Ano 2 • Número 92
R$ 2,00 São Paulo • De 2 a 8 de dezembro de 2004
Polícia política fere democracia Patrick Hertzog/AFP/AE
Movimentos sociais contestam criminalização das manifestações populares e espionagem de suas atividades
Paralisação – Mais de um milhão de italianos aderiram à quinta greve geral contra a política econômica e social do premiê Silvio Berlusconi, dia 30 de novembro
Sociedade quer discutir transposição
PT articula partido no Haiti nha para organizar a legenda. A iniciativa é criticada por Markus Sokol, da Direção Nacional do PT: “O governo brasileiro tomou uma decisão que impõe ao Haiti uma administração ilegítima. A
criação de um partido forçado caracteriza a coerção à qual estão sendo submetidos os haitianos”. Sokol acrescenta que a medida não foi discutida no PT. Pág. 9 Douglas Mansur
O PT está trabalhando para criação de um partido no Haiti para vencer as eleições presidenciais de 2005. O secretário de Relações Internacionais, Paulo Ferreira, foi duas vezes à ilha caribe-
Milhares na rua contra modelo econômico As ruas de Brasília (DF) foram tomadas por cerca de 20 mil pessoas, dia 25 de novembro, numa jornada de manifestações que exigiram mudanças nas políticas do governo federal. Ao término da 1ª Conferência Nacional Terra e Água – que reivindicou “uma sociedade mais justa” –, integrantes dos movimentos sociais marcharam rumo ao Banco Central e entregaram um manifesto contra o modelo econômico, “gerador de desemprego”. Outra marcha reuniu estudantes contra a reforma universitária, prevista para janeiro de 2005. Em Porto Alegre (RS), houve, dia 26, a 9ª Marcha dos Sem, este ano também realizada no Paraná. Págs. 2, 4 e 5
A edição 2004 do relatório lançado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos mostra que pouco mudou a situação de impunidade responsável pelo panorama de violações de direitos fundamentais. Para o secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo, Márcio Pochmann, o cenário de desestruturação social é conseqüência da má distribuição de renda e da política econômica “de corte neoliberal”. Os trabalhadores rurais sem-terra aumentaram as ocupações; os atingidos por barragens continuam à espera de indenizações, entre outras demandas sociais. Pág. 3
Em ato em frente ao Banco Central, em Brasília, integrantes de movimentos sociais, estudantes e sindicalistas condenam a política econômica do governo Marcio Baraldi
Outro ano de violações aos direitos humanos
E
ntidades de direitos humanos reivindicam a abertura dos arquivos da Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol), órgão de inteligência paulista, após a divulgação de uma correspondência secreta que pedia às delegacias de São Paulo para espionar os movimentos populares e as organizações sociais. Segundo o deputado estadual Renato Simões (PT), os mesmos policiais formados pela ditadura continuam respondendo pela instituição, como o delegado Macilon Bernardes, atual diretor do Dipol e antigo integrante do Dops, aparato de repressão do regime militar. Dia 30 de novembro, os movimentos sociais lançaram um manifesto condenando a atuação da polícia paulista. “Tais diligências, caracterizadoras de uma polícia política, são incompatíveis com as funções constitucionais da instituição policial, constituindo grave violação da legalidade democrática”, registra o texto. Pág. 3
Um plebiscito para decidir sobre a transposição do Rio São Francisco é uma das propostas do 1º Fórum Social Nordestino, realizado no Recife com mais de 8 mil pessoas, no final de novembro. Trata-se de uma ofensiva contra a estratégia do governo de restringir a participação da sociedade no projeto. Dia 30 de novembro, a juíza Iolete de Oliveira frustrou expectativas dos defensores do projeto, concedendo liminar que suspendeu reunião do Conselho Nacional de
Recursos Hídricos. Esse grupo, dominado pelo governo, iria se encontrar para reverter a decisão do Comitê da Bacia do São Francisco que restringia ao consumo humano e animal o uso da água da transposição, impedindo a seqüência do projeto pois não seria mais atingido seu objetivo central – fornecer água para irrigação no agronegócio. No Fórum, a transposição foi criticada por não afetar o acesso à água e passar ao largo da revitalização do rio. Págs. 6 e 13
Drogas: mais apoio para crianças de rua
Novamente, o país privilegia transnacionais
Estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que crianças e adolescentes em situação de rua intensificam o consumo de drogas e aumentam os comportamentos de risco, como envolvimento com criminosos. Com o objetivo de mudar essa realidade, foi realizado, em Brasília, dia 26 de novembro, o Fórum Nacional Antidrogas. O funcionário de um Centro de Defesa da Criança e do Adolescente afirma que os pontos de referência para apoio a dependentes químicos não atendem à demanda. Pág. 8
Já desmantelado uma vez, hoje, o Proálcool está sendo desmontado de novo, e pode tirar do país o controle sobre a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis, alerta o físico Bautista Vidal. O desmonte foi armado pelas montadoras e está nos motores bicombustíveis. Mas a grande ameaça está no programa do biodiesel, já que o governo concedeu às transnacionais o poder de decidir sobre a estrutura dos motores, isto é, de escolher as tecnologias de substituição dos combustíveis fósseis. Pág. 7
E mais: MASSACRE – Acampados de Felisburgo (MG), onde, dia 20 de novembro, foram assassinados cinco sem-terra, denunciam a impunidade e a omissão do governador Aécio Neves. Pág. 5 TRANSGÊNICOS – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança libera a comercialização e o plantio de sementes de algodão com até 1% de transgenia. Pág. 13 CULTURA - Teatro, música e dança em defesa da reforma agrária. Pág. 16
Justiça pune assassinato de cacique Xukuru Pág. 6
Chile indeniza as vítimas da ditadura Pág. 10
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De 2 a 8 de dezembro de 2004
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
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NOSSA OPINIÃO
Crescimento para quem?
O
s dados mais recentes, divulgados, dia 30 de novembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informam que a economia brasileira continuou em expansão no terceiro trimestre de 2004. Quando a comparação é feita com 2003, então, aparentemente o crescimento é um espanto, e poucos voltam a lembrar que é uma comparação que não vale, já que a base é muito baixa. De todo modo, as informações são de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 6,1% no trimestre julho a setembro, em relação ao mesmo período de 2003. Em relação aos três meses anteriores, porém, o avanço foi de 1%. Sem dúvida, esses indicadores são mais positivos que os de 2003, quando o PIB avançou minguados 0,5% e a renda per capita real encolheu 0,9%. Afinal, a quem beneficiam os resultados de uma política econômica de arrocho e sem investimentos para gerar recursos para pagar os credores internacionais? Ou uma política de juros que colocam as taxas vigentes no país entre as mais altas do mundo, agrada banqueiros e prejudica a produção e o emprego? Aliás, as informações sobre emprego são, da mesma forma, positivas. A criação de novas vagas tem aumentado. Em outubro, na Região Metropolitana de São Paulo, havia 1,77 milhão de desempregados, segundo pesquisa da Fundação Seade e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômi-
cos (Dieese). A taxa de desemprego total “diminuiu” de 17,9%, em setembro, para 17,6%, em outubro. Entretanto, entre agosto e setembro, também de acordo com o SeadeDieese, o rendimento médio real dos ocupados diminuiu 1,6%, e o dos assalariados “avançou” 0,4%. Sacrifício excessivo para muitos, benefícios para poucos. Assim, podemos resumir os resultados práticos dessa política econômica. Se antes o Brasil já tinha uma dependência histórica do capital financeiro internacional, agora a submissão e a perda da soberania aumentaram assustadoramente. Mesmo arrochando investimentos para pagar uma dívida sabidamente impagável, a economia não tem sido suficiente, o endividamento cresce e os prazos de quitação encolhem. Mas os aplausos da banca local e internacional emocionam a tal ponto o governo federal e o ministro Palocci, da Fazenda, que eles não desistem de batalhar pela impunidade do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e pela autonomia da instituição. O trágico nisso tudo é que o presidente Lula, eleito com a maior votação da história do país, alimentou a esperança de que o país mudaria de rumo. No entanto, não só dá continuidade à política neoliberal, que continua excluindo e prejudicando a maioria do povo brasileiro, como a radicaliza. Em junho de 2003, centenas de economistas lançaram
FALA ZÉ – Justiça
documento advertindo para o agravamento da crise social, em razão do aprofundamento da política macroeconômica herdada da gestão Fernando Henrique. Dia 22 de novembro, mais de um ano depois, em outro documento, intitulado “E Nada Mudou”, os economistas concluem que a situação social se agravou, e que o ligeiro suspiro de crescimento que se tem verificado em 2004, não muda o caráter excludente e pauperizador da política econômica. Para os economistas, a adoção, pelo governo Lula, da mesma política econômica adotada no segundo mandato do governo FHC – e com o objetivo de manter o modelo inaugurado por Collor – demonstra que o desejo de mudança, expresso claramente pelo povo nas eleições de 2002, foi usurpado pelo mesmo poder econômico, que quer manter a todo custo seus privilégios. “É nossa convicção que, a despeito do aprofundamento da crise social, não há sinais de reversão da atual política econômica. Ao contrário, o governo tem reafirmado que não quer mudar”, assinala o documento. Destaca, ainda, que o surto do modesto crescimento econômico de 2004 não deve iludir a ninguém. Os movimentos sociais também têm alertado para a urgente necessidade de mudança. Durante a primeira Conferência Terra e Água, a política econômica foi identificada como um dos grandes problemas do país. OHI
CRÔNICA CARTAS DOS LEITORES DEBANDADA Na mesma - ou quase na mesma proporção em que Lula e o PT se unem ao que há de pior e mais nefasto da nossa política, como Maluf, ACM, Sarney, Barbalho e Bornhaunsen, entre outros, como expoentes máximos da corrupção que campeia livre e solta por todos os poderes da nação, não raras vezes de mãos dadas com o crime organizado, muita gente vem abandonando o PT, que, ao chegar ao poder, acabou na vala comum dos demais partidos em que os interesses da nação são secundários. E assim continua o nosso presidente Lula, ou neolula, leiloando o país em nome de uma estranha governabilidade até agora em total desacordo com as promessas de campanha. Porém, por trás de tudo esconde-se 2006, o sonho da reeleição na certeza de conseguir o apoio daqueles a quem hoje mais serve. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS) QUESTÃO DE ORTOGRAFIA Parabéns para a matéria “Jovens criam bibliotecas comunitárias” da edisão 84. Urje zerar o analfabetismo funsional (67% dos brazileiros) tanto kuanto o analfabetismo absoluto (8%). Mas, porke “O país que não compreende o que lê”, komo afirma Laura
Gianecchini, tolera a atual “tortografia pátria” kon suas irregularidades supérfluas (tal palavra é kon Z ou kon S, kon G ou kon J, ets...), tipo kultura inútil, ke só serve para atrazar o aprendizado da língua? Tudo iso é uma xatise (ou será chatise?). Veja ke o “e-mail” do BDF (redacao @brasildefato.com.br) já aboliu o ç. Falta eskrever BRAZIL k/ Z, komo aliás era no pasado (até a proklamasão da repúblika en 1889 se eskrevia “BRAZIL”). Fika akí a sujestão, en prol de un Brazil melhor! Inporta enfatizar a SINTASE, o estudo da palavra na fraze, a “alma” da(s) língua(s). KE TAL UMA MATÉRIA SOBRE “FONEMIZASÃO JÁ” DA ORTOGRAFIA BRAZILEIRA NO BRAS(Z)IL DE FATO? Visente Vernek por correio eletrônico GAME E GUERRA Até quando o governo fascista dos Estados Unidos vai dizimar povos inocentes e desarmados pelo mundo? Será que estes neonazistas, mais conhecidos por marines, agem no Iraque, por exemplo, como se estivessem num programa de game e guerra? Célio Borba Curitiba (PR)
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Os “homens cordiais” de Pindorama Luiz Ricardo Leitão O cidadão comum do Rio de Janeiro anda bastante assustado com a “onda de violência” que se abateu sobre a cidade. Os jornais estampam notícias atordoantes e disparam números sobre o tema. Suspeito, pelo tamanho e teor das manchetes, que também as tiragens aumentem nesses dias de inquietude generalizada pelos conflitos da “guerra do tráfico”. As redações publicam cartas indignadas dos leitores, denunciando o caos e exigindo “medidas enérgicas” das autoridades (?). É claro que esse último item é mera perfumaria nesta cordial aldeia administrada pelo alcaide César Maia, o barão dos factóides, e neste simulacro de Estado teocrático regido pelos sumos sacerdotes Rosinha e Garotinho. Se já não bastasse o sinistro triunvirato, o terror e o sensacionalismo da mídia confundem ainda mais o carioca. A grande imprensa, porém, vem se enredando na sua clássica missão de desinformar o público. Desta vez, para distrair os incautos, não houve sequer um beijo na boca de Heloísa Helena em Suplicy, que quase virou fotonovela nas capas dos jornais na mesma semana em que 40 senadores da República nomeavam um de seus
pares para o Tribunal de Contas da União, apesar de o mesmo ser acusado de sonegação nas suas contas. Lembro-me de uma crônica do mestre Veríssimo em que, com a lucidez que lhe é peculiar, ele declarava não ser absurdo que na mesma folha aparecessem duras denúncias contra os horrores do sistema carcerário e alentados elogios ao sucesso (?) do ministro Palocci, o único acerto do governo Lula. Acuada e com medo, boa parte da classe média carioca clama pela lei do Talião. Quando O Globo divulgou a foto de um “assaltante de turistas” que, depois de ser preso sem nenhum ferimento, exibia um olho totalmente inchado pela surra que recebera na delegacia, choveu cartas na redação, protestando contra a ingerência do repórter e contra a “insuportável cantilena” dos direitos humanos, sobretudo em face de alguém que manchava a imagem do Brasil no exterior. Por que não aplicar um “corretivo” nessa nefasta criatura? – perguntaria uma célebre personagem da novela das 8... Mas o jornal, decerto tão “cordial” quanto os velhos senhores de engenho de Pindorama ou o “simpático” bicheiro do folhetim eletrônico, recusou a proposta. Nossas elites, bem o
sabemos, sempre foram muito humanistas e democráticas – isso de a abolição só vingar em 1888, em um país até hoje repleto de pelourinhos e trabalho escravo, é um detalhe que não deve desmerecer a “cordialidade” histórica de nossos formadores. A esquizofrenia, enfim, se atualiza com mais uma fórmula ardilosa: enquanto o clã Marinho defende, em suas páginas, o respeito às leis e ao Estado de Direito, na telinha da Vênus platinada, por via das dúvidas, o bicheiro Giovanni sai em socorro da velha baronesa (que, já caduca, desfila pelas ruas da cidade com um colar de esmeraldas) e prende, com seus capangas, os “bandidos” que pretendiam roubar a jóia, encarregando-se, sem a menor cerimônia, da ação policial que incumbia ao Estado. Ao final, reunido em um restaurante com o barão e sua comitiva, o feito é celebrado com o melhor vinho e as mais finas iguarias. Como são cordiais esses homens de Pindorama, não? Luiz Ricardo Leitão é editor e escritor. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é também professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
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NACIONAL REPRESSÃO
Pela abertura da “caixa preta” da Dipol Jorge Pereira Filho e Tatiana Merlino da Redação
José Cruz/ABr
Movimentos sociais querem esclarecimentos sobre ordens para espionagem e pedem fim da polícia política
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s movimentos sociais e as organizações de direitos humanos estão reivindicando a abertura da “caixa preta” do Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol), órgão da polícia civil de São Paulo. A articulação foi deflagrada depois da divulgação, pelo deputado estadual Renato Simões (PT-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, de um correio eletrônico secreto enviado pela Dipol. A correspondência pedia que todas as delegacias do Estado de São Paulo espionassem as atividades de organizacões sociais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) negou que a iniciativa tenha partido do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e disse que cumpria uma solicitação da Secretaria Nacional de Seguranca Pública. Porém, a instituição federal garante que solicitou apenas informações sobre a quantidade de ônibus que iriam à Brasília participar das mobilizações de 25 de novembro (veja reportagem na página 4). Os movimentos sociais responderam com agilidade às denúncias: dia 30 de novembro, lançaram um manifesto condenando a atuação da polícia paulista. “Tais diligências, caracterizadoras de uma polícia política, são incompatíveis com as funções constitucionais da instituição policial, constituindo grave violação da legalidade democrática”, registra o texto.
Polícia impede entrada de manifestantes no prédio do Incra
mos fazer uma ocupação, a polícia já está lá nos esperando”, diz Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, da Central dos Movimentos Populares (CMP). Caracterizando a Dipol como uma espécie de “polícia política”,
o deputado Simões relata que, durante o segundo mandato do exgovernador Mário Covas, recebeu uma denúncia contra a divisão, sucessora do famoso centro de tortura da ditadura militar, o Departamento de Ordem Política e Social
(Dops). A informação repassada ao deputado apontava que os arquivos desse aparato de repressão estavam atualizados até meados dos anos 90. “Encontramos milhares de fichas individuais com nomes de jornalistas, liderancas religiosas, dirigentes de entidades estudantis. As fichas atualizadas vinham das seccionais de polícia do Estado”, conta Simões. Para o parlamentar, os mesmos policiais, formados pela ditadura, “tiveram essas práticas durante os dois governos do Covas e devem estar fazendo o mesmo no terceiro governo do PSDB”. Indícios para isso não faltam. Exemplos: o diretor do Dipol, delegado Macilon Bernardes, serviu o Dops durante a ditadura. O delegado Aparecido Laertes Calandra, o temido capitão Ubirajara, do Destacamento de Operação de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), outro aparato de repressão, foi nomeado assistente de Bernardes. Depois de denúncias, Calandra foi transferido para um cargo burocrático na polícia civil, mas continua participando das atividades do Dipol. “Esse é o tipo de gente que cuida da inteligência do governo de Geraldo Alckmin”, diz Simões. As organizações pretendem ir além da divulgação de um manifes-
to. A entidade Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), uma das entidades vigiadas, já pediu judicialmente uma certidão de informações e esclarecimento à Dipol. Outros movimentos pretendem fazer o mesmo.
PODER FEDERAL O governo federal também não foi isentado das críticas das organizações. Sandra Carvalho, da Justiça Global, afirma que as práticas utilizadas são as mesmas dos anos da ditadura. “Como isso pode acontecer dentro de um regime democrático e num governo de esquerda?”, questiona. Para Sandra, os departamentos de inteligência das polícias devem se voltar para redes criminosas, e não para movimentos sociais “que são fundamentais para a consolidação da democracia”. O ativista Gegê afirma que a iniciativa da espionagem é contraditória: “Muita gente que está no governo federal já foi vítima de espionagem. Isso é vergonhoso porque somente mudou o nome das entidades, mas a estrutura continua a mesma”. O presidente nacional da CUT, Luiz Marinho, também se indignou com a espionagem: “Não podemos tolerar isso num regime democrático e os responsáveis têm que arcar com as consequências”.
