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Ano 2 • Número 87

R$ 2,00 São Paulo • De 28 de outubro a 3 de novembro de 2004

Transposição beneficia agronegócio O

projeto de transposição do Rio São Francisco é alvo de críticas de especialistas por não resolver o problema da seca, beneficiar apenas proprietários de terra e não alterar a estrutura socioeconômica da região. A obra, que deve durar quatro anos, vai receber inicialmente R$ 1,07 bilhão para começar o projeto, em janeiro de 2005, e mais R$ 3,4 bilhões, até o final. Para Luiz Carlos Fontes, secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Franscisco, se a questão fosse a sede, as soluções poderiam ser mais simples. “O problema da seca é socioeconômico, uma ferramenta técnica não vai modificar a realidade local”, afirma João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O benefício, segundo especialistas, é econômico, com ganhos apenas para quem já tem terras ou quem conseguir um emprego no agronegócio. Pág. 13

Odd Andersen/AFP

Mudança do Rio São Francisco não altera estrutura socioeconônica da região e favorece apenas donos de terras

Antes de anunciar retirada da Faixa de Gaza, Israel promoveu mais um massacre contra palestinos, dias 24 e 25 de outubro no sul de Gaza

Campanha com dinheiro sujo nos Estados Unidos

A abertura dos arquivos da ditadura militar volta a ser reivindicada após a divulgação de fotos que seriam do jornalista Vladimir Herzog, pouco antes de seu assassinato, em 1975, nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo. As posições dentro do governo brasileiro são

controversas, e a declaração do ministro da Defesa, José Viegas, de que os documentos foram eliminados, foi desmentida. Santo Dias – Há 25 anos, o líder operário era assassinado durante uma passeata contra a ditadura. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a militante

Ana Dias, sua esposa, explica como luta para manter viva a memória do trabalhador. Em 2002, a seu pedido, Lula assinou o termo de posse da Presidência da República com a caneta que o operário carregava quando foi morto. Págs. 3 e 8

Rodrigo Baleia/Greenpeace

Os candidatos George W. Bush e John Kerry estão sendo financiados por empresas que lucraram com negócios ilegais. É o que revela relatório da agência de notícias Associated Press, a partir de dados dos arquivos do Departamento do Tesouro. Grandes empresas doadoras de ambas as campanhas, como o Bank of America e o JP Morgan, continuaram suas transações comerciais com os países suspeitos de apoiarem o terrorismo internacional. Pág. 9

Ditadura: o país quer a verdade

Israelenses vão sair da Faixa de Gaza O governo de Israel anunciou, dia 26 de outubro, a retirada dos colonos judeus da Faixa de Gaza, que pertence à Palestina. Pelo plano, casas, instalações militares e sinagogas serão destruídas para impedir que sejam ocupadas por palestinos. Aprovada por 67 votos contra 45 pelo Parlamento do país, a medida foi aclamada por 30 mil pessoas. Dois dias antes, o Exército israelense assassinou 17 palestinos durante ação no sul de Gaza. Pág. 9

Transgênicos chegam à Venezuela

Participação indígena cresce em eleições

As empresas transnacionais estão utilizando uma estratégia já aplicada no Brasil para disseminar os transgênicos na Venezuela. Apesar da proibição anunciada pelo presidente Hugo Chávez, o governo não fiscaliza as sementes utilizadas no país – na maioria originárias das sedes das transnacionais no exterior. “É provável que, assim como aconteceu em outros países, as sementes entrem na Venezuela contrabandeadas”, admite Prudêncio Chacon, presidente do Instituto Nacional de Investigação Agropecuária. Pág. 11

Os indígenas passaram pelo primeiro turno das eleições em festa. Conquistaram quatro prefeituras, cinco vice-prefeituras e 70 cadeiras em câmaras municipais. Numa cidade mineira onde a maioria da população pertence ao povo Xakriabá, foi eleito o primeiro prefeito índio do Estado. Em entrevista ao Brasil de Fato, Mecias Batista, primeiro indígena prefeito em um município do Amazonas, diz que os avanços são resultado da conscientização política e da diminuição do preconceito no voto da sociedade. Pág. 7

Fazenda é desapropriada por ter escravos Em decisão inédita, o governo anunciou a desapropriação da Fazenda Cabaceiras, em Marabá (PA), depois da comprovação, entre outros crimes, de uso de trabalho escravo. A medida beneficia 450 famílias. Desapropriações como essa podem ser facilitadas com a aprovação de uma proposta que determina o confisco de terras onde for constatado trabalho escravo. Por articulação da bancada ruralista, o projeto está empacado no Congresso. Pág. 5

Protesto – Ativistas do Greenpeace participam de ato contra a construção de usinas nucleares, no Rio de Janeiro

Inflação não justifica alta dos juros Pág. 6

E mais: ÁFRICA – Após acordo entre o governo e movimentos sociais da Nigéria, petroleiras devem repassar parte de seus lucros à população do país. Pág. 12 DEBATE – O historiador Mário Maestri critica a participação de tropas brasileiras na intervenção militar no Haiti desde junho. Pág. 14

Mercosul afirma soberania sobre Aqüífero Guarani Pág. 10

Esquerda perto da vitória no Uruguai Pág. 11

Edição de MPs deve respeitar Constituição Direito do poder executivo de editar medidas provisórias (MPs) é assunto controverso entre estudiosos. Apesar de necessário, o uso da medida deve ser criterioso e respeitar o caráter de “urgência e relevância” exigidos pela Constituição. O presidente que mais utilizou o recurso foi Fernando Henrique Cardoso, com 262 edições. Lula já editou 119 MPs. Para o jurista Dalmo de Abreu Dallari, não há necessidade do dispositivo no Brasil. Pág. 4


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De 28 de outubro a 3 de novembro de 2004

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, 5555 Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Dafne Melo e Fernanda Campagnucci 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

Monocultura da soja, crise à vista

A

combinação de quatro fatores é nitroglicerina pura nas projeções e nas ambições do setor. 1. Os insumos estão em alta. A nova crise do petróleo contribui significativamente para isso, pois os insumos químicos utilizados na produção de soja são, na grande maioria, derivados de petróleo. A energia básica usada na produção de soja é o óleo diesel. Assim, a soja é petro-dependente e, neste momento da história, isso significa aumento de custos. 2. Os preços estão em baixa. No âmbito internacional, voltaram aos seus patamares históricos de 10 dólares a 11 dólares a saca de 60 quilos. A China, nova grande compradora, está com grandes estoques acumulados e aumentando a produção interna. A demanda mundial está, portanto, estagnada e equilibrada. Só uma grande quebra de safra em algum país grande produtor alteraria esse quadro. 3. A oferta supera o consumo. E produção crescendo e se expandindo, combinada com consumo estagnado, gera excesso de demanda, que rebaixa imediatamente os preços. A produção mundial prevista para este ano é de 220 milhões de toneladas. O consumo gira em torno de 200 milhões de toneladas. Um bom planejamento estratégico recomendaria

produzir menos soja. Embalado pela alta artificial dos preços nos últimos dois anos, o Brasil vai aumentar sua produção. 4.Aumenta a migração de consumidores. A massiva produção de soja transgênica no mundo está provocando migração de consumidores. Cresce o número dos consumidores que optam por produtos – entre eles o óleo vegetal – não derivados de soja. Soma-se a esse quadro o excessivo endividamento dos produtores de soja. Provavelmente mais uma conta pública para o povo brasileiro pagar quando a crise estourar e os grandes agronegociantes pedirem anistia das dívidas. O Rio Grande do Sul será o mais afetado pela crise. A produtividade no Estado está abaixo da média nacional. A soja gaúcha é 90% transgênica e será a última a ser comprada num cenário de excesso de oferta. Os royalties de R$ 1,20 por saca de soja transgênica colhida (4% do valor) pesarão ainda mais nos custos. A Monsanto agradece. Não é boa, no mercado internacional, a fama da soja gaúcha. Produzida com sementes transgênicas contrabandeadas e sem controle de qualidade, parte da soja gaúcha foi

misturada com sementes tratadas com agrotóxicos e já resultou na devolução de vários navios. Tudo por causa da irresponsabilidade das lideranças do agronegócio gaúcho capitaneados pela Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e pelos veículos de Comunicação do Grupo RBS. Alternativas existem. Necessitam de mudanças drásticas na política agrícola nacional. A primeira delas: priorização do mercado interno e do combate à fome do nosso povo. Mas essas alternativas não são possíveis com as atuais políticas do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e a turma da Monsanto. As alternativas não significam o abandono da produção de soja nem o abandono do mercado externo, mas a combinação da produção de soja com outras culturas, aumentando a diversificação e eliminando os efeitos nefastos da monocultura. E também a implementação gradativa e consistente da produção de soja orgânica. Esta não depende dos insumos químicos e está livre do poder das transnacionais dos agrovenenos e de boa parte dos efeitos danosos da petro-dependência da produção de soja. OHI

FALA ZÉ

CARTAS DOS LEITORES TERRORISMO É preciso conceituar o que é terrorismo, antes de se falar nele. Liquidar civilizações inteiras como sempre foi feito desde os primórdios da civilização não é terrorismo. Lançar armas de extermínio em massa, como fizeram no Japão (Hiroshima e Nagasaki), mesmo com a guerra terminada, não é terrorismo. Invadir países inteiros, matando milhares e milhares de pessoas, também não é terrorismo. Agora, ser atacado – ocasionalmente – como ocorreu em Nova York, não só é terrorismo, como é o maior ato de terror de todos os tempos, segundo mais um absurdo da grande mídia. Existe uma cultura entre governantes em geral que, em nome da governabilidade, manda invadir e matar mesmo que não restem sobreviventes. É uma verdade muito usada e quase não divulgada, é claro. João C. da L. Gomes Porto Alegre (RS) DEMOCRACIA FINANCIADA Você dança com quem te leva ao baile. Essa frase é atribuída ao jornalista Greg Palast (EUA), em um livro de sua autoria, que dá uma visão simplista dos financiamentos privados de campanhas. Num português mais claro, o que consta no livro A melhor democracia que o dinheiro pode comprar é o que podemos verificar hoje em várias administrações públicas deste nosso roubado país: a utilização das estruturas públicas pelos financiadores de campanhas para enriquecimento próprio. Al-

gumas “utilizações” vão camufladas de terceirizações, superfaturamento de serviços ou obras, ou ocupação de cargos de destaques, entre outras. O planeta caminha para a plena dominação das multi e transnacionais; serão as grandes corporações que ditarão a tão sonhada democracia. Há tempos não vemos um político ser eleito por suas idéias e ideais; o que importa é o brinde doado: o boné, a camiseta ou até mesmo o chaveiro para guardar a chave da tão sonhada casa própria, que todos anunciam em palanques como prioridade. É preocupante ver esses passos contínuos e acelerados; o financiamento privado de campanhas dita a democracia mundial, como também as guerras, a subjugação de povos e raças e a destruição do meio ambiente. Fernando Magno Vitória (ES) É preciso comprar essa briga, porque tradicionalmente os maiores doadores no Brasil são instituições financeiras e empreiteiras. Precisamos usar o espaço do Brasil de Fato e levantar bem alto essa bandeira que, sem dúvida, trará importantes dividendos para todas as camadas da população. Após as eleições gerais do dia 3 de outubro esse tema deve estar em pauta, para que tudo seja resolvido e o nosso Brasil seja efetivamente um país politicamente popular e justo. Maurício Picazo Galhardo Sorocaba (SP)

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CRÔNICA

Anestesia local ou antidepressivos? Luiz Ricardo Leitão A última semana foi repleta de manchetes dedicadas aos boletins médicos de duas personagens-chave do cenário global: Fidel Castro, presidente do Conselho de Estado de Cuba, e George W. Bush, um rico playboy que, por força de uma fraude eleitoral, foi empossado na Casa Branca e agora, decerto pelos mesmos artifícios, busca reeleger-se. Os dois representam hoje duas alternativas completamente opostas para o nosso planeta. Fidel é o verdadeiro Davi do Terceiro Mundo: não obstante as sérias dificuldades que sua ilha enfrenta, insiste em defender uma proposta de “globalização da solidariedade”, ilustrada pela ativa presença de médicos e outros profissionais cubanos em várias regiões do hemisfério sul, onde se concentram os povos mais pobres da nova (des)ordem capitalista global. Bush, por sua vez, é Golias: tutelado pelos magnatas da indústria militar ianque e pelos califas do petróleo transnacional, além das elites mafiosas do país (inclusive a direita cubana refugiada em Miami), o seu império terrorista patrocina uma autêntica cruzada pós-moderna contra

o mundo árabe, onde, como todos nós sabemos, repousam as maiores reservas de petróleo da Terra. O comandante Fidel Castro, numa cerimônia de formatura em Santa Clara, no afã de saudar o público, tropeçou, fraturando um braço e um joelho. Os jornais, é óbvio, não perderam a deixa e ressaltaram com fotos e legendas “a queda de Fidel”... O velho guerrilheiro redigiu o seu próprio boletim de saúde e orientou os médicos que o operaram a não ministrar anestesia geral. Enquanto isso, umas poucas milhas ao norte, a imprensa ianque divulgava que o seu onipotente Golias estaria sendo medicado “com drogas contra a depressão, ansiedade e paranóia”, a fim de evitar os freqüentes acessos de fúria provocados pelas perguntas dos repórteres. Segundo a agência Capitol Hill Blue (Jornal do Brasil, 23/10), isso diminuiria “a capacidade física e mental (?!) do presidente”. Um consultor republicano chegou a admitir que Bush “é meio maluco”, o que “não é bom para o partido nem para o país”. O psiquiatra Justin Frank, autor do livro Bush e o sofá: por dentro da mente

do presidente, diagnosticou-o como “paranóico megalomaníaco”; seu perfil instável e patológico remonta à infância, quando se divertia explodindo sapos com fogos de artifício, e reafirma-se já adulto no prazer que o playboy sentia com as execuções no Texas. Vejam como são as coisas... De um lado, Fidel recomenda apenas “anestesia local”, para não perder a lucidez neste mundo cada vez mais neurótico. Do outro, um paranóico “eleito” imperador é medicado com antidepressivos, para que o show das corporações possa continuar, à custa de sangue e petróleo. Aliás, vale a pena indagar qual seria o melhor remédio para este mundo espoliado e dividido. E, que mal pergunte, de que medicamento o companheiro, digo, o presidente Lula estaria carecendo: anestesia local, antidepressivo, ou, quem sabe, uma pílula de Fosfosol? Luiz Ricardo Leitão é editor e escritor. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é também professor adjunto da Universidade Estadual do RJ

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NACIONAL DITADURA

Essa é a hora de conhecer a verdade

POSIÇÕES CONTROVERSAS As posições governamentais em relação à abertura dos arquivos da ditadura são controversas. O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, pediu “serenidade” no debate, para evitar “revanchismos”. O ministro da Defesa, José Viegas, admitiu que “alguma mudança será necessária”, mas não quer “reabrir feridas”. O secretário especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, disse que o governo poderá abrir para um grupo restrito o acervo de fotos identificadas inicialmente como sendo de Herzog. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que quer manter os arquivos fechados, recomendou aos militares dialogar com o Legislativo.

ABERTURA DOS ARQUIVOS Cecília Coimbra, ex-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, classificou a postura do governo de “lamentável”, pois lembra a abertura lenta, gradual e segura do governo do general Ernesto Geisel. “Declarar que DOI-Codi – Sigla vão abrir os arque designou o quivos, mas vaDestacamento de Operações de Inforgarosamente, é mações - Centro de ridículo. É laOperações de Dementável que fesa Interna, órgão repressivo do regime companheiros ditatorial brasileiro. que estão no governo e são ex-presos políticos se comportem de tal forma. Em nome da governabilidade, fizeram acordos espúrios para manter a impunidade de crimes contra a humanidade”’, diz Cecília. Ela afirma que não só as famílias das pessoas assassinadas na ditadura têm o di-

O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda

Após exigência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o alto comando do Exército lamentou a morte do jornalista Herzog

A história pode ser diferente Após a democratização, a Argentina conseguiu colocar na cadeia chefes militares envolvidos em práticas de tortura e mortes, e instituiu o pagamento de indenizações aos familiares de mortos e desaparecidos. Foi organizado um dossiê (por iniciativa do governo civil) com declarações de centenas de vítimas das torturas, lançado no governo Raul Alfonsín, com o nome “Nunca Más”. No dossiê estão contabilizados os 8960 mortos e desaparecidos oficiais. Apesar dos militares argentinos terem sido anistiados, um comandante do Exército, general Martín Balza,

pediu desculpas em público, num programa de TV, pelas atrocidades cometidas durante a ditadura. Em março de 2004, o presidente argentino Néstor Kirchner inaugurou o museu da ditadura. Com os olhos cheios de lágrimas, pediu perdão em nome do Estado “por este ter calado sobre tantas atrocidades durante vinte anos de democracia” – o regime militar foi de 1976 a 1983. O museu fica no prédio da Escola de Mecânica da Armada (Esma), o maior centro de tortura e detenção do país. No Chile, o governo paga uma pensão aos parentes de desapareci-

dos, inclusive estrangeiros. A Suprema Corte mandou para a cadeia dois oficiais envolvidos no assassinato de um ex-ministro deposto do presidente Salvador Allende. Também foi organizado, em 1993, um dossiê sobre o período da ditadura, chamado “Informe de La Comission Nacional de Verdade Y Reconciliacion”. Em setembro de 2004, uma juíza chilena determinou que o Estado pagasse indenizações de 730 mil dólares pelos danos causados às famílias de dois presos desaparecidos durante a ditadura militar. (TM)

reito de saber o que aconteceu, mas também o país, que precisa lidar melhor com seu passado. O Grupo Tortura Nunca Mais lançou a campanha “Pela imediata abertura dos arquivos do terror”, que pede ainda a anulação do decreto 4553. Editado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 27 de dezembro de 2002, exatamente quatro dias antes de ele transmitir o cargo a Lula, esse decreto amplia os prazos de sigilo de todas as categorias de documento, permitindo sigilo eterno aos arquivos considerados ultra-secretos. Tudo o que for classificado como “ultra-secreto” deve permanecer em segredo por no mínimo 50 anos, e esse prazo pode ser renovado indefinidamente. A ex-presidente da entidade de direitos humanos lembra que o tal decreto do “sigilo eterno” foi referendado em fevereiro de 2003, no começo do governo Lula. Segundo a diretora do Tortura Nunca Mais, “de uma vez por todas, as circunstâncias das mortes dessas pessoas têm que ser esclarecidas”, como foi feito em outros países da América Latina onde ocorreram ditaduras militares, como Chile e Argentina. “Não somos revanchistas, como o Exército diz. O presidente e a cúpula do governo têm medo dos militares”, diz Vitória, referindo-se à nota emitida pelo Exército com a defesa da existência de órgãos como o DOI-Codi, onde os militares argumentavam “que as medidas tomadas pelas forças legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusavam o diálogo”. Depois de o presidente Lula exigir uma retratação pública, o Exército divulgou uma nova nota se retratando por essa, entre outras afirmações da primeira nota. A Anistia Internacional, em nota de apoio à Campanha, afirma estar preocupada com “os impedimentos colocados por sucessivos governos, incluindo este, para garantir o acesso público aos arquivos ou a outras informações sobre vio-

lações de direitos humanos naquele período (da ditadura)”. Entre tais impedimentos, a Anistia inclui a recente decisão da Advocacia Geral da União de apelar à decisão da Suprema Corte, que determinou a investigação e a apresentação de descobertas sobre os desaparecidos do Araguaia e a montagem de uma Comissão Interministerial para investigar a localização dos desaparecidos do Araguaia sem a

participação da sociedade civil ou das famílias das vítimas.

