justiça só funcionou para os cinco dos quatro mil homicídios de sindicalistas ocorridos na Colômbia entre 1986 e 2002. A organização lembra, sobretudo, que o assassinato permanece a opção preferida do Estado colombiano para impedir qualquer possibilidade de mudança social e política no país. Se é verdade, como afirmou o prefeito de Bogotá, Lucho Garzón, que “não há nada de novo neste plano criminoso”, é significativo que ameace exterminar todas as lideranças políticas comprometidas em impedir a reeleição de Alvaro Uribe. (Il Manifesto, www.ilmanifesto.it)
para o México e os Estados Unidos. “Frente à pretensão e às mentiras do presidente Carlos Mesa, que obedece à embaixada estadunidense e às transnacionais, os pobres deste país, que somos a maioria, temos uma só alternativa: a união”, afirmou o deputado federal e chefe do MAS, Evo Morales. Antes, Oscar Olivera, da Coordenação do Gás, já avisara que, para aprovar a nova Lei de Petróleo e Gás, o governo devia escutar os movimentos sociais e não apenas a classe política. Se não agisse assim, as organizações iriam pressioná-lo.
MAIS PRESSÕES Acuado pelas mobilizações, o governo recomendou aos policiais que não interferissem, mas não iniciou negociações com lideranças de movimentos. Nos próximos dias, Mesa deve enfrentar também protestos de alas mais conservadoras, como os transportadores, que pre-
tendem paralisar La Paz por 48 horas, e os movimentos cívicos, que anunciaram medidas de pressão. Para enfrentar a situação, o chefe de Estado convidou sua ex-coalizão governamental, com Lozada, a apoiar sua política para o petróleo e gás. A nova coalizão conta com a participação de diversos partidos, como o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) e a Ação Democrática Nacionalista (ADN). Mesa também se aproximou do embaixador estadunidense para fazer frente às mobilizações. Para Greenlee, a escolha do governo deveria favorecer tanto o país como os investidores internacionais: “Tudo dependerá de como ocorrerem as negociações e a formulação da nova lei, mas espero que beneficie o povo boliviano e permita a entrada de mais investimentos,” afirmou o embaixador.
“Vamos despertar compatriotas. Ao trabalho, o dia é longo. Não esqueçam, às sete da noite, Assembléia Popular para decidir quais serão nossas condições para apoiar os candidatos à eleição”. O chamado do locutor da rádio comunitária Alí Primera foi infalível. No final do dia, pouco a pouco, homens e mulheres moradores do bairro popular El Valle ocuparam o pátio da Universidade Símon Rodríguez, antes lugar exclusivo da elite caraquenha, para discutir o tema principal das conversas em todo o país: o futuro dos candidatos a governador e prefeito nas eleições de 31 de outubro. Os venezuelanos, que acabam de sair de uma eleição onde a maioria dos votos ratificou o mandato do presidente da República, Hugo Chávez, não estão convencidos de que os candidatos escolhidos pelo comando político do governo serão capazes de levar adiante a revolução bolivariana. Os movimentos sociais e os comitês populares exigem a realização de eleições primárias para que o candidato seja eleito pelo povo. Chávez, em seu primeiro embate com seus apoiadores após o referendo, declarou que, “em nome da unidade” as candidaturas não serão alteradas.
CONDIÇÕES A situação é delicada. A dois meses do pleito, a população teria de escolher um novo candidato, sob o risco do desgaste político frente à oposição que tende a unificar as candidaturas para fortalecer a disputa com o candidato do governo. No entanto, os apoiadores de Chávez acreditam que somente a decisão da maioria poderá protegêlos dos pseudo-revolucionários que seguem comandando as máquinas
da corrupção e da burocracia na administração pública. Com a Constituição sobre a mesa, três integrantes das unidades eleitorais, criadas para o plebiscito de 15 de agosto, conduzem a assembléia. Os oradores populares se revezam desfiando suas reivindicações. “Se não pudermos ir às primárias, só devemos apoiar esses candidatos se eles assinarem um compromisso com a comunidade”, afirma Jesus Ribas, membro do Comitê de Saúde do bairro. Uma das condições para apoiar os candidatos do governo é a elaboração de um Projeto de Lei para criar o Orçamento Participativo, meio para garantir a participação da população na tomada direta de decisões. “É nossa tarefa dizer para onde vamos. Dessa vez não serão eles que vão apresentar um plano de governo. Nós é que vamos dizer o que precisamos e como queremos que eles governem”, diz Ribas, apoiado por dezenas de moradores.
PERIGO À VISTA A situação é complexa. Cabe ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) decidir se abrirá inscrições para novas candidaturas. Além disso, o partido do governo, Movimento Quinta República, já descartou a possibilidade de realizar eleições primárias, o que dificulta ainda mais a reivindicação da população. Outro perigo para a unidade defendida por Chávez é que, na esteira dos descontentes, seguem candidatos convertidos em chavistas para postular candidaturas. Esses revolucionários recém-convertidos ameaçam criar uma nova frente para disputar contra a oposição e contra os candidatos escolhidos pelo governo. Se as primárias não forem aceitas, o governo corre o risco de perder as eleições em, no mínimo, sete localidades, entre elas, a capital Caracas.
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AMÉRICA LATINA ARGENTINA
Kirchner resiste, de novo, à pressão do FMI Jorge Pereira Filho da Redação
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ilhares de argentinos tomaram a Praça de Maio, em Buenos Aires, para protestar contra o pagamento da dívida externa e contra o Fundo Monetário Internacional (FMI), dia 31 de agosto. Na ocasião, o diretor-geral do Fundo, Rodrigo Rato, esteve no país para uma reunião com o presidente argentino, Néstor Kirchner. Centenas de manifestantes ficaram feridos e 20 foram presos em conflitos com a polícia, que usou bombas de gás lacrimogêneo e bombas de borracha para reprimir a mobilização encabeçada por movimentos sociais de desempregados, conhecidos como piqueteiros. Os manifestantes reivindicavam também que a Justiça argentina liberasse o dirigente Raúl Castell, preso recentemente por ter participado de um saque a um supermercado. Os movimentos sociais acusam a Justiça de criminalizar os protestos políticos. Atualmente, mais de quatro mil integrantes de organizações populares respondem a processos na Justiça.
Leo La Valle/EFE/AE
Em encontro com diretor do Fundo, presidente argentino confirma que pagará só 25% do que exigem os credores privados “Não pense nem sonhe. Aumentar o superávit não é um tema negociável. O FMI não tem a função de defender os credores privados”, disse o presidente Kirchner, em resposta a Rato, segundo o jornal argentino Pagina 12. O governo resiste em aumentar o pagamento da dívida externa para não comprometer ainda mais seu orçamento e inibir o vigoroso crescimento econômico do país. No primeiro semestre, a Argentina cresceu cerca de 8% – o dobro do Brasil.