Governos federal e estadual tentam se esquivar O mal-estar causado pela revelação do pedido de espionagem dos movimentos sociais pode ser medido pelo jogo de empurra, entre o poder público, sobre quem, de fato, é responsável pela iniciativa. No entanto, pelas declarações oficiais pode-se afirmar que, no mínimo, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) extrapolou uma solicitação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça. O ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, negou ter autorizado qualquer pedido sobre o monitoramento dos movimentos sociais. Já a Senasp assume que, realmente, solicitou às secretarias
DIPOL As organizações condenam também as prioridades da política de segurança. “A polícia tem muito mais o que fazer, defendendo a comunidade, em vez de vigiar militantes do movimento social”, critica o manifesto. Para represetantes dos movimentos sociais, a notícia da espionagem não foi surpresa. “Nós já sabíamos dessa ação. A prova é que, quando va-
estaduais de segurança o repassasse de informações sobre os movimentos sociais. A assessoria de imprensa da secretaria, entretanto, esclarece que pediu apenas um levantamento sobre o número de ônibus que iriam à Brasília, em 25 de novembro. O objetivo seria saber quantas pessoas participariam das duas marchas convocadas na cidade: uma contra a reforma universitária e outra contra a política econômica (veja reportagem na página 4). Com essas informações, a Senasp diz que programaria o esquema de segurança no Distrito Federal. Já de acordo com as informações também da assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública paulista, a atuação
do Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol), órgão de inteligência ligado ao governo de Geraldo Alckmin, não se restringiu a um levantamento numérico dos manifestantes. Segundo a assessoria, a coleta de informações teve um caráter policial e serviu, inclusive, para investigar se havia armas e bombas caseiras nos ônibus.
CONTRADIÇÕES Para o deputado estadual Renato Simões (PT), as justificativas das secretarias de segurança nacional e estadual não se sustentam. “Se o governo federal pediu o monitoramento e o Ministério da Justiça não sabe, isso é grave e deve ser apurado na esfera federal”, considera. Além disso, o parlamentar afirma
que não é atribuição da Senasp fazer solicitações às secretarias estaduais. Sobre a participação da polícia paulista, Simões acrescenta: “O governo do Estado de São Paulo é um órgão da federação que não está subordinado à União. A Secretaria Nacional de Segurança Pública não possui nenhum tipo de hierarquia superior em relação às estaduais que não são obrigadas a cumprir com suas solicitações”. O parlamentar petista comenta, ainda, que se o pedido da Secretaria Nacional se restringisse ao deslocamento de caravanas, isso deveria ter sido remetido à polícia rodoviária, que é um órgão da polícia militar, e não a todas delegacias. (JPF e TM)
DIREITOS HUMANOS
Evanise Sydow de São Paulo (SP) Lançado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, o Relatório Direitos Humanos no Brasil 2004 traz, em seus 37 artigos, dados e análises sobre os direitos humanos no país ao longo dos últimos anos, e especialmente em relação à situação em 2004. Os quase 25 anos de estagnação da renda per capita, com congelamento da péssima distribuição de renda e da riqueza, o irresponsável atrelamento aos capitais internacionais de curto prazo e a permanência de política econômica de corte neoliberal nos anos 90 não poderiam resultar em outro cenário que não o de predomínio da pobreza e de avanço da desestruturação social. Esta é a conclusão do professor da Unicamp e secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo, Márcio Pochmann. O que se viu no âmbito rural foi a continuidade de um triste panorama de violações dos direitos fundamentais. Em setembro de 2004, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou um levantamento demonstrando que apenas 5.440 famílias de seus
Divulgação
Relatório comprova: as violações continuam acampamentos tinham sido assentadas desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Dados da Ouvidoria Agrária Nacional indicam que, de janeiro a agosto de 2004, o número de ocupações de terra aumentou 47% em relação ao mesmo período no ano passado, chegando a 271. O governo rejeitou a proposta de desapropriar 36 milhões de hectares, a fim de distribuir terra para 1 milhão de famílias, a um custo de R$ 24 bilhões, alegando que não havia verba suficiente e diminuiu a meta para 400 mil famílias. Entretanto, o Ministério da Fazenda aumentou a meta do superávit primário com o FMI para além de R$ 56,9 bilhões. A situação das populações atingidas por barragens continua crítica. A Comissão Mundial de Barragens (World Commission On Dams- WCD/2000) estimou que 1 milhão de pessoas foram expulsas de suas terras devido à construção de barragens no Brasil. Isso corresponde a 300 mil famílias. Dados do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) mostram que a cada 100 famílias deslocadas, 70 não receberam nenhum tipo de indenização.
Mais uma vez, o Relatório retrata a gravidade do trabalho escravo. De 1995 a 2004, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho libertou da escravidão por dívida quase doze mil pessoas. Entre as pessoas denunciadas, algumas exercem cargo político. A dívida com os povos indígenas permanece gigantesca, além dos casos de violência contra os povos indígenas – o secretariado Nacional do Conselho Indigenista Missionário teve conhecimento da ocorrência de 16 assassinatos de indígenas, este ano. No âmbito urbano, os migrantes são um dos destaques do relatório. Trabalhar nas oficinas de costura em São Paulo tornou-se idéia comum na Bolívia. Anúncios nas estações de rádio oferecem trabalho com salários até dez vezes maior que o mínimo boliviano, além de casa e comida. Tudo parece fácil. Como não é exigida experiência, muitos são os interessados. Mesmo para aqueles que não podem custear sua viagem, há opção: os “gatos” lhes pagam a viagem para depois descontar os custos de seus salários. Mas as despesas de viagem são infladas e o valor do salário, corroído. Cria-se o vínculo por dívida.
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da mídia Dioclécio Luz
Livros para Roberto Marinho Dada a largada para a onda de puxa-saquismo ao ex-latifundiário da comunicação, Roberto Marinho, morto em agosto de 2003. Pelo menos três livros serão lançados por estes dias. Todos dão a entender que o dono da Globo foi uma pessoa maravilhosa. Entre os admiradores-escritores de RM está o funcionário da Globo e animador de Big Brother, Pedro Bial. Nenhum desses livros vai dizer como RM construiu seu império: conspirando para instalar a ditadura militar no Brasil e se tornando um dos seus principais colaboradores. Planalto instala novo GT Dia 26 de novembro o governo criou um novo Grupo de Trabalho (GT) para tratar de rádios comunitárias. Entre seus objetivos, o GT pretende reduzir a burocracia no Ministério das Comunicações. No ano passado o governo criou um GT com a mesma intenção e suas boas propostas foram para o lixo. O GT inova: vai estudar um modo de “aperfeiçoar a fiscalização”; isto é, formas de melhorar a repressão às rádios. Como se vê, o governo continua inimigo das rádios comunitárias. Quem quer comprar uma rádio? É comum os deputados e senadores receberem ofertas de empresas que vendem emissoras de rádio e TV. Chegam, principalmente, em forma de carta ou por correio eletrônico. Como se sabe, apesar da indecência e ilegalidade, deputados e senadores costumam ter suas emissoras. Especialistas e especialistas Quando um grande veículo quer saber a opinião de um especialista sobre assuntos sérios, encontra o profissional no eixo Rio- São Paulo. Agora, para falar de samba, frevo, maracatu, e de uma forma boba, buscam-se os especialistas do Nordeste. Para a grande mídia no Nordeste não existe ninguém com competência para opinar sobre temas “mais sérios”. O nome disso é preconceito. Cultura monárquica Rei do futebol, do iê-iê-iê, do rock... A cultura nacional celebra o melhor em sua área como “um rei”. Com a participação da mídia atual, essa cultura foi incorporada pela população. Ninguém avisou porém que a monarquia é apenas um bando de vadios (reis, rainhas, príncipes e princesas), cercado por um bando de puxa-sacos (os nobres), todos explorando o povo. Ser rei é isso aí. A mídia e os políticos “Entregando-se à chamada selva audiovisual, os políticos renunciam àquilo que os constituiu como políticos: ser expressão de uma vontade mais ampla do que a própria e, ao mesmo tempo, trabalhar na formação dessa vontade. Precisamente porque, na política, há pouco de imediato e muito de construção e imaginação” (J. Martin-Barbero e Germán Rey, do livro Os exercícios do ver) Aids para matar os negros A mídia não botou na rua uma das principais denúncias feitas pela queniana Wangri Maathi, Prêmio Nobel da Paz este ano. Ela disse que a Aids foi uma doença criada em laboratório para aniquilar os negros. Ministra do Meio Ambiente em seu país, Wangri Maathi levantou uma antiga indagação. Que se dane a cultura nacional Em greve, os servidores do Ministério da Cultura estão denunciando à população as péssimas condições de trabalho em que se encontram: salários aviltantes, orçamento baixo para as atividades da instituição, quadro de pessoal esvaziado. Como diz uma das composições do próprio ministro Gilberto Gil, de 1969, “a cultura e a civilização / elas que se danem / ou não!” (Colaborou Alípio Freire)
NACIONAL BRASÍLIA
Protestos levam 20 mil às ruas Ativistas de diversos setores fizeram um dia inteiro de manifestações na sede do governo Maíra Kubík Mano de Brasília (DF)
O
dia 25 de novembro de 2004 será um marco na história do governo de Luiz Inácio Lula da Silva: 20 mil pessoas, ativistas de diversos movimentos da sociedade organizada, se reuniram em Brasília (DF) para questionar os rumos do país. No período da manhã, quase dez mil estudantes universitários marcharam da Catedral de Brasília em direção ao Congresso Nacional e depois para o Ministério da Educação (MEC), protestando contra a reforma universitária, que deve ser concluída em janeiro. À tarde, mais dez mil pessoas se reuniram em uma manifestação organizada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) para pedir mudanças na política econômica. Para Rodrigo Pereira, diretor de políticas públicas da União Nacional dos Estudantes (UNE), foi uma prova de que os movimentos sociais estão vivos: “Essa foi a primeira vez que os estudantes participaram de uma ampla mobilização no governo Lula”. Durante a marcha, os manifestantes entraram no espelho d´água do Congresso e houve confronto com a polícia. Dois estudantes foram presos e alguns ficaram feridos. Em frente ao MEC, os estudantes formaram uma comissão para falar com o ministro interino Fernando Haddad.
Douglas Mansur
Espelho
Mais de 10 mil manifestantes se reuniram em Brasília para condenar a política dos juros altos e questionar os rumos do país
A marcha realizada na parte da tarde saiu do ginásio Nilson Nelson, onde foi encerrada a Conferência Nacional Terra e Água, em direção ao Banco Central. Organizados em fileiras, os manifestantes pediam a saída de Henrique Meirelles, presidente do banco. Para João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, “esse protesto é um favor para o governo pois viemos dizer que esse modelo econômico gera de-
semprego e só aumenta as fileiras de sem-teto e sem-terra do país”. “Estou acampada há três anos e a terra ficou só na promessa. Eu esperava que o Lula, em quem votei, nos assentasse. Nós colocamos ele lá por isso”, afirmava Elice Vaz de Brito, de 31 anos, enquanto acompanhava a marcha da tarde. Elice é acampada do assentamento Che 1, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Vale do Araguaia, Goiás.
Uma comissão de cinco pessoas protocolou no Banco Central o manifesto elaborado pelos movimentos sociais. O documento era dirigido a Meirelles, mas foi recebido pelo responsável pela infra-estrutura do banco, Dimas Costa. O deputado Chico Alencar (PT-RJ) pediu uma salva de palmas para os funcionários do Banco Central, que receberam a marcha balançando a bandeira brasileira e jogando papéis picados nos manifestantes.
RIO GRANDE DO SUL
Marcha dos Sem critica cortes do governo André de Oliveira e Jefferson Pinheiro de Porto Alegre (RS) A 9ª Marcha dos Sem no Rio Grande do Sul, dia 26 de novembro, em Porto Alegre, abordou a política estadual de investimentos públicos e as dificuldades de diálogo entre o governo estadual e os movimentos sociais. Um documento da Coordenação dos Movimentos Sociais foi recebido com a frase: “Vamos analisá-lo com a seriedade que merece”, dita pelo chefe de gabinete da Casa Civil, Pedro Bisch Neto. Isso não satisfez a catadora desempregada Sônia Dias, 28 anos, representante de uma das 1,3 mil famílias que sofrem, há mais de seis
meses, as conseqüências do descumprimento do Estado no repasse de verbas às Frentes Emergenciais de Trabalho, cerca de R$ 2 milhões. Sônia foi a única mulher a não marchar os 4,5 quilômetros a pé, mas numa cadeira de rodas, numa tarde de temperaturas em torno de 30°. O tratamento com medicação equivocada para um câncer de fígado resultou em dois derrames, duas paradas cardíacas e 45 dias de internação. Afastada desde agosto do trabalho de reciclagem na usina do bairro de periferia Cavalhada, Sônia prevê mais um ano sem andar, porém não abre mão de participar da caminhada dos marginalizados para frear as injustiças sociais. A dificuldade da catadora tam-
bém remete à gravidade da crise na área da saúde pública. Para este ano, o encolhimento no orçamento estadual da pasta foi de R$ 326 milhões, via Emendas Constitucionais propostas pelo próprio governador Germano Rigotto. Entre os manifestantes, André Saroba, 27 anos, da Rádio Comunitária Restinga FM e do Comitê de Resistência Popular, representava uma comunidade de baixa renda. Contou que, em agosto, a Polícia Federal fez a segunda intervenção na rádio, apreeendendo os equipamentos e processando os responsáveis. “Queremos a reforma agrária do ar. Somos os excluídos da comunicação”, por pressões dos grandes grupos de mídia. Pela manhã, mais
de 150 integrantes da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) ocuparam a sede da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em Porto Alegre (veja reportagem abaixo). Em Curitiba, no dia 25 de novembro, 500 pessoas participaram da 1ª Marcha dos Sem no Paraná. Faixas e cartazes pediram a mudança da política econômica, e foi servido um bolo à população, como símbolo da necessidade de redistribuição da renda. Outros temas foram o combate à violência contra a mulher, a luta pela geração de empregos e pela reforma agrária, a luta contra a Alca, FMI e OMC, e a exigência de que o Paraná se mantenha como área livre de transgênicos.
Polícia Federal e Anatel, juntas na repressão Dioclécio Luz de Brasília (DF) Existe uma parceria entre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal (PF) para reprimir as rádios comunitárias. A Anatel paga as diárias dos agentes e o combustível dos veículos utilizados. Talvez por conta dessa parceria, que livra alguns polícias do enfrentamento do crime e ainda os remunera por isso, a PF faz algumas retribuições como a ação do dia 26 de novembro, que reprimiu cerca de 150 manifestantes de pelo menos dez movimentos sociais que se uniram à Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço-RS) e ocuparam o prédio da Anatel, em Porto Alegre. Rapidamente, apenas meia hora depois da ocupação, vários camburões de policiais apareceram para defender a agência. A intenção dos manifestantes era entregar um manifesto pedindo a exoneração do superintendente da Anatel na região. De acordo com Joaquim Carvalho, supervisor jurídico da Abraço, nenhum patrimônio foi atingido, as atividades da Anatel não foram paralisadas e ne-
nhum funcionário foi constrangido. “Fizemos um acordo com o delegado que comandava a operação para que, após a entrega do documento, abandonássemos pacificamente o prédio”, conta Carvalho, acrescentando que, quando os manifestantes saíram do prédio, perceberam que “os policiais não haviam cumprido o acordado e fariam um massacre – evitado por pouco”. Carvalho não sabia que a Polícia Federal já havia feito uma vítima, integrante do movimento dos catadores de lixo. O deputado Adão Pretto (PT-RS) viu quando sete policiais agrediram o manifestante, na garagem do prédio: “Foi um ato covarde, eram sete contra um. Um pisava na cabeça, outro nas costas, outro dava com o cabo da bandeira na cabeça dele, e tinha mais um ou dois para algemá-lo”.
AGRESSÕES A PARLAMENTARES Adão Pretto se identificou e pediu para que parassem com aquele ato de covardia, mas recebeu uma resposta violenta do policial: “Grande merda, deputado federal. Tu recua senão sobra para ti. Você pode mandar no Congresso, mas não manda em nós. Nem o governo
manda em nós”. Um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e seu interlocutor no Congresso Nacional, Pretto confessa: “Há 20 anos estou nessa luta e nunca agüentei tanto desaforo da PF quanto dessa vez. Nem contra o MST vi tanta violência”. Segundo o deputado, quando os policiais chegaram à Anatel imediatamente engatilharam as armas e se prepararam para atirar. O comandante, identificado como delegado Carvalho, autorizou um soldado a jogar uma bomba de gás lacrimogêneo, mas o artefato falhou. Os manifestantes ainda receberam apoio do deputado federal Tarcísio Zimermann (PT) e dos deputados estaduais Dionilson Marcon (PT) e Elvino Bohn Gass (PT) – todos também destratados pelos policiais. O assessor de imprensa do deputado Marcon, jornalista Kiko Machado, foi agredido por um policial que tentou lhe tomar a máquina fotográfica. Quatro pessoas foram levadas à PF e uma delas, espancada pelos policiais, permaneceu presa até o dia seguinte. De acordo com Marcon, a Ana-
tel está servindo aos grandes meios de comunicação ao fazer uma campanha brutal contra as rádios comunitárias. Em sua opinião, por princípio, a Agência não tem vontade política de regularizar as comunitárias. E por isso a Polícia Federal foi acionada e agiu com tanta truculência. “A PF transgrediu a lei porque deveria haver reintegração de posse. Agiram brutalmente, desrespeitando as pessoas, prendendo companheiros. O fato mostrou que a polícia é despreparada para lidar com os movimentos. Não se admite o uso de bombas e metralhadoras numa ação desse tipo, tratando o movimento social como se fosse o narcotráfico”, diz Marcon. Os deputados planejam ações na Justiça e uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado. “Vamos chamar o presidente da Anatel e o diretor geral da Polícia Federal, Paulo Teixeira”, diz Pretto, que terá reunião com as duas entidades. “Vamos pedir a exoneração do delegado chefe da PF na região e do superintendente da Anatel. Os dois mostraram que não tem qualificação para o cargo que exercem”, avalia o deputado.
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NACIONAL CONFERÊNCIA TERRA E ÁGUA
Mobilização por uma sociedade mais justa Douglas Mansur
Ativistas prometem lutar por um projeto igualitário, criticam ausência de Lula e exigem mudanças na política econômica Maíra Kubík Mano de Brasília (DF)
A
urgência de um desenvolvimento sustentável e de um projeto de nação foram os temas debatidos nos últimos dias da 1ª Conferência Nacional Terra e Água. Em seu documento final, os participantes do evento ressaltam “a luta e o compromisso pela construção de um projeto de sociedade justa, igualitária, solidária, democrática e sustentável”. Promovida pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, a Conferência foi realizada em Brasília entre os dias 22 e 25 de novembro. O secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, abriu os debates do dia 24 criticando a monocultura imposta pelo agronegócio e afirmou que o governo federal já assumiu como um dos projetos de governo a agrobiodiversidade. “A diversidade traz equilíbrio ao campo”, disse, ao lembrar que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apóia ações da agricultura familiar e que o ministério é o braço do governo contra a indústria do agronegócio. Os trabalhadores rurais precisam ser respeitados como o setor mais importante da sociedade, segundo Egídio Brunetto, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Não é possível viver sem alimento”, argumentou. Ele criticou também o modelo agrícola atual. “Como esse modelo pode ser sustentável se nossos produtos vão para exportação?”, questionou.
