Ano 2 • Número 88
R$ 2,00 São Paulo • De 4 a 10 de novembro de 2004
Esquerda vence eleições no Uruguai Com 51% dos votos, Tabaré Vázquez, da Frente Ampla, é eleito presidente da República após 173 anos de bipartidarismo Centro de Montevidéu, o povo festejou o triunfo. “Não temos tempo a perder para que os uruguaios possam viver melhor e os que saíram possam voltar”, disse Vázquez. Analistas uruguaios apostam que a opção política e econômica do presidente eleito será a mesma que a de Lula. O chamado “núcleo duro” da Frente Ampla-Encontro Progressista faz questão de elogiar a “maturidade” do governo Lula. Pág. 11
Miguel Rojo/AFP
A
os 31 anos da fundação da Frente Ampla, os uruguaios elegeram Tabaré Vázquez presidente da República. Dia 31 de outubro, em primeiro turno, o candidato da esquerda recebeu 51% dos votos, pela Frente Ampla-Encontro Progressista-Nova Maioria. Para ele, a vitória pertence ao povo, “que protagonizou um espetáculo cívico”. O índice de comparecimento às urnas foi de cerca de 90%, o mais alto da história do país. No
Mais uma vez, fraudes rondam votação nos EUA Com participação recorde dos eleitores, na história dos Estados Unidos, o pleito para presidente da República, realizado dia 2, já foi alvo de denúncias de irregularidades – como a existência de urnas que tinham cédulas antes do início da votação e de eleitores que teriam sido, ilegamente,
impedidos de votar. Por conta disso, os resultados das eleições não têm data certa para serem divulgados, embora o candidato John Kerry apresentasse, nas pesquisas de boca de urna, uma ligeira vantagem sobre o republicano George W. Bush. Pág. 9
Em disputa municipal, PT garante avanço
Novas formas de resistência ao neoliberalismo
O PT conseguiu vitórias significativas nas eleições municipais de 2004. Elegeu os prefeitos de nove das 26 capitais e 14 das 70 cidades com mais de 150 mil habitantes. Perdeu, entretanto Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP), arrematados respectivamente por candidatos do PPS e do PSDB. Em Fortaleza (CE), Luizianne Lins, surpreendeu e derrotou Moroni Torgan, do PFL. Para Emir Sader, o resultado das eleições não deixa dúvida: ganhou a direita e perdeu a esquerda. Págs. 2, 3 e 14
Mais dois anos de política econômica sob as bênçãos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Brasil continuará sendo uma “Suicíndia”: os ricos vivendo como se estivessem na Suíça, e os pobres, na Índia. É o que diz o sociólogo Michael Löwy, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. A vanguarda política está com os movimentos sociais, que lutam contra a continuidade do modelo neoliberal e “uma ditadura totalitária do capitalismo”. Pág. 8
Movimentos fazem propostas para Educação
Chávez sai vitorioso em pleito regional Pág. 11 Gustavo Roth/ Folha Imagem
Pág. 5
Partidários da Frente Ampla comemoram vitória do socialista Tabaré Vásquez nas eleições para presidente do Uruguai
Brasil ajuda Cuba a driblar crise de energia
Pagamento da dívida financia países ricos
Uma festa para a música latino-americana
O presidente Lula prometeu apoio emergencial e a longo prazo para suprir os problemas de eletricidade desencadeados, desde maio, quando houve uma falha na maior usina termoelétrica de Cuba. O Brasil se dispôs a enviar à ilha óleo e turbinas para atenuar o racionamento, além de repassar tecnologia de geração energética a partir da biomassa, que aproveita o bagaço da cana-de-açúcar como insumo na geração de eletricidade. Pág. 10
A América Latina enviou ao exterior, em 2003, 54,8 bilhões de dólares – mais que dobro dos recursos captados em investimentos externos no mesmo período. Esse balanço, feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos indica que, ao pagar suas dívidas externas, os países pobres bancam o desenvolvimento do Primeiro Mundo. Entre os dias 10 e 11, organizações sociais debatem a dívida externa em seminário no Congresso Nacional. Pág. 7
Cerca de 5 mil militantes e artistas são esperados para o 1º Festival Latino Americano de Música Camponesa, que acontece de 17 a 21, na cidade de Curitiba, no Paraná. Além da apresentação dos artistas, que serão premiados com a gravação de um CD, haverá debates sobre a reforma agrária, feira com comidas típicas, exibição de filmes e exposições. Todas as atividades serão relacionadas com a cultura camponesa de cada país participante. Pág. 16
E mais: TRANSGÊNICOS – Governador Roberto Requião insiste em solicitar que o Paraná seja considerado “área limpa”, mas fazendeiros locais garantem que vão plantar soja modificada. Pág. 3 TRABALHO INFANTIL – Governo extingue órgão especializado na fiscalização de exploração de mão-de-obra infantil, o que pode comprometer combate a esse crime. Pág. 4
Contra as armas – Milhares de moradores do Jardim Ângela, em São Paulo, realizam passeata contra o desarmamento e pela vida e a paz, dia 2
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CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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NOSSA OPINIÃO
Depois das eleições, é hora de mudar
O
governo Lula passou dois anos seguindo a mesma política econômica neoliberal da turma do FHC. Essas diretrizes econômicas eram fruto de suas alianças políticas com setores da classe dominante, refletiam preocupações com possíveis ataques especulativos do exterior, e certa precaução para não afetar o desempenho eleitoral nas eleições municipais. Imagina-se que o governo esperava ampliar sua base política nas eleições municipais. Como diziam diversos dirigentes petistas, “as eleições municipais servirão para acumular forças em número de vereadores e prefeitos, o que permitirá o presidente iniciar as mudanças”. O governo almejava eleger centenas de vereadores e controlar ao redor de mil prefeituras. Passadas as eleições municipais, os resultados políticos e de classe são claros. A disputa eleitoral não serviu para discutir projetos para o país, e os votos não foram nem de apoio ao governo, mesmo quando destinados ao PT, nem de crítica ao governo quando voltados para a oposição. Afinal, um dos partidos que mais fez votos, o PSDB, é defensor da política econômica vigente. As eleições se realizaram num cenário de despolitização, de falta de participação da militância, de ausência de debates em
torno de projetos. As vitórias se deram, exclusivamente, em torno das conjunturas locais, municipais, de forças locais e de carismas pessoais. Todos os partidos encontrarão motivos para dizer que ganharam. Mas, na verdade, o povo brasileiro é que perdeu. Perdeu porque as eleições não ajudaram a conscientizar, a estimular a participação política nos destinos do país. Perdeu porque qualquer resultado não ajudaria a acumular forças sociais para que o povo melhorasse de vida. Perdeu a visão de esquerda do que é fazer política. A disputa eleitoral, além do aspecto democrático, é um espaço privilegiado para motivar a participação do povo, de forma consciente, na discussão dos seus problemas e na busca das verdadeiras soluções. A campanha eleitoral, do jeito que foi feita, reduziu o povo a espectador de segunda categoria, à mercê dos marqueteiros de aluguel, que a cada eleição mudam de candidatos e usam argumentos apenas para vender seus produtos. E a militância e o desejo de mudar, foram trocados por cabos eleitorais de aluguel, pagos. Nunca se gastou tanto dinheiro, como nessas eleições. E ninguém explica de onde veio tanto dinheiro. Caberá agora ao governo Lula
FALA ZÉ - Rádios comunitárias
tomar sua derradeira definição. Está entre dois caminhos. Mudar a política econômica neoliberal, sinalizar para o povo e para as forças sociais que o elegeram que quer construir um novo projeto de desenvolvimento nacional para o país. E, com isso, estimulará a militância, estimulará as mobilizações sociais, em torno da idéia de mudanças. Mudanças para resolver os verdadeiros problemas do povo, que são garantia de trabalho, valorização do salário, acesso à terra, moradia, e direito a escola em todos os níveis. E, em 2006, caminharemos para uma verdadeira disputa de projetos de desenvolvimento com a direita, com a classe dominante. Ou, o segundo caminho: seguir refém da atual política econômica neoliberal e das alianças com setores da classe dominante e com a direita. Nesse rumo, pouco se diferenciará. E, ao contrário do que muitos pensam, haverá uma polarização com os tucanos. Veja-se o que diz a classe dominante, que expressa suas idéias nos editoriais do Estadão: o ideal seria uma aliança com os tucanos, ou setores deles, como também defende, claramente, o prefeito reeleito de Belo Horizonte (do PT), cuja aliança lhe rendeu a eleição com 70% dos votos. OHI
CARTAS DOS LEITORES EDUCAÇÃO COMO MERCADORIA Após os governos de FHC (19952002) e de seu ministro Paulo Renato, podemos observar como a educação nesse país ficou entregue a senhores que só visam ao lucro em detrimento total da educação. A proliferação, nesse período, de faculdades que oferecem diploma superior em dois anos, aumentou de forma totalmente inadequada e sem acompanhamento do Ministério de Educação, enquanto as instituições públicas, paralisadas e totalmente sem estrutura para manutenção de pesquisas e reposição de docentes que se aposentam, sofrem pela falta de verbas. Sem falar em instituições privadas tradicionais como a Escola de Sociologia e Política de São Paulo e o Mackenzie, cujas mensalidades aumentam a cada ano. Esse projeto que o governo Lula pretende implantar, em vez de destinar benefícios para isentar alguns impostos a faculdades privadas, deveria ser destinado às instituições públicas que agonizam a cada novo governo que entra. Esperamos que nesse governo, que foi eleito para mudar, não vejamos a privatização das universidades públicas e haja uma melhora, se possível ainda for, da qualidade de ensino nesse país. Erik C. G. por correio eletrônico SEM-TERRINHA Venho parabenizá-los por mostrarem com tanto talento os sonhos das crianças “sem-terrinha”. Realmente
devo aplaudi-los, pois vendo a esperança estampada nos rostos pintadinhos, tive a certeza e a suprema alegria de reviver, nessas imagens maravilhosas, que um novo mundo, um outro mundo é possível, e veremos o dragão da maldade representado pelo FMI e banqueiros gananciosos vencidos e derrotados em suas mentiras. Nós temos um futuro que levará paz. Um futuro que brilha nesses olhinhos que vossas máquinas fotográficas tão bem focaram. José Leonel Rosa Pelotas (RS) ERRATAS O número de medidas provisórias editadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus dois madatos, foi 5491 e não 263 como afirma a matéria “Medidas Provisória e Polêmicas” (edição 87, página 4). O número correto inclui também a quantidade de reedições, como foi somado no caso de outros presidentes. Diferente do publicado na edição passada, Peter Rosset é pesquisador do Centro de Estudios para el Cambio en el Campo Mexicano, organização não-governamental que apóia a Via Campesina-México, e co-coordenador da Rede de Investigação-Ação Sobre a Terra.
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CRÔNICA
A corrida para as águas e as culturas Marcelo Barros Em regiões distantes do planeta, dois encontros marcam o início deste mês: de 4 a 9, em Taiwan, e de 9 a 14, em Porto Alegre, a sociedade civil pode refletir sobre a questão da água no mundo. Em Taiwan, o Parlamento das Religiões para a Paz reúne líderes e representantes de tradições espirituais comprometidas com a paz e a ecologia para aprofundar o compromisso das religiões com a água. Em Porto Alegre, realiza-se o 2º Fórum Internacional das Águas, promovido por vários ministérios do governo federal, por secretarias do governo gaúcho, pela Associação Riograndense de Imprensa e pela própria Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo é fomentar o exercício da cidadania e a responsabilidade da humanidade para com a água, este elemento de nossa vida precioso e ameaçado. Representantes de 33 países confirmaram presença e os movimentos sociais inscrevem esse evento no processo do Fórum
Social Mundial e na busca de um novo mundo possível. Mais de um bilhão de pessoas vivem em uma situação de stress hídrico, ou seja, com menos de dois litros de água potável por dia. As pesquisas revelam: em 50 anos, houve uma redução de 62% na disponibilidade da água doce nas reservas do planeta. Na América do Sul, esse dado ainda é mais alarmante: a redução foi de 73%. O Brasil possui 53% de toda a água do continente, mas, em algumas cidades, o desperdício chega a 40%. Metrópoles como o Rio e São Paulo têm cada vez mais dificuldade de garantir água para todos os seus habitantes. No mundo, a água tem sido motivo de conflitos internacionais. Em 36 pontos do planeta ocorrem guerras por causa da água. Na guerra cotidiana movida pelo sistema econômico contra os pobres, a solução apontada tem sido dizer que água custa dinheiro. Chamam até a água de “recursos hídricos”. Tentam pri-
vatizar a água que a natureza nos dá gratuitamente. Em todos os fóruns sobre a água, a sociedade civil mais consciente sustenta: a água é um direito universal de todo ser vivo, a ser garantido gratuitamente por todos os governos do mundo. O direito à água não é apenas um direito econômico, mas também um tesouro cultural e um sacramento espiritual. Em todos os tempos, a água acompanhou a vida dos seres humanos. É o elemento mais utilizado nos ritos antigos. É instrumento essencial de higiene e saúde. No Evangelho de João, a água é considerada sinal do Espírito Santo, mãe da vida. Defender a água como direito de todo ser vivo e que não pode ser vendida é um modo de acolher a sabedoria comum a todas as tradições espirituais e viver uma espiritualidade ecológica. Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 24 livros, entre os quais o romance A Festa do Pastor, da Editora Rede
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NACIONAL ELEIÇÕES MUNICIPAIS
Apesar de importantes derrotas, PT avança da Redação
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o balanço das eleições municipais, o Partido dos Trabalhadores (PT) saiu vitorioso. Conquistou a prefeitura de 9 das 26 capitais e de 14 das 70 cidades com mais de 150 mil eleitores. Das 5.562 prefeituras em disputa, arrematou 411. Em encontro com candidatos eleitos e derrotados, dia 1º, o presidente nacional do PT, José Genoino, declarou que o partido acumulou “um grande capital político”. No segundo turno, o PT elegeu os prefeitos de 3 das 9 capitais que disputou: João Coser, de Vitória (ES); Luizianne Lins, de Fortaleza (CE); e Roberto Sobrinho, de Porto Velho (RO). O partido alcançou o Executivo de cidades consideradas estratégicas por Genoino, como Contagem (MG), Londrina (PR), Niterói e Nova Iguaçu (RJ) e Diadema, Osasco e Santo André (SP). Apesar de ampliar o número de capitais que governará a partir de 2005, o PT teve menos eleitores do que o PSDB – 17 milhões, contra os 25,6 milhões das cidades onde o partido tucano ganhou. A diferença se dá basicamente porque o PT perdeu duas capitais de peso, como São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS). Na capital gaúcha, chegam ao fim 16 anos de administração petista. No segundo turno, o PSDB elegeu prefeitos em cinco capitais: Beto Richa, em Curitiba (PR); Dário Berger, em Florianópolis (SC); José Serra, em São Paulo; Silvio Mendes, em Teresina (PI) e Wilson Matos, em Cuiabá (MT). O partido ganhou em 14 cidades maiores de 150 mil habitantes, mesmo resultado do PT. O PMDB e o PFL tiveram resultados opostos no segundo turno. O primeiro garantiu a prefeitura de Goiânia (GO) e cinco outras cidades, enquanto o segundo perdeu em todas as cidades onde disputou. Os partidos que mais cresceram foram PDT, PPS e PSB. Nas cidades de mais de 150 mil habitantes,
atingiram respectivamente um aumento de 38%, 60% e 33% em relação a 2000. As surpresas ficaram por conta de João Henrique, do PDT, que esmagou seu adversário, do PFL, na disputa por Salvador (BA), atingindo 74% dos votos, e José Fogaça, do PPS, que venceu na capital gaúcha.
Jarbas Oliveira/AE
O partido arrematou a prefeitura de 9 das 26 capitais, mas perdeu o controle de São Paulo (SP) e de Porto Alegre (RS)
FENÔMENO LUIZIANNE Desacreditada pelo PT, Luizianne surpreendeu e se elegeu prefeita de Fortaleza. Obteve 56% dos votos, derrotando Moroni Torgan, do PFL. No segundo turno, sua campanha foi uma das que contou com menos recursos do partido, diferentemente de Marta Suplicy, em São Paulo, e Raul Pont, em Porto Alegre, que montaram esquemas milionários – e foram derrotados. Ligada à ala mais à esquerda do PT, Luizianne contou com apoio maciço de militantes voluntários, a quem agradeceu em seu discurso após a eleição.
Luizianne Lins faz o sinal de sua marca registrada durante a campanha que a levou à prefeitura de Fortaleza
ANÁLISE
Agora vem o terceiro turno Dom Demétrio Valentini A grande maioria dos municípios só teve o primeiro turno. Alguns tiveram o segundo. Bom seria que agora todos tivessem uma espécie de “terceiro turno”, mais prolongado, até permanente, para cultivar a consciência política, para recolher as lições deixadas pelas eleições, para acompanhar de perto os governantes eleitos, para fortalecer a indispensável coesão da cidadania em vista da urgência de enfrentar os múltiplos desafios da situação do país. Em primeiro lugar, passadas as eleições, é importante perceber a salutar oxigenação política que o processo eleitoral sempre produz. Antes de mais nada, fica revigorado o processo democrático. Mesmo
necessitado ainda de muitos aperfeiçoamentos, ele é indispensável. Tanto mais é preciso evitar sua desmoralização. Ele tem nas eleições livres o seu componente fundamental e sua mola propulsora. Daí o máximo empenho em impedir o desvirtuamento do sistema eleitoral. É o grande mérito da Lei 9840. Seu rigor precisa ser mantido e aperfeiçoado. O “terceiro turno”, em cada município, tem como tarefa prioritária, antes que se esqueçam os episódios, analisar o que ocorreu nas eleições, para detectar as artimanhas da corrupção e procurar o antídoto que possa extirpá-las. As urnas sempre deixam o seu recado. Por elas o povo indica os grandes rumos a seguir. Com certeza, também desta vez o povo
expressou sua cobrança, apontando para a responsabilidade dos eleitos. Cada eleição traz nova motivação para os governantes. E reforça a convicção de que é possível encontrar a solução dos problemas, sobretudo porque o povo está disposto a respaldar as iniciativas que vão ao encontro de suas aspirações. Mas, além disto, terminadas as eleições, há um discernimento maior a ser feito. Pois seu resultado não se expressa só nos números que apontam quem foi eleito e quem não o foi. Há respostas diferentes a serem dadas à pergunta de quem ganhou e quem perdeu. O cultivo da cidadania é tarefa permanente, que não permite trégua. A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil organiza um “centro de formação política”, na
tentativa de articular melhor as iniciativas. Aos poucos vai tomando forma uma verdadeira “pastoral política”, que não se limite a tempos de eleição, mas que seja permanente e integrada nos planos de cada diocese. Há uma difícil equação a realizar. As eleições são, ao mesmo tempo, reflexo dos problemas do povo, e instrumento para superálos. Como fazer para que este instrumento tenha eficácia, e supere os condicionamentos a que está submetido, eis o desafio. A formação política dos cidadãos é o remédio para recuperar e aprimorar o potencial democrático das eleições.
