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Ano 2 • Número 82

R$ 2,00 São Paulo • De 23 a 29 de setembro de 2004

Trabalhadores querem dividir o bolo B

ancários de 24 capitais estão de braços cruzados, ao mesmo tempo em que servidores do judiciário paulista chegam ao 86º dia da maior greve de sua história. Dia 20, metalúrgicos do ABC paulista se juntaram a essas categorias. Ao todo, as mobilizações agregam centenas de milhares de pessoas, transmitindo um sinal para a sociedade: o sindicalismo combativo sobrevive no Brasil. Nesse período de crescimento econômico pelo qual passa o país, os

trabalhadores decidiram pela paralisação para deixar claro que não vão ficar sentados esperando as elites distribuírem a renda. João Felício, da CUT, avisa: “Os sindicatos vão para cima”. Segundo o economista José Carlos de Assis, o reaquecimento da economia não vai durar muito tempo, o desemprego se mantém em patamares elevados e a conjuntura continua crítica para os trabalhadores. Então, que os sindicatos se apressem. Pág. 3

Márcio Fernandes/AE

Como a economia retomou o fôlego, assalariados recorrem à greve para exigir a sua parte na riqueza que produzem

Nas eleições, ativistas pedem voto contra Alca Em 3 de outubro, dia das eleições municipais, ativistas da Campanha Brasileira contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) vão fazer boca de urna para pedir votos contra os tratados de livre comércio e a dívida externa. A iniciativa ocorre

em um momento crucial: o Mercosul está cada vez mais perto de assinar um tratado com a União Européia. Para movimentos sociais, o acordo vai ter impacto negativo para trabalhadores, pequenos empresários e industriais. Pág. 9

Mais uma medida Lula e Bush provisória para discordam sobre os transgênicos? rumos da paz O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez apelo a chefes de Estado para que se unam na luta contra a fome. Na abertura da Assembléia Geral da ONU, dia 21, Lula disse que este é o único meio para alcançar a paz. Logo depois, o presidente George W. Bush declarou que a paz só é possível com o fim do terrorismo. Segundo ele, é isto que os soldados de seu país fazem no Iraque. Págs. 2 e 11

Bancários em greve reúnem-se para fazer o balanço da paralisação da categoria, em São Paulo Aris Messinis/AFP

Após apresentar um projeto de combate à fome mundial em Assembléia da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve liberar o cultivo e a comercialização de organismos geneticamente modificados por meio de medida provisória. Para especialistas, a liberação vai contra a possibilidade de se alcançar a soberania alimentar no país, e impede o combate à fome. Pág. 7

Mulheres estão Poucas empresas à margem da monopolizam o disputa eleitoral comércio exterior Mesmo sendo 51,2% do eleitorado, as mulheres representam menos de um décimo do total de candidatos para as prefeituras. A proporção não vai além de 22,1% dos 346.712 políticos que concorrem às câmaras municipais. Para a socióloga Altamira Rodrigues, a falta de participação feminina nas eleições representa uma falha da democracia. Pág. 5

Menos de 1% de 17,7 mil empresas respondeu, em 2003, por mais de 58% das exportações brasileiras superiores a 100 milhões de dólares. No lado das importações, tão somente 0,35% das empresas de um universo de 21,7 mil companhias que compraram no exterior no ano passado gastaram mais de 100 milhões de dólares em divisas. Pág. 6

Vítimas do amianto obtêm grande vitória

No Amazonas, escolas federais abandonadas

A Justiça obrigou a Eternit a pagar indenização, pensão vitalícia e plano de saúde a 2.500 empregados contaminados pela exposição ocupacional ao amianto. Para Eliezer de Souza, presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) a decisão é “a vitória mais importante” na luta pelo banimento desse mineral tóxico, com propriedades cancerígenas, que vem sendo travada por vítimas da contaminação e militantes. No Brasil, o banimento do agente tóxico ainda enfrenta um forte lobby das empresas do ramo, representadas por forças do Estado de Goiás, onde se encontra a maior reserva do mineral no país. Pág. 8

Pág. 4

Contaminação de águas aumenta 5 vezes em 10 anos Pág. 13

Donos de TV tentam barrar cinema nacional Pág. 16

Exemplo de luta – O atleta australiano Ben Austing bateu o recorde mundial nos 100m nado borboleta nos Jogos Paraolímpicos de Atenas. Dia 20, o Brasil conquistou quatro medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze

E mais: AMÉRICA LATINA – Na luta por distribuição fundiária, sem-terra do Paraguai anunciam série de ocupações de terra. A proposta do governo é considerada insuficiente pelos agricultores. Pág. 10 ÁFRICA – O governo alemão pretende financiar a reforma agrária na Namíbia. Para movimentos sociais do país africano, isto é uma estratégia para os europeus preservarem seus interesses na região. Pág. 12 DEBATE – Para o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, a hegemonia cultural estrangeira impede o surgimento de uma consciência das características específicas dos brasileiros. Pág. 14


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De 23 a 29 de setembro de 2004

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Dafne Melo e Fernanda Campagnucci 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

O discurso e a prática

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urante anos, de 1995 a 2002, os brasileiros se acostumaram a ver o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fazer sucesso nas cortes européias e até mesmo na intimidade do ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton. O acadêmico FHC empolgava o primeiro mundo com seus discursos para corrigir os rumos do neoliberalismo e da globalização dos capitais e dos mercados. A tal ponto que foi admitido no clube dos ricos para lançar uma fracassada Terceira Via. Fernando Henrique, quando presidente, era o que se costuma chamar de cavalo de parada – é garboso, vistoso, mas não serve para o trabalho. FHC destruiu o Brasil, desarticulou o projeto nacional, vendeu o patrimônio, aumentou violentamente a pobreza, mas deixou registrado pelo mundo afora pomposos discursos – falando de um Brasil que nunca existiu. O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esta semana, na abertura da assembléia anual da ONU, em Nova York, embora tenha vocabulário diferenciado dos discursos do FHC, lembra bastante a retórica e, especialmente, a incoerência entre o discurso e a prática do ex-presidente.

Lula fala em fome, desigualdade, colonialismo, redefinição do papel do FMI, em luta pela paz – e em tantos outros valores que integram as lutas dos povos ao longo da história da humanidade. Estão presentes hoje nas preocupações das lideranças populares mais autênticas da face da Terra. No entanto, o que cria algum ruído, uma estranha sensação de descompasso, é que o bem articulado e sério pronunciamento feito na ONU, perante chefes de Estado e representantes de todos os países, não combina com a prática de seu governo aqui no Brasil, já que ele foi eleito não apenas para representar o país nos fóruns internacionais, mas sobretudo para usar o poder do Estado em benefício do povo brasileiro. O presidente criticou o colonialismo e a distorção do FMI, já que ambos se confundem e ambos são nefastos para os países pobres ou em via de desenvolvimento. Aqui, no entanto, o seu governo anda de mãos dadas com o FMI, acata integralmente as suas diretrizes mesmo sabendo, de antemão, que significam mais sacrifício humano, mais desigualdade e mais pobreza.

Na última semana, por exemplo, o governo Lula voltou a aumentar a taxa de juros, medida que favorece os capitais especulativos – que nada mais são do que instrumentos poderosos e eficientes do neocolonialismo. E quando faz superávit primário para pagar os credores internacionais, às custas das péssimas condições de vida no país, também está fortalecendo as políticas determinadas pelo FMI e demais agentes dos países ricos. Ou seja, a afirmação de independência lá fora, aliada com causas humanitárias – como a campanha mundial contra a fome – e apelos emocionais, não vão mudar nada na face da Terra se o governo Lula não iniciar, aqui no Brasil, um novo processo de soberania, que enfrente a exploração e a sangria, que reorganize a renda e a riqueza, que cuide em primeiro lugar do ser humano e do povo – antes de servir aos mercados e aos capitais. Aqui não cabe mais discurso. Aqui o que vale agora é a prática. Que o governo Lula pratique no Brasil o que o presidente Lula denunciou em Nova York. OHI

FALA ZÉ

CARTAS DOS LEITORES ELEIÇÕES Causa pânico em nós, eleitores, quando nos deparamos, nos horários gratuitos do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), com candidatos do mesmo partido se contradizendo em promessas eleitorais. Ou há contrastes de ideologias ou há total indiferença político partidária em termos de programas sociais de governo. Queremos e defendemos novos governos que de fato coloquem o ser humano em primeiro lugar para que haja crescimento político-social em nossas vidas e não vãs promessas que não levam a nada! Célio Borba de Curitiba, por correio eletrônico Os verdadeiros Pinóquios estão de volta. Prometem de tudo para todos. Redução de impostos, investimentos sociais dos mais diversos, um policial a cada esquina da cidade, postos de saúde funcionando 24 horas... Entre essas e outras promessas, prometem gerar emprego. São mais de cinco mil prefeitos com seus respectivos assessores. O número de vereadores chegará a mais de dez, em média, por município, o que poderia ser reduzido em 50% sem que se notasse sua falta. O pior de tudo é que serão acobertados por uma lei que proíbe, de agora até o final das eleições de 2004, que a imprensa possa mostrar ao público quem é quem dentre os senhores candidatos

à eleição. Assim, cabe a pergunta aos senhores da mídia: e a tal liberdade de informação? João Gomes de Porto Alegre (RS) SAUDAÇÕES Gostaria de comprimentá-los pela resistência heróica de manutenção desse importante instrumento da luta democrática e espaço de informação, ausente das manipulações dos jornais da burguesia. Paulo Henrique por correio eletrônico SUGESTÃO Sou leitor assíduo do Brasil de Fato pela internet e busco acompanhar todas as suas edições, que muito me abrem os olhos frente à realidade brasileira. Semana passada, contudo, não pude ler o informativo e o site do Brasil de Fato, ao contrário do que ocorre no do Correio da Cidadania (www.correiocidadania.com.br), não traz um sistema de arquivo das edições anteriores. Bem, esta é minha sugestão; que se crie um modo de visualizar as edições anteriores, pois é realmente um desperdício que, após passada a semana em que é publicado, não se possa mais ler o informativo. Cid Arruda Aragão Fortaleza (CE)

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

As religiões e a nova tarefa da paz Marcelo Barros Uma característica das guerras atuais é um componente religioso de fanatismo e de buscar em Deus justificação para o ódio a outras culturas e religiões. Desde a década de 90, mais da metade das guerras que infestam o mundo têm motivos religiosos. As religiões, que deveriam ser fermentos de paz, acabam inspirando fanatismo, violência e morte. Essa realidade não é nova. Durante toda a história, muitas vezes, as religiões forneceram pretextos para guerras. Muitos crimes se cometeram em nome de Deus. A Organização das Nações Unidas consagra o 21 de setembro, início da primavera no Hemisfério Sul, como Dia Internacional para a Cultura da Paz. Se grupos extremistas e governantes fanáticos como o do presidente George W. Bush têm usado motivações religiosas para a sua sanha guerreira, é urgente que as religiões façam desabrochar do tesouro de suas tradições o que pode ajudar a humanidade a construir a paz em nome de Deus e dos diversos caminhos espirituais. Um primeiro compromisso moral

é apontar a verdade e vencer a mentira da publicidade oficial. Outro instrumento para estabelecer a paz no mundo é educar as pessoas e comunidades para o diálogo e para administrar os conflitos de forma não violenta. No mundo inteiro se têm desenvolvido instâncias que promovem o diálogo entre as religiões, tendo em vista o serviço à paz, à justiça e à defesa do universo que nos cerca. Na América Latina, por questão de justiça, amplos setores das igrejas cristãs têm procurado valorizar e dialogar com as religiões indígenas e negras, durante séculos vítimas de discriminação e condenação por parte das igrejas. Uma nova formação espiritual da humanidade exige que, seja em que religião for, ou sem religião nenhuma, se procure desenvolver a consciência da responsabilidade de cada pessoa por todas as outras do planeta. Fazemos parte de uma só família, dividindo a mesma terra e bebendo do mesmo poço. Como dizia Gorbachev: ‘Não haverá uma segunda Arca de Noé’. Ou evitamos uma catástrofe universal ou pereceremos todos. Roberto Crema, presidente do Colégio Internacional dos Terapeu-

tas, escreve: “Só a rede do amor pode fazer frente à rede do terror. Podemos juntar nossas mentes e corações, dando-nos as mãos, numa corrente de fraternidade, de confiança e de prece, para que a flor possa brotar da dor, para que possamos renascer deste calvário coletivo, para que não tarde a Luz no final dos escombros”. Em uma sociedade na qual a racionalidade é uma forma de poder que pretende controlar tudo e se impor, um trabalho pela paz é colocar em questão o nosso modo de ver a história, engajar-se do lado dos pequenos e excluídos do mundo e trabalhar para que as diferenças culturais sejam respeitadas e valorizadas. Como dizia o bispo italiano Tonino Bello, que dedicou toda a sua vida ao trabalho pela paz: “A paz não acontece magicamente acabando com todos os conflitos, pois esses são uma realidade da vida. A paz supõe o aprendizado da convivialidade na diferença”. Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 24 livros, entre os quais o romance A Festa do Pastor, da Editora Rede.

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NACIONAL GREVES

Trabalhadores param país por aumento Bancários, servidores do judiciário e metalúrgicos reivindicam sua parte, diante do crescimento da economia

BNDES promete executar dívida da Flakepet Funcionários da Flakepet, companhia do setor plástico de Itapevi (SP), estão perto da vitória, em uma luta que já dura quase um ano. Dia 21, eles saíram da fábrica – reocupada desde o dia 13 – depois que integrantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foram até a empresa para fazer uma vistoria nos bens. Segundo Misa Boito, coordenadora do conselho de fábrica, os técnicos da instituição anunciaram que vão dar início a um processo para executar a Flakepet. Os empregados foram suspensos em outubro de 2003, quando o patrão abandonou a produção, e estão sem receber seus direitos e salários desde então. “A situação está insustentável. Os trabalhadores não aguentam mais ficar sem dinheiro”, diz Misa. O passivo da empresa com a instituição chega, no mínimo, a R$ 17 milhões. Por isso, dia 27 de agosto os trabalhadores se reuniram com Carlos Lessa, presidente do banco, que se comprometeu a executar a dívida. Isso significa que os bens da Flakepet passariam ao Estado – essa é justamente a principal reinvidicação dos trabalhadores nesses onze meses de luta. Misa explica que os funcionários não querem se tornar patrões, mas sim, continuar empregados. Por isso, a estatização é a melhor solução. (LB)

CONJUNTURA FAVORÁVEL?

Dia 20, a greve dos bancários, categoria que mais sofreu perdas salariais nos últimos dez anos, já atingia 24 capitais

quem ganha acima de R$ 1.500. Essa foi a proposta rejeitada pelos bancários ao entrar em greve e mantida pelos banqueiros na reunião do dia 21.

METALÚRGICOS E SERVIDORES A negociação dos servidores do poder judiciário estadual de São Paulo com o governo paulista enfrenta os mesmos problemas das lutas dos funcionários públicos de todo o Brasil – estão fragilizados após dez anos de política econômica neoliberal. Segundo Ivone Barreiros Moreira, presidente da Associação dos Oficiais de Justiça do Estado de São Paulo (Aojesp), os trabalhadores sofrem com insuficiência de remuneração, más condições de trabalho e com o descumprimento dos acordos feitos na greve de 2001. Mesmo assim, a mídia e o poder público vêm pressionando os servidores. Dia 20, Edson Vidigal, presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), sugeriu uma in-

tervenção federal para quebrar a mobilização. Além disso, a Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com ação qualificando a paralisação de ilegal. Mas Ivone informa que o movimento conta, em todo o Estado, com 17 entidades: “A ade-

são ainda é de 70%, sendo que as ameaças só surtiram efeito entre os cargos mais altos, de confiança, não concursados e, portanto, mais instáveis”. A greve começou após negociação na qual os servidores pediam reposição de 39,19% e o Tribunal Pleno, composto por 25 desembargadores, ofereceu 26,39%. Os trabalhadores aceitaram a proposta, mas o Tribunal de Justiça voltou atrás e ofereceu 4,5%. Os funcionários públicos não abrem mão dos 26,39% e o Estado vem aumentando sua proposta. Dia 22, as entidades realizam assembléias para decidir se aceitam o reajuste de 14,5%, oferecido na reunião no dia 20. Pelo menos esses servidores têm sobre o que decidir. Adi dos Santos Lima, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo (FEM), conta que, apesar dos trabalhadores terem entregue uma proposta salarial em 16 de junho, as empresas do grupo 9 (máqui-

“As categorias estão entrando com muita força nessas greves e não vão se curvar perante a intransigência absoluta dos empregadores”, avalia João Antonio Felício, secretário geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Lima explica que há um ponto comum nas mobilizações: os indicadores econômicos são favoráveis e não há nada melhor que negociar nessa conjuntura. “Quando acontece uma crise econômica, quem paga a conta somos nós. Por que, quando a economia vai bem, não termos nossa parte?”, questiona Felício. O economista José Carlos de Assis, coordenador do Movimento Desemprego Zero, faz uma ressalva: “É claro que os trabalhadores devem buscar melhores condições de trabalho e vida, mas essa paralisação é uma temeridade. Com o desemprego nesse nível, não sei como tiveram coragem de entrar em greve”, diz. Para Assis, os sindicalistas se deixaram enganar pela propaganda do governo. Ele acha que o reaquecimento do primeiro semestre não deve durar muito tempo. “Esse crescimento econômico é de flutuação no fundo do poço: a economia ia tão mal que uma simples volta aos níveis de 2002 já representa melhora”, explica Assis. Segundo o economista, a situação dos trabalhadores é crítica e eles devem fazer uma aliança para enfrentar a supremacia do mercado financeiro. Nesse sentido, não há discordância. “Todas essas greves fortalecem a luta dos trabalhadores”, completa Santos, da CNB.

POVOS INDÍGENAS

Audiência chama atenção para reivindicações Priscila D. Carvalho de Brasília (DF) Vindos de todas as regiões do país, 18 povos de línguas e culturas distintas apresentaram seus problemas, dia 16, em uma audiência coletiva com representantes do poder público federal. Cerca de 200 índios se reuniram no auditório do Ministério Público Federal, em Brasília, para discutir a questão da posse de suas terras. “Queremos nossas terras, que hoje estão ocupadas por fazendeiros, por fábricas, povoados, pesquisadores de minérios. Nossa terra tradicional tem uma área de 145.000 hectares e foi reconhecida com 82.432 hectares”, afirmaram as lideranças Tentehara, do Maranhão. A audiência tratou ainda dos processos de demarcação das terras Pataxó (Monte Pascoal - Bahia), Guarani e Terena (La Lima e Cachoeirinha Mato Grosso do Sul), Raposa/Serra do Sol (Roraima), Guajajara (Maranhão), Kalankó, Karuazu, Katokim e Koiupanká (Alagoas); Krahô-Kanela, Javaé e Karajá (Tocantins) e Tapuia (Goiás). As reivindicações de cada povo foram apresentadas a representantes da Fundação Nacional do Índio ( Funai), do Ministério da Educação (MEC), da Procuradoria Geral da União, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Ministério da Justiça, da Fundação Nacional de Saúde

Arquivo Cimi

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entenas de milhares de trabalhadores brasileiros estão em greve. O movimento dos bancários atinge 24 capitais e se espalha pelo interior; os servidores do poder judiciário paulista realizam a maior greve de sua história, 86 dias parados; e os metalúrgicos do ABC paulista estão parados desde o dia 20. Com os indicadores de que a economia cresce, o desemprego cai, a renda aumenta, os trabalhadores dão seu recado: querem a sua parte. Iniciada dia 15, a paralisação dos bancários envolve mais de 200 mil funcionários de instituições financeiras públicas e privadas. “A categoria está cansada de ver os bancos terem lucros e mais lucros, apesar das crises”, afirma Carlos Alberto Cordeiro dos Santos, secretário geral da Confederação Nacional dos Bancários (CNB). Segundo o sindicalista, com rentabilidade média de 30%, o mínimo que os bancos deveriam fazer era oferecer crédito barato para a população. Porém, mesmo com os esforços dos últimos governos para beneficiar esse setor econômico, isso não acontece. “O Produto Interno Bruto cresceu 4,2% no primeiro semestre, maior alta desde 2000, mas os trabalhadores também precisam se beneficiar disso”, lembra Santos. Para ele, a greve reflete duas lutas: uma representa a indignação da sociedade contra o sistema financeiro; a outra é a disputa entre bancários e banqueiros. Os bancários, categoria que sofreu perdas salariais nos últimos dez anos, reivindicam reposição da inflação, aumento real de 17,68%, e Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de um salário, mais R$ 1.200. Os bancos, cujos lucros aumentaram mais de 1000% no mesmo período, oferecem PLR de 80% do salário, mais R$ 705, e valealimentação extra de R$ 217. Propõem reajuste de 8,5%, mais R$ 30, para quem tem salário menor que R$ 1.500 – aumento real de 5,75% – e apenas reajuste de 8,5% para

nas e equipamentos) e do grupo 10 (lâmpadas e estamparias) ainda não deram resposta. Por isso, os cerca de 60 mil funcionários dessas empresas estão, desde o dia 20, em assembléias permanentes. Eles reivindicam reposição integral da inflação, aumento real, limite de horas extras, direito dos trabalhadores de fiscalizar as empresas terceirizadas e antecipação da data-base de novembro para setembro. “Se os patrões mantiverem essa postura, o conflito vai se estender”, alerta Lima.

