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Ano 2 • Número 93

R$ 2,00 São Paulo • De 9 a 15 de dezembro de 2004

Agenda mundial pela reforma agrária O

acesso à terra diante da nova realidade econômica global foi o principal tema de discussão no Fórum Mundial da Reforma Agrária, que se realizou entre os dias 5 e 8, em Valência, na Espanha. Cerca de 550 delegados de movimentos sociais, organizações não-governamentais e governos se reuniram para criar formas de ampliar as lutas dos trabalhadores rurais. Fenômeno comum à imensa maioria dos países, as contradições do modelo agrário hegemônico permeiam os acordos comerciais, segundo ressaltou o deputado socialista

Enrique Borón, ex-presidente do Parlamento Europeu. Jaime Amorin, representante da Via Campesina, chamou atenção para a intervenção do Banco Mundial nos países pobres. O ministro brasileiro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, defendeu a urgência de uma agenda mundial pela reforma agrária, ressaltando que não se trata de “um problema técnico a ser resolvido por especialistas e tecnocratas, mas de uma questão eminentemente política, relacionada à disputa de poder na sociedade”. Pág. 11

Jerome delay/AP/AE

Pela primeira vez, cerca de 550 representantes de 70 países se unem para reforçar as lutas sociais no campo

Intelectuais lançam rede contra neoliberalismo Intelectuais e artistas de todo o mundo se reuniram na capital venezuelana, Caracas, para articular um movimento contra o neoliberalismo. O encontro ocorreu entre os dias 1º e 7 e contou com a presença, entre outros, do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquível, do sociólogo argentino Atílio Boron, do economista brasileiro Theotônio dos Santos e do jornalista francês Bernard Cassen. O documento final da reunião prevê a criação de um escritório com sede na capital

A Justiça acabou com o sigilo sobre a ditadura militar, ao determinar a abertura dos arquivos da guerrilha do Araguaia. O Tribunal Regional Federal rejeitou recurso do governo federal contra ação judicial que exige o esclarecimento sobre o período da guerrilha. As organizações de direitos humanos afirmam que a medida é importante, mas pedem uma abertura “ampla, geral e irrestrita”. Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais, lamenta a forma como a abertura foi feita: “O governo não fez nada, a decisão foi da Justiça”. Págs. 2, 3 e 16

Douglas Mansur

Ucrânia – Simpatizantes do candidato da oposição, Viktor Yushchenko, fazem manifestação em frente ao parlamento, em Kiev

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem

Justiça decreta fim do sigilo sobre Araguaia

venezuelana. “A idéia é coordenar grupos de trabalho que já existem para potencializar os movimentos de resistência à globalização neoliberal, que é o grande projeto desta época”, explica o sociólogo Atílio Boron. Entre as reivindicações, estão a anulação da dívida externa dos países do terceiro mundo, as campanhas contra os tratados de livre comércio e a defesa da soberania dos povos, sobretudo a luta no Iraque, no Afeganistão e no Haiti. Pág. 9

Biodiesel vai beneficiar o agronegócio?

Protesto no Rio de Janeiro – O Grupo Arco-Íris promoveu ato público de repúdio ao projeto de lei do deputado estadual Edino Fonseca, do Partido Social Cristão, que pretende a “cura” de homossexuais

Tribunal federal Meirelles vira Liminares julgará crimes de ministro na barram o avanço direitos humanos calada da noite da transposição

Muita euforia por nada: a renda ainda encolhe Em outubro, o rendimento médio pago às pessoas ocupadas cresceu 2,65%, insuficiente para repor as perdas. Em relação a outubro de 2002, persiste rombo de 12,9%. Pág. 7

Eleições na Bolívia apontam vitória do MAS

África do Sul e Haiti numa guerra verbal

As eleições municipais na Bolívia consagraram o Movimento ao Socialismo (MAS), partido do líder cocaleiro Evo Morales, como a maior força política do país. A legenda teve apoio de 30% dos bolivianos. O Movimento Nacional Revolucionário (MRN), por seis vezes no poder, de 1952 a 2003, ficou com 5,5% dos votos. Pág. 10

Os dois países travam acirrada troca de acusações, por causa do refúgio que o país africano dá ao ex-presidente Jean-Bertrand Aristide. O primeiro-ministro haitiano, Gerard Latortue, afirma que, Aristide organiza um movimento para sabotar sua autoridade e acusa a África do Sul de conhecer os planos de Aristide. Pág. 12

Pág. 3 Maringoni

A economia cresceu 5,3% até setembro, desempenho favorecido pelas exportações e pela agropecuária, mas a renda não cresceu na mesma proporção. Ou seja, a recuperação beneficia poucos.

A Medida Provisória original incluindo o biodiesel na matriz energética concederia isenção fiscal favorecendo a agricultura familiar e as regiões mais pobres do país. Mas substitutivo do deputado Betinho Rosado (PFLRN) deturpou a MP, generalizando a isenção, levando CUT, Contag, MST, Articulação do Semi-Árido e outras entidades a saírem em defesa da MP 214, para derrotar o substitutivo do agronegócio. Para as entidades, o papel da agricultura familiar deve se estender até o controle de todo o processo produtivo. Pág. 13

Pág. 6

Pág. 8

E mais: FÉ E POLÍTICA – Encontro Nacional de Fé e Política debate política econômica. Pág. 8 AMÉRICA DO SUL – Presidentes da região reúnem-se no Peru para criar a Comunidade Sul-Americana. Pág. 10 PARAGUAI – Governo paraguaio lança ofensiva para prender Odilón Espínola, dirigente da Federação Nacional Camponesa (FNC). Pág. 10


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De 9 a 15 de dezembro de 2004

NOSSA OPINIÃO

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, 5555 Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Fábio Carli • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Dafne Melo e Fernanda Campagnucci 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

Resgate da nossa memória

A

decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não recorrer da sentença do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que determinou ao governo federal abrir os arquivos da guerrilha do Araguaia é um alento para todos que lutam pelos direitos humanos. A abertura dos arquivos do Araguaia será o primeiro passo de um processo provavelmente longo e doloroso, mas necessário, em que os brasileiros finalmente terão o direito de conhecer em detalhes o que ocorreu nos 21 anos de ditadura militar. Os familiares dos desaparecidos políticos finalmente terão a chance de saber exatamente o que ocorreu com seus entes queridos – informação sonegada por quatro gestões de presidentes eleitos democraticamente. Historiadores, sociólogos e cientistas políticos terão acesso a documentos que permitirão um salto qualitativo na interpretação de um dos períodos mais sombrios da trajetória política do Brasil. Já virou lugar comum dizer que a história é escrita para que a humanidade conheça os erros do passado e não os repita. A abertura dos arquivos da ditadura militar pode ser, no Brasil, um bom começo para que o governo procure coibir práticas comuns no regime de exceção e que, infelizmente, perduram até hoje, 19 anos após o último presidente-general sair de cena. Entre tais práticas, duas são especialmente preocupantes porque parecem ter virado rotina nos

aparelhos repressores do Estado: em primeiro lugar, a tortura, ainda largamente aplicada em presos comuns em todo Brasil. Em segundo lugar, também preocupa muito o tratamento dispensado pelos aparelhos repressores aos movimentos sociais. Da mesma forma que ocorria nos piores tempos da ditadura aos militantes de esquerda, ainda persiste a espionagem e o acompanhamento de diversas entidades como se fossem “subversivas”, para usar um termo em voga nos anos de chumbo e que certamente não faz mais sentido hoje. Da mesma maneira que na esfera federal a abertura dos arquivos da ditadura merece a comemoração dos militantes dos direitos humanos, seria importante, nos Estados, que fossem trazidos a público os documentos que as polícias militares e civis já reuniram sobre as diversas entidades que vêm sendo “monitoradas” nos últimos anos. Em São Paulo, por exemplo, como noticiamos na semana passada, o deputado estadual Renato Simões denunciou o Departamento de Inteligência da Polícia Civil como uma espécie de novo Dops, ou seja, um órgão encarregado de espionar e reprimir as “atividades subversivas”. Simões relatou a existência de uma correspondência enviada a todas as delegacias do Estado de São Paulo com a orientação de que as atividades da Central Única dos Trabalhadores (CUT),

FALA ZÉ

do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras organizações, fossem espionadas. Apenas a divulgação dessa correspondência já deveria ter sido suficiente para a instalação, na Assembléia Legislativa de São Paulo, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Por muito menos do que isso foi criada, na Câmara Federal, uma CPI para apurar supostas irregularidades na reforma agrária, que acabou se transformando em mais uma tentativa de constranger e criminalizar os movimentos sociais e a luta pela reforma agrária por meio da divulgação da contabilidade de algumas entidades que apóiam a luta pela terra. Em São Paulo, porém, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem conseguido evitar que seu governo seja – como toda gestão pública democrática deve ser – fiscalizado pelos representantes do povo. A Assembléia paulista não conseguiu instalar uma única CPI para investigar a gestão tucana. A gravidade dos fatos denunciados por Simões enseja uma investigação urgente, que deveria ser estendida para todos os Estados onde houver denúncias semelhantes. Afinal, se o Brasil quer passar a limpo um período de tão triste memória como foi a ditadura militar, é fundamental que extermine também as práticas herdadas daquele período. OHI

CARTAS DOS LEITORES ASCENSÃO DA DIREITA A Doutrina Bush, com a sua política de guerra permanente, é uma guerra sem fim. Subordina a política à sua lógica de combate ao terrorismo. Seu objetivo – a “reforma do mundo” – condensa em si uma ambição extremada, desestabilizando o sistema internacional e, ainda, deflagrando uma crise sem horizonte de solução. A “guerra ao terror” de Bush anuncia uma sucessão de ocupações, invasões e guerras que realimentam o ciclo do terror e da guerra. Desde que o 11 de setembro de 2001 proporcionou-lhes a oportunidade de conduzir a política externa da hiperpotência, os Estados Unidos engajaram-se numa cruzada de “reforma do mundo” que se traduz em termos de expansão imperial e militar. A “nova ordem” de Bush é rejeitada praticamente no mundo inteiro. Carente de legitimidade, ela se baseia apenas no poder militar global da hiperpotência. Mas um edifício não pode se equilibrar sobre um único pilar. Erik C. G São Paulo (SP) FINANCIAMENTO DE CAMPANHA Após obter a vitória nas eleições espanholas, o primeiro-ministro espanhol Zapatero encaminhou ao parlamento do seu país duas importantes propostas. Uma foi a retirada, dentro de um mês,

de todas as tropas espanholas que se encontravam no Iraque. A outra foi acabar com o financiamento eleitoral e partidário por empresas. Os partidos da esquerda do Brasil, e aqueles outros que desejam um mínimo de moralidade na vida pública brasileira, precisam investir pesado contra a legalização das contribuições financeiras para partidos e eleições introduzida por Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato, um dos tantos crimes cometidos por ele contra o Brasil e a democracia brasileira. O cidadão é quem vota e é votado, enquanto a empresa nem vota nem é votada e, no entanto, é para os seus interesses que se voltam tantos políticos eleitos pelo cidadão. Acabando com esse financiamento iníquo, teremos menos publicitários milionários, menos shows eleitorais, mas, em compensação, mais limpeza na vida pública, nas vias públicas, e, sobretudo, nas consciências. Maria Conceição S. Lima Schramm São Paulo (SP) ERRATA Diferentemente do publicado na edição 92, o crédito da foto da manifestação em Brasília (pág. 4) é de João Zinclar, e não de Douglas Mansur.

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

Direitos Humanos no avesso do mundo Marcelo Barros A cada ano, calendários e folhinhas recordam o 10 de dezembro de 1948, data na qual a Assembléia Geral das Nações Unidas promulgou solenemente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Três anos após a guerra e a descoberta do genocídio nazista, o mundo proclamava: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direito. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade. Recolhendo um movimento que vinha das revoluções liberais do século 18, representantes dos cinco continentes, em nome de toda a humanidade, se punham de acordo sobre a igualdade de toda pessoa humana. Essa dignidade fundamenta direitos de vida digna, liberdade de expressão, crença, trabalho e de habitar em qualquer país da terra. Aquele documento não retratava a realidade vivida em nenhum país ou região da terra, mas

apontava o mundo que se queria construir. Cinqüenta e seis anos depois, a Declaração dos Direitos Humanos parece mais longe ainda de ser praticada. A guerra continua sendo opção de muitos governos. Em quase todos os países, o direito de plena cidadania tem sido mais desrespeitado. Na fronteira dos Estados Unidos e em Israel, os governos constroem muros que negam a mexicanos e latinos nos EUA, como a palestinos em Israel, o reconhecimento de sua humanidade. Nas últimas décadas, a diferença entre ricos e pobres triplicou. Povos, desde séculos explorados como escravos e que vêem suas riquezas naturais roubadas pelos ricos da Europa e da América do Norte, são, agora, mais pobres do que na década passada. A fome, provocada por esse modelo social e econômico, mata mais seres humanos do que qualquer guerra.

A pobreza, em si mesma, é um atentado estrutural a todos os direitos humanos. Comer, morar dignamente, trabalhar, ter acompanhamento médico adequado, poder descansar um dia por semana, como viver sua própria cultura são direitos humanos elementares e básicos sem os quais os outros ficam sem alicerce. Em 1948, a ONU assinou direitos pertinentes a todo indivíduo. Agora, a humanidade precisa que os Estados reconheçam direitos de comunidades étnicas, de povos sem território e reconheça os direitos da Terra e da Água. Crentes de todas as religiões se unem na fé de que o divino se manifesta no humano. Para encontrar a Deus, é preciso garantir e ampliar esses direitos de cada ser humano, dos povos, da Terra e da Água. Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 24 livros, entre os quais o romance A Festa do Pastor, da Editora Rede

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NACIONAL ARQUIVOS DA DITADURA

Justiça acaba com sigilo sobre Araguaia

ABERTURA Cecília considera a abertura “importantíssima”, mas lamenta a forma como foi feita. Ela ressalta que o governo não fez nada: “Foi preciso uma decisão da Justiça”. Para o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT/ SP), autor da ação de 1982, trata-se de uma “grande vitória” pois é a única sentença judicial relacionada aos desaparecidos políticos. Apesar de o recurso julgado ter sido apresentado pela Advocacia Geral da União (AGU), o secretário especial dos Direitos Humanos Nilmário Miranda disse que o governo sempre reconheceu o direito das famílias às informações. “O governo reconhece o direito das famílias. Isso nunca esteve em discussão”, diz ele, para quem não “pode haver segredos de Estado”. Apesar de reconhecer a conquista, Cecília afirma que os movimentos estão “cautelosos e preocupados”. De acordo com ela, o governo pode abrir os arquivos de forma parcial, como fez o Dops do Rio, em 1992, quando quase não havia documentos sobre desaparecidos políticos, pois foram retirados. Ela exige que os arquivos sejam abertos de forma “ampla, geral e irrestrita”. Para a ativista, agora a briga é para “evitar a censura desses documentos. Nós sabemos que hoje há pessoas em cargos importantes que participaram da repressão”.

LEI RETRÓGRADA Para Ângela Mendes de Almeida, do GTNM/SP, tão importante quanto recuperar os restos mortais das vítimas da ditadura e revelar às

SEGREDO ETERNO

Militares em ação no Araguaia, sul do Pará, nos anos 70; abaixo, protesto de estudantes, em São Paulo, contra a ditadura

Uma das principais lutas das entidades que lutam pela abertura dos arquivos da ditadura é a revogação do Decreto Lei 4553, de 2002, editado por Fernando Henrique Cardoso e promulgado por Lula. O decreto prevê sigilo de 50 anos para os documentos de Estado considerados “ultra-secretos”; e de dez anos para os “reservados”, prorrogáveis por outros dez. Os documentos “confidenciais” estão protegidos por 20 anos, prazo prorrogável pelo mesmo período; os “secretos”, por 30 anos, prorrogáveis por mais 30. Arquivos da ditadura estão entre esses documentos. Para o historiador Jacob Gorender, o governo tem a obrigação de revogar a lei; se não fizer isso “é por covardia”. No Congresso, ainda tramita um projeto da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que suspende o D ecreto 4553. Greenhalgh garante que a lei vai ser revogada.

Agência Estado

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epois de 22 anos, a Justiça brasileira determinou a abertura dos arquivos da Guerrilha do Araguaia. Dia 6, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região rejeitou o 17º recurso do governo federal contra a ação judicial que exige o esclarecimento sobre o que aconteceu durante o período da guerrilha. As entidades de direitos humanos afirmam que a medida é de extrema importância política e humanitária, mas pedem uma abertura “ampla, geral e irrestrita”. A sentença foi proferida pela juíza federal Solange Salgado, titular da 1ª vara da Justiça Federal do Distrito Federal, em processo instaurado em 1982, quando familiares de guerrilheiros requereram a exibição de documentos para obtenção de atestados de óbito. A decisão do dia 6 determinou que a União apresente os documentos, informe onde foram enterrados os corpos e os translade para cemitérios mais próximos das famílias. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não vai recorrer da determinação do TRF. Vitória Grabois, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM/ RJ), comemora a vitória política: “O Brasil é um país em processo de aperfeiçoamento da democracia e parte disso é a sociedade ter direito a saber de sua história”. Para ela, a sociedade precisa conhecer as circunstâncias das mortes dessas pessoas, desvendar assassinatos, desaparecimentos, saber se elas sofreram torturas. “As famílias nunca receberam os restos mortais das vítimas. Como familiar de militantes, quero saber como morreram”, diz ela, lamentando que muitas mães que entraram na ação contra a União em 1982 já morreram, e não puderam enterrar seus filhos. Das mães que sobreviveram, muitas não mudaram de casa, nem trocaram de linha telefônica, esperançosas de que os filhos voltem, conta Cecília Coimbra, expresidente da mesma entidade. “Isso é uma tortura permanente”.

políticos ou conexos”, o que incluia “os dois lados da luta”. Vitória Grabois explica que esse foi o único modelo na América Latina, que também perdoou militares que cometeram crimes. “A Anistia aqui foi retrógrada”, conta. Mesmo assim, a militante também acredita que é essencial divulgar os nomes de militares responsávelis pelos crimes. “O Brasil tem a tradição da impunidade. Revelar esse passado contribui para diminuir a sensação de impunidade, embora os responsáveis pelas torturas e mortes nunca foram nem nunca serão punidos”.

famílias como as vítimas morreram é descobrir os responsáveis pelos assassinatos e torturas. “Mesmo que eles não possam ser julgados é importante as histórias e os nomes virem à tona”, diz. Promulgada em 1979 pelo governo de João Baptista Figueiredo, a Lei de Anistia inocentou todos que “no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 cometeram crimes

DIREITOS HUMANOS

Crimes podem ser julgados em esfera federal Às vésperas do dia internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, os movimentos sociais comemoram a conquista de uma antiga reivindicação: a federalização dos crimes contra os direitos humanos. A partir de agora, é possível pedir a transferência de um julgamento da esfera estadual para a federal, de forma a criar condições de independência e imparcialidade para a investigação, evitando manobras para garantir a impunidade dos criminosos. Resultante da reforma do Judiciário, a medida foi votada dia 6 no Senado, depois de 12 anos em tramitação. Após a promulgação da emenda constitucional, dia 8, em situações de graves violações o procurador-geral da República poderá pedir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para avaliar se o caso deve ser julgado por um tribunal federal.

tipo de pressão, principalmente quando os criminosos integram corporações policiais. O Brasil já responde a 90 representações em organismos internacionais por impunidade na esfera estadual. Apesar de considerar a medida um avanço, Rosena afirma que “o texto não está como desejávamos”. Os movimentos queriam que o pedido ao STJ para julgar os casos de violação pudesse ser feito pela sociedade civil, não apenas pelo procurador-geral da República. Nilmário Miranda concorda com Roseane, mas afirma que “lei boa é a lei que passa”, e acredita que a lei terá um papel educativo.