DOSSIÊ ARAGUAIA O presidente Lula recebeu um dossiê com documentos que comprovam a existência do banco de dados sobre a guerrilha, incluindo fotografias de militantes do PCdoB mortos em combate com tropas do Exército. O dossiê foi montado por um grupo de pesquisadores e

assessores que atuaram na CPI de Perus – responsável pela descoberta de ossadas de militantes de organizações de esquerda, mortos pelos serviços de segurança do regime militar, em São Paulo – e na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, nos anos 90. Também constam do dossiê fotos de desaparecidos, feitas em 1974 e relatórios sobre as operações Papagaio, Sucuri e Manobra do Araguaia, com datas de morte e prisão de guerrilheiros, nomes de militares de mortos e de moradores investigados, além da lista de oficiais e agentes integrantes das tropas regulares. O levantamento aponta, ainda, que em 1993, oito anos após o último governo militar, o ministro da Justiça do governo Collor, Maurício Corrêa, recebeu relatórios das três Forças Armadas sobre 144 desaparecidos, com informações e datas da morte da grande maioria dos guerrilheiros. Está parado na Câmara um projeto, de autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que suspende os efeitos do decreto 4553. O projeto recebeu parecer parcialmente favorável do relator, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), em novembro de 2003, mas espera votação da Comissão de Constituição e Justiça antes de seguir para o plenário. A deputada acredita que o decreto do presidente FHC fere a transparência necessária aos atos da administração pública e considera excessiva a ampliação do prazo de sigilo dos documentos classificados como ultra-secretos.

Herzog, um símbolo contra a repressão da Redação Vladimir Herzog (1937-1975) nasceu em Osijsk, na então Iugoslávia, filho de Zora e Zigmund Herzog. Chegou ao Brasil aos nove anos de idade e, aos 22, começou a carreira de jornalista. Trabalhou em diversos meios de comunicação de São Paulo, nos cargos de repórter, redator e chefe de reportagem. Em 1973, entrou para a TV Cultura, onde se tornou diretor do departamento de telejornalismo. Acatando intimação feita pelo Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo, órgão de repressão da ditadura militar, Herzog foi preso dia 25 de outubro de 1975, acusado de ter vínculos com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). No mesmo dia, Herzog morreu, em conseqüência das torturas sofridas. Segundo a versão oficial divulgada na época, ele teria se enforcado com o cinto do macacão de presidiário, que vestia desde sua entrada no DOI-Codi. Os jornalistas George Duque Estrada e Rodolfo Konder, detidos na mesma época e no mesmo local, afirmaram em testemunhos à polícia que Herzog foi assassinado sob tortura e seu corpo foi arrastado e pendurado em uma grade, simulando um suicídio. Em 1978, a Justiça declarou a União responsável pela morte de Herzog. (Com informações do Grupo Tortura Nunca Mais)

Divulgação

A

divulgação de fotos que seriam do jornalista Vladimir Herzog, pouco antes de seu assassinato, em 1975, nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, reacendeu a discussão de um assunto tratado com obscuridade pelo governo brasileiro: a abertura dos arquivos da ditadura militar. Ao gerar atritos entre governo, Forças Armadas e organizações de direitos humanos, o episódio das fotos indicou, acima de tudo, que a história brasileira ainda deve ter muito a ser revelado. As contradições confirmam essa hipótese. Recentemente, o ministro da Defesa José Viegas afirmou que os arquivos da guerrilha do Araguaia foram eliminados, assim como os “termos de destruição” que permitiram essa medida. No entanto, um ministro do mesmo governo, Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, divulgou uma nota, dia 22 de outubro, informando que a Agência Nacional de Informações (Abin) tem arquivos da época da ditadura. Para Vitória Grabois, diretora do Grupo Tortura Nunca Mais, a divulgação das fotos provenientes de “investigação ilegal conduzida no ano de 1974 pelo antigo Serviço Nacional de Informação (SNI)”, como diz a nota do secretário de Direitos Humanos, é uma prova da existência desses documentos secretos. Apesar de o governo brasileiro sustentar que as fotografias divulgadas não são de Herzog, mas do padre canadense Leopold d´Astous, seqüestrado em 1973 por agentes da repressão, Clarice Herzog, viúva do jornalista, reconheceu seu marido na foto em que um homem nu aparece com um relógio no pulso. Perito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ricardo Molina, também contesta a versão do governo: “Não é possível dizer que não é ele. As fotos têm muitas compatibilidades”. De qualquer maneira, as fotos revelam uma situação de abuso de poder, ao retratar a humilhação de um cidadão sob a custódia do Estado.

Marcello Casal Jr/ABr

Tatiana Merlino da Redação

Hermínio Oliveira/ABR

Ativistas retomam pressão por revelação de documentos, após divulgação de supostas fotos de Herzog na prisão

Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar em 25 de outubro de 1975


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Dioclécio Luz Latifúndio da mídia No dia 25 de outubro, a Polícia Federal e a Anatel fecharam 15 rádios em Belo Horizonte e região metropolitana. Um deficiente visual foi preso, algemado e levado no camburão. Os latifundiários da comunicação festejam esta eficiência dos órgãos de repressão no “novo” governo. Soberania midiática 1 Em participação especial para a TV Comunitária do Distrito Federal, por telefone, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, defendeu a criação de uma rede latino-americana de TVs e rádios comunitárias. Soberania midiática 2 Muito do que se vê nas telas de TV do Brasil vem de fora. Tudo cópia da TV estadunidense. Alguns exemplos são as roupas das moças ou do rapaz do tempo, o Jô Soares 11 e meia (cópia de David Letterman), No limite. Já os closes dos torcedores no estádios de futebol foram copiados do modelo europeu. Originalidade não é o forte das TVs comerciais brasileiras. Anatel para quem? Em Brasília, depois de conhecer estudos sobre riscos à saúde causados pelas torres de celular, a promotoria local determinou que as empresas telefônicas deveriam retirar todas as torres instaladas nas proximidades de escolas e hospitais. Um órgão público, porém, saiu em defesa das empresas. Qual? A Anatel, claro. É só bulir com o mercado que a Anatel aparece para defender seus interesses. É natural ela foi criada pra isso. Venezuela e a baixaria na TV A Campanha Contra Baixaria na TV, que todo dia recebe denúncias dos abusos praticados pela nossa medíocre televisão brasileira, poderia seguir um exemplo da Venezuela. Lá, Chávez apresentou projeto de lei que cria um organismo estatal para avaliar o conteúdo da programação das rádios e TVs. Dessa forma, se previne contra as baixarias e, quem sabe, impede que as emissoras propaguem mentiras como se fossem verdades algo que a emissoras venezuelanas, reconhecidamente golpistas, têm feito insistentemente. Vladimir Herzog 1 O cineasta João Batista de Andrade O homem que virou suco vai retomar um projeto antigo: fazer um documentário sobre a vida e a morte do jornalista Vladimir Herzog. Já está refazendo o roteiro em função das notícias mais recentes sobre o caso. Vlado, como era tratado pelos amigos, era diretor da TV Cultura de SP quando foi torturado e morto pelo Exército, nos porões do DOI-Codi. Vladimir Herzog 2 A TV Câmara levou o Prêmio Vladmir Herzog, de Anistia e Direitos Humanos, na categoria documentário. O trabalho premiado é o documentário Florestan Fernandes o mestre, dirigido pelo jornalista Roberto Reis Stefanelli. O documentário Contos da Resistência, produzido pelo jornalista Gtesemane Luiz da Silva e equipe ganhou menção honrosa. A premiação é para os jornalistas que, pelo seu trabalho, colaboraram com a promoção da cidadania e dos direitos humanos e sociais. Mulheres nas mãos dos homens Um grupo de homens do Supremo Tribunal Federal (STF) quer impedir que as mulheres tenham direito a interromper a gravidez quando o feto for anencéfalo (sem cérebro). Querem obrigar as mulheres a 9 meses de dor e angústia sabendo que o filho morrerá logo após o parto.

GOVERNO

Medidas provisórias e polêmicas Abuso do direito de apelar ao dispositivo não é privilégio do governo Lula Dafne Melo da Redação

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elevância e urgência. Essas devem ser as características de uma medida provisória (MP) editada pelo presidente da República, conforme regulamenta o artigo nº 62 da Constituição. Entretanto, desde sua criação, o dispositivo foi incorporado de forma quase rotineira pelo poder Executivo no Brasil, muitas vezes sem levar em conta os critérios necessários. Em setembro, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, afirmou que o atual governo “prostitui” o uso das MPs e citou como exemplo a criação por MP do programa Universidade Para Todos (ProUni), matéria que já tramitava no Congresso na forma de projeto de lei – o que, para Busato, atropelou o processo democrático. O abuso desse direito pelo Executivo, entretanto, não é privilégio apenas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com estatísticas da Casa Civil da Presidência da República, José Sarney (19851990) editou 147 MPs; Fernando Collor (1990-1992), 160; Itamar Franco (1992-1994), 505. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) editou 262 MPs nos dois mandatos. Até agora, Lula editou 119 e assinou mais 33 que estão em tramitação na Câmara dos Deputados. Para o professor do Departamento de Direito da PUC-SP, Pedro Estevam Serrano, o dispositivo é necessário, mas deve ser usado de modo a atender às situações emergenciais e de interesse público: “Em situações que não poderiam ser previstas, a MP é necessária. Se de repente uma situação emergencial no sertão nordestino pede mais recursos financeiros para a região, é preciso uma MP para mudar o orçamento”, exemplifica. Entretanto, Serrano acredita que a prerrogativa vem sendo usada de maneira inconstitucional e que seu uso excessivo gera um desequilí-

Roosewelt Pinheiro/ABR

da mídia

NACIONAL

Auditório do senado durante a votação da primeira medida provisória que liberou o plantio e a venda de transgênicos

brio entre os poderes por possibilitar uma concentração excessiva de poder nas mãos do executivo, que também passa a legislar. Uma vez que as votações das MPs são emergenciais, o legislativo deve dar preferência à votação das MPs editadas pelo executivo, deixando em segundo plano leis elaboradas pela própria casa. Para Serrano, isso só é possível porque se criou no Brasil uma tradição de um executivo forte e centralizador. “Essa herança não é só devido ao regime militar, mas também de governos como o de Getúlio Vargas. A violação da constituição, aqui, não é vista com gravidade, ainda não houve um amadurecimento nesse sentido”, acredita Serrano.

FIM DAS REEDIÇÕES A quantidade de MPs não é excessiva, mas a necessária para se governar, na opinião de Fernando Limongi, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e presidente do Centro Brasileiro de Análise e

Planejamento (Cebrap). “A média de edições vem se mantendo. O grande problema, na verdade, eram as reedições, que estão proibidas”, acredita Limongi. Com a aprovação da emenda constitucional nº 32, em 2001, as MPs não podem mais ser reeditadas. Segundo a Constituição, a MP passa a valer, com força de lei, a partir da data de sua publicação no Diário Oficial da União. Antes da aprovação da emenda, a medida valia por 30 dias, período em que deveria ser votada pelo Congresso Nacional. Caso não fosse votada, podia ser reeditada sem limites – o que, na prática, possibilitava a vigência de uma MP por longos períodos, sem aprovação. Com a emenda, a medida vale por 60 dias com possibilidade de prorrogação por mais 60. Se, ao final de 120 dias, a Câmara dos Deputados não tiver concluído a votação, a MP deixa de vigorar. O argumento de que o uso indiscriminado e excessivo de medidas provisórias compromete a pauta do legislativo, que fica à mercê

do executivo, também é rebatido por Limongi. “Muitas vezes essa é uma desculpa usada por deputados e senadores”, diz o professor. Ele explica que, na votação de uma lei ordinária, os deputados se expõem muito mais para a opinião pública, principalmente quando se trata de um assunto polêmico. “Não se pode esquecer que a Câmara tem o poder de rejeitar as MPs. Caso isso aconteça, o executivo não pode fazer nada. Mas às vezes é conveniente dizer que o executivo é quem impôs a aprovação de uma lei”, completa Limongi. Para o jurista Dalmo de Abreu Dallari, em um regime democrático o executivo não deveria ter o poder de legislar. “A MP deveria ser retirada da Constituição. No Brasil não há necessidade nenhuma. O legislativo está disponível e pode ser chamado para votações em caráter urgente a qualquer momento. Além disso, o presidente já tem o direito de priorizar a votação de um determinado projeto de lei, se quiser”, diz o jurista.

ENERGIA NUCLEAR

Greenpeace exige o fim da aventura brasileira da Redação O Greenpeace lacrou, a partir das 6h do dia 26 de outubro, as portas da sede das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, como forma de protesto para exigir que o governo brasileiro encerre de uma vez por todas a aventura nuclear do país. Mais de dez ativistas do Greenpeace participaram da ação pacífica, fechando os portões da empresa e acorrentando-se a tambores estampados com o símbolo de radioatividade. Folhetos explicando os motivos e as reivindicações da organização foram entregues aos funcionários da INB que chegavam ao trabalho. Uma faixa com os dizeres “Basta de aventura nuclear” informava a população sobre a atividade. “Depois das declarações desastrosas do ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, anunciando que o governo Lula investirá bilhões de dólares na construção de cinco usinas atômicas, na continuidade do projeto de enriquecimento de urânio e na fabricação de submarinos nucleares, decidimos fazer algo. É fundamental que a maioria da população brasileira, que é contrária a esse desperdício de dinheiro público, seja ouvida”, disse Sérgio Dialetachi, coordenador da campanha de Energia do Greenpeace.

OBJETIVOS REAIS Em recente pesquisa de opinião realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), 82,3% dos entrevistados opuseram-se à constru-

Rodrigo Baleia/Greenpeace

Espelho

Protesto do Greenpeace contra a construção de usinas nucleares

ção de usinas nucleares no Brasil, acreditando que o país pode se desenvolver usando fontes de energia mais limpas, baratas e seguras. A polêmica sobre o enriquecimento de urânio tem levantado suspeitas sobre os reais objetivos do programa nuclear brasileiro e

criado constrangimento para o país diante da comunidade internacional. O submarino nuclear, mesmo depois de ter consumido 1 bilhão de dólares e vinte anos de pesquisas, ainda não saiu do papel e precisará de outro bilhão de dólares em investimento militar e mais dez anos

de trabalho para ser concluído – já tendo inclusive sido tratado na imprensa nacional como ‘a mais cara maquete de submarino do mundo’. “A indústria nuclear é um verdadeiro rombo nos cofres públicos. Antes de pensar em investir em energias sujas, o governo brasileiro precisa matar a fome de milhões de cidadãos”, comentou Dialetachi. A deficitária INB, responsável pela mineração do urânio e produção do combustível para as usinas atômicas, tem sofrido acidentes e contaminado seus funcionários. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM), que deveria fiscalizar todas as atividades nucleares e radiológicas, foi denunciada no Congresso Nacional como incapaz de lidar com uma emergência mais grave, deixando o país à beira de um outro acidente como o de Goiânia, em 1987, cujas vítimas aguardam até hoje por uma assistência adequada. A Eletronuclear, empresa responsável pelas usinas nucleares, custa R$ 1 milhão por dia e só consegue gerar cerca de 2% da eletricidade produzida no Brasil. Todos os meses, 0,3% do valor de cada conta de luz paga nos Estados do Sul e do Sudeste são desviados para manter a Eletronuclear em funcionamento. “Chega de jogar dinheiro fora com tecnologias ultrapassadas, caras, sujas e perigosas, como a energia nuclear. O Brasil pode gerar toda a energia de que precisa para o seu desenvolvimento por meio de fontes renováveis, limpas e seguras”, disse o coordenador da campanha de Energia do Greenpeace. (Greenpeace, www.greenpeace.com.br)


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NACIONAL DESMATAMENTO

Mobilização tenta impedir corte de floresta Eduardo Zen de Porto Alegre (RS)

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entenas de moradores dos municípios atingidos pela Hidrelétrica de Barra Grande iniciaram uma grande mobilização para impedir o desmatamento de dois mil hectares de florestas virgens de araucária e mais quatro mil hectares de florestas em estágio avançado de regeneração, que estão ameaçados pela construção da usina localizada sobre o Rio Pelotas, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. A barragem recebeu a licença prévia em 1999 com base num estudo de impacto ambiental fraudulento, que escondeu a existência da floresta de araucária ameaçada de extinção, relatando que a área a ser alagada era coberta por “capoeirões”. Toda a atividade de extração de madeira está paralisada, neste momento. Por volta das 5 horas da manhã do dia 21 de outubro, os agricultores iniciaram bloqueios nas comunidades de São Vicente e Capela São Paulo, no município de Anita Garibaldi (SC), e em mais quatro localidades do município de Pinhal da Serra (RS), impedindo o acesso dos ônibus que transportavam os operários contratados para o corte das araucárias. Estima-se que cerca de mil funcionários estejam atuando no corte da mata atlântica na região, mas o trabalho está sendo impedido pelos moradores. Segundo Érico da Fonseca, morador de Pinhal da Serra e um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a mobilização é por tempo indeterminado. “A barragem está quase pronta e além da fraude no Estudo

Fotos: Adriano Becker

Liberada por estudo de impacto ambiental fraudulento, a Barragem Barra Grande ameaça reservas de araucária

Acima, barragem, nos detalhes, partes da floresta que pode ser destruída. Abaixo, assembléia dos atingidos por barragens, realizada no dia 18

de Impacto Ambiental, ainda faltam ser reassentadas mais de 600 famílias que estão sendo expulsas de suas terras”, denuncia. A decisão de impedir o corte da floresta foi tomada em assembléia realizada dia 18, quando cerca de 1.200 pessoas estiveram reunidas

em Anita Garibaldi para avaliar os problemas sociais e ambientais causados pela construção de Barra Grande e também pela usina de Campos Novos, localizada próxima à região. Esteve presente à assembléia o coordenador-geral de Licenciamento do Ibama, Luiz

Felipe Kunz Júnior, segundo o qual “se os dados verdadeiros da área que seria alagada tivessem sido apresentados no momento da liberação da construção da barragem, talvez a decisão tivesse sido diferente”. Segundo André Sartori, da coor-

denação do MAB em Anita Garibaldi, todos os moradores da área que será alagada e proximidades estão em alerta para qualquer movimentação dos operários responsáveis pelo desmatamento: “A Barragem de Barra Grande deve se transformar num símbolo de descaso contra o ambiente e a população atingida. Não podemos permitir que a fraude, que o fato consumado, se torne regra nos licenciamentos ambientais do setor elétrico pelo país”. A Baesa, consórcio responsável pela Barragem de Barra Grande, enviou ofício ao MAB acusando recebimento da pauta de reivindicações mas anunciando que não irá negociar enquanto os moradores continuarem impedindo o desmatamento da região.

