ED C R IÇ Ã IS O E ES H P ÍD EC RI IA CA L
PARANÁ
Ano 4
Edição 190
28 de outubro a 4 de novembro de 2020
distribuição gratuita
www.brasildefatopr.com.br
Falta água, investimento e cuidado com a população... Além da estiagem, governos e Sanepar não tomaram as medidas necessárias para garantir o abastecimento
A VIDA NA SECA Como a população da periferia sofre (mais) com a falta de água
TORNEIRA FECHADA Entenda por que ocorre a crise de abastecimento no Paraná
SANEPAR À VENDA Empresa pública de água e saneamento é desmontada por governos Giorgia Prates
Brasil de Fato PR
2 Opinião
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Paraná, 28 de outubro a 4 de novembro de 2020
Água e eleições: a crise da incompetencia
EXPEDIENTE
EDITORIAL
C
om cada vez menos frequência nas torneiras paranaenses, a água torna-se recurso raro. O sofrimento é maior nas moradias da população mais pobre, sem caixas d’água, com dificuldade de cozinhar e até de se prevenir da Covid-19 após jornadas extensas de trabalho externo e uso do insuficiente transporte coletivo de Curitiba. Mas será que a falta de chuva é a única explicação para a crise hídrica? Os gestores públicos têm responsabilidade na política de gestão da água, garantindo-a como direito humano. Preservação e recuperação ambiental, especialmente das matas ciliares de rios e nascentes, distribuição justa nas diversas regiões da cidade, priorização do atendimento das necessidades básicas das pessoas, e não do lucro dos bancos, são algumas das ações que deveriam ser tomadas por esses gestores. Prefeituras e vereanças são fundamentais. Além da responsabilidade por essas políticas, têm papel central no diálogo pela garantia da população com o governador. Ratinho Jr., aliás, quer privatizar a Sa-
nepar para tornar o acesso à água e ao saneamento básico ainda mais caro. Neste ano de alerta, as eleições municipais têm o potencial de alterar este cenário desolador. Mas o voto deve ser em candidaturas que reconheçam a crise hídrica
Brasil de Fato PR Desde fevereiro de 2016 O jornal Brasil de Fato circula em todo o país com edições regionais em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraná. Esta é a edição 190 - Especial Crise Hídrica do Brasil de Fato Paraná, que circula sempre às quintas-feiras. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais.
e que se comprometam com mudanças estruturais. Ou seguiremos votando nos ricos que cruzam os braços para a falta de acesso justo à água? A crise não é nossa, é incompetência dos governos.
SEMANA
EDIÇÃO Frédi Vasconcelos e Pedro Carrano REPORTAGEM Ana Carolina Caldas e Lia Bianchini COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Robson Formica, Venancio de Oliveira ARTICULISTAS Fernanda Haag, Cesar Caldas, Marcio Mittelbach e Douglas Gasparin Arruda REVISÃO Lea Okseanberg, Maurini Souza e Priscila Murr ADMINISTRAÇÃO Bernadete Ferreira e Denilson Pasin DISTRIBUIÇÃO Clara Lume FOTOGRAFIA Giorgia Prates e Gibran Mendes DIAGRAMAÇÃO Vanda Moraes CONSELHO OPERATIVO Daniel Mittelbach, Fernando Marcelino, Gustavo Erwin Kuss, Luiz Fernando Rodrigues, Naiara Bittencourt, Roberto Baggio e Robson Sebastian REDES SOCIAIS www. facebook.com/bdfpr CONTATO pautabdfpr@gmail.com
Torneira seca, tarifa cara e privatização da água
OPINIÃO
Robson Formica
Dirigente estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
P
or um lado, a água é um direito humano fundamental, a serviço das necessidades mais básicas da vida, com qualidade e de forma acessível. Por outro, ela é objeto da ganância das transnacionais, que buscam lucros com a privatização deste bem, à custa da exploração do povo, com tarifas elevadas e péssima prestação de serviços. Recentemente, o Congresso Nacional aprovou o PL 4162/2019 que facilita a privatização da água e do
