Ano 2 • Número 86
R$ 2,00 São Paulo • De 21 a 27 de outubro de 2004
Medida ilegal libera transgênicos Verena Glass/ Agência Carta Maior
Ato assinado pelo presidente Lula está fora da lei por desconsiderar o impacto ambiental da soja modificada
Cerca de 70 mil manifestantes europeus saem às ruas em protesto contra a globalização e a invasão do Iraque, em Londres, na Inglaterra
Negociação com UE ignora o desemprego pois a negociação não acabou. O cientista político Antonio Castro discorda. Para ele, ignorar o problema mostra desinteresse no problema. Ele alerta para o perigo de o Mercosul trocar empregos industriais por empregos menos qualificados, no campo. Pág. 9
Semana contra o monopólio da comunicação
Europeus exigem saída de todas as tropas do Iraque Os participantes do Fórum Social Europeu, realizado até o dia 17, em Londres, definiram a estratégia de mobilização continental até 2005: os esforços vão se concentrar na retirada de todas as tropas de ocupação do Iraque, na suspensão imediata dos bombardeios e na restituição
da soberania ao povo iraquiano. Os protestos começaram no encerramento do evento, quando 70 mil pessoas tomaram as ruas da capital inglesa. Na declaração final do Fórum, também foi condenada a política israelense contra a Palestina. Pág. 11 Rafael Bavaresco
O governo brasileiro não dispõe de qualquer avaliação sobre os reflexos no emprego das ofertas feitas pelo Mercosul à União Européia. Dia 15, em São Paulo, Regis Arslanian, do Ministério de Relações Exteriores, afirmou que a inexistência de tais estudos não é fundamental,
D
ia 18, Edson Duarte, deputado federal (PV-BA), entrou com uma ação no STF contra a medida provisória (MP) do governo federal, editada dia 15, que liberou o plantio e a comercialização da safra 2004/ 2005 de soja transgênica. O argumento de Duarte é que a decisão foi tomada sem estudos de impacto ambiental. O caso abre um grave precedente: com muita pressão é até possivel conquistar uma MP inconstitucional, afirma. A liberação em si, beneficia exclusivamente a transnacional Monsanto e prejudica o país, a população e o meio ambiente. A medida também compromete a soberania nacional, pois transfere o patrimônio das sementes para grupos particulares. Para o deputado federal Adão Pretto (PT-RS), a sociedade deve se organizar e pressionar a Câmara para ajudar os parlamentares contrários à liberação a votar uma Lei de Biossegurança que defenda os interesses nacionais. Págs. 7 e 8
Nas principais capitais, manifestações, seminários e debates marcaram a Semana pela Democratização da Comunicação. A iniciativa contra o monopólio da mídia no país foi promovida pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos), coletivo Intervozes, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Associação Brasileira de ONGs (Abong), Marcha Mundial de Mulheres, Fundação Friedrich Ebert, entre outros. Págs. 4 e 14
Sem-terrinha reivindicam outra educação
Filhos de agricultores sem-terra realizam encontro em São Luís (MA), e reivindicam, entre outras coisas, que as sementes sejam patrimônio da humanidade
E mais: AMBIENTE – Comunidade gaúcha condena atitude do governo estadual de extinguir o Parque Estadual do Delta do Jacuí, em Porto Alegre. Pág. 13 SEGURO – Para a safra 20042005, que começa a ser plantada neste mês, o governo criou nova modalidade de seguro destinada aos pequenos agricultores familiares. Pág. 6
Dívida externa vira tema de filme argentino Dívida, quem é que deve a quem. Esse lema dos movimentos sociais chegou às telas na Argentina. O jornalista Jorge Lanata produziu documentário mostrando as contradições do endividamento externo argentino e criticando os organismos financeiros internacionais. Comparado pelos críticos ao estadunidense Michael Moore, Lanata relata as investigações do advogado Alejandro Olmos, que apurou a ilegalidade da dívida argentina. Pág. 16
Atividades diversas e manifestações, entre outros eventos, foram a tônica dos encontros estaduais de filhos de trabalhadores rurais sem-terra – os sem-terrinha. A quarta edição dos encontros chamou a atenção da sociedade para o modo de vida e para as necessidades dos sem-terra. Este ano, as crianças trabalharam com dois temas: sementes, patrimônio da humanidade, e uma escola do campo, que preserve sua identidade cultural. Pág. 3
Exportações agrícolas sob ameaça? Pág. 5
Em defesa da estatização do petróleo Pág. 10
Estadunidenses saem às ruas contra Bush Pág. 11
2
De 21 a 27 de outubro de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, 5555 Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Dafne Melo e Fernanda Campagnucci 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ
NOSSA OPINIÃO
Greves e retomada do movimento
O
s metalúrgicos do ABC paulista conseguiram reposição salarial recorde, estimulando outros sindicatos. Servidores do Judiciário paulista pararam por 91 dias e se preparam para retomar o movimento. Bancários ocuparam as ruas das principais cidades, demonstrando uma disposição de luta adormecida nos últimos anos. Os petroleiros deflagram campanha, prometendo retomar as mobilizações de 1995. Químicos se preparam para a data-base, ameaçando paralisar atividades. Estamos assistindo a uma retomada do movimento sindical? Ainda não há elementos para responder essa questão, mas os sinais são promissores. A pequena recuperação da economia gera condições favoráveis. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicas (Dieese), 79% das 262 categorias com data-base no primeiro semestre obtiveram reajustes iguais ou superiores ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O melhor resultado nos últimos oito anos. Entretanto, vale ressaltar que a característica mais importante das últimas mobilizações foi demonstrar a energia e a radicalidade represadas entre os trabalhadores. Por isso, é importante analisar esses movimentos, o papel do governo e da CUT, principal central sindical do país. Neste sentido, as greves dos servidores do Judiciário e dos bancários são ilustrativas. Ambas tiveram elementos comuns: surpreenderam e atropelaram suas direções sindicais,
criando comandos de greve, eleitos em assembléia que, de fato, dirigiram as lutas, e evidenciaram a falta de confiança em suas respectivas entidades. Durante toda a paralisação, o apoio da CUT foi inexpressivo. Inicialmente, o Tribunal de Justiça ofereceu um reajuste de 26,39%, aceito pelos trabalhadores. Em seguida, diante do posicionamento do governador, que utilizava como pretexto a Lei de Responsabilidade Fiscal, o presidente do Tribunal descumpriu o acordo. Não restou aos trabalhadores senão a greve. Além de enfrentar o Tribunal e o governador, os grevistas se depararam com uma forte reação patronal. A falta de sintonia entre as estruturas sindicais e o estado de ânimo da categoria também foi flagrante na greve dos bancários. As direções sindicais que aceitaram docilmente a proposta de reajuste oferecida pelos banqueiros e se preparavam para firmar um acordo, foram atropeladas por uma assembléia massiva na cidade de São Paulo. Em poucos dias, a greve se generalizou por 24 capitais, atingindo bancos repressivos como Bradesco, Real, Unibanco e Santander que muitos julgavam imunes à luta sindical. Neste caso, a luta merecia maior atenção da central sindical. Além de dirigir os principais sindicatos do país, a CUT não pode desconhecer a importância histórica da categoria. De meados de 1980 até hoje, a categoria foi reduzida de
quase 1 milhão de bancários a cerca de 400 mil. Cerca de 60% desses trabalhadores foram substituídos por caixas eletrônicos, bancos 30 horas, além de serem prejudicados pela terceirização, precarização das condições de trabalho e demissões em massa. No período, os bancos estatais foram privatizados. Com os bancos comemorando lucros escandalosos, e enfrentando uma imensa perda salarial, os bancários se levantaram, inviabilizando acordo firmado entre as direções sindicais e os banqueiros. O governo Lula deu o tom para o patronato privado ao ameaçar cortar os dias parados nos bancos públicos. Enquanto isso, a direção da CUT preferiu apostar no esvaziamento da greve. O comportamento do governo Lula, cuja corrente política dirige a CUT, é emblemático. Os fatos comprovam a hipótese de que o projeto de sustentação deste grupo já não se preocupa em construir base de apoio nas massas assalariadas, mas conseguir sustentação entre os setores mais desorganizados da população, apostando nas políticas compensatórias para obter apoio entre as parcelas mais miseráveis do povo. A CUT está num dilema. Instrumento de luta forjado nos anos de ascenso das lutas de massas, sua direção política ou permanece omissa, transformando-se numa mera ONG, ou cumpre seu papel de organizadora da luta dos trabalhadores, entrando, inevitavelmente, em confronto com o governo. OHI
FALA ZÉ
CARTAS DOS LEITORES TRANSGÊNICOS A liberação do plantio da soja transgênica, sem estudos de impacto ambiental de médio e longo prazos, é inaceitável. O fato de que a utilização de sementes modificadas geneticamente dispensa a utilização de agrotóxicos, evitando assim o envenenamento de nosso lençol freático, não basta. Em nome do desenvolvimento, muitas áreas de preservação foram destruídas para dar lugar ao café, às pastagens, à silvicultura... Acompanhando essas culturas surgiram os agrotóxicos (venenos) produzidos por empresas estrangeiras, que para garantir a produção eliminaram uma cadeia-alimentar, colocando na lista de extinção vários animais e pássaros de nossa fauna. Agora, com a MP assinada pelo presidente Lula, praticamente se elimina qualquer chance de vida em vastas áreas onde produzem “alimentos” geneticamente modificados. Nosso belo país, onde muitos arriscam o palpite de que Deus é brasileiro, registrou o primeiro de muitos outros furacões que virão. As dunas de Cabo Frio (RJ), avançando terra a dentro, ameaçam despejar o homem de seu artificial habitat; as fortes marés em Conceição da Barra (ES); a invasão dos besouros, em São Paulo, é um flagrante do desequilíbrio ecológico que está
ocorrendo devido à ação predatória do homem. A natureza vem silenciosamente se vingando do humanóide homem, que brevemente entrará na lista dos bichos em extinção. Quem escreverá essa sinistra estatística? Homem, único animal que não admite ser classificado como tal. Fernando Magno Vitória (ES) SUGESTÃO Gostaria de chamar a atenção para o fato importante que é divulgar mais as boas ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), como os trabalhos na agroecologia e no comunitarismo; devemos espalhar e não ocuparmos tão-somente o jornal com propaganda da Monsanto, que é isso que eles querem. É claro que não podemos deixar de divulgar as lutas dos povos latino em geral contra a terrível repressão econômica, mas devemos apontar o futuro sem que tenhamos de projetar guerras, como fazem Bush & Cia. Não podemos nem devemos fazer o mesmo jogo deles, vamos deixá-los latindo sozinhos, que tal? José L. Cruz da Rosa Pelotas (RS)
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
CRÔNICA
Por uma nova ONU das nações Marcelo Barros Nestes dias próximos a 24 de outubro, data celebrada no mundo como Dia da ONU e aniversário da promulgação da Carta das Nações Unidas (1948), acontece em Perugia, Itália, um encontro internacional chamado “Mesa para a Paz”. Esse organismo reúne intelectuais de vários países e grupos da sociedade civil para refletir sobre o papel da Organização das Nações Unidas no mundo atual. A ONU, criada para promover relações justas entre os povos, tem se mostrado frágil e, em várias ocasiões, subserviente ao interesse das grandes potências. Entretanto, apesar disso, ninguém que ama a paz desejará o seu fim e, sim, o seu aperfeiçoamento. Em 1994, ao comemorar os 50 anos das Nações Unidas, a Coordenação de Movimentos pelos Direitos Humanos e pela Paz na Europa começou uma nova organização: a “ONU dos Povos”. A proposta é possibilitar um espaço de encontro da sociedade civil mundial que se
dedique a promover todos os direitos humanos para todos e a construir um mundo livre de guerras e opressões, assim como da pobreza injusta e da exploração social. Um ano depois, fizeram a primeira assembléia geral desta ONU dos Povos, com a frase que inicia a Carta das Nações Unidas: “Nós, povos das Nações Unidas...”. De lá para cá, a cada dois anos, tem ocorrido essa assembléia em Perugia. Após quatro dias de diálogos e debates na linha dos fóruns sociais, a assembléia se encerra com uma marcha civil por Paz e Justiça, para a qual acorrem centenas de milhares de participantes. Até aqui essa iniciativa ainda não é muito conhecida. Entretanto, é bom saber que, a cada dia, aumenta o número das organizações civis que dizem não à ONU de Estados armados, organizados para promover guerras, nas quais se usam as armas produzidas pelas multinacionais do setor. A humanidade inteira sonha com um espaço internacional di-
ferente, uma organização baseada nas normas do respeito à autonomia dos povos e do direito das pessoas. A própria Declaração das Nações Unidas propõe, em seu artigo 28 da Declaração dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional na qual todos os direitos e liberdades enunciados nesta presente Declaração possam ser plenamente realizados”. Só a sociedade civil organizada e a ação cidadã solidária de todos pode fazer com que a ONU não seja apenas um organismo de Estados e sim uma instância que favoreça o diálogo entre governos e sociedade civil e realize uma grande corrente de fraternidade e confiança entre os seres humanos de quaisquer povos e raças da terra. Nós todos, você e eu, temos de ser embaixadores com direito de voto na ONU de cidadãos e dos povos. Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 24 livros, entre os quais o romance A Festa do Pastor, da Editora Rede
Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:brasil-al@brasildefato.com.br•BA:brasil-ba@brasildefato.com.br•CE: brasil-ce@brasildefato.com.br•DF:brasil-df@brasildefato.com.br•ES:brasil-es@brasildefato.com.br•GO:brasil-go@brasildefato.com.br•MA:brasil-ma@brasildefato.com.br•MG:brasil-mg@brasildefato.com.br•MS:brasil-ms@brasildefato.com.br•MT:brasilmt@brasildefato.com.br•PA:brasil-pa@brasildefato.com.br•PB:brasil-pb@brasildefato.com.br•PE:brasil-pe@brasildefato.com.br•PI:brasil-pi@brasildefato.com.br•PR:brasil-pr@brasildefato.com.br•RJ:brasil-rj@brasildefato.com.br•RN:brasil-rn@brasildefat o.com.br•RO:brasil-ro@brasildefato.com.br•RS:brasil-rs@brasildefato.com.br•SC:brasil-sc@brasildefato.com.br•SE:brasil-se@brasildefato.com.br•SP:brasil-sp@brasildefato.com.br
3
De 21 a 27 de outubro de 2004
NACIONAL SEM-TERRA
Crianças se mobilizam por futuro melhor Rafael Bavaresco, Rodrigo Brandão e Rodrigo Valente do Maranhão, do Rio de Janeiro e de Pernambuco
Rafael Bavaresco
Filhos de trabalhadores rurais sem-terra participam de encontros estaduais e reivindicam educação para o campo essas crianças desde cedo percebam criticamente a forma como a mídia trata o MST”. A professora do programa de alfabetização de jovens e adultos, Verônica Pereira da Silva, já foi sem-terrinha. Hoje, aos 18 anos, é monitora do encontro e se diz orgulhosa de poder ajudar os mais novos.
A
RIO DE JANEIRO
No Maranhão, 500 crianças participaram das palestras, debates e mais de 30 oficinas
vindicações do movimento foram atendidas”. No encerramento do encontro, houve caminhada pelas ruas do Centro de São Luís. Mais de 500 sem-terrinha se concentraram diante da sede do governo do Estado, o Palácio dos Leões. Devido ao grande número de crianças na porta do Palácio, a entrada de veículos foi controlada pelos manifestantes. Policiais militares e seguranças que faziam um cordão de isolamento reagiram com violência contra as crianças, a fim de garantir o acesso dos veículos. Informado do ocorrido, o secretário Altemar Lima pediu desculpas.
RIO GRANDE DO SUL
desenvolvimento de projetos de preservação do meio ambiente, de um novo modelo de agricultura camponesa e de incentivo a atividades culturais como música, dança, teatro, artesanato”.
PERNAMBUCO Dia 10, o Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, no Recife, recebeu cerca de 3 mil crianças semterrinha de todas as idades, vindas de todas as regiões do Estado de Pernambuco. A superintendente do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra), Maria de Oliveira, afirmou: “Aqui estamos construindo o futuro do Brasil com justiça e reforma agrária”. No dia seguinte, os sem-terrinha marcharam pelo Centro do Recife, até o Pátio da Igreja do Carmo, onde houve apresentações de frevo, afoxé e capoeira. E, no Dia das Crianças, participaram de uma oficina sobre comunicação. Para a diretora da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos), Mariana Pires, “é fundamental que
No Rio, uma surpresa: Juliene da Silva tem só onze anos, mas já sabe o que quer e como exigir seus direitos. “O Incra precisa parar de passar a responsabilidade para governos e prefeituras e assumir a educação do campo”, disse, diante do superintendente regional do Incra, Claudir Furtado da Rocha. Mais de 200 crianças participaram do encontro do Rio, entre os dias 11 e 13, que teve também participação do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal Fluminense (Sintuff) e do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD). Para Ana Beatriz Carvalho, do setor de educação do MST, “há uma resistência muito grande das autoridades em reconhecer nosso modelo de educação. As poucas escolas que tínhamos em assentamentos estão sendo fechadas, reprovadas pelas secretarias de Educação. Nossos filhos, então, ou assistem aulas nas escolas que improvisamos em tendas nos acampamentos, ou vão paras as situadas em áreas próximas, geralmente ruins, sem o que chamamos de projeto político-pedagógico”. Ela própria é ex-aluna de escolas do MST, que começou a freqüentar aos oito anos, idade em que passou a viver em acampamentos. (Colaborou Zina Nicácio)
Leonardo Melgarejo
tividades lúdicas, pedagógicas, manifestações e reuniões com autoridades políticas e governamentais marcaram os encontros estaduais de filhos de trabalhadores rurais sem-terra, chamados de sem-terrinha. Além de integrar as crianças, a quarta edição dos encontros estaduais sensibilizou a sociedade para o modo de vida e para as necessidades dos sem-terra. Este ano, as crianças trabalharam com temas como: “Sementes, patrimônio da humanidade” e “Por uma escola do campo”. No Maranhão, de 11 a 14, mais de 500 crianças de 46 assentamentos e 11 acampamentos participaram de palestras, debates e mais de 30 oficinas. Uma das atividades políticas foi a elaboração de cartas relatando a situação de assentamentos e acampamentos, com propostas de melhorias para serem implantadas pelo governo do Estado. Entre as dificuldades enfrentadas, está a falta do ensino médio nas áreas de assentamento. André Vieira Silva, de 15 anos, é assentado na Vila Conceição, região sul do Estado. Todos os dias ele percorre 94 km de ida e volta até sua escola, que fica no município mais próximo, Imperatriz. Ele conta que, estudando na cidade, convive com uma realidade diferente da sua e sofre preconceitos por ser filho de sem-terra. “Nós precisamos de uma escola que preserve nossa identidade cultural; com uma educação voltada para a nossa realidade”, conclui. Os sem-terrinha apresentaram uma pauta de reivindicações ao secretário de Educação do Maranhão, Altemar Lima, pedindo construção e ampliação de escolas de ensino fundamental, implantação do ensino médio em escolas-pólos nas regiões de maior concentração de assentamentos, garantia de transporte para alunos que precisam de deslocamento em grandes distâncias na área rural, material didático e formação de professores. Para o integrante do coletivo estadual de educação do MST, Joaquim Bezerra Lima, “a audiência, apesar de não ter acontecido com a presença do governador, como havia sido definido, foi positiva, pois as rei-
Os sem-terrinha gaúchos divulgaram uma carta com suas reivindicações: “Temos, nas áreas de acampamento e assentamento, escolas que são fruto de muita luta, que além de ensinar a ler e escrever nos educam para a vida, valorizam nossos conhecimentos e nossa realidade. Nossas escolas têm uma proposta pedagógica construída com a comunidade escolar do campo, tendo uma organização diferenciada da qual participam pais, mães, educadores e educandos no
VIOLÊNCIA NO CAMPO
Incêndio criminoso destrói acampamento Rodrigo Valente de Recife (PE) Os agricultores ligados à Comissão Pastoral da Terra (CPT) acampados no Engenho Prado, zona da mata pernambucana, foram vítimas de mais uma violência. Um incêndio criminoso atingiu os acampamentos Chico Mendes 1, Chico Mendes 2 e Itaquara, queimando cerca de 200 barracos às margens da rodovia PE 41, que liga Tracunhaém à Araçoiaba. O acampamento fica a cerca de um metro e meio de distância do plantio de cana e a um metro da pista. Na hora do fogo, as famílias jogaram o pouco que lhes restava na pista, o que dificultou involuntariamente o tráfico de veículos. Em nota oficial, a CPT informou que “alertou as autoridades sobre a possibilidade do Grupo João Santos, proprietário da usina, tocar fogo na cana-de-açúcar mesmo sabendo que moram famílias encostadas na plantação”. A superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Estado, Maria de Oliveira, classificou o incêndio
como criminoso, considerando que não se queima cana-de-açucar nesse horário e que o fogo foi colocado muito próximo aos barracos. As famílias ligadas à CPT reivindicam a desapropriação do Engenho Prado para reforma agrária há 7 anos, quando houve a primeira ocupação. Os conflitos se acirraram em 2003, com dois violentos despejos. Em novembro do ano passado, quatro engenhos do Prado foram desapropriados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silvla. O Grupo João Santos entrou com mandado de segurança e conseguiu parar o processo, que aguarda julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Durante o incêndio, dois agricultores se queimaram sem gravidade e alguns tiveram intoxicação devido à fumaça. Os trabalhadores estão fazendo o levantamento dos prejuízos e pretendem processar os proprietários. Segundo a CPT, os sem-terra vão continuar morando à margem da rodovia até que o processo de desapropriação seja julgado e esperam a punição dos responsáveis por essa violência.
