Tabloide especial - Soberania Nacional

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Artigo | Base de Alcântara será entregue aos EUA

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FOTO: WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL

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Medidas de Bolsonaro aumentam a pobreza no Brasil

Edição Especial

Dezembro 2019 Ed. especial Nº 14 Circulação Nacional

UMA VISÃO POPULAR DO BRASIL E DO MUNDO

O D A Z E U Q I R A O Ã N L BRASI A G E R T SE EN

IA A L D ENUN C IA NACION N A R E O B D O S A DA T REG EM D EFE S A LICA S E EN A B H Ú N P A S P A M S A E C ONARO EMP R AÇ Õ E S D E ERN O B O L S V IZ O T A G IV O R L P E P E OS PR O JE TO D PROMOVID IO D O PAÍS N Ô IM R T A P

Anos de privatização da Vale e da atual onda de desmonte das estatais


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ED. ESPECIAL Nº 14 / CIRCULAÇÃO NACIONAL - WWW.BRASILDEFATO.COM.BR

Novas ameaças

O que já foi privatizado

O Brasil está sob ataque que cada um deles é soberano. Isso significa que as decisões internas de um Estado devem ser aceitas pelos outros. E esse princípio está sob ameaça no Brasil e em vários países da América Latina. “Na prática, a teoria é diferente. Permanentemente haverá um outro querendo subordinar você”, explica Amorim. O diplomata afirma que há uma série de “assimetrias e desequilíbrios” entre as nações. Ou seja, umas são mais poderosas do que outras. Por isso, para que exista de fato, a soberania deve ser “constantemente afirmada e reafirmada

Entrega de patrimônio público a estrangeiros e privatização de serviços atingem a soberania do país, alertam especialistas

“universidades, sistema de Tudo aquilo que é público –

saúde, as empresas estatais, a própria Amazônia – está sob risco. Diante de todo o processo de desmantelamento do patrimônio público, temos que perguntar quem está ganhando. E [a resposta] são as multinacionais”. Este é o alerta de Rita Serrano, coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas. Ela reforça que a postura do governo é de alinhamento automático e integral aos interesses dos Estados Unidos. Segundo Serrano, o método utilizado para a entrega de patrimônios nacionais a estrangeiros é simples e baseia-se em três passos: “A lógica é precarizar, desmontar e vender”. Na mesma linha de avaliação, o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim afirma que o governo de Jair Bolsonaro, comandado na área econômica pelo ministro Paulo Guedes, representa uma “entrega da soberania”. Isso ocorreria não somente por meio de privatizações, que diminuem a capacidade do Estado de conduzir o desenvolvimento, mas pela própria desnacionalização da economia, que significa a venda de patrimônio para estrangeiros.

Mas o que é soberania? Um dos princípios básicos da relação entre os países é

Já privatizada, a Vale protagonizou os dois maiores crimes socioambientais da história da mineração brasileira: as rupturas das barragens de Fundão, em Mariana (2015), e do Córrego do Feijão, em Brumadinho (2019). Brumadinho

SP

PI PR

com atitudes práticas”. “Tem que fortalecer os elementos que permitam exercer aquele direito que formalmente é reconhecido”, ressalta o ex-ministro. Os elementos a que se refere Amorim variam em cada contexto e para cada país, mas dizem respeito ao poder militar, à capacidade diplomática e ao desenvolvimento econômico que diminua a dependência do país em relação a outros Estados. Antes desses componentes, há uma questão decisiva: a disposição política dos governantes de defender a soberania de seu país. “Seguramente, se o próprio país adota a postura de aceitar que outros ditem a nossa posição, como tem acontecido no Brasil ultimamente, não há soberania nenhuma, ela vira uma ficção. Se você abdica dessa disposição, os outros elementos se tornam menos importantes”, diz Amorim, em crítica a Bolsonaro.