saneamento no Brasil, transformando a água, que é um direito, em uma mercadoria. Aqui no Paraná, o governo aprovou na Assembleia Legislativa o PL 416/2020 que adapta a Sanepar ao que foi aprovado em Brasília. Na prática a Sanepar já vive uma forma de privatização “por dentro”. Desde 2011, o governo Richa (PSDB), aumentou a distribuição de lucros e dividendos aos acionistas da empresa, passando de 25% para 50% sobre o lucro líquido. O atual governador, Ratinho Júnior (PSD), segue a política adotada por Richa na Sanepar, privilegian-
do os acionistas, sendo que mais de 40% das ações globais da companhia estão nas mãos do capital estrangeiro. Desta forma, de cada R$ 100,00 de lucro líquido a Sanepar paga R$ 50,00 aos acionistas e destes, R$ 20,00 é para estrangeiros. Enquanto isso os governos Richa e Ratinho reajustaram a tarifa da Sanepar em quase 160%, contra uma inflação de 60% no mesmo período. Os lucros da Sanepar só aumentam, mesmo com toda estiagem e rodízio aplicado. De 2011 a 2019, o lucro líquido da Sanepar aumentou em 700% e a distribuição de lucro aos acionistas aumentou em
quase 800%. Vale destacar que o governador Ratinho Junior foi secretário de Desenvolvimento Urbano no governo Beto Richa de 2012 até 2018, e tinha como missão a obtenção de recursos e apoio técnico especializado, assistência técnica ligada ao desenvolvimento urbano e regional, aprimoramento de serviços e solução de problemas comuns, ordenar o pleno desenvolvimento das cidades e garantir o bem-estar dos habitantes. Assim, Richa, Ratinho e os prefeitos apoiados por eles nada disso fizeram e a torneira secou.
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FRASE DA SEMANA
Mulheres sofrem mais com os efeitos sociais da Covid-19 Um estudo da Oxfam mostra que as mulheres têm sofrido mais com os efeitos sociais da pandemia. No estudo “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”, a entidade mostra que “as mulheres representam 70% das pessoas que trabalham nos setores de cuidados e saúde”. Segundo a Oxfam, as mulheres são as mais afetadas pelo coronavírus porque elas já enfrentam questões históricas e sociais muito antes dessa nova crise. Elas têm que conviver com o risco de violência sexista, são as principais vítimas dos processos de migração forçada por crises climáticas e conflitos armados, são maioria nos postos de trabalhos informais (54%, segundo a ONU Mulheres) e convivem com a sobrecarga do trabalho de cuidado. O documento aponta como saída a necessidade de atores da sociedade civil, governo e setor privado se posicionarem em relação ao trabalho doméstico e de assistência como um elemento central na agenda de igualdade de gênero, bem como criar políticas, alocar orçamentos e esforços para o progresso das mulheres.
Divulgação
“Esse cara (Bolsonaro) é maluco, burro ou sádico?” Questiona o escritor Marcelo Rubens Paiva em seu Twitter ao se referir à recusa do presidente em comprar vacina contra o coronavírus. “O Brasil pode ter uma vacina no começo de 2021, e o seu presidente não a quer por birra política!?”, conclui. Divulgação
NOTAS DA REDAÇÃO
Candidata em risco A candidata à Prefeitura de Colombo Aline Neves (Psol) vem recebendo ameaças de morte e outros ataques nas redes sociais. Após a participação em debate na Band TV, veículos suspeitos passaram a rondar sua casa, fazendo com que saísse do local e adotasse outras medidas de segurança, além de lavrar boletim de ocorrência. A candidata já havia sofrido ataques pesados quando foi candidata a conselheira tutelar na cidade.
