Ano 2 • Número 81
R$ 2,00 São Paulo • De 16 a 22 de setembro de 2004
Universidade, pública, para todos Mauricio Duenas/AFP
Estudantes, professores e funcionários se unem contra a reforma universitária proposta pelo governo
Mobilização reúne 50 mil indígenas contra o terrorismo de Estado e o acordo de livre comércio em negociação com os Estados Unidos
Os trabalhadores têm, agora, uma proposta concreta de reforma sindical pela qual lutar. Trata-se da PEC 314/2004, já na Câmara. Apresentada pelo deputado federal Ivan Valente (PT-SP), e elaborada em parceria com a esquerda da CUT e sindicatos de advogados, o projeto vai na direção contrária do que deve aparecer na proposta do governo, a exemplo da flexibilização de direitos trabalhistas e enfraquecimento da organização de base. Pág. 3
Três dias de mobilização e mais de 100 quilômetros percorridos até Cali. Em uma das maiores marchas já realizadas na Colômbia, entre os dias 14 e 16, cerca de 50 mil índios de diversas etnias protestaram contra a
matança implementada pelo presidente Alvaro Uribe (que tenta a reeleição), e as forças paramilitares. Eles repudiaram também o Tratado de Livre Comércio que está sendo negociado com Peru, Equador e Estados Unidos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a líder indígena Karmen Ramírez diz que, para desocupar área rica em carvão e petróleo, paramilitares de direita continuam trucidando povos indígenas. Pág. 10
No orçamento 2005, diminuem gastos sociais A proposta do governo reduz os gastos em projetos sociais. Em valores, esses gastos crescem, mas o governo concentra mais recursos em infra-estrutura, cedendo à pressão de grupos econômicos. O Ministério da Saúde foi o mais afetado pela nova distribuição, e continuam o arrocho salarial do funcionalismo, e o desmonte do Estado, o que pode ser constatado pelos gastos cada vez menores no financiamento de seu funcionamento. Pág. 7
A arte de enganar a fome com esculturas As esculturas do mestre Tonho, Antônio Francisco da Silva, revelam mais do que a inspiração e o talento de um artista. Suas imagens são admiradas – e compradas – pelo secretário da Identidade e Diversidade Cultural, Sergio Mamberti. Mestre Tonho ficou sem ter o que comer, com os filhos. Mas foi a ousadia e a destreza em talhar esculturas que mudou a vida desse militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Pág. 16
CUT propõe debate amplo sobre economia
Indígenas marcham contra governo
Francisco Rojas
Uma proposta favorável aos trabalhadores
Educação premiada – Escola Carlos Maringhela, no acampamento 26 de Março, ao sul do Pará: alfabetização para todos
Agronegócio dificulta a reforma agrária Pág. 8
E mais: DÍVIDA – Em vez de ser usada para pagar juros da dívida brasileira, toda a verba economizada pelo setor público durante os 18 meses do governo Lula poderia assentar 5 milhões de famílias sem-terra. São R$ 119 bilhões, que equivalem a três vezes o orçamento do Ministério da Saúde. Pág. 6 TRANSGÊNICOS – Procurador geral da República, Claudio Fonteles, apóia ação do PFL que questiona decisão do governo do Estado do Paraná de proibir plantio de transgênicos. Para o procurador, o assunto transcende a esfera dos Estados e deve ser tratado apenas pela União. Pág. 13
Filósofo cubano discute rumos do socialismo Pág. 11
Na África, reunião debate aliança Sul-Sul Pág. 12
A
luta por ensino público de qualidade ganhou ímpeto, dia 12, em Brasília. Em uma plenária batizada de “Vamos barrar essa Reforma Universitária”, 1,7 mil representantes de diversos setores da Educação se uniram para lutar contra a mercantilização do ensino – impulsionada, agora, pela medida provisória que implementa o programa Universidade Para Todos (ProUni) e isenta as universidades particulares do pagamento de impostos. No encontro, foi aprovado um calendário que inclui um dia de paralisação nacional (11 de novembro) e uma grande marcha a Brasília (25 de novembro), que pretende reunir setores da Central Única dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para Marina Barbosa, presidente do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior), “a plenária foi uma vitória dos movimentos da área de Educação”. Pág. 3
A Central Única dos Trabalhadores propôs um entendimento nacional, entre empresários, trabalhadores e governo, para manter o crescimento econômico sustentável do Brasil. No primeiro semestre de 2004, o Produto Interno Bruto avançou 4,2%, em relação ao mesmo período do ano passado. Luiz Marinho, presidente da Central, teme que a recuperação da economia seja freada por um eventual aumento da taxa de juros. Segundo ele, a sociedade precisa debater para buscar formas alternativas de segurar a inflação, ao invés de elevar juros, em prejuízo dos salários e dos investimentos na produção. Marinho criticou a cobertura da grande mídia de um encontro que teve com Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, no início de setembro. Págs. 2 e 5
Italianos pedem a retirada de tropas do Iraque O seqüestro das ativistas italianas Simona Toretta e Simona Pari, no Iraque, reacendeu o movimento pacifista. Além de condenar o terrorismo, manifestantes em todo o país querem a libertação das reféns e a prisão do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Dia 10, grande manifestação em Roma reivindicou a retirada imediata dos 3 mil soldados italianos do Iraque. Berlusconi aplaudiu o consenso de todos os partidos políticos em torno da exigência da libertação das reféns, e de não falar de retirada, nem do fim da ocupação estadunidense. Pág. 9
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De 16 a 22 de setembro de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
NOSSA OPINIÃO
Qual a parte dos trabalhadores?
D
esta vez não durou sequer uma semana. Bastou uma declaração do ministro Antonio Palocci ressaltando que não admite discussões sobre a política econômica para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartar a proposta de uma ampla negociação nacional apresentada pela CUT. Evitando utilizar o termo “pacto social” por considerá-lo desgastado, o presidente da Central, Luiz Marinho, definiu a proposta como uma “negociação ampla, um entendimento nacional pelo investimento no social, na infra-estrutura e também na capacidade produtiva do país”. O objetivo reflete os anseios da Coordenação dos Movimentos Sociais e se opõe aos fundamentos da atual política econômica. Mas boas intenções contam pouco na luta social. Todo dirigente sindical sabe
que propor uma negociação com setores antagônicos implica, por um lado, definir os objetivos; e, por outro, aceitar uma margem de concessões que a viabilize. O objetivo anunciado pelo presidente da CUT seria obter uma pactuação entre os diferentes setores da economia com vistas ao seguinte cenário: o governo lançando mão de isenções na carga tributária, banqueiros aceitando a redução de lucros, empresários aceitando o controle de preços. Por mais interesse que a grande mídia possa ter em distorcer a proposta da CUT, é preciso perguntar: qual seria a possível contrapartida oferecida pelos trabalhadores num “amplo entendimento dos setores econômicos da nação?”. Os últimos anos foram marcados pela mais intensa perda da massa salarial. O desmonte industrial
produziu uma somatória de elevado desemprego e precarização das relações de trabalho. O resultado foi um profundo golpe na capacidade organizativa do movimento sindical. Quando os indicadores apontam uma momentânea retomada das contratações em alguns setores da indústria, quando os sindicatos podem retomar mobilizações pela reposição salarial, surge a proposta da ampla negociação. O movimento sindical tem um importante papel na retomada das lutas de massas na atual conjuntura. Em vez de preocupar-se em negociar um entendimento com os setores patronais, a CUT, no lugar privilegiado de principal central sindical, poderia aproveitar esse momento para estimular lutas e potencializar as campanhas salariais. OHI
FALA ZÉ
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Dafne Melo e Fernanda Campagnucci 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ
CRÔNICA CARTAS DOS LEITORES MORADORES DE RUA Nos acovardamos e nos acostumamos com a mendicância e com a indigência. Até ontem, eram simplesmente mendigos. Hoje, são “moradores de rua”. A expressão suaviza e nos conforma com a situação daqueles que vivem urinados e defecados perambulando pela cidade. Só agora, depois de espancados com requintes de crueldade, e com o espetáculo da cobertura da imprensa, é que nos demos conta de um fato, como se eles tivessem começado a sofrer e passar fome na semana passada. Só agora reparamos em pessoas que, há séculos, são devoradas pela fome, pela indiferença, pelo alcoolismo. Quantos “passa pra lá!!!” você já viu um indigente tomando, sob os olhares divertidos de crianças que crescem com a imagem de que “aquilo” é “coisa”. Agora, nós, assassinos, promovemos o espetáculo da indignação nos meios de comunicação. Somos tomados de piedade e de nojo. Nojo de quem? De quem matou? Mas eu matei e você matou. Por que o espanto agora? Promovemos espetáculos ecumênicos, discursos inflamados. Damos assuntos aos futuros debates dos candidatos à prefeitura da cidade. Até que enfim terão um assunto novo. Autoridades de
todas as instâncias prestaram suas condolências com os olhos rasos d’água. Não tente me convencer que eu não tenho nada com isso porque eu sou um ser tão desprezível como você. Eu nunca fiz nada. E você? Anderson Pereira de Souza por correio eletrônico IMPRENSA ALTERNATIVA Sou estudante de jornalismo, residente em Salvador, e achei muito boa a proposta de vocês. Faltam outras iniciativas como essa no país e falo, principalmente, pela Bahia, onde os mais poderosos veículos de comunicação estão vinculados a Antônio Carlos Magalhães. Por outro lado, o jornal de oposição torna-se um veículo fechado por ter interesses políticos anti-carlistas. Isso, às vezes, desmotiva a nós, estudantes de jornalismo, por saber que tudo que aprendemos na academia será de pouca utilidade. Mas também nos motiva a procurar meios alternativos de sair dessa rede governada por ACM e oposição. Acho que iniciativas como a dos senhores de criar um jornal independente nos motiva mais ainda a buscar esses caminhos. Carlos M. Baumgarten por correio eletrônico
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
A crise da democracia nos EUA Renato Pompeu Governados há mais de dois séculos pela mesma Constituição, no sistema de governo mais bem-sucedido da história, os Estados Unidos estão agora pensando no impensável. Chefes militares responsáveis afirmam que, se houver um ataque com armas de destruição em massa em território estadunidense, a Constituição deve ser suspensa em favor de uma Lei Marcial, nome em inglês do estado de sítio. Com efeito, a democracia nos EUA, com todas as limitações que possa ter na defesa das camadas mais desprotegidas da população, nunca esteve numa crise tão grande quanto a de agora. O presidente George W. Bush, que limitou as liberdades democráticas e ampliou os direitos das forças de repressão, introduzindo, por meio do chamado Ato Patriótico, a detenção sem mandado, sem acusação, sem prazo, sem direito a advogado, sem direito a contatos externos, sem direito a processo etc. etc. está à frente das pesquisas em relação ao candidato oposicionista John Kerry. Isso não porque a preferência por Bush tenha aumentado, mas porque muitas pessoas estão desistindo de votar em Kerry, pois a campanha deste, no ponto crucial que é a militarização da política externa, não difere da de Bush.
Na verdade, a campanha de Kerry está centrada na sua atuação em combates da Guerra do Vietnã, em que recebeu várias condecorações, enquanto seu adversário Bush não saiu dos Estados Unidos para lutar no Sudeste da Ásia. Em outras palavras, Kerry aceita plenamente os princípios da “guerra contra o terror” defendidos por Bush, inclusive os prejuízos internos para as liberdades dos cidadãos estadunidenses. Apenas Kerry quer se apresentar como mais capaz, em relação ao próprio Bush, de liderar essa “guerra contra o terror”, que nada mais é do que a única solução materialmente possível que as classes dominantes dos EUA estão enxergando para a crise econômica endêmica do país: a militarização da política externa, que garanta matérias-primas e mercados e que garanta a posição do dólar como moeda internacional, em oposição à expansão do euro, mais valorizado do que a moeda estadunidense. Diante disso tudo, a esquerda dos Estados Unidos, que organizou as bem-sucedidas manifestações contra a Convenção do Partido Republicano, a qual referendou a candidatura de Bush, está dividida. Parte dessa esquerda julga que o mais importante é derrotar Bush, pois isso teria um significado sim-
bólico internacional de condenação de sua política – mas o problema é que essa própria parte da esquerda que quer eleger Kerry defende que esse significado é mais simbólico do que real. Outra parte da esquerda opta pelas candidaturas alternativas, sem possibilidades de vencer, de Ralph Nader e Peter Camejo. Essa esquerda que faz as campanhas de Nader e Camejo quer transformar em militantes esquerdistas os cercas de três milhões de eleitores que deverão votar nas candidaturas alternativas, do mesmo modo que tentaram e continuam tentando transformar em militantes de esquerda os 500 mil manifestantes contra Bush que se reuniram em Nova York. O problema, porém, é que a massa de manifestantes e de eleitores antiBush e anti-Kerry é composta, na sua esmagadora maioria, de pessoas enojadas, que nem querem ouvir falar em política ou partidos. Assim, a par da crise da democracia americana, estamos assistindo a uma crise da esquerda americana. Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor de Canhoteiro, o Homem que Driblou a Glória (Ediouro) e de Memória de Uma Bola de Futebol (Editora Escrituras)
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De 16 a 22 de setembro de 2004
NACIONAL REFORMAS
Começa batalha pelo ensino público Maíra Kubík Mano enviada a Brasília (DF)
“U
m, dois, três, quatro, cinco, mil / ou pára essa reforma ou paramos o Brasil”. O coro, de 1.700 vozes, foi ouvido durante a Plenária Nacional “Vamos barrar essa Reforma Universitária”, que aconteceu dia 12, em Brasília (DF). O encontro reuniu diversos setores da área de Educação para discutir a proposta de reforma universitária do governo federal. “Não há diálogo com o Ministério da Educação (MEC), precisamos reunir forças para barrar esse projeto”, afirmou a deputada federal Luciana Genro para o auditório, lotado por professores, estudantes e técnicos-administrativos. O consenso entre os participantes é de que a reforma universitária já está sendo implementada por partes, por meio do Programa Universidade Para Todos (ProUni) – criado dia 13 por Medida Provisória (veja reportagem ao lado) –, das Parcerias Público-Privadas (PPP) e da Lei de Inovações Tecnológicas. Todas essas propostas elaboradas pelo governo tocam em um mesmo ponto fundamental: financiamento. Enquanto o ProUni isenta as universidades particulares de impostos, as PPP regulamentam o investimento privado na universidade pública. “É uma expressão da opção feita pelo governo em dar continuidade às reformas neoliberais dos governos anteriores”, coloca José Maria de Almeida, presidente do PSTU e integrante da organização Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas). Para Roberto Leher, diretor do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes – SN)), a reforma universitária do governo está baseada em relatórios do Banco Mundial.
Ana Nascimento/Agência Brasil
Estudantes e professores se unem em mobilização nacional para barrar as propostas privatizantes do governo
Por medida provisória é criado o ProUni
CALENDÁRIO DE LUTAS 13 a 19 de outubro – Plenárias Estaduais para barrar a reforma universitária 11 de novembro – Paralisação nacional contra a reforma universitária e a mercantilização da Educação 25 de novembro – Marcha a Brasília para barrar a reforma universitária.
Estudantes secundaristas fazem manifestação em frente à Catedral de Brasília, em março de 2004
“Não resta a menor dúvida de que a matriz conceitual foi elaborada no documento lançado há dez anos pelo Banco Mundial”, afirmou. Nos grupos de discussão da Plenária a opinião era semelhante: para caracterizar a reforma proposta, os participantes adotaram o termo “mercantilização da Educação”. No encerramento, foi aprovado um calendário de lutas que inclui um dia de paralisação nacional (11 de novembro) e uma grande marcha a Brasília (25 de novembro). A marcha pretende reunir também setores de oposição da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O objetivo é fazer uma ampla manifestação contra
as reformas universitária e sindical, e a favor da reforma agrária. Para Marina Barbosa, presidente do Andes-SN, a plenária foi uma vitória dos movimentos da área de Educação. “Provou, na prática, que a unidade é possível”. Rodrigo Pereira, diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), concorda: “Esse foi um espaço importante porque unificou diversos setores em defesa da universidade pública com a intenção de barrar essa reforma proposta pelo governo. Nós vamos fazer o novembro vermelho”. Entre os organizadores da Plenária Nacional estavam Andes – SN, diretores da oposição da UNE, executivas e federações de cursos, Coordenação Nacional de Luta dos
Estudantes (ConLute), 31 diretórios centrais de estudantes e diversos sindicatos de trabalhadores em educação.
EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA O calendário aprovado pela Plenária Nacional também foi aceito pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (Fondep), que há mais de 20 anos reúne organizações do setor da Educação. A reunião do Fondep aconteceu dia 11, em Brasília (DF), e teve como tema a reforma universitária. “Concluímos que mudanças pontuais não vão mexer com a orientação geral da reforma. É preciso, sim, reformar a universidade, mas para que a população brasileira tenha
O governo federal editou, dia 13, a Medida Provisória 213/04, que implementa o Programa Universidade Para Todos (ProUni). A MP institui bolsas de estudo para alunos carentes nas universidades privadas, que ficarão isentas de pagar impostos federais. O projeto está em tramitação no Congresso Nacional, mas deve ser votado apenas no final do ano. Para o líder do governo na Câmara, deputado professor Luizinho (PT-SP), a MP foi enviada como forma de adiantar a votação. “O Parlamento retirou a urgência do projeto, mas o governo não pode pôr em risco a aplicação do programa no ano que vem”, afirmou. As universidades terão dez anos para entrar no ProUni, mas o governo já prevê a implantação de cem mil vagas no ano que vem. Rodrigo Pereira, diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), considera lamentável a forma como o programa foi instituído, pois não houve abertura para as críticas dos movimentos da área de Educação. “Trata-se de uma transferência para o ensino privado de verbas públicas que deveriam ser destinadas exclusivamente às universidades públicas”.
acesso à educação pública e de qualidade; para sermos a nação soberana que desejamos”, afirmou a professora Vera Lúcia Chaves, durante o debate organizado pelo Fondep.
Luís Brasilino da Redação Enquanto o governo federal espera o fim do período eleitoral, a sociedade civil organizada deu um passo na direção de uma reforma sindical popular e criou uma ferramenta para ampliar o debate sobre o tema. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 314/2004, elaborada em conjunto pela ala esquerda da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e por sindicatos de advogados, em parceria com o deputado federal Ivan Valente (PT/SP), que apresentou a PEC no Congresso. Políticos de todos os partidos da Câmara Federal totalizaram 198 assinaturas – eram necessárias 170 – e o projeto, que tramita desde o dia 3 na casa, aguarda a criação de uma comissão especial para analisá-lo. O governo, por sua vez, espera o Fórum Nacional do Trabalho (FNT) enviar um anteprojeto com suas conclusões sobre o tema para o Ministério da Casa Civil. O que, segundo a assessoria do Ministéro do Trabalho e Emprego (MTE), deve acontecer no final do mês. Na Casa Civil, o projeto será analisado uma última vez antes de ir para o Congresso, provavelmente em outubro ou novembro, após as eleições. “Não havendo manobra regimental, quando o projeto do governo chegar, sua proposta será apensada (anexada) à nossa. Por ter chegado primeiro, a PEC 314 terá primazia nas discusFNT – Fórum comsões”, comeposto por representantes do governo, mora Valente. empregados e Para Júlio Turra, patrões, criado pelo diretor executiMinistério do Trabalho para discutir vo da CUT naalterações nas leis cional, a protrabalhista e sindical posta vai esten-
Anderson Barbosa
Para fortalecer o sindicalismo de base combativo
Proposta de PEC paralela quer obstruir o encaminhamento da Reforma Sindical pelo Fórum Nacional do Trabalho
der o debate sobre a reforma sindical para a base dos sindicatos. A idéia da PEC surgiu para combater o encaminhamento da reforma pelo FNT, considerado pelos opositores da proposta um enfraquecimento da organização dos trabalhadores e a fragilização dos direitos trabalhistas. “Queremos fortalecer o sindicalismo de base combativo”, conta Valente.