Década de 90 foi marcada por venda de patrimônio público, principalmente no governo Fernando Henrique Cardoso

Relembre algumas

GOVERNO ITAMAR FRANCO (1992-1995)

Companhia Siderúrgica Nacional Privatizada em 1993 Fundada em 1941 Vendida por R$ 1,4 bilhão Valor de mercado em 2014: R$ 14 bilhões

Privatizada em 1994 Fundada em 1969 Vendida por R$ 265 milhões Valor de mercado em 2015: R$ 18 bilhões

GOVERNO FHC (1997-2003)

Privatizada em 1997 Fundada em 1942 Vendida por R$ 3,3 bilhões Reservas de minérios estimadas, à época, em R$ 100 bilhões

AL SE BA

Rio São Francisco

Rio Doce

MG

Custos em vidas Ao todo, 271 pessoas morreram por conta das ações e omissões da Vale nos dois casos. Também houve feridos, desabrigados e desaparecidos.

ES

Mariana

RJ

Custo ambiental No caso de Mariana, o Rio Doce foi completamente comprometido. Em Brumadinho, os rejeitos liberados chegaram até o rio São Francisco. A lama tóxica prejudicou a fauna dos locais afetados e a população próxima.

Privatizada em 1998 Vendida por R$ 22 bilhões* Segundo o livro “O Brasil Privatizado”, do jornalista Aloysio Biondi, o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso investiu R$ 87,6 bilhões para vender as estatais e arrecadou R$ 85,2 bilhões com as privatizações. Ou seja, o Brasil já saiu no prejuízo, sem contar a valorização posterior das empresas. “Parte da privatizações foi financiada pelo próprio BNDES, por meio de empréstimos a investidores privados”

Crime de Brumadinho (MG). Foto: Marcelo Cruz

*Não é possível precisar o valor de mercado atual, porque a empresa foi extinta. Em 2010, o governo federal criou a "nova Telebrás", para gerir uma rede de fibra óptica. Ela também está na lista de possíveis privatizações.


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As principais empresas que o governo quer privatizar

Criada em 1953 Valor de mercado em 2018 R$ 353,9 bilhões Explora petróleo, em algumas áreas, a custo mais baixo que empresas estrangeiras. Com a privatização, especialistas avaliam que os preços dos combustíveis ao consumidor podem subir A energia é vital para a economia, para a segurança e para o bem-estar de qualquer país no mundo. Você não encontra em nenhum outro lugar uma política de destruição da própria empresa nacional de petróleo como a que é feita no Brasil” Igor Fuser, professor da UFABC

Presta o serviço de envio e entrega de correspondências

Criada em 1962

Valor de mercado em 2017 R$ 5 bilhões

Valor atual de mercado R$ 62 bilhões

Críticos da privatização apontam a possibilidade de aumento de preços e de fechamento de postos que não forem considerados lucrativos

Sem o controle público, é previsto aumento de pelo menos 20% na tarifa, e até mesmo o corte de fornecimento de energia para regiões consideradas não lucrativas

Permite a abertura de contas bancárias, oferece juros baixos na comparação com bancos privados, administra FGTS, Bolsa Família e seguro-desemprego e é uma das principais fontes de financiamento habitacional no país

Criada em 1861 Possui em ativos R$ 2,7 trilhões Sem a participação estatal, o governo deixa de receber parte do lucro das operações do banco e ameaça o fornecimento de crédito

Empresa estratégica para garantir que entregas ocorram em todo o país, mesmo em localidades remotas ou de risco. É uma companhia que tem presença em praticamente todos os municípios, que pode abrigar serviços de interesse públicos. Além disso, é uma estatal lucrativa, que encerrou o ano de 2018 com lucro líquido de R$ 161 milhões”

Com a privatização, cai a obrigação de 100% da energia ser vendida no preço regulado pela Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica]. Aí, vai no preço do mercado, no preço do dia. Vai depender dos níveis dos reservatórios, vai depender do preço do gás, da matriz que vai ser utilizada”

A privatização dos bancos públicos é algo que não pode acontecer. As pessoas, principalmente os pobres, vão perder muito com isso. Muita gente vai perder a chance de conseguir a casa própria”