Fotos: Anderson Barbosa

Luís Brasilino da Redação

Líderes indígenas querem suas terras tradicionais de volta, hoje invadidas por fazendeiros, empresas e mineradoras

(Funasa) e do Ministério Público Federal (MPF). No dia anterior, os mesmos povos estiveram no MPF para um seminário sobre a conjuntura da luta indígena no Brasil. O posicionamento do governo em processos de demarcação de terras foi alvo de críticas. “O governo tem usado os

poderes executivo, legislativo e judiciário para enfraquecer a luta dos povos. E conseguiu reduzir terras, prorrogar prazo para publicação de identificações. Querem nos matar pelo cansaço”, afirmou Julio José de Souza Makuxi, do Conselho Indígena de Roraima (CIR). É comum a presença de dele-

gações indígenas em Brasília, uma vez que grande parte das questões de educação, saúde e terra são de responsabilidade federal. A experiência de apresentar reivindicações em conjunto, entretanto, é uma novidade. A decisão busca respostas mais rápidas e efetivas a demandas que, na maioria dos casos, se arrastam por décadas.


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da mídia Dioclécio Luz

TV Nacional fica mais nacional A TV Nacional de Brasília inaugurou uma nova programação, incorporando produções de todo país, saindo do hegemônico eixo Rio-São Paulo. Sinal de maturidade. Guerra civil no Iraque A Folha de S. Paulo (17/9) revelou documento da CIA dizendo que até o final de 2006 o Iraque pode estar numa guerra civil generalizada. Não precisava citar a CIA (empresa estatal estadunidense de promoção do terror de Estado). Todo jornalista com um pouco de cérebro previa, antes da invasão, que isso iria acontecer. Bucha de canhão A mídia noticiou que os Estados Unidos estão fortalecendo a Guarda Nacional Iraquiana, fornecendo equipamentos e treinamento. A idéia é botar esses novos soldados para enfrentar os rebeldes locais. A mídia não disse o que se pretende com isso: iraquianos matando iraquianos. Revelações sobre a Veja Em artigo assinado na Folha de S. Paulo (20/9), o jornalista Mino Carta, editor da revista Carta Capital, revela que quando era editor da revista Veja, em 1975, a família Civita (sua proprietária) pediu um empréstimo de 50 milhões de dólares ao governo. Era o regime militar, a Veja estava sob censura, mas importunava muito o regime. O ministro da Justiça na época, Armando Falcão, propôs um negócio aos Civita: liberava a grana e acabava com a censura, mas Mino Carta tinha que ser demitido. Mino Carta foi demitido. Publicidade em rádio “ilegal” Os anunciantes que veicularem propagandas em rádios “clandestinas” poderão ser presos se o Projeto de Lei 4109/04, do deputado Carlos Nader (PFL-RJ), for aprovado pelo Congresso Nacional. A proposta estende aos anunciantes a punição já prevista para quem opera “emissoras clandestinas”. O deputado é dono de rádio O deputado Carlos Nader é sócio-proprietário de uma rádio em Barra do Pirai, interior do Rio de Janeiro. Isso é legal? O artigo 54 da Constituição diz: “Os deputados e senadores não poderão: ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público” (caso do Ministério das Comunicações). A punição é a perda do mandato. Quem processará esse deputado? Pontos de cultura O Ministério da Cultura lançou na semana passada o programa Pontos de Cultura. O objetivo é criar espaços para o incentivo da cultura local e possibilitar que comunidades socialmente excluídas possam não penas ter acesso à cultura, mas produzir arte. Os Estados com maior número de Pontos são São Paulo (35), Bahia (26), Rio de Janeiro (26), Pernambuco (17) e Minas Gerais (16). Festa do Jongo Dança considerada uma das origens do samba, o jongo foi trazido pelos escravos de Angola para a região Sudeste do Brasil Colônia. Em Valença, no Rio de Janeiro, o Quilombo São José é uma comunidade de 150 negros que preserva o jongo. Essa comunidade mantém ricas tradições, como o jongo, a umbanda, a agricultura familiar de subsistência. No dia 18, fizeram mais uma festa de Jongo. O Brasil não sabe o que é o Jongo. O carioca sabe? Contatos: quilombosaojose@yahoo.com.br

NACIONAL EDUCAÇÃO

Escolas esperam por inauguração No Amazonas, quatro escolas rurais federais permanecem inativas há mais de um ano Thaís Brianezi de Manaus (AM)

A

situação dos 249 alunos da comunidade Santa Rita Valéria, no projeto de assentamento Vila Amazônia, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Parintins, não é muito diferente da que enfrentam tantos outros estudantes da área rural do Amazonas. O agravante é que, em meio ao desconforto das salas escuras, pequenas e abafadas, os alunos podem avistar, pela janela, um prédio vizinho imponente, de alvenaria, onde há iluminação, ventiladores, computadores e carteiras escolares novinhas. Essa escola – que está fechada – foi construída em julho de 2003 e custou R$ 536.406,54. “A gente está sofrendo muito com esse atraso na inauguração da escola nova porque a atual está em condições muito ruins e tem apenas duas salas. O Centro Social Catequético virou sala de aula, para quebrar o galho”, relatou Sílvia Rodrigues, vice-presidente da Associação Comunitária de Santa Rita Valéria. Outras três comunidades do assentamento – Laguinho, Moriá e Santo Antônio do Tracajá – vivem a mesma situação absurda. As quatro escolas totalizaram um investimento de R$ 2.149.497,60, erguidas com verba do Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola), vindas do Banco Mundial para o Ministério da Educação e repassadas à prefeitura municipal de Parintins por meio do convênio 93.572/2001. O Fundescola é um programa do Departamento de Projetos Educacionais da Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação, desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. “Quando a gente questionou a Secretaria Municipal de Educação eles responderam que faltava um técnico para instalar os equipamentos. Os implementos estão todos lá, encaixotados. Tem carteira que já está até mofando”, queixou-se Railton Almeida, diretor da Escola Marcelino Henrique, da comunidade Santa Rita Valéria. A estrutura do prédio começa a ser comprometida pelo abandono: metade do chão do refeitório, por exemplo, está coberto de musgo. “Ninguém vem aqui tomar conta, está tudo cheio de morcego. No sábado, são os comunitários que se reúnem para varrer o

Fotos: Thaís Brianezi

Espelho

Material escolar novo, encaixotado, aguarda a inauguração da escola

A estrutura dos prédios começa a ser comprometida pelo abandono

pátio”, contou a agricultora Lucieneide Barbosa, 32, que mora bem em frente à entrada do colégio.

OCUPAÇÃO DA SALA DE AULA O coordenador pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Parintins, Eliseu Souza, afirmou que, como a escola foi construída com verbas federais, a inauguração não depende apenas da prefeitura.

“A coordenação estadual do Fundescola nos informou que gostaria de inaugurar as quatro escolas ao mesmo tempo, em julho do ano passado, para contar com a presença do ministro da Educação e, possivelmente, com a do próprio presidente Lula”, justificou Souza. A construção das escolas do Moriá e de Santo Antônio Tracajá, porém, foram finalizadas quatro

meses depois do previsto. “As obras dessas duas escolas demoraram um pouco mais a serem iniciadas e já pegaram um período de chuvas, por isso houve o atraso”, explicou Luciana Carla da Silva, coordenadora estadual do Fundescola. Ela conta que, desde o fim do ano passado, quando as quatro escolas já estavam prontas, aguarda um posicionamento da prefeitura de Parintins para saber quando as escolas começarão a funcionar. Souza ressaltou que o prefeito Enéas Gonçalves (PFL) é candidato à reeleição e, portanto, não pode participar de nenhuma inauguração de obra pública até o dia das eleições. Por isso, segundo o coordenador pedagógico, as escolas começarão a funcionar antes da inauguração oficial. “O diretor já está com a chave da escola e ainda nesta semana ela deverá começar a ser usada”, garantiu Souza. Dezoito escolas do mesmo modelo e valor já foram construídas pelo Fundescola no interior do Amazonas. Em Autazes, os professores indígenas da etnia Mura cansaram de esperar pela inauguração da escola da comunidade Trincheira e, com as chaves do prédio em mãos, há quatro meses já começaram a utilizá-la. “Um movimento social forte, organizado, é fundamental para que a comunidade consiga se apropriar dos bens públicos e de espaços coletivos tão importantes, como a escola”, avaliou Rosa Helena da Silva, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) que assessora os professores indígenas de Autazes.

Enquanto isso, os alunos recebem aulas em duas salas improvisadas, escuras e abafadas, até o término das eleições

IMPRENSA

Jornalista recebe intimação no Rio de Janeiro Rodrigo Brandão do Rio de Janeiro (RJ) O jornalista Mário Augusto Jakobskind recebeu uma intimação judicial para confirmar ou desmentir o teor das afirmações divulgadas no portal de internet Observatório da Imprensa sobre a atuação do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro durante o episódio da morte do jornalista Tim Lopes. Autores da intimação, o Sindicato e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) defendem o projeto de lei do governo que institui o Conselho Federal de Jornalismo, sendo que, pelo projeto proposto, o Conselho teria integrantes indicados pela própria Fenaj. Veja, abaixo, os principais trechos do texto publicado dia 15 de junho de 2004.

TIM LOPES, DOIS ANOS “Um episódio que entrou para a história como uma mancha no sindicalismo brasileiro diz respeito ao caso Tim Lopes e envolve duas entidades dos jornalistas. Tanto a atual diretoria da Federação Na-

cional dos Jornalistas (Fenaj) como a do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro defenderam com unhas e dentes a versão sustentada pelo empregador do repórter assassinado pelo narcotráfico, a TV Globo, recusando-se inclusive a examinar denúncias, bem fundamentadas, segundo as quais a tragédia ocorrida a 2 de junho de 2002 poderia ter sido evitada. Toda a vez que a TV Globo se sente acuada com questionamentos em relação ao seu posicionamento no caso, os diretores da emissora citam a Fenaj e sindicato carioca a seu favor. Os dirigentes sindicais das duas entidades simplesmente negaramse até a discutir os questionamentos apresentados, que mostravam que o assassinato do repórter poderia ter sido evitado não fosse o açodamento irresponsável da TV Globo, que obrigou Tim Lopes a cumprir uma pauta em área de risco, ainda mais ele, que havia se tornado uma figura pública por ter a emissora mostrado, em todos os noticiários, a sua

imagem recebendo o Prêmio Esso de Telejornalismo por uma matéria sobre a feira de drogas em favelas do Rio de Janeiro. Além disso, Fenaj e sindicato carioca simplesmente se recusaram a dar assistência à jornalista Cristina Guimarães, que sete meses antes do assassinato de Tim pediu proteção à TV Globo por estar sofrendo ameaças de morte. Cristina, hoje fora do mercado de trabalho, mas viva, fez matéria sobre a feira de drogas nas favelas da Rocinha e de Mangueira, enquanto Tim se ocupou do Complexo do Alemão, onde se localiza a Favela Cruzeiro, local da tragédia que culminou com a morte do repórter. Ainda mais lamentável aconteceu na Associação Brasileira de Imprensa. Chamada a prestar depoimento em sessão especial para a diretoria da ABI e Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão, Cristina Guimarães expôs detalhadamente os fatos e, pasmem, foi praticamente encostada na parede por membros da diretoria do sindicato carioca e funcionários

da TV Globo presentes. Ou seja, além de não dar proteção, como seria o seu dever, o sindicato ainda se voltou contra Cristina, tentando colocar em dúvida as suas denúncias. A manobra não deu certo, tendo a diretoria da ABI se colocado em favor da jornalista, comprometendo-se inclusive a envidar esforços no sentido de exigir das autoridades que ela recebesse proteção. Estamos lembrando fatos de dois anos atrás. A aberração continua. No dia 2 de junho, o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro prestou uma homenagem a Tim Lopes convidando parte da família de Tim Lopes, mas não a viúva Alessandra ou a cunhada Daniela, pois ambas são as que mais questionam a versão da TV Globo que a representação sindical carioca aceitou integralmente. Cristina hoje continua vivendo praticamente na clandestinidade, passando dificuldades e sem perspectivas de retornar ao mercado do trabalho, enquanto que a TV Globo se recusa a responder perguntas sobre o caso Tim Lopes.


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De 23 a 29 de setembro de 2004

NACIONAL ELEIÇÕES

Nessa disputa, mulheres entram perdendo Marcio Baraldi

Elas compõem 51,2% do eleitorado, mas representam apenas 9,5% do total de candidatos para as prefeituras João Alexandre Peschanski da Redação

E

m 2004, 70 anos após conquistar o direito de votar, as brasileiras representam mais da metade do eleitorado (51,2%) e, por conseguinte, têm em suas mãos o poder de eleger grande parte dos políticos que concorrem para a prefeitura e para as câmaras de vereadores dos 5.563 municípios do país. O primeiro turno das eleições está previsto para dia 3 de outubro. Apesar de seu poder como eleitorado, as mulheres estão à margem da competição municipal. De acordo com um levantamento do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), elas representam 9,5% do total de 15.778 candidatos para a prefeitura. Para a socióloga Altamira Rodrigues, diretora colegiada do CFEMEA, o dado marca um avanço em relação à eleição passada, em 2000, quando as candidatas eram 7,6% do total, “mas não há nada para aplaudir, pois a política continua sendo encarada como um assunto para homens”. O crescimento na representação feminina na eleição para prefeitura corresponde a 31,3%. Entre as mais importantes cidades brasileiras, São Paulo (SP) é a que apresenta a maior participação de mulheres na competição por prefeituras: 33% (veja quadro ao lado). Com base em uma pesquisa realizada pela reportagem do Brasil de Fato, 10 das 12 metrópoles têm uma representação feminina maior do que a média nacional. Apenas Curitiba (PR) e Fortaleza (CE) têm proporções inferiores: 8% e 9%, respectivamente.

sexo e a maioria não tem políticas para promover a proporcionalidade na representação. No CFEMEA, definimos os partidos como instituições masculinas cujo funcionamento e estrutura dificultam a participação feminina”, afirma. Segundo o levantamento do Centro, os partidos que mais apresentam candidatas a prefei-

turas são: PCO (22,2%) e PSTU (18,4%). Das agremiações consideradas grandes, apenas PT, PSB e PTB têm uma proporção acima da média nacional: 11,3%, 10,0% e 9,8%, respectivamente. Os grandes partidos identificados com a direita não atingem 9,5% de representação feminina, como é o caso de PFL (9,2%) e do PSDB (9,0%).

De acordo com dados do CFEMEA, a competição para as câmaras municipais é menos desproporcional. As mulheres representam 22,1% dos 76.765 candidatos. Em comparação com a última eleição, em 2000, quando a participação feminina atingiu 19,1%, houve um crescimento de 9,2%. Com base no estudo, constatase uma certa homogeneidade na representação feminina de acordo com os Estados. Rio de Janeiro, Sergipe, Mato Grosso do Sul e São Paulo têm as maiores médias. Todas estão entre 24% e 25%. As menores proporções ficam por conta de Amazonas, Alagoas, Piauí e Santa Catarina, oscilando entre 19,5% e 20,8%. Para Altamira, as mulheres têm mais espaço para participar da competição para a vereança. “Nesse tipo de eleição, proporcional, os candidatos estão mais diluídos e os homens se sentem menos ameaçados do que se uma mulher concorrer para a prefeitura”, diz. Altamira adverte: a participação feminina na competição não corresponde de fato à eleição de mulheres. Em 2000, as candidatas a vereadora totalizaram 70.321, das quais 11,6% chegaram ao cargo. No mesmo ano, das 1.139 mulheres que concorreram à prefeitura, 5,7% foram eleitas. “As estatísticas mostram um dado assustador: as próprias mulheres, que são maioria do eleitorado, não votam em mulheres. A discriminação não está só na atitude e cabeça dos homens”, conclui Altamira. Para consultar a pesquisa do CFEMEA sobre participação das mulheres nas eleições: www.cfemea.org.br.

FALHA EM DEMOCRACIA Para Altamira, a maior participação de mulheres em eleições caracteriza a democratização da disputa. “O sistema político brasileiro não favorece a inclusão de parcelas da sociedade que estão excluídas, como as mulheres. Trata-se de um modelo elitista e machista”, analisa a socióloga, para quem a discriminação contra as mulheres afeta substancialmente a possibilidade de elas participarem nas eleições. “Historicamente, os homens cuidaram da política, dos assuntos públicos, e as mulheres ficaram com as tarefas do mundo privado, como cuidar da família. Nas eleições, os dados mostram que a situação não é diferente”, explica. Altamira responsabiliza os partidos pela falta de participação de mulheres nas competições eleitorais. “Poucos adotam cotas por

Minorias sexuais conquistam mais espaço Gays, lésbicas e transgêneros ganharam espaço nestas eleições municipais. Em nove Estados, 15 candidados se assumem como homossexuais – 14 candidatos a vereador e 1 a vice-prefeito –, com apoio da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). Em assembléia realizada em Curitiba (PR), a ABGLT incentivou as capitais a lançar no mínimo um candidato declaradamente gay, por entender que 10% da população brasileira seja homossexual. A cidade de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, pela primeira vez tem um candidato homossexual concorrendo à vice-prefeitura, pelo PSTU-RJ. Salvador, João Pessoa, Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, São

Paulo, Campinas, Belo Horizonte e Colônia do Piauí também são exemplos de cidades que nas próximas eleições terão candidatos homossexuais assumidos concorrendo ao pleito municipal de 3 de outubro. Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia e candidato a vereador pelo Partido Verde (PV-BA) em Salvador, aponta a representação política como condição necessária para a conquista da cidadania: “Nossa candidatura tem três pontos fundamentais: primeiro, mudar a mentalidade de que um homossexual assumido não pode estar no meio político. Segundo, desenvolver ações práticas que fomentem a auto-estima, que punam a discriminação.