Dom Demétrio Valentino é bispo da diocesse de Jales, em São Paulo
TRANSGÊNICOS
Federação desafia governo paranaense Pela terceira vez, o governo do Estado do Paraná solicita que o governo federal declare o Estado área livre de transgênicos. Diversas organizações de pequenos agricultores e trabalhadores rurais apóiam o posicionamento do governo estadual e defendem a não utilização de sementes transgênicas e o controle e a fiscalização sobre a produção ilegal. Porém, a Federação dos Agricultores do Estado do Paraná (Faep) reivindica o direito de plantar transgênicos. Alguns agricultores desafiaram o governador Roberto Requião e declararam que vão plantar soja transgênica, mesmo sem autorização legal. Diante disso, a entidade da sociedade civil Terra de Direitos apresentou uma representação junto ao Ministério Público contra a Faep, por incitação ao crime. Diversas outras organizações da sociedade civil paranaenses, como a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná (Fetaep), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e o Fórum Centro Sul de Agricultores Familiares, têm se posicionado contra a contaminação das lavouras, principalmente porque não há condições de preveni-la e evitar a dependência do pequeno agricultor às regras das empresas multinacionais. As organizações da Jornada de Agroecologia, articulação de mais de 30 entidades e movimentos sociais do campo, elaboraram uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, apoiando a reivindicação do governo do Estado. Pequenos agricultores, como Douglas Rogério Fernandes, que mora no assentamento Antonio Companheiro Tavares, em São Miguel do Iguaçu, e planta soja convencional, concordam com o posicionamento. “Se os agricultores começarem a plantar soja transgênica, no máximo em quatro anos a população vai perder variedades de sementes criolas, que foram cultivadas durante séculos,
e acabará a cultura dos nossos antepassados”, afirma Fernandes. Além de exterminar as sementes crioulas, Fernandes acredita que os transgênicos podem desequilibrar o ambiente: “O plantio de soja transgênica acaba com o solo, pois exige a utilização de agrotóxicos que exterminam pequenos animais, como insetos e passarinhos”.
CONTAMINAÇÃO A advogada da Terra de Direitos, Maria Rita Reis, destaca que
“a contaminação é um problema concreto para os agricultores. Além da possibilidade de contaminação biológica, que no caso da soja é pequena, temos que lembrar as possibilidades de contaminação mecânica, pelas máquinas utilizadas na colheita e nos caminhões para transporte”. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos, país que produz dois terços de todo os transgênicos no globo, mostram que a adoção das sementes modificadas trouxe
uma combinação de resultados negativos e positivos, mas que em nenhum caso aumentaram o potencial de colheita. A Farming Research Foundation (OFRF), por exemplo, é responsável por uma pesquisa com mais de mil agricultores orgânicos, publicada em maio de 2003. Nesse levantamento, 46% dos agricultores entrevistados dizem que o risco de contaminação é de moderado a alto, e 30% acreditam que o risco de contaminação é muito alto.
MORADIA
Sem-teto ocupam prédios em São Paulo da Redação Depois da ocupação de sete prédios, realizada dia 31 de outubro, quatro prédios abandonados na região central da cidade de São Paulo permaneciam ocupados, até o dia 2, por famílias sem moradia, cerca de 3 mil pessoas, segundo uma das coordenadoras do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), Lizete Gomes. As outras três ocupações, segundo Lizete, foram esvaziadas depois da intervenção da Polícia Militar. Dois dos líderes do movimento detidos pela Polícia já estão liberados, contou a coordenadora, que lamentou o confronto em alguns dos locais e o uso de bombas de gás lacrimogêneo. Antes, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo relatara que as desocupações haviam sido relativamente pacíficas. O número de envolvidos e de pré-
Ciete Silverio/AE
Aline Gonçalves e Solange Engelmann de Curitiba (PR)
Integrantes do Movimento Sem-Teto do Centro ocupam prédio em São Paulo
dios ocupados também difere. Segundo a polícia, apenas dois prédios estavam ocupados dia 2, com 200 pessoas. Mas, de acordo com o MSTC, o total é de quatro prédios, com número de pessoas não definido.
Lizete Gomes esclareceu que a data das ocupações, na noite da apuração da eleição municipal, não pretendia ter impacto sobre a vitória de um candidato ou de outro. Segundo ela, o que motiva a ocu-
pação são as carências das famílias pobres: “Se pagam o aluguel, não comem; e se comem, não sobra dinheiro para o aluguel.” A expectativa, acrescentou, é de retomada de negociações para que as famílias possam viver juntas numa mesma casa. “Muitas famílias estão hoje desmanchadas, vivendo em casa de avô, avó e outros parentes”, disse. A coordenadora informou ainda que a escolha dos locais ocupados recaiu sobre edifícios cujos donos estão em débito com os cofres públicos – dívidas, por exemplo, de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que atingem quantias superiores aos valores de venda dos imóveis. Na lista estão prédios abandonados em ruas do Centro e outros nos bairros da Casa Verde (zona norte) e São Mateus (zona leste). (Agência Brasil, www.radiobras.gov.br)
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da mídia Dioclécio Luz
NACIONAL TRABALHO INFANTIL Adrovando Claro
Espelho Gil recebe dossiê O ministro da Cultura, Gilberto Gil, recebeu (dia 25/10), das mãos de representante do Sindicato dos Jornalistas do DF, dossiê da violência do governo Lula contra as rádios comunitárias. Gil se disse informado sobre o assunto e, preocupado com a situação, afirmou já ter levado o caso ao ministro José Dirceu. Auto-regulamentação Em resposta à proposta da Ancinave, que, entre outras coisas, estabelece taxações sobre cópias de filmes estrangeiros e cota para filmes nacionais nas TVs, os empresários do setor estão propondo a auto-regulamentação. Isto é, não seria preciso uma lei porque eles fariam isso por conta própria. Alguém acredita que eles, campeões da baixaria, fariam isso de livre e espontânea vontade? Duda cantava de galo O publicitário e milionário Duda Mendonça acreditava que, por ser ligado aos ricos e poderosos, estaria imune aos interesses dos poderosos. Achou que conquistara o direito à “impunidade publicitária”. Subestimou-se. Achou-se acima do bem e do mal. Por isso foi preso, ridiculamente, numa rinha de galo e enquadrado por “formação de quadrilha”. Não leu Maquiavel. Se lesse saberia porque foi preso quando faltava uma semana para eleição em São Paulo, quando a Polícia Federal descobriu o que todo mundo sabia. Bobagens dos acadêmicos “É bom politicamente para o governo que haja tráfico nas favelas, já que o crime organizado impediria a politização dos seus moradores e a possibilidade de organização à maneira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”. (Do historiador José Murilo de Carvalho, da UFRJ, para a Folha de S. Paulo, dia 28 de outubro, tentando provar que é melhor que haja tráfico nas favelas ao invés da politização e da organização dos seus moradores). TCU defende filme-comércio “O Tribunal de Contas da União (TCU) perdeu uma boa chance de ficar calado quando determinou à Agência Nacional do Cinema (Ancine) que, de agora em diante, só os filmes que demonstrarem chance de sucesso comercial poderão ser feitos com participação do dinheiro público”. (Nelson Hoineff). Como se vê, o TCU não entende nada de cinema. Monsanto banca escola de samba Para o desfile do próximo ano, a escola de samba “Tradição”, do Rio de Janeiro, receberá dinheiro da Monsanto e de outras fabricantes de transgênicos. Que vergonha! Na Suécia não tem propaganda Programa infantil na Suécia não pode ter publicidade. Aqui no Brasil, porém, tá liberado. A TV forma crianças consumidoras. Sky e Direct-TV vão se juntar Um dos milionários da comunicação no mundo, Rupert Murdoch, se tornou dono das empresas de TV por assinatura Sky e DirecTV. Ele, que é já dono de rádios, jornais, TVs, revistas, determinará a cara da TV por assinatura no Brasil. Hoje o conteúdo é 98% norteamericanizado. Amanhã poderá chegar a 99,9%.
As ações de combate ao trabalho infantil perdem seu papel social com a reformulação da carreira dos auditores fiscais e podem estar comprometidas
Governo relaxa fiscalização Medida preocupa entidades que combatem a exploração de crianças no país Fernanda Sucupira de São Paulo (SP)
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ma portaria publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego pode comprometer o combate ao trabalho infantil no Brasil, que atinge atualmente cerca de 5,4 milhões de crianças, a maioria na agricultura, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. Para se adequar às novas regras da carreira dos auditores fiscais, a determinação extingue os Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e de Proteção do Trabalhador Adolescente (Gectipas) nas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), que se dedicavam exclusivamente a essa questão. A partir de agora, as ações de combate ao trabalho infantil passaram a ser responsabilidade de todos os fiscais, que devem cumprir metas individuais e institucionais para conseguir gratificações. A pontuação para receber esse benefício, no entanto, não inclui o controle sobre o trabalho de crianças. Entre as ações que pontuam para o recebimento do bônus estão a fiscalização do registro empregatício, da arrecadação de FGTS e das condições de saúde do trabalhador nas empresas. As alterações na carreira dos fiscais e a conseqüente extinção dos Gectipas preocupam as entidades de combate à exploração da mão-deobra infantil e os fiscais que faziam parte desses grupos especiais. Eles acreditam que essas medidas vão desestimular as ações de combate ao trabalho infantil. “Fiscalizar o trabalho infantil não gera arrecadação, pois muitas vezes, por ser trabalho informal, nem tem quem multar. Mas essas ações têm um papel social da maior importância, porque somos responsáveis por proteger as crianças e adolescentes do país”, defende Isa Maria de Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
identificada, concorda que essa fiscalização terá menos força: “Agora dependemos da determinação do delegado para agir nesses casos. Antes dávamos prioridade, mas agora temos obrigação de cumprir com outras tarefas que nos tiram o foco”, lamenta. Ela acredita que o Ministério do Trabalho conseguiria cumprir suas metas de arrecadação com as multas oriundas da fiscalização sem precisar destruir esse trabalho. “Quem vai cuidar da função social da fiscalização?”, questiona. A fiscalização era apenas um aspecto do trabalho que vinha sendo realizado pelos Gectipas. Criados em 2000, os fiscais eram treinados especificamente para essa atuação e desenvolviam diversas ações, como o mapeamento do trabalho infantil. Coletavam dados, detectavam os focos e definiam as prioridades de atuação. Depois, mandavam as demandas aos ministérios com os quais tinham parceria, como o do Desenvolvimento Social, e encaminhavam as crianças e adolescentes para serem incluídos nos programas do governo federal. “Os grupos influenciavam as políticas públicas nacionais e locais, pois criavam demandas com os números e as informações que forneciam. Muitas vezes o Ministério Público agia baseado nos nossos relatórios”, afirma a coordenadora. Esses grupos especiais tinham também um papel formador, pois capacitavam diferentes instituições para auxiliar no combate ao trabalho infantil, participavam de palestras e desenvolviam atividades educativas. Faziam ainda um trabalho de negociação e articulação de diversas entidades como Ministério Público, conselhos tutelares e de di-
OUTRO LADO “Os grupos foram extintos porque a estrutura dos Gectipas era incompatível com a nova legislação que regulamentou a carreira dos fiscais”, justifica Leonardo Soares, diretor do Departamento de Inspeção do Ministério do Trabalho. “A importância do tema não foi extinta, a preocupação não muda e as atividades continuam dentro do ministério. Não existe mais um grupo para cuidar desse assunto, mas ele passou a ser responsabilidade do conjunto de entidades. Depende apenas do planejamento das delegacias”, completa. Segundo Soares, foi a categoria dos auditores fiscais que pressionou o Congresso Nacional
para que também fosse incluída nas gratificações por arrecadação. Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Fahid Tahan Sab, as ações de combate ao trabalho infantil deveriam ser incluídas nas metas da categoria, ou seja, deveriam pontuar e fazer parte da gratificação. Ele não acredita que essa nova estrutura vá necessariamente desestimular a atuação social dos fiscais, porque o trabalho deles depende da direção da chefia. No entanto, admite que “se não houver a possibilidade de aumentar sua remuneração com um tipo de trabalho, os fiscais vão buscar fazer outros”. Segundo ele, o maior problema na verdade é o pequeno número de auditores fiscais para atender à demanda do país. “Ainda temos esperanças de que esse quadro se reverta. A fiscalização não pode ter apenas caráter arrecadatório, a função social tem que ser mantida e as entidades já estão se movimentando nesse sentido”, afirma um dos coordenadores do Gectipas. O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil está marcando uma audiência com o Ministério do Trabalho ainda na primeira quinzena de novembro para saber quais medidas o governo federal pretende tomar para que o trabalho infantil seja uma prioridade e para que haja continuidade nas ações realizadas até agora. “Temos que reafirmar a importância do Ministério do Trabalho investir e dar prioridade ao trabalho infantil informal, ou seja, nas ruas, no trabalho infantil doméstico, nos lixões. Essas são as formas mais difíceis de serem combatidas e era onde os Gectipas atuavam”, lembra Isa Maria. (Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)
RÁDIOS COMUNITÁRIAS
Mais 15 emissoras fechadas da Redação
BONS RESULTADOS “Tememos que, com essa mudança, a prioridade não seja assegurada. Os Gectipas cumpriam um papel importante, com uma estrutura voltada unicamente para isso. Essa atenção especial trouxe bons resultados, reduzindo o trabalho infantil no país”, afirma. Segundo Isa Maria, se essas ações não tiverem continuidade, haverá um sério comprometimento em relação ao combate à prática no país. Uma das coordenadoras dos extintos Gectipas, que preferiu não ser
reito, sindicatos e organizações nãogovernamentais, com os quais formavam frentes de combate à exploração da criança e do adolescente. Cuidavam ainda da sensibilização das famílias, das prefeituras e da população. Além disso, os Gectipas fiscalizavam a qualidade e a realização das Jornadas Ampliadas – atividades de lazer, esportivas, culturais e de reforço escolar previstas no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Segundo outro coordenador dos Gectipas, em alguns Estados foram criadas assessorias de trabalho infantil, que na teoria poderiam realizar parte desse trabalho. Mas elas não têm as mesmas atribuições dos grupos especiais, que contavam com recursos próprios para agir. “A assessoria só remete as demandas para a chefia. A extinção dos Gectipas foi uma grande perda porque agora elas serão diluídas no setor de fiscalização. É lamentável esse retrocesso”, avalia.
Dia 25 de outubro, foram fechadas 15 rádios comunitárias na região de Belo Horizonte, capital mineira. Entre elas, a Rádio Constelação, que há sete anos vem atuando junto à comunidade e é formada em sua totalidade por portadores de necessidades especiais. No ato do fechamento, Roberto Emanuel, cego de nascença, foi algemado e levado preso até a Polícia Federal de Belo Horizonte. Dados da Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço)
indicam que, nos últimos dez anos, mais de dez mil brasileiros foram processados por radiodifusão comunitária. Desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o número de rádios comunitárias fechadas supera em mais de 30% os fechamentos da era de Fernando Henrique Cardoso. Para cada rádio comunitária autorizada no governo Lula, três outras são fechadas. “Isso é inacreditável num governo que a todo momento se refere às rádios comunitárias como sendo um grande e importante pólo de democratização em nosso país”, diz Marcelo Zelic,
integrante do Coletivo de Comunicação e Cultura 8 de Dezembro. Recentemente, no Maranhão, o juiz João Batista Gomes determinou que a Rádio Comunidade FM Jovens de Sítio Novo voltasse a funcionar depois de fechada, mesmo sem a outorga, alegando que “a repressão das rádios instaladas sem autorização só poderia ocorrer se o Estado cumprisse seu dever constitucional de prestar o serviço”. No entendimento do juiz, “as rádios comunitárias são a esperança de colocação dos serviços públicos de comunicação de massa na direção correta”.
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NACIONAL EDUCAÇÃO
Movimentos vão debater reforma Luís Brasilino da Redação
Agência Brasil
Governo abre diálogo com representantes da sociedade e pede a elaboração de propostas democráticas
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reforma universitária pode se diferenciar das demais apresentadas, ou em construção – Previdência, tributária e sindical – pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, e atender aos interesses da maioria da população. O Ministério da Educação (MEC) deu, dia 18 de outubro, um passo importante, nessa direção, ao ampliar o debate sobre o tema. Em reunião com vinte movimentos sociais e sindicais, Tarso Genro, ministro da Educação, assinou um protocolo de cooperação sobre o desenrolar do projeto de reforma universitária. No texto do documento, o ministro se compromete a “reconhecer a legitimidade das organizações sindicais e dos movimentos sociais como atores e interlocutores indispensáveis para a construção de uma proposta democrática de reforma da Educação Superior; instituir fórum com participação plena de representantes das organizações sindicais e sociais signatárias do protocolo para assegurar ampla discussão da redação final do anteprojeto de lei da reforma da educação superior, que será entregue pelo MEC ao presidente da República; e trabalhar em conjunto com os demais atores para garantir que as demandas históricas dos movimentos populares sejam reconhecidas e atendidas pela reforma”. Para Maurício Andrade, coordenador executivo da Ação da Cidadania, uma das entidades participantes do encontro, a assinatura do protocolo foi um grande passo para abrir o diálogo e aumentar a participação da sociedade civil nesse processo. “A próxima etapa, agora, é cobrar aquilo que o protocolo diz”, afirma. Andrade sustenta que a ampliação do debate é a úni-
Ministro Tarso Genro se reúne com representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: reforma universitária em pauta
ca forma de garantir universidade pública e gratuita para todos.
MEC QUER O DIÁLOGO Ao longo do ano, o MEC procurou convidar diversos setores para discutir a reforma universitária. Segundo informações do ministério, os primeiros a serem chamados foram as entidades acadêmicas, ou seja, associações de professores, funcionários técnicoadministrativos, reitores e estudantes. Num segundo momento, a discussão foi feita com organizações do campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag). Por fim, os sindicatos foram convidados a participar.
No final de novembro o MEC vai convocar todos os movimentos para uma reunião na qual será entregue uma minuta de projeto de lei orgânica do ensino superior. Até o momento não está muito claro o que esse texto deve conter. A expectativa é de que a proposta contemple certas reivindicações dos movimentos, mas, por outro lado, pode muito bem atender aos interesses do setor privado de ensino. Depois desse encontro, cada entidade vai analisar a minuta e, num prazo de dez dias, apresentar novas sugestões ou modificações. Tarso Genro terá então mais dez dias para reexaminar as propostas e, provavelmente na primeira quinzena de dezembro, encaminhar o projeto para o presidente Lula, já com as alterações inclusas.
Segundo Andrade, da Ação Cidadania, quando o projeto for ao Congresso Nacional, a manutenção dos direitos conquistados na Constituição Federal de 1988, educação pública e gratuita, vai depender da capacidade da sociedade civil de se organizar e mobilizar.
A REFORMA NO CONGRESSO Para Gilnei Dall’Agnol, do Movimento dos Atingidos por Barragens, este é o momento que mais preocupa: “Nosso grande temor é a discussão ficar restrita aos deputados e senadores. Eles sofrem pressões muito fortes e, se a sociedade não fizer sua parte, a reforma não servirá para a maioria da população”. Por outro lado, Andrade observa que o povo poderá ter uma
maior influência sobre o parlamento, em 2005, “porque já estaremos num ano de vésperas de eleições. Dessa forma, teremos maior força para defender as propostas construídas ao lado do MEC”. Para ele, isso é muito importante porque o Congresso funciona sob pressão. Os movimentos precisam, então, fazer o mesmo que foi feito com o MEC para não deixar se repetir a história da tramitação da Lei de Biossegurança – o projeto que saiu do governo contemplava, em termos, os anseios dos movimentos; mas, quando chegou à Câmara, foi alterado pelo relator Aldo Rebelo, então deputado federal (PC do B), que moldou o projeto de acordo com os interesses das transnacionais e dos grandes fazendeiros.