Fórum Nacional pelo Direito à Comunicação

Wilson Almeida, diretor do Sindicato dos Energéticos do Estado de São Paulo

Maria Damiana da Costa Moizéis, tecnóloga em saneamento, beneficiária do Minha Casa Minha Vida

Projeto de lei quer passar para empresas privadas o saneamento A

Tem dezenas subsidiárias, que geram, transmitem e distribuem energia elétrica

Fundado no século 17

Água e esgoto

tentativa de privatizar os serviços públicos de água e esgoto não é uma novidade do atual governo. Desde a presidência de Michel Temer (MDB), que assumiu por meio de um golpe, medidas provisórias que querem passar para a iniciativa privada o saneamento vêm sendo apresentadas, mas não vingaram no Congresso.

Foto: Eletrobras Eletrosul

Foto: Divulgação Correios

Foto: Divulgação

Deveria ser responsável por todo o ciclo produtivo (extração, refino e venda direta) de petróleo e gás. Gera milhares de empregos diretos e indiretos na área de engenharia

Foto: Yasuyoshi CHIBA / AFP

Venda do patrimônio público acerta em cheio empresas lucrativas, que prestam serviços de interesse público aos brasileiros

Neste ano, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou um novo Projeto de Lei (PL) nº 3261/2019, que muda a Lei de Saneamento, de 2007. A proposta foi aprovada em regime de urgência no Senado e, agora, está na Câmara dos Deputados. Se o projeto passar pelo legislativo, os municípios poderão licitar os serviços de sanea-

mento com empresas privadas, não contratando mais as empresas públicas diretamente como é hoje. Uma das críticas ao projeto é de que ao transformar serviços que devem ser considerados direitos humanos básicos e universais – como o acesso à água potável – em passivos que devem gerar lucros, empresas privadas apenas terão interesse em atuar em regiões lucrativas, deixando regiões não rentáveis de fora da cobertura. Em nota, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental afirma que “não se está discutindo uma proposta para melhorar a prestação de serviços de saneamento aos ci-

dadãos, levar mais água tratada, coletar e tratar mais esgoto; o objetivo é pura e simplesmente o equacionamento fiscal dos estados. E as empresas estaduais passaram a ser apenas uma ‘moeda de troca’.”

Os municípios são os titulares dos serviços de saneamento, que incluem abastecimento de água potável, tratamento de esgoto, gestão de resíduos e drenagem das águas pluviais

O que acontece se privatizarem a água e o esgoto? – As contas de água terão aumento médio de 20%; – Haverá menos investimento em saneamento e permanecerão esgotos a céu aberto; – Com menos saneamento, mais doenças como dengue, leptospirose, chikungunya e hepatite. Fontes: Federação Nacional dos Urbanitários e Central Única dos Trabalhadores


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Yes, America

Governo brasileiro é capacho dos Estados Unidos Estudiosos de relações internacionais afirmam que opção do governo brasileiro deixa o país subordinado aos EUA

Jcio do Planalto com o famoso

air Bolsonaro chegou ao Palá-

slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Por um lado, o presidente vem buscando colocar suas crenças religiosas como política de Estado, o que não é permitido pela Constituição. Por outro lado, seu governo não garante os interesses do Brasil como um país soberano. Mas por que Bolsonaro toma tal atitude? Segundo o sociólogo Marcelo Zero, essa opção significa uma forma de o governo brasileiro demonstrar seu alinhamento com os Estados Unidos e o presidente Donald Trump. Concretamente, também leva ao abandono dos objetivos de desenvolvimento do próprio país. “Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo se aliaram a uma força política muito específica dos Estados Unidos. Não é nem aos interesses do Estado norte-americano. Essa força específica, o ‘trumpismo’, tem uma visão bastante ideologizada do mundo. O Brasil se alinhou a isso, ignorando os próprios interesses objetivos do país”, afirma. O “trumpismo” ao qual Bolsonaro se alinha é, de acordo com Zero, uma política de extrema direita e abertamente agressiva no plano internacional. Dessa forma, a política externa brasileira atual rompe com a linha diplomática construída historicamente no Brasil, de maior diálogo e mediação de