Centros de defesa a essas minorias também devem ser criados, como uma política de reparação a anos de intolerância. Em terceiro lugar, procuramos relacionar a campanha com os problemas da cidade, que, independentemente da opção sexual do vereador e do prefeito, devem ser sanados com capacidade, sensibilidade e inteligência”. Como política específica para os grupos, Cerqueira ressalta o projeto que regulamenta a união civil entre pessoas do mesmo sexo: “O projeto está parado há oito anos na Câmara. Há muito tempo confiamos nos ‘simpatizantes’ para promover a nossa inclusão; chegou a hora de sermos sujeitos da nossa história”. (FC)

Fernanda Campagnucci da Redação Em 2004, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) decidiram encampar uma campanha para difundir na sociedade os instrumentos que podem ser utilizados no combate à corrupção eleitoral. Desde abril, as duas organizações discutem com a população a necessidade da transparência nas eleições municipais e no financiamento das campanhas. A campanha conta com apoios de outras seis organizações representativas, entre elas a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). A iniciativa, batizada de Campanha contra a Corrupção Eleitoral, está difundindo a Lei 9840, aprovada em 1999, depois de um processo de mobilização popular, com a coleta

Rodolfo Buhrer/Gazeta do Povo/AE

Organizações combatem corrupção eleitoral Advogados do Brasil. Segundo ele, as pequenas cidades são as que registram maiores ocorrências de corrupção eleitoral, mas os candidatos corruptos não estão encontrando as mesmas facilidades. “Se essa prática ‘nefasta’ de compra de sufrágios ainda acontece, ao menos está dando mais trabalho de ser realizada, graças aos movimentos de combate à corrupção eleitoral”, avalia Domingos.

FORMAÇÃO POLÍTICA Urnas eleitorais: contra corrupção

de 1 milhão de assinaturas. A lei permite que a Justiça Eleitoral casse o registro dos candidatos que tentarem comprar votos dos eleitores. “A Justiça Eleitoral e o Ministério Público podem tomar providências ao apurar candidatos que contratam cantores famosos, de cachês altíssimos, incompatíveis com a declaração de gastos. Deve haver esse cuidado permanente também da sociedade civil”, afirma Delosmar Domingos, conselheiro federal da Ordem dos

Outro foco de atuação de políticos que compram votos é a periferia das grandes cidades. “É preciso ampliar o trabalho de conscientização sobre o valor do voto e promover um controle social de políticas públicas por entidades da sociedade civil ou qualquer cidadão”, propõe Sérgio Haddad, diretor da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong). A Campanha contra a Corrupção Eleitoral criou, em várias cidades, comitês voltados para a formação política, com a função de explicar

para os eleitores, por exemplo, a importância de conhecer o programa do candidato antes de definir seu voto. “A divulgação da Lei 9840 é também essencial para que haja mudança nesse quadro de compra de votos”, avalia Haddad. Para Carlos Moura, secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, os comitês estão intensificando a Campanha contra a Corrupção. “Temos comitês por todo o país lutando para que essa lei se propague”, considera. Moura alerta também para a atuação de políticos que utilizam a religião para obter votos. “No Brasil, o Estado é separado da religião, não há que se envolver um com o outro. Além disso, a religião constitui um caminho para que o ser humano se encontre com Deus, por intermédio da espiritualidade. Por isso, não pode ser objeto de qualquer exploração para se obter vantagens, sejam pecuniárias, ou de poder, de dominação”, afirma o religioso.

DESEQUILÍBRIO ELEITORAL Número de candidatas a prefeita nas 12 mais importantes cidades brasileiras BELÉM (PA) Total de candidatos: 7 Número de candidata(s): 1 Candidata na melhor colocação*: 2º Porcentagem de representação feminina: 14% Partido de candidata(s): PT BELO HORIZONTE (MG) Total de candidatos: 5 Número de candidata(s): 1 Candidata na melhor colocação*: 4º Porcentagem de representação feminina: 20% Partido de candidata(s): PSTU CURITIBA (PR) Total de candidatos: 13 Número de candidata(s): 1 Candidata na melhor colocação*: 10º Porcentagem de representação feminina: 8% Partido de candidata(s): PRTB FORTALEZA (CE) Total de candidatos: 11 Número de candidata(s): 1 Candidata na melhor colocação*: 4º Porcentagem de representação feminina: 9% Partido de candidata(s): PT GOIÂNIA (GO) Total de candidatos: 8 Número de candidata(s): 2 Candidata na melhor colocação*: 4º Porcentagem de representação feminina: 25% Partido de candidata(s): PFL e PDT MANAUS (AM) Total de candidatos: 6 Número de candidata(s): 1 Candidata na melhor colocação*: 3º Porcentagem de representação feminina: 17% Partido de candidata(s): PCdoB PORTO ALEGRE (RS) Total de candidatos: 9 Número de candidata(s): 1 Candidata na melhor colocação*: 7º Porcentagem de representação feminina: 11% Partido de candidata(s): PSTU RECIFE (PE) Total de candidatos: 8 Número de candidata(s): 1 Candidata na melhor colocação*: 8º Porcentagem de representação feminina: 12% Partido de candidata(s): PSTU RIO DE JANEIRO (RJ) Total de candidatos: 10 Número de candidata(s): 2 Candidata na melhor colocação*: 4º Porcentagem de representação feminina: 20% Partido de candidata(s): PCdoB e PCO SALVADOR (BA) Total de candidatos: 10 Número de candidata(s): 2 Candidata na melhor colocação*: 4º Porcentagem de representação feminina: 20% Partido de candidata(s): PSB e PRTB SÃO LUÍS (MA) Total de candidatos: 6 Número de candidata(s): 1 Candidata na melhor colocação*: 4º Porcentagem de representação feminina: 17% Partido de candidata(s): PT SÃO PAULO (SP) Total de candidatos: 12 Número de candidata(s): 4 Candidata na melhor colocação*: 2º Porcentagem de representação feminina: 33% Partido de candidata(s): PT, PSB, Prona e PCO * Com base nas mais recentes pesquisas eleitorais


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De 23 a 29 de setembro de 2004

NACIONAL COMÉRCIO EXTERIOR

Fatos em foco Hamilton Octavio de Souza Teatro internacional De passagem por Nova York, para a tradicional abertura da assembléia da ONU, o presidente Lula falou da luta contra a fome e a desigualdade social, sobre o neocolonialismo e as políticas equivocadas das agências internacionais, entre as quais o FMI. Aqui no Brasil, Palocci e a turma do Banco Central elevam os juros, estudam novo superávit primário, comprimem os salários e isentam de impostos o capital especulativo. Tudo muito coerente. Estrutura intocável Até agora o governo Lula eleito com o apoio das esquerdas e das forças populares está limitado a fazer assistência social, sem poder mexer na estrutura neoliberal consolidada durante os oito anos de FHC. E toda vez que alguém do governo toca nessa estrutura, os cães de guarda do sistema, os jornais da mídia burguesa, batem pesado e fazem o governo recuar. Com medo e covardia nada será modificado. Na contramão A sociedade pede ensino público e gratuito, mais recursos e mais vagas para as universidades estatais, mas o Ministério da Educação aprova MP para transferir recursos públicos para escolas privadas. A sociedade é contra o plantio e a comercialização de alimentos transgênicos, mas o governo ameaça baixar MP liberando os transgênicos. Assim segue o governo eleito pelos pobres do Brasil. Crime impune O assassinato do agricultor Sétimo Garibaldi, na Fazenda São Francisco, em Querência do Norte, no Paraná, ocorrido em novembro de 1998, continua sem solução. O inquérito foi arquivado, apesar da existência de provas contra os pistoleiros liderados pelo fazendeiro Morival Favoreto e seu capataz Ailton Lobato. Entre 1998 e 2000 foram assassinados quatro trabalhadores rurais naquela mesma região. Até hoje, nenhum autor desses assassinatos foi punido. Câmara lenta Os bancários estão em greve em quase todas as capitais. Os metalúrgicos do ABC também retomaram o caminho das greves. Os químicos ameaçam parar nos próximos dias. A característica agora é por local de trabalho ou setores, com adesão gradativa, e não a categoria toda de uma só vez. Já é alguma reação aos vários anos de arrocho salarial. Veneno para todos Assinado em 27 de março, o Decreto Federal 4680 instituiu a rotulagem obrigatória dos alimentos que utilizam a soja transgênica. Até agora, no entanto, não há fiscalização nem exigência de identificação em centenas de produtos à base de soja transgênica colocados à venda nos supermercados. O consumidor que se dane. Tesouro perdido Os documentos sobre a movimentação financeira do Banestado deveriam revelar para a sociedade milhares de nomes que remeteram fortunas para o exterior, ilegalmente. E deveria fornecer para a Justiça as provas necessárias para a punição dos criminosos. No entanto, por interesses políticos, pessoais e partidários, a CPI do Banestado está bloqueada. Até prova em contrário.

Um negócio para muito poucos Pequeno número de empresas concentra as exportações e as importações totais do Brasil Anamárcia Vainsencher da Redação

A

concentração é uma das marcas registradas do Brasil. Da renda, nem é preciso falar mais, o que também resulta em gigantesca concentração de miséria e pobreza por metro quadrado. No comércio exterior, o quadro não é diferente, seja a análise feita pelo número de empresas exportadoras e importadoras, ou pelas categorias de produtos vendidos e comprados no exterior. Em 2003, 17.743 empresas estiveram no rol dos exportadores do país. Entretanto, nada além do que 117 delas foram responsáveis por mais de 58% das exportações brasileiras acima de 100 milhões de dólares. No lado das importações (até novembro), de um universo de 21.711 empresas, só 76 (ou 0,35% do total) compraram no exterior valores de 100 milhões de dólares. Os dados, reunidos e organizados pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), na Síntese da Economia Brasileira – 2004, mostram, ainda, que, de 1997 até 2003, o quadro pouco mudou (veja gráfico). Em 1997, 97 empresas participavam com quase 50% das vendas totais ao exterior, número que diminuiu nos dois anos seguintes,

POUCOS DOMINAM O COMÉRCIO EXTERIOR DO BRASIL (Exportações e Importações acima de US$ 100 milhões) ANOS

EXPORTAÇÕES Nº de empresas Participação no total (%)

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

97 84 87 97 101 104 117

49,7 49,4 49,4 53,3 54,5 56,7 58,4

80 69 62 74 75 66 76

42,4 39,9 40,0 43,7 43,0 42,1 45,5

Fonte: Dados organizados pela Confederação Nacional do Comércio/Síntese da Economia Brasileira 2004.

voltando a crescer até o ano passado. No lado das importações, no mesmo período analisado, o número de empresas ficou menor, enquanto sua participação no valor total importado aumentou.

FUNIL Separando as empresas por valor exportado – acima de 100 milhões de dólares – a CNC mostra que, no ano passado, só 35 empresas responderam por quase 39% das vendas do país ao exterior (veja tabelas). Apenas a Petrobras foi responsável por 6% do total. Em número de empresas, a maior quantidade (8.857, ou 50% do total) é a das que geraram divisas a partir de mil e até 100 mil dólares. No grupo das exportadoras, entre as empresas que também estão entre as maiores importadoras,

35 EMPRESAS RESPONDEM POR 33,94% DAS IMPORTAÇÕES TOTAIS (Importações janeiro a novembro de 2003) Empresa

IMPORTAÇÕES Nº de empresas Participação no total (%)

Origem do capital

Petrobras Brasil Embraer Brasil Nokia do Brasil Noruega Alberto Pasqualini Refap Brasil e Espanha Motorola EUA Bunge Fertilizantes Bermudas Copesul Brasil Volkswagen Alemanha Ford EUA Daimlerchrysler Alemanha Braskem Brasil Basf Alemanha General Motors EUA Cisa Trading Brasil Syngenta Proteção de Cultivos Holanda e Suiça Halliburton Produtos EUA Caterpillar Brasil EUA Robert Bosch Alemanha Samsung Eletrônica Coréia do Sul Usina Termelétrica Norte Fluminense França CSN Brasil Bayer Cropscience Alemanha Bunge Alimentos Bermudas CNH Latino Americana Itália Caraíba Metais Brasil Cia. Siderúrgica de Tubarão (CST) França e Brasil Cosipa Japão Dow Brasil EUA Ministério da Saúde Brasil Du Pont do Brasil EUA Usiminas Brasil Refinaria de Petróleo Ipiranga Brasil Cia. Vale do Rio Doce Brasil Cotia Trading Brasil Scania Latin America Suécia

US$ milhões FOB

4.702,1 1.302,0 770,9 694,0 659,2 495,5 476,4 475,3 435,8 383,6 374,7 333,8 327,1 305,5 296,8 292,6 272,7 243,3 241,4 226,9 225,8 225,5 224,2 223,1 221,7 220,6 213,2 206,3 197,3 191,3 187,9 187,0 185,2 181,0 179,8

Fontes: Classificação e valor das exportações: dados organizados pela Confederação Nacional do Comércio/ Síntese da Economia Brasileira 2004. Origem do capital: Valor 1000 e Valor Grandes Grupos

três apresentaram saldo negativo (importações superiores às exportações): Petrobras, Nokia e Motorola. Essas duas últimas, do setor eletroeletrônico, têm linhas de montagem no Brasil e o valor de suas compras externas deve-se, sobretudo, ao elevado teor importado de equipamentos de telecomunicações, no caso, telefones celulares.

ESTRANGEIRAS Por origem do capital, no universo de 34 exportadoras (uma não teve seu controle identificado), 17 empresas têm capital local, das quais apenas uma é estatal. São sete transnacionais de capital estadunidense (41% do total); três, alemão. A concentração de empresas do agronegócio nas exportações não é novidade: 12, ou 34% do grupo de maiores exportadores. Em seguida, vêm cinco

montadoras e cinco siderúrgicas. A presença de empresas locais no ranking das maiores importadoras (acima de 100 milhões de dólares) é menor do que no grupo das exportadoras: onze, ou 31% do total. As estadunidenses são seis, as alemãs, cinco. Novamente, por setor, as empresas do agronegócio são o maior subgrupo (aqui incluídos fornecedores de máquinas agrícolas automotrizes e fertilizantes). O segundo é o das siderúrgicas (cinco), que compram no exterior principalmente coque, e das montadoras (cinco); em seguida, o de empresas químicas e petroquímicas (três) e o de eletroeletrônicas (três). Nas compras ao exterior, novamente o maior número de empresas importadoras é o grupo que gasta de mil até 100 mil dólares: 10.777 companhias, 50% do total.

35 EMPRESAS RESPONDEM POR 38,53% DAS EXPORTAÇÕES TOTAIS (Exportações janeiro a dezembro de 2003) Empresa

Origem do capital US$ milhões FOB

Vale do Rio Doce Brasil Embraer Brasil Bunge Alimentos Bermudas Volkswagen Alemanha Cargill Agrícola EUA General Motors EUA Cia. Siderúrgica de Tubarão (CST) França e Brasil Aracruz Celulose Brasil Ford EUA ADM do Brasil EUA Coinbra França Sadia Brasil Nokia do Brasil Noruega Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) Brasil Daimlerchrysler Alemanha Albrás Brasil Minerações Brasileiras Reunidas (MBR) Brasil e Japão Motorola EUA Perdigão Brasil Gerdau Açominas Brasil Samarco Mineração Brasil Bertin Brasil Cutrale Brasil Seara Alimentos Brasil* Cosipa Brasil Amaggi Export. Import. Brasil Braskem Brasil Universal Leaf Tabacos EUA Caterpillar EUA Bosch Alemanha Citrosuco Paulista n/i Coamo Brasil Cenibra Japão Fiat Itália

2.033,2 2.007,4 1.939,1 1.485,3 1.163,4 977,8 820,4 818,3 786,4 697,8 696,6 681,4 626,6 620,5 610,9 553,1 530,3 516,2 495,0 464,5 440,0 432,6 424,1 402,3 398,4 389,5 387,0 349,8 346,0 335,6 331,6 330,5 325,7 325,5

(*) Até agosto de 2004, quando foi adquirida pela Cargill. n/i: não identificada Fontes: Classificação e valor das exportações: dados organizados pela Confederação Nacional do Comércio/ Síntese da Economia Brasileira 2004. Origem do capital: Valor 1000 e Valor Grandes Grupos

PREÇOS

Gasto com moradia sobe mais para os pobres da Redação Que os brasileiros vinham gastando menos com alimentação, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já mostravam, assim como os indices de custo de vida também apontavam que as maiores altas penalizavam as classes de renda mais baixas. Agora, os preços dos produtos de manutenção do lar subiram tanto, que consomem mais renda do que a alimentação. Nos últimos cinco anos, as despesas com

tarifas de luz, água, telefone, gás, impostos, aluguel e taxas de moradia aumenaram 31,5%. No mesmo período, os gastos com comida encolheram 30,68%. As informações constam do Índice de Potencial de Consumo calculado pela Target, com base em levantamento do IBGE.

AUMENTOS O que vem acontecendo é simples: de um lado, o peso dos gastos com manutenção no orçamento doméstico aumentou, de outro, como a renda não subiu, as famí-

lias tiveram que economizar em alguma outra despesa, no caso, a alimentação. Segundo a Target, o aumento dos gastos foi de 53,6% para as famílias da classe D (renda mensal de dois a quatro salários-mínimos), e de 62,3% para as da classe E (até dois mínimos). O aumento das mensalidades escolares também está pesando mais. Em média, os gastos com mensalidades cresceram 39% nos últimos cinco anos. Neste caso, as classes sociais mais afetadas foram a C (quatro a dez mínimos) e a B2

(dez a quinze minimos), com aumento de 79,4% e 91,2%, respectivamente. Por outro lado, de 1999 para 2004, diminuíram as despesas com medicamentos (-42,6%), roupas (57,5%), bebidas (35,9%) e eletrodomésticos (-35,0%). E cresceram 59% os gastos com veículo próprio. Uma boa notícia da pesquisa é a redução de 63% nos gastos com fumo, que chegam a quase R$ 6 bilhões. Uma novidade é que, apesar de uma renda menor, os gastos com viagens aumentaram 28,2%.


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NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR

Transgênicos não acabam com a fome Tatiana Merlino da Redação

O

presidente Luiz Inácio Lula da Silva está prestes a entrar novamente em contradição. Na volta de sua viagem a Nova York (EUA), dia 22, onde foi apresentar um projeto de combate à fome mundial na 59ª Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Lula deve assinar uma medida provisória que vai na contramão de seu discurso. Para atender às pressões da bancada ruralista e das transnacionais produtoras de sementes, o presidente tende a liberar o cultivo e a comercialização da soja transgênica na safra 2004-05, em todo território nacional. “Essa é uma contradição mais do que evidente do presidente”, afirma o economista Jean Marc Von der Weid, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA) sobre a defesa, fora do país, do combate à fome e, no Brasil, uma possível liberação dos transgênicos, via MP. Ciro Corrêa, do setor de produção, cooperação e meio ambiente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) concorda. Para ele, o presidente costuma fazer um “belo discurso” no exterior, mas, aqui, “cede a toda e qualquer pressão das classes dominantes”.

RUÍNA Para os especialistas, a liberação significa atentar contra a possibilidade de se alcançar a soberania ali-

Arquivo Brasil de Fato

Novamente, o governo pode liberar cultivo e comercialização da soja modificada por medida provisória

Pequenos agricultores e sem-terra gaúchos protestam contra a posição do governo frente às empresas transnacionais

mentar no país e, por consequência, impedir o combate à fome. Para Von der Weid, os efeitos da liberação dos transgênicos vão desde a perda de soberania, até a ruína na agricultura familiar. Exatamente como aconteceu no Rio Grande do Sul, onde três quartos das variedades de soja

pertencem à Monsanto. Na opinião do economista, se os transgênicos forem liberados, “a Monsanto será dona de todo o país”. Com a abertura para o cultivo da soja transgênica, o governo torna evidente que o agronegócio, um dos principais sustentáculos da economia, tende a ser cada vez mais privilegiado. Com isso, a

agricultura familiar, responsável pela diversidade de alimentos, e potencialmente capaz de alimentar à população, corre o risco de ser extinta.