CONTRAGOLPE
Um manifestante picha “Rato, fora da Argentina” em frente ao Ministério da Economia em Buenos Aires
blicos do governo para pagamento da dívida), melhorar a oferta feita aos credores internacionais e cobrar a elevação das tarifas públicas das empresas privatizadas. O encontro de Rato com Kirchner foi duro e nada teve das cordialidades que os funcionários do Fundo recebem no Brasil. Tampouco o diretor-geral do FMI ouviu palavras amistosas. Néstor Kirchner resistiu em todos os pontos. E mais: pediu ao FMI o adiamento do pagamento de parte da dívida do país com a instituição. A relação do governo argentino com o Fundo segue um caminho bem diferente da receptividade que
IMPOSIÇÕES Foi a primeira visita do dirigente do FMI à Argentina. Rodrigo Rato foi escolhido presidente do Fundo, em substituição a Horst Köhler, que deixou o posto para ser eleito presidente da Alemanha por uma coligação de direita. Rato foi ministro da Economia do ex-primeiro-ministro espanhol José María Aznar, com quem o presidente estadunidense George W. Bush tinha sintonia política. A visita de Rato tinha como objetivo pressionar Kirchner a cumprir três exigências: aumentar o superávit primário (economia dos gastos pú-
o FMI encontra no Brasil. Apesar de concordar em cumprir um superávit de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), Kirchner ameaçou por diversas vezes interromper o acordo e o pagamento de dívidas ao Fundo. Além disso, fez uma dura proposta para retomar o pagamento do passivo com os credores privados, interrompido desde 2001,
MÉXICO
Greve contra reformas previdenciárias da Redação Dezenas de milhares de trabalhadores mexicanos cruzaram os braços, dia 31 de agosto, na Cidade do México, em protesto contra as reformas na assistência social anunciadas pelo presidente Vicent Fox. A paralisação é apenas o início de uma série de mobilizações que podem desembocar em uma greve nacional. Outras marchas foram realizadas pelo interior do país em solidariedade à manifestação na capital mexicana. A greve foi liderada pelos trabalhadores do Instituto Mexicano do Seguro Social (IMSS), da Universidade Autônoma do México (Unam), das empresas de telefonia e de eletrici-
DÍVIDA
que têm uma dívida impagável. Ao mesmo tempo, quando o assunto é a dívida brasileira, a postura muda radicalmente. Logo quando assumiu, a nova gestão do governo elevou, espontaneamente, o superávit primário (corte de gastos públicos) negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para 4,25%. Em 17 meses, o governo cortou R$ 119 bilhões. São recursos arrecadados por meio de impostos e outras receitas que deixaram de ser investidos para atender às necessidades da população brasileira. Esse montante é mais de três vezes superior ao orçamento do Ministério da Saúde para 2004. Todo esse esforço praticamente não reduziu a dívida brasileira, que se manteve na faixa dos 55% do Produto Interno Bruto (PIB). (JPF)
CONTRADIÇÕES VERDE-AMARELAS Dívidas perdoadas: US$ 402 milhões
Bolívia: US$ 48 milhões
Gabão: US$ 36 milhões Moçambique: US$ 315 milhões
El Salvador: está em estudo o perdão de mais US$ 259 milhões
Juros pagos pelo Brasil em dívidas com credores: R$ 119 bilhões
Mais de 30 mil trabalhadores das empresas de eletricidade também participaram do ato. Segundo Rosendo Flores, dirigente do Sindicato Mexicano de Eletricistas (SME), a mobilização tem como objetivo também desencadear um projeto de nação alternativo, que rompa com os parâmetros neoliberais. Para Daniel Avila, do sindicato dos professores, a reforma proposta por Fox vai eliminar diversos tipos de seguros, como o de invalidez, que protege trabalhadores a serviço do Estado quando sofrem acidente de trabalho. “Fox vai desmantelar o sistema de seguro social”, afirmou Avila. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
A paralisação de milhares de trabalhadores mexicanos é apenas o início das mobilizações que podem virar greve nacional
PANAMÁ
Presidenta liberta acusados de atentado Nils Castro de Cidade do Panamá (Panamá)
Cabo Verde: US$ 2,7 milhões
dade. As paralisações vão continuar em setembro. Os sindicatos organizam as mobilizações contra a proposta de Fox para alterar a lei do IMSS e sua política econômica. “O presidente está ficando isolado em suas decisões. A corrupção e o descrédito estão aumentando”, discursou Roberto Vega, dirigente do sindicato dos trabalhadores do seguro social. O atendimento de serviços básicos à população mexicana, como o serviço médico nos hospitais, não foi prejudicado. Os trabalhadores realizaram plantões e rodízios para o atendimento de urgência. O governo ameaça com demissão os trabalhadores que participarem dos protestos.
Fotos: CMI
Brasil perdoa, mas não enfrenta os credores Ao contrário do que faz nas negociações de sua própria dívida, o governo brasileiro vem adotando uma política mais progressista quando atua como credor. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdoou, até o momento, 402 milhões de dólares (R$ 1,2 bilhão) em dívidas que países pobres tinham com o Brasil. Além disso, está em estudo o perdão de mais 259 milhões de dólares (R$ 777 milhões) referentes à dívida de El Salvador. Dia 31 de agosto, Lula anunciou que o Brasil não iria cobrar 315 milhões de dólares (R$ 945 milhões) que tem a receber de Moçambique. “É nosso dever moral, político, ético, histórico e humanitário ajudar os países mais pobres, e vamos fazêlo”, discursou Lula, lembrando que há muitos países pobres no mundo
quando o país enfrentou grave crise financeira. Kirchner diz que pode pagar apenas 25% do que os credores exigem. O FMI interveio na negociação a favor dos bancos e investidores estrangeiros e quer que o governo argentino pague pelo menos 90% do que exigem os credores. Até agora, o Fundo não tem sido atendido.
O ministro da Fazenda, Roberto Lavagna, considera ainda que os compromissos do país com o FMI em 2004 são exagerados. A resposta do governo argentino às cobranças de Rato foi sugerir o adiamento de 1 milhão de dólares da dívida de 2,4 milhões de dólares programada para ser paga este ano. O diretorgeral do Fundo deverá estudar essa proposta. A possibilidade de a sugestão ser aceita é grande, pois a Argentina tem 1 milhão de dólares de vencimentos prorrogáveis. Sobre o aumento das tarifas dos serviços prestados pelas empresas privatizadas – como água, telefonia e eletricidade –, nada ficou decidido. O governo argentino havia acertado com o Fundo reajustá-las até o mês de junho. No final das contas, depois de uma visita relâmpago de apenas nove horas, Rato deixou Buenos Aires sem garantias para os credores internacionais (com agências internacionais).
A poucos dias de deixar o cargo, a então presidenta panamenha Mireya Moscovo concedeu indulto para quatro cubano-estadunidenses que estavam presos no país, acusados de planejar matar o presidente cubano Fidel Castro. Os criminosos faziam parte de uma equipe terrorista que, em 2000, entrou ilegalmente no Panamá para executar um atentado com explosivos contra Castro, durante a Cúpula Ibero-Americana, realizada naquele ano.
Cuba e Venezuela pediam a extradição dos presos para julgá-los em seus países. Mireya, porém, determinou que uma forte escolta armada acompanhasse os cubanoestadunidenses até o aeroporto da Cidade do Panamá, a capital, de onde viajaram em um jato particular para Miami, nos Estados Unidos. A decisão não foi comunicada ao presidente recém-eleito, Martín Torrijos. Quando descoberta, a ação de Mireya foi duramente criticada no exterior. Cuba rompeu relações diplomáticas com o Panamá. Em
solidariedade, o presidente Hugo Chávez determinou o regresso do embaixador venezuelano. A ex-presidenta justificou seu fato alegando que os cubano-estadunidenses corriam “risco de vida” se fossem extraditados para Cuba ou Venezuela. Torrijos condenou a decisão de Mireya e afirmou que a acusação contra os estrangeiros era “demasiadamente grave” para que recebessem indulto. O novo presidente afirmou que normalizar as relações com Cuba será uma das prioridades do seu governo. (Agência Alai, www.alainet.org)
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INTERNACIONAL CORÉIA DO SUL
Protestos para lembrar um mártir da terra Luis Hernández Navarro da Cidade do México (México)
M
ilhares de agricultores da Coréia do Sul vão “cultivar o asfalto”, dia 10 de setembro. A Liga de Camponeses Coreanos (LCC) e a Confederação Coreana de Sindicatos (CCS) vão concentrar seus filiados em Seul, a capital, e em cem vilas e povoados. Vão lembrar o primeiro aniversário da morte do camponês Lee Kyung Hae, ao mesmo tempo em que vão continuar a luta contra a liberalização das importações de arroz, condenar a Organização Mundial do Comércio (OMC) e exigir soberania alimentar. Lee Kyung Hae se suicidou durante a Quinta Reunião Ministerial da OMC, realizada há um ano em Cancún, México. Carregando um cartaz que dizia “A OMC mata camponeses”, cravou um canivete suíço no coração, em protesto contra a política de livre comércio na agricultura. Seu sacrifício não foi um ato de desespero, mas de convicção. Lee era agricultor e dirigente camponês, representante de seu congresso local e tinha formação em nível de mestrado. Lutou contra o neoliberalismo em marchas, ações diretas e greves de fome. Fazia parte da Via Campesina, movimento internacional que agrupa a maioria das organizações mais combativas de pequenos produtores rurais e de trabalhadores agrícolas e sem-terra. A Via Campesina con-
sidera Lee um mártir da causa, que ofereceu sua vida aos lavradores de todo o mundo, para manter viva a decisão de luta e a rejeição absoluta à OMC. Por isso, a organização declarou o dia 10 de setembro como Dia das Lutas Camponesas e estará presente às mobilizações em Seul com uma delegação integrada, entre outros, pelo agricultor francês Jose Bové.