TRABALHO ESCRAVO

Fazenda dos Mutran é desapropriada no Pará da Redação Em uma decisão inédita, a Presidência da República desapropriou, por constatação de emprego de mão-de-obra escrava, a Fazenda Cabaceiras, que fica em Marabá, no sul do Estado do Pará. A desapropriação vai beneficiar cerca de 450 famílias, aproximadamente 2 mil pessoas, que há cinco anos estão acampadas em parte da fazenda e resistem às ameças dos proprietários. Esses trabalhadores rurais terão suas terras regularizadas, dentro dos 9.774 hectares da fazenda pertencente à família Mutran. A coordenadora de educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará,

Isabel Rodrigues, diz que agora será formada uma comissão de especialistas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para avaliar os bens da fazenda, fazer o pagamento ao proprietário e dar início à execução do projeto de assentamento. “Só a partir daí é que o assentamento, chamado 26 de março, terá direito a recursos para infra-estrutura e produção”, afirma Isabel. A coordenação do movimento espera que o processo termine até o primeiro semestre do ano que vem. A Fazenda Cabaceiras não foi desapropriada unicamente pelo crime de trabalho escravo, mas também por ser improdutiva e abrigar crimes ambientais. Seus

98 propriedades rurais estão nas listas “sujas” Leonardo Sakamoto de São Paulo (SP) O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou, dia 19 de outubro, portaria que institui o “Cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas às de escravo” – as conhecidas “listas sujas” do trabalho escravo –, que torna públicas as regras para inclusão e exclusão de nomes. Duas relações já foram divulgadas, em novembro de 2003 e em julho deste ano. Juntas, elas contam com 98 propriedades rurais espalhadas pelos Estados de Rondônia, Pará, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Minas Gerais. A atualização é semestral. Segundo as regras do MTE, a inclusão do nome do infrator acontecerá após o final do processo administrativo criado pelos autos

da fiscalização. A exclusão, por sua vez, depende de monitoramento do infrator pelo período de dois anos. Se durante esse período não houver reincidência do crime e forem pagas todas as multas resultantes da ação de fiscalização e quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome será retirado. De acordo com a portaria, os seguintes órgãos receberão a listagem: ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Integração Nacional, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério da Fazenda e o Banco Central do Brasil. Estes últimos interessam, especialmente, pois são responsáveis por criar restrições de créditos aos nomes da “lista suja” em todas as instituições financeiras. (Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)

proprietários são conhecidos no Pará pelo uso da violência contra trabalhadores rurais e apropriação de terras de forma ilegal. O MST já denunciou até a existência de cemitério clandestino na propriedade, que foi objeto de várias fiscalizações do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, que encontrou pessoas submetidas a trabalho degradante em diversas ocasiões. A família Mutran recebeu multa por dano moral no valor de R$ 1.350.440, a ser paga em dezoito parcelas mensais, a partir de 27 de agosto, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Uma ação do Ministério do Trabalho e Emprego, realizada em fevereiro, em conjunto com a Polícia

Federal e o Ministério Público do Trabalho, libertou 13 trabalhadores e obrigou o proprietário a pagar R$ 20.993,15 de direitos trabalhistas. A Cabaceiras aparece na “lista suja” do trabalho escravo no Brasil (veja reportagem abaixo).

LENTIDÃO NO CONGRESSO A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 438, de 2001, que determina o confisco de terras onde for constatado trabalho escravo, continua empacada no Congresso. Aprovada em comissão especial por unanimidade, depois de acordo da bancada do governo com representantes dos ruralistas, a matéria chegou a ser colocada em discussão no Plenário em maio, mas o depu-

tado Miro Teixeira (PPS) contestou a redação da PEC. No Plenário, os ruralistas também não cumpriram o acordo firmado na comissão. Até a falta de quórum impediu que a PEC fosse votada. Para aprová-la, são necessários votos favoráveis de 2/3 dos 513 parlamentares da Câmara. O recesso do mês de julho e, logo depois, o período eleitoral, tornaram praticamente impossível sua votação. O presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT), prometeu para os próximos dias a votação das MPs, projetos de lei e emendas que estão trancando a pauta da casa, como é o caso da PEC do trabalho escravo. (Com Adital, www.adital.com.br)

REFORMA AGRÁRIA

Parlamentares denunciam presidente da CPMI da Terra da Redação Em repercussão ao vazamento de informações sigilosas da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, da Câmara Federal, que investiga a questão agrária brasileira, foi entregue aos presidentes da Câmara e do Senado, dia 20 de outubro, representação contra o presidente da Comissão, senador Álvaro Dias (PSDB), acusado de ter infringido o regimento interno do Senado ao divulgar documentos de natureza sigilosa encaminhados para investigação na CPMI. Assinada por seis deputados e cinco senadores, a representação acusa o senador Álvaro Dias de transcrever, reproduzir e remeter aos membros da Comissão informações de natureza sigilosa relacionadas às

contas da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab). Diz ainda que a imprensa teve acesso às informações – que, pelos regimentos do Senado e do Congresso, só poderiam ser comunicadas aos membros da CPI em reunião secreta – antes dos parlamentares. De acordo com o parágrafo único do artigo 144 do regimento do Senado, “a inobservância do caráter secreto, confidencial ou reservado de documentos de interesse de qualquer comissão sujeitará o infrator à pena de responsabilidade”. Segundo o relator da CPI, a penalidade pode ser até de suspensão do mandato, dependendo da análise do Conselho de Ética. João Alfredo lembrou que o Supremo Tribunal Federal chegou a conceder liminar sustando a transferência do sigilo bancário da

Concrab à CPMI da Terra. Depois o relator, ministro Gilmar Mendes, suspendeu a liminar, ressalvando que “o exame dos documentos deve ficar restrito apenas à CPI, que deverá adotar rígidas providências para que seu conteúdo não seja indevidamente divulgado”. A representação cita também que funcionárias da Comissão chegaram a alertar a presidência sobre a inconveniência da divulgação dos documentos da Concrab. De acordo com o deputado Jamil Murad, o presidente da CPMI da Terra está fazendo com que a Comissão se desvie de seu objetivo original – o de investigar a situação fundiária brasileira – para procurar incriminar as vítimas da violência no campo, os sem-terra. (Adital, www.adital.com.br)


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NACIONAL BANCO CENTRAL

Mais um tiro contra o próprio pé

Hamilton Octavio de Souza Poder real O Superior Tribunal de Justiça acaba de tomar uma decisão espetacular, digna de órgão do Poder Judiciário empenhado em promover a justiça na sociedade brasileira: o cliente de banco que reclamar de algum saque irregular na sua conta, se apresentar queixa judicial, ele próprio – a vítima – terá de provar que o banco agiu com imprudência, imperícia ou negligência. Como se vê, tudo muito equilibrado entre os bancos e seus clientes. Risco Brasil Por mais que o governo brasileiro demonstre sua docilidade ao chamado “mercado internacional”, também conhecido como o clube do capital especulativo, as empresas estrangeiras que orientam os investimentos continuam sinalizando aumento de risco aqui no país. O pior é que a área econômica do governo Lula leva esse pessoal a sério. Efeito inverso O apoio declarado de Paulo Maluf para a candidatura de Marta Suplicy, em São Paulo, aparentemente causou mais prejuízos do que ganhos para o PT, já que muitos militantes consideraram essa aliança a gota d’água do limite político e caíram fora da campanha. Personalidade influente no catolicismo, Plínio de Arruda Sampaio declarou publicamente a defesa do voto nulo.

Equipe econômica eleva juros quando os preços e a inflação persistiam em baixa Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

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uma conspiração do mundo real contra a equipe de economistas do Banco Central (BC), dois dias depois do anúncio de um novo “choque de juros” – definição da empresa de consultoria econômica e financeira Global Invest –, outro órgão federal, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou a mais recente pesquisa sobre a inflação no país. Os resultados do levantamento desautorizam as alegações apresentadas pela equipe do BC para justificar o novo aperto para consumidores e empresas. Segundo o IBGE, a inflação acumulada entre os dias 14 de setembro e 13 de outubro permaneceu inalterada em 0,32%. Na verdade, houve mesmo um ligeiro recuo, uma vez que a variação dos preços em geral na economia, nos 30 dias de setembro, havia atingido 0,33%. Ou seja, a velocidade de elevação dos preços foi mantida em outubro, depois de baixas expressivas nos meses anteriores, e não há, até o momento, fatores que justifiquem novas altas da inflação. Pelo contrário, conforme aponta o analista Paulo Gomes, da Global Invest.

QUEDA, LÁ FORA Pura decadência A prisão de Duda Mendonça numa rinha de briga de galo, no Rio de Janeiro, apenas reforça na mídia o escândalo que tem sido a relação do PT, do governo Lula e da campanha da Marta Suplicy com esse esquemão publicitário. O time do abafa tudo já entrou em campo para zelar pela imagem do grande guru da publicidade política. Esmola oficial O governo federal inicia na próxima semana mutirão para distribuir milhões de cartões do Bolsa-Família em todo o Brasil. Tem gente que chama o programa de distribuição de renda ou de “política compensatória” do que é proporcionado ao capital no modelo neoliberal, mas, no fundo é mesmo apenas uma esmola dos ricos repassada pelo Estado. Como cantava Luiz Gonzaga, a “esmola mata de vergonha ou vicia o cidadão”. Rapidinha sindical A Força Sindical, central que faz oposição ao governo Lula, tem realizado greves de um dia nas empresas de São Paulo, especialmente na sua base metalúrgica. Na última semana, paralisou 27 empresas e conseguiu reajustes salariais em 22 empresas – em todas com 4% de aumento real e acima da correção da inflação. Mobilização pedagógica Professores, estudantes e movimentos de trabalhadores da educação estão prometendo uma grande mobilização, em todo o Brasil, para o dia 11 de novembro, contra as propostas neoliberais de reforma do ensino superior encaminhadas pelo ministro Tarso Genro. O descontentamento no setor aumenta a cada dia. Marcha federal O 11º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, encerrado domingo em Fortaleza, Ceará, aprovou, entre outras lutas, a realização de uma “marcha sobre Brasília para barrar a reforma do ensino superior”, no dia 25 de novembro. Desmonte geral Considerada uma das melhores emissoras de rádio e televisão do mundo, a BBC de Londres tem sido referência incontestável para muita gente da mídia brasileira. Agora a emissora inglesa acaba de divulgar que o Brasil ocupa o 66º lugar no ranking mundial de liberdade de imprensa. Mais um mito que cai.

A decisão do BC, diz ele, veio num momento de baixa para os preços dos alimentos e matérias-primas (como cobre, níquel, alumínio e zinco, por exemplo, utilizados pela indústria). Os preços da soja no mercado internacional, que atingiram níveis recordes em março, iniciaram um processo de queda desde então, amplificada pela recente previsão de colheitas recordes em todo o mundo, divulgada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Desde meados de setembro, quando o BC aumentou os juros de 16% para 16,25%, as cotações internacionais da soja despencaram mais de 7%. Nos dez dias anteriores ao anúncio do novo aumento dos juros, agora para 16,75% ao ano, o preço do níquel havia baixado 20%, enquanto o zinco experimentava desvalorização de 13%, e o cobre, perda de 12%. A cotação do alumínio, por sua vez, sofreu redução de 5%.

Fotos: Almeida Rocha/ Folha Imagem

Fatos em foco

Além do impacto negativo sobre a economia, a alta dos juros pode levar o governo a cortar gastos em diversas áreas

Aqueles metais são matériasprimas básicas para a indústria de carros, eletrodomésticos e eletroeletrônicos, telecomunicações, entre outros setores, incluindo, aqui, a transmissão de energia elétrica. Sua queda vai ajudar a baratear os custos, daqui para frente, de todas aquelas indústrias, ajudando a segurar a inflação, internamente. Idem com a soja. A redução dos preços, lá fora, também tem provocado reduções, aqui dentro – o que deverá estimular a indústria a cobrar preços menores para o óleo de soja e o farelo (afetando, positivamente, os preços de aves e suínos). Ainda nesta área, os preços do milho estão igualmente em baixa, o que tende, da mesma forma, a pelo menos desestimular altas para os preços do frango e da carne de porco. O BC argumenta que os preços do petróleo subiram muito, atingindo 54 dólares a 55 dólares por barril, diante de 28 dólares a 30 dólares, há pouco mais de um ano. “Vale lembrar”, diz um relatório recente da Global Invest, “que a dependência de importar (o petróleo) tem se reduzido constantemente, fato que minimiza os reflexos sobre os preços praticados internamente”. Mais claramente, o país hoje im-

porta o correspondente a menos de 20% de suas necessidades de petróleo, o que lhe permite alguma folga para administrar os preços dos combustíveis, sem a necessidade de repassar os aumentos externos de forma integral e automática.

DÍVIDA CRESCE A alta dos juros, não fosse o impacto negativo sobre a atividade econômica, no médio prazo, carrega um outro tipo de inconveniente. A elevação vai aumentar as despesas do governo com os juros que incidem sobre sua dívida, obrigando-o a cortar gastos em outras áreas. Caso as taxas atuais sejam mantidas por um período de doze meses, o gasto adicional com juros atingiria R$ 3,4 bilhões, em valores arredondados, se comparado à despesa prevista quando os juros estavam em 16% ao ano. Em setembro, quando foi retomada a política de aumento dos juros, a equipe econômica anunciou que as próximas altas seriam menores ou até mesmo dispensáveis, já que o governo havia decidido engordar o tal superávit primário (que nada mais é do que o dinheiro que o governo desvia da saúde, educação, estradas e dos programas sociais para pagar juros).

Em linguagem direta, o governo estava anunciando que reduziria seus gastos com saúde, educação, estradas e programas sociais, entre outros, para desaquecer a economia e segurar os preços em geral (que não teriam como subir por falta de demanda). Assim, seriam evitadas novas altas de juros. Obviamente, o discurso do Ministério da Fazenda foi desautorizado pela equipe do Banco Central. Mais grave: a “economia” extra anunciada pelo governo deverá corresponder a alguma coisa ao redor de R$ 3,8 bilhões; o aumento dos juros, até aqui, consumirá praticamente 90% da “poupança” forçada, feita pelo governo. Por estes motivos, entre outros, que um ex-presidente do BC, um superconservador que ajudou a elevar a dívida do governo a níveis explosivos no período FHC, agora exclama: “Não havia necessidade de novos aumentos de juros. Não consigo entender o que eles (os diretores do BC) estão vendo”. Palavras de Gustavo Loyola, em entrevista à Folha de S.Paulo. Um economista, de resto, sempre pronto a aplaudir aumentos de juros e quaisquer medidas que beneficiem o mercado financeiro e os bancos.

Onde foi parar o tal “superaquecimento”? Quando decidiu retomar a política de alta dos juros, a diretoria do Banco Central chegou a argumentar que a atividade econômica apresentava sinais de “superaquecimento”, o que poderia detonar uma nova corrida de preços e conseqüente disparada da inflação, com agravamento da carestia. Os dados mais recentes sobre o desempenho da economia, no entanto, contrariam o diagnóstico apresentado pelo BC e chegam a apontar uma certa desaceleração da recuperação recém-iniciada. Considerada como virtual termômetro dos negócios na economia, a indústria de papelão ondulado registrou em setembro o segundo mês consecutivo de retração na comparação com o mês anterior. Desde julho, as vendas do setor acumulam queda de 4,8%. O desempenho foi melhor do que em 2003, com crescimento acumulado de 13,3% nos primeiros nove meses do ano. Mas o setor enfrentou, no ano passado, um de seus piores momentos, com tombo de 12% na comparação com 2002. A reação deste ano ainda não é suficiente, portanto, para repor as perdas de 2003. Como resultado, as vendas permanecem, este ano, 2,2% abaixo das verificadas nos primeiros nove meses de 2002.

Ao contrário dos sinais de “superaquecimento”, BC aponta desaceleração

Na mesma linha, o comércio varejista apontou nítida desaceleração em agosto, segundo o IBGE. Depois de crescer mais de 12% em junho e julho, sempre na comparação com 2003, as vendas do setor avançaram 7,5% em agosto, acumulando, no ano, uma variação de 9,45% na comparação com os primeiros oito meses do ano passado. Naquele mês, a indústria chegou a crescer 13% em relação a agosto de 2003, apontando variação positiva de 1,1% frente a julho deste ano, também de acordo com o IBGE. Mas houve perdas para os segmentos mais influenciados pela demanda interna, como alimentos,

calçados, roupas e tecidos e produtos de higiene e limpeza. Além disso, pouco mais de metade do crescimento registrado pela indústria entre janeiro e agosto deste ano foi influenciado direta ou indiretamente pelos fabricantes de veículos e de geladeiras, televisores e celulares, incluindo a cadeia de fornecedores de máquinas, equipamentos, matérias-primas para aqueles dois setores. Segundo dados do IBGE, o desempenho daqueles segmentos foi responsável por 51,1% do crescimento em toda a indústria. A melhoria observada no mercado de trabalho, embora confirme

uma situação menos grave do que em 2003, também deve ser avaliada com cautela. A taxa de desemprego baixou de 12,9% em setembro do ano passado para 10,9% no mesmo mês deste ano e ainda registra índices elevados. O total de pessoas ocupadas aumentou 3,5% entre setembro do ano passado e o mesmo mês deste ano, significando a criação de 665 mil ocupações. Houve, certamente, uma reação no total de empregados com carteira assinada, com a contratação de 255 mil pessoas. No entanto, a participação das contratações com registro em carteira no total de pessoas empregadas recuou de 59,5% em setembro do ano passado para 59% em igual período deste ano. Motivo: os demais tipos de emprego cresceram ainda mais, fragilizando o mercado de trabalho. O total de empregados sem registro cresceu 6% no mesmo período, com avanço de 3,2% para os que trabalham por conta própria (ambulantes, camelôs etc). As duas categorias, somadas, responderam por 56% do crescimento observado para o total de ocupados desde setembro de 2003 e tiveram participação de 67% no aumento registrado entre agosto e setembro deste ano. (LVF)


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NACIONAL POVOS INDÍGENAS

Índios ampliam presença no executivo Cristiano Navarro de Brasília (DF)

J. Rosha

Conquista histórica: quatro prefeituras, cinco vice-prefeituras, além de 70 cadeiras nas câmaras municipais

O

resultado do primeiro turno das eleições municipais pode ser considerado um dos maiores avanços na história da participação indígena na política institucional brasileira. O número de prefeituras administradas por índios quadruplicou, saltando de uma para quatro. Foram conquistadas ainda cinco vice-prefeituras e eleitos 70 vereadores. O trabalho de conscientização política, a necessidade de maior representatividade indígena junto aos eleitos, o desejo de mudança e até mesmo a diminuição do preconceito no voto da sociedade foram alguns dos fatores que levaram a essas vitórias, algumas consideradas históricas. O Estado do Amazonas, apesar de ter muitos municípios onde a maioria da população é indígena, elegeu o seu primeiro prefeito índio. Em Minas Gerais, na cidade de São João das Missões, onde a maioria da população pertence ao povo Xakriabá, os indígenas elegeram o primeiro prefeito índio do Estado. Em Marcação, na Paraíba, os Potiguara ocuparam os postos de prefeito, vice-prefeito, além de seis cadeiras na Câmara de vereadores. Em Roraima, um Macuxi foi eleito para a prefeitura da cidade de Normandia. A vitória do povo Xakriabá na

Zé Nunes durante lançamento de sua candidatura à prefeitura de São João das Missões

disputa pela prefeitura de São João das Missões faz parte de uma antiga luta de resistência daquele povo. O prefeito eleito, José Nunes de Oliveira, é filho de um dos mártires de seu povo, o cacique Rosalino Gomes de Oliveira, assassinado na luta pela terra em 1987. Foi só depois do assassinato de Rosalino que a terra Xakriabá foi reconhecida e homologada pelo Estado. “Infelizmente, meu pai precisou morrer

para que o nosso direito fosse reconhecido”, recorda o prefeito eleito. O município, com uma população de 11 mil pessoas, das quais 8 mil indígenas, tornou-se independente em 1996. No mesmo ano, no primeiro pleito, os Xakriabá, 70% do eleitorado, marcou presença na disputa eleitoral com candidatos a vereador. Passados oito anos, a comunidade decidiu lançar a candidatura de José Nunes.