Conferência de habitação O candidato à Prefeitura de Curitiba pelo PDT, Goura, está propondo fazer nos primeiros meses de gestão uma conferência da habitação. “Importante ampliar este debate e garantir investimentos nesse setor e tratar a habitação como central para o urbanismo, a partir do qual a gente vai discutir a mobilidade e outras questões urbanísticas importantes”, disse.
O agricultor familiar e militante do MST Ênio Pasqualin foi executado a tiros em Rio Bonito do Iguaçu-PR, onde vivia com a família, no Assentamento Ireno Alves dos Santos. Ele foi retirado de sua casa por sequestradores na noite do último sábado e seu corpo foi encontrado na manhã do domingo com claras evidências de execução.
Esposa e filhos Ênio e sua família estavam no assentamento desde 1996. Ele trabalhava na produção de alimentos e na organização dos assentados, foi presidente da Central de Associações Comunitárias do Assentamento (Cacia). Em 15 de outubro, comemorou seus 48 anos de vida com a família. E 10 dias depois deixou esposa, duas filhas e um filho.
MP acompanha investigação
Obra causa alagamento Paulo Opuszka (PT), candidato a prefeito em Curitiba, foi à Vila Lindóia, onde moradores fizeram manifestação por causa de mais um alagamento do Rio Pinheirinho. A obra inacabada de canalização criou uma espécie de dique de contenção que reteve a água das chuvas, que entrou, junto com esgoto, nas casas dos moradores. “Há seis, sete anos que as pessoas vivem situações de alagamento. Tem gente que perdeu seus móveis durante os dias das grandes chuvas”, disse Opuszka em suas redes.
Assassinato no campo
Moradia social Eloy Casagrande (Rede Cidadania) lembrou nesta semana que Curitiba tem mais de 40 mil famílias vivendo em áreas de ocupação, de aluguel em casas precárias ou esperando na fila da Cohab. Uma de suas propostas para o tema é a construção de moradias sociais, “mais inteligentes, modulares, rápidas, confortáveis e mais baratas.” Prevê ainda uma estratégia de financiamento que não dependa exclusivamente de financiamento em banco para aqueles que têm menos recursos.
As investigações serão acompanhadas pelo Ministério Público Federal (MPF). Segundo informa o MPF, “considerando o papel de acompanhamento e enfrentamento de denúncias de violências, perseguições e outras formas que configurem ação arbitrária, no campo, contra lideranças de movimentos sociais”. O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Paraná para ter mais informações sobre o crime e as investigações, mas até a publicação desta notícia não houve resposta.
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Falta de água em Curitiba e região não é culpa só da estiagem Há anos se sabe de necessidade de investimentos, mas Sanepar e governos não fizeram SITUAÇÃO DOS RESERVATÓRIOS (27/10)
Frédi Vasconcelos
E Iraí 15,6%
Passaúna 35,54%
Piraquara 1 24,23%
Piraquara 2 49%
Média geral 27,96%
studo feito em 1995 pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), no governo Itamar Franco, apontava que, até 2015, Curitiba e Região Metropolitana tinham de aumentar sua produção de água em 8 mil litros por segundo, para dar conta de uma demanda de 15 mil litros pela expectativa de crescimento da população. Para isso diversos investimentos teriam de ser feitos. O plano de águas da Prefeitura de Curitiba, atualizado no final de 2017, também estimava a necessidade de produção de pelo menos 12 mil litros por segundo em 2020.
