julho de 2013
mobilizações | 07
Governo quer colocar na cadeia o jovem que não conseguiu educar Marcos Santos/USP Imagens
EDUCAÇÃO Em 2011, 86% dos adolescentes que cumpriam internação declararam não ter concluído o ensino fundamental Jorge Américo de São Paulo (SP) Lucas Lima tem a pele negra, 18 anos de idade e mora na cidade de Guarulhos, num bairro que faz limite à zona leste da capital paulista. Cercado por um ambiente de violência e poucas oportunidades, encontrou na educação uma saída para a criminalidade. “De todos os meus amigos de infância, eu fui um dos únicos que conseguiram contrariar as estatísticas, como dizem os Racionais. A maioria ou está preso ou está marginalizado pelas drogas”. Assim Lucas Lima, recém-saído da adolescência, narra sua breve trajetória. O depoimento de quem “conhece as ruas” pode ser ilustrado com números oficiais do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ). Mais de 2 mil adolescentes foram apreendidos em três anos em São Paulo, fazendo chegar a 9.016 o número de internos no estado em abril de 2013. Esse índice representa quase a metade da realidade nacional, com mais de 19 mil jovens privados de liberdade.
“De todos os meus amigos de infância, eu fui um dos únicos que conseguiram contrariar as estatísticas, como dizem os Racionais” Lucas frequenta um cursinho pré-vestibular comunitário da UneAfro Brasil, voltado para jovens negros e estudantes
Praticamente a metade dos adolescentes que cumprem internação interromperam os estudos ainda na quinta série
de baixa renda. “O jovem que ele [Geraldo Alckmin] não conseguiu educar é o jovem que ele quer colocar na cadeia. A realidade da escola pública é escola-pousada, onde o ca-
ra vai dormir, ou escola -restaurante, onde o cara vai comer”, critica Lucas Lima, citando o governador paulista, um dos principais defensores da responsabilização penal de adolescentes no Con-
gresso Nacional. Entre os jovens que foram “tragados” pelas promessas de vida mais fácil, o nível de escolaridade faz toda a diferença. Em um questionário respondido ao CNJ em
2011, 86% dos adolescentes que cumpriam internação declararam não ter concluído o ensino fundamental. Praticamente a metade interrompeu os estudos ainda na quinta série.
Cota é alternativa ao modelo dos vestibulares Reitores das universidades paulistas rejeitam Projeto de Lei, e defendem o Programa de Inclusão por Mérito de São Paulo (SP) “Eu me senti fluorescente”. Essa foi a reação de Lucas Gabriel, 20 anos, ao perceber que era o único negro na sala onde eram aplicados os exames da segunda fase da Fuvest, o mais concorrido vestibular do país. Ao ingressar no Instituto de Física da Universidade São Paulo (USP), o estudante se viu ainda mais isolado. “É estranho você andar no prédio
da faculdade e ser o único aluno negro. Você acaba ficando conhecido e todo mundo sabe quem é você por causa da sua cor”, comenta Lucas Gabriel, que ajuda a coordenar o núcleo onde estudou, dá aulas de matemática e física e é morador de Itaquaquecetuba, cidade-dormitório para muitos que trabalham em São Paulo. Ao relatar sua experiência na principal instituição de ensino superior do Brasil, Lucas Ga-
“Você acaba ficando conhecido e todo mundo sabe quem é você por causa da sua cor”
briel questiona o caráter “público” da universidade que, pelos números, não contempla a diversidade da população.
No último mês de maio, a Fuvest divulgou o perfil dos aprovados no processo seletivo 2013. E o resultado é assustador. Nenhum dos ingressantes nas três carreiras mais concorridas era preto. Nos dez cursos mais concorridos, apenas quatro pretos se matricularam. Isso ocorre num estado onde, segundo o IBGE, 63,9% dos habitantes são brancos, 34,6 são negros (pretos + pardos), 1,4% amarelos e
0,1% indígenas. Na tentativa de combater essas desigualdades, a Frente Pró-Cotas Raciais de São Paulo apresentou na Assembleia Legislativa, no início de junho, um modelo de Projeto de Lei que reserva vagas para negros, indígenas e alunos de escolas públicas nas universidades estaduais paulistas. A proposta prevê que as instituições de ensino superior mantidas pelo
estado de São Paulo (USP, Unesp , Unicamp e Fatec) destinem 55% das vagas para cotas. Dessa reserva, 25% dos bancos universitários seriam ocupados por negros e indígenas, 5% por pessoas com deficiência e outros 25% por estudantes formados na rede pública. O projeto é rejeitado pelos reitores das universidades paulistas, que defendem o Programa de Inclusão por Mérito (Pimesp). (JA)