A proposta das escolas prevê a participação da comunidade nos projetos de incentivo à cultura
DIREITOS HUMANOS
Países traçam objetivos Dafne Melo da Redação Em sua quarta edição, o Colóquio Internacional de Direitos Humanos, promovido anualmente pela Conectas Direitos Humanos e pela Rede Universitária de Direitos Humanos (Sur), discutiu as Metas de Desenvolvimento do Milênio propostas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000. Durante o encontro, que reuniu 60 militantes de 27 países, entre os dias 10 e 16, em São Paulo (SP), Oscar Vilhena Vieira, diretor executivo da Conectas, disse que “o objetivo foi fortalecer as organizações que atuam em direitos humanos no hemisfério sul e ressaltar o papel de fiscalização das políticas públicas dessas organizações”. As 18 metas estabelecidas no evento, que deverão ser atingidas até 2015 por cada país, estão concentradas em oito objetivos:
erradicar a pobreza extrema e a fome, universalizar o ensino básico, promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater a Aids e a malária, garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Na prática, cumprir essas metas significa, por exemplo, reduzir pela metade a população com renda inferior a um dólar por dia.
NÚMEROS NO BRASIL O Relatório Nacional de Acompanhamento elaborado pelo governo brasileiro e pela ONU no Brasil, divulgado no início de outubro, mostrou que apesar de algumas melhorias na década de 90, “o Brasil ainda está longe de atingir um bem-estar social compatível com seu nível de riqueza e desenvolvimento”. O documento aponta ainda que parte das metas na área de educação, saúde e pobreza deverão ser
cumpridas e que as duas áreas mais problemáticas são moradia e saneamento básico. Embora os índices de pobreza, segundo o relatório, tenham diminuído desde 1990, a desigualdade social não se alterou. Em 1990, 8,8% dos brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza; em 2000, eram 4,7%. Para cumprir a meta, a porcentagem deve cair para 4,4% até 2015. A desigualdade, em 1992, apontava que os 20% mais pobres do país tinham apenas 3% do total da renda nacional; em 2002, o percentual subiu para 4,2%. Já os 20% mais ricos foram de 55,7% da renda, em 1992, para 56,8%, em 2002. Outras desigualdades também não mudaram: em 2002, enquanto a pobreza atingia 5,2% dos moradores da região Sudeste, no Nordeste esse número chegou a 25,2%. Entre o 1% mais rico da população, 86% eram brancos em 2002; entre os 10% mais pobres, 65% eram de cor preta ou parda.
4
De 21 a 27 de outubro de 2004
da mídia
NACIONAL DEMOCRATIZAÇÃO
Resistir ao monopólio privado
Dioclécio Luz TVs públicas De acordo com o sítio Núcleo Piratininga, uma parceria entre a Maurício de Souza Produções, Ministério da Cultura, da Educação, e TVE, a rede pública de televisão terá uma nova programação em meados de 2005. O conteúdo será eminentemente educativo e atingirá crianças de 3 a 12 anos. Além disso, será inaugurado um canal infantil por assinatura, ainda este ano, pela Fundação Padre Anchieta. Tortura no Brasil O Correio Braziliense está com uma série de reportagens sobre o regime militar. A edição de domingo (17/10) trouxe fotos e depoimentos sobre a tortura e morte do jornalista Waldimir Herzog, em São Paulo, no Doi-Codi, em outubro de 1975. Os jornalistas Rudolfo Lago e Erica Andrade conseguiram relatório oficial sobre a repressão: os números revelam que, até outubro deste ano, foram presas 2.372 pessoas. Destas, foram mortas 50. Herzog está entre elas. Roda Viva faz 18 anos Um dos melhores programas da TV brasileira, o “Roda Viva”, da TV Cultura”, fez 18 anos. Parabéns para o Brasil, que tem um programa de tamanha qualidade veiculado em emissora pública. O “Roda Viva”, plural e democrático, ensina jornalismo e democracia. Toda segundafeira. Jornal de fibra É difícil de achar, mas vale a pena procurar. É o jornal A nova democracia, feito por um grupo de nacionalistas. Sempre matérias profundas, opinativas, corajosas. O leitor pode até não gostar de algum texto, mas sabe que ali tem alguém defendendo a soberania nacional e os interesses do povo brasileiro. Quem não achar em bancas, pode acessar a página da internet www.anovademcracia.com.br Nestlé & Águas de S. Lourenço A multinacional Nestlé é acusada de agir fora da lei em São Lourenço (MG), e de abusar no uso da água de poços da região. Coisa braba. Mas isso não vai dar na grande mídia. Para conhecer mais detalhes é só acessar a página da internet www.novae.inf.br/brasilalimpo/ especial_nestle.htm Mulheres buscam homens “Há mulheres que procuram um homem que lhes abra o mundo. Outras buscam um que as tire do mundo. A maior parte, porém, acaba se unindo a alguém que lhes tira o mundo”. (Mia Couto, grande escritor moçambicano, no conto “Os negros olhos de Vivalma”) Senador transgênico A Articulação do Semi-Árido (ASA/ PB) na Paraíba, que reúne 300 organizações de agricultores e movimentos sociais, enviou carta ao senador Ney Suassuna (PMDB-PB), relator do substitutivo ao projeto da biossegurança (que libera a soja transgênica e concede poderes totais à CTNBio). “Agora que o Senado cumpriu o vergonhoso papel de acólito da multinacional Monsanto, cabe aos deputados recolocar os termos originais do PL do presidente Lula, por eles votado em fevereiro passado”, diz trecho da carta. Outro senador transgênico a receber carta como essa será Aloízio Mercadante (PT-SP). Lula continua repressão a rádios Após a repressão sofrida no dia 1º de setembro, quando cinco emissoras de rádios comunitárias foram violentamente fechadas e cinco pessoas foram presas, a Polícia Federal de Campinas “intimou” 20 pessoas a “prestar esclarecimentos” sobre a prática de radiodifusão clandestina. O crime é previsto no artigo 70, Lei 4117/62, criado pelo regime militar, e está em vigor até hoje. O cinema e o povo Na questão do projeto de criação de uma agência para o cinema e TV (Ancinav), há dois segmentos em disputa. De um lado, contra a agência, a turma da Globo e os empresários ligados a Hollywood; do outro, os cineastas independentes, produtores regionais, artistas, estudiosos – gente que gosta do Brasil.
Um serviço público concedido, os meios de comunicação deveriam servir à sociedade Ana Maria Straube de São Paulo (SP)
C
om a proposta de debater a questão da Comunicação dentro da universidade, a segunda edição da Semana da Democratização da Mídia foi idealizada de modo a abordar questões que muitas vezes não fazem parte da formação acadêmica dos estudantes. Este ano, a Semana procurou ampliar a esfera do debate (em 2003, cerca de 20 cidades organizaram eventos), não apenas contando com a participação de diversos movimentos sociais, mas também ocupando outros espaços públicos, além da universidade, para sensibilizar um número maior de pessoas. Na cidade de São Paulo, as atividades começaram dia 17, considerado o Dia Mundial pela Democratização da Comunicação, com uma feira, no parque do Ibirapuera. A rádio-poste, recurso de transmissão por meio de um alto falante em um poste, deu informações sobre a programação e ficou à disposição dos integrantes das entidades organizadoras e de quem mais quisesse dar seu recado. Foram distribuídos jornais disseminando o debate sobre a questão das rádios comunitárias e sobre a qualidade da programação na TV. Houve ainda uma exposição sobre comunicação comunitária, exibição de vídeos e a apresentação de uma peça de teatro.
EVENTO PARALELO Em evento paralelo à Semana, o Centro de Mídia Independente (CMI) organizou um ato em São Paulo, dia 18, para mudar simbolicamente o nome da Av. Jornalista Roberto Marinho para Av. Jornalista Wladimir Herzog – jornalista morto em 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi de São Paulo. Após colar adesivos em placas de três esquinas, o ativista Pablo Ortellado foi detido pela Polícia Militar, sob a alegação de distúrbio da ordem pública. O ato foi interrom-
Wilson Dias/ABr
Espelho
Acima, programa Diálogo Brasil Especial, apresentado na TV Nacional, no dia 17; da esquerda para a direita, Daniel Herz, representante do Fórum Nacional de Democracia na Comunicação, apresentador Florestan Fernandes Jr. e o deputado Orlando Fantazini. Ao lado, manifestantes protestam contra o controle que a Rede Globo exerce na mídia, observados por policiais militares, em São Paulo
pido pela PM com o uso de spray de pimenta contra os manifestantes e o ativista foi levado para a 96º DP, onde foi indiciado por desobediência à ordem legal e responderá o processo em liberdade.
ATIVIDADES NACIONAIS A previsão é que cerca de dezoito cidades realizem Semanas locais pela democratização da mídia. Em Porto Alegre, as atividades começaram dia 13 e terminaram com um ato público no Parque Farroupilha. No Rio de Janeiro, estão acontecendo debates sobre opressão, rádios co-
munitárias, concessões públicas e monopólio da mídia. A Semana carioca termina dia 22, com um ato na Praça 15. Em Brasília, as atividades aconteceram de 13 a 17, com transmissão de programas de rádio e um debate sobre a qualidade da programação das emissoras de televisão. Em Recife, a semana começou com a realização de diversas oficinas, dia 8, e culminou com um ato contra a baixaria na TV, na praia de Boa Viagem. A Semana Nacional pela Democratização da Mídia, uma iniciativa da Executiva Nacional dos
Estudantes de Comunicação Social (Enecos), foi organizada este ano com a participação do coletivo Intervozes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, da Marcha Mundial de Mulheres, da Sociedade Cultural Dombali, do Centro de Mídia Independente, da Oboré, do Centro Acadêmico Lupe Contrim (ECA-USP), do Centro Acadêmico Benevides Paixão (PUC-SP), da Associação Brasileira de ONGs (Abong), do grupo Calaboca Já Morreu e da Fundação Friedrich Ebert. A programação completa da 2ª Semana Nacional pela Democratização da Comunicação está disponível na página da internet da Enecos: www.enecos.org.br
EUA ameaçam liberdade de expressão Tatiana Merlino da Redação Sem qualquer justificativa, dois servidores de internet que alojavam 21 sítios da rede de comunicação alternativa Indymedia (Centros de Mídia Independente) foram confiscados. De acordo com os ativistas da rede,“ao que tudo indica”, o ato foi praticado pelo FBI (Escritório Federal de Investigações do governo estadunidense). Em todo o mundo houve protestos contra a censura, mas a situação é delicada “porque, apesar de ser um grande atentado à liberdade de expressão, não sabemos exatamente contra quem protestar”, diz Pablo Ortellado, ativista do Indymedia Brasil, um dos sítios prejudicados. Os servidores confiscados dia 7 estavam no escritório britânico da empresa estadunidense Rackspace Managed Hosting, que não notificou o CMI. Na América do Sul, foram afetados os sítios do Brasil e Uruguai.
SEM INFORMAÇÕES No dia 8, a Rackspace informou aos voluntários do Indymedia que a ação foi baseada numa Comissão de Intimação, acrescentando: “A Rackspace IP: o endereço IP, está agindo ou Internet Protocol como uma boa (Protocolo Intercorporação net), é o endereço eletrônico de cada cidadã, e está computador coneccooperando tado à internet. Ele com leis inidentifica, localiza e estabelece conexão ternacionais. entre computadores A corte proíbe ligados à rede. que a Racks-
pace comente mais sobre este assunto”. O CMI não conseguiu obter informações sobre a declaração da Rackspace nem das autoridades dos Estados Unidos nem do Reino Unido. Segundo um repórter da agência de notícias France Presse, “O FBI reconhece que emitiu uma intimação, mas afirma que foi a pedido de autoridades italianas e suíças”. Dia 13, os equipamentos apreendidos reapareceram, mas sem informações sobre quem o confiscou, por que, e por ordem de quem. Um funcionário da Rackspace enviou mensagem eletrônica a um voluntário do CMI informando que os discos tinham sido devolvidos e que “a ordem judicial está sendo cumprida. Passarei qualquer outra informação que esteja disponível e que eu esteja autorizado a dar”.
PRECEDENTE O CMI Brasil voltou a funcionar 24 horas depois do confisco mas, em alguns países, os sítios ainda estão fora do ar. Segundo o ativista do Indymedia Brasil, o sítio brasileiro não perdeu qualquer dado, mas em alguns outros, as perdas foram permanentes. No entanto, de acordo com Ortellado, as maiores conseqüências não são técnicas, mas políticas. “É um absurdo confiscar um servidor que está fora da jurisdição dos Estados Unidos”, diz ele. A seu ver, o incidente abre um “perigoso precedente para que aconteçam mais interferências na liberdade de imprensa. Se isso aconteceu conosco,
pode acontecer com qualquer um. Ninguém está seguro”. Para os ativistas, uma das hipóteses sobre os autores do confisco se baseou na divulgação de imagens, em um dos sítios da França, mostrando agentes policiais suíços encobertos, fotografando manifestantes durante um protesto de rua. Segundo Ortellado, confirmada a hipótese, trata-se de um “pretexto para tentar intimidar os ativistas do CMI”, e um grave atentato aos direitos civis globais. Para ele, como as informações são desencontradas, e não há uma medida legal contra a rede, “fica complicado saber contra quem se dirigir, e isso é um absurdo”. A Indymedia estuda respostas legais ao confisco com assistência da Fundação Fronteira Eletrônica, sediada nos Estados Unidos.
apoio pelo abaixo-assinado que será remetido às autoridades dos países supostamente envolvidos na arbitrariedade: Suíça, Itália, GrãBretanha e Estados Unidos. (http: //solidarity.indymedia.org.uk). A mídia independente tem sido alvo de ataques do governo federal estadunidense. Esta última é a terceira investida contra os servidores da rede CMI. Em 2001, durante os protestos contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) em Québec, Canadá, e durante os protestos contra a convenção do Partido Republicano, em Nova York, em 2004, o FBI e serviço secreto entraram com mandados exigindo os endereços IP dos usuários do sítio. Em setembro, a FCC (Comissão Federal de Comunicações, equivalente ao Ministério das Comunicações no Brasil) fechou estações de rádio por todos os EUA.
VIOLAÇÃO De acordo com Kurt Opsahl, advogado da Fundação, “o FBI não pode fazer isso com mais de 20 sítios, baseado numa conduta sigilosa de uma solicitação de um governo estrangeiro”. Isso significa, acrescenta, uma violação flagrante da Primeira Emenda da Constituição, que não permite ao governo calar unilateralmente a expressão de uma organização jornalística independente, sobretudo sem apresentar uma razão ou mesmo fornecer à Indymedia a informação necessária para que possa reclamar contra a medida.
ATAQUES Para protestar contra o confisco, os sítios afetados estão buscando
HISTÓRICO O CMI foi criado em 1999 para divulgar pontos de vista contrários à Organização Mundial do Comércio, que realizava uma conferência ministerial na cidade de Seattle (EUA). Na ocasião foi desenvolvido um sítio para que os ativistas pudessem trocar textos sobre os acontecimentos, e que foi acessado por mais de um milhão de pessoas. Desde então, a rede CMI se espalhou por centenas de cidades, em todos os continentes. A rede acabou se convertendo em importante fonte de notícias dos movimentos contrários à globalização. Hoje, ela conta com mais de 140 sítios, em todo o mundo, nos quais qualquer pessoa pode divulgar suas opiniões.
5
De 21 a 27 de outubro de 2004
NACIONAL COMÉRCIO EXTERIOR
Safra mundial recorde derruba preços Dependência de produtos básicos deixa o país (mais) vulnerável às oscilações do mercado internacional
O
todo-poderoso Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (ou USDA, na sigla, em inglês), equivalente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), disparou uma bateria de torpedos contra a balança comercial brasileira. Sua mais recente previsão para a safra mundial de grãos e fibras, que projeta colheitas recordes de soja, milho e algodão, tenderá a afetar negativamente o comportamento das exportações brasileiras no final deste ano e, mais especialmente, ao longo de 2005, em função da queda dos preços internacionais daqueles produtos. Com uma oferta recorde de produtos agrícolas no próximo ano, os estoques mundiais tendem a aumentar, recuperando-se das baixas observadas nos últimos anos. O crescimento das reservas globais de alimentos, por sua vez, deverá pressionar para baixo os preços dos principais produtos brasileiros de exportação, reduzindo as receitas em dólares. As projeções de um crescimento menor, e mesmo de queda, para as vendas externas, como no caso da soja, desvendam a face mais vulnerável da pauta de exportações do país, agravada pela dependência em relação aos chamados produtos básicos (cereais, algodão, carnes bovina e de frango, suco de laranja, açúcar etc.).
DEPENDÊNCIA Num retrato dessa dependência, as exportações do agronegócio, que incluem, além daqueles produtos, também as vendas de papel e celulose, madeiras e móveis, leite e derivados, foram responsáveis por quase 43% do crescimento registrado para o total das exportações nos primeiros nove meses de 2004. Entre janeiro e setembro, o país exportou 70,3 bilhões de dólares, 33% a mais do que em igual período de 2003, o que representou um ganho absoluto de 17,5 bilhões de dólares. As vendas externas de pro-
milhões de toneladas colhidas na safra 2003/2004. Neste mês, a previsão saltou para 84,56 milhões de toneladas, um recorde absoluto, o que fará mais do que triplicar os estoques estadunidenses (de 3 milhões para 11 milhões de toneladas). Na mesma linha, a previsão para a produção mundial foi revista para quase 229 milhões de toneladas (21% a mais do que na safra passada), com estoques globais estimados em pouco mais de 59 milhões de toneladas (53,5% maiores). As reservas de soja, em todo o mundo, serão suficientes para suprir o abastecimento global durante mais de 100 dias em 2005, diante de apenas 67 dias neste ano – o que deverá esvaziar qualquer possibilidade de elevação dos preços no próximo ano, desde que os dados do USDA sejam confirmados.