Fotos: CMI
Camponeses promovem atos com a intenção de mostrar que a morte do coreano Lee Kyung Hae não foi em vão
SUICÍDIO COMO PROTESTO O suicídio é uma forma de protesto tradicional na Coréia do Sul. A novidade da morte de Lee é que pela primeira vez essa forma de protesto foi utilizada contra a OMC e também pela primeira vez ocorreu fora da Coréia do Sul. A auto-imolação é escolhida pelos que sentem que nenhum outro tipo de luta é eficaz. Funciona como um apelo aos integrantes ou aos simpatizantes de um movimento. É uma tentativa de conscientização, de envolver os companheiros na luta e de chamar dramaticamente a atenção da opinião pública sobre as condições de vida e de trabalho dos mais carentes. Em geral, leva o governo a mudar sua política. Em fevereiro de 1997, um trabalhador de 40 anos dos estaleiros da Daewoo, filiado ao sindicato, ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra uma lei que facilitava as demissões. No bilhete de suicídio, escreveu: “Se milhões de trabalhadores seguirem as instruções da Confederação Coreana de Sindicatos, o
Lee Kyung Hae (no alto à esquerda) no protesto contra a OMC, no México; sul-coreanos celebram o Dia das Lutas Camponesas
projeto sobre as demissões pode ser bloqueado. Entretanto, se a reforma da lei trabalhista for aprovada, é preciso imaginar quão grande será o grau com que os capitalistas vão prejudicar os trabalhadores”. A auto-imolação tem sido utilizada como instrumento de resistência na Coréia do Sul há milhares de anos. Multidões de estudantes sacrificaram a vida em 1905 para enfrentar o imperialismo japonês. Só no ano passado, oito sindicalistas se suicidaram em protestos. Trabalhadores imigrantes ameaçados de deportação também puseram fim à vida. Diversos analistas interpretam essa onda de suicídios como expressão de um forte conflito de classes,
semelhante ao que ocorreu nos países desenvolvidos durante a Grande Depressão da década de 30.
LUTA PELA DEMOCRACIA Com freqüência, o suicídio rendeu frutos no terreno organizativo. Em 13 de novembro de 1970, o líder operário Chun Tae-il se suicidou com fogo. Durante uma manifestação de trabalhadores do ramo da confecção, ele primeiro queimou um exemplar das leis trabalhistas do país, embebeu sua roupa em petróleo e se ateou fogo, enquanto gritava: “Obedeçam as leis do trabalho” e “Não somos máquinas”. Seu sacrifício desencadeou a reorganização de uma força operária
democrática num país autoritário. Também alimentou e inspirou um dos movimentos sindicais mais combativos e mais persistentes, que cresceu e perseverou, apesar de ter sofrido forte repressão. A morte de Chun é lembrada a cada ano com manifestações de massas, no protesto mais importante do país depois do 1º de Maio. O arroz é o alimento básico na Coréia do Sul. Não se trata apenas da produção de uma mercadoria, mas de toda uma cultura. Em 1994, a OMC outorgou ao país um período de graça de dez anos, em que seriam mantidas as taxas sobre as importações do cereal. Esse prazo termina agora no final de 2004. A liberação da importação de arroz sem taxas deverá provocar a quebra de milhões de camponeses e a perda de um modo de vida. O governo sul-coreano está inclinado a desonerar a importação de arroz em troca de que sua produção de telefones celulares e produtos eletrônicos tenha livre acesso aos mercados de outras nações. Os camponeses do país estão decididos a impedir sua extinção como classe. Para isso, e para demonstrar que a morte de seu companheiro Lee não foi inútil, vão realizar dias 10, 11 e 12, intensas jornadas de lutas. O espírito de resistência de Cancún, o mesmo que anima os jovens torturados pela Polícia do Estado mexicano de Guadalajara, se transportará para Seul. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
PALESTINA
da Redação Aisha Al-Zibn, de 55 anos, morreu em Nablus, na Cisjordânia, após ter permanecido 12 dias em jejum, em solidariedade aos presos palestinos em greve de fome. Aisha era mãe de Ammar al-Zeben, detento de uma prisão israelense, e morreu de um infarto no coração por causa da inanição provocada pelo jejum, informaram fontes médicas, dia 30 de agosto. Os médicos de Nablus acrescentaram que a mulher não foi capaz de resistir aos distúrbios causados pelos 12 dias sem comer, e que se negou a escutar os médicos, insistindo em continuar a greve de fome em apoio a seu filho. Ammar al-Zeben, que cumpre pena de 27 prisões perpétuas, é integrante das Brigadas de Izadin al-Kasam, braço armado do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas). Aisha já havia perdido outro filho, Bashaar, que foi assassinado pelas forças de
France Presse
Mãe de preso palestino morre em greve de fome
Palestinos detentos em prisões israelenses e familiares reivindicam melhores condições sanitárias e o fim das visitas íntimas
ocupação israelense. Cerca de 2.600 presos palestinos continuam a greve de fome iniciada dia 15 de agosto nas prisões
israelenses para protestar pelas condições carcerárias. Dia 31 de agosto, cerca de 800 prisioneiros palestinos da prisão
israelense de Ashkelon voltaram à greve de fome que haviam suspendido dia 27 de agosto. A interrupção ocorreu porque as autoridades
carcerárias de Ashkelon aceitaram algumas das condições de tratamento solicitadas pelos presos. No entanto, diante da continuidade do tratamento e de nenhuma modificação nas regras, eles resolveram voltar ao jejum. Isa Qaraqi, chefe do Clube de Prisioneiros Palestinos, disse que “Israel precisa sentar com os prisioneiros e negociar com eles as reivindicações. A continuação da greve é muito perigosa. Talvez aconteçam situações fatais nas prisões e isso se tornaria uma grande catástrofe”. Aproximadamente 2,8 mil prisioneiros, de um total de 4 mil vistos pelos palestinos como símbolo de resistência contra a ocupação israelense, estão se recusando a comer para que Israel lhes conceda alguns direitos elementares, como melhores condições sanitárias, mais visitas familiares, telefones públicos e o fim das revistas íntimas em presos e familiares. (Com agências internacionais)
Israel não quer diálogo Miren Gutiérrez de Jerusalém (Palestina-Israel) Yasser Abed Rabbo é um dos integrantes do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e co-autor do Acordo de Genebra, um plano negociado, não oficial, para a obtenção de uma paz permanente entre israelenses e palestinos. Segundo esse plano, em troca da paz com Israel, os palestinos ganhariam um Estado não militarizado e a soberania sobre o Monte do Templo (com acesso para os judeus a esse local sagrado), enquanto Israel manteria alguns assentamentos na Cisjordânia, incluindo muitas das novas comunidades judias instaladas na parte árabe de Jerusalém. Brasil de Fato – O que o senhor pensa sobre o plano do primeiro-
ministro israelense, Ariel Sharon, que prevê a retirada de Gaza? Yasser Abed Rabbo – Toda retirada dos territórios ocupados é positiva. Entretanto, o plano de Sharon para uma retirada unilateral de Gaza está concebido com uma série de elementos destrutivos. Na falta de uma verdadeira negociação entre Israel e a eleita direção da Palestina, uma retirada unilateral continua sendo uma ferramenta para Sharon poder perpetuar a ocupação israelense na Cisjordânia, pois ele deixou bem claro no passado que esse plano não envolve nenhuma direção palestina. BF – O endurecimento do governo de Sharon, com a execução de ataques aéreos e incursões terrestres, seguidas por ondas de ataques suicidas, não serve muito para pacificar a região,
mas o que dizer do desengano ou fracasso da Autoridade Nacional Palestina (ANP) em deter o terrorismo? Rabbo – Há uma impressão equivocada em muitos países de que a ANP nada fez para deter os ataques contra Israel. Isso é totalmente injusto. Quando prevalece a paz entre as duas partes e elas parecem estar conseguindo algum tipo de progresso, o papel da ANP na mobilização de seu povo contra os grupos belicosos fica mais fácil. O contrário também é certo. Quando as pessoas não vêem nenhuma esperança no horizonte e estão sujeitas quase diariamente a ataques, incursões, assassinatos, demolições de casas, confiscos de terras e à construção do Muro da Separação, então elas se voltam ao círculo vicioso da violência e da vingança. Nos últimos quatro
anos, os aparatos de segurança da ANP e sua infra-estrutura foram alvo sistemático do Exército israelense. Atualmente, Israel se comporta como alguém que mata o mensageiro apenas para afirmar que não há mensagem. Apesar disso, ainda acreditamos que a lei e a ordem têm um interesse primário e principal para os palestinos e, por isso, estamos tentando, com nossos limitados recursos, conseguir de novo a tranqüilidade e a estabilidade. BF – Qual sua opinião sobre as eleições presidenciais nos Estados Unidos? Rabbo – Existe uma idéia amplamente equivocada entre muitas pessoas para as quais mudar o presidente dos Estados Unidos significa automaticamente uma mudança na posição estaduni-
dense em relação ao Oriente Médio. Pensamos que o fluxo de acontecimentos dita as políticas que Washington adota para o Oriente Médio, enquanto mantém sua postura estratégica no conjunto. Sem importar quem vencerá as eleições, o presidente George W. Bush colocou as bases para qualquer futuro governo estadunidense ao enfatizar em sua visão sobre uma solução com dois Estados, o israelense e o palestino, pela instrumentação do Mapa da Paz. Esperamos que, seja quem for o vencedor das próximas eleições, siga essa perspectiva de futuro e a converta em uma meta estratégica do governo dos Estados Unidos. Essa visão é muito mais importante do que tomar partido a favor ou contra o governo de Sharon. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Mark Thatcher é preso por financiar golpe Filho da ex-primeira-ministra inglesa é acusado de tramar golpe de Estado contra Guiné Equatorial
O
barão inglês Mark Thatcher foi preso no dia 25 de agosto na Cidade do Cabo (extremo sul da África do Sul), sob a acusação de ajudar financeiramente uma tentativa de golpe contra o presidente da Guiné Equatorial, pequeno país da África do Oeste. Depois de nove horas preso em dependências da Polícia Escorpião – o equivalente à Polícia Federal do Brasil – ele foi finalmente solto sob fiança de 165 mil pounds (cerca de R$ 870 mil), e acusado formalmente de infringir dois artigos da lei que regula os assuntos militares do país. É proibido por lei, a qualquer residente sul-africano, o envolvimento em atividades com fins militares.