“Essa iniciativa nasceu de uma necessidade, porque a gente vem sofrendo muita discriminação e descaso da atual administração, que apoiamos em duas eleições”, disse Nunes, durante o lançamento de sua candidatura em novembro do ano passado. Uma nota do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que trabalha com os Xakriabá, afirma: “José Nunes foi escolhido pela co-

munidade para ser diretor da Escola Indígena Xakriabá por um período de oito anos e deixou o cargo para se candidatar a prefeito de São João das Missões. Sua candidatura também foi construída pelo povo Xakriabá e este processo afirmou a sua autonomia e capacidade, que garantiu também a eleição de quatro vereadores índios, um deles com apenas 20 anos de idade, reafirmando a vitalidade do povo através das expressões jovens, aliados ao espírito formador das lideranças indígenas”. Porém, a disputa eleitoral teve momentos de tensão, com ameaças, perseguições políticas e agressões físicas, além de pressão dos meios de comunicação. A falta de recursos foi outra grande dificuldade. “Disputamos a prefeitura praticamente sem recursos”, declara Nunes. O prefeito Xakriabá, que quer transpor o modelo de administração da aldeia de intensa participação popular para a prefeitura, coloca sua vitória como fruto da luta histórica do movimento indígena e seus aliados: “É preciso que a administração seja exemplar para o que a vitória do nosso povo se repita num patamar maior em outras prefeituras e com representações ainda mais expressivas no legislativo e no executivo”, afirma Nunes. (Cristiano Navarro é editor do jornal Porantim, publicado pelo Cimi)

ENTREVISTA

Mecias Batista, do povo Sateré Mawé, é o primeiro indígena a se tornar prefeito em um município do Amazonas. Desde 1987 ele participa das lutas do movimento indígena. Integrou a primeira Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), dirigiu o Conselho Geral da Tribo Sateré Mawé (CGTSM), foi eleito vereador pela primeira vez em 1992, sendo reeleito na legislatura seguinte. Em 2000, saiu como viceprefeito na chapa de Gilvan Seixas, com o qual rompeu depois. Nesta eleição, ele obteve mais de três mil votos, de um total de pouco mais de onze mil. Sua eleição foi declarada pelo Tribunal regional Eleitoral em razão da cassação da candidatura de Gilvan Seixas, denunciado pelo Ministério Público. Como o senhor avalia o resultado das eleições em Barreirinha? Mecias Batista – O povo brasileiro, o povo do Amazonas, a população de Barreirinha, quer mudança imediata, no sentido de que o eleitor possa receber benefícios em troca do seu voto. Os políticos amazonenses perderam a credibilidade junto ao eleitorado. É necessário que o político hoje se preocupe com a recuperação desse crédito porque só assim haverá a mudança. Houve rejeição ou limitação à sua candidatura pelo fato de o senhor ser indígena? Batista – Não. Eu acho que a população está começando a tomar consciência da problemática indígena. O preconceito para com as populações indígenas já não está mais em primeiro lugar. Eu sofri muito preconceito da parte de alguns dos meus adversários. Mas do eleitorado, não. Prova disso é que, sem estrutura, sem dinheiro, tive 3.276 votos no município de Barreirinha, uma votação muito expressiva. O preconceito não prevaleceu. O que

Quem é Eleito prefeito da cidade de Barreirinha, no Amazonas, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Mecias Pereira Batista, do povo indígena Saterê Mawé, já foi duas vezes vereador e uma vez viceprefeito. Integrou a primeira Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e dirigiu o Conselho Geral da Tribo Sateré Mawé (CGTSM). prevaleceu foi a vontade de fazer a mudança. Quais os problemas que exigem solução tanto para indígenas como para não indígenas no município?

Batista – A Saúde passa por uma calamidade pública. Os ribeirinhos, os caboclos, são obrigados a emprestar “rabeta” (motor de popa para canoas pequenas) dos outros, gasolina dos outros. O segundo passo será inves-

timento maciço em Educação. Vamos realizar conferências na área educacional, chamar todos os educadores contratados pelo Estado e município para discutir os problemas, dificuldades e soluções para que a educação de qualidade se efetive, se concretize no nosso município. O que o senhor pretende fazer para garantir tratamento diferenciado aos povos indígenas? Batista – A Constituição garante atendimento diferenciado aos povos indígenas. Nós vamos fazer uma assembléia geral na área Sateré para discutir de que forma vamos trabalhar. Vamos ouvir os professores, os agentes de saúde, os tuxauas, a população. Tem

duas coisas: uma é o que o índio quer, a outra é o que ele precisa para ser colocado em prática e, por isso, vai ser discutido de forma coletiva. Sua eleição e a dos vereadores indígenas na região são uma vitória do movimento indígena organizado? Batista – É uma conquista do movimento indígena e é exatamente por isso que o CGTSM é a nossa organização número um. Esse resultado da votação expressiva na área indígena foi o trabalho de conscientização da organização indígena, porque os índios precisam se fortalecer na sua organização e também na política partidária.

Comunidades pressionam Aracruz Celulose Erick Schunig de Vitória (ES) Um grave confronto entre a Polícia Militar e índios Guarani e Tupinikim foi evitado, dia 18 de outubro, no município de Aracruz, ao norte do Espírito Santo. A tensão começou com a emissão de um mandado de reintegração de posse de toras de eucalipto que estão em poder dos índios. O mandado, expedido pelo juiz estadual da Segunda Vara de Aracruz, Marcelo Pimentel, autorizou a entrada da Polícia Militar na aldeia de Caieiras Velha com o objetivo de resgatar a madeira para que fosse devolvida à empresa Aracruz Celulose. O problema vem desde 1998, quando foi firmado um acordo entre a empresa Aracruz Celulose e os grupos indígenas do Espírito Santo. A empresa se comprometeu a oferecer cursos e a despoluir os rios Sahy e Guaxindiba. Como as metas estabelecidas não foram cumpridas, os grupos indígenas realizaram protestos, entre os dias 11 e 15 de outubro, derrubando eucaliptos em uma área de dois hectares pertencente à empresa. O objetivo, segundo as lideranças indígenas,

Geise/Fase

J. Rosha de Manaus (AM)

J. Rosha

O primeiro prefeito indígena do Amazonas

Por pouco invasão da Polícia Militar em terra indígena não acabou em violência

era reter as toras de eucalipto na aldeia de Caieras Velha para forçar a empresa a explicar por que não cumpriu o acordo.

SITUAÇÃO TENSA Arlete Schubert, assessora da comissão de caciques tupinikim e guarani do Espírito Santo, diz que o mandado do juiz estadual criou um clima de tensão entre os índios, dispostos a impedir a entrada da polícia,

uma vez que as áreas indígenas são de competência do governo federal e, portanto, responsabilidade da polícia federal. O cacique tupinikim da aldeia de Caieras Velha, Vilsom de Oliveira, garante que as comunidades indígenas querem o diálogo e não a madeira da empresa, mas avisa que os índios estão “preparados para encarar a tropa de choque”. O confronto foi evitado na última hora, graças a uma liminar ex-

pedida pela Procuradoria da Fundação Nacional do Índio (Funai) contrária à decisão do juiz Marcelo Pimentel. Segundo a chefe do posto regional da Funai no Espírito Santo, Edelvira Tureta, a decisão do juiz não procede pois a área onde está a aldeia de Caieras Velha é de responsabilidade da União. A reintegração de posse deveria ser julgada em âmbito federal e não estadual, como aconteceu. De acordo com Edelvira, a situação é tensa e os índios só irão liberar a madeira quando representantes da empresa Aracruz Celulose forem até a aldeia de Caieras Velha dar explicações. Uma comissão da direção regional da Funai pretende se reunir com as lideranças indígenas para avaliar o problema. Segundo o administrador-executivo regional da Funai, Valdemar Adilson, a comissão vai fazer um levantamento da situação para viabilizar o diálogo. Ele se diz surpreso com a liminar autorizando a entrada da polícia militar na aldeia e acredita que o juiz Marcelo Pimentel precisa ser esclarecido sobre como funciona a lei. A comissão vai elaborar um relatório para a Funai em Brasília.


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NACIONAL ENTREVISTA

Lutar, para não esquecer a ditadura Há 25 anos, a militante Ana Dias trabalha para manter viva a memória de seu marido, o dirigente operário Santo Dias

BF – Qual a reação das pessoas quando ficavam sabendo de seu envolvimento político? Ana – De repente, você vira uma pessoa perigosa. Não podíamos falar para todo mundo que tínhamos um engajamento, por causa da ditadura. Na fábrica, o Santo começou a ser visto como uma pessoa perigosa, que organizava os operários. Éramos uma pedra no sapato na fábrica, na igreja, na escola. Havia pessoas que tinham medo da gente, diziam para tomar cuidado com nossas idéias revolucionárias; pessoas que acreditavam; outras que iam com a gente; e pessoas que nos denunciavam. Existiam até aquelas que tinham raiva, pois achavam que devíamos mais é cuidar de nossos filhos, em vez de nos envolvermos em greves. As crianças sofriam, ficavam sozinhas, às vezes, eram avisadas para nunca dar informações sobre os pais. Por muitas noites o Santo não pôde dormir em casa, pois a polícia podia dar uma batida e pegá-lo, como fez com muitos outros companheiros. BF – Vocês tinham medo de ser assassinados? Ana – O Santo tinha muita preocupação com a tortura. Pensava: “Será que eu agüento?”, pois não se podia entregar nada. Ele não achava que seria morto. Que poderia ser preso, sim, mas não que seria assassinado brutalmente. O que acredito até hoje é que a luta não pára, que ela pode ser diferente, mas não acaba. Naquele tempo a gente lutava por sindicato, por uma vida mais participativa. Hoje, a gente conseguiu espaço: derrubou a ditadura, elegeu um presidente com quem talvez não concordemos cem por cento, mas conseguimos dar uma virada. Conquistou-se muito com as greves, nas fábricas. BF – As greves eram consideradas ilegais. Como se organizavam? Ana – Havia muitos tipos de greve. A greve pipoca era muito

de muitos brasileiros. Se você mostrar para as pessoas o que realmente foi a ditadura, ninguém vai dizer que era melhor do que a democracia. E não é nem que as pessoas esqueceram, elas não viveram a ditadura como nós.

Fotos: João Alexandre Peschanski

E

m 30 de outubro, o assassinato do metalúrgico Santo Dias vai completar 25 anos. Morto durante uma passeata em frente à fábrica Sylvania, onde trabalhava, em São Paulo (SP), ele se tornou um dos ícones da luta contra a ditadura militar (1964-1984). Para sua viúva, a militante Ana, continuar a resistência ao regime foi o modo de manter viva a memória do marido. Brasil de Fato – A senhora é militante há 40 anos. Como manter a mística revolucionária por tanto tempo e passando por tantas dificuldades? Ana Dias – Quando começamos na luta, não imaginávamos o perigo e as dificuldades. Sabíamos que era difícil, mas não que ia acabar em uma morte. Entramos com a esperança e com a certeza de que amanhã teríamos um Brasil mais participativo, mais atuante e com mais justiça. Santo entrou na luta aos 17 anos, como eu, e logo foi expulso da terra (onde trabalhava). Depois, viemos para São Paulo e batalhamos para ter um sindicato nas mãos dos trabalhadores. Era a luta de classes. Quando você percebe que há toda uma causa política, que estamos dentro de um contexto, cria-se uma angústia e um desespero de mudar as coisas rapidamente. Achávamos que os operários iam dar as regras do jogo. Era uma idéia baseada no socialismo, idéia de uma vida mais comum.

BF – Faz quase 20 anos que a ditadura acabou, mas até agora não houve tentativas efetivas de pesquisar e entender o que realmente aconteceu no período militar. Por quê? Ana – Há poucos grupos organizados para levar esse conhecimento à sociedade. Muitos dos que podiam ter feito isso, e fazer muito mais, como mudar a sociedade, foram para a política. Muitos entraram no jogo e perderam muito do potencial de mudança. Depois que você alcança o poder, você não pode só fazer o que acha certo, tem que fazer o jogo dos interesses de outras pessoas.

Ana Dias e seus filhos, Luciana e Santo: quando Santo Dias foi assassinado, eles sofreram ameaças para deixar a luta

rápida. Pipoca aqui, pipoca lá, quando você vê, já começou. Havia também o abaixo-assinado redondo. Quando tinha um abaixo-assinado, eles procuravam logo saber quem começou, mas se era redondo, você nunca sabia quem tinha sido o primeiro. Quando alguém tinha que colocar uma convocação de greve no banheiro, precisava ser muito rápido. Ficávamos dando cobertura, pois sempre havia policiais à paisana nos vigiando para saber quem era o líder. BF – A senhora coordenou associações de bairro. Seu marido foi liderança operária. De onde surgiu a necessidade de atuar na política? Ana – A gente começou a fazer parte de grupos organizados que discutiam a sociedade, a política, o dia-a-dia. Quando você começa a se organizar com outras pessoas, consegue levar um trabalho de luta, de grupo, de consciência, de mudança. Isso tudo eu não sabia quando tinha 18 anos. Quando o Santo foi mandado embora pela primeira vez, meu sogro queria morrer: “Você é louco, a gente precisa do patrão”. O San-

to respondia: “Sim, mas o patrão também precisa da gente”. BF – Após o assassinato de Santo Dias, a senhora teve que cuidar de seus filhos e ainda manteve a luta política. Ana – Quando Santo foi assassinado, a polícia tentou sumir com seu corpo. Não conseguiram. Por conta disso, quiseram intimidar-me, trataram-me como se eu fosse um nada. Foram à casa de meus pais e disseram a meu pai que, se eu continuasse na luta, os próximos a ser assassinados seriam as duas crianças e eu. Disseram que eu era manipulada por grupos de esquerda perigosos. O resultado foi o oposto: fiquei ainda mais convencida de que era o momento em que eu tinha que gritar contra tudo isso. Não calar a boca foi um modo de dizer que a luta continuava, mesmo com a perda do Santo. BF – A senhora recebeu diversas propostas para concorrer a cargos públicos. Por que nunca aceitou? Ana – Acho que política se faz dentro de casa. Na política partidária, às vezes, é muito difícil fa-

Quem é Ana Dias é militante em associações de moradores e comunidades de base de bairros da zona sul de São Paulo (SP). Há 25 anos, ela organiza e participa de eventos para protestar contra a morte de seu marido, Santo Dias.

Divulgação

Fernanda Campagnucci e João Alexandre Peschanski da Redação

zer um trabalho mais amplo. No meu bairro, posso fazer trabalho com mulheres, adolescentes, na igreja, com os sem-terra. Tenho mais liberdade na luta. Antes, todos lutávamos contra a ditadura. Quando a ditadura acabou, todo o mundo se espalhou. Antes, se tínhamos um discurso mais ou menos parecido, já lutávamos juntos. Hoje, não dá, vai-se criando grupos e grupinhos. Uma das últimas manifestações que reuniu diversos setores foi aquela da qual participaram dezenas de milhares de pessoas logo após o assassinato do Santo. BF – Pesquisas realizadas pela grande imprensa mostram que, hoje, a maioria dos brasileiros preferiu a ditadura ao período democrático. Isso a surpreende? Ana – Na ditadura, apenas alguns grupos lutavam, não era toda a população. Para muitas pessoas, a ditadura se identifica com um período em que tinham emprego. Respostas desse tipo mostram o desespero da população: qualquer coisa é melhor do que a situação atual. As perseguições, a tortura e a violência passaram em branco na memória e na história

BF – Todos os anos há eventos em outubro para lembrar o assassinato de Santo Dias. Por que manter viva sua memória é tão importante? Ana – Nós brasileiros não temos história. Nos livros e discursos oficiais, os homenageados são sempre os opressores do povo. Agora, um operário, que morreu por uma classe, se não lutarmos para manter sua história viva, o que ocorre é que sua memória desaparece. Muitos lutadores do povo, tão importantes quanto o Santo, caem no esquecimento. O grupo de pessoas que mantém a memória do Santo e de outros tantos é o mesmo que luta para que haja investigações sobre os mortos e desaparecidos na ditadura. É fundamental para o Brasil escrever a história de seus grandes heróis. BF – O que o trabalhador brasileiro tem hoje a aprender com Santo Dias? Ana – O Santo acreditava em lutar por um objetivo e tinha a certeza de que o destino não depende só de Deus, mas de como os homens lutam em suas sociedades. Em qualquer local em que você estiver, seja uma fábrica ou um bairro, é possível fazer uma diferença e ajudar o Brasil a ser mais democrático e participativo.

Filha de Santo Dias lança livro A luta de Ana e Santo Dias começou em uma fazenda de Viradouro, cidade a 400 quilômetros de São Paulo, onde ela era cozinheira e ele, tratorista. Dias reivindicava o registro profissional dos trabalhadores da propriedade e foi expulso da terra ao lutar por seus direitos, iniciando assim sua história em São Paulo, como metalúrgico e líder no movimento operário. Estes e outros de seus dados biográficos estão no livro Santo Dias: quando o passado se transforma em história, escrito por sua filha, Luciana Dias, e pelas jornalistas Jô Azevedo e Nair Benedicto. O livro será lançado durante as atividades em memória do operário, que acontecem dias 29 e 30 de outubro, em São Paulo, marcando os 25 anos de sua morte.

Para Luciana, a publicação é a ocasião de divulgar a luta de seu pai, mas também de outros trabalhadores que, segundo ela, “são heróis esquecidos da história brasileira”. A pesquisa, conta, lhe serviu de reencontro com seu passado, pois seus pais sempre a envolveram na luta deles, “distribuindo panfletos ou até mesmo conversando com os vizinhos sobre a necessidade de se organizar para melhor as coisas”. Seu irmão, Santo Dias Filho, acredita que as pessoas têm que se identificar com a mística de seu pai e pensar em um novo mundo. Para isso, diz: “É preciso lutar por seus ideais, pois existe uma acomodação de nossa geração, que não sai de suas áreas de atuação profissional”.

PROGRAMAÇÃO EM SÃO PAULO 29 de outubro 17h – Caminhada da Igreja da Consolação até a Praça da Sé, repetindo o trajeto do enterro de Santo Dias 19h – Ato solene na Câmara Municipal, com o lançamento do livro Santo Dias: quando o passado se transforma em história 30 de outubro 14h – Ato em frente à fábrica Sylvania (R. Quararibéia, 242, Santo Amaro), onde Santo Dias foi assassinado. Após a manifestação, está prevista passeata até o Cemitério do Campo Grande.


Ano 2 • número 87 • De 28 de outubro a 3 de novembro de 2004 – 9

ELEIÇÕES EUA

Financiadores do Eixo do Mal são os mesmos de Bush e Kerry

Hector Guerrero/AFP

SEGUNDO CADERNO

Documento revela como os candidatos conseguem realizar a campanha mais cara da história dos Estados Unidos Gianluca Iazzolino de Washington (EUA)

o terror. Mas o escândalo que atinge as duas campanhas torna pouco claro o patriotismo de quem, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, havia declarado guerra ao terrorismo islâmico, em nome da democracia. Um dos maiores parceiros de negócios com os países definidos como “países-canalhas” por Bush é o próprio chefe de sua Assessoria para a Segurança Nacional, Joseph Grano. Ex-boina verde do Exército, Grano é citado no relatório da AP a respeito das ligações entre uma filial estadunidense do banco suíço USB, do qual era presidente até 2001, e o Iraque de Sadam Hussein.