MUDANÇAS No encerramento, os movimentos leram o Manifesto da Terra e da Água, no qual se “comprometem a buscar uma relação diferente, respeitosa e integral com a terra, a água e todos os seres vivos, por meio de uma luta por profundas mudanças na estrutura fundiária e nas relações sociais, criando a visão da terra, água e natureza como bens universais e não produtos de mercado, ou simples meios de produção ou negócio”.
Dom Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra, criticou a ausência de Lula e de uma política firme de reforma agrária
se reconhece insatisfeita com a organização econômica e social que a caracteriza e que a condiciona, e que efetivamente já começou, não necessariamente no campo teórico, mas pela prática, o movimento de sua superação”, escreveu. Para o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Brasil vive “a maior crise social de nossa história, determinada por taxas de desemprego e de subemprego sem precedentes, por uma crescente onda de marginalização social, de criminalidade e de insegurança”. Mas as elites que Lessa critica vêem a situação como uma questão política, e não como uma questão social e, assim, insistem em manter a política econômica que é sua causa determinante.
LESSA Carlos Lessa, exonerado da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) há algumas semanas, enviou uma carta aos participantes da Conferência questionando o projeto social do governo Lula. “Só faz esse tipo de pergunta a uma sociedade que
feridos do massacre de Felisburgo (MG) (leia reportagem abaixo), em 20 de novembro. “Esses mortos clamam por justiça. É com tristeza que falo isso. Eu sempre acompanhei o companheiro Lula, mas não consigo admitir que tenhamos assentado menos famílias do que o governo anterior, que era contra os trabalhadores”, lamentou. Dom Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), endossou as palavras de Sampaio, lamentou o crime e questionou a ausência de Lula no evento: “Se aqui estivessem 12 mil empresários, será que o presidente viria?”
OUTRO PROJETO Dom Demétrio Valentim, da Caritas Brasileira, defendeu, na Conferência a urgência de um outro projeto de nação. Segundo ele, os brasileiros não podem perder as esperanças diante de tantos indicadores negativos. “Apresentar um sonho de um Brasil culturalmente
plural, politicamente democrático, economicamente justo, socialmente solidário e ecologicamente sustentável é o que devemos fazer”, disse. No último dia, no debate “A importância dos movimentos so-
ciais e a continuidade da luta”, mais críticas. Plínio de Arruda Sampaio, coordenador da primeira proposta do Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA), lembrou os cinco mortos e mais de 20
Manifesto reivindica mudanças Os participantes da Conferência Nacional Terra e Água, além de debater e avaliar as ações governamentais, reafirmaram a necessidade urgente de uma reforma agrária ampla, massiva e participativa. Defenderam o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa e a necessidade da garantia do direito à água, ao acesso aos recursos naturais, à produção de alimentos saudáveis, à soberania alimentar e à preservação da biodiversidade. Criticaram a atual política econômica, apontada como principal causa do agravamento da situação social e da degradação ambiental, da manutenção da pobreza e da
desigualdade e de patamares insustentáveis nas taxas de desemprego. E exigiram sua mudança. Para implementar um novo projeto econômico e agrário, o atual governo deve, entre outras ações: – realizar uma reforma agrária ampla e massiva, destinando os recursos necessários para implementar todas as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA); – assentar, imediata e prioritariamente, todas as famílias acampadas; – fortalecer a agricultura familiar e camponesa, retirando incentivos ao agronegócio; – implantar um programa de financiamento e fomento de peque-
nas agroindústrias associativas e cooperativadas no meio rural; - promover o respeito aos direitos humanos das populações rurais, especialmente reconhecendo os direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e ribeirinhas e demarcando as terras coletivas dessas populações; - assegurar a adoção do princípio de precaução, proibindo a produção comercial de transgênicos; - garantir água e energia, dois bens estratégicos para a nossa soberania, sob controle e a serviço do povo brasileiro, acabando com a privatização e a mercantilização desses bens.
MASSACRE DE FELISBURGO
Jorge Pereira Filho da Redação Movimentos sociais do campo estão criticando o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), pela omissão do Estado em relação à violência no campo. Enquanto, aos poucos, os sem-terra do acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, retomam suas atividades, depois do assassinato de cinco companheiros, as organizações sociais do campo pressionam o poder público para que o crime não fique impune. Até o momento, seis pistoleiros foram presos. Outros cinco estão foragidos, inclusive o mandante do massacre, o fazendeiro Adriano Chafik Luedy. Dia 25 de novembro, a Vía Campesina – articulação de movimentos camponeses, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) – agendou uma audiência com Aécio Neves, mas foi recebida pelo secretário de Governo, Danilo de Castro. O resultado decepcionou. “Foi um péssimo encontro. O governo não assumiu qualquer compromisso e mostrou que não tem compromisso com a reforma agrária, além de ser conivente com o latifúndio improdutivo em terras públicas”,
afirmou Ademar Ludwig, da direção estadual do MST, depois da reunião. Segundo relato dos presentes, a audiência foi tão rápida que uma acampada vítima do massacre, que teve o irmão assassinado pelos pistoleiros, quase não conseguiu expor as reivindicações do grupo. O secretário também recebeu dos camponeses um dossiê elaborado pela CPT, com denúncias de atos de violência Protesto em frente ao Tribunal de Justiça, em Belo Horizonte, contra o massacre de cinco sem-terra praticados por mipara a reforma agrária. Um estudo lícias contratadas por fazendeiros Fato na última edição. A Vía Campesina reivindica encomendado pelo Instituto da entre 2003 e 2004. de Aécio Neves a prisão imediata Terra (Iter), na época do goverCONFLITO e a condenação dos mandantes no Itamar Franco, mostra que há “O documento mostra que não e executores do massacre. Quer, 11 milhões de hectares de áreas tem sentido o argumento do gover- também, que as famílias sem-terra devolutas em Minas, ou seja, que no de que o conflito de Felisburgo é do Terra Prometida sejam imediata- pertencem ao poder público, mas um fato isolado. O dossiê apresenta mente assentadas. Para evitar novos foram griladas. outras 26 áreas no Estado em que conflitos, as organizações pedem O Iter já confirmou, com pesquias milícias já agiram”, explica que a polícia investigue, com rigor, sa documental, que 350 mil hectaMarcilene Ferreira, da CPT. A do- a atuação de outras milícias orga- res são mesmo de terras devolutas e cumentação da comissão registra nizadas por fazendeiros em Minas tenta retomá-las para o Estado, mas mais de 50 casos com antecedentes Gerais. os processos estão paralisados no muito semelhantes aos de Felisburpoder judiciário. A área onde está o go: ameaças de morte e violências TERRAS DEVOLUTAS Terra Prometida é devoluta e consta Outra reivindicação é que o do rol de ações que não foram julfísicas contra homens, mulheres e crianças, como mostrou Brasil de Estado resgate as terras devolutas gadas pela Justiça.
Cristiana Couto/ Hoje em Dia/ Folha Imagem
Governador Aécio Neves é criticado por omissão “Essas áreas estão registradas em cartório. A ação para recuperálas é lenta e demora para ser julgada. Espero que os fatos graves mostrem ao poder judiciário a urgência em julgar esses processos”, declara o presidente do Instituto da Terra (Iter), Luiz Chavez. Ele, porém, faz questão de ressalvar que não acredita na recuperação de todas as terras griladas.
PRIORIDADE Os movimentos sociais querem que o governador Aécio Neves priorize a recuperação das terras devolutas. “Minas Gerais tem potencial para assentar, de imediato, 7 mil famílias, apenas nas áreas já confirmadas que são públicas. O governo não pode mandar uma ação para o judiciário e ficar esperando. É preciso dialogar com os juízes e encampar a defesa da reforma agrária, o que não está ocorrendo”, aponta Ludwig, do MST. A pressão popular deve continuar. Dia 24 de novembro, ativistas da Vía Campesina ocuparam uma porção das terras devolutas em Rio Pardo de Minas, semi-árido mineiro. A área ocupada havia sido arrendada pela florestadora Florestaminas, cujo contrato venceu em 2001. Mesmo assim, a empresa continua explorando as terras. Os camponeses entraram na área e destruíram, em protesto, 69 fornos de carvão.
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NACIONAL FÓRUM SOCIAL NORDESTINO
Desenvolvimento com soberania Movimentos sociais e ONGs criticam política econômica e reivindicam mudanças
Hamilton Octavio de Souza Revanche tucana Fernando Henrique Cardoso, a tucanada em geral e a grande imprensa comercial conservadora já entraram no ritmo da campanha de 2006, especialmente para desgastar e desqualificar o presidente Lula, caracterizando-o como “autoritário” ou como “despreparado” e “incompetente” para o cargo. Lá nas nuvens, assessores palacianos continuam achando a mídia burguesa fiel aliada do projeto petista. Doce ilusão. Outro lado Ex-presidente do combativo Sindicato dos Bancários de São Paulo, o secretário de Comunicação do Palácio do Planalto, Luís Gushiken, ficou empolgado com a homenagem que recebeu da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), dia 26 de novembro, em Brasília. Os banqueiros, pelo jeito, também estão entusiasmados com seus aliados no governo. Modelo obscuro O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) divulgou em sua revista de novembro nova avaliação das agências reguladoras federais: a pior nota (2,6) coube ao Banco Central, principalmente porque não tem canais de participação dos usuários e não apresenta transparência nos atos, procedimentos e processos decisórios. Um exemplo de “Brasil para todos”. Cinismo oficial É de embrulhar o estômago o discurso de algumas lideranças do PT em defesa da medida provisória casuística que dá status de ministro para o presidente do BC, Henrique Meirelles, já que a “blindagem” não é para impedir ataques dos setores que praticam a especulação financeira, mas para dificultar investigação sobre os negócios escusos de Meirelles lesivos ao país. Comida farta Os grandes frigoríficos existentes no Brasil já exportaram este ano mais de 1,5 milhão de toneladas de carne bovina, o que deve colocar o país mais uma vez em 1º lugar no ranking da exportação mundial de carne; em compensação, 43% da população brasileira não consegue consumir um único quilo de carne por falta de poder aquisitivo. Contraste paulista Um dos paraísos preferidos da alta burguesia paulistana, com uma orla marítima recheada de prédios de luxo, o Guarujá aparece também entre os dez municípios do Estado de São Paulo com maiores contingentes de população em área de vulnerabilidade social. De acordo com levantamento da Fundação Seade, existe um bolsão de pobreza no Guarujá com 55 mil habitantes carentes. Arapongagem Remanescentes do antigo SNI e do Deops paulista, que prestaram serviços para a ditadura militar, continuam atuando na estrutura federal e estadual, e estão agora empenhados em espionar os movimentos sociais, populares e estudantis. Vítimas dos “arapongas” em outras épocas, algumas autoridades do governo deveriam colocar um fim nesses esquemas típicos do autoritarismo. Evidência numérica De acordo com o presidente do Incra, Rolf Hackbart, dos 418 milhões de hectares cadastrados pelo instituto, 133,8 milhões pertencem a 58.329 grandes propriedades classificadas como improdutivas. Ou seja, o Brasil tem muita terra para fazer a reforma agrária. Falta acelerar o processo. Salário-mínimo Finalmente a CUT resolveu mobilizar-se pelos interesses dos trabalhadores brasileiros: vai realizar uma marcha para Brasília, dias 13 a 15 de dezembro, para defender um “salário-mínimo decente”. Vale lembrar que o presidente Lula prometeu, na campanha de 2002, dobrar o valor do salário-mínimo, mas até agora só fez pequenos reajustes de recomposição inflacionária.
Mariana Pires de Recife (PE)
U
ma das regiões mais pobres do Brasil, o Nordeste carrega até hoje as marcas da escravidão, do genocídio indígena, da política do coronelismo, do latifúndio, da monocultura. Somado tudo isso à submissão do país ao capital internacional, permanece na região a imagem da seca, da pobreza e da fome. Entretanto, o 1º Fórum Social Nordestino (FSNE), que aconteceu entre os dias 24 e 27 de novembro, no campus da Universidade Federal de Pernambuco, mostrou que o Nordeste de Zumbi, Francisco Julião, Chicão Xukuru – e tantos outros – continua vivo e disposto a transformar aquela realidade. Durante quatro dias, mais de 8 mil pessoas participaram da intensa programação do evento, que incluiu uma grande marcha, com mais de 10 mil pessoas, pelo Centro do Recife. Dos inscritos, mais de 5 mil representavam uma das 672 entidades. Com a criação de um Fundo de Apoio aos Movimentos Populares, foi possível aos movimentos indígenas e quilombolas ir ao Fórum.
QUESTÕES GERAIS Apesar de regional, o 1º FSNE inseriu as discussões específicas em cenários mais amplos, do Brasil e do mundo. “O Nordeste tem problemas próprios, que precisam de um espaço para serem discutidos. Mas isso está vinculado à agenda política nacional e ao movimento global de resistência ao neoliberalismo”, diz Mônica Oliveira, da Associação Brasileira de ONGs (Abong ), e membro da coordenação do Fórum. Foram três os eixos temáticos do evento: “O Desenvolvimento Que Temos e o Nordeste Que Queremos”, “Radicalizar a Democracia Contra o Neoliberalismo”, e “Afirmando os Movimentos Sociais do Nordeste”. Para a coordenação do 1º FSNE, o evento também foi uma oportunidade importante para discussão das estratégias dos movimentos sociais na sua relação com o governo Lula.
CRÍTICAS “Quando o governo fez opções que entraram em contradição com as aspirações da sociedade civil que o apoiou, a primeira reação foi de perplexidade”, disse Mônica, acrescentando que o diálogo com o governo também é difícil. Mas a sociedade está se reorganizando, superando as dificuldades e rearticulando suas forças políticas, observa ela. Jaime Amorim, da direção estadual do Movimento dos Trabalha-
Roberta Guimarães/Imago
Fatos em foco
Mais de 10 mil pessoas participam de marcha em defesa dos direitos da mulher durante o Fórum Social Nordestino
dores Rurais Sem Terra (MST) de Pernambuco, não poupou o governo petista: “O governo Lula era a esperança da reforma agrária. No entanto, enquanto os 25 mil grandes proprietários recebem R$ 37 bilhões em crédito ao ano, os 4 milhões de pequenos agricultores recebem R$ 7 bilhões”, comparou. “Ou se serve às elites, ou ao desenvolvimento regional. Ou a gente
mobiliza a população, ou o governo vai ser este que aí está, vai ganhar um segundo mandato e manter o mesmo modelo. Precisamos mudar isso, já”, afirmou. Betânia Ávila, da organização feminista SOS Corpo, lamentou a inexistência de qualquer sinalização de que o governo Lula esteja disposto a retomar seus compromissos históricos com as questões
de justiça social. Deixando eventuais diferenças de lado, as organizações e movimentos presentes ao Fórum apontaram para a urgente necessidade de mudança da atual política econômica e da construção de um modelo de desenvolvimento soberano para o Nordeste e o país, com distribuição de renda, participação popular e respeito aos direitos humanos.
Transposição, uma demagogia Uma das discussões mais polêmicas do 1º FSNE foi a transposição do rio São Francisco (veja página 13). Segundo o ambientalista Henrique Cortez, da Articulação do Semi-Árido (ASA), a transposição é uma tecnologia simples, que tem mais de 100 anos e é usada no mundo inteiro. O problema, portanto, não estaria na transposição, mas na concepção técnica do projeto. “É perfeitamente possível fazer isso de forma responsável, com danos ambientais facilmente mitigáveis. A questão é que as três questões mais relevantes não estão contempladas no projeto: a revitalização do São Francisco – o rio está morrendo, não existe banco de sangue que aceite doador anêmico – o acesso à água e o modelo de desenvolvimento”, diz.
DEMAGOGIA A revitalização, no entanto, é um projeto de longo prazo, 30 anos, no mínimo. Para revitalizar é preciso, primeiro, recuperar mananciais, olhos d’água, nascentes; recuperar a vegetação – são mais de 2 bilhões de mudas de árvores a serem recuperadas; acertar a questão fundiária daqueles que se instalaram na área de preservação; investir em saneamento básico nas
450 cidades da bacia do São Francisco que não dispõe do serviço. “Ninguém está falando em revitalização, porque é complicado e caro. Financeiramente, é mais barato do que a transposição. ‘Caro’ são os 30 anos. Não é um projeto de governo. Tem que ser um projeto de Estado”, defende Cortez. Diferentemente do discurso do governo federal, segundo o qual o projeto vai levar água para quem tem sede, o ambientalista diz que o segundo problema da transposição é justamente o acesso à água. A capacidade de armazenamento dos reservatórios do Nordeste é de 37 bilhões de metros cúbicos. Então, teoricamente, argumenta Cortez, a água existe, mas é mal gerenciada e mal tratada. “Fazer a transposição não resolve o acesso porque vai levar a água basicamente para os reservatórios. E os grandes reservatórios, ou atendem áreas urbanas ou à produção irrigada”, diz. Ele lembra que a produção irrigada não é do seu Zezinho, nem da dona Mariazinha, e o governo quer o projeto porque ele é rápido, tem efeito pirotécnico, dá discurso, dá palanque, tem placa. A terceira questão é o modelo de desenvolvimento que envolve
o projeto. Segundo Cortez, o governo não está dizendo, mas são três transposições diferentes, em cascata. Primeiro vai ter a do São Francisco; daqui a cinco anos, a transposição do Tocantins para o São Francisco; e, daqui a dez anos, do Tocantins para o Parnaíba. “Este é um projeto feito para o agronegócio exportador”, afirma o ambientalista. Ele explica que a transposição do Tocantins para o São Francisco leva água para o oeste da bacia, que é a nova fronteira de expansão do agronegócio na Bahia. E do Tocantins para o Parnaíba é levar água exatamente para a nova fronteira de expansão do cerrado. Cortez se declara contrário ao projeto de transposição no seu conteúdo técnico, social e pela sua irresponsabilidade de gestão de modelo de desenvolvimento. “É um equívoco do começo ao fim”, diz. Segundo Sílvia Camurça, membro da coordenação do Fórum, a proposta dos participantes é que o governo realize um plebiscito sobre a transposição do Rio São Francisco. Cortez não acredita que isso seja factível: “É um projeto de grande interesse para o governo. Acredito que ele vai sair e que será muito difícil barrar”. (MP)
JUSTIÇA
Punição ao assassino de Chicão Xukuru Priscila Carvalho de Brasília (DF) O acusado de envolvimento no assassinato do cacique Chicão Xukuru, Rivaldo Cavalcanti de Siqueira, foi condenado a 19 anos de prisão por ter participado do crime como intermediário entre o fazendeiro mandante, José Cordeiro de Santana, e o autor dos disparos, José Libório Galindo. Siqueira é o único sobrevivente dos três nomes apontados pela Polícia Federal como envolvidos na morte do cacique. Chicão Xukuru foi assassinado a tiros, na manhã de 20 de maio de 1998, em Pesqueira, Pernambuco. O crime teve repercussão nacional e internacional, porque Chicão era
referência nas lutas indígenas por seu trabalho de reorganização política do povo Xukuru, hoje formado por 24 aldeias e cerca de 9 mil índios.