Neste momento, Mark Thatcher tem que ter passaporte e bilhete de viagem prontos – para o caso de uma possível extradição –, prestar relatório diário à Polícia Escorpião e não pode se ausentar da península do Cabo até o dia 25 de novembro, quando o caso irá a julgamento. A tentativa de golpe começou a fracassar quando, no dia 8 de março, um Boeing 727 e seus 70 passageiros foram presos em Harare, capital do Zimbábue. Os suspeitos tentavam comprar armamentos, alegando que a finalidade era proteger minas no Congo. Segundo investigações, o Boeing 727 pertence à empresa Logo Ltda., que é propriedade do líder do complô, Simon Mann. Para a imprensa britânica, Mann e Thatcher têm ligações sérias e perigosas.
Vermelho.org
Kinha Costa de Durban (África do Sul)
A finalidade do golpe seria destituir o presidente Teodoro Obiang e colocar em seu lugar Severo Moto, que se encontra Mark Thatcher exilado na Espanha. Moto é alinhado com os interesses de exploração intensiva das reservas de petróleo e diamantes da Guiné Equatorial. O empresário sul-africano Nick du Toit, dono de negócios na área de transporte militar em Malabo, capital da Guiné Equatorial, enfrenta neste momento julgamento no país e pode ganhar a pena máxima. Nick du Toit afirmou em seu depoimento que foi apresentado a Mark Thatcher em julho de 2003 e que conversaram sobre preço e
venda de helicópteros. Afirmou ainda que o conheceu por meio de Simon Mann. Sem profissão definida, Mark Thatcher fracassou três vezes nos exames para o curso de contabilidade. Por isso passou muitos anos experimentando profissões. O emprego como intermediário de estoque levou-o à África do Sul. Antes foi consultor de economia em Hong Kong e vendedor de jóias nos Estados Unidos. Em 1977, criou uma escuderia de carros de corrida, da qual era o motorista principal, o que o transformou numa figura patética na Inglaterra. Em 1982, participou do rali Paris-Dakar e se perdeu no deserto do Saara, o que levou sua mãe, a então primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, às lágrimas em
público. A famosa Dama de Ferro, que governou a Inglaterra por 11 anos com a frieza do negro metal, mostrou-se vulnerável quando o assunto era seu próprio filho. Mark Thatcher mudou-se do Texas para a África do Sul em 1995, quando seu casamento com a multimilionária Diana Burgdorf passava por uma crise de instabilidade. A mansão do barão inglês no bairro de Constância, na Cidade do Cabo, vale mais de 4 milhões de dólares e tem como vizinho Earl Spencer, o irmão da princesa Diana. Mark Thatcher, nos seus 51 anos, já foi acusado de diversos crimes de colarinho branco. Escapou de todos. A grande questão neste momento é: será que ele vai mais uma vez driblar a Justiça e voltar para a sua boa vida na Cidade o Cabo?
Crianças de Gana, país da África Ocidental que serviu como porto de embarque de escravos levados para a América entre os séculos 15 e 19
Galeria MVC
Quatro séculos de escravidão, seguidos de anos de colonização, uma fase de independência controlada e um período de ajuste feroz levaram a África à prostração em que se encontra. A Europa e os Estados Unidos têm ali uma dívida superior àquela de que reclamam os países subdesenvolvidos, uma dívida que deve e pode ser reparada. Os argumentos contra as indenizações à África baseiam-se em detalhes. Como podem contabilizar e pagar os milhões e milhões de vidas destruídas durante séculos? O problema estará resolvido quando se chegar a um acordo e ao pagamento de uma quantia? Pode haver uma compensação adequada para séculos de escravidão, colonização e destruição? Podemos considerar um grupo de pessoas responsáveis pelos atos de seus antepassados? Onde se encaixaria a exploração atual? Uma forma de resolver o assunto é deixar de pensar no que seria uma compensação adequada pela escravidão. O crime é grande demais, foi cometido por gente demais, ao longo de um tempo demasiado,
com tantos perpetradores e vítimas mortas que uma restituição, no sentido de castigar os perpetradores fazendo-os pagar uma compensação às vítimas, é impossível. Além do mais, imaginemos que se consiga um acordo e se pague uma quantia, efetuando-se para isso uma transferência direta de governos ocidentais para países africanos. Por acaso veriam esse dinheiro as pessoas que mais necessitam dele? O dinheiro seria utilizado para enfrentar os problemas sérios que afetam a África? Ou será que toda a operação seria usada para fazer “relações públicas”, com as quais o Ocidente limparia sua consciência sem ter que resolver os problemas que criou? Sem mudanças estruturais nas relações de poder entre a África e o Ocidente, os ganhos reais das indenizações seriam devorados rapidamente. Por outro lado, as indenizações poderiam ocorrer sob a forma de uma “reforma reformista” – apoiada na lógica do sistema atual, com uma transferência rápida de recursos que voltariam mais rapidamente da África para o Ocidente – ou sob a forma de uma “reforma não reformista”, contrária à lógica do sistema atual e que mobilize o
mundo no sentido de mais igualdade e solidariedade. Um caminho para um programa de indenização “não reformista” pode ser traçado focando-se no dano causado à sociedade africana – pela escravidão, o colonialismo, as intervenções militares e os programas de ajuste estrutural – e na forma de reparar esse dano. A pergunta “O que cabe à África?” passaria a ser: “O que é necessário fazer para colocar a África em igualdade de condições com o resto do mundo, com todas as melhorias em qualidade de vida, infra-estrutura, tecnologia e ecologia que isso implica? Com relação à pergunta sobre qual seria a origem desses fundos, a resposta é que há dinheiro suficiente nos níveis superiores, ou seja, que os recursos seriam transferidos das instituições que atualmente continuam saqueando a África: empresas, governos, e instituições militares. O dano causado pela Europa (e pelos Estados Unidos) à África ocorreu em quatro fases. A primeira foi o período de escravidão, de 1450 a 1850. A segunda foi o período de colonização, de 1850 a 1960. A terceira foi a independência precoce, de 1960 a 1980. A quarta foi o período de ajuste estrutural, de 1980 até hoje.