Wilson Dias/AB

Dafne Melo e Tatiana Merlino da Redação

Agência Estado

Ativistas esperam que abertura de arquivos não seja parcial e pedem revogação de decreto editado por FHC

REESTRUTURAÇÃO

EXIGÊNCIAS De acordo com o vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, muitas vezes o poder do Estado interfere nas decisões: “Se a federalização tivesse sido feita antes, como reivindicávamos, muitos casos não teriam ficado impunes, como ocorreu com os crimes do Carandiru, do Castelinho, de Vigário Geral e de Carajás”. Para Bicudo, as instâncias federais têm possibilidade de processar e julgar com mais “imparcialidade e independência”. O advogado Ariel de Castro Alves lembra que em várias cidades ainda existe o coronelismo, influência dos poderes legislativo e executivo, “além de promotores e juízes acuados com a pressão de latifundiários, empresários, policiais”. A medida também vai ajudar a monitorar e exigir que os Ministérios Públicos Estaduais funcionem corretamente, acredita Roseane Queiróz, coordenadora nacional do Movimento Nacional

Nilmário Miranda: com federalização, as vítimas terão mais chance de justiça

de Direitos Humanos (MNDH). “Será uma pressão política em cima deles”, diz ela. Os Ministérios Públicos Estaduais temem perder poder, mas o secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, garante que isso não vai acontecer. Ele acredita que, com a federalização dos crimes, as vítimas terão mais chance de justiça e o Brasil deixará de ser citado de forma negativa em comissões interna-

cionais perante a Organização dos Estados Americanos e a Organização das Nações Unidas. “A União responde pela impunidade de tais crimes, mas, ao mesmo tempo, estava impedida de interferir nas investigações e julgamentos nos Estados”, diz ele.

PRESSÃO Atualmente, crimes contra os direitos humanos são julgados pelos tribunais estaduais, sujeitos a todo

Para a federalização funcionar corretamente, a Polícia Federal tem que ser reestruturada, defende o advogado Castro Alves: “A polícia tem uma força de atuação pequena, com um número de cargos reduzidos; sequer consegue controlar as empresas de segurança privada”. Apesar da conquista, os desafios no combate às violações aos direitos humanos ainda são enormes – o aumento do controle interno e externo das polícias, o fim das arbitrariedades cometidas por autoridades, uma justiça mais igualitária e democrática. “A Justiça funciona de uma maneira para os ricos e de outra para os pobres”, lembra Roseana. O aumento do número de violências cometidas por policiais preocupa Castro Alves, que lembra: a reformulação da polícia, que vem sendo discutida desde 1994, não sai do papel. “Queremos aumentar o número de corregedorias, ouvidorias e diminuir os índices de violência policial, de violência no campo”, diz ele, para quem cada vez mais a polícia está corrompida pelo crime organizado, e em vez de combatê-lo, persegue os movimentos sociais organizados. (TM)


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REFORMA AGRÁRIA

Projeto educa para o campo

Dioclécio Luz

O marketing da PF Toda semana a Polícia Federal divulga uma operação de sucesso. E se repetem as cenas de pessoas algemadas, ocultando o rosto, sendo conduzidas pelos policiais armados de fuzis e metralhadoras. Não há necessidade disso, mas faz parte do espetáculo. Alguns desses shows costumam ter suas vítimas especiais. Vide Duda Mendonça, Roseana Sarney, Eunício Oliveira... TV no celular Vem aí a televisão móvel, transmitida via celular. Os consumidores estadunidenses já gastaram 30 bilhões de dólares na aquisição de celulares com TV. Por enquanto as imagens são de baixa qualidade mas a onda deve se espalhar. Não ao Ministério Público Federal A qualidade da programação televisiva se tornou um dos temas prioritários do Ministério Público Federal, que apresentou três propostas às emissoras comerciais: 1) acabar com os reality shows; 2) não veicular propaganda de brinquedos em programas infantis; 3) veicular apenas propaganda direcionada aos pais e não aos filhos nesse programas. Respostas das TVs: não, não e não. Para as comerciais, se algo dá grana, não há por que pensar em ética. Ministério discute rádios comunitárias Um grupo de trabalho foi criado no Ministério Público Federal para tratar do acesso da população aos meios de comunicação, tendo como prioridade as rádios comunitárias. Em reunião, com os procuradores, representante do sindicato dos jornalistas do Distrito Federal apresentou trabalho sobre o tema e entregou dossiê sobre violência contra as rádios, praticada pelo governo Lula.

Rádio por satélite Outra novidade tecnológica: rádio por satélite. Nos Estados Unidos já existem 800 mil assinantes. Mas a expectativa é de se chegar a até 30 milhões, em dez anos. O rádio por satélite oferece música sem intervalos para anúncios, dezenas de canais especializados, alta qualidade de som e cobertura nacional. Uma assinatura mensal, lá, custa em média R$ 33. A canonização de Roberto Marinho A Academia Brasileira de Letras (ABL), que incorpora não só letrados mas, principalmente, poderosos, instituiu um prêmio para homenagear o ex-dono das organizações Globo, Roberto Marinho. Morto em agosto de 2003, Marinho jamais escreveu um livro. Sua atividade literária, digamos assim, era escrever editoriais no seu jornal, O Globo. Mas mesmo assim entrou na ABL. Neste momento há uma campanha pela canonização de Roberto Marinho, desencadeada pelas organizações Globo, funcionários e instituições como a ABL. Venezuela preocupa latifundiários Os latifundiários da comunicação no Brasil estão preocupadíssimos com o que está acontecendo na Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez sancionou a Lei de Responsabilidade Social para rádio e TV. Por essa lei, em resumo, as emissoras não podem fazer baixaria. As emissoras comerciais venezuelanas, como se sabe, participaram descaradamente do golpe contra Chávez. Será que Lula teria coragem de enquadrar as emissoras numa legislação assim? O governo vai bem “Não é hora de mudar de rumo, mas de nivelar o governo por cima”. A frase é de um editorial do jornal O Estado de São Paulo (3/12), o mais conservador dos veículos nacionais. Em outras épocas, elogios assim incomodariam petistas.

Trabalhadores da região Norte participam de programa de formação agrária Thaís Brianezi de Manaus (AM)

Thaís Brianezi

da mídia

NACIONAL

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istoricamente, ou o homem precisa sair do campo para estudar ou precisa estudar para sair do campo. Para reverter esse quadro, os movimentos sociais têm feito parcerias com as universidades, e um dos resultados bemsucedidos dessa união de esforços foi a criação, em 1997, durante o 1º Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Enera), do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), coordenado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O Pronera tem hoje 55.800 trabalhadores e trabalhadoras rurais em processo de escolarização formal; quase 20 mil na região Norte do país. Entre os dias 1º e 3, 800 educandos e educadores do Pronera de oito Estados da Amazônia (AC, AP, AM, MA, PA, RO, RR e TO) se reuniram em Manaus, para o 2º Encontro de Educação do Campo e da Floresta da região Norte. “O desafio é pensar em processos de organização coletiva. E o grande amálgama de organização da região pode ser a questão cultural”, sintetizou Mônica Molina, coordenadora nacional do Pronera. Desde o 1º Encontro de Educação, realizado em Rio Branco, em novembro de 2003, surgiram novos cursos: em Rondônia (Pedagogia da Terra), no Pará (Técnico em Agropecuária e Agronomia) e no Amazonas e em Roraima (Normal Superior). “Esses processos educativos só foram possíveis graças à estabilidade do acesso à terra”, ressaltou Mônica, lembrando que a educação

Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária debateu os valores da cultura ribeirinha

do campo não se efetiva sem a reforma agrária. Mais do que o crescimento quantitativo, o surgimento de novos cursos revela um avanço político. A valorização do conhecimento empírico é um desses marcos. “Minha avó viu na TV a propaganda que falava que para combater a gripe era bom tomar chá de limão, mel e Doril. Aí ela me perguntou se esse tal de Doril não iria estragar o remédio”, contou Leandro Martins, um dos 56 alunos do curso de Pedagogia da Terra (RO). “Os técnicos que chegam para trabalhar no sul do Pará não sabem lidar com a realidade de lá. É um problema de formação, não de má vontade”, analisou Luís Mauro Silva, professor de Ciências

Agrárias da Universidade Federal do Pará. “Por isso os cursos de Técnico em Agropecuária e Agronomia do Pronera são tão importantes: eles têm o papel de formar o técnico cidadão”, completou. “Será que o projeto de educação no campo se fará só pelos cursos? Ou nós precisamos investir mais nos movimentos sociais, na sua organização?”, questionou Isabele Camile, do setor nacional de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Acre, Amapá, Amazonas e Roraima – os quatro Estados onde o MST não tem organização – pertencem à região Norte. “Aqui é espaço dos ribeirinhos, com uma cultura dife-

rente da camponesa. Eu acredito que talvez a gente não tenha descoberto ainda a forma de trabalhar dentro das diferentes realidades”, ponderou Deusa Matos, militante do MST no Pará. É preciso organização coletiva para romper as cercas do latifúndio (acesso à terra), do saber (acesso ao conhecimento) e do capitalismo (distribuição de renda). Um modelo de organização que atenda às especificidades da Amazônia está em construção. Uma nova etapa desse processo se dará em 2005, no assentamento de Eldorado dos Carajás, onde será realizado o próximo Encontro de Educação do Campo e da Floresta da região Norte.

Cooperativa comemora 11 anos de sucesso Gissela Mate de Itapeva (SP)

reúnem 500 famílias, todas ligadas a cooperativas de produção. Aos 6 anos de sua criação, em 1999, a Copava recebeu um calote que abalou sua organização, comprometendo 50% das finanças dos assentados durante quatro anos. Mas a Cooperativa conseguiu reverter a crise: na safra de 2003, período em que voltou a funcionar sem dívidas, foram registrados índices recordes de produção. Neto de Vó Aparecida, que dá nome à cooperativa, Sérgio Luiz da Silva ajuda a trilhar os caminhos da cooperativa desde 1995. “Só quem viu nascer a Copava sabe o quanto é grande a alegria que essas famílias têm com essa comemoração”, afirma. Organizados em coletivos, cada setor toma suas próprias decisões. Questões de impasse são discutidas em reuniões semanais da direção. “A idéia é levar para

Fruto da organização de assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região de Itapeva, sudoeste de São Paulo, a Cooperativa de Produção Agropecuária Vó Aparecida (Copava) comemorou onze anos, dia 20 de novembro. A festa, sob o tema “Sem cooperação não há transformação”, reuniu cerca de 300 pessoas entre assentados, autoridades, religiosos, estudantes e pesquisadores. Além da visita às dependências da cooperativa, os convidados participaram de atos político e ecumênico, seguidos de um almoço coletivo. A Copava funciona na Agrovila III, um dos seis assentamentos surgidos da luta por reforma agrária em Itapeva e região. Os assentamentos

cada integrante a noção de que é possível contar com o próximo”, explica Silva. Para ele, o significado da comemoração dos onze anos nada mais é do que a vitória do trabalho coletivo. As 29 famílias da Cooperativa estão divididas em 13 setores de produção, entre os quais agricultura, pecuária de corte e leite, caprinos, suinocultura, horta de verduras e plantas medicinais.

HORTA MEDICINAL Um grupo de 18 mulheres da Agrovila III cuida da horta onde são cultivadas 118 espécies de ervas medicinais. Elas estudam as propriedades das plantas e extraem seus princípios ativos em um laboratório caseiro. Empenhadas em resgatar a cultura das terapias naturais, essas mulheres já conseguiram reduzir a incidência de doenças por meio de um trabalho de prevenção.

“Passamos a fazer contato com os médicos da região e nosso trabalho deu um passo muito importante”, conta Patrícia Apolinário, uma das idealizadoras da horta. Além de ter mudado o quadro de saúde da região de Itapeva, conhecida pelo triste apelido de “ramal da fome” devido à pobreza de seu entorno, a iniciativa das mulheres do setor de ervas medicinais da Agrovila III tem sido disseminada para outros assentamento do MST. No início, as mulheres reuniamse no intuito de melhorar a saúde de seus companheiros e sistematizar os estudos acumulados na área. Apesar do sucesso da iniciativa, o setor não tinha recursos para comprar matérias-primas para elaboração, por exemplo, das pomadas. Hoje o coletivo comercializa sabonetes, pomadas, xampus, chás, entre outros produtos.

MÍDIA

Pesquisa mostra que a Globo também governa Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ) “A mídia não é o quarto poder, mas é um poder em pé de igualdade com os outros”. Essa foi uma das conclusões da pesquisa “Mídia e política: a Globo na transição da Ditadura à Nova República”, realizada por Venício Lima, professor de Comunicação do Instituto de Ensino Superior de Brasília. Em seu estudo, Lima focou o papel das organizações Globo nos principais episódios políticos brasileiros. Segundo ele, a Globo tenta escrever sua própria história lançando obras como a biografia autorizada de Roberto Marinho e o livro sobre o Jornal Nacional, que já está sendo usado em escolas de jornalismo. “A publicação foi escrita como se fosse a história do país”, ressalta o pesquisador.

Nestor Cozetti

Espelho

Para o pesquisador Venício Lima, a Globo transformou-se num virtual monopólio

Em seu trabalho, Lima lembra que, de janeiro a abril de 1984, a rede Globo de TV não noticiava as manifestações pelas eleições diretas para presidente. Nas ruas, os carros da emissora eram apedrejados e os manifestantes gritavam: “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”

“Dizia Gramsci que raramente o poder político precisa de coerção, ele tem outros meios. Desde sua constituição, a Globo transformouse num virtual monopólio da TV brasileira. A condição favorável para florescer no regime militar foi o vazio institucional da falta de par-

tidos e organizações políticas, que a Globo preencheu”, disse Lima. Ele afirma que Roberto Marinho sempre se atribuiu um papel missionário de consertar o país, mas, na verdade, nos últimos 30 anos, a Globo foi quem definiu o que era a política e os políticos, com o poder de construir as representações políticas. “Com isso, consegue até hoje pautar a agenda política”, completa. Em defesa da necessidade de uma mídia alternativa, Lima ressaltou que “a ação da mídia na política, hoje, é tão complexa que ninguém se dá conta de que as organizações Globo têm televisão, rádio, jornal, revista, internet, editoras etc., propriedade cruzada dos meios de informação, o que é proibido em outros países porque dá poder para negociar vantagens”.


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NACIONAL SOBERANIA ALIMENTAR

Transgênicos consomem mais herbicidas Tatiana Merlino da Redação

A

partir do terceiro ano de plantio, a soja transgênica chega a consumir sete vezes mais herbicida do que a soja convencional, apontam estudos científicos feitos nos Estados Unidos. Victor Pelaez, doutor em economia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que é falaciosa a promessa da soja transgênica de redução do uso de herbicidas, e conseqüentemente, a diminuição nos custos de produção. O pesquisador faz um acompanhamento econômico do rendimento da soja transgênica e afirma que nos dois primeiros anos há uma redução do uso do herbicida glifosato, mas a partir do terceiro ano a situação se inverte. Com o surgimento de resistência das ervas daninhas aos insumos, aumenta-se a quantidade aplicada. Além disso, conforme as condições climáticas, explica o professor, a necessidade de utilização do herbicida se altera. “A planta transgênica desenvolve mecanismos sofisticados para se defender e, dependendo do ambiente que está, tem uma resposta genética diferente”, afirma ele, chamando atenção para a utilização do glifosato nos Estados Unidos, que está entre 30% e 60% acima da soja convencional. Na Argentina, a utilização dos transgênicos corresponde a um aumento de 108% na quantidade total de herbicidas utilizados no cultivo da soja Roundup Ready.

Juca Varella/Folha Imagem

Especialista contesta teoria da redução nos custos da produção: após três anos, consumo de glifosato aumenta

Pulverizacao de defensivo agrícola em plantação de soja transgênica em Ronda Alta (RS)

mos geneticamente modificados está legalizado – não são conclusivos porque as pesquisas que existem sobre o assunto são feitas por no máximo dois anos, “bem quando a soja começa a ficar resistente ao herbicida”. Em suas pesquisas, Pelaez apontou Estados Unidos, Brasil e Argentina como os principais produtores de soja do mundo, mas afirmou que a estrutura de produção é diferente nos três países devido às diferenças de clima, fertilidade do solo, tecnologia e custo da terra. No Brasil, onde não há estudos de impacto ambiental para a utilização dos organismos geneticamente modificados, a área

ESTUDOS NÃO CONCLUSIVOS No entanto, o economista explica que os estudos feitos nos Estados Unidos – onde o plantio de organis-

global de cultivos transgênicos cresceu de 1,7 milhão de hectares, em 1996, para 58,7 milhões de hectares em 2002. Segundo o pesquisador, a competitividade da soja brasileira baseia-se fundamentalmente no baixo custo da terra e na menor incidência de impostos, já que o Brasil precisa usar mais fertilizantes em função da baixa fertilidade do solo, principalmente no Mato Grosso, e os juros pagos no Brasil são até sete vezes superiores aos cobrados nos Estados Unidos. “Essas vantagens de custo fazem com que a soja produzida no Brasil apresente custos de produção de 27% a 31% mais baixos, em rela-

ção aos Estados Unidos, e de 13,5% a 18,5% menores em relação à Argentina”, diz.

PREJUÍZOS ECONÔMICOS Pelaez defende o princípio de precaução, não somente em relação ao meio ambiente, mas também em relação à economia. Os principais mercados consumidores de soja – Europa e Japão – têm se mostrado relutantes em consumir produtos geneticamente modificados, dando preferência à soja convencional. Para o economista, o produtor de soja deve se aliar ao mercado consumidor e não ao concorrente. “Essa é uma estratégia de mercado básica, que

está sendo contrariada pelo Brasil. A conseqüência será perda de competitividade”. De acordo com ele, esses mercados estariam dispostos a pagar mais pela soja convencional, na forma de um prêmio que constituiria um incentivo ao cultivo dessa variedade. Para Pelaez, o produtor faz sua opção pelo plantio da soja transgênica pela necessidade e pelo imediatismo: “Eles são pressionados pela lógica do curto prazo”. No entanto, o governo deveria ter uma visão de construção de mercado a médio e longo prazo. “É lamentável essa postura do governo, os agricultores estão muito mal informados”, analisa.