O principal reforço viria com a entrada em funcionamento da Barragem Miringuava, em São José dos Pinhais, prevista para ser terminada em 2016 e que acrescentaria 2 mil litros por segundo ao sistema. A obra ficou parada por muito tempo e ficará pronta, na melhor das hipóteses, em meados de 2021, sem ajudar na atual estiagem. A Sanepar não divulga os números atuais de produção total de água, mas sem a entrada de Miringuava e outras obras ainda não concluídas, calcula-se que o sistema produza, neste momento, abaixo de 10 mil litros por segundo. Insuficiente para abastecer os cerca de 3,2 milhões de habitantes das 11 cida-
des que compõem o chamado Abastecimento Integrado de Curitiba (Saic). Lucro X Investimento Embora anuncie que esteja investindo centenas de milhões de reais neste momento de estiagem e rodízio, a prioridade da Sanepar nos últimos anos não foi com sua atividade-fim, mas sim com a remuneração de seus acionistas. De 2011 a 2019, o lucro líquido da empresa aumentou quase 700%, e a distribuição de dividendos a acionistas cresceu cerca de 780%. Já o crescimento dos investimentos na melhoria e ampliação foi de 150% no mesmo período, segundo números levantados pelo Dieese-PR. Giorgia Prates
Má gestão de recursos naturais e da rede aprofunda a crise hídrica Ana Carolina Caldas
D
esde agosto, em Curitiba e na Região Metropolitana, cerca de 1,2 milhão de pessoas ficam sem abastecimento de água num período de 36 horas por conta de rodízio. Situação grave, mas a pergunta que fica é o que os governos do Paraná vêm fazendo (ou fizeram) para resolver o problema? Questão ambiental Para o professor doutor em Física Estatística, Jefferson de Souza, dentre os vários fatores da crise hídrica destaca-se a má gestão dos recursos e da rede. “Como, por exem-
plo, desperdício de água sem que houvesse algum tipo de política pública para prevenir e um tipo de tarifação que não estimula a economia”, diz. Em segundo lugar, não foi investido na questão ambiental. “Despejamos metade do esgoto na bacia do Rio Iguaçu, e isso afeta diretamente a oferta da água”, complementa. Levantamento de 2019 da ONG SOS Mata Atlântica revelou que entre 11 rios que passam por Curitiba e Região, apenas um apresentava boas condições ambientais, o Itaqui, em São José dos Pinhais. O economista e coordenador do Dieese no Paraná,
Pablo Diaz, vai na mesma linha. “Há só em Curitiba mais de 700 rios e riachos. Não há uma falta de estoque de água. É uma má gestão desde o tratamento do esgoto, dos resíduos e a negligência histórica levando, por exemplo, à especulação imobiliária que matou parte dos rios.” Para ele, as últimas gestões nos governos estaduais também tinham caráter privatista, e voltadas aos interesses dos grupos econômicos, e não da população. “Governos Lerner e Richa alienaram a Sanepar, que é um patrimônio público, para grupos privados. E o Ratinho Jr vai na mesma linha”, explica.
SANEPAR Em nota ao Brasil de Fato Paraná, a assessoria de comunicação da Sanepar informou que há um conjunto de obras em andamento. “A Sanepar está investindo cerca de R$ 100 milhões em obras de reforço à dis-
tribuição integrada de água de Curitiba e Região Metropolitana. Estão sendo construídos mais quatro reservatórios que serão integrados a uma nova estrutura de rede de distribuição, com 107 quilômetros”, diz.
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A vida sem água Moradores da periferia de Curitiba relatam as dificuldades em seu dia a dia Giorgia Prates e Ana Carolina Caldas
M
eta de economia e tomar outras medidas para economizar água durante o racionamento são
duras, mas possíveis para quem mora em bairros bem abastecidos e que têm caixas de água suficientes para garantir seu consumo nas 36 horas do rodízio na Região Metropolitana de Curiti-
ba. Mas a situação complica bastante para quem mora na periferia. No meio de uma pandemia, com necessidade de medidas extras de higiene para sobreviver, com dificuldades para garantir ren-
Taís Alexandra Borges
da e pagar a alimentação e as contas de luz e água, há ainda o rodízio em casas que, na sua maioria, não têm caixas de água. Para mostrar essa realidade, a reportagem do Brasil Giorgia Prates
32 anos, mãe de 4 filhos
“O dia que tem água eu faço tudo o que tem que fazer de faxina. Eu não tenho caixa d´àgua, então deixo tudo nos litros e a máquina de lavar cheia para fazer a limpeza da casa. Quando Giorgia Prates acaba a água, venho aqui na Carla para receber doação de 5 litros. É o que salva! O programa da Sanepar que doa caixa d’água para quem é baixa renda é pra quem tem moradia regularizada.”