Orlando Kissner / AFP
Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
O agronegócio foi responsável por quase 43% do crescimento do total das exportações nos primeiros nove meses de 2004
ALGODÃO dutos com origem na agropecuária atingiram aproximadamente 29,9 bilhões de dólares na mesma fase, crescendo praticamente 40% em relação ao igual período de 2003. Aqui, a variação correspondeu a um acréscimo de 7,5 bilhões de dólares.
– mais afetados pelas previsões recordes do USDA – alcançaram uma participação de pouco mais de 12% na pauta total de exportações. A própria indústria do setor considera improvável que esse desempenho se repita em 2005.
RECUO SOJA E CARNES Dois grupos de produtos foram responsáveis por mais da metade (52,5%) do incremento registrado pelas vendas ao exterior de produtos agropecuários e seus derivados: o complexo soja (grão, farelo e óleo) e as carnes (bovina, suína e de aves). No primeiro caso, as exportações subiram mais de 38%, atingindo 8,73 bilhões de dólares (significando quase 14% do ganho anotado pelo total das exportações); e, quanto às carnes, houve um incremento de quase 60%, para 4,06 bilhões de dólares. Os dois grupos responderam por 22,5% da variação observada para o total das exportações brasileiras, embora representem, somados, 18,2% das vendas externas do país. Isoladamente, apenas a soja e seus derivados (farelo e óleo)
Pela primeira vez nesta década, estima a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), as vendas externas de soja em grão, farelo e óleo devem registrar queda no ano que vem, depois de cinco anos de crescimento acelerado. Ainda em 2004, na verdade, os números finais do setor deverão ficar substancialmente mais baixos do que as projeções iniciais, refletindo a menor oferta do grão no mercado interno em função da quebra provocada pela estiagem e pelo ataque de pragas. Em dezembro do ano passado, a Abiove projetava vendas externas de 10,9 bilhões de dólares, o que corresponderia a um salto de 34% em relação a 2003. A previsão mais recente da entidade, revisada no final de setembro, aponta para exportações de 9,77 bilhões de dólares – valor ainda 20% maior do que em
2003, mas 10,5% menor do que a previsão inicial. Para 2005, a Associação espera que as exportações do setor alcancem 9,34 bilhões de dólares, num recuo de pouco mais de 4% em relação aos valores estimados para este ano. Neste caso, haveria um avanço médio de 14% nos volumes embarcados, diante da expectativa de uma safra de soja maior em 2005.
PREÇOS O pior desempenho das exportações pode ser explicado, sempre de acordo com a Abiove, pela queda dos preços no mercado internacional (menos 17% no caso do grão, em média, e baixas entre 9% e 18% para as cotações da tonelada de óleo e farelo). Os números e previsões da entidade foram divulgados antes da confirmação da safra recorde de soja pelo USDA – o que pode forçar a Abiove a rever suas projeções para baixo, mais uma vez. Até setembro, o USDA estimava a produção estadunidense de soja em 77,18 milhões de toneladas na safra 2004/2005, que começa a ser colhida neste mês, diante de 66,78
Tendência semelhante deverá influenciar as exportações de algodão no próximo ano. Segundo levantamento do Comitê Internacional do Algodão (Icac), a produção mundial da fibra deverá alcançar ao redor de 23,5 milhões de toneladas (23,9 milhões de toneladas, de acordo com o USDA), representando uma colheita igualmente recorde. O consumo mundial, no entanto, está projetado em 21,9 milhões de toneladas, com sobra, portanto, de 2 milhões de toneladas, que serão acrescidos aos estoques da fibra em todo o mundo. As reservas finais de algodão, dessa forma, tendem a subir para pouco mais de 9 milhões de toneladas, representando mais de 42% da demanda internacional, depois de atingirem o nível mais reduzido em nove anos na safra passada. O resultado, sempre conforme o Icac, deverá ser uma redução média de 22% nos preços internacionais. Entre janeiro e setembro deste ano, as exportações brasileiras de algodão e produtos têxteis aumentaram 23% em valor, saindo de 797,3 milhões de dólares no mesmo período de 2003 para 981,6 milhões de dólares.
Produtos básicos atingem maior participação Enquanto os preços dos produtos básicos, soja e carnes à frente, tiveram fôlego para subir no mercado externo, as exportações brasileiras entraram em disparada. Nos últimos meses, aqueles mercados passaram a emitir sinais de que o ciclo de alta poderá se inverter. Como o país não adotou políticas para se prevenir contra os riscos de uma concentração das vendas externas em torno de produtos pouco competitivos, a balança comercial poderá não apresentar, em 2005, desempenho tão brilhante como agora, com o saldo comercial (exportações menos importações) entrando em baixa. Nos primeiros nove meses de 2004, as exportações de produtos básicos registraram a maior participação relativa na pauta de produtos exportados desde 1986, saindo de 29%, no ano passado, para pouco mais de 31% em 2004. Há 18 anos, as vendas externas de produtos básicos representavam 32,6% do total exportado. A participação vinha em queda, desde então, chegando a 23,6% em 1995 e a 22,8% em 2000. A partir daí, a participação voltou a crescer ano a ano.
ESFORÇO Em meses mais recentes, conforme aponta o boletim mensal da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), o Brasil tem sido obrigado a realizar um esforço cada vez maior para manter o crescimento das
EXPORTAÇÕES CONCENTRADAS Vendas externas do agronegócio, valores em milhões de dólares Produtos Complexo soja Carnes Madeira e suas obras Açúcar e álcool Papel e celulose Couros, peles e calçados Café, chá, mate e especiarias Fumo e tabaco Algodão e fibras têxteis vegetais Sucos de frutas Cereais, farinhas e preparações Frutas, hortaliças e preparações Pescados Cacau e suas preparações Leite, laticínios e ovos Bebidas Borracha natural Demais Total do setor Total geral Participação (/)
Jan/set 2004 8.729 4.060 2.772 2.206 2.204 2.151 1.281 1.034 982 873 869 404 308 231 106 38,4 0,5 1.615 29.864 70.278 42,5%
Jan/set 2003 6.311 2.544 1.820 1.574 2.117 1.817 989 905 797 932 323 327 306 236 67 33,5 0,3 1.270 22.369 52.790 42,4%
Variação (%) 38,3 59,6 52,3 40,2 4,1 18,4 29,6 14,2 23,1 -6,3 168,9 23,5 0,7 -2,0 57,0 14,7 68,5 27,2 33,5 33,1 –
Fonte: Secretaria de Comércio Exterior
exportações de produtos básicos, compensando a desaceleração no ritmo de alta dos preços internacionais com aumentos crescentes de volumes. Nos 12 meses encerrados em agosto de 2004, o índice de preços dos produtos básicos acumulava uma variação de 21% em relação aos 12 meses anteriores, diante de uma elevação de 12% nos volumes embarcados. Em agosto, no entanto, foi preciso embarcar
um volume 31% maior do que em igual mês do ano passado diante de um incremento de 18% para os preços. Para o total das exportações, no entanto, a perda de dinamismo torna-se mais nítida, indicando ganhos de volume mais substanciais do que de valor. De janeiro até agosto, os preços médios dos produtos exportados aumentaram menos de 11%, diante de um salto de 21% nas quantidades embarcadas, sempre
O AVANÇO DOS PRODUTOS BÁSICOS Participação por fator agregado no total das exportações, em % Período 2000 2001 2002 2003 (jan/set) 2004 (jan/set)
Básicos 22,8 26,4 28,1 29,4 31,4
Semimanufaturados 15,4 14,2 14,9 15,1 13,9
Manufaturados 59,0 56,5 54,7 53,6 53,1
Fonte: Secretaria de Comércio Exterior
SAFRAS RECORDES Produção agrícola nos Estados Unidos, em milhões de toneladas Ano-safra 2002/2003 2003/2004* 2004/2005**
Milho 227,8 256,9 295,0
Soja 75,0 66,8 84,6
(*) Estimativa (**) Projeção/outubro de 2004 Fonte: Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
em comparação com os mesmos oito meses de 2003. Um outro levantamento, elaborado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), comprova a baixa capacidade de competição dos principais produtos brasileiros de exportação. Tomando como base os dados do primeiro semestre deste ano, o Iedi aponta que a maior contribuição para o aumento das exportações veio de setores que menos investem em novas tecnologias e pesquisas – estes tiveram uma contribuição de 79% no crescimento das exportações. As indústrias que mais investem em avanços tecnológicos e moder-
nização contribuíram com apenas 7,5%. De um outro ângulo, os setores que mais perderam participação no mercado mundial entre 1996 e 2001 foram responsáveis por 79% do crescimento das exportações brasileiras. Aqueles setores que alcançaram as maiores taxas de incremento no mercado mundial (acima de 5% ao ano entre 1996 e 2001) tiveram uma contribuição de apenas 9,6% no crescimento das vendas externas. Mais claramente, o país continua a exportar produtos baratos e com baixo poder de competição, o que deixa a balança comercial muito mais vulnerável às freqüentes oscilações observadas nesse tipo de mercado. Para conseguir escapar desse cerco de giz, na visão do Iedi, o governo terá que investir num trabalho de longo prazo, destinado a promover a produção e a exportação de produtos com maior grau de elaboração, que incorporem maior conteúdo tecnológico, cujos mercados apresentam taxas mais elevadas de crescimento e melhor remuneração. (LVF)
6
De 21 a 27 de outubro de 2004
NACIONAL EMPREGO
Fatos em foco
O perfil dos novos trabalhadores Pesquisa da Secretaria do Trabalho mostra que o setor de serviços foi o que mais contratou da Redação
Sabujo ruralista Não satisfeito em informar, na semana passada, sobre o projeto de lei que prevê a criação da Justiça Agrária, o apresentador do Jornal da Band, jornalista Carlos Nascimento, defendeu a posição da UDR e emendou a seguinte opinião: “É uma justiça para legitimar a invasão de terras”. Assim funcionam os cães de guarda do latifúndio. Erro histórico O governo Lula tem despejado uma fortuna nos veículos da mídia comercial e desprezado os veículos comunitários e alternativos. O atual processo eleitoral deixou evidente que a mídia comercial fica do lado dos partidos conservadores das elites econômicas. Fala mais alto a aliança de classe. Só o Palácio do Planalto não percebe o erro tático e estratégico. Propaganda enganosa Jovens eleitores que votaram na legenda do Partido Verde (PV), mais pelo encantamento da luta ecológica, estão decepcionados com o partido em São Paulo. Primeiro porque elegeu uma desconhecida bispa evangélica para a Câmara Municipal e, segundo, porque declarou apoio ao tucano José Serra, no segundo turno. Bandido precioso Indiciado muitas vezes pelos crimes de corrupção, sonegação fiscal e formação de quadrilha, o político Paulo Maluf, do PP, continua refém dos poderosos de plantão. FHC pegou o apoio de Maluf para o segundo mandato, em 1998; o governo do PT também conta com a ajuda do malufismo no próximo dia 31; enquanto isso o solerte bandido fica fora da cadeia. Jogatina previsível O governo Lula vive se gabando de ter obtido superávit recorde e baixado o indicador do risco Brasil, tudo para agradar o FMI e os credores internacionais. No entanto, continua caindo a confiança dos investidores em relação ao Brasil, já que eles têm outras vinte opções melhores do que aqui. É assim que funciona o capital, só não aprende quem não quer. Política antinacional O Ministério da Agricultura admite que existem, hoje, 3 milhões de hectares plantados com soja transgênica. Na verdade, são 3 milhões de hectares nos quais a Embrapa deixou de ganhar royalties, porque a soja plantada é ilegal. Se uma empresa estrangeira domina esse mercado, o Brasil perde divisas. Palavra empenhada O presidente Lula garantiu, publicamente, que não assinaria, de jeito nenhum, a medida provisória sobre sementes transgênicas. Na última semana assinou a MP autorizando o plantio e a comercialização da soja modificada. Oficializou o contrabando da empresa estrangeira Monsanto. Aliança irreconhecível Lula se reuniu com Roberto Jefferson, da ex-tropa de choque de Collor de Mello, para sacramentar acordo político; Marta Suplicy incorporou na campanha o malufista Arnaldo Faria de Sá. Ambos integram o PTB, que é o novo principal aliado nacional do PT depois do PL. Alguém ainda tem dúvida para onde a cúpula do PT leva o partido?
N
o primeiro semestre de 2004, em virtude da recuperação da atividade econômica, o contingente de empregados no Brasil aumentou 4,4%, o que se traduziu na geração de mais de 1 milhão de postos de trabalho formais. Mais da metade desses trabalhadores encontraram vagas nos setores agrícola e industrial, sendo que do total: (1) 50% possuem ao menos o nível secundário completo; (2) 50% têm entre 18 e 24 anos e (3) 70% são do sexo masculino. As informações são de estudo divulgado dia 13 pelo secretário Marcio Pochmann, da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do município de São Paulo, que traça o perfil dos recémempregados. Na capital paulista, o emprego formal teve expansão de 2,5% no primeiro semestre, e o saldo de empregos gerados foi de 62.367 novos postos de trabalho. Quanto ao perfil das vagas, cerca de 50% foram ofertadas pelo setor de serviços. A quase totalidade dos postos (80%) foi ocupada por trabalhadores com escolaridade superior ao secundário completo , e na faixa etária de 18 a 24 anos (2/3 do total dos empregos). Além disso, 60% das vagas foram ocupadas por trabalhadores do sexo feminino.
CONDICIONANTES Depois de ter chegado ao seu pico em abril, o desemprego municipal vem regredindo mais no município de São Paulo do que na região metropolitana. Para que a taxa de desemprego prossiga na tendência de queda, assinala a pesquisa, faz-se necessária uma reativação mais contundente dos níveis de investimento e consumo, para o que a redução dos
Candidatos formam imensa fila na agência de empregos Solux, no Centro de São Paulo
níveis de juros e a recuperação mais acelerada da massa salarial funcionem como variáveis estratégicas da sustentação de longo prazo na economia nacional. O levantamento realizado de 13 a 30 de setembro, na cidade de São Paulo, procurou apurar o perfil dos trabalhadores que estavam desempregados e encontraram nova ocupação em 2004. Na amostra pesquisada, cerca de 40% são chefes de família e 63% são do sexo feminino.
ESCOLARIDADE Mesmo que os recém-empregados na capital paulista tenha maior nível de escolaridade (com secundário completo ou mais), bem acima da média nacional, a pesquisa ressalta que quase 1/4 daqueles trabalhadores sequer concluiu o 1º grau (ensino fundamental).
A maior parte (64,3%) dos recém-contratados estava desempregada há menos de um ano, enquanto 1/3 deles estava sem emprego há mais tempo. Quase metade (49,2%) dos ex-desempregados foi contratada com carteira assinada, mas o segundo maior contingente (39,3%) passou a assalariado sem carteira. Provavelmente em função do tempo de exclusão do mercado de trabalho, quase 73% dos novos empregados temem demissões. Outra insegurança digna de nota é o temor de redução salarial, além de reclamações sobre a inexistência de planos de carreira, de benefícios e condições de trabalho.
SAÚDE A pesquisa enfatiza que 2/3 daqueles trabalhadores recorrem ao serviço público para o atendimento de saúde, demanda muito maior do
que a utilização dos atuais serviços públicos oferecidos em São Paulo. Em relação aos principais gastos pessoais e familiares retomados imediatamente após a nova contratação, eles se concentram nas despesas com alimentação, manutenção do lar (luz, gás e telefone) e pagamento de dívidas anteriores. Com o novo emprego, a renda familiar de 69% dos trabalhadores aumentou de um a três saláriosmínimos (R$ 260,00 a R$ 780,00). Tudo indica que o nível salarial dos recém-contratados não é dos mais elevados – ou é insuficiente para cobrir suas despesas – já que 45% deles gastam todo o salário no mês. Quanto aos planos para o 13º, a prioridade de 35% dos novos empregados é aumentar a poupança e, em seguida, liqüidar dívidas.
Um seguro para a agricultura familiar Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO) Na safra passada (2003-2004), colhida neste ano, Santa Catarina foi atingida pela estiagem, entre dezembro do ano passado e o começo de 2004, fase crítica para o desenvolvimento das lavouras. Em março, um ciclone de rara intensidade assolou o Estado, com estragos maiores na faixa litorânea. O resultado destes eventos está nos dados levantados em 293 municípios catarinenses pelo Instituto de Planejamento e Economia Agrícola do Estado (Icepa/SC): prejuízo de R$ 807 milhões para os agricultores, com perdas de 59% para as lavouras de milho, correspondentes a 653 mil toneladas do grão, e de 50% para o feijão (52 mil toneladas perdidas), além de redução na produção de banana, soja e leite. No máximo, aqueles produtores teriam conseguido recuperar, com base nas normas do seguro agrícola tradicional, o equivalente a 70% dos empréstimos tomados para o custeio das lavouras. Mesmo assim, a alternativa só estava à disposição daqueles que contrataram o crédito rural oficial, com juros limitados a 8,75% ao ano. Para quem tomou recursos emprestados a taxas de mercado, com juros de 2% a 3% ao mês, não houve qualquer compensação. Foram jogados, literalmente, na rua da amargura.
COBERTURA TOTAL Para a próxima safra (20042005), que começa a ser plantada neste mês de outubro, o governo decidiu criar uma nova modalidade de seguro, válido para micro, mini e pequenos agricultores familiares. Com o novo seguro, pretende-se evitar que dramas como o de
José Cruz/ ABR
Necessidade imperial Os Estados Unidos insistem em aliviar a crise do capitalismo com a promoção de guerras e incentivo à indústria bélica. Não bastassem o Afeganistão, o Iraque, a Palestina e intervenções armadas em vários países, agora aceleram a escalada militar na Colômbia, bem ao lado do território brasileiro. Nos próximos dias, vão dobrar para 1.600, oficialmente, o número de agentes naquele país.
Almeida Rocha/ Folha Imagem
Hamilton Octavio de Souza
O governo espera atingir entre 800 mil e 850 mil produtores com o novo seguro, alcançando um índice de cobertura equivalente a 95% dos empréstimos contratados com base nas normas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O custo do seguro será descontado do valor do empréstimo de custeio contratado, fixando-se uma taxa (ou “prêmio”, na linguagem das seguradoras) de 2% sobre o total financiado.
ZONEAMENTO
Trabalhadores rurais ligados à Contag acampam na Esplanada dos Ministérios
Santa Catarina se repitam, criando alternativas para compensar ou amenizar perdas causadas pela inclemência do clima e pela ocorrência de alguns tipos de pragas e doenças. Ao contrário do conhecido Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que cobre perdas equivalentes a apenas 70% do valor do crédito de custeio contratado, o Seguro da Agricultura Familiar, lançado com pompa e circunstância no mês passado, no Palácio do Planalto, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assegura 100% de cobertura. Em caso de perda da lavoura, portanto, o agricultor terá perdoado o valor in-
tegral do financiamento de custeio contratado.
MAIS GARANTIAS Mas há uma outra vantagem, que torna o seguro mais atrativo do que as modalidades em vigor. Foi estabelecida uma garantia adicional correspondente a 65% da receita líquida do agricultor, limitada a R$ 1,8 mil. O conceito de receita líquida, neste caso, desconta o valor do crédito de custeio da receita bruta projetada para a venda da safra. Serão contempladas perdas causadas por seca, granizo, geada, tromba d´água, vendaval, chuvas fora de época, pragas e doenças sem métodos de combate difundidos.