Rodrigo Brandão de Niterói (RJ) O 1º Encontro Estadual por uma Universidade Pública e Gratuita, sob o tema “Vamos barrar essa reforma universitária”, reuniu mais de 300 estudantes e trabalhadores em universidades públicas, dias 23 e 24 de outubro, na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro. O encontro resultou na redação de uma carta que chama o projeto de educação superior do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de “contra-reforma”. O documento acusa o governo de autoritarismo, ao decidir implementar várias etapas da reforma por meio de medidas provisórias, e critica vários pontos do projeto, em especial o projeto de lei da Inovação Tecnológica e a lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). O primeiro, “por transformar professores em empreendedores e implementar, com isso, a lógica do capital no ensino superior”. A segunda, por, na prática, “manter os princípios do antigo Provão”, do ex-ministro Paulo Renato. Do encontro também saiu a definição de um calendário de atividades para a campanha contra a chamada reforma. Mas não houve consenso sobre a realização de um plebiscito sobre a reforma, defendido por Marcelo Bertolo, militante do movimento UFF levantou poeira: “Não basta lutar contra a reforma universitária. Derrotar a reforma passa por derrotar o governo Lula. Temos que parar com essa história de discutir se devemos flexibilizar para atrair A ou B. Por que essas forças ainda não estão na luta? Precisamos construir um
plebiscito da reforma universitária, colocar uma banca em cada escola, em cada universidade. Isso não é pouca coisa”. O estudante Matheus Thomaz, representante da Comissão Nacional de Boicote ao Exame Nacional da Educação Superior (Enade), pediu que os formandos que fizerem o Enade dia 7 tirem nota zero na prova: “Essa é a resposta que daremos ao governo Lula”. Eliane Slama, do Sindicato dos Trabalhadores da UFF, lembrou que a reforma faz parte de um pacote de ajustes do Estado brasileiro aos ditames de organismos multilaterais, como FMI e OMC. E alertou: “Não permitiremos que aprovem mais esse ataque à soberania nacional. Marina Barbosa Pinto, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), colocou a estrutura política e financeira do Sindicato à disposição da luta. “O sucesso deste encontro é emblemático, pois o Rio de Janeiro concentra a maioria dos profissionais e estudantes das universidades públicas”, disse. Perciliana Rodrigues, da direção do Sintuperj, comemorou a presença de tanta gente no encontro e pediu que a esquerda lute para “barrar” o governo e, mais do que isso, para pôr um fim no capitalismo. Para o dia 11 de novembro, foi programada uma passeata no Rio, saindo do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ até a sede regional do MEC, na Avenida Araújo Porto Alegre, no Centro da cidade. Foi aprovado, ainda, entre outros pontos, levar o debate sobre a reforma às universidades e faculdades pagas; e a confecção de um cartaz com os nomes dos parlamentares que aprovaram a lei do Sinaes.
Agência Brasil
Estudantes convocam boicote ao novo “provão”
Estudantes e professores de universidades públicas acusam o governo de usar a lógica do capital
Patrocinadores da baixaria estão na mira da Redação A população brasileira em breve poderá protestar contra a baixaria na programação televisiva exercendo o direito de escolha como consumidores contra os patrocinadores de atrações que promovem violência e degradação humana. A ofensiva está partindo da campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania”, que a partir de agora publica, além do ranking dos dez programas mais denunciados pelos telespectadores, os nomes de seus patrocinadores e anunciantes.
“Os anunciantes mantêm essa péssima programação televisiva no ar; a idéia é que a população faça um boicote, deixando de comprar os produtos anunciados por esses programas”, explica o coordenador da Campanha, deputado Orlando Fantazzini (PT-SP). A campanha contra a baixaria é uma iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e de cerca de 60 entidades da sociedade civil. Dia 17 de outubro, o movimento promoveu o Dia Nacional Contra a Baixaria na TV, com manifestações públicas, deba-
te transmitido em cadeia nacional e com o significativo protesto de deixar os aparelhos de televisão desligados por uma hora. O próximo passo da Campanha será uma mobilização pela aprovação do Projeto de Lei 1600/03, que cria o Código de Ética da TV, o Conselho de Acompanhamento da Programação Televisiva e a Comissão Nacional pela Ética na Televisão – esta, com competência para impor penalidades administrativas às concessionárias. A proposta tramita na Comissão de Seguridade Social e Família. (Adital, www.adital.com.br)
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NACIONAL ANÁLISE
Os argumentos furados do Copom
Hamilton Octavio de Souza
Impunidade criminosa Dia 19 de novembro, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará retoma o julgamento do Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido há oito anos e no qual foram assassinados pela Polícia Militar 19 trabalhadores ligados ao MST. Agora serão julgadas as apelações das partes ao que foi decidido pelo Tribunal do Júri de Belém, em 2002. A novela continua sem culpados na cadeia. Felicidade virtual De janeiro a setembro, o governo Lula “economizou” mais de R$ 50 bilhões para pagar juros aos credores estrangeiros; no mesmo período, a União “gastou” menos de R$ 2 bilhões em investimentos públicos. Imagine se fosse o contrário, o que poderia ser feito para melhorar a vida do brasileiro. Contrabando protegido Após ocupação de uma área pública grilada, em Planaltina, no Distrito Federal, 350 famílias do MST encontraram, dentro da área, três toneladas de agrotóxicos contrabandeados pelo suposto arrendatário atual das terras. A Justiça mandou a Polícia Federal despejar as famílias, mas não tomou nenhuma providência contra o criminoso que contrabandeou produtos proibidos no Brasil. A decisão está sendo contestada pelo Ibama e pelo Incra. Lucro maligno Num país com milhões de miseráveis, com muita gente passando necessidades e sem crescimento econômico capaz de gerar empregos, o recorde de lucro do Bradesco chega a ser algo ofensivo. O banco conseguiu, praticamente apenas com especulação financeira, faturar mais de R$ 2 bilhões, de janeiro a setembro deste ano. Nas custas de seus clientes. Alma penada O governo dos Estados Unidos criou tanta história fantasmagórica em cima da figura de Osama Bin Laden que, toda vez que ele faz alguma aparição, o centro do império entra em ebulição. Mostra que o medo é componente relevante na guerra atual e que os cidadãos estadunidenses andam com os nervos à flor da pele. Abafa geral Dois peixinhos do presidente Lula, os donos do Banco Central, Henrique Meirelles, e da Petrobras, José Eduardo Dutra, trocaram farpas sobre preços dos combustíveis e risco de inflação. Imediatamente os bombeiros do Planalto entraram em ação para sufocar o incêndio. Tudo pela paz dos cemitérios. Máfia ruralista Depois de convidar o juiz do trabalho Jorge Vieira, de Paraopeba (PA), para uma entrevista sobre trabalho escravo, o programa do Jô Soares, na TV Globo, decidiu cancelar o convite com desculpa esfarrapada. Na verdade, a produção do programa cedeu à pressão de uma entidade ruralista que defende fazendeiros escravagistas. Revisão urgente A derrota de Marta Suplicy e do PT, em São Paulo, exige que o partido faça uma boa revisão de suas políticas e de seus métodos. O abandono das bandeiras históricas e o distanciamento da militância ideológica colocam o PT no mesmo saco de gatos dos partidos tradicionais da burguesia. A questão agora é saber se o partido vai rever o rumo ou continuar na direção do centrão neoliberal.
Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
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diretoria do Banco Central (BC) acaba de inaugurar uma estratégia inédita para combater a inflação. Tão inédita quanto esdrúxula. Primeiro, trata-se de aumentar ainda mais as taxas de juros, de forma desnecessária, já que todos os índices de inflação apontavam para baixo. Cria-se, assim, um clima de incertezas na economia, uma vez que as empresas passam a acreditar que o BC está esperando novos aumentos para a inflação. A atitude dos diretores do BC, que formam o polêmico Comitê de Política Monetária (Copom), encarregado de decidir os rumos da política de juros do governo, termina estimulando as empresas a aumentarem seus preços, como forma de defesa (já que o BC disse, quando subiu os juros, que os custos na economia entrariam em elevação). Os aumentos tendem a criar mais inflação, lá adiante, justificando, por linhas transversas, a alta dos juros. E aí os sábios do BC dirão: “Estão vendo? Se não subíssemos os juros, seria ainda pior”... A ata da última reunião do Copom, que decidiu apertar ainda mais o arrocho sobre a economia, elevando os juros para 16,75% ao ano, desnuda as contradições dessa política ao enunciar, já em sua abertura, que as projeções para a inflação de 2004 foram reduzidas pelo Comitê graças “à surpresa favorável da inflação de setembro”. Se a inflação estava em queda quando se decidiu abrir uma nova rodada de aumentos de juros, conclui-se que a alta dos juros era desnecessária. Correto? Não para o BC, que vê riscos de nova retomada inflacionária, neste final de ano e em 2005, por culpa da Petrobras. O Copom acusou a estatal do petróleo de retardar a correção dos preços da gasolina, evitando acompanhar a disparada das cotações no mercado internacional. Ao protelar o aumento da gasolina, dizem os diretores do BC, a Petrobras, sim, é que estaria gerando insegurança entre as empresas e incentivando, dessa forma, mais inflação na
Marcello Casal Jr./ABR
Racha sindical O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, garantiu, em entrevista à Folha de S. Paulo (31/10), que o projeto da reforma sindical será enviado ao Congresso Nacional em novembro. Três centrais sindicais Força Sindical, CGT e SDS romperam com o governo no Fórum Nacional do Trabalho por discordância na cobrança das contribuições.
Um Banco Central, autônomo na prática, decide interferir nos preços da Petrobras Cleo Velleda/ Folha Imagem
Fatos em foco
A atitude dos diretores do Banco Central termina estimulando as empresas a aumentarem seus preços, como forma de defesa. Acima, o todopoderoso do BC, Henrique Meirelles
economia (já que, supostamente, as empresas passariam a aumentar seus preços na expectativa de que os combustíveis venham a sofrer uma elevação expressiva depois das eleições municipais). Apenas para contrariar a equipe do BC, o mercado do petróleo entrou em baixa na semana passada, encerrando o período na faixa de 51 dólares o barril, diante de 54 a 55 dólares, há pouco mais de uma semana. As considerações da turma do BC provocaram reação irada da diretoria da Petrobras, que caprichou no recado. Em nota oficial, a direção da estatal afirmou, em resumo, que não se mete a comentar a política de juros e que, da mesma forma, os diretores do BC não deveriam dar palpites sobre a política de preços do petróleo e de seus derivados. A nova polêmica aberta pela
turma do Copom revela pelo menos duas graves impropriedades, que apenas servem para desnudar os argumentos tortuosos utilizados desde sempre para justificar a alta dos juros e sua manutenção em níveis escorchantes. Primeiro, os aumentos da gasolina, óleo diesel e demais derivados não precisam, necessariamente, acompanhar as cotações externas do petróleo. Exatamente porque, ao contrário dos anos 70 e 80, o país já produz 80% de suas necessidades e importa apenas 20% do petróleo de que precisa. Alguns analistas argumentam, por exemplo, que, nos Estados Unidos, a gasolina subiu tanto quanto o custo do petróleo no mercado internacional. Por má-fé ou desinformação, deixam de acrescentar que tem crescido a dependência estadunidense do petróleo importado, que hoje supre aproximadamente
60% das necessidades de consumo dos EUA – uma situação inversa à brasileira. Num segundo “equívoco”, o Copom volta a desconsiderar os dados oferecidos pela realidade concreta ao afirmar que o suposto atraso no reajuste dos combustíveis poderia detonar aumentos de preços em outros setores da economia. Basta examinar o índice mais recente, divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV): o Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM), utilizado pelo setor financeiro, operadoras de telecomunicações, concessionárias de energia e por empresas em geral como referência para correção de preços e atualização de contratos, despencou de 0,69%, em setembro, para 0,39% em outubro. Os preços dos alimentos, que vêm em baixa em plena entressafra, conforme mostrou este jornal, caíram 2,51% no atacado e 0,88% no varejo. Os produtos agrícolas, influenciados pela queda de 8,9% nos preços da soja no mercado atacadista, sofreram baixa de 1,98%. Os preços dos produtos industrializados entraram em desaceleração, desmentindo o argumento central do Copom, saindo de uma elevação de 1,38% em setembro para 1,31% no mês seguinte.
GASTOS PÚBLICOS
Mais para educação, menos para saúde da Redação Em três anos (1998 a 2000), no municípios, o gasto médio anual per capita com educação passou de R$ 134,00 para R$ 166,00. O mesmo, porém, não aconteceu com as áreas de saúde e saneamento. Os dados são da Pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros – Finanças Públicas, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que analisou as receitas e despesas de todos os municípios brasileiros. O aumento de gastos com educação ocorreu nos municípios de todos os portes populacionais, sendo que entre os menores, aqueles com menos de 5 mil habitantes, dobrou o percentual de cidades que gastavam acima de R$ 250,00 per capita, passando de 22%, em 1998, para 48%, ou seja, quase a metade gasta acima daquele valor.
DEPENDÊNCIA Por outro lado, quanto maior a população, menor o gasto por habitante com educação. Entre os municípios com mais de 500 mil habitantes, 38% gastam até R$ 70,00 per capita. Entre os de menor porte, apenas 7% deles gastaram até esse valor. A pesquisa mostrou ainda que, no Nordeste, 15% (o maior percentual entre as regiões) dos
municípios gastam mais de 45% da receita disponível com educação. Quanto aos gastos com saneamento, embora tenham aumentado nos três anos, o comprometimento das administrações municipais é menor do que com educação. Enquanto com educação as prefeituras comprometem de 25% a 45% de suas receitas, com saneamento os gastos variam de 7,5% a 25%. Em 2000, 29% dos municípios brasileiros gastaram mais de R$ 105,00 per capita com saúde e saneamento, mas 26,8% deles gastaram até R$ 55,00. As receitas arrecadadas por um município refletem o seu grau de autonomia. Quanto maior o volume de tributos arrecadados, menor a dependência das transferências provenientes dos governos estadual e federal. Segundo a pesquisa do IBGE, quanto maior a população de um município, maior a sua receita tributária.
eram responsáveis por 0,7% das receitas tributárias. Já as receitas vindas de transferências, que são os recursos destinados aos municípios e que têm como origem principal a União e os Estados federados, têm um comportamento oposto ao das receitas tributárias. Enquanto as receitas estavam fortemente concentradas no Sudeste, as transferências correntes beneficiam as regiões menos desenvolvidas, como Norte e Nordeste, funcionando como o principal mecanismo de redistribuição de recursos. Na composição das transferências correntes, destacam-se o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que, juntos, totalizam cerca de 72% do total das transferências para os municípios.
RECURSOS
DISTRIBUIÇÃO
O conjunto dos municípios com mais de 500 mil habitantes, que correspondem a 0,5% do total de municípios, respondia por 61% da arrecadação tributária do país, enquanto os municípios com até 5 mil habitantes, que correspondem a 25,6% de todos os municípios,
De acordo com a pesquisa, nota-se que, enquanto o FPM estava mais presente na região Nordeste, os maiores volumes de recursos do Fundef e do ICMS concentravamse na região Sudeste. Quando se relaciona a distribuição dos impostos com a participa-
ção da população em cada região, observa-se que o FPM foi o que mais operou de forma redistributiva. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentaram proporção do FPM superior à sua participação na população. No caso do Fundef, sua distribuição acompanhou de perto a distribuição da população por regiões, e o ICMS teve comportamento inverso ao do FPM, com a concentração no Sudeste sendo superior à participação de sua população. No caso dos municípios com até 5 mil habitantes, o FPM foi responsável por 57,3% das receitas disponíveis das prefeituras, reduzindo-se o percentual na mesma proporção em que aumentava o porte populacional, o que mostra ser o Fundo o mais forte mecanismo de redistribuição, beneficiando tanto as regiões menos desenvolvidas, quanto os menores municípios brasileiros. Nos municípios médios, aqueles com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, 43,3% das suas receitas disponíveis eram provenientes do ICMS. Já o Fundef respondeu por uma parcela menor das transferências correntes dos municípios, concentrando-se, principalmente, nos municípios com população entre 5 mil e 100 mil habitantes.
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INTERNACIONAL FUGA DE DÓLARES
América Latina financia países ricos Estudo revela perda de 54,8 bilhões de dólares na região, em 2003, o dobro do que entrou em investimentos externos
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Brasil e toda a América Latina não exportam apenas soja, frango e outros produtos agrícolas, de baixo valor agregado, para as nações ricas. Uma simples análise das relações econômicas internacionais mostra que os países latino-americanos também se caracterizam pela exportação de um recurso mais raro e valioso: os cobiçados dólares. Um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) aponta que o Brasil e a América Latina enviam mais dinheiro para o exterior do que recebem. A conclusão é de que, pagando a sua dívida externa, esses países subdesenvolvidos acabam bancando o desenvolvimento dos países do Primeiro Mundo. Entre 1999 e 2003, a América Latina enviou para o exterior 74,1 bilhões de dólares a mais do que recebeu. No ano passado, a região repassou para o exterior mais do que o dobro dos investimentos externos. Enquanto entraram 25,8 bilhões de dólares, saíram 54,8 bilhões de dólares na forma de pagamentos de juros da dívida e lucros das transnacionais. Esses recursos foram economizados pelos governos, que deixaram de investir em áreas sociais e no desenvolvimento dos próprios países. “Os países ricos são os maiores receptores desses recursos. De certa forma, estamos financiando o seu desenvolvimento”, analisa Márcio Pontual, assessor para Política Internacional do Inesc.
de dólares só em juros. “O pagamento de juros e empréstimos está crescendo depois que o governo Lula decidiu aumentar o superávit primário”, avalia Pontual. Em 2003, por livre e espontânea vontade, o governo brasileiro elevou o superávit primário (corte nos gastos públicos do governo, com impacto sobre as áreas sociais) de 4,25% para 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2004,
novamente por decisão própria, o governo subiu o superávit para 4,5%. No acordo com o Brasil, o FMI exige uma economia de 3,6%, quase um ponto percentual abaixo da economia feita pelo país.
RADICALISMO NEOLIBERAL O conservadorismo radical do governo mereceu restrições até do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), instituição responsá-
vel pela imposição de receituários baseados na liberalização da economia e na economia dos cortes públicos para os países endividados. “O representante do FMI para a América Latina achou inaceitável o aumento do superávit. Para isentar o Fundo, caso algo dê errado com a economia brasileira, ele disse que a instituição apoiava a elevação do superávit”, conta Pontual. O assessor do Inesc ressalta
Luciney Martins/ Rede Rua
Jorge Pereira Filho da Redação
A CONTA DO FMI O estudo conclui também que as instituições financeiras multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, têm uma responsabilidade nada desprezível na produção da sangria. “A dependência dos países da região se encaixa na coerência buscada entre as instituições. Um exemplo disso é que o FMI só empresta dinheiro em troca de uma maior abertura das economias, preconizada pelo Banco Mundial”, analisa Pontual, ressaltando que essas instituições têm, em comum, a participação majoritária dos Estados Unidos como acionistas. Para Pontual, uma das saídas para alterar essa situação é rever o relacionamento com essas instituições. “O Brasil, por exemplo, poderia cancelar o acordo com o Fundo, não há necessidade de continuar com ele”, propõe. Outra alternativa seria a implantação de uma taxa sobre as transações financeiras externas com o objetivo de arrecadar recursos para programas sociais. “A adoção desse tipo de imposto pelos países da América Latina pode se constituir em um meio de aumentar significativamente as arrecadações dos governos, gerando recursos para complementar o desenvolvimento local”, conclui o estudo do Inesc.