PISTOLAGEM Sua liderança nas retomadas das terras tradicionais Xukuru, então em mãos de fazendeiros de gado, e a crescente autonomia de seu povo, quebrando as antigas relações políticas e econômicas clientelistas dos indígenas com as oligarquias locais, atraíram a ira dos setores não-indígenas que sempre se beneficiaram das terras, da mão-de-obra e dos votos dos Xukuru. Chicão começou a receber ameaças seis meses antes de ser morto. No julgamento, o assassinato foi considerado crime de
pistolagem, motivado por conflito de terra. “O crime foi uma tentativa de desmobilizar o povo em sua luta pela terra. Na sentença, o juiz deixou claro que a morte foi grave não só por ter sido um homicídio, mas porque levou ao acirramento dos conflitos entre índios e fazendeiros da região”, afirma a advogada Rosane Lacerda, assistente de acusação do caso. Ela diz, ainda, que outros crimes contra os Xukuru que aconteceram depois do assassinato de Chicão resultaram da impunidade que havia até agora. “A decisão da Justiça demonstra que os índios tinham razão ao defenderem que era um crime de pistolagem”, argumenta Rosane. Entre as hipóteses investigadas
pela Polícia Federal, havia também as de crime passional e de disputa interna de poder. Ambas eram rejeitadas pelos indígenas desde o início das investigações.
PRECEDENTE “Por anos a Polícia Federal pôs em dúvida a versão dos índios”, afirma Rosane, que acredita que esta decisão terá reflexos nos julgamentos de outros crimes contra os Xukuru, entre eles o do assassinato de Chico Quelé e a emboscada contra Marcos Xukuru, filho de Chicão e atual cacique, que causou a morte de dois indígenas. Esta é a primeira vez que a Justiça Federal de Pernambuco pune um acusado de participação em assassinato ligado a um povo indígena.
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NACIONAL DESMONTE DO PAÍS
A segunda morte do Proálcool Governo abre mão do controle tecnológico dos programas de substituição do petróleo por combustíveis renováveis Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
L
ançado há 27 anos, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que se propunha livrar o Brasil da dependência do petróleo importado, foi desmantelado nos anos 90 e enfrenta, neste momento, a segunda fase de um processo de desmonte que poderá retirar do país o controle sobre os rumos futuros dos programas de substituição de combustíveis fósseis por fontes de suprimento renováveis e ambientalmente sustentáveis. O alerta é do professor, físico e tecnólogo José Walter Bautista Vidal, um dos responsáveis pela criação do Proácool nos anos 70, quando liderou uma equipe de técnicos abnegados, na antiga Secretaria de Tecnologia Industrial (STI) do então Ministério da Indústria e Comércio, e impôs o programa ao mercado brasileiro, contra todas as pressões dos lobbies das indústrias de automóveis e do petróleo. O segundo “golpe” contra o Proálcool, que há muito perdeu a importância estratégica que chegou a ter no seu auge, em meados dos anos 80, foi armado pelas montadoras e concretizado com o lançamento dos chamados motores “flex fuel” (ou flexíveis), que podem rodar a gasolina ou a álcool, alternativamente, conforme a escolha do consumidor. Aparentemente, esse tipo de motor daria ao consumidor a vantagem de poder escolher o combustível mais barato para abastecer seu carro.
“UM MONSTRO” Na prática, diz Vidal, “criou-se um monstro”, que pode trazer perdas de até 40% para o consumidor. “Isso (o motor flexível) é um atentado contra o consumidor”, afirma o professor. Segundo ele, os motores bicombustíveis foram projetados originalmente para funcionar com a gasolina, sofrendo ligeiras adaptações para aceitar o álcool. “Resultado: você perde 40% da energia do álcool, porque você não tem o ajuste das características tecnológicas do motor e de seu desenho de acordo com as propriedades do álcool”, acrescenta. Tecnologicamente, prossegue Vidal, não seria possível conceber um motor que possa trabalhar com o mesmo nível de eficiência qual-
LADEIRA ABAIXO Produção de álcool hidratado encolhe ano a ano. Em milhões de litros Período
Produção
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
10.494 9.698 9.477 9.768 9.963 9.797 8.019 6.218 6.074 4.602 3.502 3.789 3.207
Fonte: Agência Nacional do Petróleo (ANP)
quer que seja o tipo de combustível utilizado. No caso dos chamados “flex fuel”, que ameaçam dominar o mercado de automóveis no Brasil, não só o desempenho do motor é inferior, quando comparado àqueles projetados para funcionar com um único tipo de combustível, conforme consultores ligados à União da Agroindústria Açucareira de São Paulo (Unica), como o consumo também será entre 30% a 32% maior.
RISCOS ESTRATÉGICOS A grande ameaça, entretanto, virá das decisões (ou, mais precisamente, da ausência delas) que o governo vem tomando (ou deixando de tomar) em um setor estratégico. Assim como ocorre com os motores flexíveis, também no caso do recém-lançado Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel o governo vem deixando que decisões sobre a estrutura dos motores fiquem por conta das montadoras transnacionais – o que significa dizer que serão elas a escolher as tecnologias ao longo do processo de implantação dos programas de substituição de combustíveis fósseis. Certamente, diz Vidal, aquelas escolhas não vão coincidir com os interesses maiores do país. “Hoje, a indústria automobilística deita e rola. Faz o que quer”, declara o tecnólogo. À época do lançamento do Proálcool, a STI dispunha do melhor instituto de motores a álcool do país, relembra. Na verdade, o
Perdas de milhões de dólares Com metas excessivamente modestas, o programa do biodiesel corre riscos semelhantes àqueles que abateram o Proálcool, causando perdas de milhões de dólares para o Brasil. Além do prejuízo estratégico, o retrocesso trouxe perdas econômicas concretas. Até 1991, as vendas de álcool hidratado, aquele utilizado diretamente nos motores a álcool, chegavam a 10,5 bilhões de litros por ano. No ano passado, superaram ligeiramente os 3,2 bilhões de litros – num tombo de 70%, em 12 anos. Convertendo aquela produção para barris equivalentes de petróleo, e considerando-se a cotação média do óleo importado nos primeiros meses deste ano, a queda na produção representou um prejuízo próximo de 1 bilhão de dólares. Ou, perto de 1,5 bilhão de dólares, se considerado o preço médio observado em setembro no mercado internacional.
BIOCOMBUSTÍVEIS Ainda em 1991, o consumo de álcool hidratado representava 83% de toda a gasolina consumida no país – isso sem considerar o consumo de álcool anidro, utilizado na mistura com a gasolina. A relação despencou para 14,8% em 2003, e anda ao redor dos 18,5% neste ano. No caso do biodiesel, discute-se a possibilidade de fixar a mistura
Centro de Tecnologia Aeroespacial (CTA) abrigava “o melhor grupo de motores do mundo”, continua, com cerca de duas centenas de especialistas e engenheiros.
CONHECIMENTO Nos congressos mundiais do setor automobilístico, o Brasil chegava a participar com 50% a 60% dos trabalhos apresentados, o que comprova o nível de excelência desses técnicos. O trabalho daquele grupo tornou possível vencer a queda de braço com as montadoras. “Provamos que eles estavam absolutamente equivocados em relação ao motor a álcool. Tínhamos um volume de informações acumuladas muito maior do que eles e sabíamos mais sobre
MERCADO INTERNO ENCOLHE Cai participação das vendas de álcool hidratado em relação à gasolina ‘C’ Período 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 (jan/set)
Álcool hidratado/Gasolina (em %) 82,72 81,26 72,35 66,53 55,86 47,16 44,53 35,52 28,77 20,34 15,79 16,76 14,82 18,51
Fonte dos dados brutos: Agência Nacional do Petróleo (ANP)
de óleos vegetais ao diesel, utilizando o álcool como aditivo, na proporção de apenas 2%. “Queríamos partir de 60% para chegar a 80%, ou 100%, no programa original. Isso há 28 anos. Não há empecilhos técnicos. Os motores atuais podem rodar com 100% de biocombustível, sem necessidade de alterações”, sustenta o professor José Walter Bautista Vidal. Além disso, há um amplo leque de possibilidades de matériasprimas, como a soja, mamona, babaçu, girassol, milho, algodão, amendoim, outras sementes oleaginosas ou, ainda, frutos como pequi,
macaúba e dendê. A variedade de fontes da matéria-prima, ao contrário da gasolina (que só tem o álcool como substituto entre as alternativas oferecidas pela biomassa), seria um dos pontos que poderia facilitar e acelerar a aposentadoria do diesel. Potencial existe, aponta o professor. Nos 70 milhões de hectares disponíveis na Amazônia, estima, seria possível produzir o equivalente a 8 milhões de barris por dia de biodiesel, a partir do dendê – o equivalente à produção diária da Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo. (LVF)
o motor do que a própria indústria”, afirma Vidal. Toda essa estrutura foi literalmente desmontada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de acordo com o professor. “Hoje, restam dois técnicos de nível médio. Como é que um país vai entrar num programa mundial de combustíveis se não tem o domínio tecnológico dos motores? É uma estupidez”, aponta, enfático.
tem interesse num produto que só o Brasil tem? Pelo contrário, eles rejeitam”, critica. Ao contrário do Brasil, os países mais ricos não pretendem sair da dependência do petróleo para consolidar um novo tipo de dependência, num setor “absolutamente essencial”. Bautista Vidal antecipa, com base numa experiência de décadas na área tecnológica, que aqueles países farão o que for possível para preservar o domínio tecnológico na área de motores, impedindo que o Brasil possa lançar mão de suas vantagens comparativas. “Teremos uma tecnologia de qualidade, mas não poderemos usar porque o controle econômico estará nas mãos da concorrência”, sentencia o professor.
DOMINAÇÃO Ao perder o domínio sobre a tecnologia, o país perde também o controle sobre todo o processo. “O programa fica fundamentado em interesses que não são os nossos. Até que ponto uma empresa alemã, inglesa, estadunidense, francesa
Produção de carros a álcool quase desaparece Por um curto período, entre 1983 e 1986, a produção de carros a álcool chegou a representar mais de 66% do total de veículos montados no Brasil. Desde então, a produção veio murchando até quase desaparecer, no final dos anos 90. Em 1997 e no ano seguinte, apenas 0,06% e 0,09% de todos os veículos produzidos estavam equipados com motores a álcool. Engenheiro por formação e pósgraduado em Física, ex-professor da Universidade de Brasília (UnB), José Walter Bautista Vidal relembra que a pressão dos países ricos e de grupos transnacionais ligados aos setores do petróleo e automotivo definiu o futuro do Proálcool. Numa primeira investida, ainda nos anos 80, o Banco Mundial conseguiu impor um pacote de empréstimos, em dólares, condicionados à compra, pelo Brasil, por meio de concorrência internacional, de máquinas e equipamentos importados, destinados ao Proálcool. A questão é que o programa não precisava desse dinheiro e muito menos do maquinário importado – já que havia desenvolvido e acumulado capacidade tecnológica aqui dentro mesmo, por meio de empresas nacionais.
O FIM DO SONHO DO PROÁLCOOL Produção de veículos a álcool desaba e perde participação no total Período 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Produção total de veículos (em mil unidades) (A) 1.128,0 1.165,2 780,8 859,3 896,5 864,6 966,7 1.056,3 920,0 1.068,8 1.013,2 914,5 960,2 1.073,9 1.391,4 1.581,4 1.629,0 1.804,3 2.069,7 1.586,3 1.356,7 1.691,2 1.817,1 1.791,5 1.827,0
Produção de veículos a álcool (em mil unidades) (B) 4,6 254,0 128,8 237,6 593,0 560,5 642,1 699,2 460,5 569,3 398,3 83,3 150,9 193,4 264,6 142,8 40,5 7,7 1,3 1,4 11,3 10,1 19,0 56,6 84,2
Participação B/A (%) 0,4 21,8 16,5 27,6 66,1 64,8 66,4 66,2 50,1 53,3 39,3 9,1 15,7 18,0 19,0 9,0 2,5 0,4 0,06 0,09 0,8 0,6 1,0 3,2 4,6
Fonte: Anfavea
“Isso quebrou o programa”, diz Bautista Vidal. O passo seguinte foi excluir a cana e a indústria do setor dos programas oficiais de crédito, também por pressão do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional
(FMI), a pretexto de “ajustar” as contas do setor público, cortando despesas para equilibrar a arrecadação de impostos e gastos públicos. Os cortes não atingiram apenas os grandes usineiros, mas selaram o destino do Proálcool.
“Fizemos questão que o Programa Nacional do Álcool tivesse uma participação social importante”, recorda o especialista. Por isso, ficou estabelecido que 30% a 40% da cana-de-açúcar deveria ser produzida por pequenos fornecedores.
“Isso funcionou maravilhosamente. Os pequenos produtores corresponderam plenamente”, afirma. A retirada do crédito rural para aqueles pequenos produtores correspondeu a um corte de 30% na oferta de cana e, portanto, na produção de álcool. “Aí houve o colapso do álcool e o programa caiu em descrédito. Quem iria comprar um carro sem a garantia de ter combustível?” questiona. Quando o Proálcool parecia consolidado, foram iniciadas as pesquisas para substituir integralmente o diesel por óleos de origem vegetal (dendê, mamona, girassol, colza etc.). Desde seu início, o programa previa a substituição não apenas da gasolina, mas de todo o petróleo, em todos os setores. Mais uma vez, o projeto esbarrou no interesse das transnacionais. A filial brasileira da Mercedes Benz, que vinha colaborando com o governo nas pesquisas e testes com o biodiesel, foi proibida pela matriz alemã de participar de qualquer projeto do gênero, barrando o avanço das pesquisas porque o governo não se dispôs a enfrentar o lobby da transnacional. Houvesse essa disposição, afirma Vidal, o Brasil já teria se tornado auto-suficiente em combustíveis líquidos há 20 anos. (LVF)
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NACIONAL DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Crianças à mercê do vício e da polícia Dafne Melo e João Alexandre Peschanski da Redação
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m Sapopemba, na zona leste de São Paulo (SP), um adolescente de 15 anos, usuário de drogas, foi espancado pela polícia, dia 25 de novembro. A agressão deixou indignados os integrantes do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) Mônica Paião Trevisan, do bairro, para onde o jovem foi encaminhado, por sua mãe. Uma funcionária do Cedeca lamenta: “Por aqui, há casos assim toda semana”. A caminho do hospital, no dia seguinte, o adolescente narra sua história: enquanto estava “lá embaixo” (local onde ocorre o tráfico, a “boca de drogas”), policiais militares o abordaram e pediram dinheiro. Ele não tinha. Com um cassetete, um policial o acertou nas costas. Depois, com uma faca, fez um corte na perna do jovem, exatamente no lugar onde havia uma cicatriz. “Se ele tivesse dinheiro e os policiais o pegassem, ele apanharia do traficante quando chegasse na boca, por ter perdido o dinheiro”, explica a funcionária do Cedeca. A vítima é dependente químico. Consome dez papelotes de cocaína por dia, algo como 10 gramas. No momento, deve R$ 300 para traficantes do bairro. Para pagá-los, trabalha das 9h às 21h para as pessoas que controlam o tráfico da região. No mesmo dia em que o adolescente foi levado ao hospital, terminou, em Brasília (DF), o Fórum Nacional sobre Drogas. No encontro, organizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), ligado ao Gabinete de Segurança Institucional, integrantes do governo e de organizações sociais discutiram políticas para prevenção, redução e tratamento de uso de drogas, além de questões ligadas à inclusão social de dependentes químicos, especialmente de crianças e adolescentes. Em entrevista ao Brasil de Fato, o secretário nacional Antidrogas, Paulo Roberto Uchôa, destacou a oportunidade de integrar diversas instâncias governamentais nas atividades, como os Ministérios da Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Justiça e Saúde. Ele explicou que a função da Secretaria é fazer a ligação entre as diferentes instâncias, estabelecendo canais de comunicação e desenvolvimento de objetivos comuns. Além disso, afirmou que as atividades do Fórum vão gerar propostas para mudanças na Política Nacional Antidrogas (PNAD), a ser encaminhadas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Todavia, estas não foram definidas.
Ricardo Stuckert/ABr
Estudo denuncia descontinuidade de políticas públicas e governo realiza fórum para discutir prevenção e tratamento
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura do Fórum Nacional sobre Drogas, realizado em Brasília: proposta é não criminalizar usuários
Pesquisa revela perfil de usuários de drogas Uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), revela, entre outros dados, as dificuldades das crianças e dos adolescentes em situação de rua para abandonar o vício das drogas. Foram entrevistados 2.807 jovens, com idades entre 10 e 18 anos, das 27 capitais brasileiras. O estudo, chamado 5º Levantamento sobre o Uso de Álcool e Drogas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, concluiu que: mo está previsto na lei”. De acordo com a Lei 6.368/76, artigo 16, está previsto o crime de uso de entorpecentes, levando a uma pena de detenção de 6 meses a 2 anos e pagamento de multa. Uchôa defende que, mais do que a repressão, seja priorizado o tratamento de dependentes químicos: “Por enquanto, o governo sinalizou a adoção dessa política, de não criminalizar, mas depende de uma alteração na lei, o que cabe ao Poder Legislativo”. Valdênia diz que, mais do que discursos, é preciso ter compromisso
Drogas mais consumidas pelos meninos e meninas de rua são: 44,5% Tabaco 43,0% Álcool 28,7% Solventes 25,4% Maconha 12,5% Cocaína e derivados Meninas e meninos que usam drogas e já tentaram deixar o consumo: 44,3%
Meninas e meninos que procuraram o sistema público de saúde: 0,7%
As relações familiares são determinantes para impedir o uso recorrente de drogas. Entre os entrevistados que mantinham laços com parentes, faziam uso freqüente de algum tipo de droga: 19%
Entre os que perderam o vínculo familiar, o número chega a: 72,5%
Das crianças e adolescentes que usam drogas, 19% afirmam ter “medo de viciar”, e se dizem preocupados com eventuais prejuízos à saúde: 54%
para enfrentar os problemas da realidade. Para isso, inicialmente, parece ser necessário ter recursos. Segundo Uchôa, as verbas destinadas à Senad e à PNAD são “bastante limitadas”. Além disso, o atendimento depende de uma estrutura que seja de confiança dos usuários. Segundo Valdênia, existem alguns pontos de referência para dependentes químicos, mas estes são raros e não conseguem atender à demanda. Em uma pesquisa do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid),
ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apenas 0,7% dos jovens entrevistados procuram o sistema público de saúde quando decidem interromper a dependência química. O estudo do Centro denuncia a “grande descontinuidade nas políticas públicas” para usuários – de 70 instituições de atendimento a jovens dependentes químicos cadastradas em 1997, em uma pesquisa anterior, somente 11 continuavam atuando em 2003 (veja quadro acima para mais informações sobre a pesquisa).