ANÁLISE

Silvia Ribeiro Os transgênicos são o exemplo de concentração empresarial mais brutal da história da agroindústria, e da indústria em geral. Em todo o mundo, apenas cinco empresas controlam os cultivos transgênicos, e só uma, a Monsanto, mais de 90%. As outras quatro são Syngenta, Bayer, Dupont e Dow. Estas empresas, membros-fundadores da Agrobio México, “associação civil sem fins lucrativos”, lançaram, a partir de sua página na internet, uma campanha para enviar cartas aos deputados do Congresso mexicano, pedindo a “aprovação do projeto de Lei de Biossegurança tal como o Senado o aprovou”. O argumento da Agrobio: “Com a biotecnologia, é possível aumentar as colheitas, melhorar os alimentos e deixar de utilizar fertilizantes e outros produtos químicos nocivos, o que vai melhorar a vida de milhares de camponeses e consumidores”. Nenhuma destas afirmações se confirma nos países onde estão as maiores plantações transgênicas. Entretanto, isso não é um dado relevante para a Agrobio México. Afinal, o que pode significar “responsavelmente”, dito pelos maiores fabricantes de armas biológicas como o agente laranja e o napalm? É claro que as multinacionais fabricantes de transgênicos não iriam subscrever um texto dizendo que “todos os transgênicos são produzidos por nós, as empresas que promovem esta campanha e, com eles, pretendemos criar uma dependência e um controle nunca vistos sobre produtos e consumidores; então, senhores deputados, tratem de aprovar rapidinho esta lei porque, apesar do prejuízo que conseguimos dar até agora ao México, tudo está à margem da lei, ou é

France Presse/AFP

Um olhar atento sobre as verdades e as suposições

O aumento das colheitas e a diminuição de agrotóxicos não se confirmam em países que adotam transgênicos

ilegal: as plantações de soja e algodão transgênicos são ‘experiências piloto semicomerciais’ – mesmo que, graças ás políticas agrícolas que favorecem à grande agroindústria, sejam subsidiadas com fundos públicos ‘para o campo’ – porém, a contaminação do milho nativo, pela qual somos responsáveis, é absolutamente ilegal, o que nos deixa numa situação incômoda. Com esta lei, poderemos legalizar tudo isto, e continuar contaminando com a maior impunidade”. Como não vão dizer nada disto, que é a verdade, analisemos a mensagem das multinacionais na internet. • Suposição um: as colheitas vão aumentar. • Realidade: os transgênicos produzem menos. O principal cultivo transgênico – a soja (cuja resistência a herbicidas é equivalente a 61% dos grãos convencionais) – produz

menos do que a soja convencional, tratada com produtos químicos. De acordo com dados compilados por Charles Benbrook sobre os primeiros oito anos de transgênicos nos Estados Unidos, a redução média é de 5% a 10%, embora em algumas regiões produtoras a queda chegue, em média a até 19%. Tomadas todas as plantações transgênicas da oleaginosa, em média, a produção é menor. • Suposição dois: os alimentos melhoraram. • Realidade: não. A menos que para os fabricantes de transgênicos a melhoria dos alimentos seja aumentar os resíduos de agrotóxicos neles contidos. Mais de 80% das plantações são resistentes a herbicidas, conseqüentemente, recebem quantidades muito maiores de agrotóxicos, que deixam muito mais resíduos nos alimentos. Em comidas para bebês que contêm soja transgênica, foram

encontrados resíduos de herbicida até 200% maiores. • Suposição três: deixaram de usar fertilizantes e químicos nocivos. • Realidade: os transgênicos não foram manipulados para diminuir o uso de fertilizantes. Pelo contnrário, aumentam a demanda de químicos porque a fertilidade do solo diminui com as aplicações massivas de herbicidas e outros agrotóxicos. Baseado em estatísticas oficiais, outro estudo de Benbrook levanta o uso de agrotóxicos nos Estados Unidos, de 1996 a 2003: com os transgênicos, foram consumidos mais 23 milhões de quilos de agroquímicos. • Suposição quatro: melhoraram a vida de milhões de camponeses e consumidores. • Realidade: os transgênicos aumentaram a expulsão de camponeses e agricultores na Argentina e nos Estados Unidos – países que, juntos, respondem por quase 90%

da produção mundial. Este êxodo foi uma verdadeira reforma agrária às avessas, devido às exigências de capital e áreas cada vez maiores para o cultivo de sementes patenteadas. Os transgênicos estão levando os agricultores a novas formas de escravidão: se as culturas com organismos geneticamente modificados continuarem se ampliando, a eles não restará outra opção além das sementes patenteadas, que não podem ser plantadas de uma safra para a outra e que, além disso, são mais caras do que as híbridas. No futuro, as sementes patenteadas tampouco poderão ser reproduzidas porque serão “suicidas” com a utilização da tecnologia Terminator, que obrigará os agricultores a comprar sementes da empresa para cada plantio. No Paraná, que se declarou livre de transgênicos, a produtividade da soja convencional é quase o dobro da transgênica contrabandeada de outros Estados por latifundiários e empresas, ação posteriormente legalizada por Lula. A lei brasileira de biossegurança que, inicialmente, era uma iniciativa promissora para os interesses da sociedade e dos camponeses, foi deformada a ponto de se tornar irreconhecível, aproximando-se da aberração que se discute no México e que as transnacionais adoram e querem ver aprovada imediatamente. Porém, como bem se diz no Paraná, quem necessita de leis de biossegurança são as transnacionais. O que nos interessa a todos é muito mais simples: a proibição dos transgênicos.

Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), do México


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NACIONAL MEIRELLES MINISTRO

Fatos em foco

Poder dos credores no Congresso Podem respingar no presidente do BC pendências no IR, CPI do Banestado etc. etc.

Hamilton Octavio de Souza

Crime oral Usuários de telefones sentiram nos bolsos a privatização das teles feita pelo governo Fernando Henrique Cardoso, já que as contas foram aumentadas muito mais que a inflação. Agora se sabe que as empresas privadas de telefonia dispunham de esquema para cobrar os pulsos além do autorizado. O nome disso é roubo, mas ninguém foi preso por esse crime. Crime financeiro Uma das operações da lavanderia chamada Banco Santos consistia na falsa venda de títulos e a remessa do dinheiro para paraísos fiscais, por meio de uma empresa de fachada localizada em Santana do Parnaíba, cujo endereço abrigou mais de 50 empresas fantasmas. Diretores do banco e seus parentes participavam da operação. Ninguém está preso. Esquema objetivo Editada para atender os proprietários das escolas privadas, que vivem de olho nas verbas públicas, a medida provisória do ProUni, em sua tramitação na Câmara dos Deputados, sofreu redução na cota de bolsas para alunos carentes de 10% para 7%, um corte superior a 120 mil bolsas. O lobby dos tubarões do ensino superior, considerado insaciável, é muito bem articulado – há anos – pelo dono da Unip e do Objetivo. Crime federal Concessionário de várias emissoras de rádio, o ministro Eunício de Oliveira, das Comunicações, é dono da empresa Confederal Vigilância e Transportes de Valores Ltda., acusada pela Polícia Federal de participar de esquema de fraude em concorrências do Tribunal de Contas da União. O ministro justificou que está afastado da direção da empresa e ficou tudo por isso mesmo. Assim é o “Brasil, um país de todos”. Conservadorismo A onda conservadora não avança só nos resultados eleitorais dos Estados Unidos de Bush e nos municípios brasileiros em que o PT deixou de ser governo. A porteira dos “múmios” está aberta, tanto é que está sendo reorganizado em São Paulo o antigo movimento integralista liderado por Plínio Salgado. Só falta retornar com força o movimento monarquista. Maquiagem estatal Existe muita preocupação oficial em defender uma situação otimista, próspera e em franca recuperação econômica e social. No entanto, existe um número decisivo que continua descendente: a participação dos salários no PIB nacional, que esteve pela média de 33% no segundo governo FHC, está agora na faixa dos 31%, o índice mais baixo medido até hoje. A remuneração do capital obviamente nunca esteve em tão boa forma.

A

superestrutura jurídica que dá sustentação ao Estado brasileiro, na madrugada da quartafeira, 2, dobrou-se às exigências do capital financeiro. A Câmara aprovou medida provisória (MP) do presidente da República, e deu ao presidente Banco Central (BC), Henrique Meirelles, status de ministro. Para evitar sujeição do titular do BC às ações criminais em primeira instância na justiça comum, decorrentes de acusações emanadas da CPI do Banestado, em agosto, o presidente Lula, aconselhado pelo ministro Antonio Palocci, da Fazenda, e pressionado pelos credores, optou por conferir posição de ministro de Estado ao presidente do BC, superior, hierarquicamente, à condição de detentor de cargo especial. Segundo a Constituição, como ministro, o presidente do BC, nas demandas contra ele e seus antecessores que correm na primeira instância, teria seu julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como, no Supremo, as decisões em última instância são influenciadas por pressões políticas, como ocorreu em relação à que determinou tributação sobre aposentados, as chances de condenação tenderiam a diminuir.

O relator da MP, deputado Ricardo Fiúza(PP-PE) (não apareceu qualquer petista, nem membro da base aliada governista para se expor como relator) destacou serem relevantes e urgentes as razões de natureza econômico-financeira levantadas pelo governo, e considerou irrelevante a argumentação oposicionista. O deputado do PP argumentou que razões de Estado determinariam poder maior ao presidente da República para dispor da atribuição de criar cargos e alterar discricionariamente a estrutura administrativa do Estado. Exemplificou com decisão já existente nesse sentido do STF quanto à competência discricionária do chefe do executivo na edição das MPs.

MPS O superministro e presidente do BC, Henrique Meirelles

CASUÍSMO Além disso, julgaram não se tratar de assunto urgente e rele-

Fiúza, novo aliado do governo

BLINDAGEM Em meio a uma conjuntura instável, dado o baixo nível de reservas cambiais do país, de apenas, 25 bilhões de dólares, caso o presidente do BC se torne alvo de ataques judiciais intermitentes, conforme argumentou o governo na MP, sua presença de suspeito de irregularidades, como é o caso, afetaria a credibilidade do BC. O PSDB e o PFL encaminharam ao procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) para tentar impedir a transformação do presidente do BC de ocupante de cargo especial em ministro de Estado. Os oposicionistas destacaram a inconstitucionalidade decorrente de se optar por MP para resolver assun-

vante, atributos que constituem pré-requisito para edição de MPs. Fonteles assinou embaixo e disse que a pretensão da MP, encaminhada por Lula, em 13 de agosto, era inconstitucional por casuística. O argumento foi endossado, entre outros, pelo deputado Wasny de Roure (PT-DF).

to que requer subordinação às regras do direito processual civil e penal, algo que, segundo a Constituição, não pode ser tratado por MP, mas por projeto de lei complementar.

Isso, ocorreu, lembrou Fiúza, em relação à criação, sem reclamações do Congresso, de cargos de ministros que, não necessariamente, ocupam ministérios: Casa Civil, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República, entre outros.

Afinal, Meirelles é alvo de duas denúncias graves. A de que teria desviado dinheiro de conta bancária para doleiros, em Nova York, fugindo da declaração de Imposto de Renda. Além dessa, a de que valores monetários, em poder de um sobrinho seu autuado em flagrante no aeroporto de Congonhas, São Paulo, eram fruto de venda de um imóvel rural de propriedade do tio presidente do BC sobre os quais não teria pago, igualmente, o IR. O temor ainda maior era de que a CPI do Banestado, fantasma que assusta meio mundo no Congresso, trouxesse à luz, fatos novos, e piores, em relação a Meirelles. O presidente do BC também ganha, adicionalmente, a chance

Na batalha política que se desenrolou na madrugada da quarta-feira, predominaram as determinações do capital financeiro. Escreveu o deputado Ricardo Fiúza (PP-PE) no seu relatório de 22 páginas: “(...) Sei ler e escrever e estou há 36 anos nesse negócio, mão-de-obra melhor do que a minha não existe nessa Casa e esse pessoal do PT vai ter que passar pelas minhas mãos de agora em diante”. Seus argumentos, para chancelar as razões do Planalto, mostraram a ansiedade do sistema financeiro diante da possibilidade de um dirigente do BC fragilizado. Por isso, a banca exigiu a blindagem constitucional de Henrique Meirelles contra crises decorrentes de ações penais comuns.

de reaver seu mandato de deputado federal por Goiás, do qual teve que abrir mão quando aceitou o convite para assumir o BC. Isso porque, como ministro, o parlamentar eleito não perde o mandato quando o deixa para exercer cargo no Executivo. São os casos de José Dirceu, Aldo Rebelo, Agnelo Queiroz, Amir Lando, Eunício de Oliveira etc. e, agora, Henrique Meirelles. Assim, mesmo que, por hipótese, tivesse, como ministro, que ser julgado pelo STF, na condição de deputado, em pleno direito do seu mandato, somente seria julgado pelo Supremo depois de licença da Câmara dos Deputados, conforme determina a Constituição. (CF)

MEDIDAS PROVISÓRIAS

A desmoralização da democracia representativa César Fonseca de Brasília (DF) No Brasil, a incapacidade de o Legislativo e o Judiciário darem respostas rápidas às urgências reivindicadas pelo Estado deu às medidas provisórias (MPs) a condição de instrumento número um da governabilidade, deixando para trás todas as prioridades relativas ao exercício efetivo da democracia representativa. Muito da pressa do Estado se deve à sua fragilidade financeira: reservas cambiais de apenas 25 bilhões de dólares, R$ 850 bilhões em títulos com vencimentos máximos de 48 meses, o que torna o país sujeito, portanto, a chuvas e trovoadas fatais, conforme destaca o deputado Delfim Neto (PP-SP). Tudo é atropelado. Agora, as medidas provisórias atropelam-se a si mesmas e o Legislativo passou a correr o sério risco de se tornar inútil, caindo na fatalidade ditada por Keynes: “Tudo que é útil é verdadeiro. Se deixa de ser útil, deixa de ser verdade”. Os congressistas se transformaram em meros expectadores do processo político real, diante do congestionamento provocado pelo excesso de MPs encaminhadas pelo chefe do poder executivo. A edição de MPs continua sendo a forma

privativa de governar o país, inutilizando, na prática, os demais instrumentos legislativos, como projetos de lei ordinária, lei complementar, lei delegada, emenda constitucional, decreto legislativo, resolução etc..

Agência Brasil

Show comercial O PMDB nacional decide domingo, dia 12, se continua ou se sai do governo. Articuladores do Planalto estão tentando de tudo – oferta de ministérios e cargos nas estatais – para manter o aliado. O resultado do encontro deve mostrar não apenas o poder de negociação do governo Lula, mas, especialmente, as perspectivas do PMDB para 2006.

César Fonseca de Brasília (DF)

Agência Brasil

Equívoco político Se fisiologismo garantisse boa administração e popularidade, os governos Sarney e FHC não teriam terminado em total descrédito público. O governo Lula, em crise de amnésia, segue a mesma trilha para assegurar maioria política no Congresso Nacional com PTB, PMDB e PP, na base do toma-lá-dá-cá.

SUBMISSÃO Os parlamentares se submeteram ao cumprimento dos prazos legais para a tramitação de uma MP: 60 dias para ser votada, renováveis por mais 60; se, em 45 dias, não for votada, todas as outras providências legislativas em curso, seja na Câmara, onde a MP começa a tramitar, seja no Senado, são paralisadas. E as MPs entram em regime de urgência. O paroxismo chegou ao máximo, dia 1º, quando o Senado perdeu uma tarde inteira para discutir se devia ou não aprovar MP que destinava recursos aos desabrigados de enchente no Paraguai. Ocorre que tais recursos já tinham sido liberados sem a autorização legislativa. A Câmara Alta, diante do fato, entrou em baixa.

RESGATE Não é à toa, portanto, que a Ordem dos Advogados do Brasil tenha desencadeado uma campanha nacional para promover os instrumentos políticos da democracia direta, participativa: plebiscito, referendo

Avalanche de medidas provisórias provoca lentidão e fracasso do Legislativo

e iniciativa popular, previstos na Constituição, como alternativa aos sinais de falência da democracia representativa. Na semana passada, eram 16 as MPs na Câmara. Mas a letargia só costuma ser quebrada no final do ano, quando os parlamentares ficam excitados em meio às discussões para aprovação do orçamento do ano seguinte, e eles buscam garantir suas verbas Geralmente, não conseguem, a exemplo do Distrito Federal. Em

2003, os parlamentares brasilienses conseguiram inserir no orçamento anual de 2004 demandas de R$ 190 milhões. Obtiveram liberação de R$ 9 milhões, ou seja, 0,2% do total. Para 2005, inseriram demandas de R$ 640 milhões. Vale dizer, o votado jamais é realizado, porque a verba disponível tem como destino, primeiro, o pagamento dos juros da dívida. Como não está sobrando nem para o social, os investimentos são cortados.


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NACIONAL CONJUNTURA

Renda não acompanha o crescimento Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

Evaristo Sá/ABr

Ritmo de produção de riquezas desacelera no terceiro trimestre, mas investimentos avançam rapidamente mais elevada, foram fechados 6,3 milhões de empregos. A mais recente pesquisa mensal de emprego e desemprego, também do IBGE, mostra alguma melhoria naquele quadro, embora os dados limitem-se às regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte. Em outubro deste ano, foram criados mais 83 mil empregos, na comparação com setembro. Daquele total, 66% foram para empregados com carteira de trabalho assinada.

A

PERDAS O crescimento do total de pessoas ocupadas, no período, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trabalhados por este jornal, também não foi suficiente para repor a perda. Em outubro de 2002, o Instituto registrava quase 18,1 milhões de pessoas com mais de 10 anos ocupadas, como empregadas e/ou empregadoras, ou trabalhando por conta própria. A massa de rendimentos (ou seja, o total de rendimentos pagos no país) poderia ser estimada em R$ 18,7 bilhões, em valores de outubro de 2004. Dois anos depois, o total de ocupados cresceu para 19,4 milhões (mais 7,3%), mas a massa de rendimentos murchou, somando menos de R$ 17,5 bilhões (que corresponde à multiplicação do total de ocupados pela renda média anotada pelo IBGE). Os números ainda registram uma redução de 6,5%, representando uma perda de R$ 1,2 bilhão – dinheiro que deixou de irrigar o consumo, afetando as vendas do comércio e, indiretamente, a produção industrial, que poderiam estar crescendo mais rapidamente, acelerando a criação de empregos, se os salários tivessem acompanhado o crescimento da economia.

COMPENSAÇÃO Numa tentativa de compensar a perda de renda observada nos últimos anos, como mostra reportagem veiculada no jornal O Estado de S. Paulo, com dados da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, as pessoas ocupadas têm sido obrigadas a trabalhar mais. Assim, alongam a jornada de trabalho e sacrificam sua qualidade de vida. Da mesma forma, aposentados e pensionistas foram obrigados a retornar ao mercado de trabalho para complementar a renda familiar. De acordo com o levantamento, feito pelo secretário Márcio Pochmann, tomando por base informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, o total de trabalhadores com jornada de trabalho superior a 44 horas semanais cresceu de 27,1 milhões, em 1996, para 29,3 milhões em 2003, um aumento de 8%.