DÓLARES VERDE-AMARELOS O Brasil não foge à regra. Pelo contrário, contribui significativamente para o déficit de dólares da região. O país responde por 10% da sangria de recursos da América Latina. Nos quatro anos pesquisados pelo Inesc, o Brasil enviou ao exterior 7,4 bilhões de dólares, valor próximo do que entrou (10,8 bilhões de dólares). A perspectiva de reversão desse quadro não é otimista. Ano a ano, o país gasta mais com seus compromissos externos, enquanto a dívida externa não diminui. Em 1995, o país enviou 11 bilhões de dólares ao exterior. Em 2003, foram 18 bilhões de dólares – 5,7 bilhões
Seminário discute auditoria da dívida no BR Protesto contra o pagamento da dívida externa pelas ruas do Rio de Janeiro
RUMOS DA ECONOMIA
Há uma luz no fim do túnel? Huberto Márquez de Caracas (Venezuela) A economia da América Latina e do Caribe crescerá em torno de 5%, este ano, depois de vários períodos de retrocesso ou paralisação, o que marca um ponto de inflexão que faz prever um avanço sustentado para atender às demandas da população, segundo o presidente da Corporação Andina de Fomento (CAF), Enrique García. A região saiu do modelo de substituição de importações dos anos 60 e 70 para passar à abertura e desregulamentação nas décadas de 80 e 90, e, agora, está em pleno debate sobre coordenadas que atravessam ambos, como a globalização, assimetrias internacionais, o Estado versus o mercado, o uso dos recursos naturais e a democracia representativa e participativa, explicou García durante uma entrevista coletiva. Os modelos aplicados “não resolveram as principais causas do insuficiente crescimento”, como inadequada estrutura de produção e exportações, baixos níveis de competitividade e poupança, e as assimetrias internacionais, acrescentou o titular da CAF, braço financeiro da Comunidade Andina de Nações (CAN). Por sua vez, a colombiana Claudia Martinez, vice-presidente de desenvolvimento social e am-
que fatores políticos e econômicos influenciaram a decisão do Brasil. “O governo quis ganhar confiança no mercado financeiro e atrair mais recursos. É um círculo vicioso porque cai o investimento social, a infra-estrutura do país fica deteriorada e se reduz a renda da população”, afirma Pontual, ressaltando que os investidores externos não fazem investimento direto no país justamente em função do empobrecimento da população.
biental da entidade, advertiu que as reformas aplicadas pelos países latino-americanos “aumentaram a institucionalidade democrática e a estabilidade macroeconômica, mas a região está mais pobre, não eqüitativa e seus recursos naturais estão mais degradados”. Entre as causas para o crescimento insuficiente, García citou fatores como a estrutura das exportações que, salvo Brasil e México, apresentam em toda a região uma porcentagem muito alta de produtos primários (46% em 1987, 44% em 2002), contra porcentagens muito baixas de produtos manufaturados com alto valor agregado. Outra razão é a baixa poupança interna regional, que se situa em 18%, quando para aumentar a taxa atual a América Latina e o Caribe deveriam poupar entre 23 e 25 centavos para cada dólar que entrar. Não fazendo isso, há uma alta dependência do capital externo.
COMPETITIVIDADE BAIXA A competitividade internacional dos latino-americanos também é baixa, com exceção do Chile, que está entre os 30 primeiros países do mundo, e, em menor medida, o México, situado entre os 50 melhores. Mas o conjunto da região está por trás da América do Norte, Europa Ocidental, Ásia Oriental e Pacífico,
Oriente Médio e norte da África e leste da Europa. Por isso, há indicadores como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que qualquer gráfico para o período 1990-2000 mostra com altas e baixas semelhantes a uma montanha russa, enquanto se sustentam elevados níveis de desigualdade social, com a América Latina como a região com pior distribuição da riqueza no mundo. Enquanto nos países industrializados reunidos na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, os 5% mais ricos da população concentram 12% do PIB, na América Latina esse segmento populacional tem em suas mãos 25% do PIB. A pobreza, medida pelas pessoas que vivem com menos de dois dólares por dia, atinge 62% da população da Bolívia, 54% do Peru, 50% da Colômbia, 49% do Equador, 48% da Venezuela, 45% da Argentina, 39% do México e 37% do Brasil, afirmou o equatoriano Fidel Jaramillo, economista-chefe da CAF. Indicadores como esses “podem explicar o desencanto da maioria da população com elementos característicos das democracias”, como o funcionamento das instituições e a economia de mercado, reconheceu García. Segundo a pesquisa Latinobarômetro deste ano, 71% dos 550 milhões de latino-americanos e caribenhos estão insatisfeitos com
o funcionamento da economia de mercado. A maior satisfação nesse aspecto corresponde ao Chile com 36%, Costa Rica com 30%, Venezuela com 28% e Brasil com 25%, enquanto a mais baixa é registrada no Peru com 5%, seguida de Guatemala 9%, Paraguai 10% e Bolívia 11% dos entrevistados. Para García, “manter o crescimento implica, em primeiro lugar, renovar a agenda. Nossas economias e nossos países não podem ficar na mera exportação de matérias-primas, e não se trata de uma agenda de alguns anos ou de um governo, mas é necessário um pacto social sobre alguns temas críticos, começando pela educação”, afirmou. “O debate entre Estado e mercado deve ser pragmático: na década de 90 supunha-se que o mercado funcionaria por decreto, e em oposto se coloca um Estado muitas vezes com limitações fiscais e de endividamento”, comentou. Jaramillo recomendou “tirar mais proveito de nossas matérias-primas” na hora de incrementar o acesso a mercados por acordos comerciais e favorecer, “como se faz em parte da região com a liderança do Brasil”, a integração física, que pode resolver gargalos (estradas, portos, aeroportos) para aumentar e diversificar exportações. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
Uma atividade organizada por dezenas de organizações sociais colocará o tema da dívida externa na pauta do Congresso Nacional. Entre os dias 10 e 11, será realizado o Seminário Ilegitimidade da Dívida Externa: Um Caso de Auditoria, em Brasília, no Senado. Um dos objetivos da atividade, segundo os organizadores, será “sensibilizar os parlamentares latino-americanos sobre a necessidade da realização de auditorias da dívida externa”. Estarão presentes pesquisadores, ativistas e especialistas na questão do endividamento dos países pobres. Já confirmaram presença o equatoriano Jorge Acosta, o peruano Ercilio Moura e a argentina Bervely Keene. O deputado federal Ivan Valente (PT-SP) e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) serão alguns dos representantes parlamentares. A convocatória para o encontro diz que, hoje, os sete países mais ricos do mundo respondem por 18 trilhões de dólares dos 25 trilhões de dólares do Produto Interno Bruto (PIB). Os 180 países do mundo ficam com apenas 7 trilhões de dólares. Ainda assim, os fluxos financeiros internacionais mostram que os países pobres enviam mais dólares aos países ricos do que recebem. “Os países devem iniciar um processo de monitoramento, audiências públicas e auditorias da dívida, a fim de se obter pleno conhecimento da natureza do endividamento – qual parte é legítima e qual é ilegítima”, afirma o documento. Entre os organizadores, estão a Campanha Jubileu Sul, a Confederação Parlamentar das Américas (Copa), Marcha Mundial de Mulheres, Cáritas e Grito dos Excluídos Continental. (JPF)
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De 4 a 10 de novembro de 2004
INTERNACIONAL CIDADANIA
Movimentos sociais estão na vanguarda Paulo Pereira Lima da Redação
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arxista da Quarta Internacional, o sociólogo Michael Löwy entende os movimentos sociais da América Latina como a única tábua de salvação do mundo dominado pelo capitalismo e pelo mercado financeiro. Salvação até para governos eleitos sob a bandeira do socialismo, como o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, ou de Néstor Kirchner, na Argentina. Num balanço de quase dois anos de governo petista, Löwy diz que, a continuar a política econômica atual, o Brasil vai continuar sendo o que analista chamam de “Suicíndia”: os ricos vivem como se estivessem na Suíça, e os pobres, na Índia. Prova da continuidade do modelo neoliberal do antecessor, Fernando Henrique Cardoso, é que a política econômica está nas mãos do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. “Agora, ele decidiu com seus colegas aumentar os juros, e parece que o Lula não gostou, mas quem realmente decide? Pelo jeito, é o Meirelles, mas ninguém votou nele para presidente”, avalia Löwy. Brasil de Fato – Estamos no auge de uma globalização financeira. Que avaliação o senhor faz do capitalismo globalizado e selvagem? Michael Löwy – É selvagem, mas extremamente organizado, com altíssimo nível técnico. Mas, ao mesmo tempo, nunca tivemos uma política imperialista tão dominadora, agressiva, militarizada e uma dominação do capitalismo e do mercado financeiro mundial tão total, como hoje. Pode-se falar realmente em uma espécie de ditadura totalitária do capitalismo, dos mercados financeiros. BF – Como avalia a política de direita que está sendo implantada em diversos países europeus, acabando com as conquistas sociais, como a seguridade, o emprego? Löwy – É verdade que há um processo de desmantelamento dessas conquistas sociais, e há uma tentativa de, pouco a pouco, reverter o que foi conquistado nos últimos 50 anos, seja em termos de pensões, seguro médico, salário. Enfim, uma série de conquistas dos trabalhadores estão sendo atacadas pelos governos alinhados ao neoliberalismo. Mas isso não acontece sem luta, sem resistência do movimento sindical ou da população. Trata-se de um braço de ferro entre o capital e o trabalho na Europa, mas também nos países da América Latina. BF – Onde o senhor identifica esses focos de resistência ao neoliberalismo totalitário na América Latina? Löwy – A resistência ao capitalismo globalizado é um fenômeno internacional. Tem a forma do que chamamos na Europa de um movimento altermundialista, que acredita que um outro mundo é possível. Nos Estados Unidos, chama-se “movimento pela justiça global”. É um movimento de movimentos: articula os movimentos de mulheres, sindical, camponês, organizações não-governamentais, ambientalistas, todos no combate às políticas neoliberais, à Organização Mundial do Comércio, ao capitalismo financeiro. Isso é a coisa mais promissora desse começo do século 21, essa grande rede de mobilização internacional, também contra a guerra imperialista no Iraque. BF – O Fórum Social Mundial se apresenta como um oásis dessa rede de movimentos?
Paulo Pereira Lima
Para sociólogo, estão surgindo novas formas de resistência que devem pressionar os governos neoliberais por mudanças
Quem é Formado pela Universidade de São Paulo (USP) e aluno de Florestan Fernandes, o sociólogo brasileiro Michael Löwy, 66 anos, mora desde a década de 70 na França. Nos últimos anos, trabalha como pesquisador no Centro Nacional de Pesquisa Científica e dá aulas de sociologia na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Entre os 17 livros publicados, destaca-se A Guerra dos Deuses: Religião e Política na América Latina, que recebeu o prêmio Sérgio Buarque de Holanda.
Löwy – Esse movimento está em processo de desenvolvimento e tem seu centro de pensamento e ação no Fórum Social Mundial. É o que vejo de mais interessante e promissor como resistência ao capitalismo. Na América Latina, existe uma tradição de partidos de esquerda e alguns governos que tentam, em maior ou menor medida, mudar a orientação e sair dessa camisa-de-força do neoliberalismo. Mas no que aposto mesmo é nos movimentos sociais. Eles são a grande esperança, pois organizam os trabalhadores, os pobres, os desempregados, as mulheres, as comunidades indígenas na base, para buscar uma alternativa.
e os indígenas também estão criando novas formas de resistência no Equador, na Bolívia e no Brasil, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o principal movimento da América Latina, o principal ator de dinamismo das organizações do continente. Além de defender a bandeira da reforma agrária, fundamental para o país, levanta todas as outras bandeiras importantes, como a luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e contra o pagamento da dívida externa, exercendo assim um papel de vanguarda política. Além disso, tem algo muito importante, que é a perspectiva utópica, algo profético, volta-
O que a resistência e o socialismo propõem são valores mais humanos, qualitativos. É a vida humana colocada em destaque, enquanto é sacrificada no capitalismo BF – Um movimento de resistência que também tem uma dimensão planetária. Löwy – Certo. Nesse sentido, vale ressaltar a grande contribuição dada pelo movimento zapatista, no sul do México. Esse movimento teve um impacto internacional, pois apareceu como um sinal de luta para todos, no mundo inteiro. Os zapatistas também promoveram, em 1994, o encontro intercontinental pela humanidade, contra o neoliberalismo. E esse encontro foi muito importante porque lançou a dinâmica que vemos hoje.
do para uma outra sociedade, fundamentada no socialismo. O MST não entregou a rapadura e levanta, firme e alto, a bandeira do socialismo, educando com essa utopia seus militantes e apoiadores.
BF – Dez anos depois, como o senhor avalia o movimento zapatista? Löwy – O movimento zapatista passa por altos e baixos, períodos de expansão e retração. Hoje se concentra mais nas suas bases, o que é compreensível, e está tentando reorganizar o princípio de democracia direta e de base, o governo local das comunidades indígenas, uma experiência rica de democracia participativa.
BF – Com dois anos de política econômica neoliberal, o governo Lula então arriou de vez a bandeira do socialismo? Löwy – O Partido dos Trabalhadores (PT) tem um programa socialista. Em 1990, aprovou um documento fundamental, chamado “O Socialismo Petista”, um dos principais textos da esquerda brasileira e latino-americana. Nesse texto, explica que o capitalismo é fundamentalmente excludente, um sistema perverso, antidemocrático e diz que, portanto, queremos uma outra sociedade, uma sociedade socialista. Não queremos simplesmente reformar o capitalismo, e queremos um socialismo democrático, libertário, sem burocratismo e não-autoritário. Esta é uma das razões pelas quais sempre apoiei o PT.
BF – No Brasil, há também tentativas como o orçamento participativo. O sistema tradicional de participação política, por meio dos partidos, está falido? Löwy – A democracia representativa tradicional é insuficiente. Não digo que não seja necessária, mas é preciso criar formas de democracia direta, participativa, que permitam aos indivíduos participar diretamente das decisões. Os movimentos sociais do campo
BF – Isso há mais de dez anos. Löwy – Isso foi em 1990, no século passado. Hoje, a direção do PT está bem longe dos princípios do documento. Em relação ao governo, ninguém esperava, naturalmente, que fosse avançar em direção do socialismo. Contrariamente ao presidente chileno Salvador Allende, que tinha se comprometido com uma via pacífica para o socialismo, no Brasil não se tratava disso. Tratava-se
de uma ruptura com o modelo neoliberal do governo Fernando Henrique Cardoso, desde uma moratória sobre a dívida externa, a reforma agrária radical, a recusa dos transgênicos e uma outra política econômica, visando o desenvolvimento e a distribuição de renda. Para o Brasil, romper é fundamental, pois este país é um dos mais desiguais do mundo. Alguns analistas o chamam de “Suicíndia”. Os ricos vivem como se estivessem na Suíça; e os pobres, na Índia. O que se esperava era reverter essa situação. Não é que não houvesse boa vontade. O governo Lula lançou o programa Fome Zero, o Bolsa Família, e houve algumas medidas sociais para favorecer a economia solidária e algum avanço em relação à reforma agrária. Tudo isso fica muito limitado por uma razão simples: a política econômica continua sendo a do Consenso de Washington, do Fundo Monetário Internacional (FMI), do capitalismo neoliberal. BF – O senhor acha que é possível reverter a situação nos dois anos que restam ao governo? Löwy – No início do governo Lula, havia uma idéia de transição. Falava-se no problema de uma herança do FHC, de uma situação crítica da economia. A transição era vista como um período em que se fariam compromissos, concessões e média com o FMI. Passada essa transição, de alguns meses, talvez um ano, diziase que a coisa ia mudar. Íamos entrar naquilo que era realmente o programa do PT, da esquerda. E olha que nem digo programa socialista, mas um programa de ruptura com a política neoliberal. Nada disso ocorreu. Não se fala mais em transição ou mudança, diz-se que essa política é a única possível. Porém, estamos vendo que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, está conseguindo, e o presidente argentino, Néstor Kirchner, que não é particularmente de esquerda, não aceita tudo que o FMI impõe. Ele negocia. O FMI diz 10, e Kirchner diz 5. No Brasil, nem se negocia. O FMI diz 2,5 e o governo diz 3. BF – O presidente virou refém da política econômica? Löwy – No que concerne à política macroeconômica, a continuidade é evidente, e se ilustra no fato de que o principal responsável da política econômica é o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que é do PSDB, foi do Bank Boston e tem a chave do cofre. Agora, ele decidiu com seus colegas aumentar os juros, e parece que o Lula não gostou, mas quem realmente decide? Pelo jeito, é o Meirelles, mas ninguém votou nele para presidente. Mesmo que o Lula quisesse fazer outra coisa, não conseguiria, pois teria de comprar uma briga com seu próprio ministro da Fazenda, Antonio Palocci, uma briga com Meirelles, atrás de quem está o capital financeiro, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos. BF – Que esperar dos movimentos sociais que apoiaram Lula? Löwy – O principal agora é que os movimentos sociais mobilizem camponeses, operários, trabalha-
dores, empregados, mulheres, jovens, para lutar por mudança. É preciso pressionar o governo para criar uma nova relação de forças. Nos próximos dois anos, o principal é que os movimentos sociais e seus aliados, a Igreja, setores de esquerda, tanto dentro como fora do PT, criem uma aliança capaz de reverter a relação de forças. É necessário criar uma pressão como contrapeso ao capital financeiro. Se a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e os sindicatos tivessem feito um trabalho assim em relação ao salário-mínimo, não teria sido a vergonha que foi. Sem mobilização, não se consegue nada. BF – Pode-se afirmar que há, em toda a América Latina, um ressurgimento do movimento social? Löwy – A partir da insurreição dos zapatistas, estamos vendo em quase toda a América Latina o ressurgimento da resistência expressa tanto nos movimentos sociais como no âmbito político, em partes – o governo Chávez foi confirmado pelas eleições e a esquerda ganhou no Uruguai. O movimento camponês e indígena é o mais evidente, mas há também os movimentos urbanos importantes como os piqueteiros na Argentina, e o os sem-teto no Brasil. O socialismo vai se enriquecendo com essas experiências, pois não é somente aquilo que escreveram Karl Marx, Friedrich Engels, Rosa Luxemburgo e Leon Trótski. É também a experiência da luta social de hoje. O futuro do socialismo está nesse enraizamento nos movimentos sociais. BF – Que valores defender diante desse capitalismo globalizado? Löwy – Os valores do mercado são essencialmente quantitativos, na base de 10 vale mais do que 1, e mil vale mais do que 10. Quem não tem nada não vale nada. A maioria da humanidade não tem nada ou tem muito pouco, então está sendo esmagada por essa lógica impiedosa, desumana e bárbara. O que a resistência e o socialismo propõem são valores mais humanos, qualitativos. É a vida humana colocada em destaque, enquanto é sacrificada no capitalismo, pois os deuses que são o capital, o FMI, a dívida externa são ídolos muito exigentes, e exigem sacrifícios humanos. Na América Latina e na África, as pessoas estão sendo imoladas por essa nova religião do capital. Trata-se de opor a isso valores humanos, da vida, da cultura e os velhos valores da esquerda ainda são válidos, que são os da Revolução Francesa, do final do século 18: igualdade, liberdade e fraternidade. Só que, no lugar de fraternidade, eu usaria solidariedade, pois fraternidade vem do latim frater, que são os irmãos. E onde ficam as irmãs? Por isso, prefiro a palavra solidariedade, que dá a idéia da irmandade universal entre os seres humanos, uma relação humana profunda, com amizade, intercâmbio, ajuda mútua. Isso está em completa contradição com o espírito do capitalismo, que se fundamenta na eterna competição, na luta de todos contra todos e ganha quem for o mais impiedoso e brutal.