NOVAS REGRAS Assim, o texto da PEC propõe reconhecer os contratos coletivos de trabalho e a não intervenção do Estado na fundação, na estruturação e na administração dos sindicatos. Garante ainda os “prin-
cípios da gestão democrática, com pluralismo de idéias; transparência dos atos políticos, financeiros e administrativos da entidade sindical; mecanismos efetivos de participação e decisão da base; estatutos e processos eleitorais democráticos que permitam prévia e ampla divulgação das eleições sindicais, de modo que todos possam exercer o direito de disputá-las, fiscalizando todo o processo eleitoral”. Também revoga a unicidade sindical, que deveria ser determinada pelos trabalhadores. Além disso, a PEC proíbe a dispensa imotivada de representantes dos trabalhadores, retira limitações ao direito de greve, assegura
organização no local de trabalho, garante a livre associação sindical e amplia a competência da Justiça do Trabalho para o funcionalismo público. Por fim, o projeto impede a flexibilização dos direitos trabalhistas quando afirma que “os direitos mínimos assegurados nesta Constituição e na legislação infraconstitucional não poderão, sob hipótese alguma, ser reduzidos pela livre negociação”.
DECEPÇÃO COM A CUT Dessa forma, Ivan Valente e os demais apoiadores da PEC 314 dão uma resposta ao comportamento recente da CUT. “Entendemos que
a Central fez acordos no FNT que rompem com bandeiras históricas, como o controle do MTE sobre os sindicatos, o excessivo fortalecimento das centrais sindicais e a abertura de brechas para negociar direitos trabalhistas”, explica o parlamentar. Segundo Turra, a CUT sempre funcionou com base na decisão soberana do sindicato para entrar na Central e na livre organização sindical. Pior, “no mecanismo de negociação proposto as instâncias superiores decidirão o que acontece nas inferiores. É a verticalização da estrutura sindical: mais uma agressão à soberania das organizações de base ”, completa o sindicalista. Além disso, a proposta do FNT deixa espaços que cerceiam o exercício da greve. “Praticamente torna impossível fazer greve no país, legalizando o fura-greve”, revela Turra. Para Valente, se, ao final das contas, não sair a organização no local de trabalho, só serão criadas regras para tirar direitos dos trabalhadores – o que viria na reforma trabalhista prevista para 2005 e 2006. Turra explica que a proposta do governo permite que a negociação prevaleça sobre a legislação. A saída, acreditam ambos, encontra-se na discussão popular da reforma, uma vez que ainda não foram envolvidos todos os sindicatos da CUT, apenas a cúpula da organização. “O consenso, apesar de ter sido atingido dentro do FNT, não existe na nossa Central”, lembra Turra, para quem essa briga vai se definir na base cutista. “Nossa emenda visa estimular o debate, combatendo a lógica segundo a qual modernizar é retirar direitos e que isso gera empregos”, acrescenta Valente.
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da mídia
NACIONAL ANÁLISE
Veja que porcaria
Dioclécio Luz Televisão do Sul O ministro da Comunicação e Informação da Venezuela, Andrés Izarra, informou em seu programa de rádio, Comunicación en Tiempos de Revolución, que firmará um acordo com o Brasil para dar base jurídica ao projeto da Televisão do Sul. Será o canal para os países da América Latina se manifestarem, incorporando canais públicos/estatais da Argentina, Venezuela, Brasil. Até o final do ano essa TV sai do papel, garante o ministro. Brasília vê a Venezuela A TV comunitária do DF está retransmitindo, toda tarde, ao vivo, a programação do canal estatal da Venezuela. É possível saber o que se passa na Venezuela e América Latina e ter uma versão dos fatos bem diferente do que costumam mostrar os canais comerciais do Brasil. Rádios e TVs comunitárias O deputado estadual do Rio de Janeiro, Carlos Minc, apresentou projeto de lei que destina um mínimo de 1% do total das verbas destinadas a execução de Campanhas Institucionais e de Publicidade à contratação dos serviços junto às Rádios e TVs Comunitárias. Grande idéia. Criminosos de Alcântara Está protocolada na Auditoria Judiciária Militar denúncia feita por Mário Villas Boas, advogado do Rio de Janeiro, contra o ex-presidente FHC, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, e o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, responsáveis pela assinatura do acordo de uso (entrega) da base aeroespacial de Alcântara com os Estados Unidos. A juíza auditora, Zilah Maria Callado Fadul Petersen, porém, não deu o devido encaminhamento ao pedido. Terrorista ou rebelde? A grande imprensa trata como terroristas aqueles que defendem seu território de um invasor ou tem uma posição contrária à hegemônica. Dá argumento aos estadunidenses para continuarem invadindo e roubando outros países. Invasores heróis A grande imprensa informa que a invasão do Iraque já resultou na morte de mil estadunidenses. Mas quantos iraquianos morreram? Essa conta não se faz. Os Estados Unidos choram os 50 mil soldados mortos no Vietnã. Mas não dizem quantos mataram: mais de 2 milhões. E graças ao Napalm (produzido pela Monsanto), que jogaram sobre as florestas vietnamitas, até hoje nascem crianças sem braços e sem pernas. Teatro e rádio A comédia musical “Rádio Esmeralda AM”, escrita e interpretada pelas cantoras/atrizes Simone Rasslan e Adriana Marques, traz ao palco um dia dentro da programação de uma rádio AM muito feminina e engraçada. A peça veio do Rio Grande do Sul e está circulando pelo Brasil. Mais informações em www.radioesmeraldaam.com.br Manifestação virtual A internet criou o namoro virtual, a conversa virtual, a verdade e a mentira virtual. E também a mania da mobilização virtual. Os deputados e autoridades ficam com suas caixas entupidas de mensagens quando um grupo faz mobilização virtual. A mobilização virtual é uma alternativa, mas não há garantias de que o parlamentar ou autoridade veja a manifestação. Além do mais, em 5 minutos se limpa um caixa, e a mobilização se desmancha no ar. Manoel do Pantanal “O tema do poeta é sempre ele mesmo. Ele é um narcisista: expõe o mundo através dele mesmo. Ele quer ser o mundo, e pelas inquietações dele, desejos, esperanças, o mundo aparece. Através de sua essência, a essência do mundo consegue aparecer. O tema da minha poesia sou eu mesmo e eu sou pantaneiro” (Manoel de Barros, poeta, do Pantanal matogrossense)
Para a revista, escolas do MST - premiadas pela Unicef - são internatos religiosos José Arbex Jr.
“O
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criou sua própria versão das madraçais – os internatos religiosos muçulmanos em que crianças aprendem a recitar o Corão e dar a vida em nome do Islã. Nas 1.800 escolas instaladas em acampamentos e assentamentos do MST, crianças entre 7 e 14 anos de idade aprendem a defender o socialismo, a ‘desenvolver a consciência revolucionária’ e a cultuar personalidades do comunismo como Karl Marx, Ho Chi Minh e Che Guevara.” Assim começa a mais nova peça de jornalismo da revista Veja, de 8 de setembro de 2004, em “reportagem” assinada por Monica Weinberg. No momento em que o artigo é publicado, a relação entre “socialismo” e “madraçais” remete o leitor, imediatamente, ao massacre praticado na escola de Beslan, por fundamentalistas islâmicos que lutam pela independência da Chechênia frente à Rússia. A mídia, em geral, e a revista Veja, em particular, ocultam, por exemplo, que foi o então presidente estadunidense Jimmy Carter – esse símbolo da democracia ocidental – que armou, treinou e organizou os fundamentalistas islâmicos, a partir de 1979, como força de oposição à ocupação soviética do Afeganistão. E foi depois a CIA – esse corpo vigilante de defesa da democracia – que articulou os vínculos entre os fundamentalistas afegãos e os da Chechênia. A mãozinha da CIA, portanto, está em Beslan, tanto quanto a de Vladimir Putin. Mas isso Veja não diz. O que a revista diz é que “socialismo” e “fanatismo religioso” são a mesma coisa e que isso se ensina nas escolas do MST. Não se trata de “interpretação”. Podemos ler, já no final do primoroso texto, sobre o “modelo” adotado pelo MST: “Um modelo, acrescente-se, falido do ponto de vista histórico e equivocado do ponto de vista filosófico. Está-se falando, evidentemente, do marxismo. Falido porque levou à instauração de regimes totalitários que implodiram social, política e economicamente. Equivocado porque, embora se apresente como ciência e ponto final da filosofia, nada mais é do que messianismo. De fato, o marxismo não passa de uma religião que, como todas as outras, manipula os dados da realidade a partir de pressupostos não verificáveis empiricamente. E, assim também como as religiões, rejeita violentamente a diferença”. É fantástico! Em algumas poucas linhas, a “jornalista” – que, pelo tom peremptório deve ser uma autoridade mundialmente reconhecida nos campos da filosofia, ciência política e teologia – resume pelo menos 156 anos de história, desde que foi publicado o Manifesto Comunista dos “fanáticos religiosos” Karl Marx e Friedrich Engels. O Prêmio Pulitzer de excelência jornalística é pouca coisa. A reportagem descreve um quadro impressionante: “Pelo menos 1.000 dessas escolas são reconhecidas pelos conselhos estaduais de educação – o que significa que têm status idêntico a qualquer outro estabelecimento de ensino da rede pública e que seus professores são pagos com dinheiro do contribuinte. Elas nasceram informais, fruto da necessidade de alfabetizar e educar os filhos de militantes do movimento – que chegam a ficar durante anos acampados nas fazendas que invadem, à espera da desapropriação. No fim dos anos 80, atendendo a uma reivindicação do MST, o governo passou a integrar essas escolas improvisadas à rede pública. Parte delas funciona nas antigas sedes das fazendas invadidas, parte foi construída pelos Estados
Fotos: Carlos Carvalho
Espelho
Além de ter cerca de 2 mil escolas nos assentamentos e acampamentos, o ººMST tem convênios com 50 universidades
da Redação Além de profissionalismo, faltaram, à reportagem do semanário, informações que certamente entrariam em conflito com o quadro negro que se pretendia construir no imaginário do leitor. A reportagem deixou de citar, por exemplo, que:
> o setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) recebeu o Prêmio Unicef Educação Participação, em 1995, pelo trabalho de formação de professores e edição de materiais didáticos
>
o setor de Educação MST recebeu, em 1999, o prêmio Pena Libertária, do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS), pelo trabalho nas escolas itinerantes
>
o setor de Educação MST recebeu, em 1999, o prêmio Alceu Amoroso Lima, concedido pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro
> o setor de Educação do Movi-
Josué de Castro (Iterra)
>
>
sucesso
> o MST não permite que nenhuma criança assentada fique fora da escola e oferece a seus integrantes oportunidades de estudo que vão da educação infantil à pósgraduação, passando pela alfabetização de jovens e pela educação profissional > o MST tem mil jovens bolsistas em universidades e mais mil assentados em cursos de extensão
> o MST já formou 150 pedagogos e outros 98 fazem cursos de magistério
mento recebeu, em 2000, o prêmio Pena Libertária, do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul, pelo trabalho desenvolvido no Instituto Técnico de Capacitação e
> o MST tem convênios firmados
e municípios. Ao todo, as escolas do MST abrigam 160.000 alunos e empregam 4.000 professores”. Ora, existe algo muito estranho nisso tudo. Segundo a própria Veja, mais da metade das escolas são “reconhecidas pelos conselhos estaduais de educação”. Será que ninguém notou que as escolas funcionam como centro de formação de fanáticos? Foi necessário que a iluminada Veja erguesse a bandeira? Talvez fosse o caso de acrescentar mais um título à articulista:
Doutora Absoluta em Pedagogia. A coisa fica ainda mais esquisita quando se sabe que os órgãos da Organização das Nações Unidas para a Educação e a Infância (Unifef e Unesco) premiaram várias vezes o MST pela excelência dos métodos pedagógicos empregados pelo movimento, baseados nos trabalhos e estudos de Paulo Freire. No início de agosto, ambas as entidades promoveram a 2ª Conferência sobre Educação no Campo, em Luiziânia (Goiás). Adivinhe quem
com 50 universidades públicas em diferentes Estados
Modelo de educação do movimento é reconhecido no país e no exterior
foi convidado para falar? Os editores e “jornalistas” da revista Veja? Não (talvez esteja aí o problema): João Pedro Stedile, da coordenação do MST. Mas causa realmente indignação à jornalista aquilo que é ensino, “às custas do dinheiro público”: “Os professores utilizam, por exemplo, uma espécie de calendário alternativo que inclui a celebração da revolução chinesa, a morte de Che Guevara e o nascimento de Karl Marx. O Sete de Setembro virou o ‘Dia dos Excluídos’, e a Independência do Brasil é grafada entre aspas. (...) Na escola Chico Mendes, professores exibem vídeos que atacam as grandes propriedades e enaltecem as virtudes da agricultura familiar, modelo que o MST gostaria de ver esparramado no território nacional”. É realmente intolerável. O dinheiro público deveria ser empregado para ensinar as revoluções de 1776 (Estados Unidos) e 1789 (França), mas jamais, em hipótese alguma, as de 1917 (Rússia), 1949 (China) e 1959 (Cuba); os professores devem dizer que o Brasil é plenamente soberano e punir o aluno que levantar questões embaraçosas como a da dívida externa e a da livre ingerência da CIA nos assuntos da Polícia Federal; a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) deve ser vista como uma meta desejada (e nisso não há parcialidade alguma, ao contrário) e a grande propriedade enaltecida (ai do aluno que levantar a pequena questão de que mesmo os Estados Unidos e França fizeram a reforma agrária). E dá-lhe também o título de historiadora emérita à articulista. Haja ideal humanista e democrático. Veja já perdeu um processo por calúnia, injúria e difamação movido por João Pedro Stedile. Até quando a opinião pública aceitará ser insultada por esse panfleto vagabundo de quinta categoria? José Arbex Jr. é jornalista
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De 16 a 22 de setembro de 2004
NACIONAL ENTENDIMENTO NACIONAL
CUT propõe debate, mas gera polêmica O presidente da Central, Luiz Marinho, critica a cobertura da grande imprensa sobre o assunto
M
anchete de diversos jornais, veiculada como um pacto social entre trabalhadores e empresários, discutida intensamente nos altos escalões do governo federal e mostrando discórdia entre os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda), a proposta da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de um entendimento nacional não era para tanto. Isso na opinião do próprio presidente da Central, Luiz Marinho. Definido em uma reunião da CUT, dia 19 de agosto, o entendimento nacional propõe a realização de debates, dos quais participem diversos setores da sociedade, para criar um projeto de crescimento sustentável para o Brasil. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Marinho sinalizou o risco de um possível aumento da taxa de juros durante a recuperação econômica do país. No primeiro semestre deste ano, houve avanço de 4,2% no Pro-
essas opiniões. Para ele, o entendimento não implica reduzir a luta social. “Os trabalhadores precisam intensificar a luta de diversas formas: pela briga, que daí fica a cargo de cada categoria, ou por um entendimento nacional, feito a longo prazo”, afirmou o presidente da CUT, que defende as discussões sobre a proposta na Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). No governo, a proposta da CUT causou um desentendimento entre Dirceu e Palocci. O ministro da Casa Civil defende a proposta, que acredita favorecer uma aliança entre empresários e trabalhadores. Seu colega da Fazenda considera uma idéia ingênua, que poderia levar a um desequilíbrio da economia. De início, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mostrou favorável, mas depois recuou. Marinho relata que teve uma conversa breve com Dirceu e Palocci: “Uma proposta dessas precisa ser discutida com calma e seriedade. Não adianta se pautar na cobertura da grande mídia, que agiu de modo irresponsável”, salientou.
mês, afirmaram que sindicalistas e empresários haviam formalizado um pacto social, em que os trabalhadores interromperiam pressões salariais e os empresários reduziriam a meta de lucros. As assessorias de imprensa da Fiesp e de Marinho negam a existência de um pacto.