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egócios são negócios, mesmo que sejam com o inimigo. Sabem bem disso alguns dos financiadores das campanhas do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e de seu concorrente democrata à Casa Branca, John Kerry. Segundo informa a agência de notícias Associated Press (AP), os doadores de campanha teriam feito negócios nos dez últimos anos com os países do chamado Eixo do Mal. O Irã dos aiatolás e o Iraque de Sadam Hussein são nomes que se repetem no relatório da AP, composto a partir da coleta de dados nos arquivos do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que o governo federal havia imposto o embargo contra as transações comerciais com os dois países, suspeitos de apoiarem o terrorismo internacional, tinha quem continuasse a negociar com Teerã e Bagdá. E, agora, mais de vinte dirigentes de empresas já multadas pelos negócios ilegais estão contribuindo para as campanhas dos dois candidatos (dezenove para Bush e nove para Kerry). Tanto Kerry como Bush reafirmaram várias vezes sua declaração de guerra ao terrorismo, com as armas, mas também interrompendo os fluxos financeiros que alimentam

O dinheiro do regime iraquiano teria sido “lavado” nas filiais estadunidenses do USB para depois voltar ao Iraque. Ao entrarem em território iraquiano, as tropas estadunidenses encontraram centenas de milhões de dólares ainda nos sacos do Banco Central dos EUA. Grano declarou que todas as atividades em que esteve envolvido eram “mil por cento” para o bem dos Estados Unidos e contra o terrorismo. Outro grande financiador do presidente Bush, James Hance, vice-presidente do Bank of America, teria sido multado diversas vezes por ter transferido, por meio de seu

banco, fundos para o Irã e o Sudão, países indicados, seja por Bush, seja por seu antecessor, Bill Clinton, como “covis de terroristas”. Hance conseguiu recolher entre os seus amigos banqueiros 200 mil dólares para apoiar a reeleição de Bush e sua guerra contra o terrorismo. Do outro lado, um dos maiores financiadores de Kerry, Blair Effron, teria participado em transações financeiras no tempo em que também ele, como Grano, trabalhava no USB. Não é segredo que os bancos suíços funcionem como lugares privilegiados para a passagem de dinheiro sujo. Mas é

Fracassos de republicano não tiram votos Jim Cason e David Brooks de Washington e Nova York (EUA) A campanha eleitoral do presidente George W. Bush não parece ter sido afetada, segundo as pesquisas mais recentes, pelos informes sobre os fracassos dos Estados Unidos no Iraque. O último trata-se do sumiço de 380 toneladas de explosivos de um depósito em Bagdá, apesar das advertências das Nações Unidas sobre esse depósito. O candidato democrata, John Kerry, acusou Bush de “incompetência incrível” a respeito do sumiço dos explosivos. Mas apesar disso, e apesar de não terem sido encontradas as armas de destruição em massa que serviram como motivo para a invasão do Iraque, a maioria do povo estadunidense continua considerando que Bush é mais capaz do que Kerry na luta contra o terrorismo.

Eixo do Mal – Termo cunhado em 2001 pelo governo estadunidense para designar um bloco de países que, supostamente, seria uma ameaça para o mundo ocidental, como Afeganistão, Coréia do Norte e Iraque. Eixo do Bem – Criado pela grande mídia, o termo representa o grupo de nações que apoiou os Estados Unidos nos ataques ao Iraque, como Inglaterra, Itália e Japão.

Pesquisadores da Universidade de Maryland descobriram que 72% dos simpatizantes de Bush continuam convencidos de que o Iraque tinha armas de destruição em massa, mesmo depois que a própria equipe de inspetores enviada pelo presidente, encabeçada por Charles Duelfer, concluiu que essas armas não existiam.E 575% dos simpatizantes de Bush acreditam, erroneamente, que o relatório de Duelfer confirmou que o Iraque teve armas de destruição em massa. Ao que parece, a população em geral não tem interesse em ler os relatórios bem apurados e publicados nas primeiras páginas de jornais como o New York Times, o Washington Post e revistas como The New Yorker, que documentam os fracassos das Forças Armadas e dos serviços de inteligência em antecipar a insurreição no Iraque, a falta de equipamento para as tropas estadunidenses, as falhas e/ou a

manipulação política dos serviços de inteligência e o fracasso em localizar e prender Osama Bin Laden. Dia 25 de outubro, o New York Times informou na primeira página como as forças estadunidenses permitiram que os explosivos do depósito Al Qaqaa, em Bagdá, caíssem em mão dos grupos de resistência iraquiana, pouco depois da invasão, apesar de estarem informadas de sua existência, por relatos da ONU. Essas 380 toneladas de explosivos convencionais poderiam ser usadas, como de fato devem estar sendo, em atentados a bomba e também em mísseis. A ONU tinha informações sobre esses explosivos e comunicou sua existência às Forças Armadas dos EUA, que apesar disso não tomaram providências para vigiar o depósito. (La Jornada, www.lajornada.unam.mx)

espantoso que o atual paladino da guerra contra o terrorismo global, George Bush, e o seu adversário, tenham aceitado as mesmas contribuições que poderiam ter ido para os cofres de Osama Bin Laden. “As pessoas que trabalham conosco não têm nenhuma responsabilidade pelo que foi feito pelas empresas em que trabalham”, disse um porta-voz da campanha eleitoral de Bush. O grupo mais envolvido em negócios com os chamados Estadoscanalhas é a financeira JP Morgan, que, de maneira bem partidária, contribuiu para as campanhas tanto de Bush como de Kerry. E que, em 1999, financiou até o Irã. Justamente nesses dias é alta a tensão entre Washington e Teerã, a propósito do programa iraniano de enriquecimento de urânio. O Irã afirma que quer produzir urânio enriquecido para fins civis, mas os Estados Unidos, e seus aliados israelenses, temem um possível uso bélico do material radiativo. Seja qual for o presidente dos Estados Unidos depois do dia 2 de novembro, tanto Bush quanto Kerry anunciaram que querem usar mão de ferro para convencer Teerã a abandonar suas ambições nucleares. Em Washington, são muitos os que apontam o Irã como o próximo alvo. Estão sem resposta, no entanto, as perguntas sobre a proveniência dos financiamentos para as “armas de destruição em massa” do Eixo do Mal. A resposta está tão perto que ninguém se preocupa em levá-la em consideração. A origem desse dinheiro é a mesma que levou essas eleições a serem as mais caras da história: quatro bilhões de dólares. E ainda, neste caso, para financiar uma arma de destruição em massa chamada George W. Bush.

da Redação Dias 24 e 25 de outubro, o Exército israelense matou 17 palestinos, entre eles um menino de 11 anos, e feriu 76, num ataque de helicópteros no sul da Faixa de Gaza, em Jan Yunes, onde há um acampamento de refugiados. O Exército de Israel afirmou que dali eram lançados morteiros contra colônias judaicas. Um dia depois, o Parlamento israelense aprovou, por 67 votos a 45, o plano de retirada parcial dos assentamentos israelenses na Faixa de Gaza, defendido pelo primeiro-ministro Ariel Sharon. O plano prevê a retirada gradual, de maio a agosto de 2005; a destruição de casas dos colonos judeus, prédios oficiais, instalações militares e sinagogas para impedir que sejam ocupados por palestinos. Diante do Parlamento, cerca de 30 mil pessoas se concentraram para expressar apoio ao plano de retirada, em manifestação organizada pela chamada Coalizão da Maioria. Entre as palavras de ordem nas faixas e cartazes, havia as frases: “A maioria decidiu: saiamos de Gaza”, “Sair dos assentamentos significa escolher a vida”, “O território de Gaza nunca pertenceu à terra bíblica de Israel”. “Saiamos já de Gaza

Odd Andersen/Afp

Após massacre, Israel promete deixar Faixa de Gaza

Antes de devolver território aos palestinos, Ariel Sharon promove massacres e destruições indiscriminadas, vitimando crianças e adultos

e comecemos a dialogar”. A vitória já era prevista e representa a primeira retirada de assentamentos judaicos desde a criação do Estado de Israel, em 1948. Apesar da votação, o Exército israelense

mantém sua ofensiva na região e o clima de tensão persiste. O principal negociador palestino, Saeb Erekrat, negou ter pedido autorização a Israel para a internação, em um hospital de Ramallah,

do presidente Yasser Arafat, que se encontra confinado pelas tropas israelenses em sua sede de governo. Fontes da Autoridade Nacional Palestina informaram que o que aconteceu é que Arafat, no quartel-

general de Ramallah, onde se encontra confinado desde dezembro de 2001, simplesmente foi submetido a uma gastroscopia, que não revelou nenhum problema. (Com agências internacionais)


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AMÉRICA LATINA ÁGUA

Mercosul reafirma controle sobre reserva Governos, parlamentares e movimentos sociais rejeitam ingerências externas na manutenção do Aqüífero Guarani Rui Kureda de São Paulo (SP)

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overnos, parlamentares, centrais sindicais, movimentos sociais, pesquisadores e organizações não-governamentais (ONGs) dos quatro países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) estão preocupados com o interesse de organismos internacionais e transnacionais sobre as águas do Aqüífero Guarani – uma das maiores reservas de água doce do mundo. Essa preocupação ficou evidente no Seminário Internacional Aqüífero Guarani, Controle e Gestão Social, realizado dias 14 e 15 de outubro, em Foz de Iguaçu (PR). O encontro reuniu mais de 380 participantes, entre representantes dos governos do Cone Sul, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A declaração final do seminário reafirma o domínio dos Estados sobre a região, destacando que “o uso sustentável e a conservação das reservas do aqüífero devem ser realizados tendo como princípio a soberania territorial de cada país sobre seus recursos naturais”. O encontro foi considerado pelos participantes como um passo importante na luta contra as intenções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial em implementar as suas políticas neoliberais camufladas com uma retórica ecológica.

BANCO MUNDIAL A principal preocupação dos movimentos sociais da região é com o Projeto de Proteção Ambiental e Gestão Sustentável Integrada do Aqüífero Guarani. Trata-se de uma iniciativa executada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e financiada pelo Banco Mundial (BM), envolvendo Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, cujo objetivo é a realização de uma análise técnica do potencial das reservas do Aqüífero Guarani. Logo depois que o acordo foi assinado, ainda em 2003, os movimentos sociais passaram a denunciar os riscos desse projeto, que dá ao Banco Mundial conhecimento estratégico sobre os recursos naturais dos povos da região. Foram organizados encontros para discutir a questão, como um seminário em Ribeirão Preto e um Fórum Social das Águas do Guarani, em Araraquara. Para Maria Rita Reis, da ONG Terra de Direitos, um dos méritos do seminário em Foz do Iguaçu foi o de ter sido “o primeiro evento oficial sobre o Aqüífero Guarani que não é realizado pelo projeto da OEA e do BM”. Segundo ela, as resoluções do encontro estabelecem “marcos fundamentais, definindo

Conclusões da Carta de Foz do Iguaçu sobre o Aqüífero Guarani 1 – O aproveitamento da água potável, organizado como serviço público, deve ser destinado prioritariamente para o abastecimento humano e dessedentação de animais. 2 – O uso sustentável e a conservação das reservas do Aqüífero Guarani devem ser realizados tendo como princípio a soberania territorial de cada país sobre seus recursos naturais. 3 – Os países membros do Mercosul deverão estabelecer amplas políticas de intercâmbio de informações técnicas sobre o Sistema Aqüífero Guarani e divulgá-las livremente nas línguas dos paises membros, garantindo o acesso a todos os interessados. 4 – É imprescindível a adoção desde já de políticas de proteção ambiental com enfoque central no Aqüífero Guarani, incluindo todo os aspectos mais críticos de sua conservação, principalmente nas áreas de recarga. 5 – É fundamental ampliar o papel dos poderes legislativos, nacionais e estaduais, da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, e das organizações e movimentos sociais na discussão, aprovação, fiscalização e controle de políticas relativas ao Aqüífero Guarani. 6 – Ademais do controle político institucional, é imperativo o estímulo, a implantação e o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão pública e controle social de todas as iniciativas relativas ao aproveitamento e proteção do Aqüífero Guarani, incluindo-se nesse objeto de controle, as atividades, em realização ou propostas, frutos de cooperação no âmbito do Mercosul, com terceiros países ou com organismos internacionais. 7 – A gestão e controle social do

uso sustentável e a conservação do Aqüífero Guarani devem subordinar-se a um sistema de planejamento e fiscalização que respeite as necessidades das comunidades que dele possam se servir. 8 – A Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul envidará esforços para criar uma subcomissão sobre o Aqüífero Guarani, para trabalhar na contribuição que for de sua competência sobre políticas públicas de uso sustentável e con-

servação do Aqüífero, convidando nesse âmbito as organizações da sociedade civil e movimentos sociais por meio de mecanismos como seminários, audiências públicas e consultas. Os participantes declaram, por fim, que a reserva de água subterrânea estocada no Aqüífero Guarani, comprovadamente um dos maiores sistemas aqüíferos do mundo, estendendo-se pelos territórios do Brasil, da

Argentina, do Paraguai e do Uruguai, indiscutivelmente uma das maiores riquezas naturais da Região do Cone Sul, seja declarado bem público do povo de cada Estado soberano onde a reserva se localiza, e que seja protegido pelos governos e populações para que possam, estratégica e racionalmente, auferir os benefícios comuns, indispensáveis para a sobrevivência futura.

a água como um direito humano fundamental, e não uma mercadoria, um objeto para apropriação comercial”. A dirigente da Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUTPR) Débora Albuquerque ressaltou que, em Foz do Iguaçu, nos debates “ficou clara a total insatisfação das organizações da sociedade civil

e dos movimentos sociais em relação ao projeto da OEA/Banco Mundial”. Débora criticou a falta de transparência do projeto, pois não há acesso aos resultados das pesquisas e nem sequer um monitoramento da sociedade sobre essas atividades. A declaração do seminário pede também atenção especial dos go-

vernos do Mercosul para as pessoas que vivem na região do aqüífero: “Uma população majoritariamente pobre, quando não excluída, o que obriga os Estados a ter cuidados especiais com sua preservação e com condições diferenciadas para o atendimento das necessidades da população”. Veja, no quadro acima, as conclusões do seminário.

TRANSNACIONAIS

LIVRE COMÉRCIO

UE e Mercosul agendam reunião para 2005 Jorge Pereira Filho da Redação Os governos do Mercosul e da União Européia não conseguiram chegar a um acordo, dia 20 de outubro, para assinar um tratado de livre comércio entre os blocos em outubro. Mesmo assim, os chanceleres dos quatro países sul-americanos (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e o negociador europeu, Pascal Lammy, reafirmaram a intenção de firmar o acordo e marcaram uma reunião ministerial para o primeiro trimestre de 2005. “Os ministros estão convencidos da necessidade do prosseguimento das negociações, reconhecendo que o trabalho já realizado constitui importante contribuição a esse respeito”, diz a nota oficial divulgada pe-

los chanceleres depois da reunião, realizada em Lisboa, Portugal. O resultado do encontro confirmou as expectativas de que a União Européia não ampliaria a oferta feita aos países do Mercosul, que até cogitaram ceder mais se houvesse contrapartida. Os europeus, por sua vez, consideraram a oferta dos sul-americanos insuficiente. Em entrevista divulgada na página da internet do Itamaraty, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, refuta a tese de que as negociações fracassaram: “O fracasso está na cabeça das pessoas e não corresponde à realidade. Nunca chegamos ao ponto a que nós chegamos agora com a União Européia. Nós estamos em pleno acordo sobre o arcabouço conceitual que

deve continuar prevalecendo nas negociações”. Amorim se refere à tese corrente no Itamaraty de que as negociações com a União Européia estão se limitando à questão de acesso a mercados (na prática, redução de tarifas para produtos importados) e não estariam contemplando demandas mais ambiciosas dos países ricos, sobretudo nos setores de compras governamentais, investimentos e propriedade intelectual. Para o Itamaraty, esse aspecto seria um dos diferenciais da negociação com a União Européia da discussão da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A questão é que a oferta dos países sul-americanos feita aos europeus – considerada insatisfatória – contém concessões polêmicas nas

áreas de propriedade intelectual, por exemplo, que extrapolam até mesmo os limites do acordo sobre esse tema assinado pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Mercosul aceitou negociar com os europeus a exigência de identificação geográfica, ou seja, a exclusividade na denominação de produtos, como queijo parmesão ou embutidos, como a mortadela. Produtores e empresários do Mercosul estariam impedidos, por esse acordo, de usar essas denominações. Para Amorim, o fato de o acordo não ter sido assinado em outubro está distante de significar sua suspensão. “Quanto aos prazos, eles são apenas metas indicativas. Continuo com o mesmo otimismo; e também com confiança, que é mais do que otimismo”, disse o chanceler.

Panamenhos protestam contra aumento da luz da Redação Trabalhadores de cultivos de banana da transnacional estadunidense Chiquita Brands paralisaram suas atividades, dia 23 de outubro, e fecharam o trânsito na região de Bocas del Toro, fronteira com a Costa Rica. Com apoio da população, os manifestantes protestaram contra a elevação da tarifa do fornecimento de eletricidade, controlado pela mesma transnacional. Policiais entraram em confronto com os trabalhadores e 28 pessoas ficaram feridas. Desde outubro, a empresa estadunidense tenta elevar as tarifas de energia acima do preço médio em vigor nas outras províncias panamenhas. A transnacional quer cobrar 17 centavos de dólar por kilowatt/ hora, enquanto o preço médio é de 11 centavos de dólares. Os habitantes da região criaram uma organização para negociar, mas a empresa se nega a discutir a questão. (La jornada www.jornada.unam.mx , com agências internacionais)


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INTERNACIONAL URUGUAI

Esquerda muito próxima da vitória Às vésperas das eleições de 31 de outubro, candidato progressista Tabaré Vasquez lidera disputa à Presidência da República

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coalização de esquerda batizada Encontro Progressista Frente Ampla Nova Maioria (EP-FA-NM) está perto de eleger, dia 31 de outubro, Tabaré Vasquez como presidente uruguaio. As pesquisas de opinião apontam a liderança do candidato progressista com entre 55% e 47% das intenções de voto. Seu principal concorrente, Jorge Larrañaga, do Partido Nacional, tem entre 27% e 34% da preferência do eleitorado. Se confirmada, a vitória de Vasquez poderá significar também a derrota do maior líder neoliberal do Mercosul, o presidente uruguaio Jorge Battle, cujo candidato Guillermo Stirlling segue com apenas 10% das intenções de voto. Battle tem se caracterizado por uma postura de alinhamento com o presidente estadunidense George W. Bush e assinou, recentemente, um acordo multilateral que dá tratamento especial aos investidores dos Estados Unidos.

O desafio, no entanto, parece ser o de romper com as amarras do neoliberalismo, enraizado na atual gestão uruguaia, e implantar um modelo alternativo. “Parece duvidoso que uma esquerda moderada, em um pequeno país endividado, possa gestar mudanças de rumo de longa duração”, pondera Zibechi. Para ele, a capacidade do governo de Vásques de promover rupturas terá estreita ligação com a correlação de forças regional, em particular com a orientação dos governos da Argentina e do Brasil. “Tudo dependerá também da possibilidade de o debilitado movimento social – ainda centrado nos trabalhadores com emprego fixo – superar sua crise e incluir os novos pobres, que são os mais interessados em mudanças radicais”, conclui Zibechi.