Ano 2 • número 88 • De 4 a 10 de novembro de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO ELEIÇÕES NOS EUA
A democracia, novamente, em risco Com participação recorde da população, o pleito para presidente corre o risco de ser minado por escândalos e casos Gianluca Iazzolino e João Alexandre Peschanski de Washington (EUA) e da Redação
N
ilegamente, impedidos de votar. Para mais detalhes, visite a página na internet do monitoramento: www.fairelection.us (em inglês). A exemplo do ocorrido nas eleições de 2000, o Estado da Flórida está de novo sob os refletores da mídia. Glenda Hood, secretária de Estado da Flórida e responsável pelo andamento das eleições, foi criticada por causa de algumas interpretações sobres as leis eleitorais que poderiam favorecer Bush. Na primavera passada (outono no Brasil), Glenda apresentou uma lista de cidadãos já condenados por diferentes delitos e, assim, excluídos do direito de voto. Outra decisão que suscitou debates foi a
um Colégio Eleitoral formado por delegados. Em cada Estado do país, o número de delegados corresponde ao tamanho da população e os delegados são obrigados a representar o candidato que ganhar em seus Estados.
TENTATIVAS DE FRAUDE Acompanhada por centenas de observadores internacionais, a eleição de 2004 corre o risco de ter o mesmo desfecho da anterior. A organização Global Exchange, que coordena o monitoramento do pleito, denuncia alguns casos de fraude, como urnas que antes do início da votação já tinham cédulas, e eleitores que teriam sido, Mark Humphrey/AP/AE
os Estados Unidos, eleição e democracia nem sempre são sinônimos. Em 2000, as denúncias de fraude no Estado da Flórida quase levaram à anulação do pleito presidencial, mas o caso foi abafado e o candidato republicano George W. Bush, eleito. O resultado definitivo saiu um mês após a votação. Na ocasião, a imagem da democracia estadunidense saiu abalada: na opinião de observadores de diversos países, a eleição não teve legitimidade.
Dia 2, no embate entre Bush, que tenta a reeleição, e o democrata John Kerry, um dos atores fundamentais já compareceu: a participação da população foi recorde, considerando-se que se trata de um país onde o voto é facultativo. Em diversos Estados, formaram-se filas nos locais de votação. Até o fechamento desta edição, pesquisas de boca de urna indicavam uma ligeira vantagem de Kerry, que teria 50% dos votos, contra 49% de Bush. O resultado definitivo não tem data para ser divulgado. As eleições presidenciais estadunidenses não são diretas, pois a escolha do governante depende de
de excluir do voto os eleitores que não indicam, na cédula eleitoral, que são cidadãos estadunidenses, mesmo que tenham indicado essa condição no título de eleitor. Além disso, menos de uma semana antes da eleição, milhares de cédulas haviam desaparecido quando deviam ter chegado às mãos dos eleitores de um determinado distrito. No entanto, o Estado do Ohio, segundo muitos analistas políticos, ameaça tornar-se a nova Flórida. Há denúncias de que muitas listas foram anuladas porque havia, entre os eleitores, nomes imaginários, como os personagens de desenho animado Mickey Mouse e Mary Poppins.
Posições em confronto Duas concepções diferentes sobre a economia, a política internacional, a luta contra o terrorismo e o ambiente. Confira as posições dos dois candidatos sobre os temas principais da campanha eleitoral Gianlucca Iazzolino de Washington (EUA)
George Bush
X
John Kerry
EMPREGO
públicos, melhorar a formação profissional, firmar mais acordos de livre comércio, aumentar a produção de energia.
blicos e pretende dar prioridade, nas compras governamentais, a empresas estadunidenses, além de conceder isenções a empresas que não contratem trabalhadores no estrangeiro.
ALCA
Eleitores votam na escola Crieve Hall em Nashville: mais um pleito marcado pela tentativa de fraudes
Comércio das Américas (Alca) tal como está estabelecida até agora.
Governo Bush: corporações agradecem João Alexandre Peschanski da Redação Na história dos Estados Unidos, as corporações do país nunca se beneficiaram tanto quanto no governo de George W. Bush (2001-2004). A frase, que poderia soar como exagerada, é comprovada por um relatório publicado em outubro pelo Instituto Oakland, entidade sediada na Califórnia que realiza estudos sobre a atuação dos presidentes estadunidenses nas áreas econômica e social. A pesquisa revela que, na gestão de Bush, os lucros das grandes empresas do país tiveram, em média, 47% de alta em relação ao período de seu antecessor Bill Clinton (1997-2000). Em entrevista ao Brasil de Fato, a coordenadora do Instituto, economista Anuradha Mittal, considera o governo Bush “uma política de Robin Hood ao contrário – beneficia os ricos, roubando dos pobres”. De acordo com a pesquisa, enquanto os quinhentos principais empresários do país receberam algo em torno de 4,6 milhões de dólares por ano, o salário médio dos estadunidenses, no mesmo período, é de 32,2 mil dólares. Para Anuradha, a discrepância entre o alto comando das corporações e o trabalhador comum é uma política explícita do governo Bush, pois “ele isenta as grandes companhias de pagar vários impostos e, com isso, deixa de arrecadar 136 bilhões de dólares das grandes empresas, que poderiam ser usados para financiar políticas sociais”. Anuradha aponta um cenário diferente do que Bush apresenta em sua campanha para a reeleição: 35,9 milhões de estadunidenses (12,3% do total da população) vivem abai-
xo do nível da pobreza, o que representa 1,3 milhão a mais do que em 2002. Em seus anúncios eleitorais, o presidente dos Estados Unidos se coloca como defensor da população desfavorecida. “Bush e seus assessores se esforçam para manipular as estatísticas, mas a realidade é clara: no campo social, os quatro últimos anos foram um desastre para o país”, analisa a economista. Segundo o estudo, Bush paralisou os investimentos na maioria dos programas sociais considerados de interesse público, como transportes, educação, ambiente e planejamento
urbano, e propõe manter o aumento do financiamento dessas áreas em 0,5% por ano, abaixo do índice da inflação, calculado em 1,3%. Anuradha destaca que, no orçamento proposto por Bush até 2009, está prevista a eliminação de 128 programas de interesse público. Conforme apurou a reportagem do Brasil de Fato, em sua maioria, são projetos pequenos, que representam 4,9 bilhões dos 2,3 trilhões de dólares do orçamento dos Estados Unidos, mas são programas que atendem principalmente crianças, pessoas marginalizadas e doentes.
EUA militarizam o mundo De acordo com um estudo do Instituto Oakland, os Estados Unidos são responsáveis pela metade dos gastos militares do mundo. Este ano, o país deve gastar mais de um trilhão de dólares com o Departamento de Defesa. Segundo a economista Anuradha Mittal, de 1997 a 2003, os gastos militares estadunidenses passaram de 296 bilhões de dólares para 397 bilhões de dólares. Segundo documentos do governo, as forças militares dos Estados Unidos estão presentes em, pelo menos, 134 países dos 192 existentes no mundo. As atividades dos soldados variam de operações de combate e treinamentos de militares estranDepartamento de Defesa – Secretaria geiros a apoio de Estado dos Estaa diplomatas. dos Unidos, responEm 2004, os sável por planejar e organizar os planos Estados Unidos e recursos militares têm 1,7 milhão do país. de militares,
um terço dos quais no exterior. Para o ano que vem, caso seja reeleito, Bush pretende gastar 1,1 milhão de dólares em armas por dia, algo como 11 mil dólares por segundo. Por conta da política militar, Anuradha acredita que governos e povos de diversos países estão preocupados com as eleições estadunidenses: “As pessoas perceberam que os Estados Unidos pretendem tornar-se um império mundial, ditando o modo como os países deveriam agir em relação a seus problemas econômicos e sociais, mas não têm autoridade moral para resolver seus problemas internos. O governo não atende às demandas dos pobres e desfavorecidos e não tem a capacidade de ter um papel de polícia global”. Ao analisar o impacto da escolha do presidente estadunidense, a economista propõe: “O mundo deveria poder votar nessas eleições já que os Estados Unidos querem ter um papel de superpotência”. (JAP)
comércio, mas só depois de se ter verificado que as condições são favoráveis aos trabalhadores dos Estados Unidos. Além disso, quer a inclusão de cláusulas de proteção aos direitos trabalhistas e ao ambiente.
ENERGIA E AMBIENTE
servas estratégicas de petróleo para fazer baixar os preços e contrário à adesão dos EUA ao Protocolo de Quioto.
preço do petróleo, pela indução dos países produtores a aumentar a produção; não se pronunciou sobre a ratificação do Protocolo de Quioto.
IMIGRAÇÃO
diata de cidadania para os imigrantes ilegais e favorável aos vistos temporários de permanência para o trabalho.
que trabalharam pelo menos cinco anos nos EUA sem ter tido problemas com a lei.
PENA DE MORTE
terrorismo interno.
internacional
ou
POSSE DE ARMAS
bricantes de armas diante de ações civis para indenização em caso de ferimentos ou mortes.
fabricantes de armas.
TERRORISMO
despesas para a segurança interna, ao reforço dos serviços de informações estadunidenses no estrangeiro e ao aumento dos poderes de vigilância da polícia nos EUA.
trole nos portos e fronteiras; quer intensificar esforços para evitar a proliferação nuclear e para combater a Al Qaeda; e é contrário a ampliar os poderes de vigilância nos EUA, para não afetar os direitos civis.
DEFESA
espacial e ao aumento dos gastos militares, é partidário do ataque preventivo contra os países considerados uma ameaça para os EUA.
escudo espacial e do ataque preventivo e defende o aumento dos efetivos das Forças Armadas.
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INTERNACIONAL CUBA
Presidente Lula promete ajuda a Fidel Jorge Pereira Filho da Redação
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governo brasileiro está disposto a ajudar Cuba a superar a crise no sistema de eletricidade. Em conversa com o presidente cubano, Fidel Castro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu apoio emergencial e de longo prazo. “Cuba está passando por um problema sério de fornecimento de energia e nós devemos ver como podemos ajudar, assim como fizemos quando houve problemas na Argentina e no Uruguai”, disse a ministra Dilma Rousseff, dia 28 de outubro. A crise energética na ilha teve início em maio, quando a termoelétrica de Matanzas entrou em pane. A falha na usina – a maior do país – desencadeou reação que debilitou todo o sistema de geração elétrica. Desde então, o governo cubano foi obrigado a tomar duras medidas para conter o consumo energético, como períodos de corte de energia, fechamento temporários de algumas fábricas e prorrogação do horário de verão.
Niurka Barroso/AFP
Governo brasileiro diz que vai cooperar para que país supere crise no fornecimento de energia elétrica
APOIO EMERGENCIAL Embora não tenham sido oficializados projetos, Dilma salientou que a ajuda brasileira poderá ocorrer de duas formas. Primeiro, o Brasil enviaria óleo e turbinas à ilha para atenuar o racionamento. Depois, seria repassada à Cuba a tecnologia de geração energética a partir da biomassa, que aproveita o bagaço da cana-de-açúcar como insumo na geração de eletricidade. Segundo a ministra, como Cuba é um tradicional produtor do produto, e a medida poderia dar “segurança e sustentabilidade” ao sistema elétrico cubano. Dilma, no entanto, reconheceu não saber com exatidão a gravidade do problema na ilha e disse que conversaria com representantes do governo cubano para definir melhor a ajuda brasileira. A crise energética em Cuba já foi responsável pela queda do ministro da Indústria Básica, Marcos Portal, que tinha como incumbência fiscalizar e supervisionar o setor energético. “Ele não foi capaz de advertir aos dirigentes do partido e do Estado sobre os
Cubanos terão ajuda do governo brasileiro para enfrentrar a crise energética que tem penalizado o país, desde que sua principal termoelétrica entrou em pane
riscos de uma crise, perfeitamente previsível”, explicou uma nota oficial do governo cubano sobre a demissão do ministro. Em rede nacional de televisão, Castro disse que é inaceitável que a falha de uma termoelétrica acarrete problema tão grave para o país. Nos debates sobre a questão, amplamente divulgados pelos meios de comunicação e incentivados pelo governo, técnicos cogitam que, na raiz do problema, esteja a alteração do combustível usado por boa parte das termoelétricas cubanas. Tais geradoras passaram a utilizar como insumo o petróleo local, mais pesado e com maior teor de enxofre do que o petróleo convencional. A medida foi tomada no início dos anos 90 com o objetivo de reduzir a dependência de Cuba pelo petróleo estrangeiro e cortar os gastos com importação. Com o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, condenado pela
Organização das Nações Unidas (ONU), Cuba tem dificuldade em negociar a compra de petróleo e de arrecadar dólares (veja reportagem abaixo). O uso do petróleo cubano, intensificado no início dos anos 90, permitiu ao governo uma
economia de 150 milhões de dólares, em 10 anos.
SOLIDARIEDADE Com pouca verba para enfrentar o problema, o governo cubano aposta também na solidariedade dos
países vizinhos para superar a crise. Desde 1998, a Venezuela vende à ilha, em condições especiais 53 mil barris de petróleo por dia – um terço das necessidades de Cuba. O governo de Hugo Chávez estuda outras formas de cooperação.
ONU condena bloqueio pela 13ª vez A imensa maioria dos países da Organização das Nações Unidas (ONU) rejeitou o bloqueio econômico, financeiro e comercial imposto pelos Estados Unidos a Cuba. Em votação realizada dia 29 de outubro, 179 nações pediram a suspensão da imposição estadunidense. Foi a 13ª vez em que os países condenaram a medida desde 1992. A resolução aprovada pela Assembléia Geral da ONU considera, ainda, que o bloqueio viola princípios de soberania e afeta as relações comerciais entre os países. Apenas quatro países votaram a favor do
bloqueio: Estados Unidos, Israel, Palau e Ilhas Marshall. Essas últimas nações são dois arquipélagos situados no Pacífico, com cerca de 60 mil habitantes, caracterizados sobretudo por serem antigas colônias japonesas. Depois da Segunda Guerra Mundial, passaram a ser ocupadas pelos Estados Unidos que fixaram ali bases militares. Um dia depois da decisão da Assembléia Geral, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirmou que o bloqueio estadunidense impede, hoje, Cuba de proteger os direitos de suas
crianças, adolescentes, mulheres e famílias. Os Estados Unidos mantêm o bloqueio contra Cuba desde 1962. As medidas atingem empresas de qualquer nacionalidade. Recentemente, a Holvet, da Holanda, suspendeu a venda de vacinas para Cuba depois de ser notificada pelo governo de George W. Bush de que seria multada por estar vendendo um produto que teria 10% de um antígeno produzido nos Estados Unidos. Calcula-se que o bloqueio já tenha causado prejuízo de cerca de 80 bilhões de dólares à ilha. (JPF)
ENTREVISTA
“Estamos sendo privados de bilhões de dólares que poderiam alterar significativamente nossa realidade”, avalia Joaquín Remédios, da Associação Nacional de Economistas e Contadores de Cuba. Em visita ao Brasil para difundir o 7º Encontro Internacional de Economistas sobre globalização e desenvolvimento – que será realizado entre 7 e 11 de fevereiro de 2005, em Havana –, Remédios aproveitou para discutir as perspectivas de Cuba em entrevista ao Brasil de Fato. Participarão do encontro em Cuba pesquisadores de universidades de diversos países e organizações financeiras multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC) e Banco Mundial. “Trata-se de um evento científico, muito plural, que se caracteriza por permitir um debate aberto entre as mais diversas correntes de pensamento sobre os problemas da globalização”, explica Remédios. Brasil de Fato – Publicações conservadoras no Brasil, como a revista Veja, estão dizendo que a crise energética é o fracasso da economia cubana. Joaquín Remédios – Confunde-se
Jorge Pereira Filho
“Sobrevivemos a uma guerra econômica” Quem é Joaquín Remédios Garcia é membro da Associação Nacional de Economistas e Contadores de Cuba, uma organização não-governamental (ONG) cubana que agrupa mais de 60 mil profissionais de economia, contabilidade e administração na ilha. a chamada liberdade de imprensa com a liberdade para promover e defender os interesses dos grandes monopólios e do capitalismo. As falsas campanhas que são promovidas contra Cuba devem ser vistas nesse sentido. É preciso conhecer muito mais sobre nossa realidade. Por 45 anos, sobrevivemos a um bloqueio, a uma guerra econômica imposta pelos Estados Unidos. Mesmo assim, chegamos à liderança entre os países do Terceiro Mundo em diversos indicadores sociais, culturais e de saúde, aproximando-se dos países mais ricos. A taxa de mortalidade infantil, por exemplo, está entre 5 e 7 nos últimos anos (no Brasil, está em 30 mortes por mil nascimentos). Cuba é um país pobre e isso só foi possível em
função de um esforço de governo para atender às verdadeiras necessidades da população. BF – Mas qual a relação do bloqueio com a crise energética? Remédios – Depois de 1989, quando o campo socialista desmoronou na Europa, nosso Produto Interno Bruto (PIB) caiu 35% em quatro anos. Em 1994, começou a haver uma recuperação da economia cubana, que teve de se diversificar, tivemos de desenvolver o turismo e a exploração de petróleo no país. Tivemos de fazer uma reconversão tecnológica de
nossas usinas para podermos usar nosso próprio petróleo, mais pesado e de pior qualidade. Hoje, cerca de 90% do nosso combustível usado nas usinas é cubano. No entanto, é muito mais fácil falar de uma crise energética de Cuba do que dos resultados econômicos e sociais da nossa recuperação. BF – Como funciona a ajuda venezuelana? Remédios – Cuba compra o petróleo da Venezuela. A diferença é que, com Hugo Chávez, Cuba recebeu crédito para comprar a prazo o combustível, em condi-
ções especiais. Com outros países, temos de pagar à vista. Cuba é o único país do mundo que não pode receber crédito internacional das grandes instituições financeiras e isso limita nossas possibilidades. Poucos sabem, mas o FMI, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento são proibidos de dar crédito à ilha. BF – O senhor crê que o resultado das eleições estadunidenses poderá alterar esse cenário? Remédios – O presidente George W. Bush aprofundou o bloqueio econômico contra Cuba e sua derrota poderia, pelo menos, significar a interrupção do recrudescimento dessa política cruel. Nós estamos conscientes de que esse bloqueio vai cair um dia e contamos com a solidariedade internacional nessa luta. Estamos sendo privados de bilhões de dólares que poderiam alterar significativamente nossa realidade. Esse é o fundo da crise cubana. Temos plena consciência de que a crise não é gerada por um problema cubano, mas por uma guerra econômica contra nós. E enquanto não cair o bloqueio, vamos seguir o combate para manter as conquistas sociais já alcançadas. (JPF)
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INTERNACIONAL URUGUAI
Esquerda ganha Presidência da República Märio Augusto Jakobskind enviado especial a Montevidéu (Uruguai)
Ali Burafi/AFP
O médico Tabaré Vázquez, da Frente Ampla, recebe 52% dos votos em eleição com comparecimento recorde
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NA TRILHA DE LULA A maioria dos analistas políticos uruguaios aposta que a opção política e econômica do presidente eleito será a mesma que a de Luiz Inácio Lula da Silva. O chamado “núcleo duro” da Frente AmplaEncontro Progressista faz questão de, a todo momento, elogiar a “maturidade” do governo Lula. O próprio Vázquez não foge à regra. Em entrevista aos correspondentes estrangeiros, poucas horas antes de ser eleito, além de saudar o presidente brasileiro por seu aniversário, Vázques fez inúmeros elogios a Lula. Nas perguntas mais polêmicas sobre as mudanças em vista, lembrava a todo momento a existência de um programa de governo a ser cumprido. O presidente eleito enfatizou que o programa foi aprovado, por quase unanimidade, por todos os grupos políticos que integram a Frente Ampla-Encontro Progressista-Nova Maioria.