Lilian Graciano
Giorgia Prates
mãe de 2 filhos, proprietária de bar “A gente tem
criança e não tem muita coisa para armazenar a água quando ela volta. Fica muito difícil. Eu acabo deixando mais para beber e comer. Aí, com esse calor, já aconteceu de as crianças ficarem sem banho e também não dá para controlar a água que eles tomam. Não dá para nós três tomarmos banho.
de Fato Paraná ouviu moradores de comunidades na Cidade Industrial de Curitiba, CIC. Os relatos são de dificuldades, mas também de solidariedade. Confira abaixo alguns deles.
Carla Pereira de Almeida
mora com 3 adultos e 1 criança
“Eu tenho uma caixa d´àgua de 3 mil litros e deixo uma torneira para fora para que as pessoas que precisam de água, está sempre à disposição. Eu divido a água com os moradores que não têm caixa. Eu acho que a situação vai complicar mais e fica ainda pior com a Covid, pois não tem água nem para lavar a mão.”
Sebastião Quirino Araújo 65 anos, pedreiro
“Lá no centro eles gastam, lavam calçada, o saguão da frente e a gente sabe que eles gastam porque trabalhamos lá. Duvido que falte água lá no centro. Agora, por aqui, a água acabou e o jeito é esperar para voltar para se limpar do cimento.”
Giorgia Prates
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Brasil privatiza ainda mais a água já privatizada
Divulgação | SANEPAR
População mais carente fica ameaçada de não ter saneamento básico Manoel Ramires (Senge-PR)
A
administração da água e esgoto das cidades é de responsabilidade das gestões municipais. Até o novo Marco do Saneamento Básico, sancionado por Jair Bolsonaro (sem partido), as cidades entregavam essa gestão a empresas públicas como a Sanepar e a Sabesp. A nova regra, sob o argumento de levar água para todos, é um cano furado. Ela abriu oportunidade para que empresas privadas concorram com as “públicas quase privadas” em áreas que dão retorno financeiro, deixando a torneira da população mais carente vazia. De acordo com o engenheiro e ex-presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), Clovis Nascimento, o PL é uma temeridade à universalização dos serviços de água e esgoto. “No Brasil de hoje, temos cerca de 33 milhões de brasileiros e brasileiras que não têm acesso à rede de água potável. Essas pessoas vivem nos bolsões de pobreza, nas favelas, nas áreas periurbanas e na zona rural. Essas áreas são deficitárias do ponto de vista econômico-financeiro e, sendo assim, a iniciativa privada não vai colocar recursos para atender a essa população. Porque a iniciativa privada só visa ao lucro”, projeta. A “privatização da água já privada” inclusive coloca em risco os investimentos já feitos por empresas públicas. Isso porque a nova re-
gra não oferece carência para que os estados não sejam prejudicados por uma nova concorrência. O artigo 16 do marco “desbarata décadas de estruturação erguida para o setor, acarretando uma enorme insegurança jurídica, com a estagnação imediata de ações e projetos em andamento que buscam a universalização do saneamento e a atração de novos investimentos”, reclamou a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESBE), que participou da Consulta Pública nº 003/2020 que trata das contribuições para o Eixo Temático 5 encerrado em 25 de outubro. Água já privatizada Recentemente, os paranaenses se depararam com a suspensão do aumento da tarifa de luz depois de ser autorizado pela Agepar. O recuo só ocorreu por pressão da sociedade e porque o governo do Pa-