Miguel Rojo/AFP

Jorge Pereira Filho da Redação

REFERÊNCIAS Militantes da coalizão de esquerda Frente Ampla, favorita nas eleições que se realizarão no dia 31 de outubro

formação (www.alainet.org). Desde 1999, o Uruguai mergulhou em retração econômica, puxado pela derrocada da Argentina. Em 2002, uma nova crise se instalou e, apenas entre janeiro e julho, o Produto Interno Bruto (PIB) do país despencou, caindo para metade do que representava em 1998. O desemprego chegou à casa dos 20% da população economicamente ativa e

VIA INSTITUCIONAL A representativa vantagem da Frente Ampla decreta também a falência do modelo econômico implantado por Battle, como avalia Raúl Zibechi, jornalista e analista político, em artigo divulgado pela Agência Latino Americana de In-

mais de 40% dos uruguaios ficaram abaixo do nível de pobreza. “No Uruguai, a crise do modelo não gerou uma situação de crise política nem de desestabilização, e foi canalizada para o terreno eleitoral, em um país onde o Estado, mesmo que debilitado, ainda funciona”, opina Zibechi. Em torno da candidatura de Vásquez, gravitam dezenas de correntes de esquerda

que se tornaram esperança para a superação da crise socioeconômica uruguaia. Segundo Zibechi, no entanto, é preciso ter cuidado com as expectativas. “A esquerda poderá mudar o país? Depende do que entendemos por mudar. Se estamos falando de gestões estatais mais honestas, mais ordenadas e mais favoráveis aos pobres, não há dúvidas sobre isso”, garante o jornalista.

Próximo da vitória, Vásques vai anunciando os nomes que provavelmente integrarão seu ministério. Dia 24, Héctor Lescano, responsável pelo programa governamental da Frente Ampla, anunciou o senador Danillo Astori como futuro ministro de Economia. Em entrevista à imprensa local, Astori comentou que seguiria o modelo trilhado por Lula porque teria mostrado “aos uruguaios que a esquerda pode chegar ao poder e fazer mudanças sem sobressaltos”. (Com agências internacionais)

VENEZUELA

Claudia Jardim de Caracas (Venezuela) Desinformação, falta de fiscalização e boa propaganda. Esses são os elementos que têm ajudado as transnacionais produtoras de sementes geneticamente modificadas a preparar o terreno para a produção de transgênicos na Venezuela. Em abril, o presidente Hugo Chávez anunciou a proibição do cultivo e da comercialização de transgênicos no país. No entanto, o combate aos transgênicos não foi além do discurso do presidente e nenhuma lei ou decreto foi publicado com o objetivo de estabelecer a proibição. Assim como ocorreu no Brasil, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando se iniciou o plantio ilegal nas lavouras do Rio Grande do Sul, na Venezuela, o Ministério de Agricultura e Terras (MAT) não fiscaliza a produção, nem a entrada de sementes provenientes das sedes das empresas na Argentina, Colômbia e Estados Unidos. Segundo o Instituto Nacional de Invesgitação Agropecuária (INIA), 70% das sementes venezuelanas são importadas. O próprio presidente da instituição, Prudêncio Chacon, admite que não há controle alfandegário. “É provável que assim como fizeram em outros países, as sementes entrem contrabandeadas”, diz. Jesus Ramos Oropeza, diretor geral do Escritório Nacional de Diversidade Biológica do Ministério do Meio Ambiente, órgão responsável por avaliar pedidos de experimentos com transgênicos, acrescenta que o Estado não tem equipamentos necessários para detectar transgenia nos grãos.

Claudia Jardim

Transnacionais abrem caminho para transgênicos tóxico, o que exige a aplicação em quantidades maiores do que a utilizada no início, ou seja, mais gastos e maior contaminação.

MONOPÓLIO E CONTRADIÇÃO

O produtor Orlando Nardini, que visitou a produção da Monsanto no Rio Grande do Sul, está disposto a cultivar transgênico

Monsanto faz pesquisa ilegal no país “Estão usando transgênicos aqui. Estão trazendo o material e fazendo os experimentos com muita discrição”, afirma o presidente da Asoportuguesa, Juan Palácios. “Tanto os vendedores quanto os agricultores comentam que a Monsanto já está testando o milho transgênico”, reitera o agrônomo da associação, Orlando Villegas. Os representantes do governo e os produtores não descartam a possibilidade de que

agricultores já estejam cultivando sementes geneticamente modificadas. “A única garantia de que as sementes não são transgênicas é a palavra da empresa. Certificar as sementes torna a importação ainda mais custosa”, afirma Jorge Alvarado, gerente geral da Associação de Agroempresários (Fedeagro). O diretor geral do escritório Nacional de Diversidade Biológica do Ministério do Meio Am-

biente, Jesus Ramos Oropeza, assegura que não foi encaminhado ao ministério nenhum tipo de solicitação para realização de pesquisas. “Ninguém pediu autorização, mas como não temos fiscalização, ninguém pode assegurar que não existe”, diz. A reportagem do Brasil de Fato procurou a Monsanto para comentar as afirmações mas a assessoria de imprensa informou que o porta-voz da empresa está fora do país.

nado. No Estado Portuguesa, um dos maiores produtores de milho do país (base da dieta da população), muitos produtores estão convencidos dos supostos benefícios dos transgênicos. “A informação que temos de outros países é de que podemos baixar os custos de produção. Estamos dispostos a experimentar”,

afirma Juan Palácios, presidente da Associação de Produtores de Portuguesa (Asoportuguesa), que apóia a liberação do cultivo de sementes geneticamente modificadas. Diferente do que afirmam os produtores venezuelanos, a história da Argentina – que serviu de laboratório das transnacionais na

América Latina – mostra que produtividade e economia não são resultados do cultivo de transgênicos. A capacidade de produção do país – segundo maior produtor de soja transgênica – tem sido reduzida a cada safra. Já o uso do herbicida tem crescido. As ervas daninhas se tornaram mais resistentes ao agro-

CARTILHA GAÚCHA Três das cinco grandes empresas controladoras do mercado mundial de sementes, as transnacionais Cargill, Monsanto e Pioneer – que detêm o controle do mercado venezuelano com a venda de sementes híbridas (estéreis) – já iniciaram campanha junto aos produtores rurais. E a estratégia tem funcio-

Apesar de o governo Chávez se posicionar de maneira contundente contra o monopólio das transnacionais nos diversos setores da economia, as importações são relevantes na economia nacional e a maioria dos produtores está nas mãos das transnacionais. De acordo com a Asoportuguesa, 98% das sementes de milho importadas pelo país são híbridas e 70% são provenientes de empresas estrangeiras. O produtor Orlando Nardini se convenceu das vantagens dos transgênicos quando esteve no Brasil para comprar máquinas agrícolas. “Me levaram para conhecer uma fazenda da Monsanto em Não Me Toque (RS) e gostei”, conta. O produtor, que cultiva semente de milho híbrida da empresa Dekalb, representante da Monsanto no país, se diz disposto a experimentar o novo cultivo. “Serei o primeiro a plantar, quando liberarem. Se pudesse produzir minha própria semente seria diferente, mas se tenho que comprar, não vai fazer diferença no bolso se é transgênica ou não”, afirma. O que Nardini desconhece é que, além de comprar as sementes, os agricultores precisam pagar royalties pelo uso da tecnologia desenvolvida pela transnacional. A Monsanto cobrará R$ 1,20 por saca de soja dos produtores brasileiros que plantaram soja transgênica ilegalmente no Rio Grande do Sul. O presidente do Instituto Nacional de Investigação Agropecuária (Inia) admite as falhas do governo e concorda que não é possível exigir dos agricultores produção de variedades de sementes se o Estado não lhes proporciona alternativas. “Não podemos lutar contra as transnacionais se não garantimos o acesso dos produtores às sementes”, afirma Chácon. De acordo com o presidente do Inia, está sendo desenvolvido um projeto para a criação de um Programa Nacional de Produção de Sementes.


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Petróleo barato, só com paz na Nigéria Julio Morejón de Havana (Cuba)

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randes reviravoltas no caminho da evolução da humanidade estão marcadas pelo consumo de energia: em cada fase do processo de civilização, o homem obteve auxílio de elementos que geram força, potência, movimento físico. A exploração de fontes de energia tem incontáveis arestas para se analisar – uma evidente é a participação desigual de produtores e intermediários nos lucros. Muitos conflitos armados trataram de mudar essa relação assimétrica entre a produção e a apropriação; outros, resultaram em verdadeiras guerras imperialistas por jazidas. Mas, se houve algo decisivo nesse ambiente, foi a entrada em jogo do petróleo para fins de geração de energia e o conseqüente fortalecimento de fórmulas para manter o status quo nas relações de exploração.

PETRÓLEO E POLÍTICA Com a consagração do petróleo como “o combustível” do século 20, seu caráter de instrumento político ganhou importância. O embargo do hidrocarboneto árabe ao Ocidente, como retaliação ao apoio dado a Israel na guerra do Yom Kippur, em 1973, mostrou a possibilidade de se utilizar o petróleo como arma para apontar contra o coração do rival. Esse rol de elementos esteve presente faz algumas semanas nas ameaças do chefe guerrilheiro Mujahid Dokubo Asari, do Delta do Níger, região sul da Nigéria. Dokubo Asari avisou que usaria essa arma contra as companhias Shell e Agip, respectivamente anglo-holandesa e italiana, se seus técnicos não saíssem da área e fosse interrompida a extração do combustível. Segundo o líder, a decisão tomada contra essas empresas baseouse no fato de os lucros procedentes do petróleo serem distribuídos entre as transnacionais e o governo da Nigéria. Além disso, os guerrilheiros levaram em conta o suposto forne-

AFP Photo/ Pius Utomi EkpeiI

Acordo assinado entre governo e movimentos sociais promete repassar lucros de petroleiras para povo nigeriano de solucionar pacificamente a questão no Delta do Níger, a qual a Força Voluntária, de Dokubu Asari, anunciava querer levar ao caos.

FATOR ÉTNICO

Homenagem a Dokubo Asari, líder do grupo rebelde Força Popular Voluntária, após acordo assinado com governo nigeriano

cimento de armas do Reino Unido e da Itália ao Exército nacional, que há mais de uma década os combate nessa rica zona sulina. Diante desse alerta, numa complicada conjuntura mundial, o governo da Nigéria e três grupos rebeldes optaram por negociar a trégua na zona petrolífera e o desarmamento das milícias. Uma operação rebelde que afetasse a produção de petróleo poderia estimular uma subida dos preços no mercado, que no momento mantêm-se num recorde de mais de 50 dólares o barril. Os especialistas

apontam como problemas que ocasionaram essa alta o modesto nível da produção no Iraque, a situação financeira da petroleira russa Yukos e os estragos causados pelos furacões Charlie e Jeane a plataformas do Golfo do México. No final do encontro, Olusegun Obasanjo e os chefes da Força Voluntária Popular do Delta do Níger, os Vigilantes do Delta do Níger e o Conselho Juvenil Ijaw chegaram a um entendimento. Os milicianos retiraram as ameaças e o governo não os tratou como antes, quando

os considerava delinqüentes que se aproveitavam do roubo do petróleo cru e do seqüestro de estrangeiros para obter regastes. Do mesmo modo, as exigências, ao que parece, também estão encerradas; os chefes guerrilheiros confirmaram o desarmamento e se comprometeram a interromper as lutas étnicas, a não exigir secessão e a colaborar com os projetos de desenvolvimento nessa região meridional. No aniversário de 44 anos da independência da Nigéria, Obasanjo reiterou sua disposição

DELTA DO NÍGER

A guerra no Delta do Níger eclodiu em 1991, tendo como uma de suas faces o conflito “étnico”, comum em muitos confrontos armados na África e movido por contradições estimuladas pelos colonizadores. Ainda que os ijaw constituam a maioria demográfica, foram os itsekiri que receberam até hoje os maiores benefícios depois da criação dos Estados do sul da Nigéria. “Foram reconhecidos como os verdadeiros habitantes, o que garantiu a eles estudo, trabalho e contratos com empresas petroleiras. O status dos itsekiri semeou o ódio entre as duas outras etnias (...)”. Desde 1974, o hidrocarboneto é o principal produto do solo dos itsekiri, de onde se extrai a metade de todo o volume do Delta e um quarto da produção nacional, que está entre 2,3 e 2,4 milhões de barris diários. A violência entre as comunidades entrou em ação, única saída encontrada, de armas em punho, para combater a pobreza de boa parte dos ijaw, que se proclamavam herdeiros de terras ancestrais de onde se extrai petróleo. Durante os últimos 47 anos, a Nigéria ganhou 360 bilhões de dólares com a venda de petróleo, extraído quase que em sua totalidade do Delta do Níger. Mais de 95% da entrada de divisas desse país da África do Oeste provêm de transações com petróleo, o que acentua a importância da região sulina. O acordo para selar a paz entre as guerrilhas e o governo de Olusegun Obasanjo poderia afetar a escalada dos preços do petróleo, que já ultrapassou meia centena de dólares. Essa afirmação faz todo sentido quando se sabe que a Nigéria é o sexto produtor mundial de petróleo e o primeiro da África. Porém, um único acordo não conseguirá acalmar totalmente, e de repente, o mercado. (Julio Morejón é jornalista de África e Oriente Médio da Prensa Latina, www.prensa-latina.org )

Sam Olukoya de Port Harcourt (Nigéria) O acordo alcançado pelo governo da Nigéria com os rebeldes do Delta do Níger é frágil, e nada garante que o preço internacional do petróleo tenha hoje nessa região um dique de contenção. “O governo nigeriano não pode proteger todos os oleodutos do Delta. Quem disser que pode é um mentiroso ou não conhece a região”, afirma o líder da rebelde Força Voluntária do Povo do Delta do Níger, Alhaji Mujahid Dokubu-Asari. No início deste mês, DokubuAsari chegou com o governo da Nigéria – sexto produtor mundial de petróleo – a um acordo pelo qual deveria desarmar sua organização, a qual, segundo ele mesmo afirma, conta com 200 mil combatentes. Porém, a situação no Delta do Níger continua volátil, e a violência pode recomeçar. No momento, segundo Dokubu-Asari, os pântanos e charcos da área servem mais aos interesses de seus seguidores do que as manifestações de boa vontade do governo. “Se nos buscarem por um lado, explodiremos um oleoduto em outro”, advertiu. O líder rebelde ameaça instalações petrolíferas do rico Delta do Níger para conseguir que a população da região receba uma parte maior dos lucros proporcionados por essa atividade. As ações rebeldes influem de maneira decisiva na alta do preço internacional do barril de petróleo (159

AFP Photo/Ho

Situação continua volátil no Delta do Níger

Derramamento de petróleo seguido de fogo na aldeia nigeriana de Goi, na região do Delta do Níger, onde vive o povo ogoni

litros) para além dos 50 dólares. O governo nigeriano não vacilou no passado em agir com dureza contra a população do Delta do Níger. Por outro lado, as últimas ameaças valeram a Dokubu-Asari um convite para se reunir em Abuja, capital do país, com o presidente Olusegun Obasanjo. Em troca do desarmamento da Força Voluntária, o governo concordou em dar mais atenção às causas do mal-estar no Delta, cujas organizações acusam companhias internacionais de petróleo de contaminação do meio ambiente e de apoiarem políticos corruptos. “Os jovens arriscam a vida porque vêem a contaminação

da terra e do ar que respiramos, e porque o aparato estatal e as companhias vivem na opulência enquanto o povo sofre servidão e penúrias”, disse Isaac Asume, do Movimento Chikoko, que luta por mudanças pacíficas na região. Raymond Princewill, um jovem desempregado que pegou em armas para apoiar Dokubu-Asari, serve de exemplo. “Ninguém imaginaria que eu estaria na selva carregando um rifle se tivesse um trabalho e bom salário”, contou. “Como somos pobres, estamos sempre aguerridos. Sofremos a pobreza desde a infância, até agora nada de bom ocorreu em nossas vidas”, acrescentou.

Tanto o governo nigeriano quanto as companhias petrolíferas asseguram que canalizam uma substancial quantia de dinheiro para atender às necessidades das comunidades do Delta. Mas muitos não acreditam nestas afirmações e se congratulam com Dokubu-Asari. “Ele é o grande lutador pela liberdade do Delta do Níger, um lutador enérgico pelos direitos do povo dessa região. Agradecemos a Deus pela vitória, porque Deus está com ele”, disse à IPS Albeert Akalogbo, um de seus muitos admiradores. Entretanto, para muitos, Dokubu-Asari é uma criação do governo ao qual ele se opõe. O líder rebelde é acusado de

ter recebido armas e ajuda de autoridades do Estado para intimidar o eleitorado do Delta do Níger para que votassem pelo governante Partido Democrático do Povo nas últimas eleições. “Os políticos patrocinaram as milícias que operam no Estado de Rivers. Os elementos que hoje controlam o Estado, especificamente a partir do governo, criaram as milícias, as armaram e lhes permitiram total mobilidade”, disse Asume. O governo desse Estado rechaça as acusações. “Não se deve ameaçar a segurança, a paz pública nem a unidade da Nigéria. Essa é nossa posição”, disse à IPS o porta-voz das autoridades estaduais, Emmah Okash. Sobre Dokubu-Asari também pesam acusações de roubo de petróleo para obter dinheiro destinado a comprar armas, embora essas acusações tenham sido levantadas depois das conversações que manteve com Obasanjo. As autoridades garantem estar agindo com sinceridade em seu diálogo com o líder rebelde, mas Asume mostra pessimismo quanto ao triunfo do sentido comum sobre os milhares de milhões de dólares em jogo. “Os acordos de Abuja não mudam nada. A luta no Delta do Níger só pode ficar mais violenta, pois mais grupos pegarão em armas”, previu. “Não há dúvida sobre isso, porque agora ficou claro que essa é a única linguagem que o governo nigeriano entende”, concluiu Asume. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)


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AMBIENTE SÃO FRANCISCO

Transposição favorece as elites da região Luís Brasilino da Redação

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transposição do Rio São Francisco garantirá o abastecimento de água para consumo nos Estados atingidos, mas trará desenvolvimento econômico apenas para os proprietários de terra do semi-árido nordestino. Com orçamento de R$ 1,07 bilhão destinado para o início do projeto, em janeiro de 2005, e previsão de mais R$ 3,4 bilhões, até o final da obra – que deve durar cerca de quatro anos –, a proposta do Ministério da Integração Nacional recebe críticas de especialistas por passar ao largo do problema da seca local, uma vez que não implica alteração da estrutura socioeconômica da região. “Se a questão fosse a sede, as soluções poderiam ser muito mais simples que a transposição – a construção de adutoras, por exemplo, resolveria o caso”, argumenta Luiz Carlos Fontes, secretário executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Franscisco. “Não existe solução mágica. O problema da seca é socioeconômico e não vai ser por meio de uma ferramenta técnica que se vai modificar a realidade local”, afirma João Abner, hidrólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Para Abner, a questão principal deve ser a discussão sobre a real necessidade do projeto. Ele sustenta que a obra precisa ser desmistificada, pois “chove no molhado”, mandando água para onde já existe. “A maior mentira que se coloca com relação à transposição é a existência de déficit hídrico (quando a disponibilidade de água é menor do que o consumo) no Ceará e no Rio Grande do Norte”, coloca o professor. O benefício, segundo críticos do projeto, se concentra no aspecto econômico, com ganhos apenas para quem já tem terras ou quem conseguir um emprego no agronegócio. Ou seja, pouca gente. De acordo com o último Censo Agropecuário (1995-1996), o nível de concentração fundiária no Nordeste, medido pelo Índice de Gini, era de 0,859. Em todo o Brasil, um dos países com a pior distribuição de renda do mundo, o Índice de Gini era de 0,597 no ano 2000 (dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Como não se propõe a alterar esse quadro, o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias do Nordeste Setentrional (nome oficial da transposição) não tem força para transformar a vida dos habitantes dos Estados onde a água do Velho Chico chegar (Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte). Para Rubem Siqueira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na Bahia, o maior drama do semi-árido, região com 9 milhões de habitantes, é a terra. Um estudo da CPT concluiu que 70% dos açudes públicos do Nordeste não estão disponíveis para a população. “Então, pregam a transposição com argumentos falsos. Estamos enfrentando um poder constituído e, enquanto a população não se organizar e construir sua força, idéias como essa vão para a frente”, sustenta Siqueira. Para ele, a cultura da seca beneficia econômica e politicamente uma parte da sociedade. Grandes empresários locais lucram Açude – Reservatório de água, represa. Lago formado por represamento de água. Semi-árido – Característica climática do sertão nordestino, clima seco e quente. Nordeste Setentrional – Parte norte da região Nordeste. Índice de Gini – Usado para medir concentração de renda, variando de zero (onde todos têm a mesma quantidade de posse) a um (um indivíduo dispõe de todas as riquezas). Cisterna – Pequeno reservatório para captar e armazenar água da chuva.