SEM EMPREGO Mais 2,1 milhões de aposentados retornaram ao mercado de trabalho. O número de pessoas nessa condi-

SEM CARTEIRA

De 1996 a 2003, total de desempregados passou de 3,4 milhões para 8,5 milhões

ção passou de 4,9 milhões para 6 milhões, no mesmo período – um salto de 22% em sete anos. Isso se explica pela retração de 18,8% na renda média das pessoas ocupadas naqueles sete anos (1996-2003), diz Pochmann. Em sua análise, o mercado brasileiro de trabalho passou a registrar um “padrão asiático”, ou

seja, empregos de baixos salários e jornadas cada vez mais longas, temperado por grande instabilidade. Entre 1996 e 2003, de acordo com o levantamento, foram criadas 11,2 milhões de vagas no país, um número insuficiente para abrigar todos os que procuravam emprego. Resultado: o total de desempregados aumentou 68,1%,

saindo de 3,4 milhões, para 8,5 milhões de pessoas. Entre os novos postos de trabalho, houve uma evidente concentração em colocações de baixa exigência e salários curtos. Foram criados 17,5 milhões de postos de trabalho para as pessoas com rendimentos de até três salários-mínimos mensais. Nas faixas de remuneração

O crescimento, mês a mês, ainda é tímido e insuficiente para reverter a deterioração registrada nos períodos anteriores. Tomando outubro do ano passado como referência, o total de empregados com carteira recuou de 44,3% sobre o total de pessoas ocupadas para 43,6%. Os trabalhadores sem registro formal tiveram sua participação ampliada ligeiramente, de 21,75% para 22,75%. Nas regiões pesquisadas pelo IBGE, havia um contingente de 19,4 milhões de pessoas ocupadas em outubro deste ano, representando 4,1% mais do que no mesmo mês de 2003 – o que correspondeu à abertura de 774 mil novas colocações. Do total de ocupações abertas, quase 47% foram destinadas a empregados sem carteira, cabendo 30,5% àqueles com registro.

Estatísticas, fatos e mitos Os dados divulgados pelo IBGE, confirmando o desempenho favorável do Produto Interno Bruto (PIB), ajudam a derrubar alguns mitos e desmentem as alegações apresentadas pela equipe econômica para explicar o crescimento. O primeiro deles, criado para justificar a política de arrocho, dizia que a economia só poderia crescer até um certo limite. A partir daí, empresas e indústrias não teriam capacidade para ampliar a produção na mesma velocidade do consumo, o que resultaria em aumentos de preços. Em outras palavras, se a economia crescesse além de 3,5% ou 4%, a procura por bens, produtos e serviços – alimentos, máquinas de lavar, televisores, carros e celulares – passaria a superar a capacidade de produção das empresas. Com uma procura maior do que a oferta, os preços subiriam.

O DESEMPENHO DA ECONOMIA Variação do Produto Interno Bruto até o 3º trimestre deste ano, em %

Variáveis

Em relação ao mesmo trimestre de 2003, a economia cresceu 6,1% nos três meses encerrados em setembro de 2004. Os preços, dispararam? Nada mais do que um “soluço” provocado pela alta dos combustíveis, telefones e outros preços administrados (ou seja, corrigidos automaticamente, segundo decisão do governo ou de acordo com índices de preços pré-estabelecidos), mas a inflação se manteve bem comportada e já retoma, em dezembro, níveis mais baixos e civilizados, refletindo, aparentemente, um ritmo de crescimento decrescente para a atividade econômica. O outro mito está relacionado às explicações montadas pelo governo, segundo as quais o crescimento atual seria fruto do sucesso da política econômica em vigor. Na verdade, a economia cresce, a despeito da política econômica, que voltou a sufocar a economia com juros altos e cortes de investimentos públicos. Até o dia 12 de novembro, num exemplo, o governo havia liberado pouco menos de R$ 2,43 bilhões para investimentos, nada além de 19,4% dos R$ 12,54 bilhões autorizados pelo orçamento para 2004. Os números do PIB mostram a

4º trimestre 1º trimestre de 2003 de 2004

2º trimestre 3 ºtrimestre de 2004 de 2004

Acumulado no ano/mesmo período ano anterior

0,4

0,5

4,0

4,8

5,3

Últimos quatro trimestres/quatro trimestres imediatamente anteriores

1,4

0,5

1,2

2,6

4,2

Trimestre/mesmo trimestre ano anterior

-0,2

0,9

4,0

5,6

6,1

Trimestre/trimestre anterior

0,6

1,9

1,8

1,4

1,0

outra dimensão do arrocho: no terceiro trimestre de 2004, comparado aos três meses anteriores, o consumo do governo sofreu baixa de 0,2%. Foi o único setor a apresentar queda do consumo. Adicionalmente, a pressão dos juros vem empurrando para baixo as taxas de variação do PIB, esfriando a recuperação. Em relação ao trimestre imediatamente anterior, a economia havia crescido 1,9% no quarto trimestre de 2003; passou a crescer 1% nos três meses encerrados em setembro deste ano, depois de avançar 1,4% no segundo trimestre de 2004.

INFLAÇÃO CALMA

3º trimestre de 2003

EXPORTAÇÕES O avanço da economia, num primeiro momento, foi puxado pelas exportações, com destaque para os produtos básicos (soja em grão, óleo

e farelo de soja, carne bovina, suína e de aves, açúcar e álcool, café, suco de laranja e outros), e pelo agronegócio, diretamente favorecido pelas condições excepcionalmente favoráveis no mercado internacional. No ano passado, com a renda do brasileiro deprimida e o desemprego em elevação contínua, o aumento das exportações não conseguiu “contaminar” o resto da economia. A alta persistente das vendas externas, estimulada pelo crescimento do comércio mundial e pela disparada dos preços no mercado internacional, acabou tendo impactos positivos sobre a economia doméstica em 2004. As exportações, segundo especialistas e institutos independentes, chegaram a responder por 60% do crescimento do PIB nos primeiros meses deste ano.

Fernando Donasci/ Folha Imagem

economia brasileira atingiu um crescimento acumulado de 5,3% nos nove primeiros meses deste ano, na comparação com igual período de 2003, quando havia registrado uma tímida variação de 0,4% frente a 2002. A base de comparação, ainda reduzida pelos fracos resultados do ano passado, e a força das exportações e da agropecuária favoreceram o desempenho da atividade econômica até aqui, mas a renda do brasileiro não tem crescido na mesma proporção, indicando que os resultados da recuperação estariam sendo apropriados por outros setores. Em outubro, o rendimento médio pago às pessoas com algum tipo de ocupação registrava uma elevação de apenas 2,65% em relação ao mesmo mês do ano passado, insuficiente para repor as perdas observadas desde 2002. O valor do rendimento médio, já corrigido com base na inflação, chegou a pouco mais de R$ 900 em outubro, recuando 1,2% em relação a setembro. Na comparação com outubro de 2002, auge da crise que afetou o país, fazendo o dólar disparar, persiste um tombo de 12,9%.

Natal do arrocho à vista como conseqüência da política econômica dos juros altos

Somente no terceiro trimestre, no entanto, é que o mercado interno começou a ter alguma influência no desempenho da economia. Mesmo assim, o aquecimento foi centrado em bens de consumo duráveis, como veículos, televisores, geladeiras e celulares, entre outros. Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a indústria foi a grande responsável pelos resultados observados entre julho e setembro. Mas a atividade industrial vinha em desaceleração e praticamente parou de crescer em setembro. Mantida a tendência, o desaquecimento na indústria e a perda de vigor do agronegócio neste segundo semestre podem afetar o desempenho da economia no final de 2004 e início de 2005. Os números do IBGE para a produção industrial mostram que apenas cinco setores responderam por 55% do crescimento observado até setembro de 2004, na comparação com os mesmos nove meses de 2003: veículos automotores, máquinas e equipamentos, material eletrônico e aparelhos de comunicação, produtos químicos (com destaque para herbicidas) e borracha e plástico (em função da indústria automobilística). Os segmentos diretamente influenciados pelo nível de renda, como alimentos e bebidas, têxtil e vestuário, calçados e acessórios, remédios e cigarros, tiveram uma participação de meros 14,5% no resultado final da indústria. (LVF)


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De 9 a 15 de dezembro de 2004

NACIONAL RIO SÃO FRANCISCO

Justiça barra transposição Luís Brasilino da Redação

Antônio Biondi

Decisões consecutivas suspendem as audiências públicas do Ibama e a contratação de empresas para realizar as obras externo da água do São Francisco somente para o consumo humano e animal, nos casos de comprovada escassez. A decisão inviabiliza a transposição, pois o objetivo do projeto é levar recursos hídricos para estimular atividades econômicas, como a agricultura irrigada e a criação de camarão para exportação. O CNRH é necessário, portanto, para reverter essa decisão.

S

eguidas decisões judiciais podem frustrar os planos do governo federal de iniciar as obras para a transposição do Rio São Francisco no começo de 2005. Dia 6, na Bahia e em Sergipe, a Justiça Federal barrou a continuidade das tramitações para aprovar o projeto. Na data, João Batista Castro Júnior, juiz da 7ª Vara de Justiça Federal da Bahia, suspendeu a realização das audiências públicas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) necessárias para obtenção do licenciamento ambiental. Além disso, o juiz proibiu a contratação de pessoas ou empresas para fazer a transposição. Já Edmílson Pimenta, juiz da 3ª Vara da Justiça Federal de Sergipe, foi além. Não só repetiu as sentenças do colega baiano, como suspendeu a outorga preventiva da água do Rio São Francisco que a Agência Nacional de Águas (ANA) havia concedido. Na sua avaliação, o órgão regulador não tinha o poder de fazer isso porque o processo de discussão do uso da água ainda não foi concluído. Na sua argumentação, Castro Júnior afirma que as ações do governo federal para aprovar a transposição ferem os princípios da legalidade, da legitimidade e do devido processo legal.

SEM ESCASSEZ Baseado em estudos do professor João Abner Guimarães Júnior, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ele determinou que os números apresentados no Estudo e no Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima)

RECURSO

Trecho do Rio São Francisco em Cabrobó, Pernambuco: segundo estudos não haveria escassez nos Estados receptores

diferem da realidade: não existiria escassez de água nos Estados receptores, como alega o governo. Além disso, o magistrado identificou supressão de instância na tentativa de qualificar o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) como o órgão competente para definir o aproveitamento da água do Velho Chico. Essa decisão é importante porque vai no mesmo sentido da tomada, dia 30 de novembro, pela juíza Iolete Maria Fialho de Oliveira, da 16ª Vara Federal do Distrito Federal. Na ocasião, ela concedeu liminar que suspendeu reunião do CNRH programada para acontecer na mesma data. No entendimento de Castro Júnior, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) é o órgão gestor das águas do rio.

“A lei 9.433/97 é clara, mas o governo quer interpretá-la de forma diferente. Pela legislação, a competência do Comitê é estabelecer planos de recursos hídricos da bacia. E, por ‘planos’, entende-se qualquer intervenção ou projeto”, explica Eduardo Mattos, promotor e coordenador do núcleo de promotoria do São Francisco em Sergipe.

As decisões judiciais são importantes porque atravancam a evolução das duas últimas instâncias onde o projeto ainda precisa ser aprovado. Uma, é o licenciamento ambiental do Ibama. A outra, a aprovação do projeto no Conselho. Esta última só se tornou necessária por causa da decisão do Comitê, tomada em outubro, de liberar o uso

A Advocacia Geral da União (AGU) vai recorrer. Segundo informações de sua assessoria de imprensa, a AGU já entrou com recurso contra a decisão da juíza Iolete, e aguarda o julgamento. As ações para mudar os veredictos proferidos dia 6 ainda estão sendo preparadas e não foram enviadas à Justiça. “A possibilidade das liminares serem cassadas existe, mas acho muito difícil isso acontecer. Elas estão muito bem argumentadas”, opina Mattos. Se o governo não obtiver sucesso com as cassações, a transposição não sai do papel em futuro próximo, mas ele diz que já esperava por isso. A expectativa geral é de que esses processos cheguem a algum tribunal superior, onde os posicionamentos são, habitualmente, mais políticos.

Conselho x Comitê Há um conflito sobre as competências do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) para decidir sobre o uso externo das águas da Bacia do São Francis-

co, isto é, seu aproveitamento em outras regiões. Para o governo federal, como a transposição afeta vários Estados, a decisão deve ser tomada por um órgão nacional. Já os críticos do projeto acreditam que os habitantes da região da

bacia são mais importantes nesse processo. O Conselho é dominado por integrantes do governo federal (29 de 57 membros), enquanto o Comitê é composto, essencialmente, por entidades da sociedade civil.

PARANÁ

Militantes criticam política econômica A política econômica e social do governo acabou virando o centro das discussões do 4º Encontro Nacional de Fé e Política, realizado dias 4 e 5, em Londrina, norte do Paraná. De um lado, representantes de movimentos sociais criticaram de forma veemente a política econômica, considerada “neoliberal”, e também a lentidão na implantação da reforma agrária. De outro lado, um ministro e assessores diretos da Presidência defenderam o governo, alegando que as grandes reformas são difíceis de realizar e que “alguns avanços já ocorreram”. O encontro, promovido pela organização Movimento Fé e Política, com o tema “Utopias da fé e realidades da política”, reuniu cerca de 3,5 mil militantes de 16 Estados. Entre os debatedores estavam o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiânia, que centralizaram as críticas à equipe econômica. Como representantes do governo, participaram o ministro do Desenvolvimento Social e coordenador do Fome Zero, Patrus Ananias, o escritor e teólogo Frei Betto, assessor especial da Presidência, e o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho.

AGRICULTURA FAMILIAR Segundo o líder do MST, nem as exportações em alta podem ser consideradas um consolo: “Isso só tem privilegiado os ricos, os grandes exportadores, que são apenas 80 empresas no Brasil. O restante da população fica à margem desse crescimento. É preciso fomentar

a reforma agrária e a agricultura familiar para que se produzam alimentos no país e se distribua melhor a renda”, sugeriu Stedile. O ministro Ananias elencou suas realizações na área social: “Só nos últimos dois anos colocamos R$ 15 bilhões nas mãos dos mais pobres por meio de programas como o Bolsa Família, o Bolsa Escola e o Fome Zero. Não dá para dizer que só estão sendo beneficiados os ricos, por causa da política de juros. Os R$ 7 bilhões que destinamos ao

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar não representam nada?”, perguntou o ministro, dirigindo-se a Stedile.

SEM MODELO Dom Tomás Balduíno disse que o país precisa de um novo modelo econômico que seria a superação desse posicionamento do governo Lula. “O Brasil não pode continuar subordinado às exigências do capital financeiro determinadas pelo Fundo Monetário Internacional.

Não só eu defendo isso, mas todas essas pessoas que estão aí mobilizadas”, apontou o bispo. Sem discordar, Frei Betto, que dia 20 deixa o cargo de assessor especial da Presidência, reconheceu que “é difícil colocar em prática tudo o que se prega quando se está na oposição”. “As mudanças sempre serão um compromisso histórico do governo Lula. Eu, como vocês, tenho muitas críticas, mas tenho brigado internamente. Apesar de todas as contradições do governo,

tenho total confiança no companheiro Lula”, defendeu. O assessor ainda elogiou o fato de o presidente ter sido o único a criar um gabinete de mobilização social: “Depois que passei pelo Planalto descobri que as ocupações do MST são fichinha perto das ocupações que as elites tentam fazer nesse país. Não podemos permitir que o governo seja seqüestrado pelo neoliberalismo, por isso temos que continuar fazendo pressão”, concluiu Frei Betto.

SANTA CATARINA

Praças conquistam abono de R$ 250 Alexandre Grandão de Florianópolis (SC) Depois de mais de dois anos de luta, policiais militares e bombeiros de Santa Catarina conquistaram, dia 1º, um abono de R$ 250, a ser pago mensalmente a partir de janeiro de 2005. A conquista só foi possível depois que os praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) intensificaram suas manifestações. “Vencemos essa batalha”, declarou o presidente da Associação de Praças de Santa Catarina (Aprasc), sargento Amauri Soares. Desde a assembléia geral, em 10 de novembro, a Aprasc vinha mobilizando policiais e bombeiros para uma paralisação, marcada para 1º de dezembro.

ABISMO Não foram poucas as tentativas de enfraquecer o movimento. Por exemplo, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Edson Ivan

Alexandre Brandão

Jaime Kaster de Londrina (PR)

Praças ocupam a galeria da Assembléia Legislativa de Santa Catarina, durante a aprovação da Lei 452/2004, que institui o abono de R$ 250

Morelli, na noite de 30 de novembro, mudou o horário do expediente para o período da manhã. Na mesma noite, porém, o governo procurou a Aprasc e prometeu o abono de R$ 250 para ativos e inativos. No dia 1º, a manifestação reuniu

cerca de mil praças de dezenas de cidades do Estado. Vieram 20 ônibus das regiões de extremo-oeste, planalto serrano, sul e norte. A assembléia decidiu aceitar a proposta e continuar lutando pela aplicação da lei complementar 254, aprovada

em 12 de novembro de 2003. Pela lei, os praças teriam uma correção de vencimentos de 15% até 93%, progressivamente. Mais de um ano depois, porém, a lei ainda não foi cumprida. Pior: serviu apenas para conceder mais um confortável aumento aos oficiais. “A Lei 254 foi criada para reduzir a quatro vezes a diferença entre o maior e menor salário”, explica o presidente da Aprasc. Entretanto, de acordo com cálculos da Associação, a defasagem chega a dez vezes: enquanto o salário médio de um coronel (com todos os penduricalhos) chega a R$ 10 mil, o de um soldado é de R$ 1.100. Para a base dos policiais militares, o abono de R$ 250 representa muito mais que 15% de aumento. Análise da Aprasc mostra que, para soldados novos, o aumento pode ser de até 30% e, para cabos e terceiros sargentos, ultrapassa 20%. Trabalham em Santa Catarina cerca de 12 mil praças, e há outros 4 mil na reserva.


Ano 2 • número 93 • De 9 a 15 de dezembro de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNO VENEZUELA

Rede mundial contra neoliberalismo Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

Venpres

Reunidos em Caracas, intelectuais de todo o mundo criam mecanismos de mobilização para potencializar resistência Alegre. “Temos que aproveitar as redes já organizadas em torno do Fórum para ampliar o poder de mobilização e tomar as rédeas para tornar efetivas as propostas”, disse Houtart.