FALÁCIAS Um dos argumentos utilizados pelos defensores dos organismos geneticamente modificados (OGMs) é

que a sua liberação acabaria com a fome no mundo. Entretanto, de acordo com os pesquisadores, os transgênicos não “matam a fome de ninguém”. Segundo Von der Weid, uma das razões pelas quais o argumento é falacioso é que a soja não é um produto alimentício consumido em larga escala no país. Outro argumento utilizado em defesa dos OGMs é que sua liberação geraria um possível aumento da produtividade e, assim, barateamento dos alimentos. “As pesquisas mostram que não houve aumento da produtividade, nem barateamento dos alimentos”, desmente o economista. De acordo com os dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a fome no mundo não é provocada pela escassez de alimentos, e sim pela impossibilidade de acesso a eles. Em todo o globo, são produzidos diariamente mais de dois quilos de alimentos por pessoa. No entanto, mais da metade da população do planeta sofre com problemas relacionados à fome e à desnutrição. Ciro Corrêa lembra que o uso de sementes geneticamente modificadas gera a dependência do agricultor, que se torna “refém” das transnacionais detentoras das patentes. “Isso representa grande derrota para a nação”, avalia. A seu ver, é “preciso um governo de pulso” para barrar os interesses que se sobrepõem aos da nação. “O governo conta com apoio popular, mas cada vez mais se afasta da população”, avalia Corrêa.

Primeiro, o Senado decidiu adiar a votação do Projeto de Lei de Biossegurança para 5 de outubro. Em seguida, a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) anunciou que vai plantar a soja Roundup Ready da Monsanto, estando ou não amparada pela lei. Foi o bastante para o governo indicar que vai editar uma nova medida provisória (MP) para a soja transgênica, apesar da nota em sentido contrário divulgada dia 16 pela Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República. Depois de um encontro entre o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os boatos aumentaram. Na saída do encontro, Rigotto afirmou que o presidente Lula havia admitido a possibilidade de “resolver a questão da soja transgênica” por meio de uma MP. “O presidente me disse que a tendência é essa, que seria mais lógico levar o acordo do Senado para a MP. Eu expliquei a ele a importância de liberar o plantio, e ele disse que a solução viria provavelmente na semana que vem”, declarou o governador gaúcho.

CONFIRMAÇÃO O porta-voz da Presidência, André Singer, disse, dia 17, que o presidente “está considerando”, a possibilidade de editar uma medida provisória que contemple o que ficou decicido no Senado sobre a Lei de Bissegurança. O acordo libera o plantio e comercialização de soja transgênica. De acordo com Singer, “o presidente recebeu a proposta de vários senadores, e o que ficou acordado no Senado será transformado em medida provisória. O presidente está considerando essa possibilidade”. O porta-voz informou que a edição da MP não será apenas para transgênicos, como no ano passado. Isso significa que incluirá tudo o que foi acertado no Senado: liberação do plantio e comercialização de soja transgênica, comercialização de se-

Agência Brasil

Governo federal cede outra vez às pressões

Não há fiscalização sobre os produtos transgênicos expostos nas gôndolas dos supermercados

mentes, pesquisa e terapia com célula-tronco embrionária. A idéia de editar uma MP exclusiva para a soja teria sido abandonada para evitar que o presidente caisse em contradição com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a quem prometeu, publicamente, que não voltaria a tratar desse tema por meio de medidas provisórias.

Para ele, é “lamentável e estranha essa pressão para que se edite uma MP sem a apresentação de estudos de saúde e meio ambiente”. Duarte considera que se essas medidas de precaução prejudicarem algum segmento da sociedade, o governo deve assumir o prejuízo. A seu ver, se for editada nova MP, “estará aberto o precedente de que tudo é possível, desde que haja pressão”.

O Senado adiou a votação do projeto de Lei de Biossegurança. Por falta de quórum, o relator da proposta, senador Ney Suassuna (PMDB-PB), pediu que o projeto fosse retirado da pauta. “É uma frustração para mim, para todos os produtores que plantam soja e para os que estão doentes”, declarou, referindo-se à liberação dos transgênicos e às pesquisas com

embriões. “Gostaria de ter votado, mas queria o debate, e sem senadores em plenário não dava para votar a matéria”, afirmou. Dia 15, sessão conjunta das três comissões técnicas do Senado (Constituição e Justiça, Assuntos Econômicos e Assuntos Sociais) aprovou o projeto que libera o plantio e a comercialização de produtos geneticamente modificados no país. Para Aloízio Mercadante (PT/ SP), líder do governo no Senado, o governo deve avaliar qual será a melhor solução para os agricultores que aguardam autorização para o plantio de soja transgênica no início de outubro. Para ele, a aprovação pelas comissões técnicas mostra “o sentimento do Senado” em relação aos transgênicos, o que sugere um apoio à edição de MP autorizando o plantio. Segundo Mercadante, a Lei de Biossegurança deverá ser votada depois das eleições, no próximo esforço concentrado, a ser realizado entre os dias 5 e 7 de outubro. Em nota pública divulgada dia 16, o Greenpeace considera que o Senado falhou ao não votar lei de biossegurança com licenciamento ambiental. A ONG também critica a possível edição de uma MP para regular os transgênicos. No caso da soja transgênica, o Greenpeace afirma que não há “nenhuma avaliação de impacto ambiental”. (TM)

INGENUIDADE? Em um evento em Campos do Jordão (SP), a ministra disse não acreditar na edição de uma nova MP. “Não acredito que seja adequada uma terceira medida provisória sobre um processo que vem sendo tão debatido e que o governo, em tempo, mandou uma proposta de lei para o Congresso”, declarou. De acordo com o deputado federal Edson Duarte (PV/BA), o governo não deve seguir a agenda imposta pela economia, nem aceitar chantagens políticas. “Não há preço que seja maior que a saúde humana, e o governo não pode jogar do lado de quem tem mais força”.

Farsul planta sem esperar autorização “Os produtores vão continuar a plantar soja transgênica nesta safra com ou sem a autorização legal do governo”. A afirmação é de Carlos Sperotto, presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), que acrescentou: “O Brasil vai plantar, e não é só o Rio Grande do Sul”. No ano passado, o governo editou uma medida provisória (MP) para resolver o problema do plantio e da comercialização da soja transgênica, com validade apenas para

2003. Em seguida, o governo encaminhou ao Congresso o Projeto de Lei de Biossegurança, para disciplinar a questão dos transgênicos, entre outros temas. Com o adiamento da votação da Lei de Biossegurança no Senado, mais uma vez, o problema provavelmente será resolvido em cima da hora do plantio da próxima safra (2004-2005). Conforme estimativa da Confederação Nacional da Agricultura, cerca de 20% da colheita de soja em todo o país será grãos

geneticamente modificados. No Rio Grande do Sul, segundo a Farsul, a participação de OGMs será de cerca de 95% da produção total de soja. Para o deputado federal Edson Duarte (PV/BA), continuar plantando sem amparo da lei, é caso de polícia. “Não podemos tolerar esse desrespeito”, afirma, acrescentando que, se os fora-da-lei não forem punidos, “vão estimular a plantação ilegal, e gerar uma perda de autoridade do governo. Isso é perigoso para o país”. (TM)


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NACIONAL SAÚDE

Eternit é condenada a indenizar vítimas O

movimento que luta pelo banimento do amianto e pelo amparo às vítimas desse agente tóxico por exposição em locais de trabalho obteve uma importante vitória, dia 26 de agosto. A Eternit, empresa de construção civil que usa a substância como sua principal matéria-prima, terá que indenizar cerca de 2.500 trabalhadores contaminados durante o trabalho. A decisão foi deferida pela juíza Teresa Rodrigues dos Santos, da 18ª Vara Cível de São Paulo, em decorrência de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo, em maio. De acordo com a sentença, a Eternit deve pagar, para cada funcionário beneficiado, uma pensão vitalícia de meio a cinco salários mínimos (R$ 130 a R$ 1.300), retroativa à data do descobrimento da doença, e uma indenização que vai de 50 a 300 salários mínimos (R$ 13 mil a R$ 78 mil). Os valores são determinados segundo a gravidade da doença adquirida. Além disso, a empresa também vai arcar com os custos de um plano de saúde para os contaminados. Em nota oficial, a empresa declarou que pretende recorrer da decisão, embora tenha considerado a sentença “boa”. Fernanda Giannasi, fiscal do Ministério do Trabalho fundadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina, espera agora que inquéritos contra outras empresas do ramo, como Brasilit e Interbrás, sejam ajuizados pelo Ministério Público.

NEGOCIAÇÕES “Com certeza essa é a vitória mais importante para a nossa luta até agora. Nos dá ânimo para continuar, pois ainda há muito a ser feito”, diz Eliezer de Souza, presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), criada em 1995. “De 1999 a 2003, tentamos negociar com três empresas – Eternit, Brasilit e Interbrás – sob mediação do Ministério Público. No final de 2003 as empresas saíram da negociação sem que nós tivéssemos qualquer ganho. A saída foi a ação civil pública”, conta Souza. “Ao mesmo tempo em que estavam nas negociações, essas empresas faziam acordos judiciais individuais totalmente arbitrários com os empregados”, completa.

Detalhe: Divulgação

Dafne Melo da Redação

Foto: Juca Varella/Folha Imagem

Em ação pública inédita, Justiça determina que empresa pague pensão vitalícia a 2.500 vítimas dos efeitos do amianto

Adão José dos Santos (à esq.) e Valdionor Campos mostram amianto em um dos túneis da antiga mina em Poções, na Bahia. Ambos sofrem de doenças respiratorias

Pelo documento do MP em que se baseou a sentença, a Eternit avaliava o estado de saúde de seus trabalhadores por uma junta médica montada pela própria empresa. Quando era detectada algu-

ma alteração física, causada pela exposição ao amianto, os funcionários passavam a ter direito a um plano de saúde e uma indenização financeira entre R$ 5 mil a R$ 20 mil. Nos contratos estava também

Problemas causados pela exposição ao mineral Asbestose – É uma doença crônica, com um longo período de latência, de volução progressiva e não tem cura. Os sintomas são falta de ar e cansaço excessivo. Os resíduos do agente tóxico se alojam nos tecidos pulmonares e geram fibroses, ou seja, transformam tecidos “vivos” em tecidos “cicatrizados”, sem capacidade respiratória. Dessa forma, o indivíduo começa a perder capacidade pulmonar. A morte, normalmente, se dá por insuficiência respiratória.

todos os casos é um tipo agressivo de tumor, que costuma se disseminar para outros órgãos.

Câncer – A exposição ao amianto aumenta o risco de câncer de pulmão. Também há ocorrência de câncer em órgãos como laringe, esôfago, rins, pâncreas, além de no sistema gastro-intestinal. Em

Placas pleurais – As placas são benignas e não geram sintomas. Entretanto, sua ocorrência aumenta em três vezes o risco de contrair asbestose e em dez vezes o contrair de mesotelioma.

PÓ ASSASSINO Mesotelioma – Tipo de câncer altamente agressivo, que atinge a pleura, membrana que envolve os pulmões e só é causado pelo contato com o amianto. Os sintomas são falta de ar e dor aguda no peito. O tratamento é o mesmo do câncer de pulmão não causado por asbesto, mas a cura é ainda mais difícil.

Doenças com diagnóstico difícil “O que nos revolta, hoje, é que a empresa sabia que o pó de amianto fazia mal, mas nunca nos disse nada. Fomos enganados”, lamenta o aposentado Ivo dos Santos, que trabalhou por 34 anos na fábrica da Eternit em Osasco, região metropolitana de São Paulo. Santos, hoje com 68 anos, foi diagnosticado com asbestose (fibrose no pulmão causada pelos resíduos do pó de amianto) quase dez anos depois de se aposentar. Segundo o médico René Mendes, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, o desenvolvimento das doenças relacionadas ao asbesto é relativamente lento e insidioso, ou seja, os sinais da doença se desenvolvem muito lentamente. Para os mesoteliomas, tipo de câncer que afeta a membranas do pulmão e intestinais, o tempo de latência, isto é, entre o início da exposição e o diagnóstico da doença, pode chegar a até 30 ou 35 anos. Além disso, os sintomas mais comuns, como tosse e falta de ar, não são específicos. Caracterizam tanto o desenvolvimento da asbestose como o de câncer de pulmão e podem ser comuns a dezenas de doenças respiratórias, relacionadas ou não com o trabalho. Esses fa-

tores dificultam o diagnóstico das doenças causadas pela exposição ao asbesto. Além disso, algumas doenças são assintomáticas e passam despercebidas em exames comuns de raio-X. João Batista Momi, de 75 anos, também ex-funcionário aposentado da Eternit, conta que diversos colegas morreram em decorrência das doenças sem saber. “A empresa tinha médicos que nos examinavam, mas desconfio que eles escondiam o resultado dos exames”, conta Momi, que hoje também sofre de asbestose, diagnosticada 18 anos depois de ele sair da empresa. “Sinto falta de ar, tontura, dores nas pernas. A sorte é que nunca fumei, senão acho que não estaria falando aqui agora”, diz. Há uma semana, Momi foi ao enterro de um amigo e colega de trabalho, morto em decorrência de asbestose.

ACORDOS ARBITRÁRIOS Segundo Mendes, a contaminação se dá por aspiração, ingestão e absorção cutânea do pó de amianto. “O raciocínio de risco para a saúde dos trabalhadores expostos está baseado na concentração de poeira no ar e no tempo de exposição. Contudo, cabe lembrar que para o meso-

estipulado que os funcionários eram impedidos de fazer qualquer outro tipo de reivindicação decorrente dos males à saúde causados pela exposição ao amianto. Outra cláusula apontada como “polêmica” pelo Ministério Público é que os advogados que representavam os trabalhadores no acordo eram escolhidos pela Eternit. “Esses acordos revelam a situação mais vil na relação capital-trabalho. As empresas se beneficiam da pobreza e da desinformação dos trabalhadores”, diz a fiscal Fernanda.

telioma, não existem concentrações seguras”, comenta o médico. Ivo dos Santos lamenta que muitos companheiros tenham se submetido aos acordos arbitrários feitos pela Eternit. “A Eternit saiu de Osasco em 1992. Depois do surgimento da Abrea, voltou e começou a fazer uma série de ações para os trabalhadores – dava cesta básica, organizava churrascos e então oferecia o acordo. Era uma vergonha. A Eternit estabelecia quanto as pessoas valiam, se cinco, dez mil”, defende o trabalhador. Momi acredita que a adesão dos trabalhadores aos acordos enfraqueceu a luta. “Acho que se contássemos com mais companheiros, a empresa seria pressionada a nos indenizar antes”, acredita o aposentado. Para Ivo, o desespero e despreparo das famílias também foi decisivo para a Eternit conseguir fechar os 1.578 acordos, desde 1997, segunda dados da própria empresa.“As famílias viam a pessoa adoecer e não sabiam o que fazer. Então aceitavam a quantia e o plano de saúde que a Eternit oferecia. Muito deles hoje estão arrependidos, eles foram enganados duas vezes”, completa. (DM)

O amianto, ou asbesto, é uma fibra mineral natural utilizada desde os primórdios da civilização, por volta de 2.500 a. C. Valorizado por ser altamente resistente, durável, com a Revolução Industrial, no século 19, o amianto foi esco-

lhido como principal matéria-prima para construção de máquinas e na construção civil. Enquanto aumentava o uso do amianto, surgiam verdadeiras epidemias de doenças respiratórias – o que levou o mineral a ser chamado de “pó assassino”. Ainda hoje é largamente usado em todo o mundo, mas os primeiros registros médicos que ligam a exposição ao asbesto a doenças existem desde o começo do século 20. De acordo com o médico René Mendes, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), estudos feitos na metade do século já eram incisivos sobre “a associação causal entre a exposição ocupacional ao asbesto e o câncer de pulmão”. Hoje existem inúmeros estudos que não deixam dúvidas sobre o poder cancerígeno do amianto.

Goiás é o maior defensor da exploração do amianto Além da luta para garantir indenizações aos trabalhadores, outra conquista essencial é o fim da exploração e da comercialização do amianto no Brasil. Fernanda Giannasi, fiscal do Ministério do Trabalhoe fundadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina, conta que está parado o Projeto de Lei de 1996, que propõe o banimento, de autoria do deputado federal Fernando Gabeira (sem partido-RJ) e do exsecretário de Saúde da Prefeitura de São Paulo, Eduardo Jorge (PT-SP). De acordo com a fiscal, o principal lobby pró-amianto é feito pelo Estado de Goiás, que tem a maior mina do mineral no país, no município de Minaçu. O direito de exploração pertence ao grupo Sama, da multinacional francesa Sain-Gobain, país que já baniu o asbesto. Hoje, a atividade representa a segunda maior arrecadação do Estado, o equivalente a 30% da receita. “Junto aos industriais, temos o próprio Sindicato de Trabalhadores da Mineração do Estado, além de parlamentares como o deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO), que, declaradamente, tem apoio financeiro dessa indústria em suas campanhas”, explica Fernanda. Em todo o mundo, 42 países não utilizam o asbesto – entre eles, El Salvador, Chile, Argentina e Uruguai e países da Comunidade Européia. De acordo com a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), o Brasil está entre os cinco maiores produtores de amianto do

mundo e é também um grande consumidor. Em média, um brasileiro se expõe a 1.200 g de amianto por ano. Nos Estados Unidos, essa exposição é de 100g/ano.

LUTA CONTÍNUA A luta contra o amianto tem alcançado vitórias isoladas pelo país. O mineral está proibido em três Estados: Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em São Paulo, cidades como Osasco, Mogi Mirim, Bauru, São Caetano do Sul, Campinas, Ribeirão Preto e a capital aprovaram leis municipais de banimento do uso do mineral. Para Fernanda, os esforços já deram resultado: “Nos últimos anos, o consumo interno do amianto foi de 140 mil toneladas por ano para aproximadamente 64 mil toneladas por ano. Como conseqüência, o preço caiu”. Do ponto de vista político, entretanto, Fernanda acredita que o movimento está passando por um dos piores momentos. “Antes, tínhamos o apoio do PT. Quando o partido assumiu o governo federal, achamos que seria mais fácil, mas não. Estamos agindo ainda mais à margem e agora sem apoio nenhum, assim como outros movimentos sociais”, comenta a fiscal, que também critica a atuação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “O banimento do amianto sempre foi uma das bandeiras históricas da CUT, mas a entidade não tem feito seu papel de elemento tensionador nos últimos anos”, diz. (DM)


Ano 2 • número 82 • De 23 a 29 de setembro de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO

Campanha defende voto contra a Alca Nas eleições municipais, organizações e movimentos sociais alertam para riscos dos Tratados de Livre Comércio Jorge Pereira Filho da Redação

S

e estão dispostos a barrar os acordos de livre comércio, os movimentos populares e organizações reunidos na Campanha contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) terão de dar novo impulso às mobilizações sociais no Brasil. O calendário das negociações dos tratados comerciais anuncia um perigo cada vez mais próximo: a assinatura de um acordo do Mercosul com a União Européia. Os diplomatas dos dois blocos comerciais já agendaram, para o final de outubro, uma reunião ministerial com o intuito de sacramentar o acordo. Ainda sem data definida, esse encontro poderá ratificar uma série de concessões feitas pelos países do Mercosul aos europeus, com impacto negativo sobre diversos setores da sociedade, principalmente trabalhadores, agricultores, pequenos empresários e industriais. Apesar de a negociação com os europeus ter essa abrangência, apenas um grupo de grandes empresas reunidas na Coalizão Empresarial, comandada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), tem acesso ao conteúdo das propostas em discussão. Esse privilegiado setor social é o único a discutir e a interferir na estratégia do governo. Entre os ilustres ex-participantes da Coalização, estão o ex-presidente do Conselho de Administração da Sadia, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e o empresário do agronegócio e ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Para outros setores sociais, o conteúdo das propostas oferecidas pelo governo brasileiro aos europeus continua sigiloso. “Os interesses do agronegócio estão prevalecendo na posição do governo. Cada vez mais, temos a convicção de que é preciso travar uma batalha neste país contra o modelo primário exportador baseado na monocultura, que é o grande sustentáculo da política econômica. Em nome disso, estamos entregando setores estratégicos do nosso desenvolvimento”, avalia Fátima Mello, secretária executiva da Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip), articulação de movimentos sociais, organizações não-governamentais (ONGs) e entidades sindicais. Para retomar a discussão com a sociedade sobre o que está em jogo nessas negociações sigilosas, as organizações sociais estão planejando atividades no dia das eleições, 3 de outubro. Ativistas e simpatizantes da Campanha contra a Alca vão se concentrar nos locais de votação. A atividade, que terá o lema “Semeie essa idéia – Meu voto é contra a Alca, Livre Comércio e Dívida Externa”, tentará alertar a população sobre a interferência dos tratados de livre comércio que interferem nas políticas municipais e locais (veja quadro ao lado). “Que sentido passa a ter uma eleição para prefeito se assinarmos uma Alca e as decisões do poder público podem ser contestadas em tribunais internacionais que sempre decidem a favor de transnacionais?”, pergunta Paulo Maldos, do Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (Cepis).