conflitos. “O governo Bolsonaro está mudando o padrão histórico estabelecido de uma política internacional com base nos valores do Estado, e está ideologizando sua política externa”, diz Juliano da Silva Cortinhas, professor de Relações Internacionais da UnB. Como um reflexo do que isso significa internamente para o Brasil, o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) destaca o processo de desmonte das empresas públicas como ameaça para a soberania do Brasil. Isso ocorreu, por exemplo, no caso da Petrobras, que passa por um fatiamento da empresa, que já perdeu a exclusividade sobre a exploração do pré-sal. “Vamos lembrar que o pré-sal, a maior reserva petrolífera do mundo, tornou o Brasil sustentável. Seus rendimentos poderiam alavancar a educação e qualificar a saúde no país. No entanto, está sendo entregue”, critica.

Brasil perdesse seu poder sobre a floresta. A presença internacional na Amazônia, entretanto, é um exemplo de como a realidade anda longe dos discursos. “Quem libera a mineração na Amazônia, quem entrega [aos EUA] a base de Alcântara [leia mais na página 7], quem quer vender terras amazônicas para o capital internacional é o governo”, rebate Dom Roque Paloschi, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Henrique Fontana, deputado federal (PT-RS)

Apenas uma tentativa A falta de aplicação prática da soberania nacional teve uma única exceção, quando Bolsonaro criticou o governo da França durante o período de intensas queimadas na Amazônia. O presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu que houvesse um estatuto internacional para a Amazônia. Na ocasião, o presidente brasileiro chegou a levantar a hipótese de que haveria uma articulação entre ONGs, indígenas e potências estrangeiras para que o

“Vamos lembrar que o pré-sal, a maior reserva petrolífera do mundo, tornou o Brasil sustentável. Seus rendimentos poderiam alavancar a Educação e qualificar a Saúde no país”

“Quem quer vender terras amazônicas para o capital internacional é o governo [Bolsonaro]” Dom Roque Paloschi, bispo católico


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Idas e vindas

As mentiras do capitão Bolsonaro Bolsonaro e seu governo contrariam posições defendidas por eles mesmos e fazem afirmações que não se comprovam na realidade

QPlanalto, Jair Bolsonaro já uando chegou ao Palácio do

colecionava polêmicas. Como presidente da República, não só contrariou suas próprias posições como fez declarações que nunca foram comprovadas na realidade. Confira abaixo alguns temas que Bolsonaro e sua trupe entraram em contradição ou, simplesmente, foram “pegos na mentira”.

FOME Declaração a jornalistas, 2019: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não”, disse o presidente.

Dados: Brasil ocupa a 30ª posição em área de floresta preservada. Segundo o Banco Mundial, o país tem 59,9% de sua cobertura nativa mantida.

SOBERANIA NA AMAZÔNIA Discurso na ONU, 2019: “Um ou outro país se portou de forma desrespeitosa e de forma colonialista em relação ao Brasil, questionando o que nos é mais sagrado, nossa soberania”, disse o mandatário. Realidade: Governo não prega a soberania quando é o caso de exploração mineral na Amazônia, inclusive em terras indígenas, pois setores políticos que apoiam a gestão Bolsonaro defendem a possibilidade de venda de terras para empresas com capital estrangeiro.

SETOR ENERGÉTICO 2017, como deputado: “A questão da energia elétrica no Brasil: isso simplesmente é estratégico, é vital. País sério nenhum no mundo faz isso – entregar isso para outros países”, disse.

Dados: Relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, de julho deste ano, aponta que cerca de 5 milhões de pessoas são classificadas como desnutridas no país.

PRESERVAÇÃO AMBIENTAL Discurso no Fórum Econômico Mundial, 2019: “Somos o país que mais preserva o meio ambiente”, afirmou Bolsonaro.