C

riar uma rede mundial para articular um movimento internacional em defesa da humanidade. Essa foi a principal resolução do Encontro de Intelectuais e Artistas, realizado entre os dias 1º e 7, em Caracas. A proposta será encaminhada, juntamente com as determinações tiradas das dez mesas de trabalho do encontro, por um escritório permanente que será instalado na capital venezuelana. “A idéia é coordenar grupos de trabalho que já existem em outros países para potencializar os movimentos de resistência à globalização neoliberal, que é o grande projeto dessa época”, explica o sociólogo argentino Atílio Boron. Farão parte da agenda de mobilização da nova rede temas como a anulação da dívida externa dos países do terceiro mundo, as campanhas contra os tratados de livre comércio na América Latina e a defesa da soberania dos povos, em especial, a luta pela libertação dos povos do Iraque, Afeganistão e Haiti. “Condenamos o terrorismo, mas somos contrários à utilização da política da chamada guerra contra o terrorismo e da apropriação fraudulenta de valores e conceitos como democracia, liberdade e direitos humanos. Rechaçamos que se chame de terrorismo a resistência dos povos”, diz o documento Chamado de Caracas, apresentado pelo Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquível, no Teatro Teresa Carreno, dia 5. Dessa vez, o teatro foi lotado por moradores dos bairros populares de Caracas, que se uniram aos cerca de 300 intelectuais participantes do evento. Outro tema da declaração, proposto pelo jornalista francês Bernard Cassen, do jornal Le Monde Diplomatique, é que a Cultura não seja discutida no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). “É preciso impedir que a OMC, na sua obsessão por transformar o mundo em mercadoria aniquile a diversidade cultural”, diz o documento. O presidente Hugo Chávez, que no dia anterior esteve reunido por mais de sete horas com as personalidades de mais de 52 países em uma espécie de oficina para debater as diretrizes da nova rede, voltou a cobrar atitudes concretas. “Vamos trabalhar para que não seja mais um documento maravilhoso, como muitos, que fica na gaveta”, desafiou Chávez. Dias antes, na abertura

CELEIRO DE MUDANÇAS

O presidente Chávez com o líder argelino, Ahmed Ben Bella, e o ex- ministro de Relações Exteriores, Jesus Perez

do encontro, o presidente venezuelano disse que “a humanidade tem que ir à ofensiva”, frente às ameças econômicas e políticas. Referindo-se a um discurso do presidente cubano, Fidel Castro, Chávez disse que “amanhã pode

ser tarde demais. Temos que fazer hoje (...) e só o povo organizado é capaz de defender a humanidade”. O presidente venezuelano se comprometeu a doar 250 mil dólares do Prêmio Ghadaffi de Direitos Humanos, que recebeu há uma

semana, para a formação da rede mundial. De acordo com o sociólogo belga François Houtart, a discussão sobre a formação da rede será ampliada no Fórum Social Mundial, em janeiro de 2005, em Porto

Em meio a personalidades como Ahmed Ben Bella, principal líder da independência da Argélia em 1962, a líderes da revolução cubana, como o ministro da Cultura, Abel Prieto, e dos sandinistas Daniel Ortega, Ernesto Cardenal e Tomas Borges, Chávez retomou a idéia da revolução permanente, fazendo referência a León Trótsky: “Não há solução nacional para os problemas. São problemas globais e assim temos que enfrentá-los”. Nas últimas semanas, Chávez tem demostrado maior preocupação com o setor econômico. Por enquanto, a única mudança, anunciada durante o encerramento do encontro, será no Ministério de Economia. Tobias Nóbrega, um dos “tranquilizadores” dos mercados, será susbtituído por Nelson Merendes, do Ministério de Desenvolvimento Endógeno, que acumulará as duas funções. Imediatamente após o anúncio, Chávez convidou o economista brasileiro Theotônio dos Santos a se reunir com o novo ministro para discutir a “teoria da dependência”. “Temos que retomar a idéia do socialismo”, afirmou o presidente venezuelano.

Chávez vai sancionar meios que promovem o golpismo da Redação O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, declarou que seu governo vai suspender os meios de comunicação que promovem o golpismo no país, ao promulgar, dia 7, uma lei que regula a rádio e a televisão. “Aos meios que estão a serviço do golpismo, a serviço de interesses apátridas, aplicar-se-á a lei”, disse, na abertura do Congresso Bolivariano. Para ele, a medida tem o objetivo de frear o “terrorismo mediático”, segundo ele, financiado por uma oligarquia. Aprovada pela Assembléia Nacional, a Lei de Responsabilidade Social de Rádio e Televisão – criticada pela oposição, pela Sociedade Inter-Americana de Imprensa (da sigla em espanhol, SIP), pelo governo estadunidense, pela entidade Repórteres Sem Fronteiras e

pela Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos – aguardava a ratificação do presidente. Chávez atacou a SIP – organização de proprietários e editores de veículos de comunicação do continente –, cujo presidente, Alejandro Miró Quesada, chamou a lei de “mordaça”. Para o presidente venezuelano, a sociedade não diz nada sobre “os cinco patriotas cubanos seqüestrados em prisões estadunidenses” e os 16 jornalistas “que estão sendo processados pelo governo de Washington por não revelar suas fontes”. Segundo um comunicado do Ministério da Informação da Venezuela, a SIP defende sua postura empresarial, “querendo vender como liberdade do povo venezuelano o que são prerrogativas do poder de seus integrantes”. Afirmou ainda que a SIP faz a apologia de uma liberda-

de que não pratica nos periódicos de seus integrantes, “nos quais, de maneira sistemática, se censura, se ataca a verdade, se limita o acesso e

a participação dos leitores e se persegue os jornalistas que não acatam as linhas editoriais”. (Com Agências Internacionais)

Chávez com o sociólogo mexicano Pablo Gonzalez Casanova, na abertura do encontro

ARGENTINA

da Redação O juiz de paz do Tribunal de Brescia, Giovanni Frangipane, estabeleceu que as contas correntes abertas na Itália pelas representações diplomáticas argentinas não são embargáveis. O juiz, desse modo, apoiou o advogado de defesa da Argentina, Ferdinando Emanuele, no julgamento de oposição ao embargo das contas que o Consulado Argentino tinha no Banco Nacional do Trabalho (BNL). O advogado de defesa, da advocacia Cleary, Gottlieb, Steen e Hamilton, se opôs à tentativa de quatro credores, que investiram em títulos do Estado argentino e agora cobram o país por causa da moratória da dívida decretada em dezembro de 2001. Com isso, foi suspensa a execução de dois decretos que estabeleciam o embargo do dinheiro das contas em questão. Em sua sentença, o juiz declara que o dinheiro que está “nas con-

tas bancárias das representações diplomáticas está destinado ao financiamento e desenvolvimento de atuações públicas e soberanas de um Estado em outro Estado”. E define: “Em virtude dos direitos italiano e internacional, esse tipo de disponibilidade financeira destinada a tarefas de natureza pública não pode ser embargada”. Dentro de um ano, o mesmo juiz deverá emitir uma sentença definitiva. A renegociação da dívida gerou uma crise diplomática entre os governos da Argentina e da Itália. O ministro de Relações Exteriores argentino Rafael Bielsa fez duras críticas à falta de apoio do governo de Silvio Berlusconi. “Para mim, essa situação com a Itália é dolorosa”, disse ele. Bielsa afirmou ainda que “essas declarações continuarão, se não tiver a possibilidade de manter um diálogo com a Itália”. Segundo ele, a Argentina acumulou “uma enorme quantidade de

evidências” sobre os impedimentos que o governo italiano pôs durante as negociações da dívida externa argentina. “Quando chegamos no último ponto, precisamos tomar uma decisão”, disse Bielsa a respeito das críticas lançadas pelo presidente argentino Nestor Kirchner a Berlusconi. Na semana passada, Kirchner pediu publicamente a Berlusconi que “retifique” sua posição em relação às reclamações dos credores italianos. Kirchner acusou os bancos da Itália de ter “enganado” seus clientes ao lhes vender títulos que sabiam ser “insolventes”. Com isso, o presidente respondeu ao que considera uma falta de apoio do governo da Itália à proposta de pagamento da dívida com os credores italianos, cerca de 250 milhões de dólares, e ratificou que a Argentina tenta honrar, até onde pode, suas obrigações. (Agência Carta Maior, www.agen ciacartamaior.com.br)

Venpres

Justiça italiana proíbe embargo de bens argentinos

O presidente argentino Néstor Kirchner


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De 9 a 15 de dezembro de 2004

AMÉRICA LATINA

AMÉRICA DO SUL

Nasce nova comunidade de nações Movimentos sociais querem que pauta da nova associação não fique limitada à questão do comércio regional legiado nas relações econômicas no continente, essa nação é o Brasil. “Um estudo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) mostra que o Brasil vende mais do que compra dos países da América do Sul em 22 cadeias produtivas”, informa Sandra Quintela, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e da Campanha contra a Alca e o Livre Comércio.

Agência Brasil

Jorge Pereira Filho da Redação

S

ob o olhar desconfiado da grande mídia local, e de setores conservadores, como o agronegócio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participará, entre os dias 8 e 9, da III Reunião de Presidentes da América do Sul, em Cuzco, Peru. Na pauta, um antigo sonho de Simón Bolívar: a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações. A iniciativa nasce a partir de entendimentos recentes dos dois maiores blocos da região: a Comunidade Andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela) e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Participam, ainda, da nova articulação, Chile, Guiana e Suriname. A primeira reunião do grupo está prevista para se realizar no Brasil, no primeiro semestre de 2005. A Comunidade entrará em cena com um Produto Interno Bruto (PIB) de 1 trilhão de dólares e uma população de 350 milhões de habitantes, segundo o Itamaraty.

CRÍTICAS A articulação dos sul-americanos, no entanto, foi recebida com críticas pelo empresariado brasileiro, principalmente os exporta-

ESTRATÉGIA

Criação da Comunidade Sul-Americana de Nações é um antigo sonho de Simón Bolívar

dores. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem liderado a artilharia, e cobra do Ministério de Relações Exteriores a finalização de acordos como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com os Estados Unidos, ou o tratado de livre comércio com a União Européia.

O empresariado afirma que o governo estaria dando prioridade demais aos acordos regionais e às relações Sul-Sul. Dia 6, o jornal Valor Econômico, publicou estudo no qual os industriais questionam os ganhos que poderão obter depois do acordo com os andinos. Nesses acordos, segundo a CNI,

CHILE

a questão estratégica do governo brasileiro está suplantando os interesses econômicos. Preocupado em aumentar seus ganhos, o empresariado afirma que “os resultados (do acordo) incorporam um sentimento de frustração”. No entanto, a CNI parece ignorar que, hoje, se há um país privi-

Apesar de concordarem com a ampliação das relações políticas com os países da América do Sul, os movimentos sociais criticam a postura do Itamaraty de priorizar o tema do comércio. Na avaliação das organizações, a pauta do Itamaraty nas negociações internacionais continua dentro dos marcos do neoliberalismo. “Infelizmente, estes acordos têm se dado mais no plano do comércio. Temos de ampliar a pauta para a construção de uma instituição financeira para além do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma estratégia comum para enfrentar o endividamento externo, uma televisão do Sul”, diz Sandra, enumerando algumas propostas já levantadas pelo presidente venezuelano Hugo Chávez.

PARAGUAI

Confissões de ex-repressor: vínculos entre a Dina e a CIA

Autoridades ordenam prisão de liderança da Redação

da Redação Em Bogotá, na Colômbia, foi noticiado que o general reformado Manuel Contreras, condenado pelo desaparecimento de 200 pessoas e pela tortura a 7 mil, reconheceu a existência de vínculos entre a Direção de Inteligência Nacional (Dina), órgão da ditadura Pinochet, e a Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), a qual treinou os militares chilenos em métodos repressivos. Em declarações à revista colombiana Semana, Contreras atribuiu à CIA o assassinato do vice-presidente do governo Allende, Carlos Prats, morto com sua mulher num atentado a dinamite em Buenos Aires, em 1974. A ação foi organizada por Michael Townley, integrante da agência estadunidense. No Chile, segundo o jornal La Tercera, há informações de que o juiz Sergio Muñoz concluiu que as contas de 12 milhões de dólares de Pinochet no Banco Riggs, de Washington, são resultado de comissões ilegais de negócios de compra e venda de armamentos,

Na mira do juiz estaria a venda de carros blindados e fuzis a terceiros países, feitas pelo Exército com licenças outorgadas pelo empresário chileno de origem húngara, Carlos Horzak, amigo íntimo de Pinochet. Também interessam a Muñoz as vendas de foguetes terra-ar Blowpipe aos contras da Nicarágua, em 1985 e 1986. No dia 2, a Corte de Apelações do Chile suspendeu a imunidade de Pinochet, para que possa ser julgado pelo assassínio de Prats.

o peso das acusações recair sobre seus subalternos. “Sempre existiram relações com a CIA. Tive contatos com 40 agências de inteligência do mundo – KGB, CIA, KCIA (Coréia do Sul), Savak (Irã). Com todos os países sul-americanos, com grande parte dos países centro-americanos, com os alemães, franceses, ingleses, com o Mossad israelense”, declarou. Segundo o militar chileno, a Operação Condor foi “invenção do FBI”, o Birô Federal de Investigações dos EUA (equivalente à polícia federal brasileira). Ele admitiu, também, que houve coordenação dos serviços de inteligência latino-americanos, “mas não como dizem os marxistas, não levei homens para matar fora do país e não veio gente matar no Chile. O único país que não entrou na Operação foi a Colômbia, e vejam como ela está.” Mesmo condenado, Contreras está livre e em casa, no Chile, pois não foi assinada a ordem de prisão. (Com agências internacionais)

PROJETO O general Contreras diz que foi encarregado por Pinochet de elaborar um projeto para criar uma agência de inteligência. “Apresentei o projeto a 12 de novembro de 1973 e, a partir do dia 13, Pinochet me ordenou que organizasse a Dina. Assim foi até 1º de abril de 1974, quando chegaram oito agentes da CIA que nos instruíram até agosto”. Aos 75 anos de idade, Contreras afirma que está “magoado” com o ex-ditador, por ter fugido de suas responsabilidades quanto às violações de direitos humanos, deixando

A Procuradoria do Paraguai emitiu uma ordem de prisão contra Odilón Espínola, dirigente da Federação Nacional Camponesa (FNC), por ter liderado as ocupações de latifúndios privados por camponeses sem terra, desobedecendo a política agrária do presidente Nicanor Duarte. Segundo o ministro do Interior, Nelson Mora, Espínola demonstrou ser “um criminoso” depois de ter liderado o ataque de cem camponeses contra uma delegacia, para libertar um sem-terra detido. O dirigente da FNC afirmou que não vai se entregar à polícia, mas continuará a lutar na clandestinidade “pelos direitos dos setores camponeses”. As medidas contra Espínola ocorrem num momento de forte tensão entre o governo e as organizações camponesas que, nas últimas semanas de novembro, realizaram uma onda de ocupações de latifúndios em diversos distritos do país. Mesmo se dizendo pronto a acei-

tar a mediação da Igreja Católica para retomar o diálogo com os movimentos camponeses, o presidente Duarte adotou a linha dura contra as manifestações de protesto, mandando forças do Exército para as regiões mais conflituosas, para ajudar a polícia.

REFORMA AGRÁRIA De acordo com as organizações camponesas, Duarte traiu a promessa de realizar a reforma agrária. Na verdade, continuou a defender os interesses dos latifundiários, num país no qual 66% das terras estão nas mãos de 10% da população, que é de 5,5 milhões de habitantes. Metade dos paraguaios está abaixo da linha da pobreza. As detenções dos camponeses não vão prejudicar a FNC, e sim dar mais forças a seus militantes, acrescentou Espínola. Ele lembrou que, a 1º de setembro último, venceu o prazo que o governo tinha para a entrega de 100 mil hectares de terras a integrantes da FNC, mas que, “como sempre, o Executivo não cumpriu sua palavra. (Com agências internacionais)

BOLÍVIA

Victor Rojas/AFP

MAS, a maior força eleitoral do país

Chilenos lembram Salvador Allende, assassinado há 31 anos

da Redação O Movimento Para o Socialismo (MAS), do líder cocalero Evo Morales, se tornou a maior força política eleitoral da Bolívia, com um terço dos votos nas eleições municipais de 5 de dezembro. Isso, apesar de os candidatos de outras forças terem ganhado nas principais cidades. Os partidos que governaram o país entre 1985 e 2003 ficaram à beira da extinção. O Movimento Nacional Revolucionário (MRN), seis vezes no poder, de 1952 a 2003, ficou com 5,5% dos votos. Pela primeira vez na história da Bolívia, 343 entidades civis e 59 organizações indígenas disputaram as eleições, ao lado dos 17 partidos. Os resultados definitivos vão sair em fins de dezembro. O MAS, cria-

do nos anos 80 como braço político dos camponeses produtores de coca do Chapare, região central do país, não ganhou as eleições para prefeito em nenhuma das principais cidades, mas conquistou dois terços dos vereadores de La Paz. “Aumentamos nossa participação eleitoral em 50%. Nas eleições nacionais, tínhamos tido 20% dos votos, agora chegamos a 30%”, declarou Morales. Depois das eleições municipais, a Bolívia se prepara para atender à convocação, pelo presidente Carlos Mesa, de uma Assembléia Constituinte em 2005. Analistas políticos bolivianos, como Carlos Valverde, calculam que o MAS poderá ser a maior força política na Constituinte, se conservar o apoio obtido até agora, que o transformou, de força regio-

nal, em partido nacional. Resultados preliminares apontam para o aumento do apoio a candidatos que representam minorias indígenas, associações civis e partidos de centro-esquerda, além do MAS. As associações, que puderam participar das eleições graças a uma reforma constitucional, lideram a apuração em quatro de nove capitais de departamentos (Potosí, Oruro, Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra). O bolivianos foram às urnas dia 5, um ano depois de o ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada ter sido deposto. Seu substituto, o atual presidente Carlos Mesa, disse que as eleições municipais provocariam uma grande mudança no cenário político da Bolívia. (Com agências internacionais)


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INTERNACIONAL REFORMA AGRÁRIA

Encontro internacionaliza lutas do campo Marco Aurélio Weissheimer de Valência (Espanha)

U

m dos méritos mais estratégicos do Fórum Mundial da Reforma Agrária, aberto dia 5, em Valência, na Espanha, foi apontado logo de início pelo reitor da Universidade Politécnica de Valência (UPV), Javier Sanz. Pela primeira vez na história, representantes de movimentos sociais, organizações não-governamentais, governos e especialistas acadêmicos reúnem-se em um encontro dessa magnitude para debater os desafios que envolvem as lutas por reforma agrária em todo o mundo. Mais de 550 delegados, vindos de 70 países, lotaram o auditório do Colégio Galileu com um objetivo central: reposicionar o tema da reforma agrária diante da nova realidade econômica mundial e impulsionar um processo de internacionalização das lutas sociais no campo. O tema e seus desafios não são novos. Como observou Francisco Amarillo, diretor-geral de Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação da Espanha, há pelo menos 2 mil anos fala-se de reforma agrária. Há quem pense que, no início do século 21, falar de reforma agrária seja algo anacrônico. Um rápido inventário dos problemas relacionados à estrutura agrária mundial deixa claro que o tema é mais atual e urgente do que nunca: concentração de terras, fome, pobreza e exclusão social crescente no campo (especialmente na África, Ásia e América Latina, regiões que concentram o maior contingente populacional do planeta); modelo agroexportador baseado em grandes áreas de monocultura; progressiva destruição do ambiente e da biodiversidade, patenteamento de formas de vida, racismo, violência no campo. A lista poderia prosseguir.

Paulo Pereira Lima

Debatedores fazem inventário dos problemas do campo, resgatam ensinamentos e apontam agenda de lutas

Mais de 550 delegados, de 70 países, participaram do Fórum que reuniu movimentos sociais, ONGs, governos e especialistas

ria dos países do mundo atravessa também, das mais variadas formas, os debates contemporâneos sobre acordos comerciais. Isso ficou evidenciado na fala do deputado socialista Enrique Borón, ex-presidente do Parlamento Europeu, que, ao mesmo tempo, concordou com a necessidade de uma política agrícola européia baseada na noção de segurança alimentar, criticou o paradigma produtivista e o capitalismo selvagem no campo, e defendeu uma política de abertura do acesso aos mercados agrícolas com a derrubada de barreiras alfandegárias, posições que apresentam contradições entre si, como lembrou, de modo irônico, uma representante da Confederação Camponesa da França.