Fabiana Beltramin/Folha Imagem
João Alexandre Peschanski da Redação
TRÊS PREOCUPAÇÕES
Paulo Skaf, presidente da Fiesp, e Luiz Marinho, presidente nacional da CUT
duto Interno Bruto (PIB) em relação ao mesmo período de 2003. “A elevação da taxa de juros, como meio para segurar a meta da inflação, seria um desastre. A CUT pretende discutir formas alternativas, pois o aumento da taxa de juros levaria a um aumento da dívida pública e brecaria os fluxos de investimento. Isso impossibilitaria o crescimento sustentável”, explicou Marinho, para quem o desenvolvimento do Brasil poderia ser atingido
com reajuste salarial, investimentos em infra-estrutura e investimentos na produção industrial. O presidente da CUT criticou a cobertura da grande imprensa, especialmente da Folha de S. Paulo, que veiculou a proposta como sendo um pacto entre empresários e trabalhadores. Diversas reportagens sobre o encontro de Marinho e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, no início do
Milton Viário, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, filiado à CUT, disse que a direção da Central não o havia informado do entendimento. Ele não descarta a possibilidade de apoiar a proposta desde que esta contemple três aspectos: primeiro, a participação ampla nas negociações, com a presença de diversos setores sociais; segundo, a explicitação do repúdio dos trabalhadores ao modelo neoliberal e a defesa de um projeto de país alternativo, com distribuição de renda e geração de trabalho; por último, a garantia da autonomia dos trabalhadores para definir estratégias de mobilização. Marinho não se contrapõe a
O cientista político Lúcio Kowarick afirma que espaços de negociação são fundamentais para uma democracia, mas não podem canalizar a luta social. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele vincula a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e a discussão do entendimento nacional entre a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a uma tradição política e pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Brasil de Fato – Qual é o objetivo de Lula em juntar empresários e trabalhadores para negociar, seja no CDES ou no entendimento nacional? Lúcio Kowarick – A idéia de espaços políticos como o do Conselho é abrir e institucionalizar a negociação. Mostra a preocupação do governo em buscar consensos sucessivos entre setores diferentes, em assuntos estratégicos. O Partido dos Trabalhadores (PT), no geral, e Lula em particular, têm uma tradição bastante importante de colocar lado a lado parceiros diferentes discutindo problemas comuns. O orçamento participativo é um exemplo em que os governos municipais sentam para discutir com representantes da sociedade civil. O projeto foi criado pelo PT, principalmente no Rio Grande do Sul, com o então governador Olívio Dutra e o então prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro. Este último, não por acaso, foi escolhido como secretário do CDES, pois ele tem uma grande experiência em par-
João Alexandre Peschanski
Negociações não podem substituir luta social Quem é Professor da Universidade de São Paulo (USP), o cientista político Lúcio Kowarick pesquisa temas ligados a políticas públicas, gestão urbana, democracia e cidadania. Realizou um estudo sobre o CDES, do qual participa como observador. É autor de As Lutas Sociais e a Cidade: São Paulo, Passado e Presente (Paz e Terra) e Trabalho e Vadiagem: Origens do Mercado de Mão de Obra Livre no Brasil (Brasiliense), entre outros. mais um mandato. É um processo em construção. ticipação e negociação. Outro ponto importante a ser destacado é a trajetória de Lula, que vem do mundo sindical, metalúrgico. Foi liderança das greves na região do ABC paulista, organizou assembléias com 120 mil pessoas. Lula está acostumado a sentar em frente ao patronato e negociar, ele acredita na negociação. BF – Quais são os efeitos dessa tradição da negociação? Kowarick – No Brasil, unir setores diferentes para negociar é muito difícil. Por um lado, confronta-se com uma tradição autoritária. Quando se fala em pacto, neste país, sempre se pensa em um pacto para excluir alguém, nunca em um pacto para incluir. Com todos os problemas que essa estratégia do PT tem, não deixa de ser um grande esforço para melhorar as relações políticas. Não se sabe no que vai dar. Os espaços políticos podem desaparecer se Lula não permanecer por
BF – Muitas pessoas dizem que o governo tenta transplantar para a Presidência da República uma política característica do sindicalismo. Kowarick – Não há política sem negociação. A política em que um impõe ao outro, a política em que um ganha e o outro perde, leva ao desastre. Se não houver negociação, cria-se um regime autoritário. Colocar pessoas muito diferentes em lugares próximos tem um risco, mas repõe na pauta a democracia. A sociedade brasileira é hierárquica, dual, concentracionista, e o fato de colocar no CDES Roberto Baggio, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e Roberto Setúbal, do Banco Itaú, rompe com isso. Não quer dizer que as pessoas vão chegar a um consenso, mas há um reconhecimento institucional das divergências. É uma forma de política em que se busca
A democracia desequilibrada No discurso de lançamento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva explicou o objetivo da instituição: “Vamos ensinar o Brasil a negociar”. A proposta era reunir integrantes da sociedade civil e do governo para debater e assessorar a Presidência da República na formulação de políticas dirigidas a temas como crescimento econômico e justiça social. Apesar de ser considerado um espaço político inovador por muito de seus integrantes, como o professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luiz Gonzaga Belluzzo, o CDES
tem uma estrutura desequilibrada. De acordo com uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), organizada pelo professor de ciência política Lúcio Kowarick, o Conselho favorece a representação de empresários e de paulistas. Das 90 pessoas escolhidas pelo governo para participar do CDES, 50% pertencem à esfera empresarial e 51% são de São Paulo (veja gráficos ao lado). “O desequilíbrio na representação enfraquece a possibilidade de debate. Não há discussão quando pessoas defendem idéias e interesses parecidos. O ponto forte do Conselho não é criar consenso, mas criar debates e controvérsias”, ava-
lia Belluzzo. O economista considera o CDES um instrumento para democratizar a política e aponta um mal que atinge parte da sociedade brasileira: não gostar de divergências. “Se todos pensam da mesma forma, não adianta criar um espaço como esse. Para aumentar o debate, é preciso aumentar a diversidade”, afirma. Além disso, o professor acredita que o Conselho pode também ajudar na criação de um projeto de desenvolvimento para o Brasil. Segundo a pesquisa da USP, 70% das propostas que os conselheiros levantaram em relação à reforma da Previdência foram enviadas ao Congresso pelo governo. (JAP)
os pontos comuns para chegar a um resultado. Ao mesmo tempo, há uma certa partilha do poder, pois o governo abre os temas da agenda para discussão.
ção, no entanto, o que conta é o interesse coletivo e deveriam prevalecer os pontos comuns. As diferenças são resolvidas em outros campos.
BF – Qual é o impacto da política da negociação sobre os outros espaços de confronto entre empresários e trabalhadores? Kowarick – O Conselho, ou qualquer pacto social, não pode substituir a luta social. Os metalúrgicos vão continuar fazendo greve, os sem-terra vão continuar ocupando, até que haja uma situação sustentável para os trabalhadores. A CUT tem interesses conflitantes com os bancos, e isso leva a uma situação de confronto. E espero que seja assim; se não for, acaba o movimento sindical. Dentro dos espaços de negocia-
BF – O entendimento nacional, proposto pela CUT, entra na tradição da negociação constituída pelo governo? Kowarick – Tem-se utilizado o termo pacto para definir a negociação da CUT e da Fiesp, mas não é isso. É mais um projeto de acordo sobre assuntos específicos, que tem muita chance de não dar certo, pois tem muita gente interessada em falar antes da hora. Talvez o erro seja que não tenha sido discutido com mais profundidade, não pode só ser um instrumento de marketing político. (JAP)
QUEM SÃO OS CONSELHEIROS POR ESTADO E DISTRITO FEDERAL
Paraná Rio Grande do Sul
Outros
16% 6%
8%
51%
8%
Distrito Federal
São Paulo
10% Rio de Janeiro TOTAL DE CONSELHEIROS – 90 POR ESFERA DE ATUAÇÃO
Personalidades***
16% Trabalho**
14%
50%
20% Social*
Empresarial
TOTAL DE CONSELHEIROS – 90 * Integrantes de movimentos sociais, entidades e organizações não-governamentais (ONGs). ** Integrantes de sindicatos, federações e confederações de trabalhadores. *** Intelectuais e artistas. Fonte: Projeto Movimentos Sociais e Sociedade Civil, organizado pelo professor de ciência política Lúcio Kowarick, da Universidade de São Paulo (USP).
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De 16 a 22 de setembro de 2004
NACIONAL DÍVIDA COM O FMI
Recuperação rápida Reajustado no dia 1º de setembro, o novo salário-mínimo da Argentina é de 450 pesos, ou 149 dólares, 68% a mais do que o salário-mínimo do Brasil, que é de 260 reais, ou 88,7 dólares. Para um país que viveu uma crise profunda, com quebradeira geral, até que a Argentina está conseguindo dar a volta por cima rapidamente – e sem fazer agrados especiais ao FMI. Geração de empregos A Organização Internacional do Trabalho divulgou semana passada estudo sobre a situação do emprego na América Latina, no primeiro semestre de 2004. De acordo com o relatório, houve queda do desemprego no continente graças aos números positivos da Argentina e do Uruguai. A situação do Brasil, a OIT classifica de “estagnada”. Negócio exagerado Estudo realizado pela Esalq-USP indica que a participação média da agricultura e da agroindústria no PIB brasileiro, nos últimos anos, foi da ordem de 31% do total; dessa parte, a agricultura e a pecuária, incluindo pequena e média propriedade, ficam com 9,4%; e dessa parte apenas 3,5% são de exportações do agronegócio. Ou seja, a produção de alimentos e de outros bens agroindustriais de consumo para a população brasileira tem peso bem maior no PIB do país. Trabalho escravo O Ibase comunica que suspendeu o direito do Grupo José Pessoa de utilizar o “Selo Balanço Social-Betinho 2002”, conferido em dezembro de 2003. A suspensão, inédita, ocorreu após o Ibase tomar conhecimento da existência de uma ação movida pelo Ministério Público do Trabalho, por trabalho análogo à escravidão, na Usina Santa Cruz, em Campos dos Goytacazes (RJ), de propriedade do Grupo José Pessoa – que é um dos maiores produtores de álcool do país.
Dinheiro retido em 18 meses para pagar juros faria reforma agrária com 5 milhões de famílias Jorge Pereira Filho da Redação
A
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deve entrar, nos próximos dias, com uma ação exigindo que o Congresso cumpra sua obrigação constitucional, e realize uma auditoria da dívida externa. Desde o início do governo Lula, o setor público (União, Estados, municípios e estatais) deixou de investir R$ 119 bilhões para pagar os juros da dívida brasileira. Qualquer pessoa endividada, por mais enforcada que esteja, tem controle sobre quanto tem a pagar e para quem está devendo. Trata-se, no mínimo, de respeito ao seu esforço para conseguir dinheiro. Mas o governo brasileiro, que está acumulando arrecadação recorde de impostos, praticamente ignora quem são os credores da dívida externa do país. Ao que tudo indica, também não se preocupa em saber para onde vai o pagamento da dívida. Para se ter uma idéia, os recursos economizados pelo setor público nos primeiros 18 meses da gestão Lula somam mais de três vezes todo o orçamento do Ministério da Saúde (cerca de R$ 36 bilhões), ou sete vezes mais do que toda a receita do Ministério da Educação (aproximadamente R$ 17 bilhões). Essa verba seria suficiente, também, para se fazer uma reforma agrária com quase 5 milhões de famílias. Segundo o Plano Nacio-
Henrique Meirelles (à esq.), presidente do Banco Central, conversa com o diretor-gerente do FMI, Rodrigo Rato
nal de Reforma Agrária (PNRA), seriam necessários R$ 24 bilhões para assentar 1 milhão de famílias, cálculo que inclui o gasto com indenização das terras desapropriadas e a entrega de meios indispensáveis para assegurar uma renda decente às famílias assentadas. Em 2004, o governo só assentou 28 mil famílias. “Lamentavelmente, não vejo no governo Lula nenhum interesse em saber o real valor da dívida externa,
ao contrário do que sempre defendeu quando era oposição”, afirmou Aristoteles Atheniense, vice-presidente da OAB. A auditoria da dívida consta do artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que prevê que “no prazo de um ano, a passar da promulgação da Constituição, o Congresso promoverá, pela comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do Wilson Dias/ABr
Hamilton Octavio de Souza
Brasil desconhece seus credores Antônio Cruz/ABr
Fatos em foco
Amnésia paulistana As últimas pesquisas sobre intenção de voto em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país (7,7 milhões de eleitores), colocam o tucano José Serra alguns pontos na frente da petista Marta Suplicy. A prefeita não é nenhuma miss simpatia, mas também não dá para esquecer que o Serra representa a volta do governo FHC – que deixou o país no buraco atual. Alerta vermelho O PT tem crescimento eleitoral desde 1982, tanto em número de vereadores e prefeitos, quando em deputados estaduais e federais, senadores e governadores. Tudo indica que vai registrar novo crescimento em 2004, agora não mais apenas pelos méritos da atuação política do partido, mas porque passou a capitalizar também o tradicional voto útil no menos pior. Falta muito O estrago feito pelo modelo neoliberal e pelo governo FHC ao povo brasileiro ainda está longe de ser superado. Estudo da FGV confirma que a remuneração do trabalhador diminuiu 12% de 1996 a 2004; da mesma forma, a indústria – de vestuário, de eletrodomésticos e de alimentos – produz, hoje, menos do que produzia em 1996. O governo Lula precisa fazer muito mais só para recuperar o padrão de consumo de dez anos atrás. Central combativa Os metalúrgicos de São Paulo, ligados à Força Sindical, não estão nem aí com a proposta de pacto que a CUT apresentou aos empresários da Fiesp: iniciaram campanha salarial com pedido de reajuste de 15% (aumento real de 8%) e redução da jornada de trabalho semanal de 44 para 40 horas, entre outras reivindicações.
Em encontro com representantes da sociedade civil, Rato (à esq.) recebeu duras críticas sobre o papel do Fundo
endividamento externo brasileiro”. Tal comissão teria o mesmo poder de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Os deputados aprovaram a Constituição em 1988 e, então, era de se esperar que a auditoria da dívida começasse em 1999. Em 2000, 6 milhões de brasileiros participaram de um plebiscito popular exigindo a realização da auditoria, mas o então presidente Fernando Henrique Cardoso ignorou a demanda.
CRÍTICAS Dia 29 de agosto, o diretorgeral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo Rato, esteve no Brasil para uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Depois, marcou um encontro com representantes de organizações civis em uma estratégia do Fundo para tentar amenizar a visão negativa que possui entre os trabalhadores e setores progressistas da sociedade. A iniciativa não surtiu efeito e Rato ouviu duras críticas ao papel do Fundo. “Dizemos não às políticas do FMI porque constatamos de forma crescente os efeitos perversos de suas políticas: o desemprego crescente, o aumento das desigualdades e a destruição da possibilidade de desenvolvimento soberano e solidário”, dizia a carta entregue a Rato por representantes da sociedade civil.
Carta ao Fundo Monetário Internacional Ilmo. Sr Diretor Geral do Fundo Monetário Internacional Senhor Rodrigo Rato, Somos um grande movimento, presente em várias partes do mundo, que vem se manifestando contra as políticas do FMI. Defendemos que 60 anos de Bretton Woods bastam e que a dívida externa já foi paga. Para comprovar isso, queremos uma auditoria pública desta dívida conforme prevê o Artigo 26 do ADCT da Constituição Federal do Brasil, realizadas sob controle da sociedade civil. Dizemos NÃO às políticas do Fundo Monetário Internacional e dizemos NÃO porque constatamos de forma crescente os efeitos perversos de suas políticas: o desemprego crescente, o aumento das desigualdades e a destruição da possibilidade de desenvolvimento soberano e solidário. Por essa razão, as reuniões anuais do Fundo e do Banco Mundial são marcadas pelo protesto de milhares de pessoas que vão às ruas lutar para que suas nações reconquistem a autonomia na definição
de suas políticas econômicas, para dizer não ao pagamento da dívida externa e defender o ser humano e o meio ambiente como focos centrais de qualquer modelo econômico, diante da preponderância atual do tema finanças. Em 2000, a Campanha Jubileu Sul realizou no Brasil uma consulta popular que contou com a participação de mais de 6 milhões de pessoas. Destas, 93,6% disseram que o Brasil não deveria manter o acordo com o FMI. Consideramos que mecanismos como estes, de consulta direta à população, devam ser os verdadeiros instrumentos de diálogo com a sociedade civil. Não consideramos esse grupo aqui reunido apto a representar a sociedade civil brasileira. Somos parte desta sociedade, mas não temos mandato para representá-la. Há praticamente um consenso global a respeito da ineficácia do FMI. Para países do Sul ele funciona como ‘guardião dos interesses dos credores internacionais, na medida em que impõe políticas sobre os governos destes países, que incluem programas de ajustes, bem
como a condicionalidade de abertura da conta de capital. Essas não somente causam devastação social, mas também solapam as bases do desenvolvimento econômico. Os efeitos negativos das políticas aplicadas em decorrência dos acordos celebrados com o FMI e o fracasso das operações financiadas levaram os países em desenvolvimento a graves crises de endividamento e ao crescente reconhecimento da necessidade de equacionamento da dívida externa. Após os inúmeros problemas associados à crise asiática, os governantes dos países desenvolvidos chegaram a uma conclusão óbvia, já bastante conhecida de muitos analistas de países em desenvolvimento que têm sofrido o impacto devastador dos acordos do FMI: os acordos e os recursos do FMI são incapazes de resolver problemas estruturais de balanço de pagamentos resultantes de desigualdades históricas entre Norte e Sul. Portanto, Sr. Diretor Geral, estamos aqui para dizer que não apoiamos as políticas do FMI. Discordamos da postura desrespei-
tosa e antidemocrática desta instituição, cuja direção o Sr. acabou de assumir, sendo urgente e necessário que ela seja radicalmente democratizada. Queremos dizer, também, que a administração da saúde financeira de um país deve ser tarefa autônoma e soberana de cada governo, refletindo sempre e claramente a autêntica vontade do povo. Enfatizamos ainda que, em caso de crise, deveríamos poder contar com organizações financeiras que funcionem de forma solidária e dialógica – sem impor condicionalidades – na concessão de seus empréstimos. Por fim, não queremos a continuidade do FMI e de suas políticas atuais. Elas são implementadas à revelia do controle democrático e social e beneficiam, em detrimento das aspirações dos povos, os interesses dos grandes investidores internacionais. 60 ANOS BASTAM! Campanha Jubileu Sul Coordenação da Auditoria Cidadã da Dívida Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
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De 16 a 22 de setembro de 2004
NACIONAL ORÇAMENTO 2005
União investirá menos na área social Proposta inclui previsão de gastos maiores do setor público. A equipe econômica vai deixar o governo gastar? Agência Brasil
Jonas Oliveira/Folha Imagem
Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
A
proposta de orçamento para 2005, encaminhada pelo Ministério do Planejamento ao Congresso no final de agosto, contempla uma redução proporcional dos gastos em projetos sociais, quando comparados aos grandes números do projeto. Em valores absolutos, tomadas as despesas discricionárias – ou seja, que dependem única e exclusivamente da decisão do próprio governo –, os gastos sociais até experimentam crescimento, passando de uma previsão de R$ 43,2 bilhões em 2004, 23% acima do ano passado, para R$ 49,1 bilhões, em 2005, num avanço nominal de 14% em relação a 2004. A questão é que o governo preferiu concentrar maiores recursos no setor de infra-estrutura, atendendo à crescente pressão de grupos econômicos e lobbies diversos. Por isso, proporcionalmente, a participação dos recursos reservados para a execução de políticas sociais no total de despesas discricionárias baixou de quase 70%, em 2003 e 2004, para 65,7% em 2005. Os gastos com infra-estrutura avançam de menos de 12%, para praticamente 14%, saltando 40% na comparação entre 2004 e 2005.
SAÚDE PERDE No total, a despesa com infraestrutura deve avançar 19%, saindo de R$ 62,7 bilhões para R$ 74,8 bilhões no próximo ano. O Ministério da Saúde foi o mais afetado pela nova distribuição dos recursos: sua participação no total encolheu de 46,2% em 2004 para 42,1% no próximo ano, depois de atingir 47% no orçamento realizado em 2003. Em termos nominais, a Saúde terá à sua disposição, para gastos gerais, R$ 31,5 bilhões, correspondentes a um incremento de apenas 8,6% em relação a 2004. O Ministério dos Transportes, que deve concentrar uma generosa porção dos gastos destinados a obras de infra-estrutura (recuperação e construção de rodovias, ampliação da malha ferroviária etc.), viu sua fatia engordar de 3,7% para 4,6% entre a lei orçamentária fixada para este ano e a proposta para 2005, num salto relativo de 48% (de R$ 2,3 bilhões para R$ 3,4 bilhões).
Para compensar perdas no Ministério da Saúde, o governo reforçou os recursos à disposição do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome
correspondem a uma participação de 9,2% em 2004 e de 9,7% no próximo ano. O Ministério do Desenvolvimento Agrário terá aumento de 45,7% no total de recursos discricionários, para quase R$ 1,9 bilhão. Entretanto, sua participação continua em modestos 2,5% (ligeiramente acima da fatia de 2,1% prevista para 2004).