O estudo do Cebrid, divulgado no Fórum, revela ainda que, na vida das crianças e dos adolescentes, a droga assume um caráter lúdico, substituindo as brincadeiras e o lazer, proporcionando comportamentos de risco, como envolvimento com criminosos e tentativas de suicídio. Aponta também que o convívio diário nas ruas aumenta e diversifica o consumo de drogas. Se um jovem consome tabaco e bebidas alcoólicas antes de estar em situação de rua, quando sai de casa ele passa a usar outras substâncias, muitas vezes mais fortes, como maconha, cocaína e seus derivados (crack e merla), além de esmaltes e cola. Essa trajetória dramática é confirmada por uma jovem de 17 anos, que mora, há dois anos, nas ruas do Centro de São Paulo. Ela tem medo de voltar para casa, pois acredita que seus parentes e amigos a discriminarão por usar drogas. Não confia no Estado, pois, em uma tentativa de roubo, na região, foi presa e mandada para a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). “Não quero voltar para lá. É muito ruim, pois é um lugar fechado, onde não se vê o céu”, conta. A jovem cheira cola e fuma crack. Reconhece as dificuldades de sua situação, mas sonha: “Queria fazer uma casa (para mim), se tivesse uma renda. E compraria roupas também”.
QUAL SUCESSO? Na avaliação de Uchôa, o encontro foi um sucesso. Para pessoas como Valdênia Paulino, da coordenação do Cedeca de Sapopemba, que atua diariamente no atendimento de crianças e adolescentes dependentes, fica uma pergunta: qual é o impacto que o Fórum vai ter na vida dos jovens usuários de drogas? O secretário responde: “O governo se compromete com as demandas da sociedade. Os usuários não vão ser tratados como criminosos e não devem ser punidos com prisão, coCentro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) – Organização nãogovernamental fundada em 1994, cujo objetivo é defender os direitos dos jovens, principalmente os que não recebem atendimento do poder público. Sua atuação se fundamenta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei que determina diretrizes para a proteção de menores de 18 anos. Política Nacional Antidrogas (PNAD) – Plano do governo federal instituído em 2001 para o combate às drogas, englobando temas como prevenção e tratamento de usuários e repressão a traficantes.
O trabalho que faz a diferença Todos os dias, a educadora Renata Lima circula pelo Centro da capital paulista para conversar com meninos e meninas em situação de rua. Funcionária do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) Mariano Kleber dos Santos, da região central de São Paulo, seu trabalho consiste em aconselhar e prevenir sobre o uso de drogas, além de convidar crianças e adolescentes para participar da Casa 20, projeto do Cedeca que oferece atividades recreativas. Dia 29 de novembro, ela fez seu plantão acompanhada pela reportagem do Brasil de Fato. Ao se aproximar de um grupo de adolescentes, um menino pediu para que a amiga – suspensa temporariamente da Casa 20 por desrespeitar regras – pudesse voltar a freqüentar o local. “Se ela não puder ir, eu não vou”, disse o adolescente que, assim como a amiga, é usuário de crack.
Atuando na região há cerca de um ano, Renata conta que os adolescentes criam fortes laços de amizade, trunfo que os educadores utilizam para se aproximar. “Para conquistar a confiança, cultivamos a amizade. Eles são adolescentes como todos os outros, têm as mesmas necessidades. Resistem um pouco em falar sobre eles mesmos. Às vezes mentem, fantasiam muito – principalmente em relação ao consumo – e aos poucos revelam coisas sobre suas vidas”, conta. Com resultados que não se vê a curto prazo, o trabalho pode ser, às vezes, frustrante. “Tem semanas em que aparece apenas um na Casa 20. Alguns vão só tomar banho e comer e não ficam para as atividades, o que pode dar suspensão”, diz. Mas a educadora lembra de casos difíceis em que foi possível recuperar o adolescente: “Um rapaz foi para a rua depois do sui-
cídio da mãe, usou droga, roubou, foi para a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) e voltou para rua. Hoje está estudando e trabalhando”, conta. Embora a maioria dos que estão na rua opte por esse caminho por ter relações familiares conflituosas, grande parte ainda sonha em voltar para casa. “Querem voltar para uma mãe que os acolha, em vez de os mandar embora”, conta Renata, salientando que muitos nem podem voltar pois os pais não os aceitam mais. “A gente não se sente bem nem aqui, nem na Febem. Bom é a casa da gente, seja onde for”, diz Bianca, outra adolescente em situação de rua há cerca de um ano e que passou a usar crack na companhia do irmão, também morador de rua. Quando questionada sobre o motivo de ter saído de casa, pede um tempo: “Essa droga me deixa esquecida”. Olha para o horizonte
por algum tempo e lembra: “Uma vez minha mãe olhou para mim e disse: sai da minha vida”. Crianças e adolescentes que optam por morar nas ruas do Centro, na opinião de Renata, tentam fugir da pobreza e da falta de perspectivas. “Ou eles ficam na região onde moram e caem no tráfico ou vão para a rua viver uma vida diferente. Na rua, eles criam um espaço deles. Têm o prazer da droga, têm um certo poder”, acredita. Em Sapopemba, zona leste, um jovem de 29 anos que, apesar da idade, recebe assistência do Cedeca da região, conta que desde os dez anos convive com o tráfico: “Minha casa era cercada por bocas. É assim com todo mundo aqui”. Usuário de crack, cocaína e maconha há um ano, ele diz que usa “pela adrenalina” e, quando necessário, chega a roubar: “Na hora não dá medo, é tudo ou nada”. (DM)
Ano 2 • número 92 • De 2 a 8 de dezembro de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO OCUPAÇÃO MILITAR
PT articula criação de partido no Haiti João Alexandre Peschanski da Redação
O
presidente e o secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno e Paulo Ferreira, estão participando de encontros regulares com políticos do Haiti para articular a criação de uma agremiação, dita de esquerda, no país. O objetivo é montar uma sigla – cujo nome temporário é Movimento pela Fusão – que tenha chances de vencer as eleições presidenciais, marcadas para 2005. Participam da articulação grupos que estiveram no Fórum de São Paulo, no ano passado, e fazem oposição ao expresidente haitiano Jean-Bertrand Aristide, deposto em fevereiro. Em entrevista exclusiva, Ferreira revelou que foi duas vezes ao Haiti e pretende organizar novas viagens. Em fevereiro do próximo ano, políticos haitianos devem vir ao Brasil para encontrar-se com integrantes do PT. De acordo com o secretário, não se trata de exportar um modelo de partido, mas de discutir a experiência petista com os haitianos. Experiência caracterizado por Ferreira como de “uma grande democracia interna”. Procurado pela reportagem do Brasil de Fato, Markus Sokol, do Diretório Nacional do PT, se disse surpreso com a notícia, que considerou uma intervenção indevida na política interna do Haiti. “O governo brasileiro tomou uma decisão que impõe ao Haiti uma administração ilegítima. A criação de um partido forçado caracteriza a coerção à qual está sendo submetido o povo haitiano”, afirmou Sokol.
TRADIÇÃO CORROMPIDA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passa em revista a tropa, antes do embarque da força militar brasileira para o Haiti
deixando à população de cada país as decisões sobre sua política interna”, explicou. Nesse ponto, Sokol diverge de Ferreira. O secretário de Relações Internacionais justifica a iniciativa como um avanço: “Queremos tornar a política internacional mais robusta”.
do Haiti e faz oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ironizou o uso do termo “esquerda” para definir o partido que o PT está ajudando a criar no Haiti. “O termo está sendo usado como cobertura para um jogo de camuflagem ideológica. Esquerda e direita são conceitos que remetem a atitudes diante da propriedade privada. A direita é a favor do mercado, da acumulação do capital, enquanto a esquerda se identifica com justiça social e igualitarismo”, explica. Para ele, a criação de um partido de es-
QUAL ESQUERDA? Valério Arcary, da direção nacional do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), agremiação que se opõe à ocupação
querda depende de mobilização popular, o que não está ocorrendo no Haiti. O país, onde vivem 8 milhões de pessoas, tem atualmente mais de 60 partidos, e nenhum desses tem apoio da maioria da população. Segundo Arcary, os grupos que participam do Movimento pela Fusão devem estar alinhados com a ocupação do país. “Um partido que colabora com a intervenção estrangeira em seu território, aceitando tutela, tem pouca autoridade para pensar um projeto igualitarista”, comentou. Para ele, o caráter
eleitoreiro da manobra está claro: “O governo brasileiro pretende articular um grupo que o apóie para as eleições presidenciais. E quer montar um partido que ganhe”. Segundo Sokol, entretanto, o tiro pode sair pela culatra pois as principais organizações sociais do país, como o Mouvement des Paysans Pauvres (em português, Movimento dos Camponeses Pobres), não devem colaborar com políticos que defendam a ocupação do país. (Colaborou Iolando Lourenço, de Brasília (DF), da Agência Brasil)
Pelo retorno das tropas brasileiras Desde o dia 18 de novembro, está circulando um abaixo-assinado endereçado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exigindo o retorno das tropas brasileiras que estão no Haiti. Aderiram ao documento representantes de movimentos sociais, entidades étnicas, sindicalistas, intelectuais e políticos do Brasil. Para participar, ou obter material sobre a situação do país, envie um correio eletrônico para haitija@bol.com.br. Um dos organizadores do abaixo-assinado, Markus Sokol, do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), disse que a ocupação do Haiti vai contra o direito dos povos de se autogovernarem: “Atendendo a um pedido dos Estados Unidos, país que ajudou a depor o presidente haitiano,
o governo brasileiro está indo contra o que o levou a ser eleito: o respeito aos valores democráticos”. Segundo ele, os organizadores do documento estão tentando agendar um encontro com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, para que ele reconsidere a permanência das tropas brasileiras no país caribenho. (JAP)
ABAIXO-ASSINADO Ao excelentíssimo senhor presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, “Dirigimo-nos a vossa excelência para solicitar o imediato retorno das tropas brasileiras enviadas ao Haiti. Seis meses depois do envio destas tropas, é evidente que a situação não se “estabilizou” na Fotos: Ricardo Stuckert/PR
Sokol disse que a iniciativa do PT de participar da articulação de um partido em outro país não tem precedentes e não foi discutida abertamente pelos integrantes do Diretório Nacional. Ele participa de um movimento de oposição à intervenção militar no Haiti, iniciada em maio, e acompanha as discussões no partido sobre a situação do país. Estranhando muito desconhecer a informação, explicou: “A iniciativa teria que ter passado pelo Diretório, mas não passou. Nunca houve uma discussão sobre esse assunto”. Esse tipo de política internacional, para Sokol, não é corrente no PT, que se fundamenta em relações mais abertas, sem definir exatamente os grupos que decide apoiar. “A concepção Fórum de São sempre foi de Paulo – Encontro de manter relações partidos políticos de com partidos de esquerda da América Latina e Caribe esquerda que que ocorre anualdefendam os mente, desde 1990. trabalhadores,
Fotos: Ricardo Stuckert/PR
Políticos haitianos e dirigentes da agremiação brasileira coordenam formação de uma sigla para as eleições presidenciais
Soldados vão permanecer por mais seis meses No dia 29 de novembro, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu, por unanimidade, a prorrogação da permanência das tropas militares no Haiti por mais seis meses e reafirmou a urgência do processo de desarmamento, desmobilização e reinserção do país. Além do tempo adicional, cerca de dois mil soldados devem juntar-se aos atuais 4,7 mil até o final do ano. Destes, 1,2 mil são do Brasil, país que comanda a Força de Paz da ONU no Haiti desde maio deste ano, meses depois da queda do presidente JeanBertrand Aristide. De acordo com o comandante da Força de Paz das ONU no Haiti,
Abaixo-assinado quer que governo brasileiro reconsidere participação no Haiti
ilha, como comprovam os jornais e a TV. Ao contrário, nas últimas semanas, ela se agravou com choques e mortes, inclusive com feridos entre as tropas brasileiras. Como “estabilizar” um governo ilegítimo, estabelecido pelas tropas norte-americanas que, em fevereiro, violaram a soberania desta nação e depuseram o governo eleito? Como enfrentar problemas de abastecimento e catástrofes naturais na ausência de uma autoridade legítima, reconhecida pelo povo? E como enfrentar a miséria aguda da população, nestas condições? Devem ser os próprios haitianos a decidir livre e democraticamente seu futuro. A persistência na intervenção militar só vai levar a intensificar a repressão, a serviço
o general Augusto Heleno Ribeiro, ainda há a hipótese de, em um semestre, uma nova votação prorrogar a missão por mais seis ou até 18 meses. O próprio secretário geral da organização, Kofi Annan defendia a prorrogação da missão por mais 18 meses. Esse período se encerraria com a finalização do processo eleitoral no país. As eleições estão previstas para novembro de 2005 e, a posse do novo governo, para fevereiro de 2006. Heleno destacou que a “decisão política não tem maiores implicações. Não pensamos que possa se resumir em seis meses a permanência da missão. Continuamos trabalhando como se fosse dez anos.” (com Agência Brasil)
da legitimação de uma ordem injusta, configurando uma agressão à soberania de todas nações do continente, e reforçando o intento do governo Bush (EUA) de impor uma hegemonia sem limites. Os que assinamos este texto somos partidários do direito à autodeterminação, defensores da paz e da fraternidade entre os povos, como a grande maioria do povo brasileiro que o elegeu em 2002. Não podemos aceitar – quaisquer que sejam os pretextos – que tropas brasileiras participem dessa vergonhosa operação sob o manto da ONU. Exigimos do governo brasileiro que retome a defesa da resolução democrática e pacífica dos conflitos internacionais sob o princípio do respeito à soberania nacional.” REPÚBLICA DO HAITI Localização: América Central Capital: Porto Príncipe Idiomas: Francês e crioulo (oficiais) Moeda: Gourde População: 8 milhões de habitantes 80% abaixo da linha de pobreza 80% católicos 95% negros HISTÓRICO No final do século 18, a população de quase 500 mil escravos, liderada pelo ex-escravo Toussaint L’Ouverture, se revolta contra os franceses. Em1804, depois de uma década de lutas, o Haiti se torna a primeira república negra a conquistar sua independência. A ilha é governada por uma série de ditaduras violentas até 1990, quando o padre progressista Jean-Bertrand Aristide é eleito. No entanto, seu governo sofre um golpe militar em oito meses. A situação se estabiliza em 1995, quando René Préval é eleito. Aristide é reeleito com o apoio dos Estados Unidos em 2000.
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AMÉRICA LATINA CHILE
Lagos quer indenizar vítimas da ditadura Enrique Gutiérrez de Santiago (Chile)
O
presidente chileno Ricardo Lagos informou, dia 28 de novembro, que o Estado indenizará com uma pensão vitalícia mensal de cerca de 200 dólares a 28 mil pessoas comprovadamente submetidas a torturas durante a ditadura do general Augusto Pinochet. Sob investigação por violações dos direitos humanos e manipulação ilegal de contas milionárias nos Estados Unidos, o general Pinochet nunca foi processado pelos crimes de tortura, mas um juiz deve decidir nas próximas duas semanas se ele tem sanidade para se defender contra acusações de abusos dos direitos humanos. Ao discursar em cadeia de rádio e televisão, o presidente apresentou sua avaliação sobre o informe da Comissão Nacional Sobre Prisão Política e anunciou a criação do Instituto Nacional de Direitos Humanos: “O informe nos faz encarar de frente uma realidade impossível de negar. A prisão política e as torturas constituíram uma prática institucional de Estados que é absolutamente inaceitável e estranha à tradição histórica do Chile. Como pudemos viver trinta anos de silêncio?” Um entre cada 400 chilenos prestou declarações diante da
Cris Bouronbcle/AFP
Cerca de 28 mil chilenos submetidos a torturas deverão receber pensão vitalícia de 200 dólares mensais Comissão, o que faz supor que nos anos 70 praticamente todos os adultos conheciam pelo menos uma pessoa submetida a torturas. Do total de 35 mil testemunhos recolhidos entre novembro de 2003 e maio de 2004, sete mil não foram aceitos como válidos, mas em alguns casos haverá possibilidade de recorrer da direção. O presidente Lagos explicou que a indenização para as 28 mil vítimas de tortura, que deverá ser aprovada pelo Congresso, será entregue pelo Estado pois, nos dois anos anteriores da chamada Concertação – em que os democratas-cristãos formavam a maioria, e não os socialistas, como agora –, desde 1990, haviam sido outorgadas “reparações morais e econômicas” a familiares de detidos desaparecidos, a exilados e a despedidos por motivos políticos, mas nunca aos que sofreram encarceramento e violências físicas nos processos de investigação, durante a ditadura que Pinochet estabeleceu em 1973.
SEXO COM ANIMAIS
Chilenos pedem punição aos torturadores da ditadura de Pinochet
Com base nos testemunhos, o informe indicou que 94 % dos detidos assinalaram ter sofrido torturas; das 3.400 mulheres que falaram à Comissão, quase todas disseram ter sido vítimas de algum tipo de violência sexual. Houve casos de abusos sexuais com animais, cho-
VENEZUELA
Claudia Jardim de Caracas (Venezuela) Declarações de ex-ministros e a revelação de novos documentos da Agência Central de Inteligência (CIA) sobre o golpe de Estado contra o presidente venezuelano Hugo Chávez evidenciam novamente a ingerência estadunidense e de seus aliados em processos políticos latino-americanos. O ex-ministro mexicano de Relações Exteriores, Jorge Castanheda, afirmou que Chile e México impediram que prosperassem as iniciativas dos Estados Unidos, Espanha, Colômbia e El Salvador para o êxito do golpe de Estado contra Chávez, em 11 de abril de 2002. Castanheda disse ao jornal mexicano Reforma que “graças ao trabalho da (ex-ministra) Soledad Alvear e ao meu, os presidentes do Grupo do Rio decidiram mandar uma declaração de apoio à ordem constitucional”. Segundo ele, pouco depois do fracassado golpe na Venezuela, “houve na Cúpula do Rio outra tentativa similar liderada pelo (então) presidente de El Salvador, Francisco Flores, e pelo presidente da Colômbia, Andrés Pastrana, para evitar que Chávez retomasse o poder”, afirmou Castanheda. O ex-presidente de El Salvador e atual candidato à secretaria geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Francisco Flores, desmentiu as acusações e disse que esse é um tema que “está espe-
Jonah Gindin
CIA e aliados sabiam do golpe em 2002
ARGENTINA
ONGs contra acordo com terrorismo Stella Calloni de Buenos Aires (Argentina)
Partidários do presidente Chávez comemoram vitória no referendo: ingerência estadunidense
rando” para conversar com Chávez. Em entrevista publicada pelo jornal La Nación, dia 28 de novembro, Flores negou as acusações de que tenha apoiado o golpe responsável por dezenas de mortes: “Imagina, nós presidíamos o comitê da OEA que tinha como tarefa a implementação da carta democrática”. À época, Flores foi o único presidente que tornou pública sua simpatia pelo governo golpista, admitiu a idéia
de que Chávez havia renunciado, quando estava seqüestrado pelos militares, e em comunicado declarou: “Consideramos a renúncia do presidente Chávez a culminação de um processo largo de polarização, enfrentamentos e abusos dos princípios democráticos”, disse Flores após o golpe. Na Espanha, as declarações de Castanheda sobre a participação do ex-primeiro-ministro José Maria
Aznar no golpe de Estado esquentaram ainda mais o clima entre os partidários do Partido Popular e o atual governo de José Luis Rodriguez Zapatero. Na semana passada, o ministro de Relações Exteriores, Miguel Angel Moratinos, acusou Aznar de apoiar o golpe. A polêmica declaração durante a primeira visita de Chávez à Espanha após o golpe será debatida no Congresso espanhol ainda esta semana.