AGENDA O questionamento sobre os limites e contradições do modelo agrário hegemônico na imensa maio-

A amplitude da agenda atual que caracteriza e dá corpo às lutas por reforma agrária em todo o mundo foi destacada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário do Brasil, Miguel Rossetto, principal autoridade governamental presente ao Fórum de Valência. Rossetto defendeu a atualidade e a urgência dessa agenda, lembrando que ela está diretamente relacionada a uma estratégia de desenvolvimento. E que está relacionada também a uma tradição de lutas sociais. “Somos herdeiros de um incansável processo de lutas. Somos herdeiros de lutas mais recentes, quando fomos capazes de dizer não às políticas neoliberais, causadoras de opressão e injustiça”, disse Rossetto, demarcando que essa agenda não

se define como um problema técnico a ser resolvido por especialistas e tecnocratas, mas sim como uma questão eminentemente política, relacionada à disputa de poder na sociedade.

MODELO CONTRADITÓRIO O Fórum de Valência, observou ainda o ministro brasileiro, assume uma enorme responsabilidade ao pretender constituir um espaço de unidade e interlocução fundamental para todos os agentes sociais que lutam por reforma agrária. A concretização desse espaço de articulação internacional aparece como uma condição necessária para o fortalecimento de uma luta que põe em xeque a própria estrutura de poder político e econômico da

sociedade global. Rossetto citou o exemplo do Brasil, um país que é hoje um dos maiores produtores de grãos do mundo, que é o maior exportador líquido de alimentos e que, no entanto, apresenta altíssimos índices de concentração de terra e de renda, um processo crescente de exclusão social e pobreza, de violência no campo e um modelo produtivo predatório dos recursos naturais. “Há, portanto”, acrescentou, “uma agenda a ser enfrentada, uma agenda que expressa essas contradições e esses problemas”. “Devemos ter uma estratégia produtiva, sim, mas uma estratégia que aponte para uma outra agenda de desenvolvimento, que tenha a reforma agrária como uma proposta central”. E ela é central, enfatizou Rossetto, por que tem a ver com a ocupação de nosso território, com a produção de alimentos de qualidade, com a geração de emprego e renda no campo, e, sobretudo, com a ruptura com uma tradição cultural de dominação que vê o campo fundamentalmente como um símbolo de atraso, útil apenas para a acumulação e reprodução de capital. Uma agenda, então, que tem a ver também com as formas de vida que queremos construir para nosso futuro. E uma das coisas que o encontro em Valência já demonstrou em seu primeiro dia é que essa agenda está mais viva do que nunca no calendário de lutas da esquerda mundial. E permanece viva porque os problemas que justificam sua existência estão se agravando. Rossetto sintetizou do seguinte modo essa percepção: “As grandes cidades, hoje, são incapazes de oferecer uma estratégia de segurança e desenvolvimento ao nosso povo. O neoliberalismo construiu um conjunto de grandes mentiras. Todas as suas grandes promessas se revelaram mentirosas. A agenda da guerra voltou com força. Mas a maior das mentiras foi dizer que a esquerda tinha acabado. Ela vive e segue lutando pela democracia, pela justiça social, pela reforma agrária e pela paz”. (Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)

Verena Glass e Mauricio Hashizume de Valência (Espanha) A discussão sobre o problema da fome no mundo, pautada tanto nas Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM) das Nações Unidas quanto nos últimos debates do órgão sobre desenvolvimento (não se podendo negar o mérito do governo brasileiro nesse sentido), voltou, de certa maneira, a inserir a reforma agrária na agenda mundial. A forma como a questão vem sendo abordada, no entanto, contrapõe frontalmente duas visões antagônicas: de um lado, a perspectiva de tratar o combate à fome pelo viés do agronegócio, da mercantilização da terra e da produção massiva de commodities agrícolas negociáveis no mercado internacional, defendida e implementada por grande parte dos governos (sob a égide de organismos como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio-OMC); de outro, a defesa de uma distribuição real da terra e dos meios de produção, no sentido de re-instituir o campesinato como principal ator da cadeia produtiva de alimentos para o mercado local, segundo suas demandas e conforme suas raízes culturais. Explicitamente crítico à primeira visão, o Fórum Mundial da Reforma Agrária (FMRA) foi idealizado inicialmente com o objetivo de lapidar um conceito de

Verena Glass

A ação nociva do Banco Mundial e da OMC dessa posição entre as ONGs e o poder público. “Temos aliados entre os governos nacionais, como Hugo Chávez (Venezuela) e agora Tabaré Vazquez (recém-eleito no Uruguai). Não sabemos o que esperar do governo espanhol, e estamos bastante decepcionados com o governo brasileiro. Mas tentaremos acessar o G20 por meio do Brasil, e a União Européia, por meio da Espanha, para apresentarmos nossos pontos de vista”, explica o hondurenho Rafael Alegria, da direção mundial da Via Campesina. Segundo a Organização, uma coisa é certa: a reforma agrária é o principal mecanismo de combate da miséria global, e, para que possa ser implantada, os governos devem excluir a OMC do processo e tirar do Banco Mundial o papel de coadjuvante na formulação de políticas agrícolas para o planeta. Abertura do Fórum Mundial sobre a Reforma Agrária, em Valência, na Espanha

BANCOS DA TERRA reforma agrária alternativo ao das linhas adotadas pelo mercado. Mas será capaz de tratar a raiz do problema da fome e da concentração de terras e dos meios de produção, que, passados cinco anos do lançamento das MDM, não apenas não retrocederam mas efetivamente aumentaram no mundo? A partir desse questionamento, a Via Campesina, que hoje congrega, segundo seus dirigentes, mais de 100 milhões de trabalhadores rurais

de todo o mundo na luta contra o avanço das políticas neoliberais no meio rural, procurou tirar alguma diretrizes que definissem sua estratégia no evento. Segundo a Via Campesina, para que as mazelas da fome e da exclusão social no campo sejam sanadas, os governos têm que adotar medidas radicais de defesa do campesinato e das “vítimas do modelo neoliberal”. Mas paira ainda a dúvida sobre a aceitação

Nesse sentido, como principal interferência nociva do Banco Mundial na realização da reforma agrária no Hemisfério Sul, a Via Campesina aponta a criação dos chamados Bancos da Terra, instituições de crédito que viabilizam a compra, por parte dos governos, de terras privadas com o posterior repasse do ônus aos agricultores. “É um dos mecanismos adotados também pelo governo brasileiro. É um crédito agrícola que, no

Brasil, vem causando uma inadimplência de praticamente 100% das famílias assentadas, obrigando grande parte delas a deixar os lotes adquiridos por essa política. Implantado em 1997 ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, os assentamentos do Banco da Terra devem ser os únicos que atingirão a meta estipulada pelo governo Lula este ano. E isso é um desastre. Para nós, a reforma agrária se dá pela desapropriação de terras”, avalia Jaime Amorim, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integrante da Via Campesina pelo Movimento. A tese da interferência nefasta do Banco Mundial nos países pobres é reforçada por um estudo desenvolvido pelo geógrafo e expresidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no início do governo Lula, Marcelo Resende: “A atuação do Banco Mundial é um obstáculo comum identificado na luta pela reforma agrária em diversos países. Eles chegam na Tailândia e dizem que deu certo no Brasil. De outro lado, vão para o Brasil e dizem que deu certo na Tailândia”. Segundo Resende, apenas durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 74 mil famílias aderiram à proposta no país pelo Banco da Terra, e o gasto total somou 500 milhões de dólares. (Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)


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INTERNACIONAL ÁFRICA DO SUL-HAITI

Asilo a Aristide gera crise diplomática Moyiga Nduru de Johannesburgo (África do Sul)

O

s governos do Haiti e da África do Sul se enfrentam numa guerra de palavras cada vez mais intensa, por causa do refúgio que o país africano proporciona ao ex-presidente haitiano, Jean-Bertrand Aristide. O primeiro-ministro do Haiti, Gerard Latortue, afirma que Aristide organiza, a partir do exterior, um movimento violento para sabotar sua autoridade e acusa a África do Sul de estar a par desses planos. Por seu lado, o governo de Thabo Mbeki assinalou que Latortue, com essas acusações, tenta desviar a atenção de sua incapacidade para controlar a crise no país caribenho. Aristide abandonou Porto Príncipe no dia 29 de fevereiro deste ano, em circunstâncias ainda não esclarecidas. Quando a Frente Nacional Haitiana, dos rebeldes antiAristide, se aproximava da capital, o então presidente assinou a sua renúncia e embarcou num avião estadunidense, que o levou à República Centro-Africana. Semanas depois, se estabeleceu na África do Sul. O ex-presidente continua afirmando que foi seqüestrado por fuzileiros navais estadunidenses e que não renunciou de livre e espontânea vontade, ao contrário do que asseguram funcionários de Washington, mas que foi obrigado a assinar a renúncia. Os adversários de Aristide celebraram sua saída do poder como se indicasse o início de uma nova era no Haiti. Após sua queda, formou-se

Dario Lopez-Mills/AP/AE

Premiê do Haiti acusa governo sul-africano de colaborar com planos do ex-presidente para desestabilizar o país

Partidários do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide (detalhe) protestam contra repressão da polícia

um governo interino encabeçado por Latortue, com o apoio dos Estados Unidos. No entanto, a situação continuou se agravando, pois grupos aliados a Aristide permanecem ativos.

Nos últimos dias houve um tiroteio perto do palácio presidencial, exatamente quando o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, visitava Porto Príncipe. O confronto

ocorreu quando desconhecidos passaram num carro diante do edifício e atiraram contra a fachada. Os soldados brasileiros que fazem parte de uma missão de paz da

ONU responderam ao ataque. Latortue acusa Aristide de ser o autor intelectual de atos de violência como esse, com o apoio da África do Sul. Semanas atrás, o primeiro-ministro ordenou a detenção de Aristide, por acusações de corrupção. O vice-chanceler sul-africano, Aziz Pahad, rebateu: “Não há provas que possam apoiar a afirmação de que o presidente Aristide esteja envolvido em qualquer tipo de atividade destinada à desestabilização do Haiti. Nem a África do Sul, nem o presidente Mbeki, podem ser usados como bodes expiatórios do fracasso do governo interino haitiano em garantir a paz e a segurança”. Pahad explicou que a África do Sul decidiu receber Aristide como “um visitante cuja situação legal está pendente, por força da situação política no Haiti”. Não existe nenhum tratado de extradição entre Pretória e Porto Príncipe. Segundo Khabele Matlosa, do Instituto Eleitoral da África Austral, com sede em Johannesburgo, “para o Haiti, será um esforço inútil tentar extraditar Aristide, já que não há nenhum tratado com a África do Sul”. Aristide também tem críticos na África do Sul. O líder da Aliança Democrática, de oposição, Tony Leon, disse que o líder haitiano “está desfrutando de um abrigo seguro às custas dos contribuintes sul-africanos”. Enquanto isso, a organização Anistia Internacional expressou preocupação pelas violações dos direitos humanos no Haiti, assim como preocupação pelos confrontos entre bandos. (IPS/Envolverde, www.envolverde.org.br)

Kinha Costa de Pretória (África do Sul)

Divulgação

População jovem é a mais atingida pela Aids Se por um lado os jovens na África do Sul comemoram dez anos de democracia e o fim da era do governo separatista do apartheid, por outro convivem com o mais cruel dos desafios, a epidemia da Aids. Segundo dados do Ministério da Saúde sul-africano, 5,3 milhões de pessoas estão infectadas com o vírus da Aids no país. Desses, 14,8% têm menos de 20 anos e 29,1% têm entre 20 e 24 anos. Mais de 40% da população da África do Sul – 45 milhões – têm menos de 20 anos, faixa em que, segundo a Organização Não-Governamental Love Life, acontecem 35% dos casos de contaminação do vírus HIV. Mesmo com as campanhas na mídia, programas de educação sexual nas escolas e o assunto despertar interesse internacional, falar abertamente sobre sexo ainda é um grande tabu nas famílias sul-africanas. Na cultura zulu, por exemplo, as jovens só podem falar sobre sexo quando estão noivas, comprometidas para casar. Porém, o alto índice

Jovens sul-africanos reivindicam políticas públicas para o combate à Aids

de adolescentes grávidas mostra que a vida sexual das garotas começa entre 13 e 14 anos. E, segundo dados da Fundação Nelson Mandela, 90% dos casos de gravidez na adolescência são de relações com parceiros bem mais velhos. Crenças antigas dificultam o trabalho de prevenção. Um em três jovens acredita que ter relação sexual com uma virgem cura a Aids. Estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam a África do

Sul como o país onde ocorre o maior índice de estupros no mundo, com 64% das vítimas entre 14 e 19 anos.

INFÂNCIA PERDIDA País de cultura ainda muito centrada no homem, a África do Sul aceita a poligamia. Preocupar-se com gravidez é tarefa das mulheres, bastante vulneráveis e dependentes dos homens. Esse pode ser um dos fatores determinantes do poder do homem sobre a mulher, tão fragili-

zada na hora do sexo. Recusar ter relação sexual porque o parceiro não quer usar preservativo, muitas vezes, significa o fim de um relacionamento. E um em cinco jovens sul-africanos não usa preservativo, enquanto um em dois jovens de 16 anos tem vida sexual ativa. Segundo a Fundação Nelson Mandela, 660 mil crianças na África do Sul são órfãs. Para elas, Aids não significa somente perder os pais, mas perder a infância. Quando pais e familiares ficam doentes, crianças e adolescentes assumem a responsabilidade de gerar salários, trazer comida para casa e até cuidar dos doentes. A queda na freqüência escolar é um dos mais visíveis efeitos da epidemia. Muitos filhos deixam de ir à escola para cuidar dos pais doentes. O efeito da doença no mercado de trabalho, na economia e no progresso social é drástico. A grande maioria dos infectados na África do Sul tem entre 15 e 49 anos, praticamente a primeira fase da vida profissional. Estudos mostram que, com a epidemia da Aids, as empresas também padecem: sofrem acrésci-

mo nos custos dos funcionários de 6% a 8% para cobrir gastos com ausência no trabalho, queda na produtividade, assistência médica hospitalar e treinamento de novos funcionários, entre outros. O governo do presidente Thabo Mbeki iniciou, em 2002, um programa que inclui: educação sexual nas escolas, distribuição anual de 400 milhões de preservativos, campanha de incentivo ao uso de preservativo, campanha de abstinência sexual, testes para gravidez, programa de assistência à transmissão vertical (de mãe para filho); assistência integral para vítimas de estupro e assistência gradual para a população infectada. O Instituto de Democracia da África do Sul, a Campanha de Ação e Tratamento e a empresa Anglo American constituíram um fórum para monitorar esse programa e concluíram que o ritmo está muito lento. Apenas 8 mil pessoas no país estão sendo medicadas pelo programa do governo, quando o plano original era atingir 53 mil até o final de 2004. (Revista V iração, www.viracao.com.br)

SENEGAL

da Redação Favorecer a participação das mulheres em diversos níveis e envolver os jovens na defesa de políticas públicas de saneamento são duas das principais ações destacadas na declaração final do Fórum Mundial Sobre a Água – Saneamento e Higiene para Todos. Promovido pelas Nações Unidas, o encontro em Dacar, no Senegal, de 3 a 5 de dezembro, contou com a participação de cerca de 500 delegados de governos, organizações não-governamentais e institutos de pesquisa. A declaração final, na qual se faz

Divulgação

Fórum Mundial defende água para todos

Angolana busca água em abrigo para deslocados no bairro do Alvalade, em Luanda (Angola)

referência explícita aos “objetivos do milênio para o desenvolvimento”, fixados pelas Nações Unidas em 2000, enfatiza o papel da mulher, reconhecendo sua importância absoluta “em todos os níveis, desde a base até o vértice, passando por todos os aspectos técnicos, gerenciais e políticos”. O documento pede ainda que se leve adiante a instrução das crianças e dos jovens “em matéria de saneamento e de higiene”, pois são as principais vítimas do mau funcionamento do setor de água potável. Além disso, a declaração convida as empresas privadas a se

empenharem em fornecer, a preços acessíveis, serviços de saneamento e de abastecimento de água. “A verdade é que, a cada quinze segundo morre uma criança de doenças provocadas pelo consumo de água insalubre e por causa da falta de verbas para o saneamento básico”, escreveu, em nota enviada ao Fórum, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), atualmente 2,6 bilhões de pessoas, cerca de 40% da população mundial, não dispõem de serviços higiênicos e

de abastecimento de água potável. A maior parte delas vive nas zonas rurais da África subsaariana e no Sudeste Asiático. São muitas as doenças graves ligadas à falta de higiene e de água potável, a começar pela cólera, tifo, pólio, meningite, hepatite A e B, todas patologias que se transmitem com facilidade e que podem, a qualquer momento, se transformar em epidemia. E, não obstante os progressos esperados até 2015, ainda haverá nessa data, segundo a ONU, pelo menos 800 milhões de pessoas que sofrerão pela falta de higiene e de água potável. (Misna, www.misna.it)


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AMBIENTE BIODIESEL

Medida provisória favorece agronegócio Rui Kureda de São Paulo (SP)

O

lançamento do Programa de Produção e Uso do Biodiesel pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 6, ocorreu após semanas de intensa disputa política em torno da Medida Provisória (MP) 214, encaminhada ao Congresso Nacional pelo governo federal. A disputa se deu em função do substitutivo apresentado pelo deputado Betinho Rosado (PFL-RN), introduzindo mudanças que alteravam substancialmente a MP original. A MP 214 do governo, além de introduzir o biodiesel na matriz energética brasileira, autorizava a mistura de 2% de biodiesel ao diesel mineral e atribuía à Agência Nacional de Petróleo (ANP) a função de regulamentar e monitorar o processo de produção, transporte e armazenamento do biodiesel. Segundo o processo, após sua aprovação seria encaminhada e votada uma MP que definiria um modelo tributário específico, determinando os critérios para a concessão de desoneração tributária, favorecendo os agricultores familiares e as regiões mais pobres do país, o Norte e o Nordeste. O substitutivo apresentado pelo deputado Rosado, além de tornar obrigatório a mistura do biodiesel, estabelecendo prazos para se chegar ao B2 (3 anos) e ao B5 (8 anos), propunha isenção tributária para todos. À agricultura familiar, na prática, restaria uma “reserva de mercado”. Diante desse quadro, várias entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf-Sul) e Articulação do Semi-Árido (ASA) lançaram um documento intitulado “Em defesa da MP 214 original. Derrotar o substitutivo do agronegócio”, denunciando o caráter das mudanças propostas pelo deputado, cujas relações com o agronegócio são notórias. Além disso, na semana passada, as entidades enviaram à Presidência da República um pedido de audiência, da qual participariam os ministros da Casa Civil, Minas e Energia, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e da Fazenda.