POLÍTICA EXTERNA Vázquez destacou a criação de um salário social que consiste em uma ajuda econômica do Estado para homens e mulheres com filhos e que estejam em situaçao de indi-
Vázquez recebe cumprimentos de eleitores logo após a divulgação dos resultados: esquerda no poder, após 173 anos de bipartidarismo Ali Burafi/AFP
epois de 31 anos da fundação da Frente Ampla e 173 anos de bipartidarismo, os uruguaios elegeram, dia 31 de outubro, no primeiro turno, com 51% dos votos, Tabaré Vázquez presidente da República. Tão logo os meios de comunicação confirmaram as previsões das pesquisas, Vázquez, que governará o país a partir de março de 2005 até março de 2010, afirmou que a vitória pertencia ao povo, “que protagonizou um espetáculo cívico”. Vázquez anunciou o início do trabalho de transição de governo já para o dia seguinte à vitória. “Não temos tempo a perder para que os uruguaios possam viver melhor e os que saíram possam voltar”, disse o presidente eleito, depois de homenagear o general Liber Seregni, fundador da Frente Ampla, recentemente falecido. Ele se referia aos cerca de 500 mil uruguaios que estão fora do país por motivos econômicos. Vázquez também estendeu as mãos às outras forças políticas, o Partido Nacional e o Partido Colorado, representados respectivamente por Jorge Larañaga e Guillerme Stirling, os candidatos derrotados. No Centro de Montevidéu, o povo festejava o triunfo da esquerda. Em outros pontos da capital uruguaia, sobretudo nos bairros de La Teja, onde nasceu Vázquez, e Cerro, o povo dançava nas ruas ritmos populares uruguaios. A festa tinha começado dias antes, com a chegada de uruguaios que vivem no exterior. Os uruguais que são funcionários públicos na Argentina tiveram quatro dias de trabalho abonados pelo presidente Néstor Kirchner, que deu seu apoio ao processo democrático uruguaio e, na prática, à Frente Ampla-Encontro Progressista-Nova Maioria, pois praticamente 100% dos que viajaram votaram em Vázquez. O índice de comparecimento foi de cerca de 90%, o mais alto da história uruguaia. Foram eleitos 99 deputados e 30 senadores, com maioria também para a Frente Ampla - Encontro Progressista-Nova Maioria. Os uruguaios votaram, ainda, a privatização da água: 60% se posicionaram contra, confirmando a tradição da população, que já se manifestou em plebiscitos pela continuidade nas mãos do Estado de outros setores, como o energético e, mais recentemente, pela Ancap (Administração Nacional de Combustíveis Álcool e Cimento).
Moradores de rua comemoram a vitória de Tabaré Vázquez, em Montevidéu
gência. A única exigência é que os contemplados realizem tarefas comunitárias e coloquem os filhos nos colégios. Calcula-se que 100 mil uruguaios estejam nesda situação – um terço da população uruguaia se encontra na linha de pobreza, ou seja, tem renda aproximada de 50 dólares mensais. Durante a campanha, Vázquez se comprometeu a fortalecer o Mercosul e a integração regional. Em matéria de política externa, estabeleceu como prioridade recuperar a tradição do Uruguai de respeito à autodeterminação dos povos e a não intervenção em assuntos internos dos países. Vázquez garantiu ainda que o seu governo pretende reatar
relações diplomáticas com Cuba, rompidas pelo atual presidente Jorge Battle. Também defendeu a criação de um Estado palestino e garantias para a existência do Estado de Israel. Em relação à chamada lei de “caducidade”, confirmada em um plebiscito, que dispõe sobre a anistia, Vázquez observou que a Constituição deve ser seguida à risca e que não tem sentido não cumpri-la. O presidente eleito defendeu a aplicação do artigo 4 da legislação, que dispõe sobre o destino dos desaparecidos e a indicação dos nomes dos responsáveis por esses desaparecimentos e pelas mortes durante a ditadura, determinações até hoje
Futuro ministro nega ser neoliberal O futuro ministro da Economia do governo eleito, senador Danilo Astori, nega ser um neoliberal e se posiciona como defensor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O político, que integra a Assmbléia Uruguaia, da Frente Ampa-Encontro Progressista-Nova Maioria, entende que a esquerda hoje tem um grande desafio: a busca de novos caminhos e da integração entre o Estado e o mercado. Astori, em seus elogios a Lula, coloca o presidente brasileiro como um político moderno sintonizado com a busca da integração entre o Estado e o mercado. Em entrevista aos correspondentes estrangeiros, o presidente eleito passava a Astori as perguntas sobre economia, numa demonstra-
ção concreta de que o senador será mesmo o homem forte do governo. Foi o senador que, ao responder a uma pergunta sobre a questão da água, lembrou que o código de água do país é de domínio público e não conflita com os investimentos estrangeiros no setor, em franca contradição com a proposta da própria esquerda, de reforma constitucional. Na prática, Astori deu o recado aos grupos franceses e espanhóis que poderão continuar controlando o setor das águas nos Departamentos de Maldonado e Canelones. A empresa espanhola Águas de Bilbao controla as águas no Departamento de Maldonado, onde se localiza o balneário de Punta del Leste, e a empresa francesa Safege, em Canelones. (MAJ)
não cumpridas pelos governos uruguaios, desde a promulgação da lei, em agosto de 1989. Tabaré Vázquez prometeu modificar um “fato vergonhoso” para o Uruguai: se a Frente Ampla-Encontro Progressista-Nova Maioria obtiver maioria no Parlamento, haverá empenho para revogar a
proibição aos uruguaios no exterior de votar nas representações diplomáticas nos países onde estão radicados. “Os uruguaios que vivem no exterior estão nessa situação não porque queiram, mas porque foram obrigados a sair do país para sobreviver. Temos a obrigação de sanar essa injustiça”.
VENEZUELA
Chavismo governará em quase todo o país Claudia Jardim de Caracas (Venezuela) Os venezuelanos voltaram às urnas, dia 31 de outubro, para escolher governadores, prefeitos e deputados. O primeiro boletim extraoficial emitido pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou a vitória dos candidatos chavistas em 20 dos 22 Estados, com a recuperação, pelo governo, de cinco dos oito Estados sob comando da oposição: Anzoátegui, Apure, Monagas, Bolívar e Miranda. A oposição venceu em Nova Esparta e manteve a administração em Zulia, principal Estado petroleiro. A hegemonia chavista se estendeu também às administrações municipais: o governo passou de 115 prefeituras para 270, entre as quais a importante região metropolitana
de Caracas e o município Libertador, o maior da capital do país. Em Chacao, Baruta e El Hatillo, redutos da classe média, os candidatos de oposição foram reeleitos. “Tivemos uma vitória monumental. A revolução chegou para sempre e isso não tem volta”, disse Chávez, na madrugada do dia 1º. Com o controle da maioria dos Estados e prefeituras, o governo poderá ampliar os programas sociais e exigir o cumprimento de leis como a de reforma agrária, sem enfrentar resistência da oposição. Por outro lado, a hegemonia chavista sem pressão social pode provocar um retrocesso no processo de mudanças liderado por Chávez, que o presidente chama de “revolução dentro da revolução”. “O excesso de poder e a falta de preparo de muitos candidatos elei-
tos pode significar uma ameaça para esse governo. Chegou a hora de governar. É tarefa dos setores organizados, das bases, exigir isso”, avalia a historiadora Margarita Lopez Maya, professora da Universidade Central da Venezuela.
OPOSIÇÃO ALEGA FRAUDE Enquanto os candidatos chavistas começam a anunciar seus planos de governo, a oposição dá sinais de que não vai reconhecer os resultados das urnas. O atual governador do Estado de Miranda, Enrique Mendonza, que perdeu para o candidato do governo Diosdado Cabello (53% a 47%), afirma que saírá às ruas, “se preciso for”, para defender sua vitória. O fracasso da oposição nas eleições regionais já era admitido por líderes dos partidos opositores antes mesmo do pleito. “Temos
que admitir que o chavismo tem a maioria dos votos. Infelizmente, o governo vai ganhar”, afirmou Alberto Quiróz Corradi, um dos representantes da opositora Coordenadora Democrática. Um dos erros cometidos pela oposição foi deslegitimar a idoneidade do Conselho Nacional Eleitoral com denúncias, até agora não fundamentadas, de que os resultados do referendo foram fraudados. Diante da falta de credibilidade do CNE e dos próprios líderes, muitos eleitores oposicionistas preferiram não participar das eleições – voto não é obrigatório. Para Margarita Lopez Maya, muitos chavistas também deixaram de votar por não acreditar nos candidatos apoiados pelo governo. “Esse é um recado para o presidente”, avalia a historiadora.
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Neoliberalismo empobrece africanos O
s especialistas, vários governos e as agências de cooperação ocidentais para o desenvolvimento atribuem as causas do subdesenvolvimento, ou os obstáculos ao desenvolvimento, no chamado Terceiro Mundo em geral, e na África em particular, a diversos fatores internos. Quais sejam: explosão demográfica, atraso de mentalidades, ausência ou escassez de espírito empreendedor, condições naturais desfavoráveis, falta de capitais nacionais, intervencionismo de Estado, entre outros motivos. Estabelecido isso, o desenvolvimento tem de ser estimulado a partir do exterior por meio da ajuda, da industrialização e da participação no comércio internacional. Dito de outra forma, apresenta-se o modelo ocidental de desenvolvimento, baseado no produtivismo, na econometria e no economicismo; ou seja, o modo ocidental de viver, como uma referência forçada, à margem das realidades e especificidades africanas. Diante do fracasso do ajuste interno implementado por muitos governos africanos em fins da década de 1970 e começo da de 1980, os especialistas do Banco Mundial explicam que aquilo se deveu à manutenção artificial de preços e salários altos no setor público, ao apogeu do setor informal, a investimentos improdutivos e sem base real, à fuga de capitais, à ausência de investimentos privados, à falta de rigor e continuidade por medo de revoltas e insurreições populares. Por conta disso, foi imposto aos países africanos, a partir de 1981, o “ajuste real”, ou os Programas de Ajuste Estrutural (PAE), do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Transformou-se o continente africano na região onde mais se tem aplicado os PAE, ou seja, 162 programas de ajustes contra 126 no resto do mundo, entre 1981 e 1993. Baseadas em razões externas e não internas, essas medidas, embora não sejam responsáveis pela crise africana, tornaram-na mais aguda, acrescentando austeridade à pobreza ao influir de modo negativo em áreas do desenvolvimento humano e no modo de vida das camadas mais desfavorecidas. Equivocaram-se totalmente no que diz respeito aos planejamentos: o fracasso do desenvolvimento na África não é o resultado da estatização da economia, mas sim de seu patrimonialismo e dos mitos do Estado-nação e da industrialização. A obsessão pela criação de Estados-nações tem levado à primazia do político, ou do ideológico, sobre o econômico. De forma semelhante, a aproximação entre desenvolvimento e industrialização é responsável pelas ineficientes indústrias pesadas e pelos “elefantes bancos”, com excessivo endividamento externo.
Escola primária em Bouake, nordeste da Costa do Marfim; a educação é injustamente afetada por cortes nos gastos públicos
ficiários do desenvolvimento, os governos africanos têm entregado seus povos à ordem neoliberal dominante, com graves conseqüências sociais e para o meio ambiente – políticas econômicas de que trataremos logo mais, depois de analisarmos os fundamentos teóricos do pensamento neoliberal em que se fundamentam os PAE. Os Programas de Ajuste Estrutural das instituições de Bretton Woods (BM e FMI), financiados pelos países capitalistas, têm como principal objetivo a construção e a manutenção de um sistema capitalista mundial. (Chama-se de “Bretton Woods” a uma conferência internacional realizada em 1944, na qual ficou estabelecido que o dólar passaria a ser a principal moeda de reserva mundial, abandonando-se o padrão-ouro.) Inspirados no modelo neoliberal, que defende o poder do mercado no desenvolvimento econômico e social, e a conseqüente primazia do setor privado sobre o setor público, os PAE consistem na imposição de algumas condições econômicas e financeiras aos países endividados, para que eles ajustem o comércio exterior, eliminem os desequilíbrios financeiros e consigam novos empréstimos. De maneira sucinta, o fundamentalismo econômico dos PAE se baseia nos seguintes princípios: eliminação da função econômica e social do Estado; privatizações
e endeusamento do mercado em todos os aspectos da vida nacional; abertura externa máxima, por meio de fomento das exportações e do tratamento favorável aos investimentos estrangeiros, conforme as exigências do mercado mundial.
EFEITOS PERVERSOS No caso da África, esses princípios clássicos vêm acompanhados da redução de gastos públicos por meio da eliminação de subsídios estatais aos bens de primeira necessidade, da desvalorização das moedas, ilustrada pela do franco CFA em janeiro de 1994, e pela liberalização dos preços agrícolas e do comércio. Os resultados dessa política têm ficado abaixo das expectativas, ou melhor, têm produzido efeitos perversos: o corte nos déficits públicos surgiu não do aumento das receitas finais, mas sim da redução ou eliminação dos gastos sociais e dos investimentos públicos; a desvalorização, aos poucos, tem levado à melhoria dos procedimentos de trocas agrícolas internas, favorecendo os cultivos de exportação, em detrimento daqueles de consumo local. Além disso, acrescente-se o incentivo às exportações, que tem como conseqüência o excedente dos produtos básicos no mercado internacional, com a subseqüente caída dos preços, afetando negativamente as economias monoprodutoras e monoexportadoras africanas. As
Neocolonialismo imposto à África é para servir aos privilégios dos poderosos dos países ricos
Abandono do setor público diminuiu drasticamente o número de matrículas em escolas e piorou serviços de saúde privatizações, na maioria dos casos, consistem, para as burguesias de Estado, em passar do monopólio público para o monopólio privado, com importantes facilidades oficiais, sem conseguir a melhoria da produção. O abandono do setor público agravou, portanto, a crise econômica. A liberalização do comércio tem favorecido a importação dos bens de consumo, ao invés de maquinário, aprofundando desse modo o déficit do comércio exterior e os desequilíbrios financeiros.
CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS A austeridade que os PAE impõem aos países africanos vai muito além do necessário, ou seja, à recuperação do equilíbrio econômico. Eles reduziram dramaticamente o poder aquisitivo dos mais pobres e dos condenados ao desemprego por demissões em massa de funcionários, conseqüência das privatizações que têm aniquilado os importantes progressos realizados, em décadas anteriores, nas áreas da educação e da saúde. Em muitos países africanos submetidos aos PAE, assistimos ao aumento dos níveis de pobreza urbana e rural. Os salários no setor moderno diminuíram mais de 60%. É ainda mais dramática a situação dos empresários populares do setor informal, os quais, como parte da estratégia de sobrevivência dos mais pobres, têm tratado de assumir certos níveis de solidariedade,
Kinha Costa
Mbuyi Kabunda Badi de Madri (Espanha)
Georges Gobet
Especialista congolês analisa interferência destrutiva de modelos econômicos ocidentais
INCORPORAÇÃO O neocolonialismo liberal, baseado no “pensamento único”, ou a internacionalização da política econômica homogeneizada, na qual o material tem primazia sobre o humano para servir aos privilégios dos poderosos dos países ricos, consiste em reproduzir o modelo ocidental na África, ao invés de desenvolvê-la. O objetivo é a incorporação neocolonialista e subordinada da África no mercado mundial, com a cumplicidade das elites locais, que nunca abordaram os problemas de desenvolvimento em termos de ruptura. Incapazes de identificar os objetivos, as sutilezas, as estratégias, os obstáculos externos e os bene-
Órfãos sul-africanos de pais vítimas da Aids; epidemias avançam por falta de investimentos públicos no setor da saúde
em que também estão incluídos os desempregados. Em um país como a Nigéria, por exemplo, o salário-mínimo diminuiu 85% desde o início da década de 1980. Atualmente é da ordem de 10 a 20 dólares por mês (entre R$ 30 e R$ 60). Os PAE diminuíram a capacidade de muitos africanos pagarem pelos serviços de saúde e educação, sujeitos a contribuições das famílias já empobrecidas. Em todos os cantos, a taxa média de matrículas de estudantes no ensino básico, secundário e superior caiu dramaticamente em relação à década de 1970, principalmente nos países de receitas menores, como resultado da aplicação dos PAE. Muitas escolas, antes subvencionadas pelo Estado, desapareceram. Para pagar a dívida externa, o Estado fez cortes drásticos nos pressupostos consagrados da educação, demitindo professores, limitando horas de aula e condenando os que foram mantidos em seus postos de trabalho a fazer o dobro da carga horária. O mesmo ocorre no setor da saúde, com a deterioração geral dos cuidados médicos e preventivos: escassez de pessoal médico, falta de medicamentos e equipamento elementar, transformação de hospitais e postos de saúde em focos de insalubridade, sem condições mínimas de higiene e em condições de trabalho insatisfatórias. Os gastos com saúde, como no caso anterior, ficam exclusivamente a cargo das famílias, num contexto de ausência de qualquer sistema de seguridade social e de assistência sanitária. Os resultados imediatos são o aumento do analfabetismo, a redução da expectativa ou da duração de vida e o reaparecimento de epidemias já erradicadas ou desaparecidas em outras partes do planeta. Isso contribuirá, sem dúvida, para o atraso do continente em relação aos níveis internacionais e em sua força e trabalho – e para a depauperação das famílias e do Estado pelos PAE, que comprometem, assim, o futuro e o devir da África. Mbuyi Kabunda Badi é congolês, doutor em Relações Internacionais, presidente da ONG espanhola Sodepaz, professor da Universidade de Barcelona, na Espanha, e da Universidade Patrice Lumumba, no Congo, Prensa Latina www.prensa-latina.org
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AMBIENTE AR
Poluição causa morte e doença em SP Tatiana Merlino da Redação
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aumento da poluição na cidade de São Paulo está se tornando caso de vida ou morte. Responsável por cerca de 15% das internações por doenças respiratórias e 9% das doenças cardíacas em adultos, o ar poluído da capital chega a causar mortes decorrentes de problemas respiratórios. Paulo Saldiva, professor e médico do Hospital das Clínicas, explica que nos dias de maior poluição aumenta o número de internações em hospitais da capital e alerta: em decorrência da qualidade do ar, os paulistanos tendem a viver três anos a menos do que se estivessem em condições normais do ar. Só no Instituto do Coração, por exemplo, o pronto-socorro atende 10% mais pacientes nas épocas em que o ar está mais carregado de poluentes. Assim como acontece aos pacientes com doenças cardiovasculares, pessoas com outras complicações tendem a ser mais afetadas à medida em que o ar piora. Além disso, Saldiva chama atenção para o que se gasta com atendimentos médicos resultantes da poluição do ar na cidade: cerca de 90 milhões de dólares ao ano. “Isso tem que ser colocado na balança, para vermos quais são as prioridades”, diz o especialista, que lista as principais doenças relacionadas à qualidade do ar – bronquite crônica, asma, pneumonia, insuficiência cardíaca e infarto agudo do miocárdio.