Arquivo Kamecase.Org

Projeto não altera a estrutura socioeconômica da região, marcada pela altíssima concentração fundiária

Projeto de transposição do governo federal provoca polêmica; movimentos sociais apontam a reforma agrária para resolver também o problema da seca no Nordeste

com a situação e a emigração abastece as metrópoles com mão-deobra barata.

PELA SEGURANÇA HÍDRICA A geóloga Juliana Sarti Roscoe, do Ministério da Integração Nacional, e gerente da área de meio ambiente e revitalização do projeto São Franscisco, explica que a finalidade do projeto é garantir a água para o consumo e, em períodos de abundância, possibilitar o uso econômico e comercial do excedente. “Existe muita água nos açudes, mas sem segurança hídrica. Ou seja, com uma seca interanual, de dois ou três anos, esses reservatórios se esgotam e as populações urbanas ficam ameaçadas de colapso. Então, a questão do déficit é muito relativa, pois a água existente não garante o fornecimento ao longo de todos os anos. Essa é uma das funções do projeto: ligar esses reservatórios a uma fonte hídrica perene”, esclarece Juliana. As secas acontecem, geralmen-

te, em um a cada quatro anos, e o projeto prevê uma vazão de 26 metros cúbicos por segundo, justamente para assegurar a demanda. Nos anos em que o reservatório de Sobradinho (barragem no Rio São Franscisco) estiver cheio, o excedente seria usado para fins comerciais e econômicos. “Com a garantia de não chegar ao colapso, os gestores estaduais poderão utilizar as águas dos reservatórios para o desenvolvimento econômico e social da região. Isso significa irrigação, apicultura, indústria, ecoturismo, entre outras atividades. Atualmente, as pessoas não podem usar água para esse tipo de coisa pois precisam guardá-la para o consumo”, coloca a geóloga. Ela acrescenta, ainda, que o uso econômico será feito tanto pelos grandes empresários – setores de agricultura irrigada e de apicultura, que têm gerado muitos empregos – quanto pelos pequenos produtores instalados nas margens dos rios. “Nas regiões semi-áridas do

mundo onde há desenvolvimento econômico e social, cerca de 70% dos recursos hídricos totais vão para irrigação e 30%, para outros usos. Na Bacia do São Francisco, por exemplo, o percentual é esse. O projeto vai garantir água para as populações e a água local vai ser destinada, em sua maior parte, para atividades econômicas”, afirma Juliana.

QUEM FATURA Para o hidrólogo Abner, essas medidas não resolvem o problema dos excluídos: “A população não vai nem notar”. Para os críticos do projeto, a proposta vai dar prioridade a empreiteiras (responsáveis pela obra) e a empresários agroexportadores da região. Abner defende que, por ser direcionada à agricultura irrigada, a transposição oferece, apenas um benefício indireto para a população. “O projeto, que beneficia os grandes capitalistas da região, só se justifica pelos fins econômicos. Mais

Os novos rumos O Projeto de Integração da Bacia do São Francisco às Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional prevê dois canais – o menor, a Leste, que levará água para Pernambuco e Paraíba, e o maior, na direção Norte, atendendo Ceará e Rio Grande do Norte. A captação do canal

Norte ocorrerá nas imediações da cidade de Cabrobó; para o canal Leste, será no lago da barragem de Itaparica, ambos em Pernambuco. O canal Norte levará água para os rios Salgado e Jaguaribe (CE); Apodi (RN); e Piranhas-Açu (PB e RN). O canal Leste levará

água até os rios Paraíba (PB), Moxotó e Brígida (PE). Nos anos hidrologicamente favoráveis, a vazão total dos dois canais será de 63m³/s; nos demais anos, corresponderá a 26m³/s – o equivalente a 1,4% da vazão média do rio, medida no reservatório de Sobradinho, na Bahia.

uma vez, os brasileiros vão pagar para favorecer uma minoria”, afirma Fontes. “Nada vai mudar no que diz respeito à seca. Estamos indignados com a forma pela qual o governo está manipulando as informações e distorcendo números”, completa o secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Franscisco.

Soluções simples ajudariam mais pessoas É verdade que a transposição do Rio São Franscisco colabora para matar a sede dos habitantes do semi-árido nordestino. No entanto, soluções mais simples (e baratas) resolveriam o problema, caso essa fosse a intenção do projeto. “Sabemos que um canal em si (o São Franscisco é um exemplo) não resolve o problema da seca. Sou de uma cidade situada a 10 km da margem do Velho Chico e o abastecimento lá é feito com carros pipa”, coloca Luiz Carlos Fontes, secretário executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Franscisco. Para ele, a questão da seca pode ser resolvida seguindo três eixos: captação, distribuição e gestão. Para o primeiro, o governo trabalha, desde 2003, para construir 1 milhão de cisternas, mas até hoje só fez 15 mil. “Se não há verba nem para essas pequenas obras, por que gastar tanto com a transposição?”, indaga Fontes. A distribuição, como não há déficit hídrico, resolveria o problema em muitas regiões. Por fim, uma melhor gestão poderia aumentar em, aproximadamente, 50% a disponibilidade de água, pois é essa a quantidade desperdiçada antes mesmo de chegar até as pessoas. Para Rubem Siqueira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na Bahia, a seca precisa ser trabalhada por meio de uma mudança de mentalidade: “Trata-se de um fenômeno climático. Outros povos aprenderam a conviver com a seca; aqui, foi criada uma cultura de que a seca é um problema”, aponta Siqueira, para quem é necessário “realizar uma reforma agrária e hídrica, repartindo a natureza entre as pessoas e tirando o controle daqueles que se aproveitam do sofrimento da maioria”. A geóloga Juliana Sarti Roscoe, do Ministério da Integração Nacional e gerente da área de meio ambiente e revitalização do projeto São Franscisco, esclarece: “Na verdade, com a reforma agrária, dariase a titularidade da terra para pessoas que vão se instalar na região. Agora, o projeto, independente de outros programa associados, serve para abastecimento (consumo) das populações rurais e urbanas”. No entanto, ela conta que a idéia é realmente desenvolver um projeto integrado com o Ministério do Desenvolvimento Agrário no sentido não só de criar novos assentamentos de reforma agrária na região, como de dar maior viabilidade econômica e social aos que já existem. (LB)


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DEBATE POLÍTICA EXTERNA

Por que devemos sair logo do Haiti da, provocando a morte de um cidadão. Como o movimento Fanmi Lavalas tem suas raízes na população negra e pobre, a repressão policial estendeu-se aos bairros miseráveis da capital.

m 29 de fevereiro de 2004, Jean-Bertrand Aristide, 50, foi forçado por tropas franco-americanas a deixar o país, sendo enviado para a República Centro-Africana, aliada submissa dos Estados Unidos. O defenestramento do presidente constitucional do Haiti foi repudiado publicamente pela Caricom, associação dos países do Caribe. Para a surpresa geral, o governo Lula da Silva acolheu prontamente o convite do presidente republicano George W. Bush, feito semanas após a intervenção, para que o Brasil capitaneasse a força internacional de ocupação daquele país, que tomaria o lugar das tropas norte-americanas empregadas na deposição de Aristide. A substituição do contingente estadunidense permitiria o seu envio imediato para o Iraque, onde os anglo-americanos defrontam-se com violenta resistência militar à ocupação do país. A escolha do Brasil deveu-se à esperada boa vontade de Lula da Silva e à simpatia do povo haitiano pelos jogadores canarinhos, em geral afro-descendentes de origem popular. Possivelmente nem mesmo o governo Bush esperava tão pronta e incondicional aceitação do convite envenenado. Em 1950, as duras pressões do presidente Truman para que o Brasil enviasse tropas à Coréia conheceram terminante oposição de Getúlio Vargas.

E

AS RAZÕES DE JUDAS

A principal justificativa do governo Lula da Silva para o envio de jovens soldados ao Haiti é que o ato, comprovando a responsabilidade internacional do Brasil, facilitaria a reivindicação da diplomacia brasileira de vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, quando de sua esperada reforma. À explicação mercenária, agregou-se a justificativa que a intervenção contribuiria à democracia, à ordem, ao progresso da sofrida nação, hoje com oito milhões de habitantes. Levantouse também o caráter pacífico da expedição, sugerindo que em nenhum caso resultaria em perdas humanas, como ocorre no Iraque. Em fins de maio, quando os 1400 soldados brasileiros começaram a partir para o Haiti – mais de 700 deles gaúchos –, carregavam consigo fuzis Fal, entre outras armas mortíferas, o que não deixa dúvidas sobre o objetivo e os meios da intervenção jamais pedida pelo governo constitucional do Haiti, como exige expressamente a carta das Nações Unidas. O governo Lula da Silva esperava igualmente que a operação prestigiasse o Exército brasileiro, desmoralizado desde os vinte anos de regime ditatorial. Pretendia-se também que a expedição servisse de palco para operações de marketing político. O jogo amistoso de 18 de agosto, no Estádio Sylvio Cator, entre as seleções nacionais brasileira e haitiana, constituiu o momento alto da campanha publicitária Lula da Silva no Haiti. Ronaldinho e os jogadores nacionais desfilaram gloriosamente sobre blindados Urutus, de fabricação nacional – exportar é preciso! –, pelas ruas de Porto Príncipe. Durante a triste operação, Lula da Silva posou como um pequeno Bush e os soldadinhos brasileiros como quase mariners. Tudo sob o aplauso de parte da população haitiana, que recebera anteriormente bandeirinhas brasileiras. Na ocasião, foram cercados e controlados os bairros populares

Ilustrações: Kipper

Mário Maestri

conhecidos pelo apoio ao presidente deposto. A pantomima de mau gosto teve fôlego curto. Às quatro da manhã do último domingo, 24 de outubro, 150 policiais e 200 soldados, em boa parte brasileiros, intervinham em forma associada no bairro popular de Bel-Air. A justificativa foi que “terroristas” atacariam o “palácio presidencial”, em claro registro do caráter político da ocupação. POR QUE O BRASIL ESTÁ NO HAITI

De 1915 a 1934, os Estados Unidos mantiveram longa e sangrenta intervenção militar no Haiti. Nas décadas seguintes, apoiaram a sinistra ditadura de Papa Doc e Baby Doc. Em 1986, Baby Doc foi deposto devido à mobilização popular, partindo, em avião das forças armadas norte-americanas, para exílio dourado no sul da França, onde vive hoje sob a proteção do governo gaulês. Ligado à teologia da libertação, o então sacerdote JeanBertrand Aristide iniciou carreira política de sucesso no fim do governo ditatorial. Em 1990, elegeu-se com programa popular reformista, com o apoio decisivo das massas miseráveis negras, obtendo 67% dos votos no primeiro turno! Porém, naquele momento, Papa Bush reinava nos Estados Unidos. Em 30 de setembro de 1991, golpe militar patrocinado pelos americanos derrubou Aristide e impôs um outro sangrento governo ditatorial. A repressão militar fez dezenas de milhares de haitianos fugirem da ilha, em boa parte para os Estados Unidos, onde foram duramente barrados pela polícia da fronteira daquele país. ARISTIDE RECICLA-SE

Após o golpe, Aristide refugiou-se nos Estados Unidos, onde contou com o apoio sobretudo dos segmentos afro-descendentes organizados no Partido Democrata. Como tantos outros políticos populares nesses anos de maré neoliberal, revisou suas políticas progressistas e populares, acertando os ponteiros com o FMI e com o establishment estadunidense, sobretudo no sabor democrata. Em 1994, após um desses bloqueios das Nações Unidas que aprofundaram a miséria popular, Aristide retornou ao Haiti e ao governo, no bojo de intervenção estadunidense, desta vez patrocinada por Bill Clinton. Com o novo governo, esperava-se acabar também com o incômodo fluxo haitiano em direção aos EUA. Em 1996, Aristide entregou o governo a um preposto e voltou, em 2000, ao governo, em reeleição discutida. A administração conservadora de Aristide levou a que o antigo líder popular perdesse apoio social, mantendo-se no poder devido ao seu movimen-

DUAS MOEDAS

to político Fanmi Lavalas [Família Avalanche, em crioulo], em boa parte transformado em milícia armada. Em 2003, seu crescente descrédito ensejou dois movimentos que se mobilizaram em um mesmo sentido, com objetivos opostos. Por um lado, segmentos do muito frágil movimento social haitiano mobilizaram-se pela deposição de Aristide, esperando que ela abrisse caminho para o saneamento social, político e moral do país. Por outro, grupos do sangrento ex-exército haitiano, dissolvido por Aristide, invadiram o Haiti, desde a República Dominicana, para depor o presidente e impor governo autoritário. UMA PAZ PASSAGEIRA

A deposição de Aristide deu-se em momento em que ele conhecia real desprestígio. Fato que garantiu interregno de paz relativa às forças franco-estadunidenses, que aproveitaram o momento para coroar Gérard Latortue e Boniface Alexandre, incondicionais do governo republicano estadunidense, como primeiro-ministro e presidente interinos. O interregno serviu também para que o governo Bush obtivesse o consenso das Nações Unidas para a intervenção e substituísse seus soldados por tropas latino-americanas dispostas a morrer pelos interesses franco-estadunidenses. A proposta indecente foi apresentada ao governo Lula que a aceitou pronta e incondicionalmente. Apesar das promessas de apoio humanitário, a única iniciativa nacional e internacional efetivamente implementada foi a reorganização da odiada polícia, que passou a reprimir e a eliminar os seguidores de Aristide. Em 18 de maio, dia nacional da bandeira haitiana, manifestação pacífica, com bandeiras e guarda-chuvas com o retrato de Aristide, foi duramente reprimi-

Enquanto a repressão golpeava os seguidores de Aristide e a população pobre, o governo títere e as forças militares de ocupação comandadas pelo Brasil têm tido complacência quase absoluta com os grupos paramilitares, que se movimentam com total liberdade, massacrando militantes pró-Aristide. Um dos chefes das forças paramilitares de direita acaba de dar ultimato ao governo e às forças das Nações Unidas. Se até quintafeira próxima os seguidores de Aristide não forem submetidos, as forças paramilitares tomarão as operações de segurança em suas mãos, como já o fazem em diversos pontos do país. A mobilização contra a intervenção conheceu salto de qualidade após a repressão policial à manifestação de 30 de setembro, chamada pelos seguidores de Aristide para celebrar o transcurso do golpe militar de 1991. Sem tomar providências, o próprio presidente interino reconheceu que policiais dispararam contra a manifestação pacífica, matando dez populares. O massacre foi justificado como resposta à morte de quatro policiais. Dois dos policiais executados teriam sido decapitados, em alusão aberta à resistência popular iraquiana. Nos dias seguintes, a repressão policial abateu-se sobre a população, com grupos de extermínio executando lavalistas nos bairros Cité Soleil e Bel-Air. No dia 2 de outubro, três parlamentares do Fanmi Lavalas foram presos, enquanto falavam pela rádio Caribe. OPOSIÇÃO CRESCENTE

A repressão policial motivou salto de qualidade na oposição popular, de fôlego e sentido difíceis de serem previstos. Nos dias seguintes, levantaram-se barricadas nos bairros populares, onde foram queimados velhos pneumáticos. As investidas das forças policiais e militares começaram a ser respondidas a tiros. Nos seus primeiros momentos, a reação lavalista e popular dirigiu-se contra a polícia e o governo imposto pelos franco-estadunidenses. A intervenção das tropas militares, junto com as forças policiais, tende a identificar as primeiras às segundas, na consciência popular haitiana. De símbolo do futebol-arte, a bandeira brasileira começa a ser vista como signo da opressão. O resultado da convergência entre policiais e militares não se fez esperar. Em 8 de outubro, Lu-

ciano de Lima Carvalho, soldado gaúcho, foi ferido no pé por um disparo, ao participar de batida policial no bairro Bel Air, conhecido por seu apoio a Aristide. No dia 9, foi a vez de um soldado argentino ser ferido na mão. Tem crescido os atritos entre as tropas brasileiras e gaúchas e a população haitiana. Em 20 de outubro, Jean Massilon, policial haitiano que tardou em se identificar como tal, foi espancado por soldados brasileiros, ignorantes do crioulo local. KERRY VOTA ARISTIDE

A efervescência lavalista aumentou com a possibilidade da vitória de John Kerry nas eleições estadunidenses. O candidato democrata discorda da ação republicana no Haiti, que levou ao defenestramento de Aristide, entronizado pelo democrata Clinton. Kerry fala francês fluentemente e é próximo dos interesses filo-franceses do Canadá e do Haiti. Kerry deixou entender recentemente que, se vitorioso, inverterá o sentido da ação de Bush, promovendo eventual retorno de Aristide. A declaração do candidato democrata foi criticada pelo general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira, chefe da Minustah, que, a seguir, retirou tudo o que dissera. POR QUE TEMOS QUE SAIR DO HAITI

O apoio militar brasileiro à intervenção em área em que o Brasil não tem sequer interesses nacionais egoísticos, apresentounos ao mundo, não como arremedo de grande país, mas como nação satélite, disposta a saltar, obediente, segundo as ordens estadunidenses. O próprio ingresso como membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas é contrário aos interesses do Brasil. Tal posição ensejaria o compromisso pelo Brasil de financiar, com recursos e homens, as operações de domínio mundial, sem real possibilidade de interferir nas decisões tomadas. É segredo de polichinelo que o eventual ingresso do Brasil, como membro permanente, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, ao lado da Alemanha, Índia, Japão etc, se dará sem o poder de veto, que permanecerá sendo monopólio das potências vencedoras da 2ª Guerra – EUA, Rússia, França, Inglaterra e China. PAGANDO CONTA DO PATRÃO

No Haiti, o Brasil já está empregando recursos humanos e materiais nacionais em defesa da política americana. É do desconhecimento quase geral da população brasileira que os gastos da intervenção nacional, orçados inicialmente em R$ 160 milhões, serão financiados em maior parte pelas burras do Brasil. A retirada imediata das tropas brasileiras do Haiti é decisão imprescindível para a manutenção da autonomia nacional diante das exigências imperialistas estadunidenses. Constitui ato de respeito ao direito inalienável de autodeterminação dos povos e das nações, em geral, e do sofrido povo haitiano, em especial, compromisso com o qual o Brasil não pode faltar. A retirada das tropas de intervenção no Haiti trata-se de medida a ser executada sem delongas, antes que os jovens militares, obedecendo a ordens de governantes irresponsáveis, manchem as mãos brasileiras com o sangue haitiano e o solo daquele triste e humilhado país com o sangue brasileiro.