A adesão será obrigatória para as culturas contempladas no plano de zoneamento agrícola definido pelo governo. O zoneamento estabelece as regiões ou zonas agrícolas mais indicadas para o plantio de determinada lavoura e o período recomendado para o cultivo a de reduzir riscos climáticos para a lavoura. Incluem-se nesta categoria as culturas de algodão, arroz, feijão, milho, soja, trigo, sorgo e maçã. Adicionalmente, a contratação do seguro será obrigatória também para as plantações de banana, caju, mandioca, mamona e uva. Em outra inovação, as culturas consorciadas, ou seja, que envolvem o plantio, em uma mesma área e período, de dois tipos de produtos (milho e feijão ou soja e milho, por exemplo), serão igualmente contempladas. O Proagro não oferece garantia para plantios consorciados. AConfederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) pretende, agora, pressionar o governo para que desvincule o seguro agrícola do crédito rural. A entidade reclama a adoção de uma forma mais ampla de seguro, que garanta a receita integral do agricultor, mesmo que este não tenha tomado recursos do crédito rural.
7
De 21 a 27 de outubro de 2004
NACIONAL SOBERANIA ALIMENTAR
Medida de transgênicos é inconstitucional Luís Brasilino da Redação
France Presse
Deputado entra com ação contra liberação de nova safra modificada sem estudo de impacto ambiental
U
m mês depois de instituir, por meio de medida provisória (MP), um programa que favorece o setor privado de ensino, o governo federal deu um novo golpe nas instituições democráticas brasileiras para beneficiar um pequeno segmento da economia. No dia 15, reeditou MP liberando, mais uma vez, o plantio e a comercialização de soja transgênica no Brasil – desta vez, até 31 de janeiro de 2006. A decisão ignorou o projeto de Lei de Biossegurança – que trata desse assunto, entre outros – em tramitação na Câmara Federal. Para Edson Duarte, deputado federal (PV-BA), a conseqüência mais grave dessa MP é a ilegalidade da medida e a conseqüente abertura de um precedente: “Com pressão, pode-se conquistar até mesmo MP inconstitucionais”. Dia 18, ao lado de outros parlamentares do Partido Verde, ele entrou no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a liberação da safra 2004/2005 de soja transgênica. Ele explica que mesmo uma MP não pode dispensar a Constituição para beneficiar Medida provisória interesses eco(MP) – instrumento nômicos. E, no do governo para caso do cultivo implementar leis, que entram em de transgênivigência imediata cos, a Conse provisoriamente, tituição requer só precisando pasestudos de imsar por votação no Legislativo para se pacto ambientornar permanentes. tal. Mas a me-
Fiscalização no interior do Paraná: transnacional Monsanto conseguiu colocar seu produto no mercado e começa a lucrar com isso
dida foi editada sem a realização desses estudos. No entanto, quando o governo editou MPs similares liberando a comercialização e o plantio de soja transgênica – em março e setembro de 2003 –, também foram feitas Adins contestando essas decisões. Segundo Duarte, até hoje os ministros do STF não julgaram esses recursos.
QUEM PERDE E QUEM GANHA “Com a decisão, agricultores gaúchos aparentemente se beneficiam, mas o único vencedor é a transnacional Monsanto. A empresa até já começou a cobrar royalties mais altos dos produtores. Na safra anterior, cobrava R$ 0,60 por
saca e só atingia o Rio Grande do Sul; agora, a intenção da empresa é cobrar R$ 1,20 em todo o país”, afirma Duarte. Segundo Adão Pretto, deputado federal (PT-RS), a Monsanto conseguiu colocar seu produto no mercado e começa a lucrar com isso. “Dessa forma, o povo brasileiro vai perdendo a propriedade da semente. No futuro, teremos de plantar o que a Monsanto quiser. Nossa soberania sai enfraquecida”, diz Pretto. Os perdedores, para Duarte, são a população, que vai consumir produtos que não passaram por estudos de avaliação de riscos à saúde; o país, que se torna refém dos interesses de uma transnacional; e a rica biodiversidade brasileira, ameaçada
com intervenções possivelmente irreversíveis, danosas e inconseqüentes. Para Pretto, o governo também perde: “O presidente disse várias vezes que não ia editar essa MP. Além disso, já tinha tomado atitude similar duas outras vezes, em 2003, beneficiando os mesmos setores e o mesmo conceito. Reeditar a MP, então, representa um desgaste político muito grande”. Como conseqüência mais imediata, o país também perde economicamente. “Direta ou indiretamente, os transgênicos já levam à desvalorização da nossa soja no mercado externo”, afirma o deputado. Apesar de tudo, Pretto ainda consegue enxergar uma vantagem na edição da MP. “O projeto de
Tatiana Merlino da Redação Ao liberar o plantio da soja transgênica para a safra 2004/2005, o governo desconsiderou o princípio de precaução previsto no protocolo de Cartagena, do qual o Brasil é signatário, e ignorou os alertas de especialistas sobre as prováveis conseqüências dos transgênicos à saude e ao meio ambiente – águas contaminadas, plantações destruídas por pragas, empobrecimento da biodiversidade, solos improdutivos, alergia, diminuição da resistência do organismo a antibióticos e até desenvolvimento de células cancerígenas. Ventura Barbeiro, agrônomo da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace, considera a edição da MP “inaceitável” e ressalta que o uso intensivo de herbicidas contamina os lençóis freáticos e os solos. “Em locais onde já foram cultivados transgênicos, se observa significativa resistência de plantas daninhas tradicionais à lavoura de soja de alguns tipos de gramíneas”, afirma. Barbeiro lembra ainda o risco para a diversidade das sementes, que precisam ter a composição genética alterada para se tornarem compatíveis com os herbicidas. Mesmo quando as lavouras transgênicas são isoladas, pode haver contaminação das lavouras convencionais por meio do vento. As transnacionais asseguram que o plantio transgênico é mais econômico porque as sementes modificadas são mais resistentes a certos herbicidas – assim, sobrevivem a determinadas pragas com o uso de apenas um produto. A soja Roundup Ready, da Monsanto, por exemplo, é resistente ao Roundup (glifosato), produzido pela mesma transnacional. No processo de plantio da lavoura, as pragas criam imunidade à dose original do herbicida e o produtor é obrigado a aplicá-lo em proporções cada vez maiores. Esse tipo de cultivo pode provocar sérios impactos no ecossitema, pois o extermínio de algumas pragas
France Presse
Saúde corre risco com soja modificada
Nos Estados Unidos, onde o plantio de transgênicos é livre, cerca de 90 milhões de pessoas foram vítimas de alergias em 2001
não resistentes ao glifosato pode dar origem a outras e a insetos, mais fortes. Barbeiro lembra que a plantação de 500 milhões de acres de milho, soja e algodão geneticamente modificados nos Estados Unidos, desde 1996, aumentou o uso de pesticidas em torno de 18.650 toneladas, no período de oito anos. “Nos três primeiros anos de comercialização (1996-1998), as culturas geneticamente modificadas reduziram o uso de pesticidas em torno de 9.500 toneladas. Mas, de 2001 a 2003, mais 27.200 toneladas de agrotóxicos foram aplicadas em áreas de culturas transgênicas”, diz. O engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro chama atenção para uma outra enfermidade do solo
chamada de “morte súbita” na soja, que faz desaparecer grandes áreas de soja saudáveis do dia para noite, “devido a uma vigorosa infestação de fungos do tipo Fusarium, que destrói toda a planta. O agricultor chega na lavoura e toda a produção está morta”, revela.
SUBSTÂNCIAS CANCERÍGENAS Pinheiro lembra ainda que o glifosato é composto por substâncias potencialmente cancerígenas, entre elas a nitrosamina e a dioxina. “Uma área onde se utiliza glifosato não pode ser considerada segura para a produção de alimentos”, avalia. Para ele, o uso intensivo do glifosato é um dos problemas. “Ele também ameaça a fertilidade do solo e seu poder é cumulativo,
isto é, suas propriedades não são destruídas com facilidade”, esclarece. Na Argentina, onde o plantio de transgênicos é feito em grande escala, o número de agricultores que desenvolveram alergias tem crescido anualmente em decorrência do aumento da aplicação do glifosato. Nos Estados Unidos, onde o consumo de transgênicos é livre, cerca de 90 milhões de pessoas foram vítimas de alergias, em 2001, o que sugere que os alimentos podem causar danos à saúde, dizem especialistas. Em 2002, uma equipe de médicos italianos descobriu que ratos alimentados com soja transgênica apresentaram alterações nas estruturas internas das células do fígado e do pâncreas.
Lei de Biossegurança aprovado no Senado, atualmente em tramitação na Câmara, representa um retrocesso em relação àquele votado por nós. Eles passaram para cientistas, muitas vezes comprometidos com os interesses das transnacionais, a responsabilidade do governo – que tem, graças às eleições, compromisso com o povo – de liberar, ou não, os produtos transgênicos”, coloca Pretto. Ele acredita que a edição da MP dará mais fôlego à sociedade para se organizar e tentar mudar esse projeto. “Sem a MP, a Lei de Biossegurança seria votada ao atropelo. A mobilização pode aumentar a pressão para ajudar deputados que não querem entregar nosso patrimônio”, afirma Pretto.
Monsanto quer ampliar cobrança Após a edição da medida provisória que autoriza o plantio de soja geneticamente modicada, a Monsanto divulgou que pretende ampliar a área de cobrança de royalties sobre o uso de soja transgênica Roundup Ready. Até agora, a cobrança estava restrita ao Rio Grande do Sul. Ao contrário da lei que liberou o plantio de soja transgênica na safra 2003/2004, a nova MP não permite ao Ministério da Agricultura declarar áreas ou regiões como livre de transgênicos. Assim, os Estados não podem solicitar a concessão dessa condição ao governo federal. O governo do Paraná até agora vem tentando utilizar esse mecanismo em seu território, mas tem recebido contestações. Uma lei estadual proibiu o plantio de transgênicos no Estado e o governador Roberto Requião solicitou ao Ministério da Agricultura o status de área livre de transgênicos. A lei foi declarada inconstitucional recentemente, e o ministério jamais concedeu a condição de área livre para o Estado. A Monsanto informou que vai estudar novos sistema de cobrança de royalties nas regiões que plantarem soja transgênica. A idéia é adaptar a cobrança ao funcionamento da cadeia produtiva de cada pólo produtor. O novo preço a ser cobrado pelo uso da soja transgênica será de R$ 1,20 por saca de soja. Na safra 2003/04, a companhia cobrou R$ 0,60 por saca. A Monsanto demonstrou sua satisfação pela edição da Medida Provisória 223 que, em sua avaliação, abre caminho para a legalização de produtos geneticamente modificados no Brasil. Segundo Altair Bunde, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o aumento da cobrança de royalties será um “desastre”. Bunde afirma que o MPA combate os transgênicos e acredita que a soja vai passar “por um período negro, de muita crise”. (TM)
8
De 21 a 27 de outubro de 2004
NACIONAL SOBERANIA ALIMENTAR
EUA tentam obter apoio do Vaticano Oradores defendem transgênicos em conferência patrocinada pela embaixada estadunidense junto à Santa Sé em novembro do mesmo ano, em seminário promovido pelo próprio cardeal Martino, com sessenta especialistas, na maioria defensores da biotecnologia agrícola. Na verdade, o Vaticano, naquela ocasião, pressionado pelos Estados Unidos e pelas multinacionais, de um lado, e do outro pelos missionários e pelas organizações ecologistas, preferiu permanecer indefinido. Mas o tema da conferência realizada dia 24 de setembro na Uni-
J
á em junho de 2003, ao participar de uma conferência em Sacramento, Califórnia, EUA, o cardeal Renato Martino, presidente do Pontifício Conselho de Justiça e Paz havia salientado o interesse do Vaticano pela questão dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Esse interesse foi reconfirmado
versidade Gregoriana, em Roma, sob o patrocínio da Embaixada dos Estados Unidos junto à Santa Sé, e da Pontifícia Academia de Ciências, já era indicativo da opção pelos transgênicos: “Alimentar um mundo faminto: o imperativo moral da biotecnologia”. Os oradores foram todos a favor dos OGMs, entre eles o professor de genética molecular Channapatna Prakash e o diretor do Jardim Botânico do Estado do Missouri, EUA, também membro
ENTREVISTA
Ativista denuncia estratégia para consolidar OGMs Ao participar da conferência da Universidade Gregoriana, Luca Colombo, porta-voz do Greenpeace na Itália, diz que os promotores do evento tentaram dar um “caráter científico” a uma posição já consolidada.
Quem é Luca Colombo integra a direção técnico-científica do Conselho de Direitos Genéticos e é responsável pela campanha contra OGMs do Greenpeace.
Não faltam, dentro da Igreja, posições hostis aos transgênicos, a começar das Conferências dos Bispos dos Estados Unidos e África do Sul. Mas essas vozes foram pouco ouvidas na conferência da Universidade Gregoriana. Luca Colombo – Esta última conferência não foi mais ideológica ou dogmática em relação às outras: todas são mais ou menos pensadas com o mesmo objetivo, ou seja, de tentar dar um caráter científico à tomada de posição já assumida pelos promotores desses eventos. Mas um documento da Igreja como tal em relação a esse assunto nunca foi publicado, a despeito das pressões de personalidades como o cardeal Martino e o reverendo Miranda. Os jesuítas, por exemplo, seguem a questão de maneira mais crítica. Muitos exprimem opiniões claramente contrárias aos OGMs.
Do ponto de vista de marketing, o fato de que tenha sido realizada naquela sede dava a entender que existia uma adesão mais ampla da parte da Igreja do que realmente há. O objetivo é sobretudo obter uma aprovação da parte do Vaticano que de algum modo melhore a imagem social dos OGMs. Houve porém algumas críticas... Colombo – Houve um momento de confronto. O irlandês Sean McDonagh afirmou que não é com uma resposta de caráter técnico que se enfrenta um problema social e enfatizou como o drama da fome é causado também por escolhas básicas incorretas, como aconteceu, por exemplo, precisamente na Irlanda: ter centralizado na batata a segurança alimentar irlandesa no século 19 fez surgir um patógeno fúngico que liquidou a base da subsistência alimentar e provocou muitas mortes. Depois disso, McDonagh pediu novamente a palavra, mas lhe foi negada. De resto, não se trata de
Então é muito estranho que a conferência tenha sido realizada na Universidade Gregoriana, que é dos jesuítas. Colombo – Sim, é muito estranho.
da Pontifícia Academia de Ciências, Peter Raven, segundo os quais até hoje não foi comprovado dano por transgênicos. Convém notar que esse Jardim Botânico fica em Saint Louis, sede mundial da Monsanto. O decano de bioética do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum, reverendo Gonzalo Miranda, apresentou a justificativa teológica do uso dos OGMs: o homem é um ser especial criado à imagem e semelhança de Deus e enquanto tal pode
intervir na criação sem que isso o coloque em competição com o Criador. A preocupação do papa se refere, segundo Miranda, à modalidade da manipulação, não à manipulação em si. Enfim, na opinião de Miranda, a condenação dos OGMs não pode ser justificada pelas vantagens das empresas, pois “o lucro pode desempenhar uma importante função de estímulo ao aumento da produção e a serviço do homem e da sociedade”.
Agência Brasil
Claudia Fanti de Roma (Itália)
um fato novo. Em junho, quando no Regina Apostolorum foi organizado um debate análogo, alegando-se que os trabalhos se tinham prolongado, foi negado o espaço para debates. Todavia, um professor universitário que tinha pedido a palavra com insistência conseguiu por fim intervir, apresentando suas perplexidades de modo muito elegante e educado. E foi, ao contrário, maltratado. Esse comportamento arrogante se observa de maneira muito forte. Há uma barreira hermética contra um confronto mais equilibrado e fundado na disponibilidade para ouvir a parte contrária. Qual o seu parecer a respeito das intervenções dos representantes do mundo eclesiástico? Colombo – Gonzalo Miranda alongou-se numa série de elementos de discernimento moral que ele referiu à doutrina social da Igreja, sustentando-os em passagens do Concílio Vaticano 2º e em intervenções do papa. Tudo isso, porém, com uma interpretação de sentido único, em que elementos que causam evidente preocupação foram invertidos em função da sua tese. Além disso, a intervenção do papa no Jubileu da Terra, durante o Ano Santo de 2000, foi completamente omitida, apesar de o Jubileu da Terra ter sido exatamente o momento
Governo dos EUA defende transgênicos para acabar com a fome no mundo
escolhido pela Igreja para falar das problemáticas vividas pelos agricultores. E quanto à ausência de Prabhu Pingali, representante da FAO, braço da Organização das Nações Unidas para políticas de alimentação? Colombo – Não foi dada nenhuma explicação para a sua ausência. Neste momento, a FAO está sofrendo forte crítica dos mo-
vimentos sociais por ter apresentado os OGMs, no seu relatório anual, como um instrumento potencial contra a fome no mundo. E Pingali está entre os que mais defendem a abertura aos transgênicos. Portanto, é bem possível, embora não haja elementos para provar isso, que a FAO tenha preferido não se expor mais sobre esse tema, diante das fortes críticas feitas pela sociedade civil. (Adista, www.adista.it)
QUESTÃO INDÍGENA
João Alexandre Peschanski da Redação O assassinato do indigenista Apoena Meireles, dia 9, deve aumentar os casos de conflitos agrários em Rondônia. A opinião é de integrantes de entidades que atuam no Estado, a Associação Ocareté e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Meireles estava em Rondônia para mediar negociações entre lideranças da população Cinta-Larga e garimpeiros, além de fechar focos de mineração. A área é rica em minerais, principalmente ouro e diamante. Meireles foi morto em Porto Velho, capital do Estado, durante um assalto. De acordo com a Polícia Civil de Rondônia, o crime “não teve razões políticas”. Para Flávio Bassi, da Ocareté, as conseqüências do assassinato serão, estas sim, políticas: “O maior impacto de sua morte é o enfraquecimento da esperança de resolução de conflitos na região e o sentido de perda de um aliado essencial por parte dos índios”. Por conta do garimpo, dezenas de índios e garimpeiros foram assassinadas no ano passado. Rondônia é uma das áreas onde mais há conflitos agrários no Brasil. No ano passado, segundo o Caderno de Conflitos no Campo, publicação
Agência Estado
Conflitos devem recrudescer em Rondônia
Povo Cinta-larga vive em meio a constantes ameaças de garimpeiros e latifundiários
da CPT, foram 39, nos quais morreram, pelo menos, oito pessoas. Com base na pesquisa, o Estado foi o terceiro em números de assassinato no meio rural, superado apenas por Pará e Mato Grosso. No estudo, não são contabilizados os enfrentamentos ligados ao garimpo. Para Jair Bruxel, da CPT de Rondônia, os dados de 2004 indicam tendência para piorar a si-
tuação. “No Estado, os problemas dificilmente são resolvidos dentro da lei. Há tentativas, como a criação (pelo governo federal) de uma Comissão de Mediação e Intervenção em Conflitos, mas essa é inoperante”, explica. Segundo ele, há dois fenômenos que impedem a resolução pacífica dos enfrentamentos: o controle da economia do Estado por grandes fazendeiros e a
falta de coordenação das instituições públicas. O integrante da CPT denuncia o que chama de uma lógica perversa: “em Rondônia, o desenvolvimento da sociedade é orientado pelas decisões de grandes fazendeiros. Para estes, ter altos lucros é mais importante do que garantir a vida da população da região”. Ele afirma que, em áreas onde poderiam ser assentadas cente-
nas de milhares de famílias, há pasto para gado e grandes monoculturas, principalmente de soja. Em Rondônia, há 1,8 milhão de habitantes e 10 milhões de cabeças de gado. “O chefe da União Democrática Ruralista (UDR) no Estado, Sebastião Conte, é o principal latifundiário da região. Ele tem 33 mil hectares de terra, muitas delas em áreas ilegais, como reservas indígenas. O governador Ivo Cassol não faz nada, pois tem interesses diretos com os grandes fazendeiros”, analisa Bruxel. Para ele, enquanto o Estado beneficiar os grandes proprietários de terra, os conflitos vão continuar, pois “os latifundiários, na busca do lucro, querem passar por cima de tudo, incluindo a vida de muitas pessoas que os incomodam, como índios e famílias sem terra”. Bassi acredita que pessoas como Meireles são essenciais para resolver enfrentamentos no campo. Para ele, os indigenistas têm a função de representar os interesses dos mais desfavorecidos dentro do Estado. Nesse sentido, ele defende que a resolução de conflitos se dá mais por meio da atuação de figuras como Meireles do que com a participação de instituições públicas em si. No caso dos índios, conclui: “A morte do indigenista desestabiliza qualquer presença do Estado em conflitos na região”.