Maldos ressalva também que é preciso se opor não somente à Alca, mas fazer uma crítica ao livre comércio. “Não adianta barrarmos a Alca por um lado e abrirmos o flanco por outro lado com os europeus”, exemplifica. Segundo ele, as negociações não podem ser vistas isoladamente, pois se os europeus receberem concessões, os estadunidenses vão exigir as mesmas condições. O ativista acrescenta que esse tema deve ser enfrentado junto com o problema da dívida externa e da militarização. “Estamos ampliando e radicalizando a campanha, no sentido de ir à raiz. Trata-se de um conjunto só, que se manifesta na Alca, no livre comércio, no pagamento da dívida e na questão da militarização”, aponta.

RETOMADA Atualmente, as negociações da Alca estão paralisadas em função das eleições presidenciais nos Estados Unidos, que vão ocorrer em novembro. O processo de discusão, no entanto, deve ser retomado logo após o pleito. No Itamaraty, cogitase a possibilidade de realizar, já em dezembro, uma reunião ministerial da Alca no Brasil. Para a campanha contra a alca, o desafio, em 3 de outubro, é conseguir incorporar esses temas no ambiente das disputas eleitorais municipais. “Vai ser um processo de formação, no corpo a corpo. Queremos discutir um projeto de Brasil, de soberania”, diz Sandra Quintela, do Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs). Para ela, a atividade será uma oportunidade de debater sobre um projeto de país. Só no município de São Paulo, a expectativa é de que mais de 200 pessoas sejam sensibilizadas para participar da atividade na distribuição de material informativo e sementes para eleitores. As ações vão se concentrar nas proximidades dos maiores colégios eleitorais. Haverá também ações na Baixada Santista, em Campinas, em São Bernardo e Sorocaba, entre outras cidades do Estado de São Paulo. Até o fechamento desta edição, os comitês de outros Estados, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, haviam agendado plenárias para programar as atividades.

POR QUE VOTAR CONTRA A ALCA? * Dez razões para votar contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o livre comércio, a dívida externa e a militarização

Acima no destaque e abaixo no detalhe, frente e verso da camiseta que será lançada no dia 3 de outubro, dia das eleições municipais no país, quando ativistas e simpatizantes devem se concentrar para alertar a população sobre a interferência que os tratados podem causar nas políticas municipais e locais

1 – Porque o livre comércio é uma falácia. Subsídios, incentivos dos governos, trocas entre empresas do mesmo grupo transnacional e as diversas práticas restritivas da concorrência afetam os preços e distorcem os mercados. 2 – Porque se a Alca for aprovada, os países não terão direito a definir e a administrar o seu próprio projeto de desenvolvimento. 3 – Porque uma eventual adesão do governo brasileiro à Alca ou ao acordo entre a União Européia e o Mercosul significaria um enfraquecimento do Estado frente às transnacionais e da Constituição Federal frente aos interesses corporativos. 4 – Porque as eleições municipais são as que definem os destinos de nossas cidades e os acordos de livre comércio podem limitar a capacidade de as prefeituras definirem políticas e de gerirem seu território. 5 – Porque meu voto é contra a sangria dos orçamentos públicos para pagar as dívidas financeiras. 6 – Porque meu voto é contra os acordos marcados pela ideologia do livre comércio, pois obrigam os países signatários a rever sua política de proteção ambiental. 7 – Porque esses acordos buscam transformar a água e o saneamento (essenciais para a saúde e a qualidade de vida das pessoas) em mais um grande negócio nas mãos das transnacionais. 8 – Porque as políticas de ajuste fiscal que dão prioridade às dívidas financeiras e os acordo de livre comércio impedem que o País implemente políticas de crescimento econômico com distribuição da renda e da riqueza. 9 – Porque a Alca e as dívidas financeiras facilitam que o conhecimento criado no país e os recursos nacionais venham a ser apropriados por grandes empresas estrangeiras. 10 – Porque a Alca e os acordos de livre comércio promovem uma sociedade do consumismo e do individualismo na qual os ricos se tornam mais ricos e os pobres mais pobres. * Trechos do folheto que será distribuído pela Campanha contra a Alca, Dívida e Militarização em 3 de outubro

Movimentos tentam barrar TLC Andino Se no Brasil as organizações sociais iniciam a retomada das atividades contra o livre comércio, na América do Sul o cenário também é de fortalecimento das ações populares. No Equador, setores da sociedade estão lançando uma campanha para o governo convocar uma consulta popular sobre o Tratado de Livre Comércio (TLC) Andino, que os governos de Colômbia, Equador e Peru negociam com os Estados Unidos. A campanha reúne um amplo espectro da sociedade equatoriana em uma aliança “produtiva e social”, como diz a declaração de um encontro que reuniu mais de

30 organizações, no lançamento da iniciativa. “Devemos partir de um primeiro acordo: o TLC não pode ser decidido pelo governo e pelo Congresso à revelia do povo. Qualquer decisão final deve ser tomada em uma consulta popular. A livre determinação do nosso povo vem antes do que o livre comércio”, registra o documento.

REGRAS CLARAS As organizações equatorianas esperam reunir 1 milhão de assinaturas (8% dos 12,4 milhões de habitantes) até 12 de outubro. Nessa data, ocorrerá o Dia dos Excluídos Continental, com mobilizações em

todo o continente contra os acordos de livre comércio. Já no Peru, mais de 400 camponeses se reuniram em uma convenção e rechaçaram a participação do governo de Alejandro Toledo nas negociações sobre o TLC Andino. “O acordo comercial deve ser submetido a uma consulta popular. Queremos a retirada do governo peruano das negociações, enquanto não existirem regras claras de transparências nessas discussões e enquanto o governo não demonstrar quais são os custos e os benefícios em se negociar um TLC para o povo peruano”, registrou Washington Mendonza, secretário

da Confederação Camponesa do Peru (CCP), em relato sobre o encontro. Na Bolívia, as organizações sociais estão preparando o Terceiro Encontro Boliviano contra o TLC e a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), entre os dias 6 e 8 de outubro. A idéia é ampliar o debate e definir um plano de ação para comunicar à população boliviana os riscos desses acordos. Atualmente, a Bolívia participa das negociações do TLC Andino na condição de observador, mas integrantes do governo de Carlos Mesa já defendem a participação do país como negociador. (JPF)


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AMÉRICA LATINA BRASIL-VENEZUELA

Presidentes reforçam integração regional Até o final do ano, o Brasil deve investir cerca de 1 bilhão de dólares em projetos de infra-estrutura na Venezuela

O

s presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez participaram do encerramento do 5º Encontro Empresarial Brasil Venezuela, em Manaus, dia 15. O evento foi marcado pelo anúncio de pesados investimentos brasileiros em infra-estrutura na Venezuela, por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A previsão é de que, até o final de 2005, seja gasto 1 bilhão de dólares. Já existem três projetos aprovados, que totalizam 246 milhões de dólares: a construção da hidrelétrica La Vueltosa, da linha 3 do Metrô de Caracas e do sistema de irrigação Del Dilúvio/ Polmos. Com isso, o Brasil espera aumentar em 40% as exportações para a Venezuela no ano que vem – hoje são da ordem de 1,2 bilhão de dólares. “A tão desejada integração regional (da América do Sul) passa pelo aumento do fluxo de comércio. A Venezuela e o Brasil movimentam 2 bilhões de dólares entre si; esperamos chegar a 2,5 bilhões em 2005”, declarou Lula. O presidente da Câmara Venezuelana Brasileira de Comércio, José Marcondes Neto, divulgou que o número de empresas brasileiras e venezuelanas

deixa dúvidas de que a Venezuela é uma democracia”. Chávez culpou o governo George W. Bush e a guerra no Iraque pelo fato de o barril de petróleo estar acima de 40 dólares. “Se dependesse de nós, o preço máximo seria de 30 dólares”, assegurou ele. Mas ao falar sobre as dificuldades de desenvolvimento da América Latina, o presidente venezuelano disse que “o maior inimigo não é a CIA, o FBI nem o FMI, mas sim a burocracia”.

Ricardo Stuckert/PR

Thaís Brianezi de Manaus (AM)

PRÊMIO POR COOPERAÇÃO

Os presidentes, Lula e Chávez, e o governador do Amazonas, Eduardo Braga, na II Feira Internacional da Amazônia

que realizam negócios entre os dois países pulou de 1.400, em 2003, para os atuais 2.160. Um crescimento que ocorreu de forma equilibrada nas duas nações: 44% de aumento na Venezuela e 46% no Brasil. Os números do comércio bilateral são positivos, mas Chávez ressaltou

que os fatores políticos são mais importantes que os econômicos. “Não haverá verdadeira liberação sem integração política, integração social, tecnológica e até militar”, opinou Chávez, que defendeu também a criação da Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS),

uma aliança militar para defender a soberania do continente sul-americano. Lula também politizou a discussão, ao lembrar para os empresários brasileiros e venezuelanos que a vitória de Chávez no referendo popular foi “uma marca que não

A Câmara Venezuelana Brasileira de Comércio concedeu aos presidentes Lula e Chávez o 1º Prêmio General José Inácio de Abreu e Lima, que tem o objetivo de homenagear personalidades com atuação destacada na cooperação entre os dois países. “Poucos brasileiros conhecem Abreu e Lima, e eu sempre faço um apelo para que isso seja mudado. Ele foi um pernambucano socialista, revolucionário, que lutou na revolução bolivariana e morreu em 1878. Nós precisamos conhecer nossos marcos, nosso passado, porque não é preciso inventar nada novo para que se tenha um caminho próprio. Basta seguir um projeto de 200 anos atrás, que continua válido: o sonho da integração sul-americana vivido por Simón Bolívar”, pregou Chavéz.

PARAGUAI

Trabalhadores pressionam por políticas sociais Organizações sindicais, de pequenos agricultores e de sem-terra, que compõem a Frente Nacional de Luta pela Soberania e a Vida, anunciam a retomada das ocupações de terra e os bloqueios de estrada caso o governo paraguaio não atenda às reivindicações do movimento. Dia 13, após semanas de intensas mobilizações, sobretudo no departamento de San Pedro, lideranças da Frente se encontraram, em Assunção, com a Comissão Nacional de Crise, formada por representantes de diversos ministérios e dirigida pelo vice-presidente Luis Alberto Castiglioni. A proposta apresentada pelo governo, de um plano de ação imediata em quatro assentamentos de San Pedro, com possibilidades de se estender a outras comunidades, não agradou aos líderes das organizações sindicais e camponesas. Eles exigem uma reforma agrária e uma política para combater a pobreza rural e nos centros urbanos. Também reivindicam o reajuste

nal de Trabalhadores, disse que a mesa de diálogo de que participaram não tem poder de decisão, sendo a última palavra a do presidente Nicanor Duarte Frutos – participa, em Nova York, da 59ª Assembléia das Nações Unidas. “Eles criaram a Comisão de Crise, mas não têm nenhum recurso para solucionar, de fato, os problemas”, afirmou Torales. Nos dias de protesto promovido pela Frente Nacional de Luta pela Soberania e a Vida, houve repressão policial por parte de milícias privadas. Registraram-se confrontos armados principalmente na zona de Capibary, em uma propriedade de 504 hectares pertencente a brasileiros e ocupada pelos camponeses.

Norberto Duarte/France Presse

da Redação

PONTOS DE ACORDO Trabalhadores exigem reforma agrária e uma política para combater a pobreza

salarial e a reforma do Estado. Se o governo não responder, por escrito, às exigências do movimento em 60 dias, eles planejam uma jornada

nacional de protesto, com greves, bloqueio de estradas e ocupações de terra. Juan Torales, da Central Nacio-

Diante do aumento da tensão no campo, os ministros do Interior, Orlando Fiorotto; da Saúde, Julio César Velásquez; do Meio Ambiente, Alfredo Molinas; e o titular do Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert),

Erico Ibáñez, se deslocaram ao município de Caaguazú, local da maioria dos conflitos, para se reunir com os dirigentes camponeses. Nesse encontro inicial, chegaram a um acordo em pontos que estiveram em pauta na reunião do dia 13, em Assunção: o compromisso do titular do Indert, Erico Ibáñez, na compra de 6,5 mil hectares de terras para os trabalhadores rurais de Caaguazú ainda este ano; medidas de segurança para os assentamentos; serviços de saúde para os camponeses e políticas públicas especiais para a população indígena. Para Jorge Galeano, um dos líderes da Frente, o governo deve entender que o problema do campo não é apenas a falta de terra. “Há também outros problemas profundos que exigem a presença do Estado. Não é possível pensar em um plano de desenvolvimento sustentável, quando o governo se omite diante das necessidades básicas da produção agrícola, sendo que a economia do país gira em torno da agricultura”. (Com agências internacionais)

MILITARIZAÇÃO

A volta da “guerra suja” na América Latina Carlos Fazio da Cidade do México (México) São reais os riscos de que a América Latina esteja entre os próximos alvos da “guerra contra o terror” encabeçada pelos Estados Unidos. Afinal, o presidente George W. Bush nomeou, para diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), um veterano das operações clandestinas, Porter Goss, representante (deputado federal) republicano pela Flórida, presidente da Comissão Especial de Inteligência da Câmara. Goss entrou na Seção de Operações Especiais da CIA em 1962 e participou de várias ações, abertas e encobertas, contra Cuba – como a invasão da Playa Girón, a Operação Mongoose, a crise dos mísseis e diversas tentativas de assassinar Fidel Castro. Agiu também em outros

países latino-americanos, como México, República Dominicana e Haiti. Assim, num momento crucial de sua “guerra contra o terror”, os EUA têm, à frente de seu principal serviço secreto, um especialista em América Latina. Hoje se sabe que, logo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o subsecretário da Defesa estadunidense, Douglas Feith, distribuiu um memorando secreto em que propunha atacar alvos na Ásia ou na América Latina, para “surpreender os terroristas”. Feith indicou, como um dos alvos possíveis, a Tríplice Fronteira do Brasil, Argentina e Paraguai, onde estariam abrigados terroristas islâmicos temporariamente inativos. Entre outras coisas, uma operação naquela região abriria as portas da Amazônia para os EUA, cumprindo um velho sonho estadunidense.

Além disso, é claro, a CIA está sempre preparando ações contra Cuba e, mais recentemente, contra a Venezuela, segundo revelou o jornal conservador espanhol El Mundo. O jornal disse que, na semana anterior ao referendo venezuelano de 15 de agosto o diretor do Departamento do Hemisfério Sul da CIA, William Spencer, se reuniu com agentes destacados para toda a América Latina, para discutir planos de impedir a extensão da influência do presidente Hugo Chávez a países como a Colômbia, Peru e Bolívia. Todos esses dados indicam que é real o perigo de que a América Latina se veja envolvida na violência globalizada que os EUA desencadearam a partir da queda do Muro de Berlim. Aliás, a longa lista de matanças perpetradas desde então pelos EUA em diferentes

partes do mundo lembra os “métodos” das ditaduras militares latinoamericanas apoiadas pelo governo estadunidense nos anos 70: matanças seletivas, “desaparecimentos” forçados, “tortura científica” em interrogatórios.

PRIVATIZAÇÃO DA GUERRA Como disse o especialista francês em assuntos militares, Alain Joxe, a “guerra contra o terror” não tem um objetivo militar definido, que possa terminar com a vitória de um dos lados e a paz. Além disso, nessa “guerra”, o poder tecnológico dos EUA é esmagadoramente assimétrico em relação a seus adversários. Já o especialista alemão em segurança internacional, Peter Lock, afirma que, nos locais em que a violência bélica e aberta dos EUA “seria supérflua”, as estruturas burocráticas

do Pentágono e da CIA recorrem “à privatização sistemática e à subcontratação da prestação de serviços de violência”, ou seja, àquilo que pode ser chamado de “mercenarização”. Isso lembra, de novo, a “guerra suja” dos anos 70 na América Latina, em que agiram, a mando dos EUA, diferentes tipos de “esquadrões da morte” recrutados pelas elites militares locais. A “privatização” de guerra permite uma reciclagem das antigas “guerras sujas”, por meio de “contratados militares privados”, que prestam desde apoio logístico, assessoria bélica e treinamento no campo de batalha, até atividades de espionagem interna, por meio de empresas como Kroll, Dyncorp, Kellog, Brown & Root (sucursal da Halliburton) e MPRI. (La Jornada, www.lajornada.unam.mx)


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INTERNACIONAL ONU

A paz de Lula, diferente da paz de Bush Em Nova York, nos EUA, presidentes brasileiro e estadunidense propõem caminhos diferentes para o mundo

A

abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), dia 21, foi palco de discursos de várias lideranças de todo o mundo, mas dois tiveram destaque principal: o dos presidentes brasileiro e estadunidense. Para ambos, a humanidade está atravessando um período turbulento e precisa encontrar o caminho da paz. Discordaram, entretanto, nos meios para sair da crise. Segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a paz depende da construção de uma nova ordem internacional. Ele defendeu mudanças em instituições financeiras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), para garantir progresso econômico e social para todos os países. E conclamou os líderes mundiais a realizar uma frente de erradicação da fome, pois “da fome e da pobreza jamais nascerá a paz”. Lula disse que “o ódio e a insensatez que se alastram pelo mundo nutrem-se dessa desesperança, da absoluta falta de horizontes para grande parte dos povos”. A proposta recebeu o apoio de diversos chefes de Estado, como o presidente francês, Jacques Chirac. Lula denunciou a existência de um sistema de dominação, que substituiu o colonialismo e causaria pobreza e fome. “Poderosa e onipresente, uma engrenagem invisível comanda à distância o novo sistema. Não raro, revoga decisões democráticas, desidrata a soberania

como no Afeganistão”. Segundo Bush, a construção da democracia nesses países depende do surgimento de transparência, liberdade, estabilidade e responsabilidade. “Tenho fé em transformar meu poder em liberdade”, acrescentou. Em sua fala, depois do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e de Lula, Bush atacou o presidente palestino, Yasser Arafat, dizendo que este “não serve a seu povo e trai sua causa”. O líder estadunidense disse que a paz no Oriente Médio só vai vir com a derrocada dos grupos terroristas que atuam na região.