FIM DA LEI SECA? Os programas de transferência de renda, reunidos sob o guardachuva do Bolsa Família, devem receber recursos 10% maiores do que o total esperado para este ano, projetando-se um valor de R$ 6,5 bilhões para 2005 – nada menos do
que 85,7% mais do que os R$ 3,5 bilhões gastos em 2003. Aparentemente, conforme indicam as projeções embutidas na previsão de orçamento para 2005, que ainda depende da aprovação do Congresso, o governo parece disposto a incrementar os investimentos públicos depois de anos de arrocho. Somando recursos extraordinários, que devem ser assegurados pela previsão de aumento da arrecadação de impostos, mais as verbas incluídas na reserva de contingência e a previsão original para 2005, o governo trabalha como uma estimativa de investimentos de R$ 15,8 bilhões – nada menos do que 52% mais do que o total previs-
to para este ano (R$ 10,4 bilhões, segundo a reprogramação realizada em junho passado). Isso significaria que Brasília estaria disposta a aliviar o aperto, permitindo maior folga para a economia crescer um pouco mais no próximo ano. A leitura seria correta não fosse a compulsão revelada pela equipe econômica de arrochar as despesas na boca do caixa, impedindo que os recursos disponíveis tenham a destinação prevista na lei orçamentária.
SÓ APARÊNCIA Exemplo: no primeiro semestre deste ano, foram liberados recursos equivalentes a apenas 5,6% do total reservado no orçamento para os
A FATIA DE CADA UM Despesas discricionárias, isto é, que dependem apenas da decisão do governo, valores em milhões de reais ÁREA DE GOVERNO
2003
Política social 35.219 Infra-estrutura 6.086 Poderes de Estado e Administração 7.634 Produção 1.905 TOTAL 50.845
Participação no total (%) 69,3 12,0 15,0 3,7 100,0
2004
Participação no total (%)
43.227 7.441 9.283 2.785 62.736
69,0 11,9 14,8 4,4 100,0
2005 49.155 10.444 11.491 3.709 74.799
Participação no total (%) 65,7 14,0 15,4 4,9 100,0
Fonte: Ministério do Planejamento
CAMPO TEM POUCO Para compensar o enxugamento proporcional na área da Saúde, o governo reforçou os recursos discricionários à disposição do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, que saltam de R$ 5,8 bilhões para R$ 7,2 bilhões (mais 25,6%). Estes valores
O NOVO APERTO NOS SALÁRIOS Participação dos gastos com pessoal e encargos sociais nas despesas totais e na receita líquida da União Período
Na despesa total (%)
Na receita líquida (%)
2001 2002 2003 2004 2005
31,2 30,8 29,2 27,1 26,4
28,3 27,3 25,4 23,9 23,3
Fonte dos dados brutos: Ministério do Planejamento
Elaboração: Brasil de Fato
E continua a política de desmonte do Estado A opinião pública tem sido bombardeada, anos a fio, por um discurso monocórdio, segundo o qual o setor público deveria ser visto como uma espécie de bicho-papão da economia, sugando os recursos disponíveis para financiar uma máquina inchada e ineficiente, atrapalhando e mesmo impedindo o crescimento econômico. Os números divulgados pelo Ministério do Planejamento, quando apresentou a proposta para o orçamento da União em 2005, mostram o inverso. O notório avanço dos governos sobre os recursos das empresas, pessoas físicas e contribuintes em geral, com exceções igualmente notórias (caso dos bancos, que ainda conseguem lucros bilionários com o mínimo de recolhimento de
impostos), não tem beneficiado o setor público. Ao contrário, como este jornal tem demonstrado, o crescimento da carga de impostos pagos por todos vem alimentando o cassino dos juros, transferindo renda para investidores/especuladores e grupos financeiros, às custas do contribuinte. A evidência? Numa singela apresentação distribuída à imprensa no final de agosto, o ministro do Planejamento, Guido Mantega, mostra, em um dos seus quadros estatísticos, que o Estado brasileiro vem gastando cada vez menos, em termos proporcionais e mesmo absolutos, para financiar seu funcionamento diário. Em 2002, por exemplo, o Executivo consumiu 14,2% do orçamento da União para cobrir as despe-
sas relacionadas ao funcionamento da máquina administrativa. Os gastos de custeio (compras de materiais e equipamentos, como computadores e impressoras, móveis e até o cafezinho dos ministros) consumiram, então, menos de R$ 59,2 bilhões, desabando para R$ 52,8 bilhões no ano seguinte (14,1% das despesas totais).
DEFINHAMENTO Neste ano, estima-se que aquele tipo de despesa deverá atingir R$ 55,8 bilhões (R$ 3,4 bilhões abaixo de 2002), correspondentes a 13,4% do orçamento, que projeta para 2005 gastos na faixa de quase R$ 63 bilhões (12,8% mais do que a previsão para 2004). Recuperação, depois do arrocho? Nada disso: a participação das despesas de custeio do Exe-
cutivo nos gastos totais da União deve cair para 12,4%. Comparado a 2002, haverá uma variação nominal de apenas 6,4% – o que não repõe sequer a inflação esperada para este ano, na faixa de 8%. Gasta-se muito mais com juros para que o setor público funcione como deveria. Só para efeito de comparação, o governo federal gastou, apenas com o pagamento de juros sobre sua dívida, R$ 49,6 bilhões em 2002, correspondendo a 84% das despesas de custeio da máquina federal. No ano seguinte, os gastos com juros foram mais de duas vezes superiores à despesa de custeio (R$ 113 bilhões, frente a R$ 51,8 bilhões). No ritmo deste ano, o governo vai desembolsar em juros mais de 60% além do que gastará para colocar o Executivo em funcionamento. (LVF)
investimentos públicos em 2004. A Saúde pôde investir menos de R$ 160 milhões no período, representando 6,2% do total previsto para a pasta. Há outros exemplos da compulsão automática pelo arrocho indiscriminado. O programa Primeiro Emprego, criado para incentivar as empresas a abrirem vagas a jovens desempregados, recebeu 0,2% do orçamento previsto, investindo meros R$ 441,6 mil de um total de R$ 189,1 milhões definidos para este ano. No Ministério dos Transportes, autorizado a investir R$ 2,38 bilhões em 2004, apenas R$ 20,21 milhões foram efetivamente gastos, representando 0,85% do total.
Arrocho nos salários do funcionalismo A proposta de orçamento da União para 2005 mantém a política de aperto para os salários do servidor público, embora contemple a previsão de um crescimento ao redor de 8,7%, na comparação com 2004. A contradição é apenas aparente. A constatação de que o arrocho será preservado leva em conta a análise dos dados do próprio orçamento. Até 2001, as despesas com pessoal e encargos sociais da União representavam 31,2% das despesas totais e 28,3% da receita líquida. Essa fatia vem murchando ano a ano, baixando, respectivamente, para 27,1% e 23,9% em 2004. Para o próximo ano, como se espera um avanço de 11,3% para a receita líquida, aquela fatia será ainda menor, passando a 26,4% dos gastos totais da União e para apenas 23,3% da receita líquida. Um retrato do aperto pode ser vislumbrado em outro tipo de informação, que compara as despesas com salários e encargos sociais da União com o total das riquezas produzidas pelo país ao longo de um ano – o que permite afirmar se os recursos utilizados dessa forma têm sido ou não excessivos. Há dois anos, aqueles gastos representavam 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB), atingindo cerca de R$ 74 bilhões, segundo o Ministério do Planejamento. Para 2004, estima-se uma participação de 5,18% e, no ano que vem, menos de 4,9% – a mais baixa relação na série de dados do ministério. (LVF)
8
De 16 a 22 de setembro de 2004
NACIONAL REFORMA AGRÁRIA
Agronegócio impede acesso à terra No primeiro semestre, só 28,7 mil famílias foram assentadas, muito abaixo da meta do MDA de 47 mil famílias
QUASE NADA Para ele, o que vem sendo feito é uma “reforma agrária limitada por cercas”. Faltam, diz, sinais concretos que possam ser tomados como símbolos da transformação social no campo. Não faltam sinais do “ponto morto” em que se encontra o governo com relação a um consistente salto na reforma agrária. A pedido da Agência Carta Maior, Plínio de Arruda Sampaio trocou em miúdos um balanço do PNRA apresentado pelo Incra em agosto aos representantes do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), que reúne os principais movimentos sociais ligados ao campo. Professor, advogado e ex-deputado constituinte pelo PT, Sampaio coordenou a elaboração da primeira versão do PNRA (que previa 1 milhão de famílias assentadas em quatro anos) para o governo Lula. O Plano final e oficial diminuiu a meta para 520 mil famílias. Entretanto, de acordo com Sampaio, no primeiro semestre, foram efetivamente assentadas apenas 28,7 mil familias. A meta do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para o período era de 47 mil famílias. Para todo ano de 2004, a pasta prometera terras para 115 mil novas famílias.
FIM DO MUNDO “Comparada com 2003, a ação do Incra neste ano foi muito mais efetiva e até supera ligeiramente o melhor ano do (ex-ministro na gestão Fernando Henrique Cardoso e atual deputado federal pelo PPS-PE, Raul) Jungmann. Porém, há uma pequena diferença: todo mundo sabe que o Jungmann estava lá para não fazer a reforma agrária”, comenta Sampaio. O balanço do Incra mostra também que a tendência de assentar familias nas regiões Norte e Nordeste tampouco foi descartada. “Ou seja, não se alterou a política ‘FernandoJungmanniana’ de jogar os sem terra no fim do mundo”, avalia o especialista. A concentração das desapropriações em áreas de baixa densidade demográfica e precária condição de
NA CONTRAMÃO
Colheita de trigo em fazenda de Cornélio Procópio, região Norte do Paraná
SALDOS COMERCIAIS DO BRASIL Em bilhões de dólares ANO Saldos comerciais totais Saldos comerciais do agronegócio
1999 -1,3 14,8
2000 -0,7 14,8
2001 2,6 19,0
2002 13,1 20,3
2003 24,8 25,8
EVOLUÇÃO DO VOLUME EXPORTADO DE ALGUNS PRODUTOS AGRÍCOLAS (Em milhões de toneladas) Produtos
1995 1996 1997 1998 1999
2000 2001 2002
Café
0,79
1,02
Soja
0,84
0,93
1,04
1,32
1,32
1,62
2003 1995/2003 (%) 1,44
83,4
16,85 16,24 19,37 20,94 20,87 21,97 28,60 30,42 35,98
113,5
Açúcar
4,80
4,09
3,84
4,79
7,83
4,34
7,09
7,63
8,35
74,0
Suco de laranja
0,97
1,18
1,18
1,23
1,17
1,22
1,22
1,00
1,05
8,8
Carnes
0,64
0,82
0,91
0,95
1,23
1,46
2,16
2,84
3,44
436,1
Fumo
0,26
0,28
0,32
0,30
0,34
0,34
0,43
0,46
0,47
81,8
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC)
infra-estrutura, na chamada “fronteira agrícola”, não é fruto de uma simples escolha. A deficiente distribuição de assentamentos está relacionada com o mercado de terras.
O pesquisador lembra que, apesar dos expressivos superávits primários obtidos, os compromissos das dívidas interna e externa do Brasil têm sido apenas parcialmente liquidados, com a maior fração desses compromissos rolados em taxas estratosféricas que, por sua vez, realimentam o endividamento. Considerando a retração do fluxo de capitais para o país, o governo vem apostando na crescente geração de resultados positivos na balança comercial exatamente por meio do agronegócio (veja quadro).
SUPERÁVITS INÚTEIS Este é um dos pontos de análise elaborada por Gerson Teixeira, que relaciona as vulnerabilidades externas da economia brasileira com o agronegócio, e a conseqüente valorização do latifúndio improdutivo. A seu ver, está em andamento uma “estratégia singular de tentar a administração das enormes vulnerabilidades externas do país com a utilização, no limite, de um setor em ritmo acelerado de decomposição econômica, que subsiste às expensas de seqüelas sociais e ambientais”.
AMAZÔNIA Teixeira destaca que a área de cultivo de soja na Amazônia brasileira atingiu 4,9 milhões de hectares na safra 2002/03 (27% da área total coberta por soja no
Brasil), com enorme potencial de expansão – até o limite de 9% dos 508,8 milhões de hectares da região amazônica. Nas circunstâncias atuais de inexorabilidade da penetração acelerada das monoculturas extensivas na fronteira agrícola, ele observa que “o latifúndio improdutivo assume caráter absolutamente instrumental (para o crescimento da produção agroindustrial)”. A diferença entre empresa agrícola e latifúndio improdutivo tende, portanto, a ser cada vez menos clara. “O latifúndio improdutivo passa a constituir o próprio território de expansão do agronegócio e, sob tal condição, passa a apresentar-se como essencial para a ‘resolução dos problemas macroeconômicos nacionais‘ associados às vulnera-
Na contramão da tendência mundial de declínio acentuado da participação das exportações agrícolas nas exportações totais de bens, o Brasil vem assistindo a um fenômeno recente no sentido inverso. De acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), a participação das exportações agrícolas mundiais sobre as exportações totais de bens apresenta trajetória de queda linear na comparação entre 1950 a 2002 – a queda, no período, foi de 45,1%, para 9,3% da participação dos produtos da agricultura. “Tomando-se o período de 1992 a 2002, constata-se que essa relação no mundo declinou de 12,2%, para 9,3%. Enquanto isso, a participação das exportações agrícolas brasileiras nas exportações totais de mercadorias aumentou de 25,4%, para 32,2%, com nítido viés de ampliação dessa proporção”, assinala Teixeira. As receitas cambiais brasileiras com as exportações de commodities agropecuárias têm se mantido, ou até cresceram em alguns poucos casos, graças ao incremento substancial dos volumes exportados (veja tabela). Um dado pouco divulgado que mereceu destaque na análise do pesquisador foi o ritmo de produção de sementes paralelo à escalada do agronegócio. A despeito do aumento monumental dos volumes da exportação de gêneros agrícolas, o país produziu, em 2002, menos sementes do que em 1986. Essa discrepância joga luz sobre o alto grau concentrador da opção econômica que prevalece nos campos e nas matas derrubadas Brasil afora. Nem ao menos os produtores de sementes estão ganhando com a expansão do agronegócio. Em sua conclusão, Teixeira é categórico: “(...) a ênfase à agricultura em escala desautoriza qualquer discurso ou iniciativa com vistas à democratização da propriedade fundiária no Brasil”. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)
Romaria reúne 10 mil em defesa da água Dirceu Pelegrino Vieira de Balneário de Pratas (SC) Organizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a 18ª Romaria da Terra e das Águas de Santa Catarina reuniu cerca de 10 mil pessoas, dia 12, em Balneário de Pratas, município de São Carlos (SC). A baixa temperatura e a chuva não intimidaram os romeiros vindos de todas as regiões do interior do Estado, do Rio Grande do Sul e do Paraná. Com o lema “Terra e Água Fontes de Vida”, a programação, que previa atividades para todo o dia, foi condensada apenas para o período da manhã, por causa do mau tempo. Pastores luteranos e dez bispos católicos coordenaram a celebração, marcada pela implantação de uma cruz no local, bênção e distribuição de sementes crioulas. Representando a Via Campesina e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), irma Brunetto falou da importância dos cristãos reunirem-se para lutar por um mundo melhor. “O capital não respeita a terra, não respeita a água, não respeita as sementes e não res-
Douglas Mansur
A
composição de forças e a variada coloração político-ideológica das forças de apoio ao governo ajudam a manter a reforma agrária da administração Lula em estado de incubação. Quem é dono da sua terra e trabalha na agricultura, por seu turno, tem pouco do que reclamar. O governo federal vem dando cada vez mais condições para o desenvolvimento da atividade produtiva no campo, tanto em incentivos à exportação para grandes fazendeiros, como em seguros de custeio aos pequenos produtores. Há que lembrar, ainda, que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) passa por uma reestruturação interna, com realização de concursos e previsão de novas contratações de pessoal. E o montante de recursos destinados aos programas do setor agrícola no Orçamento de 2005. Tudo isso, porém, contrasta com o engessamento do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Uma das eternas prioridades da agenda nacional com maior potencial de impacto distributivo na estrutura econômica e social, a reforma agrária permanece, na visão do especialista em questões agrárias Gerson Teixeira, em “período de gestação”. Formado em agronomia e doutorando de economia, Teixeira deixou recentemente a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, ligada à Presidência da República, para voltar a atuar como assessor parlamentar.
bilidades externas da economia”, avalia. Ainda de acordo com a análise de Teixeira, além das (más) repercussões sobre ecossistemas estratégicos como o da Amazônia, o impulso ao agronegócio exportador no país “fere a racionalidade econômica”. Primeiro por causa da tendência da estabilização do consumo mundial dos grãos.
Jonas Oliveira/Folha Imagem
Maurício Hashizume de Brasília (DF)
Celebração de encerramento da 18ª Romaria, que repudiou as tentativas de privatização da concessão da água no país
peita a vida humana”, disse. A mobilização alertou para o uso social da terra e da água. Manifestando posição contra as propostas de privatização da concessão da água e a construção de grandes barragens, representantes
de diversas igrejas e os romeiros defenderam a proposta de se buscar outras formas de geração de energia, com menor impacto social e ambiental. A escolha de São Carlos para sediar o evento se deu pela pro-
ximidade à barragem de Foz do Chapecó, a ser construída no Rio Uruguai, entre os municípios de Águas de Chapecó (SC) e Alpestre (RS). Cerca de 2,5 mil pessoas devem perder suas terras com o início da obra.
Ano 2 • número 81 • De 16 a 22 de setembro de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO ITÁLIA-IRAQUE
Libertem as reféns, prendam Berlusconi D
epois da insólita reivindicação para que todas as mulheres iraquianas presas pelas tropas estadunidenses fossem libertadas, o último contato do grupo armado Ansar El Zawahri, que assumiu a autoria do seqüestro das ativistas italianas Simona Toretta e Simona Pari e dos iraquianos Ra’ad Ali Abdul Azziz e Mahnoaz Bassam, foi para que as tropas italianas sejam retiradas do Iraque. Dia 10, uma manifestação em Roma pela libertação dos reféns e pela retirada imediata dos três mil soldados italianos do Iraque reuniu 80 mil pessoas. Mas somente as palavras de ordem dos Desobedientes, da esquerda radical, quebravam o silêncio e demonstravam o verdadeiro desejo dos manifestantes: “Libertem as Simonas. Levem Berlusconi”. Em entrevista a uma rede de televisão, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi se disse “muito feliz” com o consenso dos partidos políticos em torno da “unidade nacional”. O tal consenso consiste em exigir a libertação das reféns italianas e não se falar mais sobre a retirada das tropas italianas nem sobre o fim da ocupação estadunidense no Iraque.