Ano 2 • número 86 • De 21 a 27 de outubro de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO
Acordo com Europa ignora trabalhador Jorge Pereira Filho da Redação
O
governo brasileiro, no âmbito do Mercosul, negocia um tratado de livre comércio com a União Européia sem saber o impacto que o acordo terá sobre seus cidadãos. O próprio chefe do Departamento de Negociações Internacionais do Ministério de Relações Exteriores, Regis Arslanian, confirmou que o governo desconhece os efeitos na vida do trabalhador da oferta já oficializada aos europeus. “Não há estudo a respeito disso, ainda, porque a negociação não foi encerrada”, justificou o embaixador, em São Paulo. Ocorre que, embora ainda não tenham chegado a um consenso, Mercosul e União Européia oficializaram propostas que têm reflexos nada desprezíveis sobre a vida de seus cidadãos. Os governos dos países sul-americanos aceitaram, por exemplo, eliminar ou reduzir as tarifas de cerca de 90% dos produtos industriais importados da União Européia. Pela última oferta – considerada insuficiente pelos europeus –, o Mercosul acabaria com as tarifas sobre os automóveis fabricados na Europa em 20 anos, gradualmente, facilitando a importação. Com as restrições atuais, as montadoras instaladas no Brasil, ano a ano, já estão reduzindo o número de trabalhadores em suas fábricas. Se o acordo for assinado nos termos propostos, as empresas poderão optar por fabricar alguns modelos apenas no exterior, cortando a produção no Brasil e eliminando ainda mais vagas. Ou seja, a medida tem forte conseqüência sobre os trabalhadores do ramo automobilístico. “Não há grande interesse em saber o impacto dessas propostas no emprego”, avalia o cientista político Antonio Castro, assessor da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (veja reportagem abaixo).
Dida Sampaio/Agência Estado/AE
Itamaraty desconhece impactos sobre emprego das ofertas feitas pelo Mercosul à União Européia
Encontro no Palácio do Itamaraty, em Brasília, para tratar, entre outros assuntos, da inclusão do Programa Agricultura Familiar no acordo do Mercosul
e do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, se encontraram com representantes de movimentos sociais, sindicatos e organizações não-governamentais (ONGs), em Brasília. Dia 15, foi a vez do embaixador Regis Arslanian comparecer a um seminário promovido pela Aliança Social Continental (articulação de sindicatos e ONGs do continente americano) e Fundação Rosa Luxemburgo, ligada à agremiação alemã Partido do Socialismo Democrático (PDS). Nas duas ocasiões, os representantes do governo expuseram a situação atual das negociações, ouviram as críticas das organizações, mas reafirmaram a intenção em prosseguir com a negociação e, se possível, concluí-la até 31 de outubro. “Nós saímos bastante preocupados do encontro, principalmente pela convicção do ministro em assinar o acordo”, resumiu Altacir Bunde,
DIÁLOGO Nos últimos dias, os movimentos sociais que se opõem à assinatura do acordo com a União Européia tiveram duas oportunidades para se posicionar frente ao governo brasileiro. Dia 14, os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim,
da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Segundo ele, Amorim acredita que um acerto com a União Européia aliviaria a pressão externa e interna para o Brasil aderir à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O chanceler teria dito que espera maior disposição por parte dos Estados Unidos para fechar o acordo depois das eleições, em novembro. “Para nós, esse argumento é injustificável. Não conhecemos os impactos do acordo com os europeus na economia brasileira. Pedimos ao governo que não assinasse o tratado e fizesse um debate com a sociedade”, conta Bunde.
GARANTIAS Em São Paulo, o embaixador Regis Arslanian procurou diferenciar as negociações com a União Européia das discussões da Alca. “A agenda da Alca não existe na União Européia. A negociação está concentrada em acesso a mercados.
Não estamos dispostos a mudar leis em nossos países para ter um acordo de comércio ambicioso”, explicou o chefe do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty. Segundo ele, as propostas, no máximo, limitam-se à discussão de acesso a mercados ou, então, consolidam garantias jurídicas e institucionais que os investidores europeus já dispõem. “Tenho de reconhecer que, se chegarmos a um acordo com a União Européia e, depois, quisermos limitar a atuação das empresas de pesca estrangeiras, não poderemos fazer isso com as empresas européias. É o preço que teremos de pagar e estamos dispostos a pagar esse preço. Mas, pelas propostas feitas até então, os custos e benefícios não compensam e há um desequilíbrio muito grande nas negociações”, disse Arslanian.
LIMITAÇÕES Se assinado, o acordo com os
“Estamos trocando empregos industriais por empregos no campo”, alerta o cientista político Antonio Castro, assessor da Confederação Nacional dos Metalúrgicos. A pedido da Aliança Social Continental (articulação de sindicatos e ONGs do continente americano) e da Fundação Rosa Luxemburgo, o pesquisador realizou um estudo do impacto das ofertas feitas pelo Mercosul à União Européia sobre os trabalhadores brasileiros. A conclusão é que o acordo, se assinado, aumentaria o desemprego nas metrópoles. Isso ocorreria em função da disparidade das duas economias regionais e, sobretudo, pelo o que os dois blocos comerciais estão almejando nas negociações. Na questão de acesso a mercados, os países sul-americanos pretendem ampliar as exportações agrícolas. Quanto aos europeus, querem vender bens industriais aos países do Mercosul, a exemplo de automóveis, de maior valor agregado.
REJEIÇÃO “A questão é que as tarifas da União Européia para a importação de bens industriais são baixas, com exceção das que incidem sobre produtos agrícolas beneficiados”, acrescenta Castro. Em média, as taxas
Agência Brasil
Uma grande ameaça ao emprego
Sul-americanos se iludem em ganhar com exportações agrícolas
européias estão em 4%. Assim, os países sul-americanos sentiriam mais a abertura comercial, pois, hoje, suas tarifas estão na faixa de 12%. “Se o acordo sair, vamos perder empregos industriais. Será que vamos ganhar empregos agrícolas para suprir isso?”, questiona o cientista político.
Outro problema é a qualidade do emprego que se perde. Segundo Castro, o emprego industrial é mais qualificado, melhor remunerado e permite uma condição de vida melhor ao trabalhador. Além disso, está localizado sobretudo nas metrópoles, onde, atualmente,
as taxas de desemprego são mais altas. “Já o emprego agrícola é sazonal, informal e, em muitos casos, precarizado. Foi constatada situação de trabalho escravo em produção de café, um produto voltado para a exportação”, lembra Castro. O estudo de Castro e outros pesquisadores foi apresentado em seminário organizado pela Aliança Social Continental e a Fundação Rosa Luxemburgo, em São Paulo. Entre os dias 15 e 16, dezenas de organizações sociais discutiram as relações econômicas e as negociações da União Européia com a América do Sul. Na declaração final do encontro, as entidades reafirmam a necessidade de rejeitar a atual agenda em negociação e de construir outra pauta para as relações com o bloco europeu. As organizações propõem, também, um aprofundamento da aliança com movimentos sociais europeus, com objetivo de “fazer um chamado às organizações populares européias para incorporar a campanha conjunta do povo latino-americano sobre o livre comércio e transnacionais”. A íntegra da declaração está na página da Aliança (www.asc-hsa.org). (JPF)
europeus consolidaria os atuais padrões normativos e jurídicos da economia brasileira que, desde o início dos anos 90, passaram por um processo de liberalização iniciado por Fernando Collor e continuado pelos governos seguintes. Assim, se um presidente quiser, com apoio popular, restringir o acesso dos investidores estrangeiros em telecomunicações na defesa do interesse nacional, os europeus não poderiam ser prejudicados com a medida. “O acordo consolida a situação de perda de capacidade dos Estados e da autonomia regional, garantindo maior segurança jurídica às transnacionais. Teremos mais dificuldade em mudar nossas constituições”, avalia Miguel Alberto Sánchez, pesquisador da Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA). Arslanian garantiu, no entanto, que o Mercosul não vai ceder mais em algumas áreas nas quais os europeus fazem exigências como, por exemplo, a autorização para que as empresas da União Européia possam pescar no mar territorial brasileiro e vender o peixe como se fosse europeu. “O Marrocos aceitou uma proposta como essa e perdeu todos os seus cardumes”, contou Arslanian.
AGENDA NOVA Para alguns representantes do movimento social, o diálogo com o Itamaraty significa um avanço na relação do governo com a sociedade civil – algo que nunca ocorreu em gestões anteriores. “Não é verdade dizer que nada mudou nessa questão. Não podemos deixar de ver que mudou a postura do governo e também o conteúdo da negociação”, avaliou Gustavo Codas, da Aliança Social Continental. No entanto, ele considera que o Itamaraty está se restringindo a atuar dentro dos parâmetros já estabelecidos. “Parece que o Itamaraty não está disposto a propor uma agenda alternativa e se limita a discutir a agenda atual, reduzindo o impacto de algumas propostas feitas”, considera. Segundo Codas, o contexto geopolítico pede a retomada de alguns temas que estão encobertos pela agenda neoliberal. “Queremos que as negociações respondam às assimetrias do mundo de forma progressista. O mundo é assimétrico e tem de haver preferências para os países subdesenvolvidos”, opinou.
10
De 21 a 27 de outubro de 2004
AMÉRICA LATINA BOLÍVIA
Camponeses em defesa da soberania da Redação
Bolivianos, à industrialização dos derivados em território boliviano. Um sim para que o dinheiro desse elemento fundamental seja utilizado primordialmente em educação, saúde e infra-estrutura”. Enquanto isso, indígenas Quíchua, Aimara e Guarani, bem como trabalhadores e estudantes que marcharam durante dias, apóiam a volta da propriedade estatal sobre a produção, comercialização e transporte de petróleo e derivados. “Lutamos pela nova política de derivados de petróleo, marchamos para acabar com o Estado concessionário”, disse Morales. “Se o Congresso não aprovar a nova lei, com certeza a situação pode se agravar”, acrescentou. Os camponeses se opõem ao plano do presidente Mesa, o qual afirma que o referendo só aprovou a propriedade estatal dos poços de petróleo; saindo dos poços, o petróleo poderia ser vendido a empresas privadas. O presidente sugere um aumento de 18% para 50% dos impostos sobre o petróleo privado nos próximos quinze anos. (La Jornada, www.lajornada.unam.mx)
M
ilhares de camponeses bolivianos, com o líder cocalero Evo Morales à frente, chegaram à capital La Paz, dia 17, para fazer uma manifestação diante do Congresso em favor da volta do controle estatal sobre os derivados do petróleo. A marcha assinala o primeiro aniversário da revolta popular, com 56 mortos e 411 feridos, que visou interromper a exportação de gás por um porto no Chile, país com o qual a Bolívia tem um conflito territorial. A revolta levou à derrubada do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada e à posse do atual presidente Carlos Mesa. Em mensagem pelo seu primeiro ano de governo, Mesa disse que não há motivo de “luto”, mas sim de uma “festa nacional”, porque “somos um país melhor”. Assinalou que o referendo do dia 18 de julho disse “sim à venda do gás, a maiores impostos em favor dos bolivianos, à recuperação da propriedade do Estado sobre os poços de petróleo, ao fortalecimento da empresa Yacimientos Petrolíferos Fiscales
AFP Photo/Aizar Raldes
Milhares de pessoas fazem manifestação diante do Congresso pela reestatização dos derivados de petróleo
A volta da propriedade estatal sobre a produção, a comercialização e transporte de petróleo e derivados são alvos da luta
HAITI
Lançada consulta popular sobre livre comércio
Partidários querem retorno de ex-presidente
José Coronado de Lima (Peru) Começou, dia 12, em Lima, a coleta de assinaturas para exigir a convocação de uma consulta popular sobre a assinatura ou não do Tratado de Livre Comércio com os EUA (TLC). O movimento, que reúne organizações sociais, populares e camponesas, faz parte da Campanha Peruana Contra o Tratado de Livre Comércio com os EUA (TLC) e Contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), campanha conhecida pela sigla NoAlca. O lançamento do abaixo-assinado ocorre em meio a uma crescente rejeição entre o povo peruano à forma como são feitas as negociações por parte do governo. Apesar das dificuldades – no início, os órgãos eleitorais se opuseram ao movimento –, os organizadores do abaixo-assinado conseguiram a autorização necessária, bem como as planilhas para registro das assinaturas. O secretário-executivo da Campanha, Washington Mendoza, dirigente da Confederação Camponesa do Peru (CCP), disse que, só no primeiro dia e só na Praça Dois de Maio, no centro de Lima, foram obtidas milhares de assinaturas. Além da CCP, participam da NoAlca a Confederação Geral de Trabalhadores do Peru (CGTP), a Central Unitária de Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional Agrária (CNA), o Conselho de Organizações da Micro, Pequena e Média Empresa (Compympe), organizações de mulheres, conselhos profissionais e várias orga-
AFP Phot0/Alejandra Brun
PERU
Cinthia Reis de São Paulo (SP)
Somente no primeiro dia de campanha, foram coletadas milhares de assinaturas na Praça 2 de Maio, Centro de Lima
nizações não-governamentais. As entidades consideram que os Estados Unidos estão impondo suas condições a um governo que não só se submete aos estadunidenses, como também busca satisfazer as exigências dos setores econômicos e políticos neoliberais do próprio Peru. Um dos setores mais ativos contra o TLC são as organizações camponesas e agrárias, por considerarem que, assinado o tratado, a agricultura peruana, já abandonada há tempo pelo governo, simplesmente corre o perigo de desaparecer, diante da competição
ilegal com a invasão de produtos agropecuários importados.
ESCÂNDALO E CORRUPÇÃO A crise da agricultura e a pobreza rural estão em crescente aumento, ainda mais porque ocorre seca prolongada, não há investimentos públicos para o setor, os preços agrícolas não melhoram e não existe financiamento para pequenos produtores e comunidades camponesas. A isso se somam a tradicional insegurança da propriedade jurídica das comunidades e os crescentes conflitos com as
transnacionais da mineração, como acaba de acontecer em Cajamarca, no norte do Peru, onde os camponeses iniciaram uma greve por tempo indeterminado contra a exploração da mineração na região de cultivo e de reserva de água doce. A campanha contra o TLC se dá numa situação em que o governo neoliberal do presidente Alejandro Toledo conta com um índice de aprovação que mal supera os 10% e em que ocorrem greves e manifestações, em particular contra os escândalos de corrupção que envolvem o próprio presidente.
GRITO DOS EXCLUÍDOS
Mobilizações mostram resistência contra Alca Luiz Bassegio de São Paulo (SP) O dia 12 de outubro foi marcado por diversas jornadas de luta e resistência dos povos das Américas contra os governos neoliberais e, sobretudo, contra o imperialismo que massacra e excluiu os povos do direito à dignidade com trabalho, justiça e vida. As distintas mobilizações, nos diversos países, marcaram firmemente a luta dos povos contra os mecanismos de dominação e exploração dos detentores do poder. Foram marchas
e jornadas contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o Fundo Monetário Internacional (FMI), as dívidas, as privatizações, as guerras e a militarização. Na Costa Rica, mais de 30 mil pessoas foram às ruas protestar contra a impunidade, a corrupção e o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos. Na Bolívia, o Fórum sobre o Livre Comércio e a Militarização mobilizou lutadores do povo que marcaram firme posição na luta contra os tratados de livre comércio. Na Nicarágua, o Grito se somou à luta contra a privatização
da água, além de estar no calendário de mobilizações da luta campesina e dos migrantes desse país. Porto Rico lançou uma campanha educativa contra a Alca. Na Colômbia, o Grito expressou a mobilização de diversos grupos na greve geral que paralisou mais de 700 mil trabalhadores. Grito dos Excluídos da Cidade. Foi assim que a República Dominicana denominou as mobilizações do Grito, com o lançamento da “Campaña Desalojos Cero”. No Panamá, diversas organizações populares realizaram atividades de luta e consciência. Em todas
as mobilizações, não faltaram criatividade, simbologia e ousadia popular, marcas das mobilizações do Grito que, a cada ano, cresce em seu propósito de ser uma instância animadora e apoiadora das diversas lutas contra o modelo neoliberal, contra o domínio imperialista. Segundo os s organizadores do Grito, a próxima tarefa é “refletir sobre os passos dados até aqui, superar as diferenças, os limites e seguir avançando no sonho e na luta por trabalho, justiça e vida”. (Colaborou Luciane Udovic, da Secretaria do Grito Continental).
Deposto na madrugada de 29 de fevereiro, por golpe patrocinado pelos Estados Unidos, o ex-presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide, está recebendo apoio crescente do movimento legalista Lavalas, que defende seu retorno ao país. O movimento dos partidários do ex-presidente Aristide se une aos nacionalistas, o que, diante da ocupação do Haiti por forças internacionais, compõe um quadro de instabilidade no país. Dia 5, manifestantes legalistas exigiam a retirada da polícia controlada pelas forças de ocupação e o imediato retorno do ex-presidente, tendo sido decapitado um ex-militar em Porto Príncipe. Foi o início de um confronto que só nas primeiras 24 horas matou 45 pessoas na capital do Haiti, incluindo sete policiais, dos quais três foram decapitados. Vendo a situação sair do controle, o primeiro-ministro, Gerard Latortue, se reuniu com o general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira e com as autoridades da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah) e prometeu uma “resposta enérgica” à ação dos grupos pró-Aristide, se referindo a eles como “gangues criminosas”. A polícia promoveu uma violenta invasão em bairros pobres do país, matando pelo menos quinze legalistas simpatizantes do ex-presidente. No dia seguinte, já com a participação dos soldados brasileiros da Minustah e suporte aéreo, a polícia de Gerard Latortue realizou uma grande operação no centro da capital, prendendo 75 simpatizantes de Aristide, incluindo o ex-presidente do Senado, Yvon Feuillé, e o ex-deputado Rudy Herrivaux. A fúria das forças oficiais contra os simpatizantes do presidente deposto continuou e, dia 8, a polícia haitiana matou mais quatro legalistas. Em entrevista à emissora pública SABC, o presidente deposto comentou a situação explosiva do Haiti e disse que poderia ser parte da solução para a crise. O governo dos EUA recomendou a seus cidadãos que não viajem para o Haiti.