2019, como presidente: A Eletrobras é uma das empresas que o governo Bolsonaro pretende privatizar e as possíveis compradoras dos ativos da estatal são estrangeiras.

CRESCIMENTO E PREVIDÊNCIA Fevereiro de 2019: Aprovação da chamada reforma da Previdência garantiria um aumento de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, segundo estudo da Secretaria de Políticas Econômicas do Ministério da Economia.

Paulo Guedes, ministro da Economia, em setembro de 2019: "Nunca falei que a economia ia crescer este ano”. Projeção, em novembro, de crescimento do PIB era 0,9%. A projeção oficial no começo do ano era estimada em 2,5%.

ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE) Em vídeo nas redes sociais, 2019: “Hoje em dia, todos os países apoiam nossa entrada na OCDE”. Dados: Após promessa dos EUA, o Brasil abriu mão de suas prerrogativas como nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio, o que conferia vantagens em prazos e em proteção à economia nacional. Apesar disso, os EUA não deram prioridade à entrada do Brasil na OCDE, privilegiando Argentina e Romênia.

ENTREGA DA BASE DE ALCÂNTARA AOS EUA Bolsonaro, em 2001, rejeita o projeto do ex-presidente FHC: “O senhor Geraldo Quintão [ministro da Defesa na época] sustentou o tempo todo a posição, própria do seu governo e do governo americano, de que deveríamos abrir mão de parte da nossa soberania para ganharmos alguns milhões de dólares por ano, não alugando o Centro de Lançamento de Alcântara, mas alienando-o. Não pode haver maior erro do que esperar favores reais de uma nação a outra”. Bolsonaro em 2019, concorda e repete o projeto de FHC: “Após décadas de atraso e abandono, damos um grande passo para o desenvolvimento.”


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Perguntas e respostas

Como está a economia do Brasil? O que o governo Bolsonaro defende para a economia? As opções do ministro da Economia, Paulo Guedes, partem da ideia de que há um desajuste nas contas públicas, ou seja, o Estado gastaria mais do que arrecada. A solução ultraliberal proposta por eles é cortar “gastos” – incluindo investimentos – e vender patrimônios públicos – principalmente para estrangeiros –, para tentar recompor rapidamente o caixa e melhorar a vida de empresários e patrões. A expectativa do governo é de que, com isso, o investimento privado volte a ocorrer, pois o Estado deixaria de investir. Resumindo: redução dos serviços públicos, privatização, desnacionalização e retirada de direitos dos trabalhadores. E essas medidas vão surtir algum efeito? Economistas apontam que a receita de Guedes gera o efeito oposto do que promete, ou seja, o Brasil não volta a crescer. Ao cortar gastos, incluindo investimentos, a economia não é impulsionada pelo Estado. Caem os gastos, mas cai também a arrecadação, criando um círculo vicioso. Ao privatizar empresas e tirar da nação o controle da economia, se amplia a dependência do Brasil da economia interna-

cional, que vem desacelerando seu crescimento novamente. Por fim, ao retirar direitos, diminui-se o poder aquisitivo da maior parte da população, que, no final das contas, é o que garante que o investimento vai ser feito. É o consumo e a demanda que aquecem a economia. Mudando as regras da aposentadoria, por exemplo, as famílias vão ter menos dinheiro e é de se esperar que as pessoas consumam ainda menos. Mas o desemprego não está diminuindo? A taxa de desemprego está estável. As vagas criadas são, em sua maior parte, informais, ou seja, sem carteira assinada, o que gera uma instabilidade para o trabalhador. Isso porque todas as medidas citadas anteriormente dificultam que a indústria se recupere. Quais os possíveis impactos das privatizações? Em primeiro lugar, o Estado perde instrumentos para impulsionar a economia. A Petrobras, por exemplo, funcionava como uma indutora da indústria, reservando parte de suas compras para empresas privadas nacionais, mas cada vez mais ela tem perdido esse papel. Sem investimento público e estatal, dificilmente há investimento privado também.