Fotos: Rose Brasil/ABr

Aprovada isenção tributária para todos, ao contrário da proposta original, que beneficiava agricultores familiares

Célula de produção de mamona dentro da primeira etapa do projeto de fabricação de biodiesel: isenção tributária para todos prejudica pequeno produtor

Outra preocupação comum está relacionada aos contratos de fomento entre empresas e agricultores. Viabilizar um acompanhamento jurídico para que os agricultores não sejam prejudicados nos contratos é fundamental. Além disso, há o risco de se reproduzir, no caso do biodiesel, o famigerado sistema de “integração”, vigente em setores como a suinocultura, que “amarram” o produtor à empresa, tornando-o completamente dependente da agroindústria. Essas preocupações também estiveram contempladas na resolução 49 do Conselho Nacional do Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), publicado no Diário Oficial no dia 29 de novembro (disponível na página eletrônica www.condraf.org.br), que contém recomendações e propostas à produção e ao uso do biodiesel. De modo geral, as recomendações contidas na resolução do Condraf expressam os pontos básicos para que se garanta o programa de produção e uso de biodiesel enquanto instrumento de geração de emprego e renda para os agricultores familiares, principalmente das regiões mais pobres. A MP aprovada foi fruto de intensas negociações e discussões. O deputado Rosado retirou toda a parte tributária, que promovia isenção a todos, pequenos agricultores e gran-

des empresas do agronegócio, e que isentava ainda a importação de óleos vegetais para a produção de biodiesel. Contudo, a MP aprovada manteve a proposta de obrigatoriedade do B5 num prazo de oito anos, e de B2 num prazo de 3 anos. Isso significa que em 2007 o Brasil deverá estar produzindo cerca de 800 milhões de litros de biodiesel. E até 2012 deverá, em média, aumentar a produção de biodiesel numa proporção de 400 milhões de litros a cada ano. O caráter autorizativo, proposto na MP original, garantia à agricultura familiar e assentados tempo para se estruturarem e se capacitarem, organizativa e tecnicamente, para a produção de biodiesel, sem ter que competir com o agronegócio pelo menos num primeiro momento. Ninguém tinha ou poderia ter a ilusão de que a agroindústria ficaria de fora da produção de biodiesel, mas o fato de a mistura de 2% de biodiesel ao diesel mineral não ser compulsório, somado a um modelo tributário que privilegiaria a agricultura familiar, era um fator importante para os pequenos agricultores e impedia a inserção imediata do agronegócio na produção de biodesel. A obrigatoriedade modifica completamente o quadro. É impensável que se possa chegar à meta de 800 milhões de litros anuais de

biodiesel tendo como base somente a agricultura familiar. O deputado Luciano Zica, que votou pela rejeição da MP modificada, justificou seu voto afirmando que “inevitavelmente cairemos no colo dos produtores de soja ou dos exportadores de óleos vegetais que são aqueles que estão estruturados para nesse tempo garantir esse abastecimento, se aliviando da crise internacional que o setor do soja atravessa”. Tem razão o deputado, pois o cumprimento dos prazos estabelecidos pela MP só poderão ser cumpridos com produções em grande escala. E o único setor capaz de proporcionar oleaginosas para produção de biodiesel em larga escala é o agronegócio da soja. Existem cálculos de que bastariam pouco mais de 10% da área plantada de soja no país para se chegar ao B2.

BENEFÍCIOS PARA USINEIROS Até alguns meses atrás afirmava-se que o biodiesel não seria economicamente viável sem incentivos e desoneração tributária. Mas a realidade não é assim. Em Campina Grande (PB) ocorreu o 1º Congresso Brasileiro de Mamona e Biodiesel, com participação maciça de empresários e praticamente nenhuma participação dos movimentos sociais. Basta apontar que durante os quatro dias de debates

PREOCUPAÇÕES DAS ENTIDADES Diante da ofensiva do agronegócio, e pela necessidade de apresentar propostas visando melhorar as condições para os agricultores, iniciaram-se contatos e discussões entre as várias entidades. Apesar de posições diferenciadas, ficou claro que há convergência em preocupações e propostas diante do programa do governo. Essas entidades e movimentos defendem que o papel da agricultura familiar não deve ficar restrito ao de fornecedor de matérias-primas para as empresas. Mas que avance na cadeia produtiva, incorporando processos como a extração de óleo, nos quais ocorre agregação de valor, até chegar a controlar todo o processo de produção do biodiesel.

Plantação de mamona, matéria-prima para a fabricação de biodiesel, em Canto do Buriti, no Piauí

houve apenas um expositor ligado à agricultura familiar. A Petrobras e outras empresas já anunciam tecnologias que aumentam a produtividade e reduzem os custos da produção de biodiesel, tornando-o viável economicamente sem desoneração tributária. No Rio Grande do Norte, a Petrobras está instalando duas plantas de produção de biodiesel, sendo que uma delas, que estará em funcionamento em meados de 2005, utilizará a tecnologia desenvolvida pelo professor Carlos Nagib Khalil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em Piracicaba (SP) formalizouse recentemente, com a presença do presidente Lula, a criação do Pólo Nacional de Biocombustíveis, que contará com investimentos milionários de empresários japoneses. Além disso, já existem negociações para exportação de biodiesel, além de álcool. Um fato importante é a retomada de grandes investimentos para a produção de álcool para exportação. Ao mesmo tempo, a MP 214 defende que se privilegie a rota etílica, o que significa mais benefícios para os usineiros. Ao se aprovar as alterações do deputado Betinho Rosado, o caráter do programa de produção e uso do biodiesel sofreu uma transformação substantiva. E gerou um quadro desfavorável para a agricultura familiar, uma vez que o agronegócio já tem estrutura, recursos e tecnologia para entrar em cena. Por outro lado, os pequenos agricultores e assentados vivem uma situação inversa. Falta informação, capacidade organizativa e técnica para a produção de biodiesel. Muitos contratos firmados entre empresas e agricultores são claramente desfavoráveis aos agricultores familiares. Existem ainda inúmeros problemas a ser discutidos, e pontos que ainda precisam ser melhor detalhados, mas o fato é que, infelizmente, a aprovação da MP foi mais uma vitória do agronegócio. Aos movimentos sociais e entidades da agricultura familiar resta o caminho da luta para virar o jogo e criar as condições para que a agricultura familiar vá além da condição de fornecedora de oleaginosas para as empresas.

Ambientalistas definem agenda de lutas para 2005 Maurício Thuswohl do Rio de Janeiro (RJ) Tudo parece mesmo se encaminhar para que 2005 seja o ano do divórcio entre os movimentos socioambientais e o governo Lula. O crescente desconforto desse setor com a política ambiental praticada pelo governo federal ficou claro no 1º Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que foi realizado no Rio de Janeiro entre os dias 25 e 27 de novembro, e reuniu cerca de 170 representan-

tes das principais entidades que compõem a rede em todo o Brasil. Durante os três dias de discussão, não faltaram críticas ao modelo energético adotado no país, ao descaso do governo em solucionar os principais passivos ambientais e até mesmo à política econômica conduzida pelo ministro Antonio Palocci (Fazenda). Como resultado de tanto desconforto, foi aprovada pelos participantes na plenária final do encontro, integrantes da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), uma

Declaração Política que bate forte no governo e será lida publicamente em janeiro do ano que vem, durante a quinta edição do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Também foi aprovada pelas entidades uma agenda de mobilizações e eventos para 2005 que será parte importante da nova dinâmica de enfrentamento que o movimento pretende adotar frente às políticas públicas ambientais consideradas inadequadas. A Declaração afirma ainda que “o continuísmo político do governo

Lula reproduz e reforça o mesmo modelo econômico e ambiental que agride o Brasil há décadas” e que, na atual administração, “a lógica do capital continua prevalecendo e até mesmo aumentando sua agressividade, como é o caso do agronegócio e do hidronegócio”. Para chamar a atenção da sociedade num ano em que o enfrentamento dos movimentos sociais com o governo deve se tornar mais público e visível, a RBJA deve adotar a estratégia de fazer um trabalho massivo de propaganda

em cima de um ou dois casos emblemáticos. “Devemos tomar um caso, ou no máximo dois, e tornálos exemplares. Todos os casos de injustiça ambiental denunciados pela rede continuarão a ser tratados, é claro, mas devemos fazer em 2005 uma ou duas campanhas maciças, de forma a torná-las um emblema da rede para a opinião pública”, afirmou Jean-Pierre Leroy, membro da secretaria-executiva da RBJA e um dos coordenadores do evento. (Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)


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DEBATE HAITI

Um país sitiado Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

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ais uma vez a opinião pública é vítima da manifestação imposta pela mídia que difunde uma certa “guerra humanitária”. Desta feita em benefício dos arrasados três terços ocidentais da ilha caribenha, outrora denominada La Española. O território de que falamos conquistou sua independência em janeiro de 1804 e só a partir de então passou a se chamar Haiti. Diante do que tal independência representava no jogo de forças colonial-escravocrata de então, a tentativa dos ex-colonizadores franceses, juntamente com os Estados Unidos, foi tornar o novo país inviável, o que de certa forma logrou êxito. A já estabelecida estratégia bélica arrogante, perpétua, unilateral e dita preventiva foi ultimamente abençoada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e permite manter e reforçar a idéia dos grandes salvadores do mundo, preparados para intervir em qualquer ponto do planeta, no qual os bons fluidos civilizadores regulem o desmando, investido de incapacidade, a exemplo das protoculturas pós-colombianas. Talvez já estejamos nos acostumando às cenas intermitentes de profunda miséria seguidas ora por outras de bondade e dedicação das forças internacionais localizadas naquela parte da ilha caribenha. Tudo justifica a saída “acordada”,

dia 29 de fevereiro deste ano, do presidente haitiano eleito em pleito reconhecido internacionalmente. Mais um governante legitimamente estabelecido foi retirado à força de seu posto. Falamos do presidente Jean-Bertrand Aristides. Desta feita a França se aproxima dos Estados Unidos da América na tarefa de “salvar” aquele país em vias de “autodestruição”, certamente por se tratar de uma população pobre, formada em sua maioria de descendentes de escravos, que se provara incapaz de uma autogestão.

Essa exemplar cortesia multilateral, como denominada por Peter Hallward, parece aliviar as tensões da desobediência francesa durante a invasão estadunidense ao Iraque.

INCOERÊNCIA BRASILEIRA Mas nesse jogo de aparências há os que dele participam sem medir as conseqüências. É assim que acreditamos ter perdido o governo brasileiro a chance de manter-se coerente com seus princípios de reconhecimento e respeito aos Estados soberanos, mantendo-se fora de um conflito que deveria ter sido resolvido, se com ajuda externa, noutros termos. O jogo mundial de interesses como se reflete no caso Haiti é o mesmo jogo imperial-intervencionista, cuja participação torna os menores e periféricos apenas mais vulneráveis. O compartilhamento de poder e respeito no cenário internacional entre poderosos e periféricos, como querem crer alguns líderes naïves de países “emergentes”, é ilusório. Ser coerente respeitando fronteiras e regimes democraticamente estabelecidos continua sendo a melhor e mais sensata estratégia no cenário internacional politicamente correto. Não soube a Venezuela transitar autonomamente por um delicado terreno, no qual tentativas intervencionistas falharam e discursos outros duvidavam da competência do seu povo saber do seu destino? Pode-se argüir serem incomparáveis as duas realidades, mas não no que tange a ingerência em assuntos domésticos de países soberanos. A recente e fracassada tentativa de

tomada de poder no caso Hugo Chávez, presidente da Venezuela, orquestrada pelo governo estadunidense e ajudada, segundo depoimentos de membros do próprio governo espanhol, por outros intrusos como a Espanha, quis antecipar-se aos meios democráticos de que dispunha o país para resolver seu conflito interno, meios esses que de fato se provaram suficientes e eficazes. Por que não acreditar que os povos e as nações necessitam de outro tipo de ajuda na resolução de seus conflitos que não a desmedida e arrogante ingerência dos ditos civilizados e ricos? No caso do Haiti, a diplomacia e imprensa francesas compactuaram descaradamente com o golpe. Dessa forma tornou-se fácil tomar a frente em um processo de intervenção sacramentado pelo Conselho de Segurança da ONU, que resultou na queda abrupta e em circunstâncias nebulosas de um presidente. Sabese que retirado de seu país à força, deixou espaço para que fosse transformado o jogo de classes explicativo da situação social do Haiti num atestado de incapacidade nacional de autogovernar-se, justificando a presença dos ex-colonizadores e salvadores de pátrias alheias. Mais uma vez a hipocrisia imperialista quer nos fazer esquecer a nefasta “desconstrução” colonial e nos levar a crer por correta a anacrônica manutenção de territórios e possessões de além-mar. Mas a história não nos deixa esquecer os efeitos da nefasta colonização francesa e sua atitude pre-

dadora no Haiti, origem e razão de seu sofrimento hodierno. O regime escravocrata cultivado pelos colonizadores, por muito tempo fonte de lucros e luxo da burguesia comercial francesa, levando riqueza a cidades como Burdeos, Nantes ou Marsella não deve ser apagado da memória dos que querem entender a fundo o mal que todas as relações coloniais trouxeram ao novo mundo. Os descendentes dos que outrora enriqueciam a França com seu trabalho escravo, não têm hoje, com certeza, o direito de conhecer cidades construídas com a alma e o suor dos seus antepassados. Como no caso de muitos outros ex-colonizados, a União Européia é para eles um clube de densas fronteiras no qual jamais serão admitidos. Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá é pesquisador da Universidade Complutense de Madri, Espanha

MÍDIA

A grande imprensa na onda conservadora Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida

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im, existe uma forte onda conservadora. E vem de longe. Basta lembrarmos o segundo turno das eleições presidenciais francesas, quando se enfrentaram um candidato da direita (Chirac) e outro da extrema direita (Le Pen). A onda é forte e pode, neste ou naquele país imperialista, acalentar o ovo da serpente do neofascismo. As últimas eleições nos Estados Unidos foram uma excelente oportunidade para a grande imprensa (e boa parte da intelectualidade acadêmica) efetuar movimentos aparentemente sofisticados, aparentando se opor a essa onda da qual participa ativamente. O primeiro deles consistiu em informar os leitores sobre as limitações do sistema eleitoral estadunidense como se fossem absoluta novidade; o segundo, estreitamente relacionado com primeiro, foi a apresentação caricatural da ofensiva conservadora e de sua principal expressão, George W. Bush. Obviamente não houve referências ao fundamental: trata-se de uma democracia cujos limites se inserem nas estruturas da principal formação social capitalista (imperialista) do planeta, que, mergulhada em profunda crise, procura se afirmar via constituição de uma ordem imperial. O grande avanço da mídia foi descobrir que, mesmo para uma democracia entranhada nas estruturas do capitalismo, deixa muito a desejar. Aquele que era considerado o regime político mais perfeito da face da terra, com um sofisticado sistema de checks and balances, se revelou meio chinfrim. Informações a esse respeito circularam amplamente na grande imprensa brasuca. Mas isso só aconteceu depois dos questionamentos feitos, nos EUA, pelo Partido Democrata, que não queria ser tungado outra

vez por fraudes como as ocorridas nas eleições de 2000.

O SHOW DA ELEIÇÃO Essa imprensa que tratou com displicência histórica as limitações do sistema eleitoral estadunidense dirigiu um verdadeiro bombardeio midiatíco contra o venezuelano, especialmente no intervalo entre o golpe frustrado contra o governo Hugo Chávez (golpe que contou com o apoio entusiástico da Casa Branca) e o referendo popular no país vizinho. No entanto, as eleições na Venezuela são diretas; nas grandes redes de televisão privadas, o “horário político” tem sido quase permanente e gratuito (sempre contra o governo e o regime); e o referendum popular após dois anos de mandato presidencial foi inscrito na constituição por iniciativa do próprio governo. O pior foi o silêncio quase total da grande imprensa brasileira quando, três dias antes das eleições estadunidenses, Chávez obteve mais uma grande vitória eleitoral nas eleições regionais para governadores, deputados e prefeitos. A diferença de abordagem, longe de ser casual, expressa importantes distinções entre o que está em jogo nos dois processos eleitorais. A democracia na “América” chega aos seu momentos esfuziantes na estação de caça ao voto pelos dois candidatos já pré-escolhidos pelo grande capital. Os dois partidos saem de seu torpor e parecem rejuvenescer, marqueteiros são contratados a peso de ouro, as convenções partidárias são meticulamente preparadas como um grande show de televisão. E, após o resultado, volta-se à velha rotina. No momento, a divisão social na Venezuela se politiza explicitamente e amplia o sistema de representação (sindical e política), abrindo perspectivas de luta contra o neoliberalismo. Nos EUA, a polarização também tem determinações sociais

(de classe, fração de classe, etnia, sexo, faixa etária etc.), mas é predominantemente canalizada para um profundo ressentimento e tem sido contida no interior do próprio sistema eleitoral. Nas ruas da Venezuela, camelôs vendem exemplares da nova constituição; na pátria do constitucionalismo, milhões buscam na Bíblia sua bússola política. Em um caso, o processo político avança e se aproxima de sua hora da verdade. Veremos no que vai dar. No outro, os destinos da humanidade se esfarelam no moinho do marketing político e da religiosidade fast food. O importante é encontrar culpados em toda parte e não pensar seriamente aonde isso pode levar. Uma das expressões desse ressentimento é o número dos que votam, principalmente entre os republicanos, privilegiando os chamados valores morais. A tendência não deve ser absolutizada, nem se restringe aos EUA. Mas expressa, no coração de um imperialismo em crise, o sentimento de insegurança interna e a percepção de sérios problemas externos para as quais nenhum dos partidos aponta saídas concretas, pois não querem mexer nos fundamentos do sistema. O próprio sistema eleitoral inocula e exacerba o moralismo. Em 11 Estados também se votou sobre casamentos entre homossexuais e o resultado foi um só: proibição constitucional. Esta e outras questões “morais”, que foram tematizadas em todo o país, produzem forte impacto imediato e, para milhões de pessoas, justificam o sacrifício de votar muito mais do que a preocupação com o “multilateralismo” ou o protocolo de Kyoto. Não quero homem casando com homem na frente de meus pimpolhos e, seja lá o que tenha feito em relação ao 11 de setembro, Sadan Hussein é um assassino sanguinário e uma ameça à liberdade. Esses “valores morais” proporcionam uma visão bastante

simples do mundo e, de quebra, conferem uma certa legitimidade ideológica à aventura imperial.