11
De 21 a 27 de outubro de 2004
INTERNACIONAL INGLATERRA
Milhares marcham contra ocupações Verena Glass de Londres (Inglaterra)
C
erca de 70 mil pessoas, segundo os organizadores – 20 mil, para a polícia –, tomaram as principais avenidas de Londres dia 17, em uma grande marcha contra a guerra, contra George W. Bush, contra Tony Blair, contra Ariel Sharon e pela desocupação dos territórios iraquiano e palestino. Ventou, choveu, a polícia bateu em alguns manifestantes e prendeu outros. Mas no fim da tarde o sol apareceu e o Fórum Social Europeu (FSE) 2004 terminou bem. A temática da guerra foi o ponto central da assembléia da Rede de Movimentos Sociais. Desde que os serviços de inteligência estadunidenses afirmaram oficialmente que a justificativa da invasão do Iraque – a presença de armas de destruição em massa no país – é infundada, o movimento social e os partidos de esquerda britânicos vêm intensificando os ataques contra o primeiro-ministro Tony Blair, partindo da premissa de que ele mentiu ao país e cometeu um crime de guerra, pelo qual deve responder na Justiça. Na declaração final, se afirma que as mobilizações até 2005 devem se concentrar na “retirada de todas as tropas de ocupação do Iraque, na suspensão imediata dos bombardeios e na restituição da soberania ao povo iraquiano”. Sobre o “Muro do Apartheid” na Palestina, os movimentos, de acordo com a condenação do muro pela Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas e pelos países europeus na Assembléia-Geral da ONU, exigem a imediata desocupação israelense da Palestina e a destruição do muro.
Carl de Souza/AFP
As principais avenidas de Londres foram tomadas por manifestantes que participaram do Fórum Social Europeu
Participantes do Fórum Social Europeu repudiam a guerra em manifestação pelas ruas de Londres; segundo organizadores, o evento reuniu cerca de 70 mil pessoas
“Exigimos sanções políticas e econômicas contra o governo israelense enquanto continue violando as leis internacionais e os direitos humanos do povo palestino. Nesse sentido, organizaremos uma semana de mobilizações internacionais entre os dias 9 e 16 de novembro, e um Dia Europeu de Ação, em dezembro, no aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU”, afirma o documento.
A ratificação da Constituição Européia pelos países-membros, que deve ocorrer dia 29, foi condenada no documento: “O projeto faz (do conceito) da competição a base legal da comunidade européia (...). Ignora completamente os preceitos de uma sociedade ambientalmente sustentável. Este tratado constitucional não garante direitos iguais a todos, o livre trânsito para todas as pessoas, e cidadania para todos os que vivem
em um país, independentemente de sua origem. Dá à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) um papel de destaque na política externa e na defesa da Europa, e dá impulso à militarização da União Européia. Por fim, privilegia os mercados e marginaliza os setores sociais, desestruturando principalmente os serviços públicos”. É exigida uma consulta direta à população sobre a Constituição.
Estão planejadas grandes mobilizações em Roma, dia 30, durante o processo de ratificação da Constituição; protestos massivos durante a reunião anual da Otan em Nice, na França, em fevereiro de 2005, e manifestações durante a reunião do G8 (grupo dos países mais industrializados do mundo mais a Rússia) na Escócia, em julho de 2005. (Agencia Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)
ESTADOS UNIDOS
Manifestantes chamam Bush de mentiroso Manifestantes se reuniram ao pé do Lincoln Memorial, no mesmo lugar em que, em 1963, Martin Luther King começou com a frase “Eu tenho um sonho” o seu famoso discurso em defesa dos direitos civis. Os manifestantes de 2004 também têm um sonho: afastar George W. Bush. Por isso promoveram, em Washington, dia 17, uma marcha de 150 mil pessoas, vindas de todos os Estados da União. Diante do mausoléu de Lincoln, o presidente que pôs fim à escravidão nos Estados Unidos, se encontram os dois pontos polêmicos da política estadunidense: a crise econômica e a guerra no Iraque. “Onde estão as armas de destruição de massa? Onde estão os empregos” – estava escrito em um cartaz. Os manifestantes deixam claro seu recado: Bush, com nariz de Pinóquio e bigode de Hitler, é o inimigo de todos. Sem muito destaque na grande mídia, o relatório da Agência de Inteligência Estadunidense (CIA) revelou que, desde 1991, o governo iraquiano não possuía bombas químicas, biológicas ou nucleares. Em março, Bush justificou a invasão do Iraque, publicando um dossiê sobre a existência de armas de destruição em massa no país. “Para o povo dos Estados Unidos, não há mais dúvida: Bush forjou provas para justificar a invasão do Iraque. Ele mentiu, deliberadamente. Cada vez mais está claro que o que ocorre no Iraque não é uma guerra, mas um massacre.” A opinião é do pesquisador estadunidense Sam Hamod, especialista em estudos sobre o Islã e o Oriente Médio, para
quem o povo dos Estados Unidos precisa dar um basta ao massacre. Até outubro, cerca de 15 mil civis iraquianos haviam sido mortos por ataques promovidos por soldados estadunidenses e da coalizão. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele denuncia a “covardia” da grande mídia internacional: “Os meios de comunicação não deram importância ao fato de que Bush mentiu e de que o ataque é, em todos os níveis, injustificável. As informações sobre a violência no
Iraque já entrou no cotidiano das pessoas, não faz diferença a razão pela qual as bombas caem e as pessoas são mortas em (cidades iraquianas, como) Samarra e Fallujah. Ninguém teve a decência de questionar as ações do governo”. Hamod afirma que, até as eleições de 2 de novembro, organizações sociais estadunidenses vão promover palestras em diversas cidades para explicar os verdadeiros motivos que levaram Bush a invadir o Iraque. “As pessoas pre-
cisam saber que o sangue iraquiano é o preço da gasolina com a qual abastecem seus carros”, diz.
ESCOLHER KERRY? Para as pessoas que protestaram em Washington, o desafiante de Bush, o democrata John Kerry, não é o presidente desejado. “Onde está a diferença?”, perguntou à multidão um dos organizadores da manifestação, Ralph Schoenman. “Bush quer continuar a ocupação do Iraque, e Kerry também quer.
Bush não se preocupa com os trabalhadores, Kerry também não. Qual é a verdadeira alternativa?” A maior parte dos pacifistas pede a retirada imediata dos militares do Iraque. Kerry, entretanto, continua a bater na tecla do patriotismo, ostentando suas medalhas militares. Para Hamod, as mobilizações antes das eleições precisam ter dois objetivos: “Rejeitar o atual presidente e deixar claro para Kerry que os estadunidenses não querem a continuidade da política de Bush”.
A grande mídia encobre a situação no Iraque O professor de jornalismo Dimas Antônio Künsch assinala os riscos que se corre ao depender das informações da grande mídia para entender o que ocorre no Iraque: os três principais semanais brasileiros – Época, IstoÉ e Veja – não cobrem a situação do país, mas encobrem. Com base em uma pesquisa, que realizou na Universidade de São Paulo (USP), ele concluiu que os semanais são igualmente ruins. Brasil de Fato – Pelas informações que se recebe da grande mídia, é possível saber o que ocorre no Iraque? Dimas Antônio Künsch – Objetivamente, não. Consegue o efeito contrário: a desinformação. Grande parte da mídia não cobre o que ocorre no Iraque, mas encobre. Fiz uma pesquisa de um ano (de 11/09/2002 a 11/09/2003), coletando tudo o que as três maiores revistas brasileiras – Época, IstoÉ e Veja – publicaram sobre o Iraque e os países do assim chamado Eixo do Mal (termo cunhado pelos EUA para designar os países que supostamente seriam
Quem é Professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo (SP), Dimas Antônio Künsch é especialista em ciência da comunicação. Ele é autor de Maus Pensamentos: os Mistérios do Mundo e a Reportagem Jornalística (Annablume). uma ameaça para o mundo ocidental, como Afeganistão, Coréia do Norte e Iraque). BF – Por que apenas estas três revistas? Künsch – Semanais não têm desculpa por não aprofundar suas reportagens. Têm a obrigação de fazer jornalismo que traga compreensão e mostre os nexos e contextos das informações. Não podiam cair no argumento fácil de que, em uma guerra, tudo é rápido e, por isso, pode haver erros. BF – Quais foram as conclusões da pesquisa?
Helena N. Ribeiro
Gianluca Iazzolino e João Alexandre Peschanski de Washington (EUA) e da Redação
Künsch – As revistas são igualmente ruins. O destaque vai para a Veja, pró-estadunidense até o último fio de cabelo, que fez uma cobertura – ou encobrimento, como preferir – vergonhosa e arrogante. As reportagens dos três semanais foram superficiais, baseadas apenas em informações de agências internacionais e cheias de vícios. A linha editorial, por conta disso, sempre foi a partir do foco dos Estados Unidos. Além disso, há algo horrível: as fontes eram todas do poder. Na conta, as referências não chegam a 15 pessoas, como o presidente estadunidense, Ge-
orge W. Bush e seus secretários de Defesa e de Estado, Donald Rumsfeld e Colin Powell. Do lado inimigo, aparecia Sadam Hussein e seus filhos. BF – Por que as revistas adotaram esta estratégia? Künsch – Existe o argumento de que a grande mídia brasileira atende a interesses do imperialismo. Não discuto as relações estreitas que existem entre os conglomerados de mídia e os Estados Unidos, mas o fenômeno não é só isso. No caso do Iraque, transparece um vício da mídia: a fragmentação. De tanta informação, que chega em picados, não se consegue entender mais nada. Aliás, o propósito é este: informar, mas sem trazer conhecimento. Nesse sentido, o pós-guerra é igual à guerra, que é também igual ao período anterior à guerra. O problema é que a mídia não assume os erros, não faz mea culpa, e todos terão a impressão de que as coisas ocorreram do modo como falaram. (JAP)
12
De 21 a 27 de outubro de 2004
INTERNACIONAL ÁFRICA
Etnia e política dividem Guiné-Bissau da Redação
L
evante militar por salários atrasados, no dia 6 de outubro, trouxe à tona disputa étnica e política na Guiné-Bissau, pequeno país da África Ocidental e ex-colônia portuguesa. Cerca de 600 soldados e oficiais do Exército saíram às ruas de Bissau (capital), exigindo pagamento de salários atrasados por serviços prestados às forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), ano passado, na guerra civil da Libéria. Os revoltosos raptaram militares de altas patentes e mataram o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Veríssimo Correia Seabra, além do chefe de recursos humanos, coronel Domingos de Barros. Os amotinados, que frisaram não se tratar de um golpe de Estado, acusavam Seabra de estar diretamente relacionado com o atraso dos salários. Segundo a agência de notícias All Africa, eles reclamavam também das “condições desumanas” e da “fome” nos quartéis, além de denunciarem “o alto grau de corrupção” entre oficiais. O motim, entretanto, não atingiu outros setores das Forças Armadas. O governo do atual presidente, Henrique Rosa, afirmou que o atraso nos pagamentos se deveu à
Fotos: AFP PHOTO/ Seyllou
Revolta de militares foi o mais recente episódio de instabilidade no país que preocupa outras nações falantes de português GUINÉ-BISSAU
General Veríssimo Correia Seabra, morto em 6 de outubro, em protesto de soldados por salários atrasados Presidente da Guiné-Bissau, Henrique Rosa, durante conferência de demora na transferência de fundos imprensa no palácio presidencial em da parte da ONU. A Guiné-Bissau, Bissau, 7 de outubro, um dia após um dos países mais pobres do mun- revolta de militares
do, depende de ajuda externa para pagar os funcionários públicos e manter serviços básicos de saúde e educação. Um acordo assinado no dia 10 entre Henrique Rosa e os soldados rebelados concedeu anistia não somente aos militares que participaram do levante como também a todos os militares que atuaram em tentativas de golpe de Estado no país. Exatamente na semana do motim por salários, alguns militares seriam julgados por sua participação em tentativa de golpe em 2001. O acordo assinado entre Rosa e os amotinados também deixou acertado que os soldados serão pagos com dinheiro cedido pela Co-
munidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), da qual a Guiné-Bissau é membro. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) bem como a União Africana (UA), organizações que têm desempenhado papel fundamental em prol da estabilização política e econômica da Guiné-Bissau, enviaram missões especiais ao país na semana passada. São membros da CPLP Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. O general assassinado no dia 6, Correia Seabra, tinha liderado em setembro de 2003 um golpe
Localização: África Ocidental Nacionalidade: guineense Capital: Bissau Línguas: português (oficial), português crioulo, línguas regionais Divisão política: nove regiões Regime político: república parlamentarista População: 1.5 milhão (ONU, 2003) Moeda: franco CFA (da Comunidade Financeira Africana) Religião: animista (50%), islâmica (45%), minorias cristãs Hora Local: +3 DDI: 245 Domínio na Internet: gw.
de Estado não-violento que derrubou o governo autoritário do então presidente Kumba Yala, acusado de incompetência, nepotismo, corrupção e favorecimento dos interesses de seu próprio grupo étnico. Yala prendeu juizes da Suprema Corte, trocou de ministros 50 vezes, e de primeiro-ministro 5 vezes, ameaçou invadir a vizinha Gâmbia e romper relações com Portugal. Os serviços públicos entraram em colapso durante os três anos em que Yala esteve no poder. Depois do golpe que o derrubou Yala, Correia Seabra rapidamente entregou o poder a Henrique Rosa, escolhido em consenso para um
governo civil de transição que levasse o país de volta à democracia. Eleições parlamentares foram realizadas em março, com vitória do partido de Rosa e Seabra, Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Eleições presidenciais ocorrerão em março de 2005. Entretanto, diplomatas disseram a agências africanas de notícia que para além do conflito político-partidário escondem-se diferenças étnicas profundamente enraizadas na Guiné-Bissau. O partido de oposição, PRS, tem forte apoio dos Balanta, grupo étnico que compõe 30% da população de 1,3 milhão de habitantes e controla a maioria dos altos cargos no governo. Correia Seabra era originário da etnia Papel, grupo minoritário que representa apenas 7% da população total. Seabra, oficial de 53 anos, tinha voltado aos quartéis (após o golpe do ano passado) com a arriscada missão – para um general de etnia minoritária – de manter o controle sobre as Forças Armadas dominadas pelos oficiais Balanta. Rumores de que ele seria assassinado circulavam há meses, segundo a imprensa africana. Outras etnias que constituem a população guineense são os Fula (20%), os Manjaca (14%), e os Mandinga (13%).
Portugal tenta remarcar seu terreno na África Mario de Queiroz de Lisboa (Portugal) Passadas três décadas desde que os capitães esquerdistas do Exército derrubaram a ditadura de extrema direita instaurada em 1926 em Portugal e causaram o desmantelamento do arcaico império lusitano, a África continua sendo tema prioritário na agenda de política externa e cooperação deste país. Assim demonstra a decisão de Lisboa de “marcar o campo” no mais alto nível em abril deste ano, com visitas simultâneas do presidente, Jorge Sampaio, a Cabo Verde e do primeiro-ministro, José Manuel Durão Barroso, a Moçambique, nações que junto com Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe fazem parte dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Palop). As duas visitas se relacionam com o receio de que Portugal seja deslocado, como sócio privilegiado, do bloco Palop por outros países que nos últimos anos aumentaram sua presença nesses mercados africanos. Barroso viajou a Moçambique acompanhado de oito ministros, 60 empresários e do famoso jogador de futebol Eusébio da Silva Ferreira, que há 61 anos nasceu na então província ultramar lusitana de Moçambique e que, na década de 60, ficou mundialmente conhecido como “pantera negra” da seleção portuguesa. O primeiro-ministro levou a Maputo 42 milhões de euros (cerca de 147 milhões de reais) para investir em educação, saúde, agricultura, desenvolvimento rural e boa governabilidade no período compreendido daqui até 2006. Por sua vez, Sampaio, acompanhado da vice-chanceler Manuela Franco e 20 empresários, fez visita oficial de cinco dias a Cabo Verde, o arquipélago do Atlântico africano ocidental de 750 mil habitantes, onde os portugueses se instalaram em 1470 e abandonaram em 1975. Em Moçambique – que, com 22 milhões de habitantes, é o mais povoado dos países de língua portuguesa do mundo depois do Brasil – Portugal disputou durante 25 anos lado a lado com a Itália o primeiro lugar como investidor estrangeiro. Mas, desde 2002, o país ocupa o quinto lugar nessa área, precedido por Austrália, África do Sul, Ilhas
Mar Mediterrâneo
A África que fala português CABO VERDE GUINÉ -BISSAU
Maurício e Suécia. Dado preocupante para o governo português. Em Cabo Verde, a crescente presença italiana, japonesa e escandinava tampouco passa desapercebida na antiga metrópole colonial. Com o fim dos regimes de partido único de orientação marxista-leninista nas cinco ex-possessões lusitanas, determinado pelo desmembramento do bloco socialista liderado pela hoje desaparecida União Soviética, no início dos anos 90, começou um discreto retorno dos ex-colonos portugueses. Mas, o entusiasmo se generalizou de verdade no começo desta década, com o fim da guerra civil em Angola em 2002, o início do processo de paz na Guiné-Bissau, a provada estabilidade de quase uma década em Moçambique e a democracia já com provas de resistência dadas em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
SAUDOSISMO Hoje, milhares de portugueses desejam regressar ao continente que emocionalmente nunca deixaram porque, segundo disse à IPS um ex-fazendeiro em Angola, Manuel Calçada, “no fundo existe em todos nós um desafio para retomar vivências nostálgicas que nunca se apagaram da alma, e, apesar de tudo, muitos dos que perderam tudo estão dispostos a começar do zero”. Um editorial do Diário de Notícias, de Lisboa, aborda esse sentimento, ao afirmar que “nos países onde se fala português, além do gesto de entusiasmo, existe também o impulso para converter a esquecida África em uma terra de nova esperança”, numa alusão carregada de simbolismo ao Cabo da Boa Esperança (África do Sul), que o almirante português Bartolomeu Dias alcançou no final do século 15, selando a presença lusitana no continente. Todos os analistas portugueses
SÃO TOME E PRÍNCIPE
OCEANO ATLÂNTICO ANGOLA MOÇAMBIQUE
OCEANO ÍNDICO
especializados em questões africanas concordam que as respectivas viagens de Sampaio e Barroso devem dar resposta às muitas expectativas e que, pelo contrário, tudo não se traduza em um exercício de boas intenções nos Palop, que são os beneficiários de 97% da ajuda portuguesa ao desenvolvimento. Em termos reais – mas, não se sabe ainda se concretos ou teóricos – a visita de três dias do primeiro-ministro português se traduziu em que este e o presidente anfitrião, Joaquim Chissano, pronunciaram várias vezes uma frase idêntica: “Moçambique deseja ver Portugal como sócio privilegiado e Portugal quer ver Moçambique como sócio privilegiado”. Hoje, nesse país africano residem 16 mil portugueses, contra apenas cinco mil moçambicanos que moram em Portugal. De concreto, da visita se depreende a intenção de Lisboa em admitir a passagem do controle da represa de Cahora Bassa para Moçambique, que controla 18%, contra o resto, em mãos de Portugal. A propriedade portuguesa da central hidrelétrica, que abastece
também as vizinhas África do Sul, Zâmbia e Zimbábue, poderá ser compensada por Moçambique facilitando novos investimentos, especialmente nos setores de recursos minerais e energia. Este tema, que segundo os dois governantes deve ser “um ponto de união e não de divisão”, será discutido em detalhes em futuras cúpulas bilaterais em nível ministerial. Mas, para o analista português Pedro Correia, “os sorrisos para as fotos e os elogios circunstanciais não escondem uma dificuldade óbvia: a hidrelétrica Cahora Bassa é uma das maiores empresas de Moçambique, mas 82% de seu capital está nas mãos de Portugal, e embora Maputo reivindique sua posse, Lisboa não cederá enquanto se mantiver a dívida moçambicana com a represa, de 1,8 milhão de euros, isto é, cerca de 6 milhões de reais. Quanto aos esperados investimentos privados, estes podem não ser uma realidade a curto prazo, segundo o português Pedro Gageiro, diretor de uma rede de hotéis em Moçambique, “porque os empresários de meu país não arriscam o
suficiente”. Os irmãos Vitor e João Viseu, empresários portugueses de origem sul-africana e cujos pais se instalaram em Moçambique há 43 anos, lamentam que desde o tempo em que Durão era vice-chanceler, em 1990, “continue repetindo a mesma idéia”, considerando os sulafricanos como competidores e não possíveis sócios. Vitor combate a idéia dos investidores portugueses, que esperam resultados de um dia para outro, porque “Moçambique é um país de oportunidades, mas se deve estar preparado para investimentos que dêem lucros não de imediato, mas a médio e longo prazos”. Do lado oposto do continente, Sampaio assinou o Plano Anual de Cooperação de 18 milhões de euros (63 milhões de reais), durante encontro com seu colega de Cabo Verde, Pedro Pires, e com o primeiro-ministro José Maria das Neves. Segundo Pires, Cabo Verde tem todas as condições para receber mais empresas estrangeiras. “O baixo índice de inflação e os mecanismos que facilitam a repatriação dos lucros são questões importantes para a criação de um ambiente que reduz os riscos, e é atraente e compensador”, afirmou o mandatário africano. Pires acrescentou que “a paz social, a estabilidade institucional e a segurança jurídica fazem de Cabo Verde um lugar seguro para investimentos a longo prazo”. Por sua vez, o presidente português respondeu garantindo que seu país “não poupará esforços” no apoio às ações de Cabo Verde, “um exemplo de democracia e estabilidade na África”, para criar uma relação mais próxima com a União Européia (UE) e junto à Organização das Nações Unidas “para retirar esta nação da lista de países economicamente mais frágeis”. O denominador comum mais visível das visitas de Sampaio a Cabo Verde e de Barroso a Moçambique foi o compromisso de Portugal ser o “país-partido africano” dentro da UE, não só dos de língua portuguesa, mas de todo o continente. Antes de regressar a Lisboa, Barroso garantiu que a ajuda dos países mais desenvolvidos à África “é, sem dúvida, um dever, mas também uma forma de proteger os próprios interesses” das nações mais ricas do planeta. (IPS/Envolverde www.envolverde.com.br)
13
De 21 a 27 de outubro de 2004
AMBIENTE RIO GRANDE DO SUL
Novo atentado contra o meio ambiente Ambientalistas criticam transformação do Parque Estadual do Delta do Jacuí em Área de Proteção Ambiental
A
decisão do governo estadual do Rio Grande do Sul de extinguir o Parque Estadual do Delta do Jacuí, na região da Grande Porto Alegre, está causando uma forte reação por parte da comunidade ambientalista gaúcha. Dia 29 de setembro, o governo publicou no Diário Oficial um decreto modificando a categoria do Delta do Jacuí, transformando-o em Área de Proteção Ambiental, o que, na prática, retira a região da relação da Unidades de Conservação do Estado. A revolta dos ambientalistas foi maior ainda pelo fato de que o decreto foi assinado pelo governador em exercício, Antonio Hohlfeldt (PSDB), que já foi do Conselho Superior da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), uma das mais tradicionais entidades ambientalistas do Estado. Um dos argumentos utilizados pelo governo gaúcho para assinar o decreto foi a necessidade de alterar a categoria do parque para resolver o problema da ocupação irregular na área, ocupada por cerca de 10 mil pessoas, algumas delas morando em residências de luxo. Para os ambientalistas, esse argumento é falacioso, uma vez que a simples alteração da categoria de parque para Área de Proteção Ambiental não resolve o problema das moradias irregulares. As áreas de 30 metros às margens de mananciais hídricos, independentemente de estar em uma unidade de conservação, são consideradas pela legislação federal como áreas de preservação permanente, do mesmo modo que ocorre com os topos dos morros. Em uma reunião realizada no início do mês, no Núcleo Amigos da Terra, os ambientalistas decidiram entrar em contato com o Ministério Público Estadual, para
creto o Parque Estadual do Delta do Jacuí soma-se a uma série de outras decisões do governo gaúcho que vêm deixando a comunidade ambientalista do Estado de cabelos em pé. O apoio oficial do Executivo à liberação do plantio e comercialização da soja transgênica, sem a realização prévia de estudos de impacto ambiental e admitindo o uso ilegal de sementes contrabandeadas da Argentina, é a mais polêmica dessas decisões. Mas não é a única.