raná controla a maioria das ações da Copel. Mas com o Marco do Saneamento, as empresas privadas vão estar livres dessa “pressão”. Aliás, é o mercado financeiro que dita as regras do reajuste tarifário, seja da luz ou da água. Desde 2011, a orientação no Paraná é maximizar o aumento das tarifas, trazendo lucro para os acionistas. Isso ocorre porque o Estado só tem 20% das ações. Outros 35% pertencem ao capital estrangeiro e quase 45% com acionistas internacionais. O reflexo disso: a Sanepar aumentou o valor pago pelos consumidores 111,25% entre 2012 e 2018. Neste período, os acionistas tiveram aumento de 788% em seus dividendos. “Podemos concluir que existe na empresa um claro direcionamento da riqueza em favorecimento dos acionistas, em detrimento dos trabalhadores e da sociedade”, esclarece o economista Fabiano Camargo da Silva. Reprodução | TV Brasil
Novo marco do saneamento é como cloroquina: “Não cura e pode matar” Redação, São Paulo Aprovado em julho deste ano e sancionada pelo presidente Bolsonaro, o chamado Novo Marco Legal do Saneamento é uma lei que não deve entregar os resultados propagandeados de universalizar o serviço de água e esgoto no país até 2033 e ainda pode causar graves problemas, com mais privatização dos serviços. “Essa nova lei é a cloroquina da doença do saneamento básico. É um remédio que além de não curar, pode matar o doente. Por que pode matar? Porque tem um potencial de desorganização do que nós temos que é muito grande”, critica Marcos Montenegro, engenheiro e coordenador-geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas). Montenegro compara o novo marco com a medicação sem eficácia comprovada defendida por Jair
Bolsonaro contra o novo coronavírus. O especialista acredita que o discurso em defesa da universalização até 2033 foi uma estratégia de marketing dos setores que apoiam a privatização desgovernada no país. “Temos convicção de que a universalização do serviço público do saneamento vem acompanhada de políticas de desenvolvimento sustentável, com distribuição de renda e prioridade de políticas públicas que atendam as populações vulneráveis, tanto na cidade quanto no campo.” O especialista afirma que nos últimos anos já havia uma regressão nas políticas da área, retrocesso consolidado com a aprovação do novo marco. Segundo Montenegro, é inegável a gravidade do problema no país. Mas, por outro lado, a situação não será resolvida com a apropriação do setor por empresas privadas. Conforme o engenheiro destaca, a experiência internacional mostra o contrário.
Brasil de Fato PR 7 | Cultura
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Projeto “História de Faxinais, do Museu de Arqueologia da UFPR, é finalista em prêmio nacional Histórias de estudantes foram reunidas em livro de contos, exposições e websérie as ações de preservação do patrimônio cultural brasileiro. “Histórias de Faxinais” tem como proposta pesquisar, reunir, sistematizar e divulgar histórias, memórias e objetos ligados aos povos de faxinais. O projeto conta muito sobre a cultura e o modo de ser faxinalense através do ponto de vista, principalmente, de crianças e jovens do Colégio Estadual do Campo Professor Izaltino Bastos, uma escola da região de
Redação
O
projeto “Histórias de Faxinais”, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná, está entre os finalistas da 33ª edição do Prêmio Nacional Rodrigo Melo de Andrade. O prêmio é promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1987, com objetivo de reconhecer projetos de todo o país que se destacam entre
Pinhão, no Paraná. Os estudantes atuaram de forma totalmente participativa. Suas histórias foram reunidas em um livro de contos, exposições e em uma websérie. Todas as ações do projeto Histórias de Faxinais estão disponíveis no site mae.ufpr.br/ historiasdefaxinais. O resultado do 33º Prêmio Nacional Rodrigo Melo de Andrade deve ser divulgado no início de novembro de 2020.