Ricardo Stuckert/PR

da Redação

TAXA SOBRE ARMAS

Presidente Lula discursa na ONU, em defesa do fim do colonialismo econômico e da autonomia dos territórios palestinos

dos Estados, sobrepõe-se a governos eleitos, e exige a renúncia a legítimos projetos de desenvolvimento nacional. Manteve-se a lógica que drena o mundo da escassez para irrigar o do privilégio. Nas últimas décadas, a globalização assimétrica e excludente aprofundou o legado devastador de miséria e

da regressão social, que explode na agenda do século 21”, afirmou.

DERROTAR O TERRORISMO No encontro, que reuniu 59 chefes de Estado, o presidente estadunidense, George W. Bush apresentou outra solução para atingir a paz no mundo: acabar com o terrorismo.

ANÁLISE

IMPERIALISMO

Como a mídia manipulou o massacre de Beslan A “grande mídia” informou, em todo o mundo, que pelo menos dez terroristas árabes participaram do grupo que tomou de assalto a escola de Beslan, ação que resultou no massacre de, no mínimo, 320 pessoas, metade das quais crianças. Mentira. Contados os cadáveres e os detidos, nenhum árabe foi encontrado, mas – com raras exceções – não houve retratação na mídia, pelo menos nada de proporção equiparável ao escândalo com que divulgaram a “informação”. Como entender esse episódio? Terá a mídia cometido apenas um “erro de informação”, sem ter tido a honestidade de fazer autocrítica? Dificilmente, se consideramos o panorama geral da cobertura midiática da “guerra ao terror”, facilmente traduzida como “ guerra ao Islã” ou “ guerra aos árabes”. Os países árabes e islâmicos, como se sabe, são os maiores produtores de petróleo do planeta, e é nisso que estão interessadas as grandes corporações, sobretudo estadunidenses e britânicas. Não foi “erro”. Foi mais um episódio de manipulação da mídia contra os povos árabes – e, portanto, anti-semita. Assim como não foram um “erro” as omissões quanto ao fato de a presença do terror fundamentalista islâmico na Chechênia dever-se, historicamente, à ação da CIA (serviço secreto dos Estados Unidos). Foi a CIA que armou, organizou e treinou Osama Bin Laden e a Al Qaeda, no final dos anos 70, para utilizar os seus serviços na guerra de resistência à invasão do Afeganistão pelo Exército Vermelho da extinta União Soviética. E foi a mesma CIA, em associação com o serviço secreto do Paquistão, que promoveu a participação dos fundamentalistas islâmicos na luta pela independência da Chechênia (interessa à Casa Branca

Encontro no Líbano reúne 300 ativistas Verena Glass de São Paulo

Maxim Marmur/France Presse

José Arbex Jr.

Ele propôs que os governos se unam na luta contra focos terroristas, principalmente a rede Al Qaeda. Sobre a invasão militar estadunidense no Afeganistão e no Iraque, afirmou: “Nossa coalizão está no Iraque apesar dos ataques rebeldes, e continuaremos lá até que a liberdade esteja totalmente instalada, tanto no Iraque

Lula propôs a criação de duas taxas: uma sobre as vendas internacionais de armas pesadas; e outra, de 0,01%, sobre as transações financeiras internacionais com paraísos fiscais. Ele também sugeriu a criação de mecanismos para que pessoas físicas e jurídicas possam doar para o combate à fome percentuais do valor das compras que fazem com cartões de crédito. A representante dos Estados Unidos no encontro criticou as medidas, que dariam “ênfase demasiada” à criação de taxas e seriam, além disso, “impossíveis” e “antidemocráticas”. Ela disse que o combate à miséria deveria ser perseguido por mecanismos tradicionais como o aumento do comércio mundial e o desenvolvimento. Segundo ela, as propostas de Lula são idealistas. (Com Oficina de Informações, www.oficinainforma.com.br)

Criança sobrevivente do massacre: manipulação da mídia contra povos árabes

tirar do controle da Rússia uma região estratégica para o transporte e comércio do petróleo no século 21).

MANIPULAÇÃO DOS FATOS Nada disso apareceu no noticiário, não por erro, mas por vontade deliberada de falsear e manipular os fatos. Da mesma forma, não foi o “erro”, mas a mais pura má-fé que motivou uma suposta “reportagem”, absurdamente ridícula, publicada na edição nº 1.870 da revista Veja, de 8 de setembro, que compara as escolas do MST às escolas islâmicas, qualificadas pela repórter Mônica Weinberg como centros formadores

de terroristas. Não por acaso, aliás, a revista resolveu publicar tal “reportagem” justamente quando o mundo ainda sentia o impacto do terror em Beslan: a associação produzida no imaginário é imediata. Assim, de calúnia em calúnia, a mídia – sempre com raras exceções – vai construindo o perigoso edifício da segregação, o caminho que, inevitavelmente, conduz a tragédias e injustiças. Mais do que nunca, é necessário construir os meios de promover a resistência aos ataques da mídia, o verdadeiro partido da burguesia. José Arbex Jr. é jornalista

Um dos destaques do Fórum Social Mundial (FSM) deste ano, a Coalizão Global Antiguerra, constituída por diversas organizações e movimentos sociais do mundo, se propôs, no final do FSM, a algo bastante ousado: ser uma nova superpotência mundial de oposição ao militarismo, ao neoliberalismo e ao imperialismo dos EUA e de seus aliados, em especial o Estado de Israel sob Ariel Sharon. Oito meses depois, mais de 300 ativistas de 46 países – a lista inclui desde Brasil, Peru, El Salvador, Haiti e Costa Rica a Ilhas Figi, Timor Leste, Austrália, Grécia e Chipre, passando por grande parte dos países árabes e europeus – se reuniram em Beirute, no Líbano, para reavaliar a conjuntura nos principais centros de conflito no Oriente Médio, na perspectiva de reorientar as ações da Coalizão. Desde os debates do FSM em Mumbai, na Índia, os pontos altos do movimento global antiguerra se restringiram a atos de protesto, tanto no dia 20 de março, data de aniversário da invasão estadunidense do Iraque (menor do que os do dia 15 fevereiro de 2003, que antecedeu a guerra), quanto nas mobilizações em Nova York durante a convenção do Partido Republicano no mês passado. E a situação geral, segundo avaliação do economista Walden Bello, diretor da ONG filipina Focus on the Global South e mentor do encontro de Beirute, está se degradando.

ESTILO VIETNÃ “Estamos reunidos aqui em Beirute num momento bastante crítico”, afirmou Bello em sua fala de abertura do evento. “No Iraque, os EUA estão indo cada vez mais fundo em sua política estilo Vietnã. Na Palestina, o muro sionista (construído por Israel para separar

os territórios palestino e israelense) está avançando numa velocidade de um quilômetro por dia. Há exatamente um ano, em setembro de 2003, muitos de nós comemoraram, em Cancún, México, o colapso da 5ª Cúpula Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Hoje, esta representante máxima da globalização neoliberal está de volta nos trilhos com a adoção do Documento de Genebra, desenhado para acelerar o desarmamento econômico dos países em desenvolvimento. Há alguns meses, vimos manifestações de repúdio a George W. Bush e suas políticas pró-guerra com mais de 500 mil pessoas marchando em Nova York. No entanto, pesquisas mostram que Bush está dez pontos na frente de (seu adversário democrata) John Kerry”. Não por acaso, o nome ou título do encontro de Beirute foi algo como “O que fazer agora para os movimentos antiguerra e antiglobalização?”. Entre as propostas apresentadas no evento, destacam-se a demanda palestina para que se crie um movimento global contra o apartheid israelense e um tribunal internacional contra Ariel Sharon. Os iraquianos pedem uma conferência de intelectuais e ativistas no próprio país e um comitê de advogados para defender mulheres e crianças presas pelos EUA. Segundo o jornal local The Daily Star, Walden Bello comemorou, acima de tudo, a aproximação dos movimentos antiguerra ocidentais com os grupos árabes. “A maior conquista desta conferência foi a forma com que fomos capazes de trazer o movimento pacifista e de solidariedade global para uma associação e um diálogo mais próximos com seus pares do mundo árabe e muçulmano. Especialmente num momento em que os EUA atacam o Islã com o objetivo de atender aos objetivos de sua política externa”. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Namíbia: alemães bancam reforma agrária A

Alemanha está disposta a financiar o processo de reforma agrária da Namíbia, país da África Austral que foi colônia alemã de 1890 a 1915. O anúncio, feito em agosto, vem na esteira da decisão tomada pelo governo da Namíbia, em fevereiro, de desapropriar grandes latifúndios pertencentes à minoria branca, a exemplo do que faz o Zimbábue, para distribuir terras aos 240 mil camponeses namibianos negros sem-terra. O governo de Sam Nujoma, presidente da Namíbia, apóia a política zimbabuana de reforma agrária. Em abril, o Zimbábue enviou para a Namíbia peritos em gestão fundiária para preparar a operação de desapropriação de terras. A aproximação entre os governos zimbabuano e namibiano é cada vez maior. No início de setembro, as estações de televisão estatais da Namíbia e do Zimbábue criaram juntas um canal de TV via satélite, o “Africa World”. O canal, que vai funcionar 24 horas e começa suas atividades em dezembro, é uma das iniciativas dos dois países num acordo de cooperação na área de comunicações. A outra foi o lançamento de um jornal regional, o “Southern Times”, em meados de setembro. É a esse quadro que a Alemanha parece querer responder. A ministra do Desenvolvimento e Cooperação Econômica da Alemanha, Heidemarie Wieczorek-Zeul, disse à agência africana All Africa que o financiamento da reforma agrária será parte importante da cooperação bilateral entre os dois países, a ser renovada em negociações no ano que vem. Segundo ela, o governo alemão está satisfeito com o processo da reforma agrária na Namíbia. “A informação que temos é de que o processo está em andamento e está sendo conduzido de forma ordenada. Até agora nenhuma terra foi desapropriada”, afirmou, durante visita a Windhoek, capital namibiana. O governo alemão também promete ajudar treinando os reassentados em desenvolvimento de infraestrutura. O montante de assistência dos alemães aos namibianos é calculado em aproximadamente 5 bilhões de dólares desde a independência da Namíbia, em 1990, tornando o país o maior receptor de verbas per capita da África vindas da Alemanha.

Arte: BF

da Redação

Fotos: Marcello Casal Jr

Iniciativa é resposta à desapropriação de terras de brancos e visa proteger interesses da Alemanha na ex-colônia

Especialistas e ativistas de organizações que defendem a reparação de negro-africanos na Namíbia dizem que o verdadeiro ob-

NAMÍBIA Localização: África Austral (do Sul) Principais cidades: Windhoek (capital), Swakopmund, Rundu Línguas: inglês (oficial), africâner, khoi, ovambo, alemão Nacionalidade: namibiana Divisão política: 13 distritos Regime político: república presidencialista População: 1,9 milhão Moeda: dólar namibiano Religiões: cristianismo protestante (48%), catolicismo (17%), crenças tradicionais Hora local: + 5 Domínio na internet: .na DDI: 264

jetivo da Alemanha é proteger seus interesses na ex-colônia. Para Kuaima Riruako, chefe supremo dos herero e presidente da Fun-

dação Hosea Kutako, a Alemanha tem especial interesse na manutenção da paz na Namíbia por ambição. “Essa política é baseada na falsa crença de que os interesses da Alemanha estarão protegidos pelo governo da Namíbia por conta dos acordos bilaterais. Infelizmente, o apoio a esse acordo rasteiro e oportunista entre os dois governos é frágil.” A Fundação Hosea Kutako encabeça um movimento pela reparação da etnia herero pelo governo colonial alemão. Entre 1904 e 1908, 90 mil hereros foram

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é saudado por um grupo que canta e dança em sua homenagem, na chegada à Namíbia, quando da sua viagem àquele país, em 2003; no detalhe, Sam Nujoma, o presidente namibiano

mortos na Namíbia por ordem do general alemão von Trotha. Em 2001, a Fundação entrou com um processo de reparação numa corte dos Estados Unidos contra o governo da Alemanha e empresas daquele país, como o Deutsche Bank e a Terex Corporation, entre outras. De acordo com grupos de direitos humanos que atuam na região, os herero são hoje um grupo étnico minoritário, largamente superado em número pelo povo ovambo, que conseguiu ficar fora do alcance do governo colonial alemão. Os ovambo lutaram contra o domínio sul-africano, obtendo a independência da Namíbia em 1990. O atual governo namibiano é dominado pela etnia ovambo e não apóia as exigências de reparação dos herero.

Serra Leoa no combate ao tráfico de diamantes Lansana Fofana de Freetown (Serra Leoa) O tráfico de diamantes que alimentou a guerra civil em Serra Leoa foi detido nos aeroportos, mas continua nas porosas fronteiras terrestres. O processo enfrentado desde julho por membros da Frente Revolucionária Unida (RUF) por atrocidades cometidas durante o conflito faz lembrar ao mundo o custo em vidas do comércio ilegal de diamantes neste país da África Ocidental. O encarregado geral da Autoridade Nacional de Receitas, John Karimu, considera que o governo conseguiu pôr fim ao tráfico ilegal, em parte graças à introdução do Esquema de Certificação do chamado Processo de Kimberly após o fim da guerra civil, em janeiro de 2002. O Processo de Kimberly foi criado em 2000, na cidade sul-africana mineradora de mesmo nome. Representantes de países diamantíferos decidiram ali regular o comércio de pedras preciosas, cujo tráfico ilegal financiava guerras civis. O regulamento de Kimberly obrigava os comerciantes a dotar

cada pedra bruta de um certificado de origem. Além disso, pedia-se aos compradores que recusassem as pedras que estivessem sem a documentação exigida. Esse sistema permite rastrear todo diamante desde as minas até o estabelecimento onde ele é vendido ao comprador final. Karimu observou que aumentou substancialmente a quantidade de diamantes exportados legalmente a partir de Serra Leoa, em parte por causa do Processo de Kimberly e, também, pela redução dos impostos de exportação de 15% para 3%. No primeiro trimestre deste ano foram exportados legalmente cerca de 40 milhões de dólares em diamantes, segundo estatísticas oficiais. A previsão é de que este ano sejam vendidos um total de 100 milhões, 24 milhões mais do que em 2003. Mas o contrabando ainda representa 40% dos diamantes traficados fora do território de Serra Leoa, segundo admitiu o próprio Karimu baseando-se em dados da inteligência do país. Segundo esses números, a saída ilegal de diamantes foi detida nos aeroportos internacionais, mas não nas fronteiras. Este pequeno

SERRA LEOA Localização: África do Oeste Principais cidades: Freetown (capital), Koidu-Sefadu, Bo, Kenema Línguas: inglês (oficial), crioulo, mende, limba e temne Nacionalidade: leonesa Divisão política: 4 províncias Regime político: república presidencialista População: 5,8 milhões Moeda: leone Religiões: islamismo (45%), crenças tradicionais (40%), cristianismo (11%) Hora local: + 3 Domínio na internet: .sl DDI: 232

país limita-se ao norte com a Guiné e ao sul com a Libéria. O governo colocou funcionários no controle das minas, encarregados de rastrear os traficantes e interromper suas atividades, mas muitos traficantes continuam operando como se nada tivesse acontecido. Alguns funcionários têm pouca ou nenhuma experiência no comércio de diamantes, e todos eles recebem um treina-

mento que deixa muito a desejar, segundo especialistas e ativistas. “São pessoas pobres, simpatizantes do partido do governo e que têm sua lealdade recompensada com um emprego”, diz o ativista Aiah Fomba, do Movimento de Jovens Comprometidos do distrito diamantífero de Kono, a leste de Freetown. “Vemos o tráfico de diamantes todos os dias. Os funcionários do controle são pobres e podem ser subornados, como acontece com freqüência”, acrescenta Fomba. Entretanto, o porta-voz do Ministério de Recursos Minerais, Abdul Sanu, disse à IPS que as autoridades estavam se saindo o melhor possível no combate ao tráfico ilegal diante das condições adversas. “Os vigilantes rastreiam os contrabandistas o melhor que podem. São mal equipados e mal pagos. Sem incentivos, não se pode esperar que tenham rendimento excelente”, observou Sanu. Funcionários entrevistados pela IPS nas minas confirmaram Sanu. Um deles disse que ganhava menos de cem dólares (aproximadamente 300 reais) por mês para identificar traficantes que levam

milhões de dólares em diamantes. “Nem ao menos nos dão veículos e outros equipamentos logísticos”, acrescentou. Num esforço para incentivar os vigilantes, o governo decidiu pagar-lhes uma porcentagem do valor dos diamantes cujo tráfico eles consigam impedir, e planeja elevar os salários. Por outro lado, circulam versões sobre o apoio que poderosos funcionários dão aos traficantes. Durante a guerra civil dos anos 90, a RUF, que costumava amputar os membros dos civis em zonas sobre seu controle, administrava as regiões diamantíferas no leste e sul de Serra Leoa, na fronteira com a Libéria. O hoje ex-presidente da Libéria, Charles Taylor, deu apoio aos rebeldes em troca de diamantes. O tribunal para crimes de guerra em Serra Leoa também acusou Taylor, considerado o principal responsável pela sangrenta guerra civil. As autoridades da Nigéria, onde Taylor está exilado, não parecem dispostas a extraditá-lo, mas a Justiça analisará sua situação depois de uma denúncia de dois nigerianos que acusam a RUF de tê-los torturado. (IPS www.ipsenespanol.net)


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AMBIENTE ÁGUA

Contaminação quintuplicou, em dez anos Rogéria Araujo de Brasília (DF)

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contaminação das águas no Brasil aumentou cinco vezes nos últimos dez anos e o problema pode ser constatado em 20 mil áreas diferentes do país. Esses são apenas alguns dos pontos do relatório “O Estado Real das Águas do Brasil”, lançado dia 22, em Brasília, pela Defensoria da Água, pela Cáritas Brasileira e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, dentro da programação da 1ª Semana Brasileira de Economia e Contabilidade Ambiental. De acordo com o coordenador geral da Defensoria da Água, Leonardo Morelli, o relatório revela que a contaminação avança muito rápido, num espaço de tempo considerado curto, e as perspectivas ainda estão longe de ser consideradas positivas. “Se a contaminação continuar no ritmo em que está, nos próximos dez anos a situação será realmente muito crítica. Esse relatório quer chamar a atenção para isso, para o que estamos fazendo com a água, o nosso principal bem público”, afirmou. Coordenado pela professora Araceli Ferreira, da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o relatório faz um levantamento nas cinco regiões brasileiras. O problema nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, segundo adiantou o coordenador da Defensoria, chama muito a atenção: áreas onde há cinco anos não havia sido detectado nenhum tipo de poluição das águas hoje já estão sendo consideradas contaminadas. Na região Sul, a contaminação se deve ao crescimento industrial. Já no Nordeste, a escassez da água também está intrinsecamente ligada à contaminação, pois a qualidade da água que é consumida pela população continua não apre-

Agência Estado

Estudo mostra que a poluição da água se agrava rapidamente e já atinge 20 mil diferentes áreas em todo o país

Igrejas, organizações não-governamentais ambientalistas e movimentos sociais fiscalizam ação predatória das empresas

sentando segurança na saúde. “Tirando as iniciativas que vieram com a Cáritas, a situação por lá requer atenção”, comentou Araceli. A privatização também está sendo citada no relatório. Sobretudo, na região Centro-Oeste. Morelli enfatiza que o fato de o governo do Estado de Goiás estar iniciando modelos de privatização das águas, além de abrir precedentes muito graves, também pode colocar em risco a qualidade da água.