EFEITOS DA PAUTA CONSERVADORA Em tempos neoliberais, quando as fronteiras entre o público e o privado ficam ainda mais cinzentas, tendem a ganhar aqueles que, de algum modo, incorporam o culto à família patriarcal, segundo os ditames da verdadeira religião, à boa condução do Estado. Pátria e família se fundem no mesmo egoísmo sagrado, o que elimina a incongruência do ato de votar segundo “valores morais” no que mentiu descaradamente para invadir o Iraque. Que Deus abençoe a América. A pauta conservadora, por mais eficaz que seja no discurso eleitoral, é extremamente difícil de levar à prática sem o recurso a um brutal autoritarismo, regressão econômica e aumento das tensões internacionais, inclusive no campo imperialista, pacote que, no momento, mesmo setores do establishment vacilariam em apoiar. É bastante provável que a reincorporação, em novos e mais vigorosos termos, da onda conservadora à agenda eleitoral sinalize um impasse no sistema político estadunidense. E mais uma vez se evidenciou que os democratas não se dispõem a efetuar uma contrapolitização que, de fato, polarize com os republicanos. Ao contrário, como o demonstrou, em seus “melhores” momentos, Bill Clinton, do qual John Kerry e Al Gore foram pálidas imagens, a tendência do partido é deslizar para a direita, fazendo uma “apropriação crítica” dos temas caros aos republicanos. No Brasil, o estardalhaço da direita que se pretende esclarecida foi uma espécie de contraponto ao clima eleitoral estadunidense. Exacerbou a crítica superficial a Bush, comparando-o negativamente em relação ao seu oponente, sem se referir aos fundamentos que limi-

tam essas diferenças e, portanto, sem centrar o foco nas diferenças que realmente fariam sentido com a vitória de Kerry: uma importante derrota parcial da ofensiva conduzida por Bush e a necessidade, como diria Naomi Klein, de a esquerda voltar a pensar politicamente. Isso significaria procurar alternativas reais de luta contra o imperialismo estadunidense, seja conduzido por democratas ou republicanos. Em aparente contradição, ao se perguntar qual dos dois governos, Bush ou Kerry, seria mais benéfico para “nós”, brasileiros, essa direita “esclarecida” preferiu o primeiro, por ser “menos intervencionista” e, portanto, favorecer “nossas” exportações. A própria questão que ela formula naturaliza as relações entre os dois países, o que também implica congelar as relações de dominação no interior da sociedade brasileira. “Nós” quem? Os que fazem deste país o inferno dos transgênicos, são favoráveis à Àrea de Livre Comércio das Américas (Alca), criminalizam os movimentos sociais e seguem à risca a agenda imperialista de Bush (e Kerry)? O estardalhaço da grande imprensa brasuca oculta os estreitos vínculos que ela mantém com os interesses ligados à mais pura expressão do imperialismo estadunidense, a começar pelo fato de que este e aquela combatem os mesmos adversários: as lutas sociais por um outro mundo. Cabe aos que se engajam nessas lutas afinar suas posições e não se iludir com as polarizações simplistas que, no fundo, bloqueiam a compreensão das rápidas mudanças em curso no cenário internacional e o papel decisivo que nelas joga a correlação de forças no interior dos próprios EUA. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida é cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA ESPÍRITO SANTO LIVROS COLEÇÃO PARADIDÁTICOS Editora Unesp lança uma extensa coleção sobre temas atuais e complexos. Questões centrais da ciência e da cultura são abordadas por pesquisadores das universidades brasileiras em sete séries: Novas Tecnologias, Poder, Cultura, Linguagens e Representações, Educação, Evolução e Sociedade, Espaço e Tempo. Nesta primeira etapa, estão previstos 49 títulos. Cada título tem de 100 a 120 páginas. Todos ainda oferecem sugestões de leituras para aprofundar determinado tema, glossário que ajuda a explicitar os principais conceitos, questões para reflexão e debate, uma provocação intelectual a ser usada para sistematizar as informações obtidas. Os seis primeiros títulos já estão disponíveis: A persistência dos deuses: religião, cultura e natureza, A luta pela terra, Educação e letramento, Imprensa escrita e telejornal, O verbal e o não verbal e Planejamento urbano e ativismos sociais. Entre os autores estão nomes como: Ennio Candotti, Maria Aparecida de Moraes, Marco Aurélio Nogueira, Demétrio Magnoli, Regina Bega dos Santos e Ariovaldo Umbelino de Oliveira, entre outros. Mais informações: www.editoraunesp.com.br

CEARÁ ENCONTRO ESTADUAL DA PASTORAL OPERÁRIA (PO) 11, das 8h às 15h O objetivo é avaliar as ações do ano de 2004 e planejar as atividades para 2005. Uma nova cultura do trabalho e o Movimento dos Desempregados integram o eixo articulador para os próximos anos. Representantes de Fortaleza, Itapipoca e Sobral irão participar do encontro.

FORMAÇÃO E IDEÁRIO DO MST Fruto de três anos de pesquisa, o livro de Émerson Neves da Silva foi apresentado como dissertação de mestrado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Tendo como objeto de estudo o Assentamento Integração Gaúcha, no município de Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, o autor escreve sobre o processo de formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sobre a história do campesinato, as lutas camponesas e a agricultura familiar, entre outros assuntos. Mais informações: www.unisinos.br/ comunicacao/editora

Local: Av. Francisco Sá, 1833, Jacarecanga, Fortaleza Mais informações: (85) 3238-1400, 3281-2521, 9971-6783, poceara@bol.com.br SEMINÁRIO PROTAGONISMO JUVENIL 10 Com o tema “Protagonistas Juvenis Rompendo o Silêncio”, Sobral sediará o 3º Seminário Estadual de Protagonismo Juvenil. As inscrições podem ser feitas por telefone. Local: Auditório Saturno do Centro de Convenções, Av. Contorno s/n, Sobral. Mais informações: (88) 3263-2172 curumins@fortalnet.com.br

DISTRITO FEDERAL 29º CONGRESSO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO 12 a 15 de janeiro

Organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o evento espera aproximadamente 2.500 delegados sindicais de todos os Estados. Na oportunidade, será eleita a nova diretoria para o triênio seguinte e definidas as pautas de lutas da entidade para o período. Formada por 35 sindicatos, a CNTE reúne professores, funcionários e especialistas em educação. Com objetivo de lutar para que a sociedade tenha uma educação pública de qualidade, gratuita, universal em todas as etapas do aprendizado, a CNTE representa uma categoria de 2,5 milhões de trabalhadores em educação. Local: Academia de Tênis, Setor de Clubes Sul, Trecho 4, Conjunto 5, lote 1-B. Mais informações: www.cnte.org.br

12º CONGRESSO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (COBRECOS) 16 a 23 de janeiro Nos sete dias em que acontece o Cobrecos, o Movimento Estudantil de Comunicação irá decidir quais os posicionamentos, as diretrizes e as ações da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicaçao (Enecos) para todo o ano de 2005. Esse Congresso está baseado em três grandes eixos, Educação, Sociedade e Comunicação. Para tratar desses três eixos, haverá grupos de discussão, painéis, grupos de trabalho e plenárias. A inscrição dá direito a alojamento, três refeições por dia, participação nos espaços e material para acompanhar o encontro. Local: Faculdade Espírito-Santense (Faesa), Rodovia Serafim Derenzi, 3115, São Pedro, Vitória Mais informações: www.enecos.org.br/xiicobrecos, spenecos@yahoo.com.br

MINAS GERAIS 2º BAZAR DE ARTES NA REDE 10 e 11 Promovido pelo Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o bazar contará com mais de 50 estandes onde serão exibidas as produções de professores da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, de ONGs, de movimentos sociais, de cooperativas e associações e de outros artistas. Estarão à venda bijuteria, artesanato, objetos de decoração, papelaria, perfumaria, entre outros artigos. Três oficinas serão ministradas com entrada franca: caleidoscópio, ikebana e origami. As inscrições para as oficinas podem ser feitas por telefone. Durante os dois dias do

bazar também haverá espetáculos e apresentações de escolas da região. A entrada no bazar é um quilo de alimento não-perecível a ser doado no Natal. No dia 10 de dezembro, o bazar funciona de 14 às 21 horas. No dia 11, de 9 às 21 horas. Local: Centro Cultural da UFMG, Av. Santos Dumont, 174, Centro, Belo Horizonte Mais informações: (31) 3238-1079

RIO DE JANEIRO CERÂMICA VIVA até 17 O projeto Cerâmica Viva, fruto de uma parceria entre o Instituto de Artes e o Ateliê de Cerâmica, promove a sua primeira exposição. A coletiva reúne esculturas em cerâmica (figurativas, abstratas e utilitárias), além de peças elaboradas a partir da pesquisa de materiais diversos. Os trabalhos foram produzidos durante todo o ano pelos freqüentadores do Ateliê Livre, pelos alunos dos cursos de Arte Contemporânea e torno. Os estagiários também expõem obras baseadas em pesquisas. Local: UERJ, Campus Maracanã, Pavilhão João Lyra Filho, R. São Francisco Xavier, 524, 2º andar Mais informações: (21) 2587-7491

SÃO PAULO FÓRUM SOCIAL DAS SETE CIDADES DO GRANDE ABC 10 e 11 Promovido por diversas organizações populares, sindicatos e instituições acadêmicas, o Fórum terá palestras, oficinas e atividades culturais. Pelos movimentos sociais, falarão Gilmar Mauro (MST), Jorge Luís Martins (Jorginho da CUT) e Waldemar Rossi (Pastoral). Local:Universidade Metodista de São Paulo, R. do Sacramento, 230, S. Bernardo do Campo Mais informações: (11) 4366-5968 www.forumsocialdograndeabc.com.br


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CULTURA

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CINEMA

Filme quebra silêncio sobre Araguaia Fernanda Campagnucci da Redação

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ovens militantes armados para resistir à ditadura, miséria e fome na região do Araguaia, no Pará, o Exército brasileiro no auge da ideologia da segurança nacional – esse é o cenário de fundo do longa-metragem Araguaya – Conspiração do Silêncio, dirigido por Ronaldo Duque, ainda sem previsão de estréia no circuito comercial. O filme foi idealizado há 20 anos pelo diretor, que desde então coleta depoimentos e pesquisa documentos para reconstituir episódios relacionados à guerrilha do Araguaia. Diante das dificuldades para registrar as declarações, Duque decidiu mudar o formato inicial de seu projeto e começou a rodar um novo roteiro em 2002. “Inicialmente eu tinha pensado um documentário, mas a idéia foi evoluindo, com o tempo. As pessoas não queriam gravar seus depoimentos; a melhor saída, então, foi fazer uma ficção com um argumento documental”, conta o diretor. A trama é narrada a partir da personagem do Padre Chico, um religioso francês que chegou à região no início da década de 60 e se envolveu profundamente com as pessoas da comunidade local. Aos poucos, o religioso faz amizade com os jovens guerrilheiros – chamados de “paulistas” –, que

Fotos: Divulgação

Por dificuldade em obter depoimentos e documentos sobre os fatos, diretor transforma documentário em ficção

“Havia 59 guerrilheiros e praticamente 3 mil soldados entraram para pegá-los. Foi desumano”, conta a atriz que interpretou a militante Dora no filme

aparentemente estavam ligados a ações humanitárias, e descobre a verdadeira origem de seus amigos. Tortura, repressão, a paixão dos jovens pela liberdade e um caso de amor são intercalados com depoimentos verídicos, entre eles o do sobrevivente José Genoíno, presidente do Partido dos Trabalhadores. A criação do Padre Chico como narrador deu liberdade ao diretor, que evitou assim mostrar a “versão oficial” da história: “A preocupação era mais o aspecto humano, das pessoas que estavam

ali, naquele momento histórico, naquela região do Brasil, e não o relato em si”, acrescenta.

HÁ MUITO O QUE CONTAR O filme foi exibido em alguns festivais, como o Cine Ceará e o 1º Festival de Belém do Cinema Brasileiro, além de arrematar o Prêmio Especial do Júri no Festival de Gramado, em agosto, no Rio Grande do Sul. No começo de dezembro, foi apresentado em uma sala de São Paulo, para um público composto por atores, diretores, políticos, so-

breviventes da guerrilha e familiares. Emocionada, a atriz Françoise Forton, que vive a personagem Dora (junção de duas guerrilheiras, Helenira e Dina), fala da relevância do filme no cenário em que se discute a abertura dos arquivos da ditadura militar. “É uma pequena parte da nossa história, há muito ainda o que se contar. Esse era um assunto amordaçado. Havia cerca de 59 guerrilheiros e praticamente 3 mil soldados entraram para pegálos. Foi uma coisa desumana”, declara a atriz, que passou meses em

Os atores Françoise Forton, Northon Nascimento e Fernanda Maiorano em cenas do filme: relatos de tortura, luta e confronto armado com o Exército

treinamento de guerrilha na mata, como preparação para o papel. Para Duque, o momento do lançamento do longa-metragem também é propício, pois abre espaço para outros filmes como instrumento de pressão política, “não só sobre a guerrilha, mas sobre outras políticas brasileiras que precisam ser melhor exploradas”, ressalta. O ator Northon Nascimento, que está no papel de Osvaldão, guerrilheiro conhecido e respeitado por sua força e mitificada bondade, entende que a sociedade deve se mobilizar para solucionar o passado “mal resolvido” do período da ditadura militar: “Esperamos que o Exército se manifeste, dê sua opinião, também”. Foi o sigilo de trinta anos sobre os fatos acontecidos no Araguaia que inspirou o subtítulo do filme, Conspiração do Silêncio: “Não se sabe o número de camponeses que morreram no Araguaia até hoje. Está na hora de sabermos a verdade”, disse Duque, durante a última apresentação pública do filme, poucos dias antes de a Justiça determinar – e o governo Lula admitir – a abertura dos arquivos (veja matéria na página 3).

Memória nacional sob risco, se depender apenas da TV Alessandra Bastos e Spensy Pimentel de Brasília (DF) A memória visual não é mais feita por cinegrafistas, mas pela televisão, que por motivos econômicos não guarda as imagens brutas dos acontecimentos, mas pequenas seqüências editadas. Por issso, explica o cineasta João Moreira Salles, em entrevista exclusiva à Agência Brasil, “de todos os grandes movimentos sociais do Brasil, daqui por diante, você só terá frações, estilhaços, mas você não vai ter mais uma memória contínua, longa”. Diretor de Entreatos, documentário que retrata a campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, diz que “provavelmente não haverá, dentro de 20 anos, uma memória da campanha do Lula, se você for buscar os materiais de arquivos tradicionais”. Agência Brasil – Como se situa uma produção audiovisual como Entreatos em relação à televisão feita no Brasil? João Moreira Salles – Um projeto como esse seria possível em aliança com a televisão. Na verdade, assim que eu tive essa idéia, eu a levei para a Globo. Achei que era mais fácil fazer um filme desses com o apoio logístico da Globo, porque é um filme muito caro de se fazer. Eu não precisava cobrir todas as viagens do Lula pelo país, porque a Globo teria uma equipe em cada um desses lugares, e eu poderia utilizar essas imagens. É claro que seria um documentário muito

diferente. E não foi possível fazer o filme na Globo. Não por uma questão de orçamento, ou de responsabilidade, de autoridade editorial, de quem é o corte final, meu ou das instâncias superiores da Globo. Não se discutiu isso. E não foi um problema. A questão essencial foi de prazo. Para a Globo, não faz sentido você entrar em um projeto de co-produção de um filme sobre as eleições e o filme ficar pronto dois anos depois das eleições. O que a Globo contrapropôs foi o seguinte: nós topamos, mas o filme tem que ir ao ar no dia da posse. Ou seja, dois, três meses depois. Ora, eu levei três meses para decupar o material – eram 240 horas. Só para saber que material eu tinha, eu levei três meses, contratando dez pessoas para ver as fitas e transferir para o papel. A lógica da televisão é muito diferente da do documentário. A lógica da televisão é, cada vez mais, a lógica do jornalismo. Só interessa aquilo que é notícia. AB – De que forma o documentário brasileiro se contrapõe a isso? Salles – Um exemplo claro disso é o Ônibus 174 (documentário de José Padilha sobre o seqüestro de um ônibus no Rio de Janeiro, em junho de 2000, filmado e transmitido ao vivo durante quatro horas), que é um filme quase todo feito com material de arquivo da própria Globo, mas que a Globo não soube fazer. A Globo fez um Globo Repórter sobre o episódio, que foi ao ar na semana seguinte. Tudo bem.

Quem é João Moreira Salles, 42 anos, dirigiu os documentários Entreatos (2004), em cartaz, Nelson Freire (2003), Notícias de uma Guerra Particular (1999) e América (1989), entre outros. É filho de Walther Moreira Salles, embaixador e fundador do Unibanco, e irmão do cineasta Walter Salles. Pode até ter tido ibope, pode ter resolvido os problemas de curto prazo ali da Globo, mas você não se lembra mais. Você vai se lembrar sempre do episódio 174 por causa do filme, que ficou pronto dois anos e pouco depois do episódio. Essas coisas levam tempo, e a questão do tempo é essencial na televisão, tempo inclusive das imagens que vão ao ar. No meu filme, por exemplo, tem uma viagem de Macapá a Belém, que se passa dentro de um avião com a câmara parada, e dura 15 minutos. Isso seria impossível na televisão. A televisão não tolera planos com mais de quatro ou cinco segundos. O documentário traz uma linguagem necessariamente mais pausada, mais lenta, mais aberta também, não dizendo ao espectador o que ele deve achar do que está vendo, sendo mas ambígua, um filme mais complexo, digamos assim. Isso tudo em televisão é mais complicado e, portanto, o documentário não tem mais abrigo na televisão aberta, ele não existe mais.

AB – Quais são as conseqüências da prevalência desse tipo de linguagem audiovisual? Perde a memória nacional? Salles – Em relação à memória nacional, esse prejuízo é grande, porque a memória visual, hoje em dia, não é feita mais por cinegrafistas de cinema, ela é feita pela televisão. E a televisão não guarda mais os seus brutos (os originais da gravação, sem edição). Eu até entendo, porque é muito caro ficar guardando fita bruta. Você edita a matéria e, uma vez pronta, o que você guarda é a matéria. Se você quiser voltar atrás, hoje, e, por exemplo, fazer um documentário sobre as “Diretas Já”, você não vai encontrar planos com mais de dez segundos, cinco segundos, quase sempre três segundos, e provavelmente com o locutor falando por cima. A imagem bruta daqueles comícios extraordinários não existe porque o cinema não filmou. Antigamente, as televisões filmavam essas coisas e, como não havia videoteipe, você fazia em filme. Filme você não reutiliza, então necessariamente você guardava o bruto. Hoje, isso não existe mais. É um problema seriíssimo, você provavelmente não terá, dentro de 20 anos, uma memória da campanha do Lula, se você for buscar os materiais de arquivos tradicionais. Você vai ter só no meu material. E de todos os grandes movimentos sociais do Brasil, daqui por diante, você só terá frações, estilhaços, mas você não vai ter mais uma memória contínua, longa. E, como diz Edu-

ardo (Coutinho), nada acontece em menos de um minuto. Uma das cenas mais lindas do filme do Eduardo é o Lula esperando para falar. É uma cena de um minuto, em que o Lula está parado olhando para o chão, é maravilhoso aquilo, porque ali você percebe que ele está pensando, que ele está aflito, angustiado, nervoso, que ele é corajoso, que ele vai ter audácia, tem tudo ali. Mas isso dura um minuto. Em três segundos, você não tem nada. AB – E como fica o público, em relação a isso? Salles – Não existe um só público, não se pode generalizar. Existem inúmeros públicos. Existe um público que está desatendido pela televisão e, talvez, seja esse o público que vai aos documentários. Os documentários, especialmente neste momento, nestes últimos meses, parece que tem havido uma resistência ao cinema, principalmente o cinema independente, o cinema brasileiro pequeno, não o cinema que tem o apoio da Rede Globo. As bilheterias estão mais acanhadas do que já foram no ano passado, por exemplo. Essas coisas são sazonais e meio inexplicáveis. Mas eu tenho certeza de que tem um público que vai assistir a Edifício Master, Ônibus 174, Prisioneiro da Grade de Ferro, porque não encontra isso nas televisões. Quer discutir o país de uma maneira mais complexa, mais profunda e não consegue fazer isso no Globo Repórter, por exemplo. (Agência Brasil, www.radiobras.gov.br)


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