Agência Brasil
Marco Aurélio Weissheimer de Porto Alegre (RS)
DECISÕES POLÊMICAS
Deputados estaduais ligados à bancada ruralista e governo gaúcho favorecem empresas responsáveis pelo desmatamento
ingressar judicialmente contra o governo do Estado. Eles argumentam que uma área como o Delta do Jacuí não pode ser alterada para uma categoria menos restritiva por decreto, dependendo, ao contrário, da aprovação do Legislativo, por um projeto de lei.
MEDIDA ILEGAL Dia 13, o deputado estadual Elvino Bohn Gass (PT) classificou de “ilegal e antidemocrática” a extinção do Parque Estadual do Delta do Jacuí pelo governo do Estado. Ao participar do Seminário de Rezoneamento do Parque Estadual Delta do Jacuí, no plenarinho da Assembléia Legislativa, Bohn Gass estranhou o modo como a medida foi tomada. Ele pediu a revogação do decreto estadual 43.367/2004 que transformou o Parque em Área de Proteção Ambiental (APA), es-
tranhando que as comunidades não tenham sido sequer ouvidas durante o processo. O deputado observou ainda que a Constituição Federal e a lei que trata do Sistema Nacional de Unidades de Conservação exigem que medidas como estas sejam originadas por debates no Parlamento e somente após a realização de audiências públicas. “Tanto a Assembléia Legislativa quanto o Conselho de Meio Ambiente (Consema) estão sendo desrespeitados por esse ato autoritário do governo estadual”, criticou Bohn Gass. Sobre os problemas na área, ele se manifestou favorável à resolução dos conflitos fundiários locais, ao reassentamento das famílias das margens do Guaíba e à indicação de áreas de preservação ambiental, com a condição prévia de que isso seja debatido com a comunidade
e se estabeleçam claramente as responsabilidades do Estado e dos municípios para o atendimento das obras e investimentos necessários. Bohn Gass considerou legítima a reivindicação dos moradores das ilhas locais de que o problema seja resolvido o mais breve possível, sem que isso atropele procedimentos democráticos básicos. “Às vésperas das eleições”, acrescentou o deputado petista, “o governador Rigotto criou uma solução simplista e ilusória, que não abarca a complexidade do tema”. “Esperamos que esse decreto seja revogado, as comunidades sejam ouvidas devidamente e, o quanto antes, o governador envie projeto de lei sobre o assunto para apreciação do parlamento. Não quero crer que uma questão tão séria seja tratada de forma tão antidemocrática”, concluiu Bohn Gass. A decisão de extinguir por de-
Em 2003, deputados da bancada governista e membros da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) tentaram derrubar o decreto estadual 42099/02 que estabelece a Lista de Espécies Ameaçadas da Flora do Rio Grande do Sul. Também em 2003, o governador Germano Rigotto (PMDB) sancionou a “lei das capoeiras”, que restabelece a possibilidade de corte raso de matas com árvores de até 12 centímetros de diâmetro. Outro projeto que causou a reação da comunidade ambientalista foi o Proflora, que prevê o plantio de milhões de árvores exóticas como pinus, eucalipto e acácia-negra, favorecendo principalmente grandes empresas que trabalham com a exploração dessas madeiras e prejudicando a agricultura de subsistência nas regiões onde são plantadas. Para completar a série de políticas inquietantes, em setembro, voltou a ser cogitada, no governo estadual, a extinção da Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Diante dessas medidas, a comunidade ambientalista do Estado acendeu a luz vermelha e pretende desencadear uma reação junto ao Ministério Público, ao Parlamento e à sociedade, para questionar a política ambiental do atual governo. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)
AMAZONAS
Mário Osava do Rio de Janeiro (RJ) À soja, que desperta a ira dos ambientalistas pela esmagadora expansão de suas variedades transgênicas, soma uma nova acusação: pressionar as florestas amazônicas brasileiras. Embora os cultivos dessa oleaginosa não substituam diretamente áreas de mata da Amazônia, sua expansão em zonas próximas eleva o preço da terra e “empurra” outras atividades menos rentáveis que avançam sobre a mata, como a pecuária, explicou Roberto Smeraldi, coordenador da organização não-governamental Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. Além disso, o cultivo da soja, atualmente o principal produto de exportação brasileiro, progride acompanhado pela criação de infra-estrutura para transporte, que é um grande vetor de desmatamento. A Amazônia perde a cada ano 25 mil quilômetros quadrados de florestas. A soja entrou no Brasil nos anos 60 pelo extremo sul do país, onde o clima mais se aproxima do da China, seu país de origem. Em seguida, seguiu para o norte, adaptando-se ao clima tropical graças a variedades desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), um conjunto de 40 centros especializados que teve papel decisivo no desenvolvimento agrícola do país nas últimas três décadas. As ONGs denunciam a expansão do cultivo de soja na área de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, cujo desmatamento afeta gravemente o clima e a biodiversidade dos dois biomas. Há um “crescimento explosivo” da soja
Nani Gois/AFP
Cultivo de soja invade florestas da Amazônia
Organizações Não-Governamentais denunciam a expansão do cultivo de soja transgênica na área de transição entre o cerrado e a floresta amazônica
em alguns pontos da Amazônia, como a região de Santarém, no oeste do Estado do Pará, afirmou Ane Alencar, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Santarém, cercada de florestas secundárias, encontra-se em áreas desmatadas há três séculos, perto de um porto exportador de soja, e é um “bolsão de seca” com a topografia ideal para a mecanização, ressaltou. A área plantada ainda é pequena, perto de 30 mil hectares no ano passado, mas a previsão é de que se somarão outros 20 mil em 2004, “invadindo florestas nativas, e não
sabemos que impacto terá o monocultivo no ecossistema”, advertiu Ane. A Amigos da Terra aponta outras oito áreas de expansão dentro da Amazônia ou em suas fronteiras, em geral em regiões de savana, que ameaçam a floresta. Além disso, a exportação de soja valorizou a estrada que liga Cuiabá, capital do Estado do Mato Grosso, a Santarém, e isso estimulou a ocupação ilegal de terras públicas, cortes para confirmar a posse, com expulsão de moradores. Homero Pereira, presidente da Federação da Agricultura do Mato
Grosso, nega que a soja cause prejuízos. E vai além, afirmando que os que a produzem são “os maiores ambientalistas” e fazem “conservação na prática”, porque a oleaginosa cresce em áreas antes desmatadas ou de pastagem degradada, e fixa o nitrogênio, fertilizando a terra. Além disso, quase todos os produtores praticam a “semeadura direta”, sem remover a terra, uma técnica desenvolvida no Brasil que reduz a erosão e retém umidade. A soja “não é monocultivo”, porque se alterna com o algodão, o milho e o arroz, afirma Pereira.
Geraldo Eugênio de França, superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, afirmou que o Brasil pode usar racionalmente cerca de 60 milhões de hectares em degradação, duplicando a área semeada. Assim, seria possível dobrar a produção de alimentos, fibras e outros produtos agrícolas, sem desmatar a Amazônia, assegurou. A Embrapa é “o braço do desenvolvimento sustentável”, acrescentou, e rejeitou tanto o “agronegócio desmedido” quanto o “ambientalismo radical”. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
14
De 21 a 27 de outubro de 2004
DEBATE MÍDIA
Antibaixaria na TV ela primeira vez na história da televisão brasileira, dois fatos reforçaram a insatisfação da sociedade em relação à qualidade da programação. Por iniciativa da campanha “Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania” foi instituído o Dia Nacional contra a Baixaria na TV. O movimento propôs que se desligassem os aparelhos dia 17, por uma hora, contra o baixo nível do conteúdo televisivo. Antecedendo o protesto, foi formada uma rede de tevês educativas, universitárias, legislativas e públicas, que transmitiu ao vivo um debate sobre a TV. A manifestação inédita, além de proporcionar uma discussão de alto nível, mostrou queda de 14% no total de televisores ligados na Grande São Paulo, entre 15h e 16h, em relação ao domingo anterior, segundo pesquisa. O dia antibaixaria na TV foi mais uma ação entre as inúmeras que vêm sendo deflagradas nestes dois anos de campanha, movimento da sociedade civil e da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Lançada em vários Estados, onde foram formados fóruns e comitês de acompanhamento da mídia, a campanha tem despertado a participação, revelando que os brasileiros querem mudar para melhor o perfil dos meios de comunicação. Atualmente, são mais de 60 entidades parceiras e a campanha tem recebido milhares de manifestações dos cidadãos. Foi criado, inclusive, a página da internet www.eticanatv.org.br. A campanha tem a preocupação latente sobre o papel que a mídia exerce diariamente na dissemi-
P
nação da violência. Programas e noticiários exibem atos de desrespeito à dignidade das pessoas; criminalizam movimentos sociais; fazem sistemática apologia ao crime, à prática da tortura e ao linchamento; propõem solução de problemas e divergências pessoais, familiares e conjugais pelo embate físico ao vivo, além de instigarem a discriminação racial e religiosa, banalização e precipitação do sexo em crianças, e desrespeitam convenções internacionais, a constituição e a legislação que protegem os direitos humanos e a cidadania. São objetivos em conformidade com os artigos 220 e 221 da Constituição Federal, que estabelece princípios e finalidades para preferência de produções educativas, artísticas e jornalísticas com respeito a valores éticos e sociais da pessoa e da família; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente. SEM CENSURA
A Constituição garante ainda a defesa contra emissoras e programas que contrariem os artigos e transformem os meios de comunicação em monopólio ou oligopólio. Reafirmamos que a campanha não visa a censura, nem o falso moralismo ou classificação ideológica, mas cobrar responsabilidade dos programas e patrocinadores sobre o impacto do conteúdo na sociedade, principalmente sobre crianças e adolescentes. A televisão é um meio capaz de influir decisivamente na formação dos valores sociais e da cultura nacional. Se o espectro de difusão é limitado, e se não é possível a qualquer cidadão se expressar pela televisão, então pelo menos seja possível a todos opinar sobre a programação. A campanha constituiu o Conselho de Acompanhamento da
Programação que avalia os programas mais denunciados, divulgando periodicamente o ranking da baixaria – o sétimo saiu na semana passada. Tem proposto o diálogo e caso persistam nas violações, programas, apresentadores, emissoras, produtores e anunciantes são relacionados no ranking, bem como denunciados aos órgãos públicos e entidades para providências legais. Os resultados concretos foram mudança de horários e formatos. Patrocinadores reavaliaram inserções publicitárias e as próprias redes reconheceram a legitimidade da campanha. Ampliamos o debate com setores do governo federal, com as redes públicas de televisão, com as associações de profissionais de mídia e estamos envolvendo o empresariado. Afinal, uma empresa socialmente responsável não é apenas aquela que financia projetos sociais, mas também a que, ao se recusar a anunciar em programas que atentam contra a dignidade, promova valores de solidariedade e de paz. Outro exemplo foi a atitude da Rede Globo ao pedir, em memorando interno, a diminuição de palavrões na novela Celebridades e o controle sobre cenas de sexo. A Nestlé, com inserções no Domingo Legal, apresentado por Gugu, divulgou que nada tinha a ver com a proposta do programa, que apresentou falsos integrantes do PCC ameaçando pessoas públicas. O governo do Distrito Federal também se comprometeu a não anunciar em programas que espetacularizam a desgraça humana. Mudanças também ocorreram em relação à posição inicial da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), entidade do setor patronal. Resistiu em reconhecer a campanha e defendia que o controle das
emissoras deveria se dar pelos botões liga-desliga e sintonia. Ou seja, deixar o telespectador suscetível ao baixo nível e refém da manipulação das linguagens, do ilusionismo social e da hipnotização televisual. Ao apresentamos o projeto sobre o Código de Ética para Programação de TV, a Abert queria a auto-regulamentação pelas próprias emissoras. A campanha quer que a sociedade seja chamada ao debate e a própria Constituição Federal prevê uma lei, não um documento de conduta elaborado pelas emissoras. O projeto cria a Comissão Nacional pela Ética na Televisão com competência para impor penalidades às concessionárias, embora não seja apenas um instrumento punitivo – é também normativo e estabelece parâmetros de conduta profissional. Além da proposta, surgem outras iniciativas e medidas positivas. O governo federal já tomou consciência da necessidade de regulamentar o artigo 220 da Constituição. Por outro lado, o Ministério da Comunicação publicou a lista da composição societária de todas as empresas concessionárias de rádio e televisão, um ato inédito. Desde o lançamento da campanha avançamos bastante, mas a busca pela qualidade na TV é permanente. É preciso ainda estreitar a relação da sociedade com o governo para ampliar a discussão sobre o sistema de radiodifusão brasileiro, eliminado os monopólios e oligopólios. Só assim, alcançaremos a efetiva democratização, controle social e uma comunicação voltada para construção da cidadania.