Documentos provam que Agência sabia do golpe Dias antes do anúncio de Castanheda, o Departamento de Estado dos Estados Unidos admitiu que tinha conhecimento do golpe de 11 de abril contra o presidente Chávez. O porta-voz Adam Ereli afirmou que o serviço de inteligência estadunidense havia precavido o presidente semanas antes do intento: “Alertamos ao presidente Chávez sobre a tentativa de golpe e advertimos das ameaças de assassinato que pareciam ser reais”. As declarações do porta-voz
ques elétricos nos órgãos genitais, fuzilamentos simulados e pessoas forçadas a ingerir excrementos, em vez de comida. Antes da apresentação do informe, dois dos cinco filhos de Pinochet deram entrevistas aos jornais de maior circulação no Chile, o conservador El Mercurio e o centro-esquerdista La Tercera, para justificar a fortuna que o pai ocultou no banco estadunidense, embora tenham reconhecido que o ex-governante usou o nome falso de “Daniel López”. Marco Antonio Pinochet – quarto filho do general – disse que lhe “custa defender” o pai pelos milhões que o general depositou no banco de Washington, mas assinalou que a investigação do caso deve ser mais cautelosa, para evitar ataques ao ex-presidente. Lucia Pinochet garantiu que durante a ditadura não teve conhecimento de atos de tortura contra dissidentes. “Para mim foi uma coisa muito terrivel quando o Exército reconheceu que haviam lançado pessoas ao mar a partir de helicópteros”. O informe lista dezoito tipos principais de tortura, como sufocação, choques elétricos e espancamentos. O relatório diz ainda que muitas das vítimas foram presas em suas casas no meio da noite e levadas a um dos 800 centros de detenção. Uma das táticas mais comuns era forçar os detentos a observar seus colegas serem torturados ou até mortos. As vítimas de tortura incluíram até crianças, 88 delas com 12 anos ou menos. Os arquivos pessoais serão mantidos em segredo por 50 anos, a não ser que as vítimas de tortura resolvam divulgá-los. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
do Departamento de Estado são uma resposta à revelação de novos documentos da Agência Central de Inteligência (CIA) solicitados pela advogada estadunidense Eva Golinger. Um dos documentos revelados, com a data de 6 de abril de 2002, diz que “facções militares dissidentes, incluindo alguns altos oficiais e um grupo de jovens oficiais radicais estão aumentando esforços para organizar um golpe contra o presidente Chávez, possivelmente neste mesmo mês”.
Para o embaixador da Venezuela em Washington, Bernardo Álvarez, as declarações de Ereli contradizem a posição oficial dos EUA depois do fracassado golpe. “Não tenho conhecimento desse suposto alerta ao presidente Chávez. O mais contraditório é que se detinham essa informação, responsabilizavam o presidente pelos fatos violentos ocorridos nesse dia”, disse Alvarez. Um dia após o golpe, o embaixador estadunidense na Venezuela, Charles Shapiro, disse em comunicado oficial: “Aplaudimos
o anúncio do governo interino de que serão investigadas a violência de ontem. Elogiamos a intenção anunciada pelo governo transitório de fortalecer as instituições e os processos democráticos dentro de um marco de respeito aos direitos humanos e ao Estado de direito”, disse o comunicado. Imediatamente após tomar o palácio de governo, Pedro Carmona suspendeu a Constituição e destituiu a Assembléia Nacional e demais instituições. (Com informações da Rádio Nacional da Venezuela).
O acordo assinado em Brasília pelos ministros do Mercosul e da Bolívia, Chile e Peru, para “intercâmbio de informações para construção de inteligência comum e realização de operações conjuntas” contra o terrorismo e o narcotráfico alarmou organizações humanitárias argentinas, uma das quais chegou a qualificar o documento como “institucionalização da sinistra Operação Condor do passado”. Entre os itens do acordo figura uma política migratória regional, em que serão registrados os imigrantes sem documentos, para maior controle. Desde meados dos anos 90, quando se soube que os Ministérios da Defesa da Argentina e Brasil negociavam acordos semelhantes, as denúncias haviam conseguido paralisar esses tratados. Mesmo assim, Carlos Corach, ex-ministro do Interior no governo Carlos Menem – e considerado um dos principais colaboradores dos planos antiterroristas da Agência Central de Inteligência estadunidense (CIA) –, havia patrocinado acordos secretos sobre o tema, antes mesmo dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington. Como antecedente do novo acordo, as organizações humanitárias citam a Operação Condor, pacto das ditaduras do Cone Sul nos anos 70, pelo qual se intercambiavam dados de segurança e de controle de pessoas e se estabeleciam monitoramentos conjuntos e ações punitivas contra dissidentes, que incluíam seqüestros, trocas de prisioneiros e assassinatos. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
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INTERNACIONAL DIREITOS HUMANOS
EUA dificultam retirada de minas Enquanto há países que não assinam o Tratado de Ottawa, minas enterradas matam uma pessoa a cada 22 minutos
A
o mesmo tempo em que pediram a proibição internacional de vendas de minas antitanques, usadas pelos resistentes no Iraque, os Estados Unidos se recusaram a participar da Cúpula Por Um Mundo Sem Minas, de 29 de novembro a 3 de dezembro em Nairóbi, no Quênia, para discutir a remoção das minas em todo o mundo, e cujas vítimas principais são civis e, em segundo lugar, soldados de infantaria. Às vésperas do encontro, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha anunciou em Genebra (Suíça), que as mortes por explosão de minas estão diminuindo: foram 24 mil em 1994 e 15 mil no ano passado, mas ainda estão, como se vê, em nível elevado. O Comitê acrescentou que a eliminação das minas foi mais intensa em países como a Colômbia e a Nicarágua. Participaram da Cúpula representantes dos 143 países signatários do Tratado de Ottawa, de
nião, mesmo porque o país rejeita o Tratado de Ottawa. Segundo a ONG Observatório de Minas, 83 países têm áreas minadas e, neles, 86% das vítimas são
1997, que proibiu a utilização, produção, armazenamento e transporte de minas antipessoas. Mas o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Adam Ereli, informou que nenhum representante estadunidense compareceria à reu-
civis, das quais 23% crianças. Desde maio de 2003, foram colocadas minas na Rússia, Geórgia, Myanmar e Nepal. De 1999 a 2003, mais de 4 milhões de minas, retiradas
Peter Kullmann/ Misna
da Redação
Centro de reabilitação de vítimas das minas antipessoais em Uganda. Ao lado, um dos cartazes da Cúpula Por Um Mundo Sem Minas
IRAQUE
Soldados podem ser processados por crimes da Redação O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, numa sentença que abre importante precedente, decidiu que as tropas européias que estejam controlando um país estrangeiro podem ser processadas segundo a Lei de Direitos Humanos em vigor na União Européia, se violarem os direitos das populações dos países ocupados. De imediato, esta sentença, proferida dia 17 de novembro, significa que os soldados britânicos e de outros países europeus que estão no Iraque estão sujeitos a julgamento no caso de crimes contra cidadãos iraquianos. A decisão do Tribunal Europeu ocorre antes de a Suprema Corte de Londres decidir se vão ser processados os soldados britânicos acusados de terem assassinado, torturado ou maltratado 31 cidadãos do Iraque.
A acusação, nesses casos, se fundamenta no fato de que as forças britânicas no Iraque têm obrigação de cumprir a Lei de Direitos Humanos da União Européia e a Convenção Européia de Direitos Humanos, mesmo fora da Europa. É isso que foi reconhecido pelo Tribunal Europeu. Além disso, a Comissão Internacional das Nações Unidas Contra a Tortura acusou a Grã-Bretanha de não aplicar adequadamente a Convenção da ONU Contra a Tortura em suas operações no Iraque. A Comissão, que também criticou a detenção de supostos terroristas estrangeiros na prisão londrina de Belmarsh, afirmou, ainda, que o Reino Unido se equivoca ao afirmar que a Convenção da ONU não se aplica ao Iraque e ao Afeganistão. (Das agências internacionais).
de 1.100 quilômetros quadrados, foram destruídas. Além dos Estados Unidos, a Rússia, China, Índia, Paquistão e Coréia do Sul não assinaram o Tratado de Ottawa. Os países mais minados do mundo são, pela ordem, o Camboja, Afeganistão, Angola e Colômbia; nesta última há de 70 mil a 100 mil minas, colocadas por paramilitares de direita e guerrilheiros. O presidente do Quênia, Mwai Kibak, abriu a reunião conclamando os 42 países não-signatários a aderir ao Tratado de Ottawa. Apesar de a eliminação das minas ter sido acelerada nos últimos sete anos, elas ainda matam uma pessoa a cada 22 minutos, em todo o mundo. Há milhões de minas ainda enterradas. O ator estadunidense Danny Glober, que faz sua primeira turnê como embaixador do Fundo das Nações Unidas para a Infância, afirmou: “Como cidadão dos Estados Unidos, sinto vergonha e ira porque meu país não assinou o Tratado.” Além dos países signatários, estiveram presentes em Nairóbi representantes da Campanha Internacional de Proibição das Minas Terrestres, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, agências da ONU e ONGs, num total de 600 pessoas, entre diplomatas, sobreviventes de explosões de minas e ativistas. (Agências internacionais).
ESCOLA DAS AMÉRICAS
Polícia reprime manifestação popular da Redação A polícia foi acionada quando cerca de 15 mil pessoas participavam da vigília anual de protesto pelo fechamento da Escola das Américas, em Fort Benning, em Columbus (Geórgia). De acordo com o Serviço Informativo Ecumênico e Popular, 17 pessoas foram presas na manifestação ocorrida dia 21 de novembro. Os detidos, chamados de “presos de consciência”, serão processados e podem pegar até seis meses de prisão. Também terão que pagar
uma multa de 10 mil dólares. Este ano, as autoridades colocaram cercas de arame para impedir que os manifestantes ultrapassassem o Fort Benning, e a placa gigante que tem o nome da Escola foi coberta com uma manta. Mas isso não impediu que os milhares de ativistas fossem além da cerca, retirassem a manta e a manchassem com tinta vermelha. Desde que começaram os protestos, muitos são presos a cada ano. Até o momento, no geral, os prisioneiros de consciência já cumpriram um total de 85 anos na prisão por sua luta pelo fechamento da Escola
das América, também chamada de “Escola de Assassinos”. Um dos casos que mais chamou a atenção, nos últimos anos, foi o de duas freiras de 85 anos de idade. Presas e processadas em 2003, elas não foram perdoadas pelos juízes e passaram seis meses em uma prisão federal. A vigília ocorre todos os anos para pressionar o governo a fechar a escola, que treina militares da América Latina em práticas de tortura. A operação é coordenada pelas forças armadas estadunidenses. (Adital, www.adital.org.br)
ANÁLISE
Peter Rosset de Washington (EUA) Do Fórum Mundial de Reforma Agrária, que se realiza em Valência, na Espanha, entre os dias 5 e 8 de dezembro, vão participar 548 pessoas, de 68 países, metade das quais mulheres. Representantes de movimentos camponeses de todo o mundo, e especialistas em reforma agrária, vão tratar especialmente de desmistificar o discurso do Banco Mundial sobre o tema. As mudanças recentes das posições do Banco Mundial no que se refere à terra, lembram o título do velho filme de Clint Eastwood, O Bom, o Mau e o Feio. O “bom” é que o Banco “descobriu” que, quando um país tem uma distribuição da terra muito desigual, e, em conseqüência, muitos pobres na área rural não têm acesso aos recursos produtivos, disso se ressente o desenvolvimento econômico. Há décadas, isso não é novidade para quem estuda o problema da terra. A novidade é que o próprio Banco Mundial, agora, se diz favorável à reforma agrária em muitos países. Infelizmente, o que o Banco entende como reforma agrária está muito longe do que é reivindicado pelos sem-terra.
O “mau”, então, é que o Banco Mundial não se associou ao grito global pela expropriação das propriedades excessivamente extensas dos super-ricos, e pela sua redistribuição aos pobres sem terra. A instituição não reconheceu, realmente, o que está claro para a maioria das pessoas: que as propriedades rurais privadas em mãos de poucos, em meio à pobreza de muitos, são moralmente perversas e tornam impossível o desenvolvimento. Ao contrário, o Banco está utilizando a retórica da reforma agrária para pressionar pela “liberalização dos mercados agrários”, isto é, a liberdade de comprar e vender a terra como mercadoria, sem levar em conta que é a sobrevivência das pessoas que está em jogo. Com este fim, o Banco deu impulso a políticas para privatizar as terras públicas e para dividir as propriedades em pequenas parcelas, com títulos individuais de propriedade que podem ser vendidos. A conseqüência de pôr à mercê das forças do mercado o acesso à terra tem sido, em geral, desastrosa para os pobres e para os indígenas: fez com que os pobres, desesperados, vendessem massivamente suas terras, o que provocou novas ondas de concentração da terra nas mãos
Henry Milleo/Gazeta do Povo/Folha Imagem
A perversidade das políticas agrárias do Banco Mundial
Estratégia do Banco Mundial é incentivar a política de compra de terra
dos ricos, e mais miséria para a maioria da população rural. O Banco Mundial também estimulou a disseminação de bancos da terra em vários países. Com tais bancos, os muito pobres são induzidos a contratar empréstimos a altas taxas de juros para comprar terra de má qualidade, que os proprietários ricos desejam vender, a preços supostamente “de mercado”, mas que são, freqüentemente, muito superiores aos seus valores reais. Isso equivale a regalar os proprietários ricos com fundos fiscais
em troca de terras sem valor e de baixa fertilidade. O peso das dívidas que as famílias supostamente beneficiárias têm de assumir, na maioria dos casos, é impossível de sustentar por causa da escassa produtividade da terra adquirida. O custo deste tipo de “reforma agrária” é tão proibitivo – pois a própria existência do programa causa a inflação dos preços da terra – que acaba não dando resultado. A adjetivação “feio”, nós a reservamos ao fato de que o Banco Mundial acena com seus progra-
mas do banco da terra aos países onde os movimentos populares estão mais ativos e têm mais êxito na ocupação de terras ociosas, como no Brasil, onde o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) colocou a reforma agrária na agenda do debate nacional. Nesses casos, o Banco Mundial tenta despolitizar a questão da terra, deslocando a reforma agrária do âmbito da política para o do mercado, ao mesmo tempo que tenta sabotar o apoio aos movimentos mais bemsucedidos. O trágico é que o peso da privação de terras é tão grande que somente uma solução a partir das políticas de governo e da ação política pode corresponder à sua magnitude, enquanto os enfoques baseados no mercado, no melhor do casos, apenas tocam marginalmente o problema. Ao sabotar a luta política pela reforma agrária verdadeira, o Banco Mundial empurra a reforma para cada vez mais longe de se concretizar. Peter Rosset é coordenador da Rede de Investigação-Ação Sobre a Terra (www.acciontierra.org) e membro do Comitê Internacional do Fórum Mundial de Reforma Agrária (www.fmra.org)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Moçambique escolhe novo presidente da Redação
E
leições gerais em Moçambique escolhem esta semana (dias 1º e 2 de dezembro) o novo presidente da República e 250 deputados ao Parlamento. Cinco candidatos concorrem à vaga do atual presidente, Joaquim Chissano, em 21 partidos e coligações. A disputa presidencial está, no entanto, polarizada entre os dois maiores partidos, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). Nove milhões de moçambicanos estão aptos a votar. Chissano, da Frelimo, está no poder há 18 anos. Analistas apontam que seu candidato, Armando Emílio Guebuza, vencerá o pleito, apesar da boa colocação do principal líder de oposição, Afonso Dhlakama, da Renamo. Tanto Guebuza quanto Dhlakama afirmaram durante a campanha eleitoral que o combate à Aids, à corrupção e à burocracia da máquina governamental está entre seus principais desafios. Quem quer que ganhe, porém, não vai alterar muito a situação do empobrecido Moçambique, que enfrentou uma guerra civil de quase 20 anos, encerrada em 1992. O crescimento econômico do país apresentou uma média de 10% na última década – entre os maiores do mundo –, mas metade dos 18 milhões de habitantes ainda vive na extrema pobreza. O desemprego tem taxa de 50%. Em agosto deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdoou 95% da dívida de 331 milhões de dólares de Moçambique com o Brasil. Para rebater os números negativos de suas quase duas décadas no poder, o atual chefe de Estado moçambicano faz questão de trazer a público outros dados. Joaquim Chissano destaca que a taxa de analfabetismo foi reduzida de 90% para 54% – desde 1975, quando a Frelimo assumiu o poder no país. No entanto, foram necessários cinco anos para reduzir de 60% para 40% a dependência de ajuda estrangeira, um dos problemas mais graves de Moçambique. Embora ainda pudesse concorrer para um terceiro mandato, Chissano disse ter escolhido sair, em benefício da democracia. A polícia moçambicana divulgou na semana passada que 12 pessoas tinham morrido até então vítimas da violência eleitoral, contra 50 que morreram nas eleições de 1999, quando Chissano venceu com 52,3% dos votos contra 47,7% de Dhlakama. A Frelimo tem hoje
Paulo Lima
Disputa está polarizada entre candidatos da Frelimo, no poder, e da Renamo, antiga guerrilha de direita
Vendedora de legumes em rua de Maputo, capital do Moçambique: desde as eleições de 1999, clima é de tensão entre Frelimo e Renamo
QUEM É AFONSO DHLAKAMA
133 cadeiras no Parlamento contra 127 da Renamo. Desde as eleições de 1999 o clima é tenso entre partidários da Frelimo e da Renamo. Esta última reclamou de fraude nos resultados que deram a vitória a Chissano. No pleito atual, o partido de Dhlakama alega que computadores “são sinistros instrumentos de fraude eleitoral” e exige que a tabulação e contagem dos votos seja feita manualmente, segundo informa a agência All Africa. O uso de computadores, porém, não é novidade nas eleições moçambicanas. São usados desde 1994 para tabulação e contagem dos votos, embora não para a votação em si. Em 1999,
operadores de computadores da Renamo é que foram acusados de fraudar a contagem de votos na província de Nampula. Cerca de 900 observadores eleitorais credenciados pelas autoridades moçambicanas estão no país desde a semana passada para acompanhar as eleições. Os observadores são de várias missões internacionais, entre as quais a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Commonwealth (das quais Moçambique é membro), União Européia, Parlamento Europeu, Carter Center e organizações independentes moçambicanas.
Principal candidato de oposição na eleição à Presidência de Moçambique. Aos 51 anos, Dhlakama enfrenta a terceira corrida presidencial, depois de ter liderado a guerrilha da Renamo contra o governo da Frelimo. A possibilidade de uma terceira derrota deixa para a Renamo uma decisão sobre a sua continuidade na liderança partidária. Afonso Dhlakama colocou a reforma do Estado moçambicano no centro das preocupações do seu governo, caso vença as eleições, defendendo a “despartidarização do funcionalismo público” e de altos cargos do Estado. Durante a guerra civil moçambicana, foi um dos líderes da Renamo, guerrilha que recebia apoio do então regime racista da África do Sul, o apartheid, e combatia o governo de orientação marxista de Samora Machel.