DESPOVOAMENTO
Nativo de Ruanda e seus filhos, um deles usando camisa com letreiro de Harvard, universidade estadunidense
No livro “The African Slave” (O Escravo Africano), Basil Davidson sintetiza assim o dano infligido pelo vínculo da escravidão, que dominou o contato entre a Europa e a África entre 1450 e 1850, intensificado entre 1650 e 1850: Despovoamento: Davidson considera que o impacto direto do despovoamento da África foi menos
Big Foto.com
Justin Podur de Toronto (Canadá)
Galeria MVC
Europa e EUA devem indenizar África por escravidão
devastador que o impacto social, econômico e político. Claro que isso não é nenhum consolo para os milhões de seres humanos cujas vidas foram destruídas pelo comércio de pessoas. O número estimado de indivíduos levados da África é de 12 milhões, além de 2 milhões que morreram na travessia e 7 milhões mortos antes do embarque, perfazendo um total de aproximadamente 21 milhões entre 1650 e 1850. Foi uma perda devastadora, e há evidências de que o despovoamento teve um impacto duradouro. Em regiões onde as pessoas não tinham capacidade de se defender do tráfico de escravos, há densidades populacionais mais baixas ainda do que nos lugares onde as pessoas conseguiam se defender. Impactos econômicos: A escravidão produziu danos decisivos no desenvolvimento econômico e tecnológico da África. Segundo palavras de Davidson, “o produto de exportação era a monocultura de seres humanos”. Foram levadas as
pessoas que tinham contribuído com seu trabalho em prol da África e que tinham desenvolvido habilidades, tecnologias e indústrias locais. Nem ao menos foi dada a elas a possibilidade de enviar coisas para a África, ao contrário do que ocorre quando da migração de trabalhadores. Impactos sociopolíticos: O tráfico de escravos fortaleceu os elementos mais conservadores da sociedade africana, permitindo-lhes negociar gente em troca de armas destruidoras, para produzir ainda mais escravidão. Talvez a África tivesse podido recuperar-se dessa prolongada e destrutiva relação se posteriormente a ela tivesse surgido uma nova relação de igualdade, com avanços tecnológicos e uma expansão da liberdade econômica. Mas a escravidão ajudou a preparar o terreno para o colonialismo, na forma de estruturas sociais e sociedades devastadas. (A íntegra deste texto em espanhol está na página da internet da Argenpress, www.argenpress.info)
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DEBATE COMÉRCIO INTERNACIONAL
Dividir para reinar Walden Bello e Aileen Kwa documento Marco de Julho da Organização Mundial do Comércio (OMC) é um grande triunfo para as superpotências comerciais, especialmente para os Estados Unidos. Quanto ao mundo em desenvolvimento, a maioria dos países saiu perdendo, apesar de alguns assegurarem que ganharam, entre eles o Brasil e a Índia. Ambos tiveram papel de liderança na redação do texto agrícola e são os líderes reconhecidos do G-20 e dois dos países dos Fips – Five Interested Parties, sigla em inglês para a aliança dos Cinco Parceiros Importantes, composta também por Austrália, Estados Unidos e União Européia. É necessário prestar atenção à dinâmica dessas negociações, já que foram diferentes das tradicionais relações comerciais NorteSul e talvez estabeleçam novas diretrizes para o futuro. Institucionalmente, uma das inovações é que o Conselho Geral tornou-se de fato a instituição suprema na tomada de decisões da OMC. O que a reunião de julho produziu, na realidade, foi uma declaração ministerial sem uma reunião ministerial. Dois fracassos ministeriais (Seattle e Cancún) colocaram em evidência ao secretariado da OMC e às superpotências comerciais a inconveniência da ministerial como foro de tomada de decisões. As reuniões geraram protestos populares e das ONGs. Atraíram ministros, muitos dos quais não eram negociadores profissionais, mas políticos decididos a lutar pelos interesses de seus países. Apenas cerca de 40 ministros do Comércio compareceram a Genebra para a reunião do Conselho Geral de julho, com a ausência de países que tiveram papel-chave na reunião ministerial de Cancún, como Quênia e Nigéria. Obviamente, sem mais de 100 ministros dos países membros da OMC, um grande número de países não percebeu a importância da reunião. Quanto à sociedade civil mundial, que teve papel decisivo em Cancún, foi complacente em sua maioria. Falhou em não perceber a rapidez com que as potências comerciais podem se levantar de seu estado de confusão.
O
A DISPUTA COM O G-20
Cancún marcou o surgimento do G-20 como um jogador chave nas negociações comerciais. Os EUA, porém, não conseguiram digerir a nova situação imediatamente. À saída do encontro de Cancún, o secretário estadunidense de Comércio, Robert Zoellick, mostrou um enfoque nas negociações comerciais mais agressivo e unilateral quando disse que os Estados Unidos insistiriam no fechamento de acordos bilaterais, insinuando que fariam menos esforço nas negociações dentro da OMC. Washington também lançou um ataque direto ao G-20 ao separar, com sucesso, El Salvador, a Colômbia, o Peru, a Costa Rica e a Guatemala do bloco em algumas semanas. Os outros países em desenvolvimento viram o G-20 como um fenômeno positivo. Porém, houve apreensão pelo fato de os membros mais influentes de G-20 serem agroexportadores, como o Brasil. Outro motivo de preocupação era que o principal objetivo do grupo era acabar com os sistemas de enormes subsídios da UE e dos EUA e derrubar as barreiras contra o acesso aos mercados destes prósperos países. Muitos países, inclusive a Indonésia, temiam que os governos do G-20 estivessem menos interessados em proteger os mercados dos
países em desenvolvimento e a agricultura de porte pequeno. Portanto, o G-33 continuou a fazer propostas sobre a proteção de “produtos especiais” e “mecanismos de salvaguarda especiais.” Outros países acharam que a concentração do G-20 na agricultura era uma estratégia inadequada para defender os interesses dos países em desenvolvimento. Isto levou à criação do G-90 (formado pelo Grupo África, o ACP – Países da África, do Caribe e do Pacífico – e os Países Menos Desenvolvidos), que se juntaram para impedir que os novos temas de Cingapura, como investimento e facilitação comercial, não entrassem na jurisdição da OMC. O G-20 deu um impulso ao grupo dos países em desenvolvimento. Muitos governos foram inspirados pela promessa feita em Cancún, pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, de que o objetivo do G-20 era aproximar mais (o sistema de comércio mundial) às necessidades e aspirações daqueles que estão às suas margens – de fato, a grande maioria que não teve ainda a chance de colher o fruto de seu trabalho. Mas a dupla estratégia de Washington – procurar acordos bilaterais e destruir o G-20 – estava indo por água abaixo, até a primavera de 2004. A Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não conseguiu se materializar na ministerial de Miami, em novembro. Os Estados Unidos perceberam também que os acordos bilaterais poderiam complementar, mas não substituir um marco de livre comércio abrangente e multilateral para promover os interesses comerciais das empresas. Enquanto isso, o G-20, apesar das deserções iniciais, mantinha-se firme. TROCA DE MARCHAS
Para reiniciar a OMC, Washington trabalhou em conjunto com Bruxelas e mudou de estratégia. Em vez de tentar destruir o G-20, fizeram dos líderes, o Brasil e a Índia, parceiros-chave das negociações sobre agricultura – a principal barreira para qualquer avanço à liberalização. Assim, formou-se em abril o grupo informal chamado os Cinco Parceiros Importantes (FIPs), composto por EUA, UE, Austrália, Brasil e Índia. Foi assim que, consultando de perto este grupo, o chefe do Comitê de Agricultura da OMC, Tim Groser, produziu o texto agrícola proposto na reunião de julho. Na primavera, Robert Zoellick começou também a visitar alguns países em desenvolvimento estrategicamente importantes. Em vez de recusar os convites à reunião do G-90, em Maurício, em meados de julho, a UE e os EUA enviaram delegados de alto nível, entre eles Zoellick. Lá, a linguagem de confrontação foi substituída por esforços retóricos para fazer com que os países em desenvolvimento não só chegassem a um acordo na agricultura, mas evoluíssem nas negociações sobre a redução das tarifas não-agrícolas, a facilitação comercial e abertura do setor de serviços. Mas, talvez, a mensagem mais clara ouvida pelos países em desenvolvimento por parte das superpotências comerciais foi que essa era a última