Ilustrações: Kipper
Orlando Fantazini
Orlando Fantazini é deputado federal (PT-SP), coordenador da Campanha Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania e presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados
Lições Antecipadas Venício A. de Lima ois meses depois do envio ao Congresso Nacional, pelo governo, do projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), e do vazamento na imprensa de um pré-projeto da Ancinav, independente da posição de cada um de nós, algumas observações gerais podem ser feitas sobre o próprio debate do tema. A posição quase unânime dos principais colunistas políticos da mídia hegemônica foi de demonizar in limine ambas as propostas. O governo foi acusado de stalinista, totalitário, autoritário, centralizador, dirigista, radical e antidemocrático. Comentarista do Jornal Nacional, com iluminação e trilha sonora de filme de terror, comparou histrionicamente o governo ao personagem de R. L. Stevenson: doutor Jekyll bondoso durante o dia e mister Hyde monstruoso à noite. O Correio Braziliense chegou mesmo a ilustrar irado artigo de conhecida historiadora e cientista política, com quase meia página de um Lula travestido em diabo, pintado em preto, com chifres, orelhas de abano e tridente. A Associação Nacional dos Jornais, na solenidade em que comemorava os seus 25 anos e dava posse a uma nova diretoria, deixou claro seu repúdio ao CFJ e o desejo de
D
que o governo retirasse o projeto do Congresso Nacional. Em clima de guerra fria, um dos oradores afirmou que “o dragão da escuridão permanece vivo”. Isso na presença do ilustre convidado presidente da República. O argumento recorrente da maioria dos que combatem – não de todos – tanto o CFJ quanto a Ancinav, tem sido a defesa da liberdade de expressão e, por conseqüência, da democracia. Clássicos liberais como John Milton e Thomas Jefferson têm sido evocados e a revista Veja chegou até mesmo a publicar um “Pequeno dicionário das (re)criações políticas”, anunciando a intenção de “contribuir para a exatidão do uso do vernáculo, tão vilipendiado no debate político”. Neste “pequeno dicionário”, liberdade de expressão é um direito natural e absoluto “na melhor tradição de John Milton”, equacionado linearmente com liberdade de imprensa. Seu cerceamento, lembra-nos a revista, é uma característica de figuras como Goebbels e Lênin. No Brasil moderno, prossegue o “dicionário” – na avaliação de ministros do governo e de tribunais superiores – o direito de expressão não é absoluto, mas relativo e exige precondições para ser exercido. Que lições a explicitação da posição e o conteúdo do argumento desses atores nos permitem tirar, a essa altura, sobre o debate em andamento? Em primeiro lugar, a virulência da reação de colunistas, editoriais, dirigentes e entidades a um projeto de lei enviado ao
Congresso e a um pré-projeto em discussão no MinC, confirma uma realidade histórica que já é do conhecimento de todos aqueles que estudam a mídia no Brasil: esse é um setor de atividade em nossa sociedade que se considera acima do bem e do mal e, ao contrário de qualquer outro, se julga isento de toda e qualquer forma de regulação. Em segundo lugar, qualquer um que se der ao trabalho de verificar os termos em que ocorre a discussão contemporânea sobre liberdade de expressão e liberdade de imprensa em países como, por exemplo, Estados Unidos e Inglaterra, vai constatar que: 1) nem mesmo no tempo de John Milton a liberdade de expressão (e a liberdade de printing/impressão) era considerada um direito absoluto. Aos católicos, por exemplo, esse direito era negado; 2) faz tempo a justificativa para a liberdade de imprensa não é mais a idéia miltoniana de um direito natural (individualista) originado em Deus ou na Natureza. J. Stuart Mill, no século 19, já se valia da justificativa Utilitarista. E depois do relatório final da Hutchins Commission (1947), nos Estados Unidos, a justificativa passou a ser o compromisso moral defendido por W. E. Hocking (1873-1966). Voltado para o bem comum é ele que fundamenta a teoria da responsabilidade social da imprensa; 3) a origem do cerceamento da liberdade de expressão (censura) não é necessariamente o governo, mas pode ser a autocen-
sura e/ou o poder econômico; 4) liberdade de expressão não é igual a liberdade de imprensa. Não era no século 17 de John Milton – que defendia o direito individual de impressão sem a necessidade de uma licença prévia da Igreja e do Estado – e, com muito mais razão, não é hoje quando liberdade de imprensa não se refere mais à liberdade individual de imprimir, mas sim à liberdade de empresas cujo objetivo principal é viabilizar sua própria permanência no mercado. Por fim, vale registrar que as audiências públicas sobre as propostas, tanto do CFJ como da Ancinav, até agora realizadas no Senado Federal, por iniciativa de sua Comissão de Educação, confirmam o que alguns dos próprios conselheiros já constataram: com suas atuais atribuições constitucionais de “órgão auxiliar” do Congresso Nacional, o Conselho de Comunicação Social, mais de dois anos após sua instalação, não consegue interferir nos debates mais importantes do setor. Considerada a centralidade das comunicações e de suas políticas públicas nas sociedades contemporâneas, será esse o papel que se espera ver cumprido pelo único espaço institucional do setor com representação da sociedade civil? Se não pode atuar na área de sua competência específica, qual seria então a justificativa para a existência do Conselho de Comunicação Social? Venício A. de Lima é professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB)
15
De 21 a 27 de outubro de 2004
agenda@brasildefato.com.br
AGENDA NACIONAL
LIVROS A DIMENSÃO SUBNACIONAL E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Integração regional, globalização e a presença do local no novo cenário geopolítico mundial A obra, de autoria de Tullo Vigevani e Luiz Eduardo Wanderley, trata da relação dos governos não nacionais (como instâncias municipais e estaduais, no caso do Brasil) com os processos de integração regional. Os textos dessa coletânea analisam o modo como diferentes contextos sociais e políticos reagiram ao impacto da globalização no sistema produtivo, nas relações internacionais, na divisão social do trabalho e na cultura. Referência e modelo, a análise do processo de integração da União Européia ajuda a compreender os mecanismos de institucionalização na dinâmica da integração regional e como se dá a ampliação do entendimento dessa integração para além dos aspectos situados apenas na esfera econômica. O livro tem 462 páginas e custa R$ 56. Mais informações: www.editoraunesp.com.br BOM COMBATE O autor, César Benjamin, reúne nessa obra 35 artigos e seis intervenções orais em diferentes seminários, fazendo uma incursão em temas relevantes do Brasil e do mundo: das quotas raciais à macroeconomia, dos transgênicos à educação, da situação da América Latina aos problemas do socia-
lismo. O livro tem 224 páginas e custa R$ 26. Mais informações: www.contrapontoeditora.com.br
CEARÁ CAPACITAÇÃO DE AGENTES 23 e 24 Com a temática “Um Olhar para a Cidade a partir da Rua”, e promovido pela Pastoral do Povo da Rua, o encontro visa fornecer mais conhecimentos sobre a população que vive nas e das ruas, além de debater sobre a metodologia de trabalho da pastoral e a espiritualidade do agente. A capacitação conterá palestras, discussão de textos, trabalhos em grupo, plenárias, dinâmicas e momentos de oração. A assessoria será dada por representantes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo (SP). Local: R. Francisca Clotilde, 620, Fortaleza Mais informações: (85) 9924-0291, (85) 283-2635, pastoralderuafor@yahoo.com.br
Mais informações: (85) 252-1678, (85) 9128-4167, pj@arquidiocesedefortaleza.org.br
Divulgação
CENAS URBANAS - CADEIAS, DEPÓSITOS HUMANOS EXCLUÍDOS Até 30 de novembro Exposição fotográfica virtual de F. Stuckert sobre cadeias públicas. Faz parte de um trabalho de fotografia documental que o fotojornalista realiza sobre as condições desumanas em que vivem os presos. A mostra pode ser vista na página da internet Jornal Olho de Águia, www.jornalolhodeaguia.com.br
INTOLERÂNCIA E SOLIDARIEDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO de 23 a 31 A atividade, promovida pelo Centro Cultural Banco do Brasil e pelo Laboratório de Estudos da Intolerância, sediado na USP, tem como objetivo ampliar a discussão sobre o tema na sociedade. Entre os conferencistas estarão Anita W. Novinsky, Adolpho José Melfi , Sedi Hirano, António Andrade, João Alexandre Barbosa, Moacyr Scliar, Sérgio Adorno, Affonso Romano Sant’Anna, Paulo Lins, Alfredo Bosi, Fernando Pino Solanas, Férrez (Reginaldo Ferreira da Silva), Nelson Ascher, Renato da Silva Queiroz, dom Tomas Balduíno, José Antonio Escudero, Pilar Rahola, Osvaldo Coggiola. Serão discutidos os temas “Tolerância ao Intolerável”, “Intolerância Religiosa”, “Intolerância Política”. Entres as atividades, haverá ainda espetáculos musicais e filmes. Local: R. Álvares Penteado 112, São Paulo Maiores informações: (11) 3091-3701 ramal 215.
ROMARIA DAS ÁGUAS 24, 6h A romaria terá como tema “Caminhos das Águas – caminho do povo?”, com participantes de 21 municípios da Diocese de Limoeiro do Norte, além de membros das nove dioceses do Estado. Uma atividade da Campanha da Fraternidade, organizada pela Diocese de Limoeiro do Norte, Fórum Cearense e Fórum Regional pela Vida no Semi-Árido, será um momento de celebração e protesto. Um dos objetivos da iniciativa é denunciar a situação de famílias que ainda estão morando em barracos de madeira ou sofrem devido a projetos inacabados. Durante a caminhada haverá falas da Cáritas de Limoeiro, de movimentos sociais e, no término, o bispo de Limoeiro, dom José Haring, fará uma celebração. O músico Zé Vicente participará do evento animando a caminhada de 3 km. Local: Saída na frente da entrada da barragem do açude Castanhão, Nova Jaguaribara
SÃO PAULO 7º ENCONTRO DE EDUCADORES DA BAIXADA SANTISTA 23 O tema do encontro será “Contribuições para a Educação no Século 21” e entre os assuntos debatidos estão: O legado de Florestan Fernandes, Experiências educacionais comunitárias. Debatedotes: Plínio de Arruda Sampaio, Maria Helena de Almeida Lambert, Irmã Maria Dolores Muñiz Junqueira, Marcos José Fernandes Alexandre, Selma de Fátima Santos. No encerramento do encontro haverá um sarau literário. O evento é uma realização da Associação de Educadores Latino-Americanos. Local: R. Euclides da Cunha, 247, Santos Mais informações: (13) 3235-3676, 3227-9905, 3239-4969, aelambaixada@yahoo.com.br
Mais informações: (88) 423-3222, (88) 423-1283, caritaslim@brisanet.com.br DIA NACIONAL DA JUVENTUDE EM FORTALEZA 23, a partir das 13h Para comemorar a data haverá caminhada, ato público e show. A programação seguirá o tema “Políticas Públicas para a Juventude”, e o lema “A gente quer valer nosso suor. A gente quer do bom e do melhor”. Participarão as entidades: Pastoral da Juventude, Instituto de Juventude Contemporânea, Grupo Corpu´s, Grupo Teatro Arte Amiga, Movimento Superação, Grupo T´art, Grupo Estrela da Rua, Grupo Escuta, entre outros. O ato é realizado em todo o país, sob organização da Pastoral da Juventude. Local: Concentração às 13h, na Praça do Ferreira, Centro, de onde sairá a caminhada até a Praça Verde do Centro Dragão do Mar, na Praia de Iracema, Fortaleza
SARAU ANTROPOFÁGICO OSWALD DE ANDRADE 22, a partir das 22h O Espaço Cultural Pindorama, junto com a Cia. Antropofágica (ATP) e artistas convidados realizam um sarau Oswaldiano no dia em que se completarão cinqüenta anos da morte do poeta, dramaturgo e antropófago Oswald de Andrade. No sarau serão lidas poesias de livros como Pau Brasil e Primeiro Caderno. Também serão apresentadas cenas de peças como O Rei da Vela, O Homem e o Cavalo e A Morta. A música estará presente com Villa Lobos, interpretado por Thiago Abdalla ao violão, e partes dos manifestos e poemas de Oswald que serão cantados em versões feitas para peças e apresentações da Cia. Entrada: R$ 5. Local: Espaço Cultural Pindorama, sede da Cia. Antropofágica Teatro do Avesso (Grupo Vira-lata), R. Barra Funda, 555, São Paulo Mais informações: (11) 3668-5823, (11) 9269-1968, ecpindorama@terra.com.br
16
CULTURA
De 21 a 27 de outubro de 2004
DOCUMENTÁRIO
Nas telas, a dívida externa da Argentina Marco Antonio Vidal de Buenos Aires (Argentina)
U
m documentário sobre a dívida externa argentina, estreou em Buenos Aires, capital argentina, dirigido pelo jornalista Jorge Lanata, que está sendo comparado com o estadunidense Michael Moore, autor de Tiros em Columbine e Farenheit 9/11. O filme Deuda – quién le debe a quién (Dívida – quem é que deve a quem) fala sobre o endividamento externo argentino e critica duramente os organismos financeiros internacionais, principalmente pelas medidas adotadas e pela fome provocada em um amplo setor da sociedade argentina. Para mostrar os resultados negativos das tarefas dos organismos internacionais, o jornalista argentino contou com a experiência cinematográfica de Andrés Schaer (autor intelectual do documentário). Sua câmera passeia por Davos (Suíça), Tucumán (Argentina), Washington (Estados Unidos), Punta del Este (Uruguai). Lanata recorreu à mistura de elementos visuais, utilizando vídeoclipe e animação para mostrar, entre outras coisas, as investigações do ativista Alejandro Olmos (responsável por uma campanha contra a dívida externa da América Latina que declarou fraudulenta e ilegítima a dívida), uma chuva de papéis sobre a Praça de Maio e a imagem dos famintos de Washing-
Fotos: Divulgação
Versão portenha de Michael Moore estréia no cinema argentino com estardalhaço
Cenas do documentário de Jorge Lanata; o cineasta critica duramente os organismos internacionais pelas medidas adotadas e a fome provocada na Argentina
ton recebendo comida em frente à sede do Banco Mundial. A “lógica” dos técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), a inoperância de alguns funcionários locais, o cinismo dos acomodados e até a imagem de luta de pobres contra pobres são algumas
das acusações do documentário, que também usa gráficos coloridos para esclarecer a complexa situação da dívida externa e suas repercussões. No documentário, o jornalista entrevistou Thomas Dawson, portavoz do FMI, e a segunda executiva
do órgão financeiro, Anne Krugger. “Foi difícil a entrevista, sobretudo porque não me deixaram fumar no edifício”, brincou Lanata. “Nesse tipo de matéria, é como aparecer em um programa ao vivo, onde é preciso reformular todo o planejamento em apenas minutos. É preci-
so esperar que o outro se equivoque e conte o que não quer contar. Quando perguntei a Anne Krugger se tinha peso na consciência, ela me olhou como se estivesse dizendo: esse cara está louco”, recordou Lanata. (Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)
ANÁLISE
Aleida Guevara Quando li Diários de Motocicleta pela primeira vez, a obra consistia em apenas um maço de folhas datilografadas. Mesmo assim, eu me identifiquei imediatamente com esse homem que narrava as suas aventuras de forma tão espontânea. À medida que fui lendo, comecei a perceber que o escritor era o meu pai. Houve momentos em que me sentei na garupa da sua motocicleta e me agarrei às suas costas, passeando com ele pelas montanhas e em torno de lagos. Admito que houve certos trechos que me fizeram interromper a leitura, especialmente quando ele descreve de forma tão crua coisas que eu nunca falaria sobre mim mesma. Porém, quando ele o faz, revela novamente como era capaz de ser honesto e não convencional. Para falar a verdade, quanto mais lia, mais amava o garoto que meu pai tinha sido. Passei a conhecer melhor o jovem Ernesto Che Guevara: o rapaz de 23 anos que deixou a Argentina com sede de aventuras e com sonhos de realizar grandes feitos, e que, à medida que descobria a realidade do nosso continente, continuava a amadurecer como ser humano e a se desenvolver como ser social. É possível enxergar vagarosamente como os seus sonhos e ambições mudaram. O jovem que nos faz sorrir no início com os seus absurdos e loucuras se torna cada vez mais sensível à medida que fala sobre o complexo mundo nativo da América Latina, sobre a pobreza do seu povo e a exploração à qual este é submetido. Apesar de tudo, ele jamais perde o senso de humor, que se torna cada vez mais refinado e sutil. O meu pai, “ése, el que fue”, como se identificava, nos mostra uma América Latina que poucos de nós conhecemos, descrevendo suas paisagens com palavras que colorem cada imagem e atingem os nossos sentidos, de forma que podemos enxergar aquilo que os seus olhos vêem. Ele fica cada vez mais conscien-
Fotos: Divulgação
“A América Latina continua a mesma de meu pai”
O filme Diários de Motocicleta, de Walter Salles, retrata o jovem Ernesto
te de que aquilo de que os pobres mais precisam não é o seu conhecimento científico como médico. O que é mais importante para eles é a sua força e a sua persistência na luta para promover mudanças sociais que lhes permitam recuperar uma dignidade que lhes foi tirada e pisoteada por séculos. Com a sua sede de saber e a sua grande capacidade de amar, ele nos mostra como a realidade, se interpretada apropriadamente, pode permear um ser humano a ponto de mudar a sua forma de pensar. Eu tinha apenas seis anos de idade quando o meu pai morreu, há exatos 37 anos, de forma que dele trago poucas memórias. Passei a conhecê-lo à medida que crescia. A minha mãe, Aleida March, o amava profundamente, e compartilhava os seus ideais, que ela passou aos filhos. Aquilo de que mais me lembro é da grande capacidade que o meu pai tinha de amar. Muitas vezes me descrevo como sendo um acidente genético; tive a honra e o privilégio de ser filha de um homem e de uma mulher que são pessoas muito especiais. E sou também um produto da revolução cubana. Sou pediatra, especializada em alergias, em Havana. Quando era jovem, a imagem do meu pai me influenciou, mas mais tarde escolhi a medicina como forma de estar mais próxima do meu povo. Também tra-
balhei como médica na Nicarágua, em Angola e no Equador. Como família, ficamos felizes quando a imagem do meu pai inspira as pessoas a aprender mais sobre ele e o seu pensamento, mas muitas vezes a comercialização dessa imagem nos soa como uma falta de respeito àquilo que ele foi e pelo que lutou. Desde a década de 80, nós – a família de Che e outros – temos
trabalhado nos seus manuscritos não publicados. Esses documentos foram mantidos como parte do seu arquivo pessoal, e em grande parte eram e continuam sendo guardados com ciúme por minha mãe. Para publicar qualquer coisa escrita por Che que ele próprio não pretendesse publicar – como foi o caso com as notas que se transformaram em Diários de Motocicleta –, é necessário um sério trabalho de edição. Não podemos omitir textos, mas ao mesmo tempo não dá para garantir completamente que ele teria dado a sua permissão para que o texto fosse publicado exatamente da forma como foi escrito. É por isso que nos comprometemos a editar aquilo que ele escreveu sem mudar o significado almejado – uma tarefa muito difícil. Uma editora cubana publicou Diários de Motocicleta pela primeira vez em 1993. Entre os vários livros que meu pai escreveu, esse é um dos meus favoritos, porque aproxima o jovem Ernesto de outros jovens do mundo atual – o que é a coisa mais importante –, revelando como as pessoas podem ser
modificadas se forem sensíveis ao que está à sua volta. Embora na ilha só exista uma cópia do filme Diários de Motocicleta, de Walter Salles, os cubanos que o assistiram falaram muito bem do trabalho. Ele é divertido, suave e profundo. Embora não estejamos mais nos anos 50 ou 60, infelizmente as condições na América Latina que provocaram uma profunda mudança no jovem Che Guevara ainda estão presentes em muitas partes do nosso continente e do mundo, com um impacto cada vez mais brutal. Será que o filme e o livro se tornaram tão populares porque a sua força e ternura são um modelo para as pessoas das quais precisamos nestes tempos? Acredito que este seja o caso, e me sinto orgulhosa de viver entre pessoas que não só o amam, mas que colocam em prática o seu desejo de criar um mundo que seja bem mais justo. Aleida Guevara é médica. Artigo publicado no jornal The New York Times, dia 9 de outubro, e traduzido por Danilo Fonseca
PERNAMBUCO
MST realiza Semana de Cultura Rodrigo Valente de Recife (PE) Durante quatro dias, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) será ocupada por cerca de 2000 camponesas e camponeses ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Entre os dias 3 e 7 de novembro, as lonas pretas e bandeiras vermelhas farão parte da paisagem do campus. É a 2ª Semana Nacional de Cultura e Reforma Agrária. Mais uma parceria dos movimentos sociais com a atual reitoria da UFPE, que tem aberto as portas da universidade a quem sempre esteve de fora, uma importante iniciativa para fortalecer o caráter público da instituição. A atividade conta também com par-
cerias com o Ministério da Cultura e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A Semana de Cultura faz parte de uma série de eventos nacionais que marcam os 20 anos do MST. Seu objetivo é ampliar o diálogo entre campo e a cidade, difundir a arte camponesa, valorizar a produção cultural dos acampamentos e assentamentos do MST e dialogar com a sociedade um projeto de reforma agrária para o Brasil. A programação inclui debates com grandes nomes do cenário político e cultural do país. Estão confirmados o ministro da Cultura Gilberto Gil; o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart; o ator Sérgio Mamberti;
o intelectual Manoel Correia de Andrade e o dirigente do MST João Pedro Stedile. Haverá também uma feira de produtos da reforma agrária, uma exposição das realizações dos diferentes setores em que o MST atua – educação, saúde, meio ambiente, gênero e produção – e apresentações e oficinas de música, dança, teatro, artes plásticas, cinema, vídeo e fotografia. À noite, artistas populares farão espetáculos em palcos montados no interior da UFPE e no Marco Zero, no centro do Recife. Já estão confirmados os shows de Chico César, Pereira da Viola, Zé Mulato e Cassiano e de diversos grupos do Estado. Informações sobre a Semana de Cultura: (81) 3223-6131 ou semanadeculturamst@yahoo.com.br.