No mapeamento geral, o relatório aponta 20 mil áreas contaminadas, que interferem diretamente na condição de saúde das populações. O número é maior do que o reconhecido pelos últimos dados do Ministério de Saúde, de 15.200 áreas. O relatório traz ainda uma análise do comportamento das grandes indústrias em relação à transparência de seus balanços no que diz respeito à responsabilidade ambiental. De acordo com a professora Ara-

celi, é prática comum as empresas omitirem seus passivos ambientais e os investimentos em prevenção de riscos ao meio ambiente e à saúde não serem tão expressivos como deveriam. “Na Lei 6404/76 das sociedades anônimas, as empresas são obrigadas a registrar suas contingências, sejam elas trabalhistas, fiscais ou de outra natureza, enquanto os riscos ambientais sequer são reconhecidos”, ressaltou. No relatório são avaliadas empresas

como Petrobras, Aracruz, CNS, Gerdau, Cosipa, entre outras. O estudo “O Estado Real das Águas do Brasil” foi feito entre os anos de 2003 e 2004 e, além de indicar as áreas contaminadas e o comportamento ambiental de grandes empresas, apresenta ainda o conjunto de ações feita em defesa das águas no Brasil. O relatório será levado, em outubro, na Conferência Mundial da Unctad, em Genebra, na Suíça. (Adital, www.adital.org.br)

Rosana Lilian de Juiz de Fora (MG) A paisagem do entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, em Minas Gerais, reconhecida por sua riqueza natural, corre o risco de ser alterada pela extração do minério, caso os quarenta processos de licenciamento ambiental registrados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) sejam aprovados. Grande parte deles já está em estágio avançado. Entretanto, um dos processos que aguardam o parecer da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) sobre a concessão da licença prévia, acabou cruzando o caminho dos 4 mil moradores de Rosário da Limeira, na Zona da Mata, próximo a Muriaé e a 320 quilômetros da capital mineira. A região requisitada pela empresa Rio de Pomba de Mineração está localizada na Serra das Aranhas, em uma Área de Proteção Ambiental (APA), no entorno da Serra do Brigadeiro e ao lado da Reserva Particular de Proteção Ambiental (RPPN) Iracambi. Segundo a diretora do Iracambi, Binka Le Breton, os danos ao meio ambiente podem ser irreversíveis. “Estima-se que os efeitos indiretos alcancem um raio de 10 km de distância da lavra, onde há espécies endêmicas, como pássaros, bromélias, e orquídeas existentes somente nessa área, além de espécies em extinção, como o macaco Muriqui, o primata mais ameaçado do mundo”, explica Binka. Entidades da sociedade civil temem ainda que as 56 nascentes da região, as quais abastecem os rios Fumaça, Preto, Muriaé e Paraiba do Sul possam ser atingidas, causando

Rosna Lilian

Mineração ameaça a Serra do Brigadeiro

Entidades ambientalistas temem por contaminação de nascentes na Zona da Mata

sedimentação ou contaminação das águas. No Estudo de Impacto Ambiental elaborado para pleitear a licença prévia junto ao poder público, a empresa sequer realizou uma análise física, química ou biológica sobre a qualidade das águas na região. A empresa garante que não haverá perigo algum de poluição, mas informou que antes de começar o empreendimento irá medir a qualidade da água para monitorar possíveis impactos.

FAMÍLIAS ATINGIDAS A afirmativa dos empreendedores não deixa, entretanto, as entidades tranqüilas quanto ao futuro da biodiversidade, uma vez que a Rio Pomba integra a lista divulgada pela Agência Nacional de Águas (ANA) de empresas potencialmente poluidoras da Bacia do Paraíba do Sul. De acordo com dados apurados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Sindicato dos

Trabalhadores Rurais (STR), cerca de 1.200 famílias de pequenos agricultores serão atingidas pela extração do minério. “A mineração vai expulsar o homem do campo. Os agricultores perderão o poder de produtividade com a queda da qualidade do solo e serão obriga-

dos a se deslocar para os grandes centros, engrossando a fila de desempregados”, alerta Reinado Baberini da CPT. A Rio Pomba defende-se afirmando que a extração de minério trará recursos ao município. Ao todo serão extraídos cerca de 4 milhões de toneladas de minério, 40% de bauxita, movimentando, um montante de R$ 13 milhões. O município receberá royalties de R$ 282 mil e os proprietários rurais, o equivalente a R$ 60 por hectare pelo aluguel mensal de suas propriedades, além de R$ 0,17 pela tonelada extraída em suas terras. Ainda segundo os empreendedores, serão criados de dez a 15 empregos, incluindo os indiretos. Segundo o vice-presidente da comissão de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, César Medeiros (PT/MG), os projetos de licenciamento devem ter a participação massiva da comunidade. “Estamos acompanhando o processo de licenciamento da Serra das Aranhas.

Queremos equilibrar os interesses difusos, levando em conta a geração de riquezas, a sua distribuição e preocupando-se com as gerações presentes e futuras”, afirma. Na dança dos números, ainda há muitos questionamentos. As entidades não enxergam vantagens econômicas, alegando que o valor concedido ao município durante toda a extração é menor que o orçamento mensal da prefeitura, de R$ 300 mil. Quanto aos empregos, além do número ser reduzido, a maior da parte é voltada para profissionais especializados (operadores de carregadeiras, gerentes de produção e motoristas de caminhão). “A oferta é imoral. Ganhamos mais plantando nossos produtos. Além disso, temos uma relação afetiva com a terra. A minha propriedade, por exemplo, foi passada de geração a geração, foi do meu tataravô e agora está comigo. Não queremos destruir o lugar onde moramos e muito menos sair daqui”, desabafa o diretor do sindicato, João Paulo da Fonseca.

ENERGIA LIMPA

Caminhão a biodiesel faz expedição da Redação A organização não-governamental Greenpeace Brasil promove, em outubro e novembro, uma expedição a 21 Estados em favor de energias renováveis de fontes limpas, como o biodiesel. A ONG ambientalista informou que seus militantes vão realizar uma expedição próenergias renováveis por dezenas de cidades brasileiras. Em cima de

um caminhão movido a biodiesel, a expedição percorrerá mais de 14 mil quilômetros por 21 unidades da federação, carregando material sobre as diversas energias renováveis que podem ser usadas no país, ou que já vêm sendo utilizadas. Em algumas cidades o caminhão ficará aberto para visitação pública, com exibição de vídeos e a exposição, além de outras atividades de mobilização. Ao final da expedição,

será entregue um contêiner com maquinário movido a energia solar para alguma comunidade extrativista localizada em uma região do interior sem acesso a redes de distribuição de eletricidade, de acordo com os organizadores. Com isso esperam conscientizar a população sobre a necessidade de substituir as tradicionais fontes energéticas por fontes alternativas, limpas e renováveis. (Com agências)


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DEBATE IDENTIDADE CULTURAL

Vulnerabilidade ideológica e hegemonia no Brasil. Trata-se de definir uma política cultural, de comunicação e de educação, não-assistencialista, integrada e voltada para o projeto de construção da sociedade brasileira. E para isto é indispensável discutir a questão cultural também em seus aspectos econômicos, políticos e sociais.

Samuel Pinheiro Guimarães sociedade brasileira se caracteriza por crônica vulnerabilidade externa com facetas econômica, política, tecnológica, militar e ideológica. A mais importante, pois influencia todas as políticas e atitudes do Estado e da sociedade brasileira, e agrava as outras facetas da vulnerabilidade externa, é a de natureza ideológica. É ela que, pelos diversos mecanismos, mantém e aprofunda a consciência colonizada não só das elites dirigentes tradicionais como até de segmentos das oposições políticas, intelectuais, econômicas e burocráticas. A consciência colonizada se expressa em uma atitude mental timorata e subserviente, que alimenta sentimentos de impotência na população, ao atribuir as mazelas brasileiras à escassez de poder do Brasil, à incompetência brasileira, ao nosso caipirismo, ao arcaísmo social, à xenofobia etc., enfim, à nossa inferioridade como sociedade. A vulnerabilidade ideológica está estreitamente relacionada com a ampla e crescente hegemonia cultural americana na sociedade brasileira, que se exerce em especial pelo produto audiovisual, veiculado pela televisão e pelo cinema, articulado com a imprensa, o disco e o rádio. A vulnerabilidade ideológica é de tal ordem que a opinião de um sociólogo francês ou de um economista americano, ou os aplausos estrangeiros a um dirigente brasileiro, ou a opinião de uma agência de análise de risco, ou de um organismo internacional têm enorme impacto positivo ou negativo sobre a visão das elites sobre a situação e as perspectivas do Brasil, gerando manifestações autocongratulatórias ou protestos de repulsa e lamentos de decepção. A sociedade brasileira é vulnerável ideologicamente porque parte majoritária de suas elites, ao invés de procurar governar para o povo, prefere governar para os interesses internacionais de toda a ordem. Desejam essas elites serem aceitas como representantes de um país normal, de uma sociedade jovem, mas civilizada, que não confronta os interesses das Grandes Potências e com elas colabora. As opiniões sobre o Brasil de intelectuais, políticos ou empresários estrangeiros são recebidas com maior respeito, admiração e concordância do que aquelas emitidas por brasileiros (a não ser quando esses refletem a opinião estrangeira), por setores importantes da mídia a qual repercute tais julgamentos, e pelas elites nativas de mentalidade colonial.

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COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO

Kipper

brasileira. Assim, esses modelos e teorias transplantados para o Brasil definham ou degeneram, para desespero de seus propugnadores colonizados. A questão da vulnerabilidade ideológica é fundamental, pois ela se refere diretamente à coesão ou desintegração social, à construção ou fragmentação nacional, à auto-estima ou auto-rejeição e à própria possibilidade de êxito de uma política de desenvolvimento econômico (não apenas de crescimento desigual), democrático (não oligárquico e não-plutocrático) e social (cultural e espiritual) da sociedade brasileira. IDENTIDADE

A vulnerabilidade ideológica afeta a identidade cultural brasileira. Esta identidade é fundamental para os que admitem que a sociedade brasileira se desenvolveu em um território geográfico específico, com uma composição étnica e religiosa distinta, com uma experiência histórica, política e econômica única. A consciência disto é essencial para que a sociedade possa encontrar soluções próprias para seus próprios desafios. A vulnerabilidade ideológica e a hegemonia cultural estrangeira impedem, dificultam e confundem os distintos segmentos da sociedade brasileira e tendem a eliminar a consciência de suas características específicas e da própria evolução dessas características, que é a sua história. A consciência que a socieda-

Parte majoritária das elites, em vez de procurar governar para o povo, prefere governar para os interesses internacionais A vulnerabilidade ideológica faz com que as elites intelectuais e dirigentes procurem ver sempre em modelos estrangeiros as soluções para o subdesenvolvimento econômico, para o atraso cultural, para o autoritarismo político, para o arcaísmo institucional brasileiro. Vão elas buscar modelos institucionais no exterior (agências reguladoras, Banco Central autônomo etc.), estratégias econômicas (câmbio fixo e sobrevalorizado, metas de inflação etc.), teorias militares (segurança cooperativa etc.), modelos educacionais (o currículo escolar, o sistema de créditos na universidade etc.). Esquecem que esses modelos e teorias foram desenvolvidos com base na experiência histórica de sociedades que tiveram evolução e características distintas da

de adquire de si mesma, isto é, a consciência de cada cidadão e dos grupos sociais sobre as características da sociedade em que vivem depende de uma representação ideológica, que depende, por sua vez, de manifestações culturais as mais distintas que interpretam e criam o imaginário nacional do seu passado, de seu presente e de seu futuro. Essa criação do imaginário, dessa visão do passado, do presente e do futuro, é, em sua quase totalidade, alheia à experiência direta dos indivíduos. Quanto ao passado e ao futuro, porque não o viveram nem o viverão. E quanto ao presente, porque não podem dele participar, ter a experiência direta de todas as situações sociais pela impossibilidade da ubiqüidade. Assim, a esmagado-

ra maioria dos fatos e das interpretações que conhecemos sobre o passado do próprio Brasil e do mundo depende da elaboração intelectual e cultural de historiadores e artistas, em especial os criadores de obras audiovisuais e literárias, por mais que sejam elas consideradas apenas como obras de ficção. Muito daquilo que um brasileiro imagina a respeito de situações e valores individuais e sociais é uma construção cultural/ literária/audiovisual/noticiosa, muitas vezes repleta de preconceitos e estereótipos. Tudo o que sabemos sobre a história da sociedade brasileira não foi vivido por nós, mas sim elaborado por terceiros. A vulnerabilidade ideológica se acentua com a crescente hegemonia cultural estadunidense no Brasil. Na medida em que a elaboração, produção e difusão cultural brasileira, audiovisual ou não, está sujeita à hegemonia cultural estrangeira, a formação do imaginário nacional acaba se realizando de forma fragmentada e claudicante. As interpretações da realidade mundial elaboradas pelas manifestações culturais hegemônicas estadunidenses passam a predominar, refletindo os preconceitos e os estereótipos daquela cultura. A construção da identidade cultural decorre da produção de manifestações culturais que abrangem desde as atividades da imprensa à elaboração científica e artística, mas em especial, devido ao seu extraordinário alcance, às manifestações audiovisuais (documentários, filmes, séries e noticiários). A construção desta identidade não se contrapõe à necessidade de diversidade cultural e muito menos ao diálogo com a cultura estrangeira. Contrapõe-se, isto sim, à hegemonia das manifestações culturais estrangeiras sobre a cultura brasileira no próprio território brasileiro. O estimulo e o acesso à diversidade das manifestações culturais permitiria à sociedade brasileira ter acesso a distintas e, muitas vezes, contraditórias visões do mundo, das relações interpessoais, das questões existenciais. A questão estratégica é, pois, imaginar mecanismos que ampliem o acesso de todos, sejam eles artistas, intelectuais, políticos ou simples brasileiros, à miríade de manifestações culturais brasileiras e de todas as sociedades que constitui a diversidade cultural planetária e que fortaleçam e enriqueçam a nossa própria identidade, combatendo a hegemonia cultural de qualquer origem

A cultura pode ser definida em sentido estrito como o conjunto de atividades humanas, de natureza não utilitária, que expressam e reproduzem a experiência individual ou coletiva, a disseminam no presente e a transmitem no tempo, de geração em geração. Sendo a experiência humana variável no espaço, devido a circunstâncias geográficas, étnicas, políticas e econômicas distintas, há naturalmente culturas nacionais específicas que, todavia, não sendo estanques, se influenciam umas às outras. Não há culturas nacionais superiores, assim como não há raças superiores, mas pode haver um distinto modo de elaboração das manifestações culturais em decorrência de circunstâncias históricas, do processo de acumulação de riqueza e de conhecimento técnico-artístico em determinadas sociedades e pode haver, por razões econômicas e políticas, maior capacidade de difusão e penetração social, a nível global, de certas culturas. A cultura corresponde a um conjunto de manifestações das diversas artes tradicionais, tais como a música, a escultura, a pintura, a literatura, a arquitetura, a dança, o teatro, o cinema e de outras formas, como a gravura e a fotografia. As artes e as manifestações artísticas não se identificam com o seu suporte físico nem com o seu veículo de difusão, ainda que veículos e suportes

construir um futuro comum, ainda que as visões sobre este futuro possam ser distintas. A Nação, a sociedade, se organiza como Estado, que pode ser definido como um conjunto de instituições que elaboram normas, as executam e as sancionam com o objetivo de disciplinar as relações de toda ordem entre seus integrantes para que sejam pacíficas e consensuais, e de defender e promover seus interesses e direitos em suas relações com as demais sociedades e Estados. O enfraquecimento da produção cultural de uma nação leva ao enfraquecimento dos laços que vinculam seus integrantes, de sua memória do passado e da experiência comum e de sua aspiração de construção de um futuro compartilhado. Naturalmente que o enfraquecimento da cultura nacional diante da hegemonia de manifestações culturais de outras sociedades, que são necessariamente distintas e que não correspondem às experiências daquela Nação em sua trajetória histórica, corrói sua auto-estima e enfraquece a capacidade do Estado de promover e defender os interesses nacionais. A maior parte das imagens que os indivíduos formam em seu consciente e inconsciente sobre as experiências humanas individuais e coletivas e que constituem a base para suas ações não decorre de sua experiência direta, mas sim são o resultado de informações que se transmitem pela mídia escrita e audiovisual e que utilizam recursos artísticos, culturais. Os valores sociais são construídos, elaborados, transformados e destruídos através da influência de um fluxo contínuo de manifestações culturais transmitidas pelos meios de comunicação e difundidas socialmente.