PACTO COM O DIABO A idéia de consenso seduziu até mesmo Fausto Bertinotti, secretário da Refundação Comunista, partido que aglutina grupos e movimentos mais à esquerda. Para ele, enquanto as militantes da ONG Ponte para Bagdá estiverem seqüestradas, não se discute
a evacuação do Iraque. De outra forma, seria aceitar a chantagem dos terroristas. “Sei que vou perder quadros do partido. Paciência”, ele declarou à imprensa, na semana passada. “Faço pacto até com o diabo para derrotar o terrorismo”, acrescentou. A declaração enfureceu os integrantes do partido e os pacifistas. “Se entendo bem”, escreveu um leitor ao Liberazione, jornal da Refundação, “estou entre os quadros que Bertinotti vai perder. É absurdo fazer
As ativistas italianas Simona Toretta e Simona Pari
acordo com um primeiro-ministro que colocou a Itália nessa guerra. Somos reféns de Berlusconi”. E
outro leitor: “Não se pode falar em unidade nacional com esse governo. Isso, sim, é ceder ao terrorismo”. Enquanto Berlusconi colhe os louros, na mídia, de ter na mão a direita, o centro-esquerda e, agora, a Refundação Comunista, os grandes ausentes nos noticiários são os voluntários da Ponte para Bagdá. A ONG, ligada ao Fórum Social Mundial, presta ajuda humanitária ao Iraque desde o embargo imposto pelos Esta-
dos Unidos, há 14 anos. Após o choque inicial do seqüestro, o grupo deu diversas entrevistas, mas agora escolheu se calar para não polemizar com o governo. “Somente Berlusconi é quem ganha com esse silêncio”, avalia o publicitário Fabio Ferri, que colabora com a ONG. “Em 1991, na primeira guerra contra o Iraque, o slogan da Ponte era ‘O silêncio é uma maneira de matar’. O silêncio não é uma posição que nossas companheiras sustentariam”.
Primeiro-ministro italiano reconstrói fascismo Há seis meses um grupo fascista ocupou um prédio na Piazza Vittorio, reduto de imigrantes no centro de Roma, sem que houvesse intervenção da polícia. A ocupação, a poucos metros da ONG Ponte para Bagdá, foi batizada como Casa de Cultura Ezra Pound. Os fascistas intimidam paquistaneses e africanos e colam cartazes chamando para palestras como “A mulher e o fascismo” e “A Itália para os italianos”. Fosse em outros tempos, o prédio seria interditado e o grupo, desbaratado, já que a lei italiana não permite agremiações fascistas. Porém esta é, hoje, a Itália de Silvio Berlusconi, considerado um fascista. O primeiro-ministro enfrenta ações judiciais por fraude nos dados financeiros de suas empresas, processos por propina e por favorecimento da máfia. Ao mesmo tempo dono de financeiras, seguradoras e redes de televisão, Berlusconi legisla mudando até a Constituição em favor próprio.
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Solange Cavalcante de São Paulo (SP)
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Manifestação pela libertação dos reféns e pela retirada imediata dos soldados italianos do Iraque reuniu 80 mil pessoas
“Libertem as Simonas, levem Berlusconi”, “Somos todos reféns dos EUA”
Em seus dois mandatos, ele tem privatizado gradualmente a educação. Instituiu rigor penal igual para usuários de drogas leves e traficantes. Fortaleceu a direita e a Igreja Católica ao proibir a inseminação artificial para mulheres homossexuais e casais não casados. Berlusconi também institucionalizou a tortura: agora ela pode ser aplicada pelo aparelho repressor do
Estado e só será considerada crime se praticada “mais de uma vez”.
ESQUERDA NEOLIBERAL Tem aliados na direita separatista do norte do país e uma relação promíscua com o governo de George W. Bush, que resultou não só no apoio à invasão do Iraque como no envio de três mil soldados italianos para lá. Além disso, a política
beligerante de Berlusconi tem tido ajuda da chamada sinistra liberista (esquerda neoliberal) dos Democráticos de Esquerda (DS, ex-comunistas). Em fevereiro, eles se abstiveram de votar pela retirada das tropas italianas do Iraque, o que aumentou a tensão entre esquerda e centro-esquerda. Piero Fassino, secretário do DS, foi hostilizado na Marcha pela Paz, em março. Os pacifistas têm sido implacáveis com quem acredita – e são muitos – que pode se omitir no “Fora do Iraque” e, depois, ainda marchar pedindo o fim da invasão. Porém, o assassinato do jornalista Enzo Baldoni, há duas semanas, e o seqüestro das ativistas da Ponte para Bagdá colocam a todos em grande comoção. Berlusconi, cinicamente, pede a unidade. A grande imprensa pede “senso de responsabilidade”. O que os manifestantes pedem agora é que sejam suspensos, pelo menos, os bombardeios sobre a cidade de Faluja, já que a guerra, eles concordam, é o que tem desencadeado o terrorismo no Iraque. (SC)
ANÁLISE
Carta do Iraque: pensamentos e atividades mutiladas Irmã Sherine de Mosul (Iraque) Os últimos dias foram insuportáveis porque havia explosões e seqüestradores em toda parte. O sobrinho da irmã Saint Ityeen, Basheer, foi seqüestrado no caminho para Karakoush, voltando do seu trabalho em Mosul. Ele estava com o sogro, quando alguns homens armados os fizeram parar; bateram no sogro dele com um revólver e os seqüestradores tiraram Basheer do carro. Sua família, irmãos, parentes e amigos estavam procurando por ele em Mosul e nas vilas em volta de Karakoush. Isso durou mais ou menos uma semana. Uma noite, o Protesto Mundial – Ativistas protestam no Dia de Ação Global contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) na Avenida Paulista, São Paulo. Em Goiânia (GO), cerca de 600 trabalhadores rurais reuniram-se em frente à sede da transnacional Nestlé, que possui o segundo maior faturamento do Brasil. Segundo Altacir Bunde, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Nestlé explora ilegalmente as águas da região, que são públicas. Os atos contra a OMC aconteceram em vários países, um ano após a morte do agricultor sul-coreano Lee Kyung Hae durante a reunião ministerial da instituição em Cancún, México. “A OMC mata os agricultores”, frase famosa desde a reunião de Cancún é de Lee, que se matou no dia 10 de setembro de 2003 às portas do evento, em protesto contra às políticas do órgão. Membro da Via Campesina, organização que congrega grande parte dos movimentos de agricultores em mais de 60 países, Lee se transformou num símbolo da luta contra a OMC. Na Coréia do Sul, 200 mil agricultores participaram de manifestações em diversos pontos do país, contra a abertura do mercado de arroz.
telefone tocou e os seqüestradores pediram 60 milhões de dinares iraquianos, como resgate. Pagaram a quantia e ele foi solto. Graças a Deus, ele agora está com boa saúde. No caminho de Amman para Mosul, perto de Faluja, ladrões atacaram meu primo que conduz pessoas de Mosul para Amman. Atiraram nele, mas ele não foi ferido. Roubaram o carro dele e o carro de seu amigo. Eles foram deixados na estrada, até que um motorista de Karakoush os viu e os levou até essa cidade. Foram à casa do xeque, o chefe da tribo em Faluja, que muito os ajudou a encontrar os carros. Não permitiram que recebessem os carros de volta antes de
pagar 2000 dólares americanos para cada um. Há dois dias, três moças da cidade de Bartula (duas irmãs de sangue e uma amiga delas) foram mortas, depois que saíram do lugar onde trabalhavam com os estadunidenses. A quarta está perturbada mentalmente e histérica; o motorista foi ferido e está no hospital. Dois rapazes também de Bartula foram massacrados como carneiros por terroristas, porque trabalhavam para os estadunidenses. Nossos jovens, moças e rapazes estão deprimidos e terrivelmente preocupados. Tinham muita esperança de que, depois de se livrar do antigo regime e de se libertar do ditador, teriam um futuro melhor,
mas estão realmente desapontados. Não conseguem encontrar emprego. Trabalhar para os estadunidenses é muito perigoso. Mais cedo ou mais tarde serão feridos ou mortos. Nós estamos tentando ser sinais de esperança para eles, garantindo-lhes que Nosso Pai, compassivo, não se esquecerá de nós. O amor dele por seus filhos e filhas que sofrem é grande e vamos encontrar uma saída para essa situação desastrosa. Houve cinco carros-bomba perto da sede de nossa congregação que não explodiram, mas não temos certeza se eram destinados a nós ou não. Posso garantir a vocês que as relações entre cristãos e muçulmanos estão se tornado piores,
dia-a-dia. Alguns médicos cristãos conhecidos e muitos outros, que não eram tão conhecidos como eles, foram ameaçados e obrigados a deixar o país com suas famílias. Existe, mais uma vez, uma fuga de cérebros no Iraque. A maioria das pessoas no Iraque está terrivelmente preocupada com suas crianças, que precisam freqüentar a escola e com os estudantes universitários. Nossos pensamentos e nossas atividades estão mutilados pela terrível, desastrada e perigosa situação no Iraque. (Tradução Lília Azevedo) Irmã Sherine é freira dominicana e mora em Mosul, norte do Iraque Anderson Barbosa
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De 16 a 22 de setembro de 2004
AMÉRICA LATINA COLÔMBIA
Indígenas protestam contra o governo Simone Bruno de Cali (Colômbia)
E
m uma das maiores marchas já realizadas na Colômbia, cerca de 50 mil indígenas percorreram cem quilômetros entre os dias 14 e 16, em protesto contra o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos e contra o pacote de reformas constitucionais que quer limitar os direitos sociais. Apesar das tentativas do presidente Alvaro Uribe de impedir a manifestação, os índios deixaram suas reservas para irem até a cidade da Cali. Com a marcha inicia-se um longo período de mobilizações por todo o país, levadas à frente sobretudo pelas comunidades indígenas. Outras marchas se realizarão nas regiões de Meta e de Guajira. Os protestos foram organizados depois de uma ofensiva do governo e de ações de grupos paramilitares contra diversas entidades indígenas. Líderes da etnia Wayuu, da região de Guajira, por exemplo, receberam recentemente notificações de processos por fatos ocorridos há mais de quatro anos. Foi fechada sem motivo legal a rádio que há anos divulgava fatos de interesse da etnia Nasa. No dia 8, agentes do Departamento Administrativo de Segurança (DAS), o serviço secreto do governo Uribe, invadiram a sede da organização indígena na cidade de Neiva, para advertir os líderes
Mauricio Duenas/AFP
Marcha de 50 mil reivindica o fim da violência e repudia o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos
Marcha indígena percorreu mais de 100 quilômetros até Cali: protesto contra acordo de livre comércio só beneficia os Estados Unidos e faz aumentar a miséria
que organizavam os protestos. Ao mesmo tempo, chegaram centenas de paramilitares de direita, que montaram três acampamentos ao longo do trajeto da marcha iniciada no Alto Naya, na região do Cauca. Os paramilitares estavam encapuzados e portavam armas de
longo e de curto alcance; dois de seus acampamentos estão em áreas de uma multinacional. O presidente Alvaro Uribe argumentou que está ocorrendo infiltração de guerrilheiros de esquerda entre os manifestantes, o que foi interpretado como autorização
para que se atire contra a multidão, sob o pretexto de combater os guerrilheiros. Dois dias antes do início da marcha rumo a Cali, Uribe se reuniu, em Popayán, com os líderes do movimento, mas viu negado o seu pedido de cancelarem a manifestação.
Fracassada a cooptação, o presidente mudou de tática e a grande mídia colombiana, as emissoras de televisão e o único jornal de âmbito nacional, El Tiempo, passaram a apresentar a marcha como um protesto contra os grupos armados que operam no país.
Militares promovem genocídio dos Wayuu Aldeia de Bahma Portete, norte da Colômbia, 18 de abril de 2004. Integrantes do Bloco Norte das Autodefesas Unificadas da Colômbia (AUC), a principal força paramilitar de direita do país, decidem visitar os habitantes locais. A aldeia era constituída de 200 casas, habitadas por mais de 2 mil índios Wayuu. Agora, não há mais ninguém. Foram deslocados, como muitos outros povos indígenas da região de Guajira. Quando os paramilitares foram embora, deixaram doze cadáveres e 30 pessoas desaparecidas. Foram assassinados e cortados em pedaços mulheres e velhos, torturaram e esfolaram as crianças para saber onde estavam os pais (que pescavam), e violentaram as adolescentes. Alguns sobreviventes, agora refugiados na Venezuela, relatam: “Ouvi os gritos das minhas duas filhas, enquanto eram esfoladas vivas, e não pude fazer nada.” “Cortaram a cabeça da minha mãe, e minha sobrinha cortaram em pedaços. Não as pouparam, torturaram-nas para fazer ouvir os seus gritos, enquanto as despedaçavam com uma motoserra”. Rubén Epinayú,19 anos, foi amarrado a uma máquina e arrastado por cerca de um quilômetro, depois, lhe deram um tiro na cabeça. Para a líder indígena Karmen Ramírez, coordenadora da Associação Wayuu Pütchipü, nada disso é novidade na Colômbia, onde os paramilitares são o instrumento fundamental da guerra suja contra os movimentos sociais. Por trás dessa perseguição política, há um motivo econômico: a região de Guajira é rica em carvão e petróleo. “Até a Petrobras chegou com os paramilitares”, denuncia Karmen. Brasil de Fato – Quando os militares chegaram a Guajira? Karmen Ramírez – Há cerca de três anos. A estratégia é sempre a mesma e o infortúnio é morar numa terra rica. Primeiro, chega o Exército, fortemente armado, e desarma a população. Depois, com essa cobertura, chega um batalhão de paramilitares. Freqüentemente, e há testemunhos disso
bia. Mas são bem diferentes da iconografia clássica do índio da Amazônia. Hoje, na Colômbia, existem cerca de 150 mil indígenas Wayuu. Somos a segunda etnia do país. Os Wayuu são diversificados, duros e guerreiros – essa é a fama dessa corajosa população. Os primeiros exploradores descrevem a sua terra como uma península de areia, cactos e índios, fustigada por um vento fortíssimo. A Alta Guajira é um belíssimo deserto arenoso que tem saída para o Caribe e cuja vegetação é uma trama de cactos e plantas espinhosas, assim como as suas relações sociais. também na Guajira, o soldado do dia é o paramilitar à noite. BF – Por que as terras dos Wayuu interessam aos paramilitares? Karmen – As razões são muitas. No tempo da colônia, os conquistadores jamais tiveram o controle sobre o território hostil da região de Guajira. Assim, os Wayuu, que desde sempre têm sido bons comerciantes, estabeleceram relações com os piratas do Caribe, fundamentalmente espanhóis e holandeses. Por isso, há quase 500 anos, a região vive de tráficos ilegais, dos quais os próprios Wayuu tiraram proveito. Pelos portos da cidade de Guajira passam ilegalmente armas e drogas. Isso excita a ambição dos paramilitares, que têm no narcotráfico as suas maiores rendas. BF – Algum motivo mais? Karmen – Além disso, na região fica a Cerrejón, que é a maior mineração de carvão do mundo. Na expansão da empresa, em 2001, todos os habitantes da aldeia de Tabaco perderam suas casas, sem qualquer indenização. A proprietária da mineração, a transnacional ExxonMobil, propôs comprar as casas, mas muitos habitantes se recusaram a vendêlas. Em pouco tempo chegaram as máquinas, escoltadas pela polícia colombiana. O carvão de Cerrejón é enviado para Salem, nos Estados Unidos.