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oportunidade para pôr em funcionamento o sistema multilateral – uma insinuação de que tais nações seriam as culpadas se o diálogo no Conselho Geral, no final de julho, fracassasse. O impulso dos EUA e da UE para reiniciar a OMC foi bem-sucedido. As superpotências foram as principais ganhadoras do acordo para reduzir tarifas nãoagrícolas, com as taxas das tarifas mais altas sofrendo os maiores cortes. Zoellick voltou para os EUA comemorando que o acordo era uma grande vitória para as empresas estadunidenses, já que iniciava um processo que reduziria as tarifas dos produtos industriais e das manufaturas a zero. Ambos, a UE e os EUA, tiveram outra vitória ao fazer os países em desenvolvimento aceitar a começar as discussões sobre facilitação comercial – um dos “novos temas” que os países em desenvolvimento rejeitaram em Cancún. Mas foram os EUA que saíram campeões, conseguindo além de tudo, uma “Caixa Azul” ampliada na qual poderão proteger porção significativa dos subsídios paras seus agricultores prevista na Lei Agrícola Estadunidense de 2002. Parte do sucesso de Washington reside na astuta estratégia de negociação. Para conseguir sua nova Caixa Azul ampliada, por exemplo, Washington distraiu a atenção dos países em desenvolvimento, exigindo que estes reduzissem a taxa permitida de subsídios de produção. Na defensiva, esses países gastaram muita energia justificando seus subsídios e ficaram aliviados quando os EUA recuaram para chegar a um acordo no assunto. Em troca, aceitaram a ampliação da Caixa Azul. BRASIL E ÍNDIA
Mas a chave da estratégia ganhadora dos EUA foi convidar o Brasil e a Índia a fazer parte do grupo central das negociações e aceitar os principais pedidos deles para separá-los do resto dos países em desenvolvimento. Segundo um negociador de uma dessas nações, a Índia tinha como objetivo principal na reunião do Conselho Geral proteger suas tarifas. Não insistiria na eliminação dos subsídios agrícolas para não colocar em risco o apoio da UE na sua posição sobre as tarifas. A posição do governo indiano foi frustrada por sua aliança informal
com a UE a respeito do assunto das tarifas após a reunião ministerial de Doha, antes de a UE abandonar os indianos para se alinhar com os EUA no período que levou a Cancún. Ambos, a UE e a Índia, estavam satisfeitos com o enfoque da Rodada Uruguai sobre a redução de tarifas já que eles estimavam que o nível das tarifas fosse suficientemente alto para suportar outra rodada com esse tipo de reduções. Por outro lado, a preocupação do Brasil era eliminar os subsídios agrícolas – e isso foi obtido. O texto final assegurava a gradativa desaparição dos subsídios à exportação e também de algumas categorias de créditos à exportação. O grande ganhador com a eliminação gradativa de subsídios deverá ser o Brasil, com ganhos estimados de uns 10 bilhões de dólares. Porém, os ganhos do Brasil não são certos a não ser que sejam assegurados pelas modalidades das negociações. Um prazo específico de finalização para a eliminação dos subsídios à exportação só será anexado na próxima fase de discussões. Há, ainda, expedientes para driblar esse compromisso. A UE costuma substituir os subsídios à exportação com subsídios indiretos, por meio de pagamentos a agricultores sob a Caixa Verde. Esta também é a intenção da atual reforma da Política Agrícola Comum (CAP). Além disso, os parâmetros das negociações deixam sem modificações a Caixa Verde, que engloba até 70% dos subsídios dos EUA. Até os analistas mais otimistas não podem dizer se os níveis finais de subsídios dos dois gigantes agrícolas serão reduzidos. De fato, é possível que os níveis de subsídio sejam mantidos – ou até mesmo elevados. Apesar disso, por enquanto, o agronegócio brasileiro está muito contente. Foi a pressão desse setor que supostamente obrigou Celso Amorim a privilegiar o assunto do subsídio em detrimento de uma forte defesa dos interesses em outras áreas dos países em desenvolvimento. Sem ganhar nada nas negociações fracassadas da Alca nem nas negociações UE-Mercosul, o agronegócio estava ávido por um acordo na OMC que gerasse aumento nas exportações para a UE e os EUA. OS PERDEDORES
A posição da Índia e do Brasil de privilegiar seus interesses específicos na reunião do Conselho Geral prejudicou: – a maioria dos países em desenvolvimento, já que seus mercados continuarão a ser invadidos por produtos subsidiados dos EUA e da UE. Todo o Sul perdeu a oportunidade de corrigir as distorções no comércio agrícola legitimadas na Rodada Uruguai; – os países africanos produtores de algodão que fracassaram no objetivo de colocar as negociações dos subsídios ao algodão estadunidense em uma “trilha rápida”, independente das negociações agrícolas, e não conseguiram um compromisso de que os subsídios ao algodão seriam eliminados; – o G-33, que ficou somente com
nada mais do que um vago compromisso de que seu pedido de “Produtos Especiais” e o “Mecanismo de Salvaguarda Especial” e, especialmente, a cobertura dos produtos sob esse mecanismo seria assunto de negociações; – a maioria dos países em desenvolvimento, que legitimamente havia se rejeitado a proposta de acesso ao mercado de produtos não-agrícolas por ser uma receita para sua desindustrialização. Os EUA marcaram uma grande vitória nesse ponto, já que o texto aceito é uma agenda detalhada para a liberalização radical aguardada há muito tempo pelas empresas transnacionais. “Este é um grande sucesso e uma grande vitória para a OMC para os EUA e para a economia mundial”, resumiu a Associação Nacional de Fabricantes Estadunidenses. – a maioria dos países em desenvolvimento, que agora aceitou acelerar as discussões sobre abertura do setor de serviços. DILEMA
Não é que a Índia e o Brasil ficaram insensíveis aos pedidos dos outros países em desenvolvimento. De fato, eles consultaram os diferentes grupos de países em desenvolvimento. O que ocorreu foi que, ao se tornarem peçaschave na elaboração dos parâmetros propostos, ficaram em uma encruzilhada. E quanto mais os interesses da reunião começaram a divergir da estratégia de promover os interesses da maioria dos países em desenvolvimento, mais forte eles anunciavam que o documento da reunião do Conselho Geral era uma vitória para o Sul. É tamanho o prestígio da Índia e do Brasil entre outros países no Sul que, até hoje, muitos deles não se deram conta de como perderam em Genebra. As superpotências comerciais aprenderam da debacle em Cancún. A mudança de uma estratégia de confrontação para uma a cooptação – o sutil “divide e vencerás” – foi capaz de quebrar a superficial “unidade do Terceiro Mundo”, que surgiu em Cancún. A peça principal da estratégia foi atrair os líderes do G-20, a Índia e o Brasil, para o centro das negociações e jogar com seus interesses específicos. Os dois caíram na cilada. Além disso, ao se tornarem peças centrais como membros do exclusivo grupo Cinco Parceiros Importantes (Fips), restringiram sua capacidade de rejeitar grandes partes do texto ao qual tinham sido consultados anteriormente. Durante e depois de Cancún, o G-20 foi visto em alguns círculos como representante da principal mudança de poder na ordem de comércio mundial. Alguns até consideraram o G-20 como o dínamo para uma “Nova Ordem Econômica Internacional.” A realidade é que o G-20, e especialmente o Brasil e a Índia, passaram a pertencer ao grupo de potências comerciais mundiais-chave, mas fica cada vez mais claro que o preço tem sido o enfraquecimento do poder de negociação do Sul. Mais do que nunca, o Sul precisa de uma liderança que tenha vontade de correr riscos por todos e evitar cair na tentação de aceitar um acordo em troca de pequenos – e talvez ilusórios – ganhos individuais. Muitos tinham esperado que os líderes do G-20 tivessem este papel. No primeiro encontro pós-Cancún, estes últimos não conseguiram cumprir com as expectativas. Walden Bello e Aileen Kwa, diretor executivo e pesquisadora membro, respectivamente, do Bangkok-based Focus on the
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA MATO GROSSO DO SUL
CONGRESSO - INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: DIREITO, CIDADANIA E INCLUSÃO SOCIAL 27 a 29 O congresso será realizado em comemoração aos 10 anos do Centro de Referência de Estudos da Infância e da Adolescência (Creia), um grupo de pesquisa sobre infância e adolescência vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O congresso é voltado a acadêmicos, profissionais que atendem crianças e adolescentes, professores, pesquisadores e estudantes. Nos três dias de programação, haverá mesas-redondas, oficinas e minicursos. Alguns dos temas abordados serão “Direitos da criança e do adolescente: cidadania em construção”, “Universidade e produção do conhecimento: quando o tema é a criança/adolescente em situação de risco” e “Marginalidade social, ideologia e ações públicas”. As inscrições podem ser feitas pela internet. Local: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Corumbá, Av. Rio Branco, 1270, Corumbá Mais informações: (67) 234- 6850, 234- 6862, creia@ceuc.ufms.br, http:// creia.homedns.org
NACIONAL 11º FESTIVAL DO MINUTO Estão abertas as inscrições para o Festival do Minuto, que acontece desde 1991. Seguindo a tradição, os participantes têm até 60 segundos para sintetizar um determinado assunto num filme. A novidade deste ano é a possibilidade de se fazer o filme como tema escolhido pelo festival, “A mínima diferença”, ou optar por um tema livre. Os realizadores podem enviar trabalhos feitos em qualquer tipo de equipamento que produza imagens em movimento: câmeras de vídeo, câmeras de foto digital (seqüências de fotos) ou até mesmo animações em formato flash. O regulamento está na página da internet do festival, que também aceita inscrições, até 30 de outubro. O festival acontecerá a partir de 6 de dezembro.