Douglas Frois
Estudantes ouviram histórias dos membros mais antigos da comunidade
DICAS MASTIGADAS
Bolo de mexerica
Ingredientes 4 mexericas orgânicas (se forem pequenas, usar 5) 2 xícaras de açúcar 2 xícaras de farinha 3 ovos orgânicos 1/2 xícara de óleo 1 colher sopa de fermento
Lourdes Marchi
A cada semana, publicamos receitas com produtos agroecológicos da rede colaborativa Produtos da Terra, da Sinergia Alimentos Saudáveis e da Rede Mandala. Parte dos ingredientes pode ser encontrada no site produtosdaterrapr.com.br
Modo de Preparo Pré-aqueça o forno em temperatura máxima. Prepare as mexericas: retire as sementes de todas e a casca de uma. Use as demais com casca. No liquidificador, vá batendo as mexericas com duas xícaras de açúcar. Acrescente ovos, óleo, batendo sempre e acrescente aos poucos a farinha de trigo e, por fim, o fermento. Deixe bater mais um pouco e leve para assar em fôrma bem untada. O tempo de forno é de 25 a 30 minutos. Sempre olhe para ver se está com aparência e cheiro de bem assado.
Por Venancio de Oliveira
Dédalo ou da invenção alada. Ele tinha uma ideia genial e mirabolante. Seus olhos eram tristes, quando ele estava pensativo, mas quando falava, o entusiasmo nos enlouquecia de frenesi e medo. Sim, éramos jovens demais. Depende da forma como você nos olhasse, talvez, fossemos apenas jovens demais para sairmos da ilha. Era algo muito espetacular construir o barco que alcançaria as margens do sol. O que havia lá? Imagina... realmente se conseguíssemos?! Ele gesticulava sobre as possibilidades em meio ao dia mais ácido em que o sol parecia inexistir. Mesmo ante o desapare-
cimento dos afetos na secura das respostas, seu olhar melancólico de reflexão fantástica cedia passo à voz verde-azul que cantava a Invenção. Tomar as rédeas do destino... Sentíamos a vitória, a derrota mais horrorosa, a frustração, a traição e a deslealdade, tudo! Nos desesperávamos, é horroroso chegar ao objetivo majestoso. Muitos abandonaram e caíram na loucura. Mas eu ficava mesmo sendo a mais medrosa. Tinha certeza de que aquilo era possível. Sim, o frio era intenso e as asas pareciam flamejar ante o horizonte do barco que cruzaria o sol.
Brasil de Fato PR 8 Esportes
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Os problemas do futebol no Brasil vistos por um argentino
ELAS POR ELA Fernanda Haag
Os paranaenses no nacional
Coudet, técnico do Inter, fala de questões poderiam ser resolvidos e não são Frédi Vasconcelos
N
o programa “Bem Amigos”, da Rede Globo, na segunda, 26, o técnico do Internacional de Porto Alegre, Eduardo Coudet, falou da experiência que está tendo no futebol brasileiro e de alguns problemas relativamente simples que existem aqui e não são resolvidos. Um deles é o calendário, em que times jogam duas ou até três
vezes por semana em diversas competições, e isso mesmo antes da pandemia. “Os times jogam cansados. Os jogadores não podem demonstrar todas as qualidades físicas”, disse. Sobre o calendário, ele ainda falou sobre as pré-temporadas. Lembrou que na Argentina tinha 40 dias de trabalho antes de mandar um time a campo, mas no Brasil teve dez dias. Sem novidades para quem acompanha o caDivulgação
lendário brasileiro, fica a pergunta por que não se resolve nunca? O técnico, que no programa elogiou o futebol brasileiro diversas vezes, lamentou, porém, a qualidade dos gramados. “Não pode o Brasil ter campos ruins, principalmente pela qualidade dos seus atletas”, afirmou. É bom lembrar que mesmo uma medida simples, como todos os gramados no Campeonato Brasileiro terem as mesmas medidas, foi reivindicada pelo técnico Levir Culpi, em 2014, mas só foi executada pela CBF no campeonato de 2016. Pandemia O ano de 2020 não serve de parâmetro porque a pandemia apertou mais ainda o calendário, diminuiu receitas dos clubes e instalou verdadeiro caos nos campeonatos. Porém, muitos dos problemas relatados por Coudet são anteriores ao coronavírus e poderiam ser resolvidos, como já foram em outros países.