O enfraquecimento da produção cultural de uma nação leva ao enfraquecimento dos laços que vinculam seus integrantes específicos afetem a obra de arte e de certa forma alterem o seu conteúdo e o seu impacto social, econômico e político, e passem assim a ser de grande relevância para a definição e execução de uma política cultural eficaz. A cultura popular se expressa igualmente pelas manifestações das mesmas artes, porém de forma intuitiva, artesanal, sem o mesmo domínio do conhecimento técnico e sem a aplicação estrita de regras eurocêntricas que correspondem tradicionalmente a cada arte. Não se trata de discutir ou decidir se a cultura erudita é superior à cultura popular, pois elas se influenciam e têm funções sociais semelhantes. Um artista popular pode ser capaz de refletir de forma extraordinária a experiência humana, de um certo momento e meio social enquanto um artista erudito pode falhar nesse propósito, apesar de seu maior domínio, digamos, das técnicas tradicionais eurocêntricas. As características da obra de arte, da manifestação cultural, e seu impacto dependem do nível técnico com que se realizam, mas também da criatividade individual do artista e do alcance do veículo de difusão. Sendo as manifestações culturais o modo como a experiência humana, que se verifica em uma certa dimensão geográfica, se transmite no tempo, a questão da cultura, da produção e da difusão cultural, está estreitamente vinculada à formação e à permanência da nação como conjunto de indivíduos, que em geral habitam um mesmo território, que compartilham uma experiência histórica comum e que têm a aspiração de

Assim ocorre com a obra literária, que inclui o jornalismo, com a música, com as manifestações audiovisuais, tais como o teatro e o cinema, transmitidos pelos instrumentos da mídia que constituem uma indústria que recolhe, produz, distribui e divulga as manifestações culturais. Seus diferentes setores são constituídos pelas editoras, as empresas jornalísticas, as rádios, as companhias de teatro, as produtoras e distribuidoras de filmes para cinema e TV, as redes de televisão aberta e a cabo etc. A obra do escritor, do músico, do diretor de cinema não tem impacto e função social (e nem mesmo cultural) se ela não chega ao público, à sociedade. Para que isto ocorra é necessário que se transforme em um produto, o mais importante da atividade humana, pois alimenta o processo contínuo de reconstrução do passado, de tempos que os indivíduos que formam a sociedade atual não viveram; de interpretação do vastíssimo presente do qual os indivíduos conhecem diretamente apenas ínfima parcela; e de formação de visões do futuro, cuja forma concreta que vier a assumir dependerá desde já do que se pensa que ele será ou que poderá ser. Assim, a manifestação cultural tem de ser transformada em produto econômico, isto é, em resultado de processos específicos de produção e de distribuição física para que venha a ter impacto social e político. (Continua) Leia na próxima semana a segunda parte do artigo do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores do Brasil


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA PRÊMIO ATITUDE CIDADÃ Para comemorar e marcar os dez anos de vida do Jornal da Cidadania, editado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o Instituto promove um concurso de redação voltado para estudantes da rede pública, entre 14 e 22 anos de idade, com o tema “Participação jovem: saídas para um novo Brasil”. Poderão participar escolas da rede pública estadual e municipal, cursos pré-vestibulares comunitários e escolas de assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os estabelecimentos de ensino deverão encaminhar as redações selecionadas, uma por categoria (14 a 16 anos, 17 a 19 anos e 20 a 22 anos), até 10 de dezembro, para o endereço: Jornal da Cidadania/ Ibase, Av. Rio Branco, 124, 8º andar – Rio de Janeiro-RJ (CEP 20148-900). A premiação incluirá computadores (primeiros lugares) e coleções de livros (segundos e terceiros lugares). O objetivo do prêmio é estimular a criatividade, a leitura e a atuação dos estudantes da rede pública na vida sociopolítica brasileira. Com periodicidade bimestral, o jornal leva a seus leitores experiências que estimulam a participação e o exercício da cidadania no seu conceito mais amplo. A publicação, que tem tiragem de 65 mil exemplares, é utilizada por profissionais de Educação em todo o país para promover debates e pesquisas em salas de aula. Mais informações: (21) 2224-8474 www.ibase.br

LIVROS A POESIA DOS DEUSES INFERIORES Este é o quarto livro do poeta Sérgio Vaz. “É um álbum de fotografias da minha memória. Uma biografia não autorizada, mas necessária, de um povo que cresce à margem de um país sem alvará de funcionamento, e sem licença para ser pátria. São fotografias de uma gente simples que vi crescer neste chão árido e escuro da senzala moderna chamada periferia. Uma homenagem a pessoas, que no curto tempo de uma vida, tiveram apenas o CIC e o RG como registro de passagem pelo planeta. A beleza fica por conta de quem lê, não tive tempo para amenidades, a poesia só registrou a verdade”, diz o autor. O livro tem 120 páginas e custa R$ 15. Mais informações: www.otaboanense.com.br/sergiovaz TIMOR DO SOL NASCENTE E OUTRAS CRÔNICAS O livro, de autoria do professor Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá, tem prefácio de Noam Chomsky. Trata-se da compilação de uma série de artigos do autor, escrito por ocasião de inúmeras viagens ao Timor Leste. Editada pela Omni Editora, a obra tem 143 páginas. Mais informações: (85) 247-6101

CEARÁ FORMAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS 24 a 26 Cerca de 25 pessoas, entre agentes da Cáritas, das pastorais, e lideranças comunitárias participarão do 2º Módulo do Curso de Formação em Políticas Públicas na Diocese de Limoeiro do Norte, ministrado por assessores da Cáritas Regional e do Instituto Agostín Castejon (IAC). Local: Pousada Zé Bezerra, Limoeiro do Norte Mais informações: caritace@fortalnet.com.br, politicapublica@fortalnet.com.br OFICINA - TODOS CONTRA A TORTURA 23 e 24 A oficina de trabalho deverá reunir promotores de justiça, juízes

Luciney Martins/Rede Rua

NACIONAL

CAMPANHA - TERRA TITULADA, LIBERDADE CONQUISTADA A Malungu, coordenação que representa mais de cem comunidades quilombolas do Pará, inicia uma campanha para agilizar os processos de titulação das terras de quilombos. No Estado do Pará, existem mais de 200 comunidades negras descendentes de quilombos que herdaram de seus antepassados os territórios conquistados ainda no período da escravidão e somente em 1988 o direito de propriedade a essas terras foi reconhecido por meio do Artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal. Desde 2000, o governo federal não titulou nenhuma terra de quilombo no Pará ou no Brasil. Em 2004, nenhum título foi outorgado pelo governo estadual. A Malungu-Pará já apresentou ao Incra e ao Instituto de Terras do Pará a relação das comunidades eleitas pelos quilombolas do Pará como prioritárias para a titulação em 2004 e lança essa campanha para que essas titulações sejam garantidas. Locais dos lançamentos: São Paulo – 23, 10h, Auditório da Ação Educativa, R. General Jardim, nº 660, São Paulo Pará – 25, 10h, Auditório da OAB-Pará, Pça. Barão do Rio Branco 93, Campina, Belém Mais informações: (91) 221-1728

de direito, defensores públicos, delegados de polícia, advogados, militantes de direitos humanos, diretores de presídio, ouvidores de polícia e pesquisadores da temática. Entre os objetivos da oficina estão: refletir sobre a atuação dos agentes públicos e da sociedade civil na prevenção e enfrentamento da prática de tortura no Estado e aprimorar os mecanismos de controle, prevenção, monitoramento da prática de tortura e responsabilização dos envolvidos. Entre os temas que serão discutidos estão: “História e situação atual da campanha nacional contra a tortura”; “A prática de tortura no Estado do Ceará”; “Prevenção e enfrentamento à prática da tortura”; “O papel das instituições no enfrentamento à pratica de tortura”; “Os limites e os desafios da ouvidoria pública”; “Mecanismos de controle, prevenção e monitoramento da prática de tortura e responsabilização dos envolvidos”. A oficina será realizada com o apoio do Ministério Público Estadual e do Movimento Nacional dos Direitos Humanos. Local: Auditório da Procuradoria Geral de Justiça, R. Assunção, 1100, Fortaleza Mais informações:(85) 283-3595, (85) 9131-0137

DISTRITO FEDERAL OFICINA - GÊNERO E POPULAÇÕES TRADICIONAIS 16 a 28 de outubro Realização da Sempreviva Organização Feminista (SOF) Local: Centro das Irmãs Jesus Crucificado, Brasília Mais informações: (11) 3819-3876, sof@sof.org.br, www.sof.org.br

SÃO PAULO POÉTICA DA DIFERENÇA: EDUCAÇÃO E CULTURA 27, das 19h às 22h A proposta do evento é provocar uma “leitura” sobre as experiências e subjetividades do tema Educação x Cultura, baseando-se na exibição de um documentário filmado por um grupo de franceses e belgas,

Tratados em defesa das elites O livro trata do jogo que está por trás do chamado livre comércio. Artigos elaborados por pensadores e ativistas ligados aos movimentos sociais organizados fazem análises sobre os tratados comerciais como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). A situação do México na era Nafta é analisada mostrando um país ainda mais empobrecido, apesar da propaganda do modelo exportador aprofundado com o tratado. Os textos tratam ainda da questão da Amazônia, dos projetos nacionais, da geopolítica do poder, da mercantilização do ensino superior brasileiro, dos serviços, da soberania alimentar, das conseqüências da Alca para

na cidade de Tirania, na Albânia. O educador e filósofo Jorge Larrosa, professor da Universidade de Barcelona, irá participar do evento abordando a inclusão educacional. Após a apresentação do documentário Enuncia-se a Língua, haverá um diálogo entre Larrosa e Teresa Taquechel, diretora da Cia. de Dança Pulsar, do Rio de Janeiro, que abre a noite com uma apresentação de dança inclusiva, contando com um elenco de bailarinos com e sem necessidades especiais. Local: R. Dr. Vila Nova, 228, São Paulo Mais informações:(11) 3236-2080 CINEMA MOÇAMBICANO 29, 19h Dando continuidade ao ciclo “Licínio Azevedo” de cinema moçambicano, a Casa das Áfricas irá exibir o filme Marracuene, de Licínio Azevedo (Moçambique), feito em

os povos indígenas, da fantasia do agronegócio, entre outros. A política externa do governo dos EUA para a América do Sul sempre se pautou por instalar e apoiar governos que favorecessem os investimentos estrangeiros privados do capital interno e externo, a produção para a exportação e o direito de remessa de lucros para fora do país. Esses “direitos” em alguns momentos foram garantidos

1991. O filme trata de uma vila abandonada pelos seus moradores, símbolo de um país destruído pela guerra. Todas as noites, os habitantes de Marracuene fogem da morte escondendo-se em buracos, refugiando-se na capital ou do outro lado do rio. Local: R. Engenheiro Francisco Azevedo, 524, São Paulo Mais informações:(11) 3801-1718 SIMPÓSIO CONHECIMENTO TRADICIONAL E CONSERVAÇÃO DA AGROBIODIVERSIDADE 11 e 12 de novembro Entre os temas que serão discutidos no evento estão: “Manejo tradicional de sementes e diversidade genética”, “Conhecimento tradicional e diversidade genética”, “Diversidade genética e Conhecimento tradicional associado

à força dos golpes militares, da tortura e do desaparecimento de muita gente. Hoje, são os tratados de livre comércio – mecanismos mais sofisticados – que garantem os interesses das elites locais e do capital financeiro internacional. Armas não são mais necessárias. A força de um corpo jurídico supranacional garante que continuemos a servir com matéria-prima e força de trabalho baratos. A maior alternativa que temos diante de tudo isso é continuar resistindo e criando outras formas de integração que levem em consideração nossa cultura e diversidade. A luta pela soberania popular continua como centro da resistência. Nesse contexto, o livro dá elementos para manter essa luta. CONFIRA LIVRE COMÉRCIO, O QUE ESTÁ EM JOGO? Campanha Jubileu Sul / Brasil (org.) Editora Paulina 271 páginas R$ 29,30

a cultivares de mandioca no Vale do Ribeira, SP”, “Diversidade genética de inhame e batata-doce associada a agricultura tradicional no Vale do Ribeira”, “Valor da diversidade para os agricultores do Vale do Ribeira”, “Diversidade da floresta tropical e práticas tradicionais da agricultura itinerante”, “Conhecimento tradicional e diversidade de espécies”, “Conhecimento tradicional na identificação e uso de plantas medicinais”, “Acesso à biodiversidade e repartição de benefícios”, “Extração de Fitoterápicos”, “Questões éticas relacionadas à pesquisa envolvendo acesso a conhecimento tradicional”, “Legislação relacionada ao acesso a conhecimento tradicional”. Local: Anfiteatro do Departamento de Ciências Florestais, Esalq, USP, Pádua Dias, 11 CP 9, Piracicaba Mais informações: (19) 3429-4100


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CULTURA

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AUDIOVISUAL

Vem aí mais uma agência reguladora Ministério da Cultura toca o anteprojeto para uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) Arturo Hartmann de São Paulo (SP)

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ia 6 de outubro está previsto o encerramento das discussões que pretendem dar forma final ao anteprojeto que cria a nova regulamentação do setor audiovisual, o Projeto da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Depois da consulta pública do anteprojeto, ele será encaminhado ao Congresso. Se aprovado, substituirá a atual Agência Nacional de Cinema (Ancine) e será responsável pela aplicação da nova legislação que regulamentará todo o setor audiovisual no país. No entanto, o próprio Ministério da Cultura (Minc), responsável pelo documento em apreciação, já admite que esse prazo pode ser estendido. Juca Ferreira, assessor especial do ministro Gilberto Gil, disse ao Brasil de Fato que “o prazo não vai ser obstáculo para a discussão”, já que o Minc busca “o projeto mais consensual possível”.

Apesar do caráter polêmico conferido às discussões iniciais do anteprojeto, como caracterizar a nova regulamentação de dirigismo cultural, ou de autoritarismo do governo, o que está em jogo é uma operação econômica que pretende transformar o Brasil num produtor e exportador de cultura.

REDE GLOBO “Queremos ter um real aproveitamento das capacidades para não exportarmos apenas telenovelas, mas também séries, cinema, jogos eletrônicos, tudo que seja da área de audiovisual”, declarou a este jornal Orlando Senna, secretário-executivo do Minc. A demanda, inclusive, é das grandes empresas de comunicação do país, principalmente da Rede Globo. Senna informa que “o documento da Globo foi aproveitado em 80% na proposta da Ancinav”. Este documento é o “Conteúdo Brasil”, resultado de um seminário realizado em fevereiro de 2004, uma par-

ceria entre a Globo e a PUC-SP. O evento reuniu representantes da mídia nas áreas de arquitetura e design, cinema, educação, publicidade, entretenimento, música, TV, teatro, literatura, imprensa e internet.

DISCÓRDIAS Apesar de ser vendido como uma discussão da cultura brasileira, do evento saíram sugestões de proteção e incentivo do Estado a produtos culturais. Por exemplo, “promover a criação de novos mecanismos de subsídios e empréstimos para a produção de conteúdos nacionais”, “definir novos mecanismos de taxação de conteúdos estrangeiros” e “criar estímulo à exportação de bens culturais brasileiros”. No entanto, não será fácil costurar um consenso para aliar os interesses empresariais com os do Estado. Um dos pontos mais difíceis de acerto são as taxas propostas pelo Ministério: 4% para empresas que anunciarem na TV; 10% sobre o ingresso de cinema; R$ 600 mil

para filmes estrangeiros com mais de 200 cópias em exibição. A primeira é rejeitada pelas TVs, que acreditam que os anunciantes repassarão o gasto para o contrato com os canais. As duas últimas desagradam aos exibidores e donos de complexos de salas de cinema. A arrecadação das taxas iria para os Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira (Funcines), que teria entre seus objetivos fomentar a produção e a difusão de filmes de produção independente.

MUDANÇAS Quando o ministro Gilberto Gil percebeu que a polêmica poderia causar problemas para o anteprojeto, decidiu abrir a discussão e sugeriu ao diretor Luiz Carlos Barreto que formasse um grupo para discutir o Projeto Ancinav. Ele afirmou ao Brasil de Fato que o grupo inclui produtores, exibidores, distribuidores, pessoas que lidam com a parte de infra-estrutura, a parte técnica.

Dele participam, ainda, pessoas ligadas à televisão, empresários do setor industrial e comercial do audiovisual brasileiro, cuja atuação, além de cultural, é, eminentemente, econômica. Barreto, porém, prefere não informar os pontos discutidos no grupo, mas confirma que foram sugeridas modificações em pontos como o das taxas. “O governo já disse que o projeto pode ser mudado e está aguardando sugestões” .

O POSSÍVEL O governo parece estar pronto para ceder. Os valores definidos no anteprojeto podem ser mudados, dependendo das negociações com os setores envolvidos. “A negociação está intensa. Existem, inclusive, outras propostas”, diz o secretário-executivo do Minc. Orlando Senna não detalhou as propostas, mas, na sua opinião, o ministério “não tem nenhum apreço por qualquer ponto, mas ao princípio. Estamos buscando a Ancinav que é possível fazer”.

ANÁLISE

Sem regulamentação, o mercado é autofágico A pequena parcela da população brasileira com acesso à cara TV paga no Brasil, que pode assistir pela TV Senado a audiência pública para discutir a criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) viu o ministro Gilberto Gil, da Cultura, defender veementemente a necessidade da agência para regulamentar o setor, negar enfaticamente qualquer interferência na criação artística e, ao mesmo tempo, se declarar aberto a sugestões da indústria, do Congresso e da sociedade para aperfeiçoar o projeto que está apenas em fase de debate público. Mas, viu também que os representantes da indústria estrangeira do audiovisual, dos meios de comunicação e mesmo alguns senadores, não puderam apontar objetivamente no texto do anteprojeto para a criação da Ancinav, onde estariam os artigos que asseguram a propalada interferência estatal nos conteúdos artísticos. Em sua exposição inicial, Gil sustentou que a criação de um instrumento como a Ancinav decorre do fato de que 70% da receita de um filme se realiza fora das salas de cinema, pois, atualmente, a indústria do cinema está conectada à TV aberta e fechada, e a outros meios de comunicação e divulgação. “É urgente proteger a indústria brasileira de audiovisual e os conteúdos feitos aqui”, disse o ministro, acrescentando que a Ancinav é o mecanismo para elevar os recursos para sustentar esta indústria, a exemplo do que é feito em vários outros países.

enquanto há emissoras de tevê programando até 120 filmes norteamericanos por mês, elas exibem apenas 10 filmes brasileiros por ano”, disse Morais. Ele defendeu a criação da Ancinav que poderá viabilizar mecanismos para a democratização do acesso dos brasileiros ao cinema, e do próprio cinema brasileiro ao mercado exibidor, lembrando que, atualmente, apenas 8% dos municípios brasileiros dispõem de cinema, e que 7% dessas salas estão dentro de shoppings. “Esta opção elitista é igual à da TV a cabo, que cobra mensalidades altíssimas e tem reduzida amplitude de público”, criticou.

Fotos:Antônio Cruz/ABR

Ubirajara Faria de Brasília (DF)

TV PAGA

Para o ministro da Cultura, Gilberto Gil, é urgente proteger a indústria cinematográfica nacional, a exemplo de outros países

cia dos Estados Unidos, onde há uma agência reguladora, a Federal Communication Comission (FCC) que, recentemente, determinou aos meios de comunicação a obrigatoriedade de exibição de pelos menos 3 horas diárias de programação educativa e cultural infantil, além de proibir a exibição de publicidade destinada a menores de 12 anos de idade.

BONS EXEMPLOS Outra experiência citada pelo ministro em defesa de seus argumentos foi a do Canadá, onde, para cada emissora especializada na exibição de produção estrangeira, a lei que regulamenta o setor torna mandatória a existência de outra emis-

sora especializada na programação nacional. Ou seja, 50%. Gil mencionou, ainda, o caso da Austrália, onde 55% dos filmes exibidos em cinema e televisão devem ser obrigatoriamente de produção nacional.

INGRESSO CARO Gilberto Gil rebateu críticas das empresas exibidoras difundidas pela mídia, segundo as quais a criação de uma taxa de 4% a ser destinada a um fundo de apoio à indústria do cinema (Funcinav) traria aumento nos preços dos ingressos. ”No ano passado, os próprios exibidores elevaram o preço dos ingressos em 13%, em média, sem qualquer justificativa convincente”.

A fórmula aplicada hoje, no Brasil, de reduzir o número de salas e aumentar o preço dos ingressos também foi criticada pelo cineasta Geraldo Morais, presidente do Congresso Brasileiro de Cinema, que participava da audiência pública na Comissão de Educação no Senado Federal.

DESNACIONALIZAÇÃO “No Brasil, há uma elitização do perfil do público, registrando agora uma sala para cada grupo de 105 mil expectadores. Isso significa que o país tem três vezes menos salas de cinema do que o México. Além disso, há uma desnacionalização do que é exibido, pois

Surpreendente também foi a participação do representante da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura, Paulo Annemberg. Em crítica ao que considera o apoio do Estado à produção nacional, ele indagou: “E se o assinante quiser comprar apenas programação estrangeira de TV para que os filhos tenham contato com cultura estrangeira?” O ministro não respondeu, mas os cineastas Cacá Diegues e Geraldo Morais não ficaram calados. Para Cacá, um país sem cinema, é como uma casa sem espelho, com os que nela habitam sem conhecer sua própria imagem. Mais radical, Morais disse que uma nação sem cinema desenvolvido é como uma casa em que não se pode pendurar na parede as fotos da própria família, mas apenas as do vizinho. “O perigo é se apaixonar pela foto da mulher do vizinho”, arrematou. Ubirajara Faria é jornalista

OPORTUNIDADE “Hoje o mundo se divide em um grupo reduzido de países produtores de audiovisual e, do outro lado, muitos países que são apenas consumidores de audiovisual. O Brasil tem a oportunidade, agora, de estar nos dois grupos”, afirmou o ministro. Para ele, os filmes brasileiros precisam ter a oportunidade de competir em igualdade de condições com a produção estrangeira em nosso próprio território e, sem um instrumento regulador como a Ancinav, o mercado, entregue à sua própria sorte, se torna autofágico, com a produção nacional sendo “fagocitada pelos conglomerados” controlados pelas empresas produtoras, distribuidoras e exibidoras de capital externo. Ele deu como exemplo a experiên-

Reunião de representantes da Agência Nacional de Cinema (Ancine) no Ministério da Cultura: em jogo a democratização do acesso dos brasileiros ao cinema


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