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SÃO PAULO NA TERRA DE MACUNAÍMA Até 17 de outubro Promovida pelo Sesc Araraquara, a exposição pretende revelar o universo de um dos maiores livros da literatura brasileira, de autoria de Mario de Andrade: Macunaíma. Serão expostos documentos, fotos e manuscritos que compõem a gênese da obra. A exposição foi montada em meio a um cenário cuidadosamente elaborado para recriar o ambiente em que foi gerado o “herói sem nenhum caráter”, mostrar a relação de Mário com a família e a cidade. Os curadores do evento são os jornalistas Audálio Dantas e Fernando Granato. O projeto foi desenvolvido com o apoio do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEBUSP), com consultoria da professora Telê Ancona Lopez, coordenadora do Arquivo Mário de Andrade do IEB. A programação ainda contará com palestras, mostra de cinema, encenações teatrais e espetáculos de música. Local: Sesc Araraquara, R. Castro Alves, 1315, Quitandinha, Araraquara Mais informações: (16) 3301-7500
Local: R. Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2282-1292
Crise social de extrema gravidade Desde os anos 70 trabalhando como jornalista econômico de grandes jornais do país, o economista e professor José Carlos de Assis define a política de pleno emprego como uma política de desenvolvimento acelerado, cujo alvo central é acabar com o alto desemprego, o subemprego e a marginalização social. Ele classifica esses aspectos como definidores de uma crise social de extrema gravidade, sem precedentes em nossa história contemporânea. Economista de oposição à atual política econômica, que define como herdada do governo FHC e aprofundada, Assis escreveu esse livro pensando em pessoas comuns que, segundo ele, têm todo o direito de saber como vem funcionando a política econômica brasileira, e quais são as alternativas à recessão prolongada, à degeneração social e ao alto desemprego. A apresentação da obra é assinada pelo senador Marcelo Crivella, que partilha com o autor a convicção de que a atual política econômica do Brasil tem que mudar. Para ele, esse é um livro sobretudo crítico, pois busca definir as relações de interesses reais por trás das ideologias retró-
Mais informações: www.festivaldominuto.com.br.
RIO DE JANEIRO DEBATE - PAZ E JUSTIÇA SOCIAL Dia 13, às 13h O debate contará com a presença da senadora Heloisa Helena (PSOL) e do professor Leandro Konder, do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Local: Auditório Anchieta, PUCRJ, R. Marquês de São Vicente, 225, Gávea, Rio de Janeiro Mais informações: www.puc-rio.br QUINTA ÀS CINCO: PALESTRAS PARA ESTUDANTES 16 de setembro a 27 de janeiro A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) oferece um ciclo de palestras destinado a alunos de Comunicação Social. Sempre às quintas-feiras, às 17h, as palestras contarão com profissionais de diferentes áreas. A iniciativa, que prevê palestras sobre o Brasil de hoje, faz parte do Projeto ABI Educar, coordenado por Vitor Iório e concebido para atuar junto a jornalistas e estudantes de Comunicação em três áreas: a complementação acadêmica, a complementação profissional e o enriquecimento
RIO GRANDE DO SUL Divulgação
EXPOSIÇÃO LUZ DAS CARVOARIAS 20 de setembro a 10 de dezembro A exposição de fotografia do projeto Luz das Carvoarias, com a participação das crianças do programa Direito de Crescer, busca desenvolver o senso artístico de meninos e meninas por meio de oficinas ministradas pela fotógrafa Vânia Jucá. O projeto, realizado com o apoio do Fundo de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul e do programa Direito de Crescer, foi coordenado pela Girassolidário. O trabalho consiste em divulgar o olhar dessas crianças sobre as questões sociais onde estão inseridas. As exposições itinerantes serão acompanhadas por palestras sobre trabalho infantil. Ribas do Rio Pardo já foi conhecida como a “capital do carvão” por explorar a mão-de-obra infantil. A imprensa e organizações não-governamentais denunciaram o problema, o que resultou numa fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho, diminuindo a presença de crianças nas carvoarias. O objetivo principal do programa Direito de Crescer é erradicar o trabalho infantil no município e despertar nas crianças suas potencialidades e valores. Locais: 20 a 24 – Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, R. Ceará, 333; 4 a 8 de outubro – Delegacia Regional do Trabalho, R.13 de Maio, 3214, Centro; 11 a 15 de outubro – Centro Cultural José Otávio Guizzo, R. 26 de Agosto, 453; 22 de novembro a 10 de dezembro - Museu de Imagem e Som, R. Barão do Rio Branco, 1843, Campo Grande Mais informações: (67) 3025-2627, girassolidário@girassolidario.org.br, www.girassolidario.org.br
gradas dominantes, enfeixadas no neoliberalismo, além de indicar os pontos básicos da proposta de uma política econômica de promoção do pleno emprego para nosso país. CONFIRA Pleno Emprego, para acabar com o desemprego no Brasil José Carlos de Assis Editora Universal 368 páginas R$ 39,90 www.universalproducoes.com.br
multidisciplinar. Poderão participar até 20 alunos de cada faculdade, a partir do 6º período do curso. A inscrição é gratuita e deverá ser solicitada na coordenação das faculdades. As palestras, que somam 34 horas/aula, serão realizadas no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do prédio da ABI. No primeiro módulo, que vai até 27 de janeiro, os palestrantes convidados serão: Aloysio Teixeira, Ancelmo Góis, Beatriz Resende, Carlos Lessa, Emir Sader, João Máximo, Joel Rufino, Maurício Azedo, Milton Temer, Muniz Sodré, Salete Macalóz, Sérgio Cabral, Silvio Tendler e Villas-Bôas Corrêa, entre outros.
CULTURA NO SOLAR PARAÍSO 13 a 16 O Centro de Educação Patrimonial e Ambiental Solar Paraíso é uma das casas mais antigas de Porto Alegre. Construída em 1820, numa zona então considerada rural, hoje faz parte da área urbana da cidade. O Solar oferecerá para a comunidade atividades culturais variadas como saraus, peças teatrais, exposições e palestras. Programação: 13, 19h: Sarau Nativista Voz e Violão, com Paulo Garcia e grupo; 21h: apresentação de Folguedos Jongo em memória aos Lanceiros Negros. 14, das 10h às 11h: Carroção Cultural para Crianças, com a Cia. Gaúcha de Contadores de Causos e Milongas; 15h: aula aberta de Capoeira de Angola. 15, das 9h às 18h: exposição de manequins com vestimentas de época, cedida pelo Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore. 16, 19h: mesa-redonda sobre o tema “Ideais e causas da Revolução Farroupilha”, com Manoelito Savaris, pesquisador e presidente da Comissão Estadual da Semana Farroupilha. Local: Travessa Paraíso, 71, Santa Teresa, Porto Alegre Mais informações: (51) 3235-2995, (51) 3232-1652 ou (51) 3235-1120
SÃO PAULO ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ENTIDADES Dia 11 A Escola da Cidadania, do Instituto Pólis, realiza a oficina “Organização e funcionamento de entidades”, para tratar do aspecto jurídico das diversas formas de organização de entidades sociais, analisando diferentes formas de
associação (ONGs, Oscips, cooperativas e outras) e seus modos de institucionalização. Serão debatidas também as orientações sobre elaboração de estatutos e suas implicações legais e administrativas. Local: Instituto Polis, R. Araújo, 124, São Paulo Mais informações: (11) 3258-6121, ramal 260 ÁFRICA DO OESTE 28 de setembro a 6 de outubro O encontro, promovido pela Casa das Áfricas, contará com palestras com os temas “Griots, louvação oral e noção de pessoa do Sahel” (dia 28, 19h) e “Epígrafe Árabe mediaval do Sahel” (dia 6 de outubro, 18h). Ambas serão dadas pelo pesquisador e professor do Centro de Estudos da África do Oeste da Universidade de Birmingham, Paulo de Moraes Farias. Também será oferecido um curso – em quatro módulos – sobre o Sahel, discutindo seus aspectos ideológicos, culturais, ambientais, históricos e religiosos. As inscrições devem ser feitas de 13 a 24, por telefone ou por correio eletrônico. Local: palestras – PUC-SP, Auditório Banespa, R. Ministro Godoy, 984, andar térreo, São Paulo; curso – Departamento de História da USP, sala de vídeo, Av. Professor Lineu Prestes, 338, São Paulo Mais informações: (11) 3801-1718, casadasafricas@ casadasafricas.org.br DIA INTERNACIONAL DE LUTA CONTRA A OMC 10, 14 h A data escolhida como Dia Internacional de Luta contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) marca o aniversário da morte de Lee Kyung Hae, dirigente do movimento camponês que morreu em Cancun, no México, lutando contra a ingerência da OMC no comércio agrícola e na destruição do cultivo nacional de arroz, na Coreia do Sul. Para marcar as mobilizações em São Paulo, haverá uma caminhada político-cultural, que sairá da frente do Masp. Local: Masp, Av. Paulista, 1578, São Paulo
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CULTURA
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ARTE POPULAR
Artistas levam cultura e diversão à favela “P
edimos licença para entrar na comunidade de vocês e tocar uma música nossa, uma música genuinamente brasileira, que vem de Pernambuco e que vocês talvez não conheçam. Chama-se maracatu”. Com essas palavras, um integrante do grupo de maracatu iniciou sua apresentação no Jardim São Luiz, bairro da periferia de São Paulo. O cortejo de músicos e dançarinos passeou pelas ruas da favela, seguido por crianças e adultos. Foi o ponto alto do 1º Favela Cultural, festa organizada dia 28 de agosto para apresentar o projeto “Metamorfoses” aos principais interessados: os integrantes da comunidade local. Localizado na zona sul de São Paulo, o distrito São Luiz compreende quatro favelas contíguas – Jardim Fim de Semana, Jardim Capelinha, Jardim Maracanã e Jardim Campo de Fora. A população dos bairros é formada em grande parte por desempregados, com baixa escolaridade e quase nenhuma qualificação profissional. Predominam as casas de alvenaria mas há também muitos barracos de madeira. Apesar de contar com serviços de água e luz, a população das quatro comunidades não dispõe de sistema de esgoto nem de coleta de lixo.