BF – Há outras transnacionais envolvidas com o masacre de seu povo? Karmen – Muitas vezes, a intervenção paramilitar “limpa” a zona para favorecer a intervenção posterior das transnacionais ou do próprio governo. Em Guajira, além disso, se explora o subsolo, rico em petróleo. Até a Petrobras chegou com os paramilitares. BF – E a questão da fronteira? Karmen – Não se deve esquecer que a região também é estratégica por sua fronteira “aberta” com a Venezuela. Os Wayuu são uma população que vive, ora em solo venezuelano, ora em solo colombiano, e suas vias de comunicação não são controladas por agentes estatais em nenhum dos lados. Isso sempre favoreceu o contrabando de gasolina, a imigração ilegal, o tráfico de armas e os seqüestros. Um dos objetivos da presença das AUC em Guajira é exatamente o de “paramilitarizar” a fronteira. Há tempos se fala das AUV, ou seja, as Autodefesas Unificadas da Venezuela, grupos de paramilitares venezuelanos armados e treinados pelas AUC, com o objetivo de atacar militarmente a revolução bolivariana do presidente Hugo Chávez. BF – Mas, afinal, quem são os Wayuu? Karmen – Eles são uma das populações ancestrais da Colôm-
BF – Como eles se estruturam? Karmen – Existe uma justiça interna para regular os conflitos entre clãs (grupos de famílias que chegam a até 200 membros). Se você tem um problema com um Wayuu, tem um problema com todo o seu clã, esta é a filosofia que regra a vida deles. Em caso de problemas, um mediador (Pütchipü) tenta encontrar uma solução pelo diálogo; se isso não é possível, procura-se resolver a ofensa pagando uma indenização. A opção em última instância são “as balas”. Isso contribuiu para criar a fama de população violenta. Mas o recurso às armas é raro, assim como a guerra entre os clãs. BF – E as mulheres? Karmen – O papel da mulher nas nossas comunidades é fundamental, muito mais do que em outras comunidades indígenas. Aquela divisão interna dos clãs é a causa da falta de coordenação comum para lutar contra os paramilitares. Só nos últimos meses estão surgindo organizações nas quais os clãs dialogam uns com os outros. BF – Fala-se de conivência entre famílias Wayuu e grupos paramilitares. É verdade? Karmen – Não se pode negar que algumas famílias, como a de José María Barros, o Queima-Balas, se aproveitam dos acontecimentos, colaboram nas carnificinas
A farsa do cessar-fogo As Autodefesas Unificadas da Colômbia (AUC) têm as mãos manchadas de sangue por centenas de massacres, e a motoserra é a sua arma preferida. Eles agem para espalhar o terror, forçando, assim, as pessoas a fugir, a abandonar suas próprias casas e suas terras. De acordo com as estatísticas mais recentes, relativas a 2003, os grupos paramilitares praticaram cerca de 3.600 violações dos direitos humanos, das quais 2.300 homicídios ou massacres. Isso num ano em que havia sido declarado o “cessar-fogo unilateral”, segundo as negociações do processo de paz com o governo. O Exército e as várias polícias, por sua vez, cometeram cerca de 3 mil violações contra os direitos humanos, das quais cerca de 300 foram execuções extrajudiciais. Os números são do banco de dados sobre Direitos Humanos e Violência Política, organização não-governamental
dos paramilitares e roubam as terras das famílias locais. Isso leva o governo do presidente Alvaro Uribe a tratar a questão como se fosse um acerto de contas entre clãs rivais. BF – A senhora sofreu ameaças depois que passou a denunciar os fatos? Karmen – No dia seguinte à nossa primeira reunião, os chefes paramilitares levaram minha mãe para dizer a ela que eu e minha prima somos as duas primeiras na lista dos que serão assassinados. Mas estou cansada de tudo isso e não quero me deixar intimidar pelas ameaças deles. É claro que, no momento, não posso voltar à minha casa e tenho medo do que pode acontecer à minha família, que continua lá. (SB)
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INTERNACIONAL ENTREVISTA
Pensar o neoliberalismo para fazer a luta Para o filósofo Jesús García Brigos, o atual desafio é criar organizações que resistam ao novo estágio do capitalismo
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s revolucionários não podem tomar os escritos clássicos do socialismo como se fossem verdades absolutas. Essa é a lição que dá, com exclusividade aos leitores do Brasil de Fato, o filósofo cubano Jesús García Brigos, considerado um dos maiores conhecedores da teoria de Karl Marx. Para ele, a luta socialista não tem uma fórmula pronta, pois depende das características de cada país, mas tem um objetivo claro e comum: acabar com a contradição entre capital e trabalho. Brasil de Fato – Costuma-se falar na América Latina como sendo um bloco coeso de países, com características similares. Qual é a situação atual do continente? Jesús García Brigos – A América Latina, exceto por Cuba, que vive uma situação diferente, tem, de fato, um tipo, e não nível, de desenvolvimento parecido. Nos países do continente, não importa o tamanho ou a riqueza destes, vive-se um processo de polarização da sociedade: uma enorme quantidade de pessoas marginalizadas e um grupo muito reduzido de detentores de todas as riquezas. O sistema não se sustenta por si só, pois não pode sobreviver com tamanhas desigualdades, e se torna totalmente dependente dos países mais ricos, que estabilizam a situação política, social e econômica no continente. As potências têm cada vez mais o poder para controlar os destinos. Ao mesmo tempo, a deterioração das condições de vida mostra uma perversão do sistema, que não encontra equilíbrio, nem encontrará, acho, e as populações vão despertando. Na América Latina, está o principal foco para o surgimento de uma alternativa global para o mundo, pois há luta, organização e conscientização nos povos latino-americanos. O diferencial do continente não é a atuação de seus governos, mas a mobilização popular. BF – Em seus estudos, Marx fala de um exército de reserva, condição necessária para a existência do capitalismo. As pessoas marginalizadas do continente têm essa função? Brigos – O povo dos países da América Latina é a sobra. Não vale para nada, nem tem interesse para os capitalistas. Muitas dessas pessoas, abandonadas a seus próprios destinos, estão transformando-se em verdadeiros militantes, lutando pela mudança social, pois sofrem na pele as perversões do sistema. O neoliberalismo deixou mais clara essa necessidade de lutar para atingir mudanças sociais. BF – E quanto a Cuba? Brigos – Até o colapso do bloco socialista, no início dos anos 90, não sofreu o impacto do neoliberalismo. Depois, nós cubanos tivemos que encontrar um equilíbrio entre o projeto de desenvolvimento socialista e a objetiva influência do capitalismo no país. Não é uma situação simples, pois a economia cubana não pode viver isolada, precisa ter conexões, mas a sociedade precisa criar mecanismos para não alterar a concepção de país que foi construída. Por exemplo, as empresas de Cuba precisam ter competitividade de mercado, sem prejudicar as condições de vida dos trabalhadores. Diferentemente dos países capitalistas, em Cuba, empresários não despedem funcionários para obter mais lucros. Durante muitos anos, o país vol-
Quem é Professor de filosofia na Universidade de Havana (Cuba), Jesús García Brigos é considerado um dos principais conhecedores das obras do pensador alemão Karl Marx. Em diversos países do mundo, Brigos organiza seminários internacionais para discutir a atualidade do marxismo. tou sua economia para a indústria açucareira, mas, nos últimos anos, esta não era mais rentável. A partir de discussões com a sociedade, criou-se um outro projeto de desenvolvimento econômico, transferindo trabalhadores para outras áreas da indústria. Nos modernizamos, mas não afetamos um princípio sequer de nossa sociedade. É possível aumentar os lucros mantendo o nível social, essa é a mensagem de Cuba para o mundo. O país é pequeno, rodeado de capitalismo por todos os lados, e precisa combater todas as influências do neoliberalismo, apresentando um novo modelo de sociedade sustentável. Cuba está em contato direto com países capitalistas e precisa tirar relações positivas desses contatos; esse é o desafio, pois precisa manter a autonomia econômica e cultural frente a um sistema de dominação mundial. BF – Em entrevista ao Brasil de Fato, edição 75, o filósofo húngaro István Mészáros afirmou que o neoliberalismo só se mantém com a militarização do mundo. Quais são os reflexos disso para Cuba? Brigos – Para Cuba, a militarização, engendrada pelo capitalismo, se faz presente desde 1959, ano da revolução cubana. Para muitos países, incluindo o meu, os Estados Unidos representam uma ameaça permanente; ameaça à qual os cubanos já estão prontos para resistir, até mesmo do ponto de vista militar. Nos anos 80, Cuba começou a desenvolver a concepção de “guerra de todo o povo”. Cuba tem uma força armada moderna, mas a defesa do país não depende só desta, pois todo o povo organizado enfrentaria qualquer tipo de ameaça militar. Todo mundo em Cuba recebe treinamento militar e sabe que posição tem que tomar no caso de uma agressão. Os Estados Unidos sabem que, para acabar com o regime socialista cubano, teriam que varrer todo o país do mapa, e isso a comunidade internacional não permitiria. O Iraque, para os Estados Unidos, está sendo um inferno. Mas a invasão de Cuba seria um inferno ainda maior, pois no país asiático havia muitas divisões internas e conflitos tribais, e o povo cubano não sofre desses males, pois está unido em todos os níveis. BF – Há duas estratégias do neoliberalismo no continente: uma para a América Latina e outra para Cuba? Brigos – É a mesma estratégia. A única diferença é que as grandes potências, principalmente os Estados Unidos, encontraram uma reação diferente em Cuba. A estratégia é a mesma: expansão imperialista para fortalecer o sis-
É possível aumentar os lucros mantendo o nível social, essa é a mensagem de Cuba para o mundo
lhadores têm dificuldades para se organizar. Também há um volume cada vez maior de trabalhadores deixados como sobra do sistema, que não são utilizados diretamente pelos capitalistas no modelo de organização. Como unir os trabalhadores dispersos e os marginalizados para fazer pressão no sistema se tornou o grande desafio para a classe proletária e os movimentos revolucionários de cada país. O primeiro aspecto a ser levado em conta é que cada país tem suas próprias condições e características, e estas precisam ser levadas em conta. O segundo é que, mesmo com as especificidades nacionais, a luta precisa ser global, pois o capital atua em todo o mundo. O capitalismo age em todos os países do mesmo modo, mesmo que se manifeste de modo diferente.
Fotos: Anderson Barbosa
Nilton Viana e João Alexandre Peschanski da Redação
tema dominante. Houve outras experiências de resistência na América Latina e os Estados Unidos usaram estratégias parecidas com as que usam contra Cuba, como no Chile de Salvador Allende e, agora, na Venezuela de Hugo Chávez. Nesses países, enquanto a sociedade se organizava de forma gradual e pacífica, agentes do imperialismo, como empresários e donos de jornais, introduziram a violência para impedir a resistência ao sistema dominante. BF – O neoliberalismo é uma etapa diferente do capitalismo. Por exemplo, Marx não analisou um sistema em que a maioria dos trabalhadores fosse sobra do sistema; para ele, quem levaria à revolução seria a classe proletária. Isso modifica as estratégias de resistência e organização no mundo e, de forma mais específica, na América Latina? Brigos – Para começar, é preciso saber o que Marx entende por classe, interpretada de modo muito mecânico, como se fosse apenas a ocupação que certa pessoa tem. Na verdade, uma classe é uma questão de relações, uma posição que alguém tem dentro do sistema de relações sociais. O conceito de proletariado também é usado de modo errôneo. Em seu sentido etimológico, o termo se refere a pessoas que não possuem riqueza. Assim, as pessoas que o capitalismo descarta ou as que são exploradas têm as mesmas condições: são
Muitos estão transformando-se em militantes pois sofrem na pele as perversões do sistema seres humanos que não têm nada além de sua capacidade de trabalhar. O operário de uma fábrica e uma pessoa que não encontra trabalho, pois se tornou “sobra do sistema”, estão na mesma situação na perspectiva do capitalismo. O operário vende ao capital a capacidade de dispor de sua força de trabalho. O trabalhador marginalizado, de modo semelhante, alienou ao capital a capacidade de dispor de sua força de trabalho. Ele está em uma situação em que oferece sua força de trabalho, mas não recebe nada. O operário está na mesma situação, mas recebe algo em troca. O trabalhador marginalizado é tão proletário quanto o operário de uma fábrica. Na análise que fazia Marx, no século 19, os operários apareciam como tendo mais capacidade de lutar contra o sistema de dominação. Hoje, isso mudou porque o modelo de organização do capitalismo mudou. Não há mais fábricas monstruosas, como existiam no início do século passado. Hoje, a produção se divide em pequenas unidades, que podem até estar em países diferentes, e os traba-
BF – Para Marx, uma das causas das revoluções eram as contradições do capitalismo. Se o sistema mudou, entrando no estágio do neoliberalismo, também se modificaram as contradições? Brigos – Há uma contradição fundamental do sistema e uma contradição principal em cada país. A primeira continua a mesma: entre o capital, como um sistema de relações, e o trabalho. No plano histórico, as manifestações desse conflito surgem de diversas formas – e aí ocorrem as contradições principais de cada país. Buscar a resolução das contradições principais, vinculadas a essas manifestações particulares, é o meio para acabar com a contradição fundamental. No caso cubano, em 1959 o povo queria romper com o jugo do capital, mas precisou primeiro derrotar sua contradição específica e principal, a ditadura de Fulgencio Batista. Foi então preciso tomar o poder para enfrentar a contradição fundamental, isto é, resolver a relação entre capital e trabalho em Cuba. É a partir dessa segunda etapa que a revolução passa a ser realmente socialista. Foi preciso tomar o poder político para expropriar o capital. O objetivo final precisa estar bem claro. Os revolucionários podem não o mencionar, por razões políticas práticas, já que termos como socialismo e comunismo não são bem-vistos no geral, mas precisam manter o rumo. No início da revolução cubana, o presidente Fidel Castro não falava de socialismo, pois sabia que o povo falava horrores do sistema. Após nacionalizar as empresas e expropriar os grandes latifundiários, chegou ao povo e disse: “Isto é socialismo!” Face a uma realidade política que lhe era favorável, o povo respondeu: “Somos então socialistas!”
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Reunião sul-sul prepara fórum 2007 ONGs sul-americanas e africanas discutiram globalização e Fórum Social Mundial que ocorrerá no continente Paulo Pereira Lima
da Redação
R
epresentantes de movimentos sociais e instituições da sociedade civil de países da África e América do Sul reuniramse em Johannesburgo (África do Sul) entre 7 e 9 de setembro para debater e definir alternativas regionais à globalização. O fórum – Diálogo entre os Povos do Sul da África e da América do Sul ou projeto “People’s Dialogue” – teve como objetivo aprofundar relações entre os povos do eixo sul-sul (países do Mercosul e do sul da África), traçar uma agenda de cooperação, diálogo e parcerias entre organizações dos dois lados do Atlântico e começar a discutir a realização do Fórum Social Mundial 2007 (FSM-2007), que acontecerá na África. O encontro, que reuniu cerca de 20 organizações da América do Sul e 20 dos países da Southern African Development Community (SADC – Comunidade para o Desenvolvimento do Sul da África) vem na esteira da aproximação entre os governos de países do Hemisfério Sul – especialmente no fortalecimento do diálogo sul-sul, proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Entre as mais importantes iniciativas dessa integração entre nações do Hemisfério Sul, liderada pelo Brasil, estão a criação do G3 (Grupo dos 3), em 2003, que reúne Brasil, Índia e África do Sul (IBSA) num fórum trilateral para acordos comerciais e apoio internacional em diversas áreas; bem como o G20, aliança criada pelos países pobres e em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo Dot Keet, professora da Universidade do Cabo (África do Sul) e uma das organizadoras do evento, o tema da conferência foi direitos humanos, democracia e desenvolvimento, além da questão da necessidade de se construir uma rede de solidariedade entre os povos nas diferentes regiões. “O mundo todo vem desenvolvendo alianças importantes como o IBSA e o G20. Essas alianças de países em desenvolvimento têm enorme potencial para alterar a balança de poder, ainda que sejam minadas pela União Européia e pelos Estados Unidos”, afirmou. Dot disse também que os países considerados mais fortes e mais estáveis como África do Sul e Brasil têm a “obrigação” de fortalecer a democracia nos países vizinhos,
Representantes africanos participam da terceira edição do Fórum Social Mundial que foi realizado no Brasil, em Porto Alegre, em 2002 Agência Brasil
Ministro brasileiro Celso Amorim (à esquerda) cumprimenta colegas da África do Sul e Índia, pela criação do G3, em 2003
“...de modo que o Maláui não tenha que se debater sozinho, de modo que o Zimbábue não tenha que se debater sozinho”.
Pela América do Sul, participaram do People’s Dialogue Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com representantes do Instituto Brasilei-
ro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase, do Rio de Janeiro), da Central Sindical do Mercosul, da Amigos da Terra (Uruguai) e da
Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip), entre outras. Pela África, organizações dos países que integram o SADC: África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Maláui, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Para o sociólogo Cândido Grzybowski, do Ibase, o encontro pretendeu aprofundar o debate sobre a produção de alternativas regionais à globalização capitalista. “Essa aproximação sul-sul não pode ficar restrita a acordos comerciais”, afirmou, acrescentando que a reunião foi ainda uma oportunidade para troca de conhecimentos e experiências, para “discutir sobre que tipo de regionalismo queremos, que modelo de desenvolvimento devemos perseguir”. Segundo ele, é preciso considerar a possibilidade de levar essa agenda para o debate público, para os fóruns governamentais, como o G3, por exemplo. “É necessário superar o obstáculo de que não existe uma tradição de projetos sul-sul. As agências de cooperação investem em projetos norte-sul. Esse quadro começa a mudar lentamente”, comentou. (Com agências internacionais e Agência Carta Maior www.agenciacartamaior.com.br)
Só revolução erradica racismo e colonialismo Thabo Mbeki de Pretória (África do Sul) Durante séculos a África tem sido vítima de numerosos fatos que costumam situar os africanos entre os mais “infelizes da terra”. Tudo começou com o transporte à força de milhões de africanos pelos oceanos Índico e Atlântico como escravos, o que dizimou a coesão e a capacidade produtiva das sociedades africanas e levou à formação de colônias de escravos na América do Norte e do Sul e no Caribe. Ao escrever sobre a “Gênese do Capitalismo Industrial”, em seu livro O Capital, Karl Marx disse: “A descoberta do ouro e da prata na América, a extirpação, a escravidão e o virtual sepultamento nas minas da população aborígene, o começo da conquista e o saque das índias ocidentais e a transformação da África em um alvo para a caça comercial de seus seres humanos de pele negra assinalaram o promissor amanhecer da era do capitalismo produtivo”. Há uma necessidade urgente de que historiadores, sociólogos e outros estudiosos africanos analisem
o impacto a longo prazo causado em nosso continente por esses três fenômenos históricos: escravidão, colonialismo e racismo. Na África do Sul e no resto do mundo, existem pessoas que exigem que tratemos esses três fenômenos simplesmente como uma questão de arquivo histórico, sem relevância para nossas lutas contemporâneas pelo renascimento da África. Em parte, isso é motivado pelo propósito de constranger as vítimas de graves injustiças, para que esqueçam o mal que lhes foi causado, e de criar na África uma amnésia coletiva que leve as próprias vítimas a se culparem pela infelicidade que sofrem. Vemos isto claramente na África do Sul, onde alguns insistem em dizer que o apartheid é uma coisa do passado e que toda referência ao continuado impacto do passado constitui uma tentativa de “jogar a carta racial”. Entretanto, para nós, é muito importante entender o impacto desse passado para nos permitirmos enfrentar eficazmente o presente, não com algum desejo de culpar os que são historicamente
responsáveis pelos mais terríveis crimes contra a humanidade, mas para desenhar as políticas e os programas que devem nos ajudar a conseguir o renascimento da África. Temos a responsabilidade de compreender por completo a realidade africana contemporânea tal como foi modelada pela escravidão, pelo colonialismo, pelo neocolonialismo e pelo racismo, entre os quais há uma continuidade tão clara como a que existe entre o passado e o presente. Durante o recente período de neocolonialismo, vimos sistemas africanos de governo que continuam tratando nossos povos como massas que merecem ser apartadas do processo que determina seu futuro, com muitos dos novos governantes que agem como parasitas na sociedade africana, tal como o fizeram antes os mercadores de escravos e os amos coloniais. Vimos sistemas africanos de governo sucumbirem diante da ordem econômica global nascida da escravidão e do colonialismo, que definiu este continente como uma fonte de matérias-primas produzidas com mão-de-obra barata, e que
tornou inevitável que a África se visse submetida a um contínuo processo de crescente empobrecimento e subdesenvolvimento. Vimos como os novos governantes aceitaram o racismo propulsor da subordinação dos africanos a um “superior” mundo ocidental, fazendo-os ufanarem-se pela absorção das culturas e das línguas de seus ex-colonizadores, bem como afastarem-se de suas próprias culturas e línguas, que aprenderam a desprezar como “incivilizadas”. E vimos como se arraigou a crença de que o êxito de conseguir o objetivo de uma vida melhor para os nativos africanos depende de uma contínua boa vontade do mundo ocidental para favorecer as massas com a transferência de recursos na forma de “ajuda” ou de “assistência externa para o desenvolvimento”. O conjunto das questões acima mencionadas leva à generalizada crise econômica e social da qual agora os povos da África devem se livrar por eles mesmos. O que isso requer é uma verdadeira revolução para tomar o caminho da erradicação da pobreza e do sub-
desenvolvimento, da restauração da dignidade das pessoas, incluindo as que se encontram na diáspora, e da vitória na luta para acabar com a marginalização global da África e dos africanos. Tal revolução liberaria as enormes energias latentes nas pessoas ao incluí-las no processo de fazer a história. A democratização genuína das políticas e dos sistemas de governos africanos e a concessão de faculdades às massas para que possam ser seus próprios libertadores são decisivos para se conseguir esse objetivo. O fracasso na busca dessas metas anularia a possibilidade histórica que temos de conseguir progressos decisivos para o renascimento da África e condenaria todos os africanos a sofrerem perpetuamente sua condição de “infelizes do mundo”. (IPS/ANC Today/Envolverde, www.envolverde.com.br)
Thabo Mbeki é presidente da África do Sul, reeleito em abril para um mandato de mais cinco anos pelo partido do Congresso Nacional Africano – CNA
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AMBIENTE TRANSGÊNICOS
Justiça vai contra lei do Estado do Paraná Tatiana Merlino da Redação
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procurador geral da República, Cláudio Fonteles concedeu, no final de agosto, um parecer favorável à liberação dos transgênicos. No documento, o procurador declarou procedente a Ação de Inconstitucionalidade protocolada pelo Partido da Frente Liberal (PFL) no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a lei paranaense que proíbe o cultivo, manipulação, importação, exportação, industrialização e comercialização de produtos geneticamente modificados. Fonteles afirmou que a “comercialização de organismos geneticamente modificados “é assunto que transcende a esfera dos Estados”. De acordo com o texto, a competência para legislar sobre o assunto é exclusiva da União, e o governo estadual não pode editar uma lei relativa ao tema. Segundo o procurador, ao impedir a livre circulação dos transgênicos, o governo do Paraná “exorbitou”, e está “ofendendo a competência privativa da União”.