QUEM É ARMANDO GUEBUZA Candidato favorito à Presidência de Moçambique. Tem 61 anos, é empresário e foi eleito secretário-geral da Frente Nacional de Libertação de Moçambique (Frelimo) em 2002. Participou ativamente da luta pela independência de Portugal, ao lado do lendário líder moçambicano Samora Machel, um dos criadores da Frelimo. Ficou famoso em 1974, por ocasião da proclamação da independência, quando deu aos colonizadores portugueses que não queriam se submeter ao novo governo 24 horas para deixar o país. É conhecido pelo combate à corrupção. Liderou a negociação de paz pela Frelimo para pôr fim à guerra civil moçambicana (19761992), durante a qual a então organização marxista combateu a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).
Helsinque: “Para os pobres, o tempo está acabando” Moyiga Nduru de Pretória (África do Sul) Sua jornada típica começa às cinco da manhã. Com uma cabaça na cabeça, e às vezes com um bebê nas costas, as mulheres camponesas da África caminham até 12 quilômetros por dia para conseguir água. Quando voltam do rio, devem limpar suas cabanas, para, em seguida, irem trabalhar no campo. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), as mulheres produzem 80% dos alimentos em muitos países africanos. No Sudão, 30% das mulheres trabalham na agricultura, e, na República Democrática do Congo, elas somam 80%, segundo a FAO. Ao terminar o extenuante trabalho na lavoura, as mulheres voltam para casa, onde cozinham para os filhos e maridos antes de irem para a cama exaustas. No dia seguinte, as mesmas tarefas esperam por elas: uma armadilha da pobreza sem escapatória à vista. Entretanto, o Processo de Helsinque se nega a sucumbir ao
pessimismo que inspiram essas e muitas outras situações no Sul em desenvolvimento. A iniciativa lançada há dois anos pelos governos da Finlândia e Tanzânia tem como objetivo combater a desigualdade para tornar o mundo um lugar mais seguro. “A premissa do Processo de Helsinque é que a atual estratégia para resolver problemas mundiais não dá resultado e que as instituições com poder para melhorar as coisas são ineficientes, injustas e antidemocráticas”, afirmou Flora Musonda, membro da secretaria do Processo de Helsinque na Tanzânia. “O processo promove a mudança, e acreditamos que ela é possível se forem feitas as perguntas corretas, se envolverem as instituições certas e se buscarem soluções inovadoras”, disse Musonda em uma reunião convocada pelos organizadores da iniciativa em Pretória, capital da África do Sul. Essa busca de soluções está encabeçada pelo Grupo de Helsinque, co-presidido pelos chanceleres da Finlândia e Tanzânia,
Erkki Tuomioja e Jakaya Kikwete, respectivamente. Ilari Rantakari, representante do Processo de Helsinque no Ministério de Assuntos Exteriores da Finlândia, disse na reunião de Pretória que o processo tende a promover novas associações entre o Norte e o Sul, bem como entre governos, sociedade civil e setor privado. Rantakari espera que o processo faça com que a comunidade internacional “seja mais responsável ao fixar políticas mundiais e mais cumpridora de políticas acordadas mundialmente, como as referentes aos direitos humanos e às Metas de Desenvolvimento do Milênio”. Essas metas, estabelecidas pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 2000, incluem a redução da pobreza à metade, o acesso universal à educação fundamental e a redução da mortalidade infantil em dois terços entre 1990 e 2015. Outras metas se referem à redução da mortalidade materna, ao combate ao HIV/Aids e à sustentabilidade ambiental.
De todas essas metas, a única que está em vias de ser cumprida até 2015 é a da redução da pobreza, afirmou o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, 17 de outubro. Esse objetivo mundial seria alcançado “graças aos esforços da China e da Índia”, os países de maior população do mundo. No entanto, “em algumas partes da Ásia meridional, o panorama é menos promissor, e na África subsaariana se prevê que o número de pessoas que vivem na pobreza absoluta aumentará”, advertiu Wolfensohn. No dia 26 de setembro, a Grã-Bretanha anunciou uma iniciativa para ajudar a pagar 10% da dívida que os 32 países mais pobres do mundo têm com credores internacionais. Entretanto, a proposta foi rejeitada pelos outros membros do Grupo dos Sete (G-7) países mais ricos do mundo durante reunião realizada no último dia 2 de outubro em Washington. Fantu Cheru, professor de desenvolvimento internacional da Universidade de Washington,
disse na reunião de Pretória, no dia 15 de outubro, que o tempo está acabando para os pobres do mundo. Cheru propôs que 5 bilhões de dólares para uma sugerida venda das reservas de ouro do Fundo Monetário Internacional (FMI) sejam separados para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentarem as flutuações das moedas e dos preços dos produtos básicos, entre outros males da economia mundial. Além das deliberações do Grupo de Helsinque, o Processo de Helsinque inclui discussões sobre uma “agenda econômica mundial” e “segurança humana”. Com base no resultado dessas conversações, o Grupo de Helsinque emitirá recomendações dirigidas a governos e instituições, que serão publicadas com um relatório final em maio do próximo ano. Embora o Processo seja dirigido por Tanzânia e Finlândia, em breve poderão somar-se às discussões Brasil, África do Sul, Argélia, México, Malásia, Índia, Canadá e outros países, anunciou Rantakari. (...) (IPS/Envolverde – www.envolverde.com.br)
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AMBIENTE RIO SÃO FRANCISCO
Projeto ignora sociedade civil Luís Brasilino da Redação
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ma batalha jurídica se aproxima e promete ser decisiva na questão da transposição do Rio São Francisco. Segundo informações do Ministério da Integração Nacional, principal responsável pelo projeto, resta apenas a decisão de dois fóruns para definir o início, ou não, das obras: o licenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a decisão sobre o aproveitamento externo dos recursos hídricos da bacia do São Francisco. Um impasse é previsível porque, neste segundo fórum, há uma discussão sobre quem tem mais competência para decidir: o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), ou o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Será uma disputa dura porque as posições dos dois órgãos devem ser bastante diferentes. O Comitê, composto essencialmente por representantes da sociedade civil, já se posicionou contrário ao projeto como ele vem sendo apresentado pelo Ministério da Integração. O Conselho, que ainda não se manifestou, é formado, na maioria, por membros do governo federal e deve apoiar os desejos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – fervoroso defensor da transposição.
Fotos: Aldo Maranhão
Decisão de juíza frustra expectativa do governo de transpor, 30 de novembro, a última barreira para começar obras Para os críticos da obra, o Ministério da Integração convocou a reunião do Conselho com o intuito de mudar a decisão do Comitê que, no final de outubro, decidira que o uso das águas do São Francisco, fora da bacia, seria restrito ao consumo humano e animal, desde que as bacias receptoras fizessem um estudo para comprovar a necessidade do envio dessa água. “Essa decisão, tomada por esmagadora maioria, praticamente inviabiliza o projeto, porque ele não foi feito para isso”, argumenta Ruben Siqueira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Bahia. O objetivo central da transposição é levar água para fomentar o agronegócio no semi-árido. Segundo Roberto Malvezzi, o Gogó, coordenador nacional da CPT, se as obras forem concluídas, 70% da água será usada para irrigação, 26% para consumo em grandes cidades, e apenas, 4% para a dispersa população do semi-árido.
Barcas que fazem a travessia entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE); ao lado, foto da ponte que liga as duas cidades
No entanto, segundo a engenheira agrônoma Maria Higina do Nascimento, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) e membro do Fórum Permanente em Defesa do São Francisco, a decisão compete a quem está na bacia doadora. “Eles estão querendo empurrar esse projeto goela abaixo”, declara.
GOELA ABAIXO João Bosco Senra, secretário executivo da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e também do CNRH, diz que a obra é decisão de governo. “O Conselho tem competência para deliberar quando a questão envolve muitos Estados e o Comitê extrapolou seu raio de atuação quando decidiu sobre o uso externo da água da bacia do São Francisco”, avalia.
SEM REUNIÃO No dia 30 de novembro, a briga jurídica teve seu episódio mais acalorado, desde o início das discussões sobre a transposição. Nesta data, iria se realizar uma reunião extraordinária do Conselho para apreciar a questão do aproveitamento externo da água. Porta-vozes do governo anun-
DEMAGOGIA
ciavam que, vencendo o debate no CNRH e tendo seu projeto inicial aprovado, nada mais impediria o início das obras da transposição, em março de 2005. Contudo, desde a semana anterior, começaram a chegar à Justiça ações contrárias à reunião. Na principal delas, movida pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal (DF), Iolete Maria Fialho de Oliveira, juíza
da 16ª Vara Federal do DF, julgou que a reunião do Conselho não poderia ocorrer, pois o Comitê ainda não encerrou suas discussões. Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional, anunciou que vai entrar com ação para cassar essa liminar, mas, de todo modo, a reunião foi cancelada. Mesmo que Gomes tenha sucesso, levará algumas semanas para o Conselho se encontrar novamente.
O Ministério da Integração, por sua vez, informa que o objetivo da transposição é oferecer segurança hídrica – garantia de que não vai faltar água para beber e que, quando sobrar, a água poderá ser utilizada para finalidades econômicas, ou seja, ser consumida pela indústria, ecoturismo, irrigação, apicultura etc. A crítica final ao projeto é que ele se encaixa perfeitamente na lógica da indústria da seca. “Grandes obras, uso de muito dinheiro público (R$1,078 bilhão, só em 2005), empreiteiras gigantes e pouca discussão”, descreve Gogó. Críticos da obra sugerem soluções estruturais microregionais e políticas públicas de convivência com o semi-árido como alternativas ao megaprojeto da transposição. Quanto ao governo, tem se omitido dos debates.
TRANSGÊNICOS
Dioclécio Luz de Brasília (DF) Em março foi denunciada a existência de plantio ilegal de algodão transgênico. O setor agrícola reconheceu, o Ministério da Agricultura chegou a descobrir algumas plantações, mas a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) fez o impensável: liberou a comercialização e o plantio de sementes de algodão com até 1% de transgenia. Com essa decisão, na prática, a CTNBio estimula o contrabando e a contaminação por transgênicos. Além do mais, a decisão da CTNBio burla a legislação vigente. O parecer pela liberação foi aprovado na reunião da CTNBio dia 18 de novembro, mas o “extrato prévio” (nº 275/04), que deveria preceder a reunião, só foi publicado cinco dias depois, no Diário Oficial da União. De acordo com a Medida Provisória 2.191/01, e com o Decreto 1.752/95 (que regulamenta a Lei 8.974/95), a CTNBio só poderia decidir sobre o parecer técnico e aprovar ou não a liberação se antes publicasse o extrato prévio. No caso, o presidente da CTNBio, Jorge de Almeida Magalhães, inverteu a ordem do processo, contrariando a lei – decisão que foi criticada inclusive pelos ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário. Por isso algumas entidades estão se mobilizando para processar o presidente da Comissão e seus membros por improbidade administrativa. O deputado Edson Duarte (PVBA), líder do partido na Câmara, não se surpreeende com a atitude da Comissão: “A CTNBio havia mos-
Arquivo Embrapa
CTNBio ignora lei e libera algodão modificado
Comercialização de sementes com até 1% de transgenia pode favorecer contaminação
trado, em outras ocasiões, que não merece o mínimo de credibilidade da sociedade brasileira. A Comissão é um órgão que atua como promotor do mercado de transgênicos e não pela biossegurança do país”. O parlamentar lembra o caso da liberação da soja Roundup Ready da Monsanto, em 1997, aprovada pela Comissão, numa reunião sem quó-
rum e onde o seu presidente informou que iria consultar a Monsanto sobre o texto final do parecer.
EXPLICAÇÕES AO PÚBLICO A CTNBio é uma das convidadas para a audiência pública marcada para o dia 9 de dezembro na Câmara, por solicitação de Duarte. Apesar da ilegitimidade da decisão,
a CTNbio tem se manifestado na imprensa, incentivando o plantio de algodão transgênico e parece ignorar questões primárias em biossegurança: o cruzamento de espécies e a contaminação transgênica são irreversíveis. O Brasil é centro de origem de algodão. O cruzamento com as espécies nativas é inevitável e não há como corrigir o dano. As espécies nativas de algodão – três espécies arbóreas somente no Nordeste –, para todos os efeitos, se tornariam extintas. No meio ambiente surgiriam novas espécies transgênicas, híbridas do cruzamento do transgênico com as nativas. Portanto, para a biodiversidade brasileira, o perigo é enorme. Há perguntas cujas respostas os cientistas desconhecem: como se comportaria a nova espécie alienígena em meio à biodiversidade nacional? O que ocorreria aos insetos envolvidos no processo de polinização? Quais os efeitos sobre as demais espécies de plantas aparentadas do algodão? Quais os efeitos sobre a cadeia ecológica? Mas isso não parece preocupar as indústrias do setor e muito menos os ruralistas plantadores de algodão. Eles se juntaram aos demais representantes do agronegócio (produtores de soja, pecuaristas...) e fazem lobby no Congresso para que se aprove uma nova lei de biossegurança concedendo poderes totais à CTNbio, seguros de que a CTNbio está ao lado deles e vai, sempre, considerar o mercado acima da biossegurança. O substitutivo ao projeto da biossegurança, elaborado pelo senador Ney Suassuna (PMDB-PB), atende aos interesses
dos ruralistas. E foi aprovado graças a um acordo fechado entre esse lobby e o PT, bancado pelo senador Aloízio Mercadante (PT-SP).
FATO CONSUMADO Mercadante, na verdade, serviu a um poderoso grupo, auto-intitulado “Cadeia Algodão Brasil”, formado por seis entidades: Associação Brasileira do Algodão (Abralg), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confeção (Abit), Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Associação Brasileira dos Obtentores Vegetais (Braspov), Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea) e Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (Abrasem). Foi a Abrasem que solicitou a liberação do algodão à CTNBio, em nome de três associados – Bayer, Syngenta, Monsanto. As ações da CTNBio no caso do algodão apontam para a repetição do ocorrido com a soja transgênica no Rio Grande do Sul. Ali, intencionalmente, estimulou-se a entrada da soja contrabandeada Roundup Ready, da Monsanto. Em menos de seis anos ela estava espalhada por todo o Estado. Um crime foi cometido mas ninguém foi punido. O governo editou duas medidas provisórias e, pela primeira vez na história do capitalismo mundial, uma empresa, a Monsanto, faturou com a venda de um produto pirata, a soja. Cobrando royalties sobre a soja contrabandeada, mas liberada pelo governo, a Monsanto anunciou que vai ganhar mais ainda na colheita de 2005, cobrando o dobro (R$ 1,60) por saca de 60 kg – deve faturar cerca de R$ 300 milhões.
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DEBATE RUMOS DO GOVERNO
O país do latifúndio país do latifúndio revela mais uma vez sua cara. Por uma dessas coincidências tão surpreendentes quanto inexplicáveis, o economista Celso Furtado e os cinco trabalhadores sem-terra assassinados em Felisburgo (MG) são sepultados praticamente juntos. De um lado, um dos intelectuais brasileiros mais comprometidos com a causa da justiça social; de outro, representantes de um dos movimentos sociais mais ativos no combate à concentração da terra e à exclusão social. A teoria e a prática de mãos dadas na luta por uma nova sociedade, testemunhos vivos do que pode vir a ser o “Mutirão por um novo Brasil”, promovido pela 4ª Semana Social Brasileira. O caso faz pensar nas chaves de leitura que herdamos de alguns clássicos que estudaram mais a fundo a nossa história. Primeiramente, do ponto de vista econômico, os estudos de Caio Prado Junior, Celso Furtado e Octavio Ianni, entre outros, nos remetem ao célebre tripé na economia brasileira. Esta, desde seus primórdios, assenta-se sobre o latifúndio, o trabalho escravo e a monocultura de exportação. Baseada na grande propriedade de terra, na superexploração do trabalho e no fornecimento de matérias-primas para os países centrais, nossa economia sempre esteve de braços abertos para a metrópole – seja ela Lisboa, Londres ou Nova York – e de costas para as necessidades fundamentais de seu próprio povo. Até os dias de hoje, o tripé revela-se não apenas como chave de leitura, mas como metáfora viva e atual de nossa trajetória histórica. Não seria tão absurdo, por exemplo, falar atualmente do latifúndio das comunicações,
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do agronegócio, da água ou da produção econômica em geral. A grande empresa prevalece sobre a pequena e média iniciativa, porque as opções políticas a favorecem. Da mesma forma que persiste o trabalho escravo, ao lado de outras formas precárias de trabalho. E persiste igualmente o afã das exportações, ficando em segundo plano a consolidação do mercado interno. Em segundo lugar, do ponto de vista político, a obra de Raymundo Faoro não nos permite esquecer que “os donos do poder” continuam aferrados com unhas e dentes às benesses das classes dominantes. Herdado da Península Hibérica e aprofundado no Brasil, o conceito de “patrimonialismo” explica a apropriação privada da rex publica, apropriação que inclui o erário, os privilégios e a projeção pessoal. Tem sido comum na história brasileira administrar os problemas do Estado como se fossem negócios familiares. Essa prática dá margem a uma crescente promiscuidade entre o
público e o privado, a ponto de qualquer obra realizada com o orçamento público ser inaugurada e recebida como se fosse um benefício de fulano ou sicrano de tal. Não é à toa que grande parte das obras levam o nome e uma placa do administrador de plantão. Nesse momento, não seria difícil fazer desfiar aqui os diversos Estados da federação, com seus respectivos “donos”! Também neste caso, a noção de patrimonialismo aparece simultaneamente como chave de leitura e como metáfora do “jeito brasileiro de fazer política”. Jeito onde o “toma lá dá cá” é a regra e o motor que faz funcionar os poderes e repartições públicas, desde o Congresso Nacional até os postos de atendimento mais simples e inexpressivos. O “jeitinho brasileiro” tem aqui uma de suas faces mais perversas, que se traduz concretamente na política do coronelismo e no voto de cabresto, práticas que estão entre os maiores nós de uma verdadeira democracia.