Apesar do discurso de ineficiência, muitas estatais são lucrativas. No caso específico da Petrobras, os custos de operação são menores que o de estrangeiras. Uma amostra do que pode ocorrer no país aconteceu quando o governo equiparou os preços da gasolina e do diesel ao mercado internacional: como as companhias de outros países gastam mais na produção, o preço no Brasil automaticamente aumentou. Além disso, do ponto de vista de direitos, uma estatal pode operar em regiões menos lucrativas, por exemplo na área de energia, sendo compensada pelas áreas lucrativas. Na lógica privada, locais não rentáveis tendem a perder o fornecimento do serviço, ou seja, populações mais afastadas ou pobres sofrerão as maiores consequências. Mas abrir a economia para o comércio internacional não pode ajudar? Em um momento imediato, é possível que preços caiam, porque alguns produtos importados são mais baratos. Mas, no longo prazo, o que se pode ver é que a indústria nacional perde espaço e, com ele, os empregos gerados. E voltamos ao ciclo de desemprego, falta de poder aquisitivo das famílias e economia em crise.

Povo Fala

Como a crise econômica vem afetando a sua vida?

Elisângela Rodrigues, 41 anos, prestadora de serviço, de Itaquaquecetuba

Estou perdendo cliente por dificuldade da condição financeira. É uma queda financeira muito grande tanto pra mim quanto pros clientes. Na família, eu tenho muitas pessoas desempregadas há mais de um ano. O desemprego está muito grande. Tenho amigos que vivem de bicos. Piorou muito.

Romilda Santos de Macedo, 35 anos, vendedora autônoma, de São Paulo

Nesses últimos anos, as coisas estão bem mais caras. O desemprego aumentou bastante. Nem todo mundo está trabalhando certinho. Só fazendo bico, trabalhando na rua de camelô. Por enquanto, está dando pra manter. Graças a Deus, minhas filhas trabalham. Mas é sempre aquele pé atrás.

Lourenço Paulilo, 76 anos, administrador aposentado, mora em São Paulo

Shambelly Santana, 17 anos, estudante do Ensino Médio e atendente aprendiz em uma farmácia

As condições de vida pioraram. Quando éramos jovens, tínhamos como ajudar os pais. Agora, aposentados, o contrário. Além de dar conta dos compromissos financeiros, ajudamos a família. Meu filho está desempregado, fazendo bicos. Eu estou dando aula de inglês e fazendo consultoria, mesmo aposentado. Eu acho que o desemprego afeta muito a gente [jovens]. A gente, por exemplo, aprendiz, ganha muito pouco. Nem sempre tem oportunidade para crescer profissionalmente. Eu acho que deviam dar mais oportunidade pras pessoas de baixa renda. Mais cursos de capacitação. Tem muita exclusão no mercado de trabalho.

“Não se assustem se alguém pedir o AI-5” Com essa frase o ministro da Economia, Paulo Guedes, respondeu a jornalistas, em 25 de novembro, quando perguntado sobre manifestações populares contra reformas econômicas neoliberais – como as que ele pretende impor no Brasil. O Ato Institucional número 5 (AI-5) foi o decreto mais duro da ditadura militar, que fechou o Congresso Nacional, retirou direitos e perseguiu jornalistas e militantes contrários ao regime.


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Entrevista Local da base de Alcântara

MA

“Não cederemos nenhum centímetro de terra”, afirma quilombola Mnidades quilombolas na orador de uma das comu-

região da Base de Alcântara, no Maranhão, Danilo Serejo é assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (Mabe). Ao Brasil de Fato, o jurista expôs as críticas que a população local faz à existência das instalações desde a década de 1980.