SOLUÇÃO Segundo o professor, existem diferentes hipóteses para as mudanças climáticas. Porém, o que mais o preocupa é o aumento das substâncias produtoras de poluição que, se fossem controladas, poderiam evitar as internações e as mortes. “As substâncias poluentes atingem níveis elevados em conseqüência da utilização de veículos individuais e transporte coletivo de má qua-
Marie Hippenmeyer/AFP
Médico alerta: os paulistanos tendem a viver três anos a menos do que se tivessem em condições normais do ar
Falta de controle da emissão de poluentes de carros e indústrias, e o baixo nível socioeconômico são fatores que colaboram para o aumento de substâncias tóxicas
lidade. E o número desses veículos aumenta cada vez mais”. Segundo ele, o problema da poluição em São Paulo vem se tornando mais crítico de quatro anos para cá. Para que as mortes diminuam, “não precisa ser inventado nada absurdo”, explica o médico. Segundo ele, existe tecnologia para reduzir as emissões dos veículos e motos, e fabricar motores diesel menos poluentes. “Já está tudo pronto”, diz ele, lamentando a desinformação da
população. O que o cidadão comum pode fazer para melhorar a poluição na cidade e proteger sua saúde, segundo Saldiva, é evitar lugares onde o tráfego está maior. Além de adotar o transporte público, sugere o professor, que todos os dias vai e volta do trabalho de bicicleta. Das grandes cidades acima de 10 milhões de habitantes, São Paulo está entre as dez mais poluídas. “Nova Délhi e Beijim perdem para nós, mas, pela grande população
da capital paulista, o risco é muito grande”, diz Saldiva.
ESTRATÉGIAS Para controlar a emissão de poluentes, cada país tem uma estratégia. “Santiago, no Chile, tem um projeto de controle de emissões de veículos, redução do enxofre do diesel, adoção de filtros para ônibus e um programa de controle das emissões veiculares que não foram implementadas em São Paulo”, on-
de não existe um programa adequado de controle, lembra Saldiva. Outro fator de relevância é o efeito socioeconômico. Segundo o médico, quanto menor o nível socioeconômico de uma comunidade, o resultado do mesmo implemento de poluição vai ser maior: “Estudos mostram que os efeitos de poluição no bairro de Pinheiros são seis vezes menores do que em Itaquera, na zona leste. As pessoas de baixa renda são mais prejudicadas ainda”.
TERRA E ÁGUA
Alexania Rossato de Brasília (DF) Proposta do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, que congrega quarenta e quatro entidades e movimentos sociais em defesa da reforma agrária, dos direitos humanos, de uma política agrícola para os agricultores camponeses e familiares, e da justiça no campo, a Conferência Nacional Terra e Água deve reunir cerca de 10 mil pessoas, em Brasília, de 22 a 25 de novembro. Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno fala dos benefícios desse encontro para a sociedade brasileira. Qual é o significado da Conferência Nacional Terra e Água para a conjuntura brasileira? Dom Tomás Balduíno – Eu vejo dois grandes significados, neste momento. Primeiro, o resgate de toda a riqueza que é a caminhada dos povos da terra e das águas. Desses povos que nos últimos tempos, a partir do espaço que foi aberto para a sua organização, têm muita riqueza para nos mostrar, pois antes eram objeto de repressão, como aconteceu com Palmares e Contestado. A última tentativa de repressão foi no golpe militar, em 1964, mas houve o apoio aos lavradores por parte da Igreja e demais organizações. De lá para cá, a organização do povo só vem crescendo e firmando relacionamentos com a terra e com as águas, um crescente de consciência, sa-
Arquivo JST
Conferência dará voz e vez à comunidade Quem é Defensor histórico da reforma agrária, dom Tomás Balduíno preside a Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde 1997. Natural de Posse (GO), foi ordenado frei dominicano no final dos anos 40. Desde 1967, quando se tornou bispo, atua na diocese do município de Goiás, região dominada pela oligarquia rural.
bedoria, mística e proposta. Um exemplo disso é essa Conferência. O segundo grande significado é o interesse de toda a sociedade brasileira, dos intelectuais, dos agentes de pastoral. É o interesse de elaborar um novo conceito sobre a terra e sobre a água. Na Conferência devemos afirmar que terra é lugar da convivência e não estoque de mercado para ser vendida pelo melhor preço, negociada ou, ainda, ser objeto de produção até se tornar um deserto. A conceituação que vem aí, elaborada cientificamente e pela articulação entre as entidades que organizam o evento, será o grande fruto dessa Conferência. Essas organizações têm questões importantes a definir, com relação às terras e às águas. Qual é o ganho político para o Fórum Nacional pela Reforma Agrária? Dom Tomás – Tudo é político,
nada é neutro. Ainda mais quando se refere à terra e à água. Então, a elaboração de projetos que interferem no dia-a-dia, na convivência e na administração da nossa sociedade, é um instrumento que, politicamente, servirá para levar adiante esse serviço ao povo e não a grandes grupos econômicos. Nessa Conferência nós temos que ganhar a política da terra e das águas, no sentido da participação do povo, das comunidades, para que tenham voz e vez. Desejo que, com a Conferência, possamos fazer alianças entre as diversas entidades que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, no sentido de ser realmente a energia para levar adiante o projeto contra determinadas posições que historicamente se mantêm no poder explorando o povo pobre. Como a mobilização dos agricultores para essa Conferência
poderá fazer frente ao atual modelo de agricultura do Brasil? Dom Tomás - Os povos da terra e da águas, os negros, os indígenas, os camponeses, os povos do semi-árido, do cerrado, os ribeirnhos, os povos das florestas e dos pampas sempre tiveram um relacionamento de unidade com a terra e com as águas. Esses povos estão encontrando, já em estágio avançando, o projeto mundial que segue a linha do agronegócio e do hidronegócio. Isso está sendo imposto como um pensamento único, com o discurso do progresso, das divisas, da solução da fome. Neste momento são fundamentais as alternativas de solucionar os problemas humanos que não minimizam, com esse pensamento único – ao contrário, cada vez os pobres ficam mais pobres. Temos que valorizar essas alternativas criadas pelos povos e que têm sido de grande sucesso, no mundo todo, e que têm garantido a vida para diversas regiões. Existe um embate muito forte, pois os camponeses têm uma forma de
vida que não é compatível com a forma de vida imposta pelo agronegócio e pelo hidronegócio, que é o enriquecimento e o lucro, mas é de humanização e convivência com a terra, com as águas, com o uso das sementes, com a biodiversidade. Isso faz parte deles e é o que nós temos que trabalhar na Conferência. Qual a sua mensagem para os camponeses e suas respectivas entidades que participarão da Conferência? Dom Tomás - Eu saúdo este momento histórico pela importância da organização dos diversos movimentos camponeses, indígenas e negros do país. É o momento do povo da terra e das águas, dessas populações, que por muito tempo viveram oprimidas, excluídas, e que agora, por este simples instrumento, que é a Conferência, terão voz e vez de realizar algo que construa linhas para integrarmos nosso processo sócio, político, cultural e econômico. Essa Conferência é importante, não só numericamente, mas também por se realizar no espaço de Brasília, neste instante do governo Lula de grande embate internacional do agronegócio. Uma grande riqueza é esperada com esta Conferência: nós, que não somos lavradores, que não somos camponeses, mas somos aliados, só teremos a ganhar, assim como a sociedade brasileira só terá a ganhar.
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DEBATE ELEIÇÕES MUNICIPAIS
Quem ganhou e quem perdeu Emir Sader ma análise global, qualitativa, do resultado das eleições municipais deste ano não deixa dúvidas: ganhou a direita e perdeu a esquerda.
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Em primeiro lugar porque o eixo de seu bloco partidário – PSDB–PFL – saiu fortalecido, tanto pelos resultados obtidos, quanto pela capacidade de atração que demonstraram, conseguindo atrair o PMDB, o PPS e localmente outros partidos, na oposição ao PT. Depois da grande derrota que tiveram em 2002, até dezembro de 2003 pareciam estar sem capacidade de ação, com seu programa econômico apropriado pelo governo Lula, com uma capacidade de alianças debilitada pelo poder de atração que o governo federal demonstrava. Sem bandeiras próprias, salvo setoriais – mais repressão ao MST, contra qualquer forma de regulação da área cultural e midiática, contra as PPPs, críticas a aspectos da política externa –, esse bloco recebeu o oxigênio inesperado que necessitava justamente do governo. Desde o “caso Waldomiro”, uma sucessão de circunstâncias favoreceram diretamente a oposição, enfraquecendo o governo, até desembocar em um resultado eleitoral inesperado até poucos meses atrás pela própria oposição. A direita conquistou prefeituras importantes, como São Paulo, Porto Alegre e Belém, desalojando o PT e projetando seus quadros, na perspectiva, inclusive, de resultados mais favoráveis nas eleições estaduais e nacional de 2006. A conquista da prefeitura de São Paulo permite ao PSDB governar o Estado e a cidade mais importantes do país, suas capitais econômicas, com o segundo e o terceiro orçamentos do Brasil. Consolida-se assim, no centro nevrálgico do país, os vínculos orgânicos entre o grande empresariado – industrial e financeiro – com o bloco de partidos de direita, não apenas como ponto de apoio para candidaturas opositoras em 2006 contra Lula, mas principalmente como o eixo hegemônico ideologicamente no país – somando partidos, grupos empresariais e midiáticos –, contando também com os ministérios econômicos do governo. Em segundo lugar ganhou o monopólio privado da mídia. Sabemos que pouco mudou na passagem da ditadura à democracia nos planos econômico e social, mantendo-se e até mesmo fortalecendo-se o monopólio em fatores essenciais de poder no país – a terra, o dinheiro e a informação. Nem os latifúndios, nem o sistema financeiro, nem o monopólio
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A DIREITA GANHA
privado da mídia foram afetados naquela transição, imprimindolhe um caráter conservador. Nestas eleições esse monopólio privado demonstrou todo o seu poder, especialmente quando pôde agir de forma unificada. O caso de São Paulo é exemplar e tem que ser utilizado permanentemente como caso especial nos cursos, seminários e teses sobre a democracia e mídia como um caso paradigmático. Os dois maiores jornais apoiaram e usaram suas páginas para promover a candidatura da direita para a prefeitura da cidade. Todos os seus colunistas praticamente agiram nessa direção. A cobertura da campanha, conforme os dados do Observatório da Mídia, revela como houve mais de cinco vezes mais matérias contra a candidata do PT do que contra o candidato apoiado por esses jornais. A parcialidade e a adesão praticamente de todos os colunistas dos jornais à candidatura da direita, fortalecida pelo mecanismo das pesquisas, que condicionam fortemente a opinião pública, produziram um quadro similar àquele existente ainda na Venezuela. Com essa atuação o monopólio privado da mídia – somado ao financiamento milionário das campanhas – demonstrou que se constitui em um obstáculo quase insuperável de ser superado, revelando como não existirá democracia política enquanto esse monopólio não for quebrado e se instaurem mecanismos minimamente democráticos na mídia. Em terceiro lugar, saiu triunfante a equipe econômica do governo. Defensora das políticas liberais hegemônicas dentro do governo, ao se enfraquecer o PT como partido e seus governos municipais, que em geral promovem a prioridade das políticas sociais, vêem fortalecer-se as forças políticas que mais os apóiam – o grande empresariado, a grande mídia privada e os partidos da
direita tradicional. Vitórias como as de Marta Suplicy em São Paulo – que aplicou o melhor conjunto de políticas sociais que o Brasil já havia conhecido – e de Raul Pont em Porto Alegre, por exemplo, teriam significado o triunfo de modelos sociais e políticos de governo que apareceriam como alternativos àquelas predominantes no governo, pela influência da equipe econômica que, com o debilitamento da esquerda, encontrará o caminho mais tranqüilo para seguir se impondo hegemonicamente dentro do governo federal. A ESQUERDA PERDE
Quem foi derrotado nas eleições municipais deste ano? Em primeiro lugar o governo federal. Depois de quatro tentativas, Lula conseguiu se eleger presidente da República e na primeira eleição, o PT, pela primeira vez em sua história, regrediu e sofreu a sua maior derrota. O partido perdeu os governos de São Paulo, de Porto Alegre, de Belém, Goiânia, Campinas, Ribeirão Preto, Caxias do Sul e Pelotas, entre outras cidades importantes anteriormente governadas pelo PT. Essas perdas são regressões reais, pelo trabalho que os governos municipais do partido vinham desenvolvendo – há 16 anos em Porto Alegre, há 8 anos em Belém, Caxias do Sul e Ribeirão Preto. A reeleição em Belo Horizonte, Recife, Aracajú, Santo André, Guarulhos, Diadema, Niterói, e as vitórias em Fortaleza, Macapá, Palmas, Porto Velho, Osasco, Londrina e Contagem, não compensam, nem de longe, as derrotas. A disputa em São Paulo, capital política do PT e do PSDB, além de ter visto o triunfo do candidato derrotado por Lula em 2002, têm também um significado político irreparável para o governo federal. Os candidatos que mais diretamente tiveram o apoio do núcleo central do governo federal – em Salvador, no Rio de Janeiro, em Ribeirão Preto, em São Bernardo, em São Paulo – foram todos derrotados, fragorosamente nos três primeiros casos. O governo sai enfraquecido não apenas pela perda de prefeituras importantes, mas também
porque seu marco de alianças partidárias de apoio se debilitou. O PMDB, maior aliado da base de apoio do governo, protagonizou abertamente a frente opositora, enquanto outros partidos menores – como o PPS – definiram claramente sua opção por essa frente. Perde o PT como partido. A estratégia do seu atual presidente, José Genoino, foi desastrosa. Sua indicação para dirigir o partido significou a anestesia do partido e de sua militância, tratando de passar a idéia de que o único sujeito político no país é o governo, que este é o governo do PT e que a única coisa que caberia ao PT seria apoiar ao governo. Ele representa muito mais um representante do governo diante do PT, do que um representante do PT diante do governo. A falta absoluta de simpatia da militância – especialmente da militância de base e dos movimentos sociais – com Genoino completa o quadro de total dissonância entre a militância do partido e a direção do Partido dos Trabalhadores. Genoino se propôs a construir o eixo da base de apoio partidário ao governo na aliança do PT com o PMDB, apoiados por um amplo espectro, que contaria com o PC do B, o PSB, à esquerda, o PL, o PTB, o PPS, o PP, ao centro e à direita. Esse bloco não funcionou e o PT se viu totalmente isolado por frentes opositoras – como foram os casos mais evidentes em São Paulo e em Porto Alegre. A estratégia de propaganda fracassou também completamente. O uso de marqueteiros não significou maior eficiência nas campanhas, perdendo ao mesmo tempo conteúdo político. A chamada “profissionalização”, por sua vez, contratando grande quantidade de pessoas para a propaganda, não substituiu a marcante ausência da militância petista nas ruas. Esta foi tão clara, que nos dias finais, ao contrário do que sempre havia existido, não houve uma “onda vermelha”, que mudava os resultados favoravelmente ao PT pela ação maciça dos militantes organizados nas ruas, os resultados foram quase todos alterados contra o PT – perdendo por margens maiores do que as pesquisas indicavam ou perdeu quase todas as eleições equilibradas. A decepção com o governo Lula e o amortecimento do debate partidário levaram à perda da alma petista, substituída por campanhas profissionais, similares às de outros partidos. A direção do PT anestesiou um partido acostumado ao debate e à mobilização de rua. Perdeu a esquerda. Antes de tudo porque foram derrotadas experiências de governos com políticas de promoção da prioridade do social e levando a cabo, em diferentes graus políticas de orçamento participativo. Modelos de governo alternativos aos postos em prática pelo governo federal – de que os casos de Porto Alegre, Belém, São Paulo, são claros – foram derrotados. Perdeu também porque as derrotas do governo foram capitalizadas pela direita, que se fortaleceu, e não por forças mais à esquerda. Essas, ao contrário, tiveram uma decepção tão inexpressiva quanto costumam ter, enquanto o novo
protagonista – o PSOL –, terminou se ausentando oficialmente, pelas divergências internas para apoios a candidatos, enquanto intelectuais ligados ao partido pregaram o voto nulo em São Paulo, considerando que as duas candidaturas representariam o mesmo para a cidade e considerando as políticas sociais do governo do PT – de Marcio Pochman, Aldaiza Sposati, dos Centros de Educação Unificados (CEUS) – políticas “assistencialistas”. Da mesma forma que em Porto Alegre os membros do PSOL fizeram campanha pelo voto nulo diante das candidaturas de Raul Pont e da oposição de direita, revelando a forte propensão a não ter orientação própria, mas a nortear-se perigosamente pelo “antipetismo”. Perdeu também a esquerda porque as campanhas foram desmobilizadas, com ausência quase absoluta da militância nas ruas, com o deslocamento do eleitorado – especialmente o de classe média – para a direita, arrastando camadas populares nesse movimento. As campanhas de rua continuam a ser substituídas por campanhas midiáticas e por outdoors. Os movimentos sociais estiveram praticamente ausentes das campanhas, embora em geral apoiando as candidaturas do PT. O debate das campanhas tampouco se centrou nos temas essenciais, revelando o avanço da despolitização produzida pelo governo Lula e pela ação desmobilizadora da mídia. A mídia alternativa teve pouca capacidade de expressão, sucumbindo diante da avassaladora ação da grande mídia – escrita e televisiva. A luta neoliberal no seu conjunto – aquela que define os campos fundamentais de força no momento atual – não saiu fortalecida. Perdeu governos importantes, não viu seus temas debatidos, nem processos de mobilização e organização popular avançaram. Além disso, as derrotas sofridas não permitem prever que as mudanças – de ministério e de orientação – do governo Lula se dêem na direção da esquerda, mas provavelmente se concentrem em recompor as alianças ao centro e à direita, já na perspectiva da luta pela reeleição presidencial em 2006. Os inevitáveis balanços internos do PT podem ser contaminados pelas lutas internas também na perspectiva das eleições para governador e senadores em 2006, impedindo que o partido possa encarar seu primeiro grande recuo, produto da derrota sofrida nas eleições municipais. Dificilmente será encarada a substituição do atual presidente do partido, o que poderia representar um aceno para uma maior possibilidade de debate e de mobilização interna da militância. Neste marco, para a esquerda se coloca com maior força a necessidade de construção de uma ampla frente antineoliberal, que agrupe forças na luta de resistência contra a hegemonia liberal no governo e na sociedade, que conte com os movimentos sociais, com uma bancada parlamentar, com militantes de dentro e de fora do PT e de outros partidos, com intelectuais, organizações civis, imprensa alternativa, para a construção de uma plataforma pós-neoliberal, que oriente a luta do movimento popular e democrático. A luta por um outro Brasil possível é o que pode recuperar para a esquerda seu perfil e para o país uma alternativa à hegemonia neoliberal. Emir Sader é professor da UFRJ e da USP. O texto aqui publicado faz parte dos balanços mensais do autor para o site www.outrobrasil.net