Mário Maestri, é historiador. E-mail: maestri@via-rs.com.br


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agenda@brasildefato.com.br

PARA UMA NOVA HISTÓRIA Organizada por Marcos Costa, a obra reúne textos praticamente inéditos de Sérgio Buarque de Holanda sobre política, história, historiografia e cultura, produzidos para a imprensa de 1920 até 1970, e que mostram a trajetória intelectual de um dos principais pensadores do Brasil. O livro custa R$ 30. Mais informações: www.fpabramo.org.br SUBURBANO CONVICTO – O COTIDIANO DO ITAIM PAULISTA O escritor Alessandro Buzo apresenta sua obra como um “romance de formação” sobre a trajetória de um morador do Itaim Paulista – bairro do autor – situado no extremo leste da cidade de São Paulo. A região é sempre lembrada pelos altos índices de violência, o que resume um pouco a vida na periferia. Mas Buzo procura ir além da catástrofe, fazendo um relato franco e bem-humorado, em primeira pessoa. Com capa feita por Magú e imagens de vários fotógrafos, o livro tem prefácios dos rappers Sandrão e Helião, ex-componentes do grupo RZO. A obra de 128 páginas custa R$ 20. Mais informações: (11) 9419-6250, 6567-9379, alexandrebuzo@terra.com.br REVISTA CRÍTICA MARXISTA A edição de número 19 da revista Crítica Marxista, que comemora seus dez anos de existência, dá continuidade às discussões dos rumos da política e da economia, vistas sob o ângulo do marxismo. Entre os textos publicados há artigos de Leda Maria Paulani, Caio N. de Toledo, Ellen M. Wood, Armando Boito Jr., Alex Demirovic, Jacques Bidet, Fernão Pessoa Ramos, Mauro Almeida, Adriano Nervo Codato, Virgínia Fontes, Reinaldo Carcanholo. A revista tem 176 páginas e custa R$ 24. Mais informações: (21) 2502-7495, 2273-6873, www.revan.com.br SEGREDOS DA DITADURA MILITAR A Associação dos Docentes da USP (Adusp) lança a edição 33 da Revista Adusp, que traz extensa reportagem sobre a ditadura militar. No Arquivo do Estado, a equipe da revista pesquisou centenas de documentos arquivados pelo Dops e produzidos por órgãos de segurança do regime militar, inclusive a Assessoria Especial de Segurança e Informações (Aesi-USP), estreitamente ligada à reitoria. A partir desses registros, os repórteres ouviram dezenas de pessoas e reconstituíram episódios até agora pouco conhecidos, ou simplesmente ignorados. São histórias que vale a pena contar. Mas que, acima de tudo, não podemos esquecer. Mais informações: adusp@adusp.org.br

BRASÍLIA SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE ENDIVIDAMENTO EXTERNO: ILEGITIMIDADE DA DÍVIDA 9 a 11 de novembro A Campanha Jubileu Sul Brasil organiza o evento com o objetivo de discutir a questão do endividamento externo e a necessidade de se realizar uma auditoria sobre esse processo. O seminário vai contar com a participação de diversos intelectuais latino-americanos, como a argentina Beverly Keene, o equatoriano Jorge Acosta, e parlamentares brasileiros, como o deputado federal Ivan Valente (PT-SP) e o senador Eduardo Suplicy (PTSP). Os seguintes temas devem ser discutidos: “A dívida externa no contexto internacional”, “Dívida e desenvolvimento nacional”, “Argumentos jurídicos da ilegitimida-

7º ANIVERSÁRIO DA COMPANHIA DO LATÃO Até 19 de dezembro Para comemorar a data, haverá um ciclo de atividades com nove semanas de apresentações. A programação inclui o lançamento do CD Canções de Cena, com 27 gravações dos vários espetáculos do grupo; a estréia de Visões Siamesas e a remontagem de três trabalhos teatrais: O Mercado do Gozo, Auto dos Bons Tratos e Equívocos Colecionados. Um ciclo internacional de palestras com o tema “Teatro e Reflexão Política” compõe o conjunto de trabalhos em que o grupo sintetiza suas experiências mais recentes. Entrada franca para o ciclo de debates e para o espetáculo. Quando: Visões Siamesas : de 21/10 a 19/12, sexta e sábado, às 21h, domingos às 19h. O Mercado do Gozo : 9, 10, 16 e 17/11, às 21h. Show de lançamento do CD Canções de Cena: 18/11, às 21h. Auto dos Bons Tratos: 23, 24, 30/11 e 1º/12, às 21h. Equívocos Colecionados: 7, 8, 14 e 15/12, às 21h. Ciclo de debates e palestra “Teatro e Reflexão Política”: 25/11 e 2 e 9/12, às 20h Onde: Teatro Anchieta, Sesc Consolação, R. Dr. Vila Nova, 245, São Paulo Mais informações: (11) 3234-3000

de da dívida”, entre outros. Local: Casa das Irmãs Salesianas, SGAN Quadra 911, lote C/D, Brasília Mais informações: www.jubileubrasil.org.br

CEARÁ 1ª ROMARIA DAS ÁGUAS 31 de outubro, das 6h às 16h Estão sendo esperadas cerca de duas mil pessoas de diversos municípios da diocese, que irão refletir sobre os desafios da gestão e da preservação dos recursos hídricos e da construção e fortalecimento das alternativas de convívio como semi-árido na região. A primeira parada para reflexão sobre a realidade ambiental na diocese e leitura da palavra será na Lagoa da Telha, que deu origem à cidade de Iguatu e está fortemente poluída. A caminhada prossegue até a quadra da Escola Agrotécnica Federal, onde haverá uma celebração eucarística, seguida de almoço. Às 13h30, terá início uma tribuna livre, com pessoas que darão testemunho sobre a realidade dos atingidos por barragens e sobre experiências como as cisternas de placa. No encerramento, espetáculo do músico Zé Vicente. Local: Concentração na Pça. da Igreja do Prado, R. 21 de abril, às margens do Rio Jaguaribe Mais informações: (88) 3581-0340, (88) 3581-8532 20 ANOS DA PASTORAL DA JUVENTUDE 29 a 31 de outubro Em comemoração aos 20 anos da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), o congresso tem como tema “PJMP: 20 anos construindo a civilização do amor”. A atividade será um momento de estudo, mística e confraternização dos participantes da pastoral, que está organizada em 15 paróquias na diocese. Na programação, oficinas sobre temas como: política pública para a juventude, projeto

de Jesus Cristo, trem da história, afetividade e sexualidade, arte e cultura. Acontecerá também uma análise de conjuntura social, com o professor Lima Júnior, do curso de Economia da Universidade Regional do Cariri (Urca), e uma análise eclesial, com o padre Murilo, assessor nacional da PJMP. Dia 31, os congressistas participam da 1ª Romaria das Águas de Iguatu. Local: Centro de Treinamento Diocesano, R. Evaldo Golveia, s/n, Iguatu Mais informações: (88) 3581-8172

PARANÁ FESTIVAL LATINOAMERICANO DE MÚSICA CAMPONESA 17 a 21 de novembro Estão abertas, até 3 de novembro, as inscrições para o festival. Cada participante poderá concorrer com uma música inédita e original, que deverá ser interpretada individualmente ou por grupos de até seis integrantes, com idade mínima de 16 anos. As eliminatórias serão nos dias 18, 19 e 20 de novembro, no auditório do Canal da Música, transmitidas ao vivo pela TV Educativa do Paraná, via satélite para toda a América Latina. As inscrições, gratuitas, devem ser feitas exclusivamente nas agências dos correios, pelo serviço Sedex. Endereçar a: Secretaria de Estado da Cultura, R. Ébano Pereira, 240, CEP 80410-903, Curitiba, PR. Mais informações: (41) 345 4225, festivaldemusica@mst.org.br

SÃO PAULO O BANCO MUNDIAL E A TERRA 28 de outubro, 19h Lançamento do livro, editado pela Boitempo Editorial. Organizada por Mônica Dias Martins, a obra trata da ofensiva e da resistência na América Latina, África e Ásia. Presença confirmada de João Pedro

Divulgação

NACIONAL

Lenise Pinheiro

AGENDA

35 ANOS DO ASSASSINATO DE CARLOS MARIGHELLA 4 de novembro, 14 horas Será realizado um ato para lembrar os 35 anos do assassinato de Carlos Marighella (1969-2004) e recolocar a placa que indica o local em que o líder revolucionário foi assassinado. Estarão presentes Clara Charf, secretária de Relações Internacionais do PT; Antônio Cãndido, professor da USP, entre outros. Local: Alameda Casa Branca, altura do número 815, São Paulo

Stedile, da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Local: Livraria Belas Artes, Av. Paulista, 2448, São Paulo Mais informações: (11) 3231-5764 PEQUENOS BURGUESES Até 28 de novembro, sextas e sábados, às 21h; domingos às 20h. O clássico de Máximo Gorki tem direção de Roberto Rosa e atuação de Jairo Arco e Flexa. Na peça, Jairo interpreta o patriarca Bessemenov, que não consegue entender nem aceitar as profundas mudanças sociais que ocorrem na Rússia daquela época e que inevitavelmente irão afetar sua família. Nesta montagem, os conflitos de valores individuais e o próprio imaginário pequeno burguês impede qualquer transformação no coletivo da sociedade. E é o próprio núcleo familiar que deve redescobrir a sua natureza, visão de mundo e posicionamento na sociedade. Local: Teatro Fábrica São Paulo, R. da Consolação, 1623, São Paulo Mais Informações: (11) 3255-5922 3º ANIVERSÁRIO DO SARAU DA COOPERIFA Até 31 de outubro, a partir das 20h Poesia, teatro, música, vídeo e artes plásticas fazem parte das comemorações que começaram dia 13 de outubro e vão até o final do mês. O

sarau foi criado com a idéia de ocupar os espaços públicos da periferia. Local: Zé Batidão, R. Bartolomeu dos Santos, 797, Jd. Guarujá, São Paulo “AOS TREZE” E AS DROGAS 5 de novembro, 20h O evento, realizado pelo Comitê Multidisciplinar de Estudos sobre Dependência de Álcool e Outras Drogas da Associação Paulista de Medicina (APM), tem como proposta debater o consumo de drogas entre crianças e adolescentes e a complicada relação entre pais e filhos, utilizando o enredo do filme Aos Treze, dos americanos Catherine Hardwicke e Nikki Reed. O filme acompanha a transformação de uma estudante que antes brincava com ursinhos de pelúcia e bonecas e passa a usar drogas. Após a exibição do filme, o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Atenção a Dependentes (PROAD), da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp); o jornalista Vicente Adorno, da TV Cultura, e a psicóloga Celi Cavalari, diretora da Delfos – Consultoria em Prevenção em Psicologia debaterão com o público. Local: Associação Paulista de Medicina (APM), Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, São Paulo Mais informações: (11) 3188-4248 eventos@apm.org.br


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CULTURA

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FÓRUM SOCIAL

Manifestações populares ganham força da Redação

F

oram abertas, dia 25 de outubro, as inscrições para as atividades culturais do 5º Fórum Social Mundial (FSM), a ser realizado em Porto Alegre, entre os dias 26 e 31 de janeiro de 2005. Segundo os organizadores, a cultura ocupará posição de destaque no Fórum, que já se consolidou como o maior evento global de resistência ao neoliberalismo. As inscrições devem ser feitas até 10 de novembro. Uma diferença em relação às outras edições do FSM em Porto Alegre é a prioridade que será dada às atividades autogestionadas, em lugar de uma programação cultural mais centralizada. A programação oficial deste ano prevê quatro grandes projetos criados com o objetivo de promover a integração dos grupos e movimentos culturais populares. Nesses quatro projetos, o Fórum oferecerá a infra-estrutura básica para que as atividades sejam realizadas. O espírito dessa nova diretriz estará presente no projeto Diálogos de Rua, que consiste na montagem de palcos móveis que circularão pelos bairros de Porto Alegre levando a mensagem do encontro global. A idéia é fazer uso de diversas linguagens, como música, teatro e outras manifestações. O Memória Instantânea proporcionará os equipamentos necessários para permitir a produção e a exibição de imagens por praticamente todos os lugares ocupados pelo FSM em Porto Alegre. O projeto contará com ilhas de edição, operadas por voluntários, e servirá também para edição de textos, grafites, HQs e cartoons. O Museu Vivo da Diversidade, por sua vez, abrigará exposições do acervo das outras edições dos fóruns mundiais, continentais, regionais, nacionais e temáticos. O projeto será usado como suporte para construções e manifestações culturais coletivas. Haverá também a Mostra Intercontinental de Cinema, que exibirá filmes e DVDs de diversos países ao ar livre, durante todas as noites do evento. As atividades culturais vão permear todos os onze espaços

Agência Brasil

O encontro vai dar prioridade a atividades autogestionadas, distribuídas em quatro grandes projetos

Apresentação cultural durante a edição 2004 do Fórum Social Mundial, em Mumbaim, na Índia: manifestações coletivas e de resistência ao imperialismo

PROGRAMAÇÃO DOS TEMAS

temáticos e os três eixos transversais do Fórum. Tais temas foram escolhidos depois de uma consulta com cerca de 1,8 mil organizações. As inscrições poderão ser segmentadas em artes plásticas, atividades interativas, audiovisual, celebração, festas, manifestações, circo, dança, performances, teatro, poesia e narrativa, shows musicais, memória e qualquer outra forma de expressão. Mais informações na página da internet do Fórum (www.forumsoci almundial.org.br)

ESPAÇOS TEMÁTICOS 1 – Afirmando e defendendo os bens comuns da Terra e dos povos – Como alternativa à mercantilização e ao controle das transnacionais 2 – Economias soberanas pelos e para os povos – Contra o capitalismo neoliberal 3 – Paz e desmilitarização – Luta contra a guerra, o livre comércio e a dívida 4 – Pensamento autônomo, reapropiação e socialização do conhecimento (dos saberes) e das tecnologias 5 – Defendendo as diversidades, pluralidade e identidades 6 – Lutas sociais e alternativas democráticas – Contra a dominação neoliberal

7 – Ética, cosmovisões e espiritualidades – Resistências e desafios para um novo mundo 8 – Comunicação: práticas contra-hegemônicas, direitos e alternativas 9 – Arte e criação: construindo as culturas de resistência dos povos 10 – Direitos humanos e dignidade para um mundo justo e igualitário 11 – Rumo à construção de uma ordem democrática internacional e integração dos povos

EIXOS TRANSVERSAIS 1 – Emancipação social e dimensão política das lutas 2 – Luta contra o capitalismo patriarcal 3 – Luta contra o racismo

ANÁLISE

A revolução bolivariana, transmitida de Brasília Pela grande mídia, revoluções como a que está ocorrendo na Venezuela não se transmitem, embora aconteçam, e sejam fenômenos tão potentes quanto os terremotos. O “não transmitir” é a última linha de defesa dos conservadores e das elites. Não podendo impedir o fato – a revolução – impedem que seja vista, conhecida, interpretada. Não podendo impedir a visão, a distorcem, denigrem, violentam. Mas não basta não transmitir: é preciso encher a cabeça das pessoas de lixo, impedi-las de raciocinar, neutralizálas. É um movimento preventivo, e visa incapacitar o público de ter visão crítica, para que, na lamentável hipótese de ter que informar que houve uma revolução em algum lugar do mundo, esse fato passe desapercebido na enxurrada de publicidades estúpidas. Vejamos o exemplo da Venezuela: todo o arsenal e a potência de fogo da mídia privada, que tinha o domínio absoluto da comunicação naquele país, foi utilizado para barbarizar a imagem da revolução atual em curso, e finalmente, derrotá-la. O povo humilde da Venezuela, tendo encontrado um instrumento para organizar-se, não se deixou vencer nem enganar. Muito pouco,

ou quase nada disso foi transmitido pela mídia a nível mundial. A revolução aprendeu a lição, resolveu potencializar o sistema estatal e comunitário, criou a ViVeTV para transmitir cultura e informação verdadeiras, e agora propõe-se a estimular a criação de uma rede de TVs em toda a América Latina e que transmita para todo o mundo, totalmente fora de controle das centrais informativas e culturais do imperialismo.

INEDITISMO O que está ocorrendo nesse terreno não é simplesmente a criação de uma nova mídia independente, pública ou estatal como aquela já existente na América Latina, desde as TVs educativas, os sistemas comunitários, até os canais estatais ou regionais que prestam um digno serviço às populações, apesar da falta de meios e de condições financeiras e até mesmo institucionais para competir com a mídia comercial. Trata-se de algo novo, inédito. O presidente da República bolivariana, utilizando a TV e comunicando-se com todo o povo venezuelano, dirige o país ao vivo. Abre um canal de mão dupla, dialoga, escuta por meio de um serviço telefônico 0800 as reclamações populares, encaminha soluções, dá ordens aos ministros, pede correções, presta

da dessa maneira, representa uma arma potente para desencadear um gigantesco processo participativo. O que nos impede de discutir os problemas mais relevantes da humanidade, do ponto de vista dos movimentos sociais, diChávez dá entrevista ao jornalista Beto Almeida retamente com os protagonistas, os inteinformações, mostra a execução dos ressados, como os quilombolas, os programas de governo. Utilizando- indígenas, os trabalhadores de tose de links locais, visita obras, dis- dos os níveis, os intelectuais, os cute com as comunidades reunidas estudantes, a classe média? Nada, em assembléias, mostra as realiza- absolutamente nada. O que sabem ções populares da revolução. Critica os povos da América Latina da reabertamente os ministros ou funcio- volução bolivariana? Muito pouco, nários do Estado que não cumprem quase nada. O que sabemos, nós o próprio dever. Reafirma os obje- brasileiros, das marchas do mineiros tivos da revolução, o seu compro- e indígenas bolivianos, das lutas do misso com os pobres, os sem-posse, povo peruano, equatoriano, argentisem-emprego, sem-terra. no? Praticamente nada. A audiência do programa tem sido altíssima, apesar da sua duração de UNIFICAÇÃO Hugo Chávez tem feito chama6, 7 horas: mais de 50%. Não se trata de um programa de variedades, não dos à unificação do continente, mas tem atrativos particulares, entreteni- do ponto de vista dos seus povos: mento. É simplesmente o presidente tem insistido que não há uma soluda República, e líder da revolução, a ção para Cuba, nem para a Venezula, nem para o Brasil, sem a unificação comunicar-se com todo o país. Longe de representar uma solu- econômica, política, social, para ção “técnica” para um problema que promover as transformações sociais. é político e social, a mídia, utiliza- Ao vivo, todos os dias. Tem insistido

Félix Pereira

Iraê Sassi de Brasília (DF)

que se faça uma empresa petrolífera e energética latino-americana e estatal, que se integrem todos os países, contra o imperialismo estadunidense. Mas o nosso povo não está devidamente informado. Eis que surge uma pequena, mas aguerrida, TV Comunitária que transmite de Brasília, e empreende uma das mais audazes e inovadoras iniciativas de sinal oposto à mídia das dez famílias da elite: mesmo cerceada pela legislação vigente, que a confina às freqüências disponibilizadas para a TV a cabo – podendo ser vista somente para a minoria que pode assinar e pagar – e pela absoluta falta de políticas públicas de apoio, subsídio e promoção do sistema de rádios e TVs comunitárias, a TV Comunitária de Brasília acaba de abrir uma janela para uma revolução social em pleno desenvolvimento no nosso continente, a da Venezuela. Uma receita simples: uma parabólica potente que capta o sinal da TV estatal venezuelana, e retransmite o programa Alô Presidente e outros eventos. Vale a pena conferir. E retransmitir. O que impede o governo Lula de colocar toda a estrutura da Radiobrás a serviço desse ambicioso projeto de integração cultural, social e política da América Latina? Iraê Sassi é jornalista


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