Foto: HO/FAB/AFP

Artigo

Entrega da Base de Alcântara destrói tecnologia aeroespacial brasileira Por Frederico Samora*

O

Senado aprovou, em novembro, o acordo que permite a participação dos Estados Unidos em lançamentos a partir do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão. O texto confirma o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, negociado pelo governo de Jair Bolsonaro, que também concede o uso comercial da base aos Estados Unidos. Os defensores da proposta dizem que a parceria contribuiria para gerar recursos para o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro. Além disso, afirmam que o Brasil ganharia com um plano de controle de transferência de tecnologia, supostamente previsto no acordo. Porém, nem tudo são flores, e o que está em jogo é muito maior do que parece. Vamos aos principais pontos: 1. O acordo aprofunda a dependência do Brasil e limita o nosso desenvolvimento tecnológico. Para atingir nossa

autonomia na área de comunicações e informações (e assim poderíamos usar redes sociais e GPS, por exemplo, sem ter informações vendidas) temos que deter o conhecimento do ciclo completo de lançamento de um satélite. Mas o acordo proíbe a utilização dos recursos do aluguel da base no nosso próprio satélite, e também não envolve nenhuma transferência de tecnologia para o Brasil. 2. O acordo prevê que apenas os 35 países que hoje são signatários do regime de controle de mísseis possam lançá-los do Brasil. O Brasil assinou o documento, mas não tínhamos a tecnologia e dissemos que não a desenvolveríamos. Restou a subordinação aos EUA, pois só os seus “amigos” poderão lançar mísseis. 3. Na época da construção da base, na década de 1980, muitas famílias quilombolas da região foram removidas e reassentadas precariamente. De lá pra cá, foram feitos acordos

com essa população, porém nunca cumpridos pelo Estado. Existe a previsão de que mais 350 famílias precisariam ser removidas. Ou seja, não resolvem a questão que já existe e aumentam o problema. 4. O acordo prevê a existência de áreas para a circulação exclusiva de pessoas autorizadas pelos EUA. Não somos os controladores da base inteira e não podemos entrar nela como bem desejarmos, só com autorização norte-americana, cabendo ao Brasil só algumas sugestões. 5. O acordo não permite o lançamento de nenhum artefato bélico. Obviamente somos um país pacífico e pretendemos seguir assim, mas abrimos mão de mais um recurso de defesa, assim como o nuclear. Não há também garantias seguras de que os EUA não terão material militar na área restrita.

BRASIL DE FATO: Os quilombolas criticam a instalação da Base de Alcântara desde seu surgimento. Por quê? DANILO SEREJO: É preciso compreender que a base espacial de Alcântara é um projeto da ditadura militar. Não houve qualquer tipo de consulta ou negociação. As comunidades que foram transferidas, 312 famílias de 24 povoados, foram removidas compulsoriamente. Essas famílias foram reassentadas em sete agrovilas. Estavam localizadas na beira do mar e nas cabeceiras dos rios e igarapés, e tiraram sua principal fonte de sustento. Isso desestruturou essas famílias do ponto de vista cultural, social e econômico. BDF: Depois da instalação da base, como ficou a relação com os quilombolas? DANILO SEREJO: Não houve qualquer tipo de reparação ou compensação às famílias que foram remanejadas, até hoje. A Base Espacial é uma real ameaça

à vida das pessoas e comunidades em Alcântara. Por conta dela, o território das comunidades quilombolas nunca foi efetivamente titulado.

BDF: O acordo com os EUA piora a situação dos quilombolas? DANILO SEREJO: Agrava o cenário de violação de direitos humanos. Piora, porque dá uma dimensão bem maior desse conflito. O acordo com os EUA se dá em um cenário de insegurança jurídica, elas perdem a autonomia de sentar e negociar com o Estado brasileiro. O acordo rouba nosso direito de planejar nosso futuro. Esse acordo foi firmado sem que fosse realizada consulta prévia, livre e informada às comunidades de Alcântara, conforme determina a convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], que o Estado brasileiro ratificou em 2002. BDF: Quais são os passos da organização de vocês para resistir ao acordo de Alcântara? DANILO SEREJO: Nós somos contra todo e qualquer processo de remanejamento. Se houver, ocorrerá sob o autoritarismo. Não cederemos nenhum centímetro de nossas terras. Assim que nós soubemos do acordo com os EUA, apresentamos uma reclamação na OIT contra o Estado brasileiro. Nossa expectativa é de que ela seja admitida para ser julgada.