Por fim, do ponto de vista sociocultural, lancemos um rápido olhar sobre o estudo de Gilberto Freire, Casa Grande & Senzala, para a realidade do campo, e Sobrados e Mocambos, para o mundo urbano. No Brasil praticamente inexiste uma tradição de direitos adquiridos. A formação da sociedade brasileira desenvolve-se a partir de uma cultura de privilégios para a Casa Grande e favores para a Senzala. O grande problema é que os favores oscilam em quantidade e qualidade de acordo com o humor ou os lucros do senhor. Quando este está mal-humorado ou quando vão mal os negócios do açúcar, do café, do algodão, da soja ou do gado, os favores são substituídos pelo chicote, pela polícia ou pelo exército. Os episódios de Canudos, Cabanas,
Ilustrações: Kipper
Pe. Alfredo J. Gonçalves
Quebra-quilos, Contestado, Palmares, Eldorado dos Carajás e Felisburgo revelam isso à saciedade. Genocídio, chacina ou massacre são conceitos que explicam mal o drama de pessoas e famílias sumária e brutalmente eliminadas pelo simples fato de reclamar pelo direito à vida. Aliás, esses trágicos episódios mostram ainda que, em nossa história, sempre que os moradores da Senzala se organizam e lutam para transformar os favores em direitos adquiridos, o peso da repressão se faz sentir com toda força. Mais uma vez, a chave de leitura transforma-se em metáfora das relações sociais mais profundas no Brasil. Do lado da Casa Grande, estão aqueles que, por direito, podem estudar e passar férias em Paris, Disneylândia ou Miami, pois dispõem de amplos recursos e possibilidades; do lado da Senzala, aqueles que, pelos lixões e ruas da cidade, disputam com os cães e abutres os restos de comida podre. De um lado, os senhores da terra, da renda, das riquezas e do poder; do outro, migrantes, sem terra, sem emprego e sem rumo! Quantos Eldorados dos Carajás e quantos Felisburgos teremos ainda de presenciar até que as coisas mudem! E quantos “governos da mudança” terão de ser eleitos! Felizmente, os trabalhadores e trabalhadoras não se deixam intimidar. Para além da retórica estéril do governo e da insensibilidade de alguns setores da sociedade, a marcha pela reforma agrária e agrícola não se detém diante das cercas e das balas assassinas. Como diria o poeta, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Pe. Alfredo J. Gonçalves é vigário da Paróquia de São Bernardo do Campo (SP)
O jogo de cena do salário-mínimo Luiz Marinho Congresso Nacional está se preparando para votar o Orçamento da União de 2005. E, ao que parece, a mesma hipocrisia com que o salário-mínimo tem sido tratado no Brasil tende a se repetir na discussão da peça orçamentária. No início de 2004 – quando se discutiu o reajuste do salário-mínimo –, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) chamou a atenção da sociedade brasileira para o jogo de cena de políticos que, depois de aprovar o Orçamento no ano anterior, viram arautos de aumentos significativos e do salário-mínimo decente. Ou de governantes que usam a escassez de recursos do Orçamento proposto por eles mesmos como desculpa para reajustes pífios, escondendo, na verdade, a política econômica ortodoxa e concentradora de renda. É por esse motivo que a CUT está propondo às demais centrais sindicais uma imediata e ampla mobilização para que o Executivo e o Congresso Nacional reservem agora recursos no Orçamento de 2005 para o aumento do salário-mínimo. Pela mobilização, queremos garantir que o governo e os parlamentares adotem outra lógica no reajuste dessa remuneração, compreendendo-a como principal indicador para a distribuição de renda e a justiça social no país. A CUT já havia apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 23 de abril, proposta de recuperação do salário-mínimo, com o objetivo de dobrar o seu valor nominal até 2007 e com
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um debate planejador de futuro, fazendo com que ele, em até vinte anos, atinja os patamares estabelecidos na Constituição – de ser capaz de atender às necessidades de uma família (segundo o Dieese, o mínimo deveria ser de R$ 1.510,67). Para definir os mecanismos e o cronograma de como isso poderia se dar, propusemos a criação de comissão quadripartite (Executivo, Legislativo, Centrais Sindicais e representações empresariais), com o objetivo de estabelecer uma política de recuperação do salário-mínimo em uma perspectiva de curto, médio e longo prazos. Uma das funções dessa comissão seria ainda debater alternativas que, enquanto incrementem o poder aquisitivo do mínimo, bus-
quem minimizar o impacto de seu reajuste sobre a Previdência. Infelizmente, como o Orçamento da União de 2004 havia sido elaborado com os mesmos vícios dos anos anteriores, na-
quele momento a proposta da CUT não teve eco. A entidade continuou insistindo no debate e, em 15 de setembro, em audiência com o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, o assunto voltou a ser tratado. O ministro comprometeu-se então a reunir todas as centrais sindicais ainda este ano para que houvesse tempo hábil de debater o tema antes da votação do Orçamento no Congresso. E é com base nesse compromisso que já solicitamos nova audiência com Ricardo Berzoini e vamos realizar essa ampla mobilização. Queremos discutir alternativas – e estamos abertos a outras propostas – para que o assunto não continue sendo, historicamente, relegado a segundo plano. A CUT reitera que o Brasil
vai continuar patinando se não parar para rever qual é o papel do salário-mínimo na efetivação da justiça social no país e perceber que é inadmissível continuar deixando milhões de pessoas à margem dos mais básicos direitos enquanto cidadãs. Com o estabelecimento de uma política vigorosa de recomposição do mínimo, maior será o consumo e, por conseqüência, a economia será alavancada, mais empregos formais serão gerados e maior será a arrecadação dos tributos (inclusive para a Previdência). E, assim, conquistaremos um Estado verdadeiramente democrático. Luiz Marinho é presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA NACIONAL
PORTAL DO VOLUNTARIADO O Portal do Voluntário lançou nova área, a V2V. A sigla, que em português significa “De Voluntário para Voluntário”, é um serviço gratuito que facilita a busca de vagas em instituições sociais, a troca de experiências sobre formas de voluntariado e ainda tem espaço para a construção de fóruns e de promoção de eventos. Após cadastro, o usuário ganha uma página onde explica quem é, o que faz e o que pode oferecer. A novidade já foi apresentada na Conferência Nacional de Voluntariado dos Estados Unidos, realizada em julho, e na 18ª Conferência Mundial de Voluntariado da Associação Internacional para Esforços Voluntários, realizada durante o Fórum Barcelona 2004, em agosto. Mais informações: www.portaldo voluntario.org.br PORTAL VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Dia 25 de novembro, Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher, o Instituto Patrícia Galvão lançou um portal dedicado ao tema. O objetivo é ampliar o debate sobre a violência contra as mulheres, usando a comunicação como veículo. O portal servirá como referência para a imprensa. Para provocar mudanças na sociedade brasileira em
3º FÓRUM SOCIAL POTIGUAR 17 a 19 O fórum será realizado no oeste do Estado por ser uma região marcada pelas ações de movimentos, entidades e pastorais. Entre os temas que serão discutidos durante o encontro estão agroecologia, economia solidária, protagonismo popular, cultura, e problemas internacionais, como o livre comércio, vinculados a aspectos regionais sobre desenvolvimento e semi-árido. As entidades CF8, Coopervida, Terra Viva e Visão Mundial fazem parte do comitê organizador. Local: Pça. Dom João Costa, Mossoró Mais informações: cf8@cf8.org.br, cooper.vida@uol.com.br
relação à violência contra as mulheres são essenciais reportagens, artigos e debates sobre a opinião que a população tem sobre essa questão e as formas de prevenir e combater o problema. No portal, jornalistas poderão encontrar informações qualificadas e dados atualizados. Mais informações: www.violenciamulher.org.br
CEARÁ CAMINHADA PELO DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A AIDS 3, a partir das 7h30 No Dia Mundial de Luta Contra a Aids, 3 de dezembro, haverá uma caminhada artística puxada pelos grupos de teatro do Convida e da Escola Municipal José Barros. A caminhada contará com a participação de crianças e adolescentes, famílias da comunidade, estudantes, agentes de saúde e mobilizadores sociais. O evento será realizado em parceria com a ONG Visão
Vanor Correia
RIO GRANDE DO NORTE É TUDO VERDADE Estão abertas as inscrições para o 15º Festival de Documentários, este ano com o tema “É tudo verdade”. As inscrições vão até o dia 20 de janeiro de 2005. Serão selecionados, no mínimo, sete trabalhos para exibição na mostra competitiva brasileira e doze produções que participarão da competição internacional. Os títulos escolhidos serão oficialmente comunicados até dia 25 de fevereiro. Mais informações: www.etudoverdade.com.br
Mundial e fará parte das atividades do Movimento Global para as Crianças, que acontecerá em 50 países, enfocando a temática “Mulheres, Meninas, HIV e Aids”. Local: Saída do Parque Santa Filomena, Fortaleza Mais informações: (85) 3275-6123, conselhonovavida@secrel.com.br 1º SEMINÁRIO VOZES DA TRADIÇÃO 3e4 O evento é uma promoção do Instituto Amanaiara, que pretende divulgar a tradicional Festa da Coroa do Bom Jesus dos Aflitos. Outro objetivo da atividade é aproximar a comunidade acadêmica e os moradores do bairro, os devotos e promesseiros do Bom Jesus e ainda os indígenas e os que trabalham junto a eles. Local: Salão Paroquial de Parangaba (ao lado da igreja), Parangaba Mais informações: (85) 8844-0917, institutoamanaiara@hotmail.com
OFICINAS SOBRE CONSUMO SUSTENTÁVEL 10 a 12 O objetivo dos dois eventos, promovidos pelo Instituto Terrazul, é ouvir os participantes sobre a crise ambiental e os atuais padrões de consumo; apresentar a proposta de um programa de educação ambiental para o consumo sustentável e debater a importância de uma organização de consumidores conscientes para defender os interesses dos seres humanos e da biodiversidade. Essas serão as primeiras das 19 oficinas que acontecerão em nove regiões do Ceará, envolvendo 950 lideranças de 36 municípios, além de cerca de 80 professores e 300 profissionais formadores de opinião. No final do processo deverá ser formada a Liga dos Consumidores Conscientes do Ceará, com implantação prevista para março de 2005. Local: Centro de Defesa da Vida Herbert Souza (CVDHS), R.
Fernando Augusto, 987, Grupo Dendê-Sol, R. Otávio Rocha, 195, Fortaleza Mais informações: (85) 3088-5618, mariasogon@hotmail.com
SÃO PAULO CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCOMUNICADORES 6 a 10 O objetivo do encontro é formar mediadores de oficinas de rádio, vídeo e jornal, a partir da metodologia do projeto “Calaboca já morreu”. Os encontros, sob coordenação de Grácia Lopes Lima, promovem a compreensão das bases teóricas do campo da educomunicação, bem como o entendimento das dinâmicas próprias de grupos operativos. Local: Av. Gal. Mac Arthur, 96, São Paulo Mais informações: educomunicador@portalgens.com.br
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CULTURA
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FESTA POPULAR
Música e teatro animam a luta pela terra Tatiana Merlino da Redação
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em a chuva foi capaz de desanimar os participantes da 1ª Festa Cultural das Comunas da Terra, que aconteceu dia 28 de novembro, no acampamento Irmã Alberta, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no km 27 da Rodovia Anhanguera. Durante o encontro, 500 visitantes juntaram-se às 250 famílias acampadas para assistir espetáculos musicais, teatrais e se deliciar com o festival gastronômico onde foram servidos 20 pratos à base de mandioca. “Como choveu muito, tivemos que mudar toda a programação, além de cancelar a vinda de ônibus de vários locais. Mas ainda assim a festa foi ótima”, diz Diogo de Castro, da coordenação estadual do MST. Um dos objetivos do evento foi chamar atenção da sociedade e pressionar o governo do Estado de São Paulo para declarar o acampamento, atualmente propriedade da Companhia de Saneamento Básico (Sabesp), como área de assentamento. Acampadas desde julho de 2002, as famílias esperam o cumprimento de um acordo feito no ano passado entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o governo, que prometeu desapropriar a área. No Irmã Alberta estão acampadas também famílias despejadas dos acampamentos Camilo Torres e Dom Pedro Casaldáliga. Além do caráter político, a festa fez parte das comemorações, este ano, dos 20 anos do MST. E teve como propósito promover uma articulação entre campo e cidade, divulgando as Comunas da Terra (veja reportagem abaixo) como uma solução para problemas urbanos. “Queremos mostrar que a cultura faz parte da luta do movimento. Queremos resgatar a identidade cultural da nossa sociedade”, afirma Naveen Nikkompel, da direção nacional do MST.
CRÍTICA SOCIAL Uma das apresentações que mais entusiasmou o público foi a peça do grupo Filhos da Mãe Terra, composto por jovens do assentamento Carlos Lamarca, da cidade de Sarapuí, região de Sorocaba. O enredo da peça, que foi dirigida pelo grupo de teatro Companhia do Latão, é uma crítica irônica à violência, aos meios de comunicação, à concentração de terra e ao
Fotos: Francisco Rojas
Famílias sem-terra realizam evento cultural com objetivo de chamar atenção para suas reivindicações
Festa no Acampamento Irmã Alberta integra comemorações dos 20 anos do MST
Cultura é uma das bandeiras de luta dos trabalhadores sem-terra
agronegócio. “O texto é baseado na peça Horacios y curiaceos, de Bertold Brecht, mas foi criado por nós”, orgulha-se Edna Aparecida da Silva, de 17 anos. “Também foi baseado nas nossas experiências,
em textos de jornal e televisão”, diz ela, que tem dois de seus dez irmãos no elenco. O grupo, formado por assentados de 10 a 33 anos, trabalha com teatro há dois anos e acredita
que o teatro significa um meio de “formação e informação” para os assentados. Outra apresentação que animou os participantes da festa foi o Circo Navegador, apresentado por uma dupla de palhaços, que consiste em uma mistura de teatro, música, circo e dança. “O espetáculo que fazemos pode ser apresentado em qualquer espaço”, afirma Lucciano Draetta, um dos atores. O artista explica que o grupo é profissional, mas faz apresentações gratuitas em prol de causas sociais. “O espetáculo é provocativo mas não pretende agredir as pessoas. Temos a obrigação de subverter a ordem estabe-
lecida”, diz Draetta, que defende a popularização do teatro. Para isso, ele acredita que a arte deve romper com tudo que proíbe e elitiza: “O teatro pode e deve ocupar todos os espaços. Popularizar não significa desqualificar”. Não foram só os adultos que se divertiram durante a festa. As crianças tiveram um local especial para brincadeiras, músicas e pintura com guache. “Sempre que temos uma festa há um espaço dedicado às crianças. Elas não são o futuro. Já são o presente. Uma criança é um cidadão”, explica Rosana dos Santos, responsável pelo setor de educação do MST.
Reforma agrária para trabalhadores urbanos As Comunas da Terra, idealizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), consistem em assentamentos de sem-terra em pequenos núcleos, perto dos grandes centros urbanos. “A proposta inclui a criação de assentamentos baseados não apenas em atividades agrícolas. O projeto das Comunas prevê instalação de agroindústrias para processar a produção, principalmente de hortifrutigranjeiros e de produtos orgânicos, para abastecer as populações urbanas”, conta Naven Nikkompel, da direção estadual do MST. Segundo ele, as comunas pretendem assentar a população urbana desempregada, que tem experiência em pequenas indús-
trias. “O plano é adaptar a reforma agrária às peculiaridades de cada região”, explica. Nas Comunas, as mulheres participam mais ativamente do sistema produtivo, processando ervas medicinais e plantas destinadas à produção de cosméticos, como xampus. Nas regiões com maior disponibilidade de terras, mas distantes dos grandes centros de consumo, há agroindústrias e entrepostos de comercialização. De acordo com Nikkompel, um dos diferenciais das Comunas é a proximidade das cidades, e a facilidade no escoamento da produção. “O transporte também é mais barato”, acrescenta. Os entrepostos permitem a distribuição
direta dos produtos e a eliminação de intermediários. Nikkompel afirma que setores urbanos médios apóiam o modelo: “São sindicatos, estudantes, professores, pequenos comerciantes que vêem no projeto uma viabilidade de melhora da situação social do país”. Segundo ele, as comunas são uma alternativa viável para problemas urbanos como a fome, a violência e o aumento do número de pessoas morando em favelas. Além disso, Nikkompel alerta para a grande quantidade de terra disponível no país: 60% das pessoas que estão nos bolsões de pobreza da Grande São Paulo iriam para o campo caso tivessem uma oportunidade concreta de reforma agrá-
ria. Nos últimos acampamentos que surgiram no Estado, a maior parte dos sem-terra é composta por pessoas que estavam nas cidades. “Toda a pessoa de bom senso deveria apoiar a iniciativa”, acredita o líder do MST. A experiência, que começou a ser colocada em prática há dois anos, já existe no Espírito Santo e no Rio Grande do Sul. Em São Paulo, o assentamento Dom Tomás Balduíno, em Amorim, instalado numa área de 70 hectares que era do Estado, deve ser a primeira Comuna da Grande São Paulo. O acampamento Irmã Alberta, na Rodovia Anhanguera, também faz planos para ser uma Comuna enquanto espera a desapropriação. (TM)
ARTE NEGRA
Ricardo Santos de São Paulo (SP) Num país sem tradição museológica, que tem uma população com baixo nível de escolaridade, com noções tímidas de cidadania e justiça social, é um grande desafio estar à frente de um museu etnográfico, criado para divulgar a riqueza da cultura afro-descendente e africana e para resgatar seus valores e incluir socialmente o negro. Tudo isso, a partir do referencial e da perspectiva do afro-brasileiro. Sabedor desse desafio, o artista plástico e ex-curador da Pinacoteca de São Paulo, Emanoel Araújo, que aos 64 anos esbanja vitalidade e dedicação pelo que faz, é o responsável pelo mais novo endereço de arte na capital paulista: o Museu Afro Brasil. Instalado em 9 mil metros quadrados, no Parque do Ibirapuera, o museu conta com um acervo inicial de 1.100 obras e abrigará exposições permanentes e temporárias de cinema, dança, fotografia. O público também poderá usufruir
Adenor Gondin
Museu resgata cultura afro-descendente
Carro da Cabocla no desfile do 2 de julho, festa da Independência da Bahia
de oficinas, cursos e exposições de nações africanas. “O museu é um centro formador de cultura, de reflexão sobre memória e arte, um espaço de reflexão sobre as pessoas que foram escravizadas e ajudaram a construir a nação. É também um núcleo de pesquisa. Por isso, precisamos que os políticos abram os olhos e os bolsos para fortalecer as instituições museológicas, no sentido de atualizá-las e contemplá-las com recursos públicos”, diz Araújo. Para ele, o museu deve ser um espaço de pesquisa histórica e inclusão social que objetive desconstruir e construir uma história que não seja preconceituosa, mas verdadeira. Para a professora de artes e doutora em ciências da comunicação Regina Funari, da Universidade de São Paulo, o museu vai valorizar a arte e a cultura do afro-descendente no país: “Um projeto cultural como esse propicia maior divulgação e valorização das raízes africanas da cultura brasileira e resgata a história de luta e da resistência do negro,
além de fazer com que ele sinta orgulho de sua ancestralidade, brasilidade, e rompa com o preconceito racial. Vai desmistificar a visão eurocêntrica da cultura brasileira, ao mostrar que a arte afro-brasileira e africana são riquíssimas”. Os visitantes estão gostando do que vêem. “Tudo está bem documentado, traz a gente para uma realidade que não se conhece nem se estuda na escola. Valeu a pena visitar a exposição e conhecer melhor a produção cultural afro-descendente”, diz o consultor Caio Orselli. A estudante Ana Paula afirma que “apesar de existir preconceito contra o negro, somos um povo miscigenado e rico culturalmente. A discriminação e o preconceito resultam da falta de informação, é pura ignorância”. O Museu Afro Brasil fica no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, no Parque do Ibirapuera, e funciona de quarta a segunda-feira, das 10h às 17h. Informações: (11) 5579-0593. A entrada é gratuita.