Rodrigo Baleia Glauber Rodger/Greenpeace
Procurador Fonteles acata ação do PFL contrária à lei estadual que proíbe produtos geneticamente modificados
Interesses em jogo
VANTAGES A interpretação de Fonteles à legislação surpreendeu. Em outubro do ano passado, quando foi autorizado o cultivo de soja transgênica da safra de 2004, o mesmo Fonteles entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF contra a decisão do governo. A Adin foi acionada porque, ao liberar o cultivo e a comercialização da soja modificada, o Estado violava o princípio de precaução – que deve preceder qualquer cultivo com organismos geneticamente modificados – justamente o mesmo argumento do governo paranaense ao decretar a lei. No Paraná, de olho no mercado
A batalha travada entre o Paraná e a União na questão dos transgênicos não é apenas jurídica. O que está em jogo são os interesses das transnacionais produtoras de sementes geneticamente modificadas, que têm como principal aliado o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que, aliás, nunca escondeu o seu apoio à liberação do cultivo de OGMs.
Desde que foi editada a medida provisória que liberou o cultivo e a comercialização da soja transgênica para a safra deste ano, o governo do Paraná aguarda que o Estado seja nomeado área livre de transgênicos, conforme foi solicitado pelo governador Roberto Requião. A decisão, no entanto, depende do Ministério da Agricultura. (TM)
“restritiva”. Nesse caso, a seu ver, a lei estadual prevalece sobre a federal. Em relação a um possível prejuízo decorrente do descumprimento da determinação judicial, o secretário da Agricultura lembra que na última safra, foram colhidas 10,1 milhões de toneladas de soja. “Foi a segunda maior produção da história do Paraná”. Além disso, apenas em 2003, o Porto de Paranaguá exportou cerca de 6 milhões de toneladas de soja convencional. “O nosso porto teve uma receita superavitária, e nós nos
recusamos a embarcar soja transgênica”, lembra Pessutti. A decisão do governo do Paraná em lutar por uma área livre de transgênicos baseia-se no princípio de precaução, tendo em vista a possibilidade de contaminação do solo e dos lençóis freáticos pelo uso abusivo do herbicida glifosato, além das conseqüencias ainda desconhecidas para o organismo humano. Outra preocupação são as exportações. Os mercados europeu e asiático têm aumentado cada vez mais as restrições para a importação de transgênicos.
A decisão do governo do Paraná tem em vista a contaminação do solo e lençóis freáticos
internacional, o secretário da Agricultura e vice-governador, Orlando Pessutti, afirma que, “independentemente da liberação ou não, o Estado vai continuar lutando para ficar livre dos transgênicos”. Para ele, a visita de delegações da China, França e Japão interessadas na soja convencional apenas reforçam a convicção do governo em manter o Estado livre de transgênicos. “Ninguém veio atrás de nós procurar soja transgênica”, diz ele, que acredita que a defesa desses interesses trará benefícios ao agricultor paranaense, que poderá
conseguir melhores preços pelo seu produto.
SEM PREJUÍZOS Sobre a polêmica da legitimidade da lei do Paraná, Pessutti afirma: “Como a questão dos transgênicos continua confusa, o Estado entendeu que pode legislar de forma complementar”. Segundo ele, o governo do Paraná defende a área livre de transgênicos “por uma questão de precaução”. De acordo com o subprocurador geral da República, Aurélio Rios, a legislação paranaense é legal porque é mais
CERRADO
Maurício Hashizume de Brasília (DF) A área coberta pelo conjunto de fauna e flora que compõem o bioma Cerrado já perdeu mais da metade da sua cobertura original. E de acordo com estudo divulgado em julho por uma organização não-governamental (ONG) internacional, se o ritmo de devastação – 2,2 milhões de hectares por ano – for mantido, o Cerrado poderá ser completamente dizimado já em 2030. E mais: apenas 2,2% da extensão do bioma que ocupa 22% do território brasileiro e se espalha pelo Distrito Federal e por 10 Estados (Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Piauí, São Paulo e Tocantins) estão hoje protegidos por lei em Unidades de Conservação (UCs). Para defender a sustentabilidade do Cerrado, mais de 70 entidades da sociedade civil promoveram, de 9 a 11, o “Grito do Cerrado”, manifestação que mesclou encontros políticos, exposições variadas e atividades culturais. “O presidente Lula é presidente também de cada bioma”, afirmou o pequeno agricultor Manoel da Conceição, líder de trabalhadores rurais no Maranhão e um dos porta-vozes da Rede Cerrado, articulação de organizações que promoveu o Grito. “De alguns anos para cá, o Cerrado está se transformando em deserto. Pouco a pouco, a terra está sendo arrasada pela ganância do agronegócio”, testemunhou o camponês. O que se pode constar, de acordo com ele, é um claro desequilíbrio socioambiental que requer uma “posição mais enérgica, mais séria, ainda com maior responsabilidade” do governo federal.
Foto Roosewelt Pinheiro/ABr
“Grito” pede atenção e reconhecimento ao bioma Ambiente (FNMA) no valor total de R$ 5 milhões, para capacitação (R$ 1 milhão) e assistência técnica (R$ 4 milhões) voltadas para projetos sustentáveis no Cerrado. Outra novidade citada pela ministra foi o lançamento do Portal do Cerrado(http://cerradobrasil.cpac.e mbrapa.br/), um portal da internet produzido e mantido no âmbito do governo federal que deverá concentrar novidades, informações consolidadas e dados sobre o bioma. “O Cerrado está passando de fato por um processo avassalador”, reconheceu Marina. Para tentar conter essa escalada, ela disse esperar que todos os ministérios possam atuar conjuntamente para concluir um planejamento amplo de sustentabilidade do Cerrado como ocorreu com as definição das políticas para Amazônia. “Vou sugerir para o ministro (da Casa Civil, José) Dirceu para trabalharmos o Cerrado como fizemos com a Amazônia”. Segundo ela, o processo de construção das políticas para a região amazônica provaram que a idéia de política transversal e integrada é o caminho para evitar a destruição dos biomas. “Existe esta compreensão do alto escalão do governo”.
Índios participam de manifestação “Grito do Cerrado” para alertar sobre a importância de ações urgentes para conservação do ecossistema do Cerrado
SEM “SATANIZAÇÃO”
O pedido de Manoel dos Santos foi feito durante encontro com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, dia 10. Ele próprio fez a entrega do Programa Cerrado Sustentável, resultado de um ano de cooperação entre representantes da sociedade civil organizada e integrantes do governo federal no grupo de trabalho (GT) do Cerrado, à ministra. O programa prevê, entre outras providências, a realização de
Manifesto do povo indígena Krahô, que vive na região Norte de Tocantins, aponta o envolvimento do governo do Estado e de multinacionais do setor de agronegócio como Cargill, Bunge e outros grandes grupos de gêneros alimentícios como Batavo e Multigreen na “destruição do Cerrado e no envenenamento e assoreamento de córregos, nascentes e do lençol freático” da região. “Quanto vale uma nascente? Quanto vale um pé de bacuri e de
pesquisas de impacto ambiental, a criação de novas UCs, o estímulo a atividades produtivas sustentáveis, como a criação de animais silvestres e o cultivo de plantas medicinais e frutas nativas. Durante o encontro com os participantes do Grito, Marina anunciou duas medidas imediatas que seguem as diretrizes do que foi discutido no GT. Ela anunciou um edital do Fundo Nacional do Meio
pequi (espécies nativas)? Quanto vale um Cerrado em pé? Para nós e para os sertanejos vale muito mais que a soja e, temos certeza, o Cerrado é imensamente mais rico que a soja e, se ele não é exportado e não gera divisas para nosso país não é por nossa incompetência, mas sim porque as elites política, econômica e intelectual não o pesquisam e não o exploram em todas suas potencialidades”, sustentam as lideranças Krahôs. A despeito da manifestação dos habitantes originais da terra, a ministra Marina Silva foi enfática ao evitar a “satanização” do agronegócio. “Não é fácil interagir com diversos atores. Cada setor tem seus interesses e suas responsabilidades. É preciso sentar e negociar. Se não fizermos assim, estaremos pregando para a desertificação”. Valdemiro Rocha, secretário de Apoio Rural e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), sustentou o ganho do trabalho transversal. “O caso da Amazônia fundou uma nova referência. Conversamos muito e conseguimos chegar a um consenso. Pelo que eu sei, nos governos anteriores o debate entre os ministérios não se dava neste nível e não se chegava a uma convergência com esta profundidade”. Para a ministra, o tratamento sustentável dos ativos ambientais só favorecem o investimento nas regiões sob ameaça. “O Cerrado é o guardião das águas”, lembrou. Nascem no bioma córregos e rios que formam as principais bacias hidrográficas do continente sul-americano: São Francisco, Amazonas/Tocantins e Paraná/Prata. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)
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DEBATE RUMOS DO GOVERNO
Descaminhos da “riqueza sustentável” Henri Acselrad documento oficial de balanço de dezoito meses de governo Lula sugere, redesenhando com novas ênfases, o que seria o programa efetivo dessa administração. A conhecida opção pela inserção passiva na globalização nos é aí apresentada como se fosse “um novo modelo de desenvolvimento”. Mas trata-se, com efeito, da já conhecida estratégia que combina o agronegócio exportador com a intenção de que aflorem tecnologias competitivas. Acrescentam-se apenas traços do que tem sido chamado de “modernização ecológica”, ou seja, a referência a um meio ambiente “de negócios” (aquele já posto em cena pelo Avança Brasil, do segundo governo Fernando Henrique Cardoso) destinado a oferecer imagem ecológica internacionalmente favorável. A face “ambiental” do modelo apresenta-se assim como a soma das divisas a serem obtidas com um “ecoturismo” com as divisas da monocultura produtora de celulose – esta última intencional e indevidamente apresentada como prática de “reflorestamento”. O neologismo “riqueza sustentável”, que dá título a um subcapítulo do referido relatório, surpreende. Ficam, diante dele, desconcertados, em particular, aqueles que sempre consideraram estar a riqueza (de poucos) fortemente ligada à pobreza (de muitos). Aos que acreditam que a riqueza e a pobreza são pólos conexos de um mesmo processo de distribuição desigual, a idéia de “riqueza sustentável” preocupa mesmo. Isso porque por meio dela somos levados a supor que, ao lado da sustentação da riqueza, vamos continuar observando, com desalento, a um simultâneo espetáculo de “sustentação” da pobreza. O que vemos, com efeito, é uma estratégia voltada para exportar a qualquer custo, justificada pelos imperativos do ajuste macroeconômico. A pretensão de que se esteja adotando um modelo dito “nacional-globalista”, que combine afirmação de interesses nacionais no contexto “inevitável “da globalização, esbarra no fato de que não há de fato base social interna beneficiária de um tal modelo que não o próprio setor empresarial exportador com sua capacidade sabidamente muito limitada de gerar empregos. E é notável, além disso, a ausência de qualquer menção à vontade de se impedir a desestruturação predatória que as culturas de exportação produzem em economias locais, com o conseqüente agravamento da desigualdade. Nenhum charme é atribuído às formas não globalizadas de produção. Mais uma vez, prevalecem os velhos cacoetes da retórica desenvolvimentista: dirige-se a mensagem do “desenvolvimento” para o capital, a do “social” para os pobres e a do “ambiental” – basicamente um ambiente “florestal” – para os verdes; notadamente os internacionais (a expansão da soja na Amazônia, afirmou recentemente um responsável da área agrícola do governo, dar-se-á nas áreas degradadas “por causa da opinião pública internacional”). Conseqüentemente, não se vislumbra nenhuma iniciativa destinada a limitar os mecanismos predatórios da vida social e do meio; nenhum esforço de originalidade que mesmo um programa moderado e pragmático poderia supor, tal como, digamos, o de um “agronegócio territorialmente combinado com pequena produção diversificada”, a adoção de “inovação técnica com reconhecimento da contribuição inventiva
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do saber operário e do pequeno produtor rural” ou até um “empreendedorismo ecologicamente condicionado”... ou seja, um discurso que mostrasse a intenção de desacelerar os mecanismos pelos quais, na últimas décadas, se tem reproduzido tanto a dominação sobre os trabalhadores como sobre seus ambientes. LIMITES ESTRUTURAIS
Ao priorizar o agronegócio exportador como um subproduto da estratégia de estabilização econômica, o governo internalizou uma definição externa (leiase, a definição proposta pelos ideólogos da total liberdade de movimento para os capitais) do que se consideram “limites estruturais”. Tidos esses limites como imperativos, diante deles todas as políticas governamentais passam a se curvar: toda prioridade foi dada, assim, à busca de credibilidade junto ao capital internacional. Ao se colocar os indicadores de risco-Brasil no posto de comando, abdicou-se de explorar as possibilidades da política, ao menos da capacidade de, por meio dela, se questionar os limites ditos estruturais tais como eles estão sendo impostos pelo “mercado”, quer dizer, pelos próprios agentes econômicos detentores do poder “de dar fuga aos capitais”. Por via de conseqüência, vimos ocorrer, neste um ano e oito meses, não só um deslocamento com relação ao que foi apresentado no programa eleitoral, mas, sobretudo, com relação a um modo de fazer política – até então, na perspectiva do chamado campo democrático e popular, com P maiúsculo. Com efeito, ao ceder à chantagem locacional dos capitais – ou seja, à pressão exercida pelas grandes corporações sobre os rumos da política econômica sob a ameaça que fazem de retirar do país os seus investimentos –, o governo abriu espaço para a ofensiva liberal, para o efeito desorganizador do realismo e da abdicação da política. É o que explica a força das multinacionais da transgenia no debate da Lei de Biossegurança (força quase silenciosa, dada a prevalência de um cientismo de inspiração progressista, que até dispensou o maior comparecimento das próprias empresas na cena pública), o ataque organizado contra o sistema de licenciamento ambiental apontado como importante “causa do desemprego no país”, a ousadia do capital imobiliário na introdução do dispositivo – artigo 64 – que procura afastar a aplicação do Código Florestal nas áreas urbanas e de expansão urbana etc. Ou seja, temos visto se esboçar um conjunto de ações que apontam para a configuração de um verdadeiro e orques-
trado desastre ambiental no país. Isto porque, dado o tamanho da crise do emprego, grande parte da vontade política do governo federal apresenta-se hoje aprisionada nas mãos dos que detêm o “poder do investimento”. Mas como se apresenta hoje o campo de forças onde se dá o embate central em torno ao modelo de desenvolvimento no Brasil? Sabemos que duas linhas coexistem no governo Lula desde o seu início: a que privilegia a estabilidade monetária a qualquer custo – notadamente ao custo social do desemprego – e a que privilegia o crescimento econômico – em nome do inadiável combate ao desemprego. O nível das taxas de juros e as facilidades oferecidas aos movimentos do capital financeiro, pilares da política econômica ortodoxa, separam efetivamente estas duas linhas. Não há dúvida que contra o financismo rentista – que promete à população um futuro radioso, dando aos especuladores um presente de Fausto – a corrente desenvolvimentista pretende reconstituir um projeto nacional e recuperar os instrumentos de política industrial para além do que simplesmente o mercado impõe. ESTRATÉGIAS PRODUTIVAS
Mas uma mesma lógica parece unir, no atual momento, essas duas correntes no que diz respeito às estratégias produtivas – a lógica da preferência por um crescimento centrado no agronegócio exportador. Verifica-se, assim, no interior da própria vertente minoritária antifinanceirização, uma aliança tácita entre o desenvolvimentismo nacionalista (que busca a criação de emprego a qualquer custo) e o capital agroexportador, inclusive multinacional (que pretende estar concorrendo
para a geração de divisas também a qualquer custo). Encontraremos, por exemplo, essa aliança presente na crítica às chamadas “restrições ambientais ao desenvolvimento”. Na promoção desta campanha, temos visto os mesmos agentes que pedem o Estado mínimo virem à cena pública acusar o licenciamento ambiental de lento e burocrático, pressionando para obter o que seria, de fato, uma espécie de “licenciamento mínimo”. Alegando a responsabilidade ambiental das empresas, fazem, na verdade, ofensiva cerrada contra o que até aqui se conquistou como pertinente à responsabilidade ambiental do Estado. Assim é que, tal como hoje se configura, o modelo de desenvolvimento em vigor vem demonstrando ter como seus verdadeiros sujeitos os agentes fortes no mercado mundial. E a força destes agentes reside exatamente na “chantagem locacional” pela qual os grandes investidores envolvem, quando não submetem a, todos aqueles que buscam o emprego, a geração de divisas e a receita pública a qualquer custo. No plano nacional, se não obtiverem vantagens financeiras, liberdade de remessa de lucros, estabilidade etc. os capitais internacionalizados ameaçam se “deslocalizar” para outros países. No plano subnacional, se não obtiverem vantagens fiscais, terreno de graça, flexibilização de normas ambientais, urbanísticas e sociais, também se “deslocalizam”, penalizando, conseqüentemente, os Estados e municípios onde é maior o empenho em se preservar conquistas sociais e ambientais. Ao mesmo tempo, ao escolher o espaço mais rentável onde se relocalizar (ou seja, aqueles locais onde conse-
Kipper
guem obter vantagens fiscais e ambientais), acabam premiando com seus recursos Estados e municípios onde é menor o nível de organização da sociedade e mais débil o esforço em assegurar o respeito às conquistas legais. Ou seja, neste quadro político-institucional, os capitais conseguem “internalizar a capacidade de desorganizar a sociedade” (quer dizer, adquirir o poder de desorganizar a sociedade), punindo com a falta de investimentos os espaços mais organizados, e premiando, por outro lado, com seus recursos, os espaços menos organizados. A CARA DO GOVERNO
Nesse contexto, cabe perguntar: seria possível inibir a ofensiva liberal, contestando a idéia do agronegócio exportador como “a cara do governo Lula”? A despeito da adversa correlação de forças, temos visto algumas experiências que apontam na direção de uma resposta afirmativa. A ocupação de área plantada com monocultura de eucalipto no sul da Bahia em maio deste ano, realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo, mudou a qualidade do debate sobre o modelo de desenvolvimento no país. Ao ocupar pela primeira vez terras tidas correntemente como “produtivas”, os sem-terra puseram na agenda pública uma inovadora discussão sobre o conceito de “produtividade”. Ou seja, por essa demonstração, pôs-se em dúvida a idéia corrente do que seja “terra produtiva”. Ao agitar a metáfora de que “não se come eucalipto”, os ocupantes estavam de fato afirmando: “Não é, de fato, produtiva a terra que produz qualquer coisa a qualquer custo”. Não se deveria, segundo eles, considerar produtiva a terra que pode estar contribuindo para gerar divisas, sim, mas ao custo de secar os rios, destruir a biodiversidade e contaminar os solos, recursos que são indispensáveis para a existência de pequenos agricultores, comunidades quilombolas, pescadores artesanais, assentamentos de reforma agrária e núcleos urbanos. Deu-se assim, nesse episódio, uma demonstração de resistência à “chantagem de localização” a partir de baixo – dos próprios trabalhadores. É legítimo – sugerem eles – dar ao povo a oportunidade de discutir – de forma plural e plenamente informada – as condições pelas quais lhe são prometidos empregos. Não é, por outro lado, legítimo, escapar a esse debate, cultuando noções de produtividade que só servem aos grandes empreendimentos monoculturais ou deslocando simplesmente os investimentos danosos para outra região onde a crise a desorganização da sociedade seja maior. Problematizando o conceito de “produtividade”, essa resistência, pela base, ao desenvolvimento concentrador de recursos, mesmo que efetuada em localidades determinadas, mostra que é possível discutir as condições de entrada e saída de capitais também a nível nacional. Caberia aos dirigentes na escala federal tirar as conseqüências. Pois resistir à “chantagem da deslocalização”, seja nos planos local ou nacional, significa atingir o núcleo duro da reprodução da desigualdade de poder nos tempos de globalização, ou seja, os instrumentos pelos quais os capitais procuram adquirir a capacidade de desorganizar a sociedade. Henri Acselrad é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ)
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA FORMAÇÃO E IDEÁRIO DO MST De autoria de Émerson Neves da Silva, e editada pela Editora Unisinos, a obra aborda os conflitos, as crises, os sucessos, os avanços e os refluxos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O livro mostra como as famílias enfrentam seus destinos e os obstáculos políticos e econômicos. O Assentamento Integração Gaúcha, no município de Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, serve de referência para que Neves realize uma ampla análise da história do campesinato, em diferentes escalas geográficas e tempos históricos. O autor pretende, assim, apresentar ao leitor a realidade e complexidade do problema agrário. Os pedidos podem ser feitos por telefone: (51) 590-8239, fax: (51) 590-8238 ou pelo endereço eletrônico editora@unisinos.br. Preço: R$ 15.