O Campeonato Brasileiro da série A2 conta com a participação de três times paranaenses: Athletico, Foz Cataratas e Toledo-Coritiba. O Foz – que já foi campeão da Copa do Brasil em 2011 e vice da Libertadores em 2012 – está no grupo D da competição junto com América-MG, Juventus-SP, Operário-MT, Atlético-GO e Serc-MS. Infelizmente, na partida de retorno, dia 25, levou uma goleada de 5x0 do América e está na terceira posição. Como não há tempo para desânimo, no próximo domingo o time enfrenta em casa o Atlético-GO. Pelo grupo F, temos as demais equipes paranaenses, que ainda conta com Fluminense, Chapecoense, Napoli-SC e Brasil Farroupilha. Na última sexta-feira, 23, tivemos, no CAT Caju, o clássico Atletiba, pois a equipe do Coritiba realizou uma parceria com o Toledo. As atleticanas, num grande primeiro tempo, fizeram 5 gols e o gol de honra do Toledo-Coritiba foi marcado aos 33 minutos do segundo tempo por Thais. Na próxima rodada os adversários de Athletico e Toledo-Coritiba são Fluminense e Brasil Farroupilha, respectivamente.
Clarice! Não o Barão de Itararé
Roda viva
Os erros estão nos ensinando algo?
Por Cesar Caldas
Por Marcio Mittelbach
Por Douglas Gasparin Arruda
Costuma-se atribuir a Clarice Lispector muitas mensagens de otimismo que circulam na internet – nem todas de sua autoria, claro. Publicam-nas como se dela fossem pelo prestígio de sua obra e a sabedoria clássica de muitas de suas sentenças. “Quando você menos espera, a vida vai lá e lhe surpreende” é uma que lhe pertence de fato e de direito. É com tal surpresa que a torcida do Coritiba sonha. Que o imponderável se sobreponha à esperança quase perdida pela razão. Os resultados no primeiro turno do Brasileiro da Série A de 2020 são muito ruins. Sete jogos separam esta edição do fi m do mandato do presidente Samir Namur, em 12 de dezembro. Os coxas-brancas não querem nem lembrar da frase encontrada no livro “Máximas e Mínimas” do mestre da sátira política pátria, o Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”.
Há pouco mais de dois anos, Paraná Clube e Cruzeiro se enfrentaram pela última vez no Mineirão. Nem faz tanto tempo, mas a realidade do nosso rival mudou da água para o vinho. Naquele dia, o Cruzeiro havia acabado de conquistar sua sexta Copa do Brasil. Já o Paraná se apegava em irrisórias chances matemáticas de sonhar em permanecer na elite. Naquele mesmo ano, descobriu-se que o Cruzeiro acumulava uma dívida de 90 milhões com outros clubes. Desde então, tudo começou a dar errado. Rebaixado na bola em 2019, começou a série B com 6 pontos negativos por conta de uma punição na Fifa. E aqui estamos. Com todas as dificuldades, a torcida do Paraná vive a briga pelo acesso. Já a do Cruzeiro vê o time na zona de rebaixamento à série C. A moral disso tudo é que mais vale ter um time sustentável que um time sustentado com transações nebulosas.
Depois da queda de Paulo André, não quero apontar culpados nem tomar parte como advogado de dirigentes e técnicos. Acho que já estamos cansados de ouvir que a receita para um time cair é a mudança constante de técnicos e dirigentes. Mas quero lançar aqui reflexões: diante das evoluções recentes do futebol, é possível dar os próximos passos sem que torcida, imprensa e clubes andem juntos? Que tipo de futebol estamos construindo com essa cultura impaciente e raivosa, com o nível de imaturidade e desrespeito típico das redes sociais permeando o debate? O que estamos aprendendo com as mudanças do futebol? Alguns números para pensar: ano passado 17 técnicos caíram ao fi nal do Brasileirão. Esse ano Jorginho foi o 13°, e ainda não chegamos na metade do campeonato. Não estamos aprendendo nada.