*Frederico Samora é cientista político. Famílias quilombolas tiveram suas terras tradicionais desapropriadas. Foto: Paulo Hebmuller / Amazônia Real


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Campanha em defesa da soberania nacional promove ações em todo o Brasil

O

Comitê em Defesa da Soberania Nacional lança neste mês de dezembro uma campanha com o lema “A riqueza do Brasil não se entrega”. O objetivo dos movimentos populares, parlamentares e entidades que compõem esse coletivo é conscientizar a população brasileira sobre os riscos do processo de privatizações de empresas públicas e entrega do patrimônio nacional promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro.

Em seu manifesto, a campanha denuncia o plano do ministro da Economia, Paulo Guedes, para 2020 de colocar a venda o máximo de empresas públicas brasileiras, promovendo uma “liquidação” do patrimônio público. “Se isso acontecer, dentro de um ano vamos ficar sem a riqueza que demoramos 100 anos para conquistar. Será uma enorme crise dos serviços públicos se tudo estiver na mão dos empresários, que irão aumentar o preço dos serviços e das mercadorias essenciais”, denunciam. A Jornada Nacional em Defesa da Soberania acontece na semana de 2 a 6 de dezembro, além de outras atividades no decorrer dos meses seguintes, como no estado do Maranhão,

onde se encontra a Base de Alcântara, local estratégico de lançamento de satélites que o governo quer passar para o controle dos Estados Unidos. Entre as atividades previstas da campanha estão colagem de cartazes e colocação de faixas em espaços públicos, agitação nas redes sociais, banquinhas de distribuição de materiais da campanha e ações de debate com a população.

Você sabia?

O mundo está reestatizando suas empresas 5 As estatais vêm ganhando importância no mundo Em 2005, entre as listadas na Fortune 500 – um dos rankings das maiores empresas do mundo – 9% eram empresas públicas. Em 2014, passaram a ser 14%.

Saneamento Do início do século 21 até o momento, 261 sistemas de água e esgoto foram remunicipalizados ou reestatizados em cidades ao redor do mundo, incluindo capitais europeias como Paris e Berlim.

Para saber mais notícias sobre a campanha e como participar, acesse:

Relevância na produção de riquezas Empresas estatais representaram 10% do PIB mundial em 2012, ou seja, a soma de todos os bens e serviços produzidos naquele ano.

Importância nacional As maiores estatais do Brasil tiveram lucro líquido conjunto de R$ 806 bilhões entre 2002 e 2006, repassando ao Estado cerca de R$ 285 bilhões no mesmo período.

Hidrelétricas no centro do capitalismo No Canadá, 60% da energia vêm de hidrelétricas majoritariamente controladas por governos provinciais, equivalentes aos governos estaduais. Nos EUA, as hidrelétricas representam 10% da produção energética. O maior operador de barragens no país é Corpo de Engenheiros do Exército.

Petróleo

Arrependimento Entre 2007 e 2014, mais de 800 serviços públicos foram reestatizados no mundo, com 83% dos casos a partir de 2009. Os campões em reestatizações foram Alemanha (348), França (152), EUA (67), Reino Unido (65) e Espanha (56). Um exemplo clássico foi o do metrô de Londres. Expediente: Edição especial Soberania. Circulação gratuita. Dezembro/2019 | Reportagem: Rafael Tatemoto e Lu Sudré | Edição: Vivian Fernandes | Revisão: Camila Maciel | Jornalista responsável: Nina Fideles (MTB 6990/DF) | Artes e diagramação: Fernando Bertolo e Michele Gonçalves | Contato: brasildefato.com.br / jornalismo@brasildefato.com.br

Em 2018, das cinco maiores companhias petroleiras em termos de lucro, três eram estatais: duas chinesas e uma saudita. Pelo critério do volume de reservas controladas, as 13 maiores empresas do mundo são estatais.

Fontes: Fortune, Transnational Institute, Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas e Wall Street Journal.


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