BAHIA CAMPANHA NACIONAL PRIMAVERA PARA A VIDA 19 a 26 A Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese) lança a 4ª edição da Campanha Primavera para a Vida. Em Salvador, a abertura acontece com um culto ecumênico no dia 19, às 10h. Na seqüência, será aberta a feira e a exposição Juventude e Paz, com a presença de grupos apoiados pela Cese no Estado da Bahia. Oficinas, debates e apresentações teatrais animarão o Passeio Público de Salvador, durante a semana de 20 a 26. No dia 24, a tradicional caminhada da primavera ocupará as ruas centrais de Salvador, com saída do Campo Grande em direção à Praça da Sé. Local: Parque Passeio Público, Av. 7 de Setembro, s/n, Salvador Mais informações: (71) 336-5457, cese@cese.org.br, www.cese.org.br
RIO DE JANEIRO CICLO DE DEBATES DIREITOS HUMANOS – DIREITOS DE TODOS 28 de setembro, 25 de outubro e 30 de novembro, das 9h30 às 13h30 Realizado no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ciclo de debates foi organizado pelo Centro de Documentação e Pesquisa em Direitos Humanos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH/RJ). O evento pretende contribuir para a difusão e a aplicação do conceito de direitos humanos no âmbito da administração pública do Estado. Dia 28 de setembro, o debate será promovido pelos professores Luís Roberto Cardoso de Oliveira (chefe do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília) e Jairo Werner (psiquiatra da Coordenadoria da Justiça Terapêutica). Dia 25 de outubro, o ciclo contará com
SÃO PAULO ATO PÚBLICO UNIVERSIDADE AMEAÇADA 16, a partir das 11h Promovido por vários diretórios e agremiações estudantis, o ato é uma manifestação contra o projeto de lei que cria o programa Universidade Para Todos (ProUni) e pela ampliação de vagas com garantia de qualidade no ensino superior público e gratuito. Local: R. da Consolação (esquina com R. Maria Antônia), com percurso até a sede do MEC, na R. Apa, São Paulo Mais informações: (11) 3236-8469, www.dajoaom endesjr.com.br, dajoaomendesjr@yahoo.com.br
a presença de Carlos dos Santos (diretor do Centro de Informações das Nações Unidas-Unic/Brasil) e Luís Antônio Vieira (coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública). O professor da UFRJ Ricardo Rezende, e Wilson Prudente, do Ministério Público do Trabalho, comandarão o debate dia 30 de novembro. Local: Auditório da OAB-RJ, R. Marechal Câmara, nº 150, 5º andar, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2206-4914 1ª MOSTRA DE AUDIOVISUAL DE ANGRA DOS REIS 23 a 26 O objetivo principal do evento é colaborar com a entrada no mercado dos futuros profissionais do setor de audiovisual. Serão exibidos 30 trabalhos de produção de audiovisual. Dia 26 vai acontecer, no Hotel Angra Inn, o seminário “Os Desafios da Produção de Audiovisual Nacional”, que contará com a presença de Orlando Senna, secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura (MinC). O evento conta com o apoio da Secretaria de Audiovisual do MinC, do governo do Estado do Rio de Janeiro, da prefeitura municipal de Angra dos Reis, da Radiobrás, da Rede Brasil TVE e da parceria com o Sesc-Rio. Local: Mostra - Cais do Porto, Centro, Angra dos Reis; Seminário - Praia Grande, Estrada do Contorno, 2629, Angra dos Reis Mais informações: (21) 2215-5515, regina@camaradecultura.org, www.camaradecultura.org
SANTA CATARINA 7º ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ÁREAS DE MANGUEZAIS 24 a 31 de outubro O Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC organiza o 7º Encontro Nacional de Educação Ambiental em Áreas de Manguezais e o 1º Encontro Interamericano de Educação Ambiental em Áreas de Manguezais, em São Francisco do Sul. A proposta é trazer o resgate do saber popular para o intercâmbio de experiências sobre a utilização dos mangues. As inscrições já estão abertas para
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diretores e técnicos do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério do Meio Ambiente e de ONGs, para cientistas e professores universitários. A organização do evento pretende trazer índios, pescadores, catadores de caranguejo, de berbigão, apicultores e desfiadeiras de siri. Além disso, haverá exposição dos artesanatos de bananeira, de taboa, de olho de peixe e presença dos pesquisadores de cada país das Américas que tem manguezal, como Cuba, México e Caribe. Local: Cine Teatro 10 de Novembro, R. Hercílio Luz, s/n, Centro Histórico, São Francisco do Sul Mais informações: (48) 331-6916, www.VII-eneaam.ufsc.br, eneaam@ccb.ufsc.br.
SÃO PAULO DEBATE - EDUCAÇÃO E INCLUSÃO RACIAL: DIRETRIZES E POLÍTICAS PÚBLICAS 28, 19h30 Petronilha Gonçalves e Silva, integrante do Conselho Nacional de Educação, docente da Universidade Federal de São Carlos estará no
debate promovido pelo Observatório da Educação. A professora é a relatora do parecer que regulamenta a Lei 10.639, que obriga a inclusão, no currículo oficial de escolas públicas e privadas de ensino básico, do ensino da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Participam do debate como entrevistadores: Duílio Duka de Souza, secretário de Políticas Sociais e coordenador do coletivo anti-racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e integrante da executiva da Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial (CNCDR-CUT); Nilma Lino Gomes, docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Programa Ações Afirmativas na UFMG; Maria Aparecida Cidinha da Silva, diretora da ONG Geledes - Instituto da Mulher Negra; Demétrio Weber, repórter do jornal O Globo, em Brasília. Local: Auditório da Ação Educativa, R. General Jardim, 660, Vila Buarque, São Paulo Mais informações: (11) 3151-2333 r. 130, observatorio@acaoeducativa.org, www.controlesocial.org.br
1Oº CONGRESSO BRASILEIRO DE COMUNICAÇÃO AMBIENTAL 21 e 22 O congresso contará com a presença de professores das universidades USP, UFPR, UERJ e UFRJ. Especialistas nas áreas de Comunicação, Meio Ambiente e Economia vão apresentar situações de comunicação ambiental de sucesso. A programação inclui dois painéis por dia, onde serão discutidos temas como a relação da comunicação com a melhoria dos indicadores ambientais e econômicos das empresas; a comunicação de riscos ambientais, a comunicação ambiental no planejamento das agências de comunicação e o sucesso de iniciativas pioneiras no setor. Entre os participantes: Marco Antonio Fujihara, especialista em meio ambiente e diretor da PriceWaterhouse Coopers; Vilmar Berna, do Jornal do Meio Ambiente; Eduardo Ribeiro, diretor-secretário da Associação Brasileira das Agências de Comunicação e diretor-editor do informativo Jornalistas&Cia; Adalberto Marcondes, coordenador da Ecomídias (Associação Brasileiras das Mídias Ambientais); Cassiano Schneider, responsável pela Gestão Ambiental da Faber-Castell; Elie Politi, diretor do GT de Comunicação da Mesa Redonda Paulista de Produção Mais Limpa de São Paulo; Henrique Lage, da ALS Engenharia Ambiental; Antônio Lago, presidente da Confederação Interamericana de Relações Públicas e analista ambiental do Ibama. As inscrições podem ser feitas por telefone. Vagas limitadas. Local: Hotel Meliá, R. João Cachoeira, 107, Jardim Europa, São Paulo Mais informações: (11) 3917-2878, juliana.rmai@terra.com.br
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CULTURA ARTE POPULAR
Hip Hop perde um de seus maiores militantes Preto Ghóez idealizou o projeto “Fome de livro na quebrada” que começa a ser implantado em oito capitais Liliane Braga de São Paulo (SP)
Fotos: Divulgação
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Casado com a também maranhense Miriam e pai de dois filhos, Ghóez estava engajado em diversas lutas, além de estar revisando o seu primeiro romance, A sociedade do Código de Barras
Silva, em março deste ano, com o intuito de pensar políticas públicas para a juventude. Entre as bandeiras defendidas por ele, estavam a “desguetização” do Hip Hop e a sua associação a outras organizações. “Somos um movimento social”, dizia, defendendo que a Frente fosse recebida por ministérios como o da Reforma Agrária, da Educação e da Saúde e não só pelo Ministério da Cultura (MinC) para discutir as pautas do movimento. Na mesma semana em que aconteceu o acidente, ele tinha recebido a notícia da aprovação de uma de suas reivindicações: a criação de bibliotecas públicas em diversas periferias do Brasil. “No dia da morte de Ghóez, o nome dele passou a integrar o projeto”, informa Fabiana Menini, realizadora do evento “Tro-
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Hip Hop e os movimentos sociais de esquerda estão de luto. Márcio Vicente Ghóez, o Preto Ghóez, do grupo de Rap Clãnordestino, faleceu na manhã do dia 10, em Florianópolis (SC), vítima de um acidente de automóvel. Ele se dirigia de Itajaí à rodoviária da capital catarinense, na noite do dia 9, acompanhado de Juan Pinedo, militante do Movimento Negro Unificado de Santa Catarina, de um jornalista e do motorista, não identificados até o fechamento desta edição. Todas faleceram. Preto Ghóez, que tinha 31 anos, estava no Sul do país para participar de uma palestra. Além de integrante do Clãnordestino, ele também fazia parte do Movimento Hip Hop Organizado do Brasil, o MHHOB (entidade da qual ele foi o grande fomentador, propondo a unificação das “quebradas” e favelas de todo o Brasil) e da Frente Nacional de Hip Hop, formada após o encontro de representantes do movimento com o presidente Luiz Inácio Lula da
cando Idéia” e produtora do Clãnordestino. As bibliotecas – fruto da parceria do Hip Hop com o MinC – passarão a se chamar “Fome de Livro na Quebrada – Preto Ghóez”. Ele foi o autor da idéia e do nome do projeto que terá início em outubro, com a formação dos profissionais que vão trabalhar nas primeiras bibliotecas – que serão em São Paulo, Rio de Janeiro, São Luís do Maranhão, Natal, Porto Velho, Porto Alegre, João Pessoa e Teresina.
PARA RECONTAR A HISTÓRIA Em julho, Ghóez esteve na França, onde articulou a realização do MHHOB Mundi, que acontecerá entre os dias 26 e 31 de janeiro de 2005 durante a próxima edição do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. O evento contará com representantes do Hip Hop da América Latina,
“Queremos debater a educação, a saúde, os transportes e a reforma agrária” (frase de Preto Ghóez dirigida a Lula e ao ministro Gilberto Gil durante encontro dos rappers com o governo federal)
África e Europa. Ghóez integraria uma das mesas de discussão e também participaria das apresentações de Rap do evento com o seu grupo, formado há 16 anos ao lado dos maranhenses Lamartine, Nando, Lilian (além dos paulistas Ridson Dugueto e Léo), e que implementou em São Luís o Movimento Favelafro, pela educação, cultura e valorização dos afro-descendentes. Em 2003, eles foram eleitos o grupo revelação do Prêmio Hutuz, realizado no Rio de Janeiro, com o CD “A Peste Negra” – o único lançado pelo Clã e que trabalha a mistura de tambor-de-crioula, bumba-meu-boi, funk e reggae. Co-produzido por Zeca Baleiro, o disco conta com a participação do próprio e de Gaspar e Funk Buia, do Z´África Brasil. O CD, esgotado no Brasil, será lançado na Europa em novembro. Em entrevista concedida para o Brasil de Fato em janeiro deste ano, Ghóez divulgou outro de seus inúmeros projetos: a criação da Universidade Popular da Periferia do Brasil. “Alguém precisa dizer que o Duque de Caxias foi um assassino e que o Negro Cosme
foi um herói. É preciso contar a história de Zumbi dos Palmares não do ponto de vista do folclore, não do ponto de vista dos vencedores”, disse ele. Casado com a também maranhense Miriam e pai de dois filhos, Ghóez estava engajado na luta contras os transgênicos, na batalha pelos povos de Alcântara, na luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), contra o Fundo Monetário Internacional, contra o machismo, o racismo e o capitalismo. Ele estava revisando o seu primeiro romance, A sociedade do Código de Barras e havia publicado diversos textos na revista Literatura Marginal (Editora Casa Amarela) e no jornal Estação Hip Hop. Quem quiser saber mais sobre o MHHOB, basta escrever para o endereço eletrônico mhhob@bol.com.br.
Mestre Tonho: esculturas para não morrer de fome Nascido em Alagoas, Antônio Francisco da Silva tem 46 anos e está prestes a realizar o maior trabalho de sua vida: esculpir o altar de uma igreja no município de Poço Redondo (SE), pelo qual receberá R$ 15 mil. Ele é o mestre Tonho e vive há três anos no assentamento Emendadas no Grupo Luiz Caetano, em que conseguiu se estabelecer após longa militância no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O terreno é dividido em cinco lotes, onde cada um dos quatro filhos tem a sua terra para trabalhar. Longe da enxada, hoje ele é artista e faz esculturas em madeira. Acorda às 5h, faz uma caminhada de uma hora, imposta pelos médicos após anos de tabagismo, e começa a trabalhar. O ofício, muitas vezes, se estende até as 2h da manhã. “Quando chego da caminhada, tomo banho, café, me assento, pego o formão e a marreta, todos os dias”, conta, orgulhoso. Mestre Tonho, como gosta de ser chamado, mal consegue acreditar no dinheiro que ganhará com o próximo trabalho. Ele, que já passou fome ao lado dos filhos, diz que o talento é um milagre de Deus. Há 16 anos, quando fez a primeira escultura, nem acreditou que pudesse valer algum dinheiro.
SEM COMIDA A vida toda, mestre Tonho trabalhou para fazendeiros. “Quando você completa seis anos de casa, eles lhe mandam embora para você não ter direito à terra”, afirma. Assim como milhares de outros camponeses, foi para a cidade ten-
Roberto Barroso/ABr Fotos: Divulgação
Alessandra Bastos de Brasília (DF)
peguei os cacos de uma garrafa para dar o polimento”, se recorda. O fazendeiro acabou por gostar da escultura e resolveu comprála. Quando perguntou o preço, “eu sei lá se presta pra vender”, respondeu o camponês, que não sabia o valor da sua arte. Pagou “seis contos” pela peça. “Eu ia trabalhar três semanas pra ganhar aquilo, quase desmaio na hora. Pela primeira vez fui abraçado por um fazendeiro”, conta.
CONVITE INTERNACIONAL
Antônio Francisco da Silva, o mestre Tonho, artesão integrante do MST de Sergipe, produz peças no térreo do Ministério da Cultura (foto à direita)
tar um novo emprego: “No interior você tem um queijo, um leite ou frango, mas na cidade, não”. O reinício não foi fácil. Trabalhando para novos fazendeiros, “ganhava dois contos por semana e, no meio dela, já não tinha o que comer”. Um dia, chegou em casa após o trabalho e pediu à mulher um café. “Rapaz, que café, não tem nada, os meninos já estão dormindo, estavam chorando, com fome, e eu não tinha o que dar, ela me disse”. Tonho também foi dormir com fome para, no dia seguinte, voltar ao trabalho. “Aí bate o desespero na gente e eu comecei
a apelar pra Deus”, recorda. O pedido, mestre Tonho lembra ainda hoje: “Deus, que me consentiu nascer num mundo tão bonito e maravilhoso como esse, não me deixe morrer de fome com meus filhos, não faça isso comigo porque não mereço. Sou um cara analfabeto, não sei ler, me dê uma arte pra eu viver”. Em sua frente, havia um tronco de árvore. “Peguei um facão e comecei a cortar, parecia que alguém manobrava minha mão”, conta. Seu Antônio foi para casa e ficou uma semana trabalhando em sua primeira escultura. Como
faltou ao trabalho, o fazendeiro mandou o genro ir até sua casa saber os motivos da falta e Tonho mostrou a ele a escultura. “Naquele tempo não tinha lixa e eu
Em seguida, o frei da cidade encomendou a imagem de São Francisco abençoando um pobre e pagou mais caro, “oito contos”. Foi uma festança pra família de mestre Tonho. De lá pra cá, o trabalho como artesão só aumentou. “Hoje tenho o que comer e não posso comer porque o médico diz que gordura dá colesterol”, reclama, brincando. O artesão já expôs em vários Estados e foi convidado para fazer uma mostra na Irlanda, onde não foi por medo de avião. Em Brasília, expôs até a semana passada na mostra “História e Cultura MST”, no térreo do Ministério da Cultura. Um de seus admiradores é o secretário da Identidade e Diversidade Cultural, Sergio Mamberti. “Eu já comprei um montão, sou apaixonado pelo trabalho dele, é lindo. Compro pra mim, para os meus amigos e meus filhos”, afirma o secretário. Superando mais um desafio, mestre Tonho veio à capital de avião. “Pensava que existia um papa-filho (monstro) no avião, mas é bem legal. Da próxima vez que for convidado para ir à Irlanda, eu vou”, se entusiasma. (Agência Brasil, www.radiobras.gov.br)