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA Divulgação
LIVROS DISTRITO FEDERAL CAPITAL E TRABALHO VIVO - REFLEXÕES SOBRE A ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS (ALÇA) Organizada por Douglas Estevam e Maíra S. Ferreira, a obra resume os debates travados no Encontro Jurídico Continental sobre a Alca, realizado em Piracicaba (SP). Com participantes de diversos países representando diferentes setores da sociedade, o encontro discutiu amplamente questões fundamentais sobre a Alca nos seus aspectos jurídicos, econômicos, sociais e políticos. Importante instrumento para compreender por que a dependência externa é um dos principais problemas estruturais de nosso país. O livro, editado pela Editora Expressão Popular, tem 256 páginas e custa R$ 10 Mais informações: (11) 3105-9500 DIADEMA - 20 ANOS DE DEMOCRACIA E PODER LOCAL O livro reúne os estudos feitos pela antropóloga e doutora em sociologia Jeanne Bisilliat, que analisa as políticas públicas adotadas em Diadema desde 1995/96. Suas duas primeiras pesquisas enfocaram os primeiros 13 anos do governo petista no município. Em 2004, uma terceira pesquisa possibilitou fazer um quadro comparativo de mudanças relevantes dos últimos oito anos. A tradução é de Helena Glória Ferreira e Wanda Caldeira Brant. O livro custa R$ 25 Mais informações: www.fpabramo.org.br SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO UMA INTRODUÇÃO Lançamento conjunto da Editora Unesp e Konrad Adenauer Stiftung, o livro procura ser uma fonte de informações para que o cidadão brasileiro possa ter uma postura consciente em relação à política nacional. O objetivo é oferecer de forma acessível, sem exigir conhecimentos prévios de ciências políticas, textos introdutórios que expliquem as instituições políticas brasileiras. Assim, são mostrados os processos que determinam as tomadas de decisões políticas, a forma como os interesses regionais integram o processo político da União e como os interesses e opiniões da população se transformam em alternativas políticas. O livro também aborda a influência dos veículos de comunicação de massa na política, discute como as características do sistema político brasileiro estão relacionadas ao contexto geopolítico internacional e fala da relação entre sociedade e Estado, mostrando como se estruturam os interesses organizados. O livro tem 414 páginas e custa R$ 50 Mais informações: pluricom@pluricom.com.br, www.pluricom.com.br
ESPÍRITO SANTO 3º ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO SOCIAL 25 a 28 O encontro, que terá como tema “Educação social: desafios frente à formação de educadores”, pretende criar um espaço político para debate das questões de educação social – que incluem ações de formação, de produção de conhecimento, de intercâmbio de experiências e de construção de metodologias que avancem na direção da efetivação dos direitos da população brasileira, para que se conquiste justiça social. Entre os temas que serão discutidos estão: Perspectivas e desafios para a educação social; O que é educação social; Educação social – formação, papel e ética do educador social. Local: Centro Universitário do Espírito Santo (Unesc), R. Fioravante Rossi, 2930, Colatina Mais informações: (27) 3177-7020, 3721-7995, asocial@colatina.es.gov.br
CONFERÊNCIA NACIONAL TERRA E ÁGUA 22 a 25 A realização da Conferência é uma proposta do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, que congrega quarenta e quatro entidades e movimentos sociais de cunho e caráter diferenciado, mas que lutam pela reforma agrária, pelos direitos humanos, por uma política agrícola que contemple os agricultores camponeses e familiares e pela justiça no campo. Entre os temas que serão discutidos estão: Sonhos e lutas para a construção de uma sociedade pluri-étnica, justa e sustentável; Realidade e perspectivas para o campo brasileiro; Água e energias
PERNAMBUCO 2ª SEMANA NACIONAL DE CULTURA E REFORMA AGRÁRIA Até dia 7 Realizado pelo MST, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Ministério da Cultura e o Incra, com o apoio da Petrobras, o evento trará painéis, debates, oficinas, visitas a comunidades, apresentações culturais, exposição e feira de produtos da reforma agrária, mostra de cinema e vídeo, exposições de fotografia, entre outras atividades. O encontro reunirá grandes nomes da cultura e da política nacional como o ministro da Cultura Gilberto Gil, o ator e secretário da Diversidade e Identidade Cultural, Sérgio Mamberti, o cantor Chico César, o grupo Quinteto Violado, o maracatu Cambinda Estrela, o violeiro Pereira da Viola, o artista plástico Abelardo da Hora, o cineasta Orlando Sena, o poeta Jessiér Quirino, o historiador Manoel Correia de Andrade, o reitor da UFPE Amaro Lins, o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno, e o dirigente do MST João Pedro Stedile. Entre os temas que serão debatidos estão: Educação no campo e construção da identidade camponesa; Desafios da cultura na luta por reforma agrária; Arte para quê? Compromisso social da arte; A questão agrária e a soberania alimentar. Local: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Av. Prof. Moraes Rego, 1235, Cidade Universitária, Recife Mais informações: (81) 3223-6131, semanadeculturamst@yahoo.com.br
renováveis; Soberania alimentar, biodiversidade e diversidade cultural; Projeto para o Brasil; Governo Lula e o diálogo social, importância dos movimentos sociais e a continuidade da luta. Entre os palestrantes estão: Leonardo Boff, Horácio Martins de Carvalho, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Saulo Ferreira Feitosa, Alfredo Vagner, Roberto Malvezzi (Gogó), Bautista Vidal, Marco Antônio Trierveiler, Alexandre Camanho, dom Luiz Flávio Cápio, Altemir Tortelli, Egídio Brunetto, Ênio Guterres, Ricardo Gebrim, dom Demétrio Valetini, dom Tomás Balduíno. Local: Ginásio de Esportes Nilson Nelson, Brasília
RIO DE JANEIRO MOSTRA DE CINEMA NOSSA GENTE DE RUA 3a6 Filmes, vídeos e debates sobre moradores em situação de rua. A mostra é uma iniciativa inédita, destinada a conquistar visibilidade para o tema, tão lembrado nos últimos meses em função da violência sofrida pelos moradores de rua em Belo Horizonte, Recife e São Paulo. Durante o encontro haverá também depoimentos de moradores em situação de rua, debates sobre o quadro atual da população em situação de rua, e filmes como Uma casa para Pelé, Do outro lado da sua casa, Ironweed, A breve história de Cândido Sampaio, Vencido, Banquete, Lumpet, À margem da imagem, Burro sem rabo, Cemitério de elefantes, Imensidade, Dizem que sou louco, Caligrama. Local: Centro Cultural Banco do Brasil, Teatro II, R. Primeiro de Março, 66, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3808-2020 GERAÇÃO HIP HOP 5, às 19h Abertura do projeto Geração Hip Hop, com trabalho de jovens artistas amadores, entre 16 e 20 anos. O evento terá a apresentação da banda AfroReggae e a participação especial de MV Bill e de Gabriel, O Pensador. Haverá também acrobatas, malabares, a exposição de fotografias Olhares do Morro e performances de graffiti. O ingresso será 1 quilo de alimento não perecível, para a Campanha do Banco Rio de Alimentos. O projeto é uma parceria entre o Sesc Rio de Janeiro, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Ministério da Cultura.
Local: Sesc Madureira, R. Ewbanck da Câmara, 90, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3350-9433
SÃO PAULO SEMINÁRIO - EUROPA E AMÉRICA DO SUL: OS PROCESSOS DE UNIFICAÇÃO 18 e 19 O objetivo é discutir a representação política nos processos de integração regional: os casos da União Européia e do Mercosul. Entre os temas que serão discutidos estão: Arcabouço institucional da União Européia; Arcabouço institucional do Mercosul; Ampliação do Mercosul e União Européia; Relações entre os partidos políticos no âmbito regional; A relação entre a esfera de representação local, nacional e regional. Local: Hotel Estanplaza Paulista, Alameda Jaú, 497, São Paulo Mais informações: (11) 5571-4299 LANÇAMENTO DE LIVRO A ESCRITURA DE TORQUATO NETO 6, 14h Por ocasião dos 60 anos de nascimento do poeta piauiense Torquato Neto, um dos fundadores da Tropicália, Feliciano Bezerra autografa o livro no projeto “O Autor na Praça”. Além da presença do autor,
haverá leituras de textos do poeta e depoimentos sobre sua vida e obra. O artista Paulo Stocker fará caricaturas no local. Esse lançamento integra a grande programação em torno dos 60 anos do nascimento de Torquato, com eventos em Brasília, Rio de Janeiro e Piauí. Local: Espaço Plínio Marcos, Feira de Artes da Praça Benedito Calixto, São Paulo Mais informações: (11) 3085-1502, 9586-5577, oautornapraca@oautornapraca.com.br PULGUEIRO 6e7 O projeto é uma grande feira de expressões artísticas das mais diferentes áreas, e tem como maior objetivo promover uma troca de experiência entre o público e os expositores e artistas presentes, oferecendo um espaço de interação com entretenimento, lazer e vanguarda de moda. Numa referência aos “mercados de pulgas” europeus, o evento se diferencia dos demais pela presença ativa das mais diversas manifestações culturais, como expositores, shows, DJs, praça de alimentação, bandas, mostras de vídeo, teatro, zoológico humano, circo, performances, esportes radicais, body art, moda. Local: Oficina Cultural Oswald de Andrade, R. Três Rios, 363, São Paulo Mais informações: (11) 3284-6965
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CULTURA
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MÚSICA REGIONAL
Festival reúne camponeses da América Dafne Melo da Redação
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omo parte das comemorações dos 20 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vai acontecer, de 17 a 21 de novembro, o 1º Festival Latino Americano de Música Camponesa, na cidade de Curitiba, Paraná. O evento será organizado pelo Movimento e pela Secretaria de Estado da Cultura (SEEC). Ao todo, são esperados cerca de 5 mil camponeses de diversos países da América Latina. Roberto Baggio, da coordenação nacional do MST, conta que a idéia surgiu durante uma festa de comemoração dos 20 anos do movimento, no início do ano. “Foi uma noite histórica, que recuperou toda nossa história. O governador do Estado do Paraná, Roberto Requião (PMDB), estava presente e sugeriu a realização deste evento”, conta Baggio. Para a secretária de Cultura do Estado do Paraná, Vera Musse, o Festival é uma chance de reafirmar as raízes culturais brasileiras do campo e traçar um panorama do que é produzido em outras regiões e países. “Também será importante mostrar, por meio da arte, a questão da terra como um problema não só da América Latina, mas como um tema universal”, diz Vera. Durante os quatro dias, além da apresentação dos artistas em competição, haverá debates, feiras com comidas típicas, exibição de filmes, exposições de artesanato, pintura e fotografia. Todas as atividades serão relacionadas com a cultura camponesa de cada país. “Quere-
Luciney Martins/ Rede Rua
Atividades culturais e debates políticos marcarão o encontro de 5 mil militantes e artistas, durante seis dias
Acima e abaixo, imagens do encontro de violeiros e manifestações populares realizados em Riberão Preto, interior de São Paulo
CINCO DIAS DE DEBATES E ATRAÇÕES Dia 17 Noite – Abertura, com a presença do ministro da Cultura, Gilberto Gil, do governador do Paraná, Roberto Requião, e shows com Pereira da Viola e artistas regionais.
mos resgatar a diversidade dessas culturas e as reflexões que elas fazem sobre as questões da terra. É fundamental debater, durante o encontro, temas como a integração
latino-americana, a reforma agrária, além de trabalhar a consciência política e o conceito de cidadania”, explica Baggio. Entre as personalidades presentes nos debates estarão Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); João Pedro Stedile, da coordenação do MST; o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e Aleida Guevara, filha de Che Guevara.
Dia 18 das 8h às 12h – Debate com Emir Sader (USP e UERJ), Samuel Pinheiro Guimarães (Itamaraty) e Eduardo Lander (Venezuela), com o tema “Projeto político de integração latino-americano”. 14h30 – Exibição do documentário “A revolução não será televisionada”, de Kim Bartley e Donnacha O’Briain, que relata os acontecimentos do golpe de abril de 2002, na Venezuela. das 18h às 19h30 – Conferência com João Pedro Stedile, sobre reforma agrária. 19h – Abertura do festival Dia 19 das 8h às 12h – Debate com Abel Prieto (Cuba), Mauro Iasi (Brasil), Sérgio Mamberti (Brasil) e Daniel Vigleti (Uruguai), com o tema “Projeto nacional e soberania cultural”. das 18h às 19h30 – Conferência de Ademar Bogo (Brasil), com o tema “A Utopia Camponesa”
SEGUNDO DIA DE FESTIVAL Dia 20 das 8h às 12h – Debate com Pablo Solon (Bolívia) e Silvia Ribeiro (México), sob o tema “Água, Sementes, Biodiversidade: Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade” 14h30 – Exibição de Diários de Motocicleta, de Walter Salles 19h – Último dia do festival Dia 21 das 8h às 12h – Conferência com o tema “O Legado de Che Guevara”, com a presença de sua filha, Aleida Guevara 15h – Show de encerramento com Beth Carvalho, Geraldo Azevedo e os ganhadores do festival LOCAIS Festival: Auditório do Canal da Música, Rua Julio Perneta, 695, Bairro Mercês, Curitiba Show de encerramento: Palácio Iguaçu, Praça Nossa Senhora de Salete, Centro, Curitiba Outras atividades: Fazenda Orgânica do Estado do Paraná, Estrada da Graciosa, 4000, no trecho entre os municípios de Pinhais e Barras
FESTIVAL O festival vai apresentar os trabalhos de 36 artistas, que farão suas apresentações durante três noites. Cada participante vai concorrer com uma música inédita e original, ou seja, com letra e melodia não gravada ou divulgada no mercado fonográfico. Em cada etapa, serão classificados quatro artistas, que totalizarão doze finalistas. Os con-
correntes selecionadas, que receberão uma ajuda de custo entre R$ 1.500 e R$ 2.000, farão um show dia 21 e vão participar da gravação de um CD. Para julgar os artistas selecionados, a comissão organizadora vai se basear em critérios como fidelidade ao tema proposto (mú-
sica camponesa), originalidade, estrutura harmônica e rítmica, perfomance no palco e interação com o público. Todas as etapas do festival acontecem no auditorio do Canal da Música e serão transmitidas, ao vivo, pela TV Educativa do Paraná, via satélite, para toda a América Latina.
Abaixo as bruxas do “ralouim” Marcia Camargos
Carvall
Uma das figuras mais conhecidas do folclore brasileiro, o Saci está presente no imaginário do nosso país há mais de duzentos anos. Fruto das lendas tupi-guarani e nascido na zona fronteiriça com o Paraguai, em sua jornada rumo ao norte, foi adquirindo diferentes
características, de acordo com a região. Em contato com os escravos, o mito do indígena incorporou traços africanos e um pito de preto velho. Se perdeu uma perna para representar a mutilação do ser humano em regime de cativeiro, ganhou o piléu, emblema da liberdade dos ex-escravos na Roma antiga, que se converteria no barrete frígio e adotado pelos republicanos após a Revolução Francesa de 1789. Símbolo de mestiçagem e de resistência ao escravismo e à opressão, o Saci sintetiza os elementos multirraciais que configuram a sociedade brasileira. É tão fundamental na conformação da identidade nacional quanto o Jeca Tatu, o caipira vítima das endemias, da exclusão e do subdesenvolvimento, mais tarde transformado por Monteiro Lobato em Zé Brasil, trabalhador rural em luta por terra, educação e condições dignas de vida. Por isso, já em 1917, o futuro criador do Sítio do Picapau Amarelo resolveu investigá-lo. Sua intenção era mostrar às elites, sempre dispostas a copiar os modismos franceses, que era chegada a hora
de olhar para o interior, para nossos costumes e crendices. Lançou uma bem-sucedida pesquisa nas páginas do Estadinho – edição vespertina de O Estado de S. Paulo que circulou na virada para 1920 – sobre o “insigne perneta” que perambula pelas matas fazendo toda sorte de estripulias. A partir do instigante conjunto das respostas dos leitores do jornal, Lobato publicou um livro revelador do espírito da nossa terra. O escritor lançava mão do “satirozinho pitoresco”, como o chamava, para criticar a Europa, naquele momento mergulhada em um dos episódios mais cruéis da 1ª Guerra Mundial, oferecendo o espetáculo angustiante e a selvageria dos “modos civilizados de matar em grande”, como ele mesmo observou na introdução da obra. Passadas oito décadas, o arraigado hábito de copiar as nações hegemônicas ainda persiste entre a parcela da população com mentalidade colonizada. Se antes a burguesia se inspirava em Paris, nos dias de hoje ela espelha-se em “Maiami”. O império estadunidense que impõe os termos da globalização de mão única para o restante do planeta, expor-
Maringoni
ANÁLISE
tando sua ideologia e seus valores, passou a ditar as normas de conduta inclusive nos festejos populares com as abóboras do célebre “ralouim”. Por tudo isso, é importante lembrarmos que 31 de outubro é o Dia do Saci e seus amigos – iara, curupira, boitatá. Instituído em nível municipal e estadual em São Paulo, está prestes a tornar-se nacional graças ao projeto de lei apresentado pelos deputados Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e Ângela Guadanin (PT-SP), que estende a data a todo o território brasileiro. E também por essa razão vale a pena conferir a mostra “Artes do Saci” e constatar que nossos melhores ilustradores, desenhistas e cartunistas enfrentam as bruxas com humor e muito talento. Márcia Camargos é escritora e doutora em História Social pela USP, co-autora de Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia e uma das fundadoras da Sosaci
ARTES DO SACI Mostra de ilustrações, desenhos e caricaturas do Saci, feitas por artistas brasileiros de renome, como Carvall, Ziraldo, Paulo Caruso e Jal, entre muitos outros. A iniciativa é da Sociedade dos Observadores do Saci (Sosaci), em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, por meio das bibliotecas da Cidade de São Paulo. Até 20 de novembro, de segunda a sexta, das 8 às 17 horas. Local: Biblioteca Monteiro Lobato, R. General Jardim, 485, São Paulo Mais informações: (11) 3256-4122 www.sosaci.org