MUDANDO O BAIRRO O projeto “Metamorfoses – uma nova geração propondo mudanças” surgiu a partir de um sonho de Felipe, 27 anos, morador da favela. A princípio, sua idéia era mudar a paisagem do bairro, decorando muros e
Além da decoração dos muros da favela, o projeto Metamorfoses também oferece cursos variados para capacitar jovens
becos com a técnica do grafite. Em parceria com a Associação Nossa Senhora Rainha da Paz do Jardim Fim de Semana e voluntários de outras comunidades, o projeto cresceu. Hoje o objetivo é capacitar 25 jovens, entre 16 e 23 anos, para que promovam ações práticas destinadas a transformar o espaço físico,
além de eventos culturais para toda a comunidade. Idealizado para acontecer em sete meses, o projeto prevê oficinas sobre temas como hip hop, cultura na periferia, Estatuto da Criança e do Adolescente, mídia na periferia, meio ambiente e urbanização de favelas. Cada oficina se desenvolverá em fases como imersão (para pesquisa e estudo do tema), complementação, preparação para intervenção e intervenção. A idéia é que cada fase seja registrada em vídeo. No encerramento, será apresentado um documentário, seguido de debate com a comunidade.
FESTA NA RUA O primeiro dia de atividades foi pensado para aproximar a comunidade do projeto. As crianças do bairro participaram em massa das brincadeiras e das apresentações. Os adultos, mais desconfiados, foram chegando aos poucos. Essa reação era esperada pelos organizadores. Para Felipe, “as crianças podem conquistar os pais, para que participem do projeto, uma vez que os adultos resistem às mudanças, não estão acostumados a mutirões. Se você faz uma criança sorrir, você vai estimular o sorriso dos pais”. Romper a resistência inicial é um dos desafios do Metemorfoses. Planejado para abrir o evento, o debate que apresentaria o projeto não
Crianças e adolescentes participam das apresentações; a idéia é envolver os adultos que resistem às mudanças
aconteceu por falta de participantes. Dodô, educador da Associação Rainha da Paz e organizador do evento, diz que “o pessoal daqui está acostumado a sair para a rua para receber ajuda e não para ajudar, para participar de mutirão”. A aposta do grupo é que os jovens – beneficiários diretos do projeto
– levem as questões para suas famílias, promovendo a conscientização em maior escala. A partir das 11 horas, a rádio poste montada para o evento começou a divulgar as atividades. As intervenções de grafite ocorreriam durante o dia todo e a primeira apresentação ficou por conta do grupo de teatro Rainha da Paz. Segundo Vital, 21 anos, coordenador do grupo, a iniciativa existe desde 2003. Seu objetivo é promover a discussão sobre meio ambiente por meio de intervenções artísticas, com a participação da platéia. O grupo conta com jovens de 12 a 20 anos, moradores do Jardim São Luís e mistura música com teatro em suas performances. “Agora vocês vão ouvir uma música diferente. Vocês não estão acostumados com esse som e com esse instrumento, mas é importante conhecer outras formas de cultura”. Dessa forma, foi apresentado Diogo e seu violoncelo, acompanhado com curiosidade pelas crianças que nunca tinham visto o instrumento. Após uma interrupção causada pela chuva, o grupo de teatro infantil “Chá de Cadeira” animou as crianças. O grupo, inicialmente formado por estudantes do Colégio Equipe, costuma se apresentar em postos de saúde, encontrou uma platéia diferente. Seguiram-se apresentações de maracatu, bossa nova, jazz, percussão e dança afro. Para encerrar a festa, o grupo Mudança com Conhecimento, Cinema e Arte (Mucca) transformou o campo de futebol do bairro em uma sala de projeção a céu aberto. Foram exibidos oito curtas-metragens, alguns sobre o Jardim São Luís, feitos pelos próprios moradores, em oficinas de vídeo.
ANÁLISE
Olga incomoda. Por quê? Emir Sader Olga incomoda. Ninguém fica alheio. O belo filme, baseado na obra-prima de Fernando Morais, incomodou a imprensa e incomoda muita gente. A crítica cinematográfica ficou incomodada, há jornais que praticamente não recomendam o filme, pela avaliação que lhe dão, em comparação com a quantidade de porcarias holywoodianas recomendadas diariamente. Olga incomoda porque conta a história pessoal de dois revolucionários. Incomoda saber que militantes comunistas são seres humanos, que amam, que sofrem, que são felizes, que se identificam profundamente com as causas pelas quais lutam, em que não buscam nenhuma vantagem pessoal, mas sim a justiça e a solidariedade. Olga incomoda porque recorda as brutalidades repressivas que se cometeram contra os comunistas, aqui e na Alemanha. Incomoda porque a Alemanha – país ocidental, branco, protestante, anglo-saxão, capitalista – foi poupada por Hollywood, apesar de ter feito a pior “limpeza étnica” da história, contra judeus, comunistas e ciganos (e quando Chaplin fez O grande ditador, teve que sair dos Estados Unidos antes mesmo do filme ser lançado). Enquanto o filme recorda o papel que a Alemanha, como potência imperialista, teve no nazismo. Olga incomoda porque revela a vida de militantes, de gente que optou por entregar o que tem de melhor pela revolução, pela luta anticapitalista. E incomoda, para quem vive de interesses, de lucros, de prestígio, de honrarias, de ganhos imediatos, de poder, saber que outro tipo de vida é possível, dedicado a valores e ideais. Olga incomoda talvez por ver
Divulgação
Ana Maria Straube de São Paulo (SP)
Fotos: Ana Maria Straube
Organizado para apresentar o projeto Metamorfoses, o evento uniu comunidade e voluntários
A atriz Camila Morgado Interpreta Olga
Fernanda Montenegro, nossa principal atriz, dando vida à mãe de Luís Carlos Prestes, o mais conhecido dirigente comunista brasileiro. Talvez incomode ouvir a Internacional, em variados arranjos, inclusive como tema de fundo de cenas de amor entre revolucionários. Olga incomoda também porque é uma produção de ótima qualidade, sem os cacoetes do estilo norte-americano a que tanto nos acostumam. Mas sobretudo Olga incomoda porque é um cinema de esquerda – como o são o Diários de Motocicleta e os filmes de Michael Moore – quando nos querem convencer que isso não existe mais, que apenas os critérios estéticos é que contam. E Olga é um belo filme, de esquerda, humanista, que não poupa os carrascos, que diz as coisas pelo seu nome. Vejam Olga, mais além do que os jornais digam, mais além dos incomodados. Que os jovens saibam, que os adultos se recordem, que todos vejam e julguem, com os seus olhos, os seus sentimentos, sua razão e os seus valores. Olga incomoda e é bom que incomode, em tempos que parecem incitar a que ninguém já não se incomode com nada. Emir Sader é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro