Policial é quem condena Vereador Renato Freitas fala sobre lutas de seu mandato
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Juliana-Barbosa | MST-PR
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Entrevista | p. 5
Cultura | p. 7
Cursos para jovens lideranças Moradores fazem arte e estudam na comunidade Nova Esperança
PARANÁ Ano 5 Edição 240 2 a 8 de dezembro de 2021 distribuição gratuita www.brasildefatopr.com.br
Mais uma morte
Giorgia Prates
Ação da PM tira vida de jovem em comunidade em Campo Magro Paraná | p. 5 Giorgia Prates
Brasil | p. Editorial | p.6 2
O grito das mulheres Em 4 de dezembro, a palavra de ordem será “Bolsonaro, Nunca Mais!” Cidades | p. 6
TERROR COTIDIANO Ações das polícias pressionam Parolin, Portelinha e outras comunidades Paraná | p.5
Expulsa de casa Violência obriga trabalhadora a sair de lar em comunidade
Brasil de Fato PR 2 Opinião
Brasil de Fato PR
Paraná, 2 a 8 de dezembro de 2021
O grito das mulheres ecoa: Bolsonaro nunca mais!
EXPEDIENTE
EDITORIAL
A
s mulheres que, desde antes de Bolsonaro ser eleito, protagonizaram os grandes atos do movimento #EleNão!, em 2018, inaugurando um período muito duro de resistência das forças populares, são as que convocam agora uma série de mobilizações em todo o Brasil, para o dia 4 de dezembro, com a palavra de
ordem: “Bolsonaro Nunca Mais!” A lista de razões que mobilizam a luta das mulheres é extensa. Não faltam motivos para exigir o fim deste governo catastrófico; uma ida ao mercado, ao posto de gasolina, tentar pagar as contas de água, luz e aluguel nos colocam diante de modelo econômico que cobra dos pobres uma crise
causada pela péssima gestão de Bolsonaro, enquanto beneficia o grande capital. Além de todos os ataques machistas e perda de políticas sociais, característicos deste governo, as mulheres ainda são as mais afetadas pela fome e desemprego que assolam o país. São elas que chefiam inúmeras famílias e que re-
Brasil de Fato PR Desde fevereiro de 2016
ceberão o maior impacto com o fim do programa Bolsa Família, com o aumento da violência doméstica, escancarado pela pandemia, e da sobrecarga de duplas e triplas jornadas de trabalho para sobreviver à crise. Diante de tamanha destruição, as ruas precisam gritar no próximo sábado: “Bolsonaro nunca mais!”
SEMANA
O jornal Brasil de Fato circula em todo o país com edições regionais em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraná. Esta é a edição 240 do Brasil de Fato Paraná, que circula sempre às quintas-feiras. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais. EDIÇÃO Frédi Vasconcelos e Pedro Carrano REPORTAGEM Ana Carolina Caldas, Gabriel Carriconde e Lia Bianchini COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Ana Keil e Gilene Pinheiro ARTICULISTAS Fernanda Haag, Cesar Caldas, Marcio Mittelbach e Douglas Gasparin Arruda REVISÃO Lea Okseanberg, Maurini Souza e Priscila Murr ADMINISTRAÇÃO Bernadete Ferreira e Denilson Pasin DISTRIBUIÇÃO Clara Lume FOTOGRAFIA Giorgia Prates e Gibran Mendes DIAGRAMAÇÃO Vanda Moraes CONSELHO OPERATIVO Daniel Mittelbach, Fernando Marcelino, Gustavo Erwin Kuss, Luiz Fernando Rodrigues, Naiara Bittencourt, Roberto Baggio e Robson Sebastian REDES SOCIAIS www. facebook.com/bdfpr CONTATO pautabdfpr@gmail.com
Segurança pública e morte: uma juventude que perece a balas
OPINIÃO
Gilene Pinheiro
secretária de Combate ao Racismo da CUT Bahia
T
em se consolidado no Brasil um lugar-comum: a morte de meninos e homens pretos. E por serem pretos não comovem a todo o conjunto da sociedade e, justamente por não a tocar como todo, justifica-se, banaliza-se e comercializa-se via mídia imagens da violência estatal que, há décadas, vitima de forma genocida expressivas parcelas da juventude negra oriunda das periferias urbanas brasileiras.
Não se consolidou no país uma cultura de direitos humanos forte, pelo contrário, essa tem sido sistematicamente enfraquecida por debates tendenciosos e vazios, bem como por ações e declarações governamentais que levam parte da população - que não é morta nem sofre de racismo a odiar aqueles que o são e sofrem, chegando até mesmo a lhes julgar culpados pelas mazelas sociais. Isso porque as intervenções estatais nas comunidades afetadas pelo tráfico de drogas foram televisionadas como verdadeiras operações de guerra, como se ali não houvesse mi-
lhares de cidadãos com suas dignidades intrínsecas, seus sonhos, histórias e lutas. Sob o pretexto falacioso do combate ao crime organizado, as condições que autorizam à execução dessa parcela populacional se mantêm firmes de formas distintas, como pontuou (FRANCO, 2019), “o estado mata e deixa morrer”. Mata porque autoriza os seus subordinados das forças de segurança a fazerem o mesmo por meio de respaldos legislativos e laborais (treinamentos violentos nas corporações policias) que, desde o início, e baseado em teorias arcaicas e lombro-
sianas, ensinam a identificar um tipo deveras típico de criminoso, sempre negro, literalmente; é o que mostram dados do fórum brasileiro de segurança pública na cidade de Salvador (BA) onde, em 2020, registrou-se que todas as vítimas da violência policial foram pessoas negras. Na maior cidade negra fora da África, esse contingente assustador ressalta o quão a nossa sociedade encontra-se impregnada pelo racismo histórico e estrutural, que forneceu as bases que “autorizam” o poder público a matar esses jovens através de seus braços armados.
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FRASE DA SEMANA
(O Brasil precisa de um ministro) “terrivelmente democrático, comprometido com os Direitos Humanos, com o Estado Democrático de Direito...”
Defasagem salarial do funcionalismo Debate na Câmara Municipal de Cascavel abordará a defasagem salarial e os impactos da inflação na renda do funcionalismo público. Como base para discussão, estudo discorre sobre os impactos do não reajuste nas economias municipais. O encontro acontece em 9 de dezembro, com apoio de entidades sindicais e apresentação de levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais. Para as entidades, o objetivo é trazer à população os impactos negativos da não concessão da data-base aos servidores estaduais nas economias das cidades da região. A pesquisa, encomendada pelo Sinteoeste e coordenada pelo pesquisador Dr. Eric Gil Dantas, mostra que em Cascavel já deixou de circular por ano aproximadamente R$ 150 milhões e, em Foz do Iguaçu, mais de R$ 80 milhões. Francisco Beltrão, quase R$ 50 milhões, Toledo ultrapassa R$ 43 milhões e, Marechal Cândido Rondon, quase R$ 24 milhões. Juntos, deixaram de injetar na economia aproximadamente R$ 350 milhões ao ano. E o problema parece estar longe de ser resolvido. O governador do estado, Ratinho Júnior, encaminhou projeto à Assembleia propondo 3% de “reajuste” para o funcionalismo. Por outro lado, a inflação acumulada desde o congelamento da data-base chega a quase 30%.
Disse o senador Fabiano Contarato (Rede Sustentabilidade) na sabatina de André Mendonça, ao questionar o candidato “terrivelmente evangélico” indicado ao STF por Bolsonaro. Ele também lembrou que o futuro ministro precisar ser comprometido “com a luta contra a corrupção e solidário com a defesa das minorias e dos mais vulneráveis”.
Jefferson Rudy | Agência Senado
NOTAS BDF
Por Frédi Vasconcelos
Terrorismo político
Engavetador geral
Arthur Lira (PP), presidente da Câmara, incluiu na pauta de votações pedido de urgência de projeto que prevê adoção de ações “contraterroristas”. De iniciativa do deputado bolsonarista Vitor Hugo (PSLGO), o texto é inspirado numa proposta do próprio Bolsonaro, de 2016. O pedido será analisado a qualquer momento e pode levar o PL 1595 para votação ainda este ano. Entre os problemas do texto, defendido pela bancada da bala, está enquadrar ações de movimentos sociais como atos terroristas.
O ministro da Economia e o presidente do Banco Central têm empresas em paraísos fiscais, com suas decisões sobre, por exemplo, o dólar, aumentam suas fortunas... Para a Procuradoria Geral da República, chefiada pelo indicado de Bolsonaro, Augusto Aras, isso não deve nem ser apurado. O arquivamento da investigação sobre as “offshores” foi decidido pelo procurador Aldo de Campos Costa, do MPF federal, para quem não há indícios de irregularidades que justifiquem a investigação. Nenhuma surpresa.
Lutar não é crime
Terrivelmente evangélico
Cerca de 100 entidades, entre elas Terra de Direitos, Contag, Conectas, Centro Popular de Direitos Humanos e Rede Justiça Criminal lançaram campanha contra esse projeto, com o tema “Lutar não é crime”. Para entender mais, participar e ajudar a pressionar deputados a votarem contra, acesse: https:// www.lutarnaoecrime.org/
O Senado aprovou, na quarta (1), a indicação de Bolsonaro do ex-advogado-geral da União André Mendonça para o STF. Candidato que tem entre suas qualificações ser “terrivelmente evangélico”, nas palavras do presidente, e que teria prometido abrir as sessões do STF com orações, Mendonça, em respostas na sabatina dos senadores, fugiu de temas que contrariam o presidente, como ditadura, homofobia e liberação de armas.
COLUNA DA
JUVENTUDE Trincheiras feministas da história Historicamente, mulheres estiveram nas trincheiras lutando pelos direitos de seus irmãos e irmãs e aos ataques a eles dirigidos. Em 2018, construímos nosso mar de bandeiras contra o projeto misógino de Bolsonaro. Temos a certeza de que o segundo turno foi resultado desse tensionamento popular, senão ele venceria no primeiro turno. Mas por que as mulheres, assim como na União Soviética na ditadura czarista, foram as primeiras a mobilizar seu povo? Porque somos nós que temos as condições de vida mais precarizadas em momentos de guerra, ditadura ou projetos neoliberais. O projeto de Bolsonaro já enche de rugas nossa pele, a preocupação e a ansiedade têm nome: aumento do desemprego e da miséria, genocídio da juventude negra e aumento da violência doméstica. São as famílias chefiadas por mulheres as principais acometidas, assim como são as que mais têm seus filhos retirados pela violência policial. Mas o que justifica o protagonismo das mulheres na luta contra Bolsonaro é a capacidade criativa e coragem de transformarmos nossa dor em luta. Seguimos em marcha até um Brasil livre do ódio às mulheres, do racismo, da exploração e, obviamente, de Bolsonaro. Que ele seja uma página terminada da história de dor e luta do nosso país. Ana Keil
fonoaudióloga, pós-graduanda em educação do campo e realidade brasileira e militante do Levante Popular da Juventude
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Operação da Polícia Militar mata morador e deixa jovem ferida em ocupação em Campo Magro Para afastar pessoas que protestavam, policiais atiraram balas de borracha e gás lacrimogêneo Divulgação | CMC
Giorgia Prates
Redação
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oradores da ocupação Nova Esperança, em Campo Magro (PR), viveram noite de terror na terça (30/11). Segundo relatos, a PM chegou à ocupação atirando, quebrou a janela de uma das casas e atirou num morador. O jovem, de 25 anos, morreu no local e sua esposa, de 15 anos, grávida, foi ferida. A reportagem do Brasil de Fato Paraná chegou à ocupação por volta das 23h. Para impedir que qualquer pessoa se aproximasse do local onde estavam as vítimas, a PM agiu de forma truculenta, com balas de bor-
racha e gás lacrimogêneo. “Qualquer um que tentar conversar, eles interpretam como desacato. Nem advogado eles deixam passar”, contou um dos moradores*. Outra moradora relatou que a comunidade foi surpreendida pela operação. “A gente não está entendendo. A maioria chegou cansada do serviço e estava dormindo”, disse. A ocupação abriga cerca de mil famílias. Vários moradores atravessaram a madrugada na rua, acompanhando a operação e pedindo o cessar da violência. “É uma covardia. Os policiais deveriam ser nossa segurança”, afirmou uma
moradora. Com escudos e armas em punho durante toda a madrugada, o batalhão de choque revistava carros que tentavam entrar ou sair da ocupação. Por volta de 2h da manhã, o carro do Instituto Médico Legal (IML) e cerca de 10 viaturas (entre PM e batalhão de choque) começaram a sair da casa das vítimas. Os moradores gritavam “assassinos”. No momento em que a irmã do jovem assassinado juntou-se aos demais moradores, a PM, mais uma vez, agiu com truculência. Uma mulher, que segurava um bebê no colo, foi ferida por bala de borracha. *Por questões de segurança, os nomes dos moradores foram omitidos
ENTREVISTA
Versão da Polícia Militar A reportagem do Brasil de Fato Paraná entrou em contato com a Polícia Militar, pedindo esclarecimentos sobre a operação. A assessoria de imprensa da PM enviou nota em que, nos seus principais pontos, afirma que: “uma equipe da Rondas Ostensivas de Natureza Especial (RONE) recebeu a informação, através do setor de inteligência do BPChoque, que no endereço havia um homem com armas de fogo e que, rotineiramente, ameaçava moradores da região. Os policiais milita-
res chegaram ao local, por volta das 22h40 de terçafeira (30/11), e o homem, ao perceber a presença policial, teria ameaçado a equipe dizendo que atiraria caso se aproximasse... ...Neste momento, o homem teria feito um disparo de arma de fogo contra a equipe policial. Diante disso, os policiais militares entraram no imóvel e o suspeito atirou novamente, mas a equipe revidou e ele acabou atingido....” Para ler a nota na íntegra, acesse brasildefatopr. com.br Giorgia Prates
Violência policial interrompe sonhos e futuro de jovens no Paraná Ana Carolina Caldas Os jovens Eduardo Felipe e Mateus Noga tinham a vida inteira pela frente, porém a violência policial interrompeu seus sonhos. Morreram com tiros da polícia paranaense em 2021. Casos de violência policial ocorridos só neste ano, em Curitiba, e que estão sob sigilo de investigação e aguardam julgamento. No caso de Matheus, ele estava no domingo, 12/9, no Largo da Ordem, centro de Curitiba. Numa ação da Guarda Municipal para “dispersar aglomeração”, morreu, aos 22 anos, no momento em que estava celebrando com amigos ter tirado sua
carteira de motorista. Foram mais de 9 tiros de arma letal. Segundo informações da advogada do caso, Eliana Faustino, o inquérito está em segredo de justiça. O tio de Mateus, Nivaldo Noga, disse que além da saudade, o fato trouxe angústia para família, que pede que os culpados sejam punidos. “Não há, neste mundo, o que possa dimensionar o quanto a família toda sofre e está angustiada. O tamanho da dor fica maior quando sabemos que quem matou Mateus é quem deveria proteger jovens como ele. A família espera justiça, para que ninguém mais sofra o que estamos sofrendo.”
Nivaldo estava no local quando tudo aconteceu. “Estava perto da Igreja e, num dado momento, vi um casal brigando. Muitas pessoas foram tentar apaziguar. Uma viatura da Guarda Municipal parou e policiais desceram com cassetetes na mão. Houve uma dispersão voluntária das pessoas. Porém, um terceiro policial começou a detonar balas, que achei que eram de borracha. Mas eram de calibre 12. Com certeza, as câmeras do local registraram tudo.” Já Eduardo Felipe Santos de Oliveira, 16 anos, foi morto por policiais militares das Rondas Ostensivas Tático Móvel (Rotam), na noite
de sábado, 6/11, na Comunidade Portelinha, no bairro Portão. Segundo relatos, o adolescente teria sido executado com mais de 15 tiros dentro da casa de uma amiga. Eduardo estaria sentado na porta quando policiais da Rotam se aproximaram. Nesse momento, o adolescente teria se assustado e entrado. Ele trabalhava com reciclagem e, eventualmente, como ajudante de pedreiro. Dois dias depois, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) encaminhou pedido de explicações à Secretaria de Segurança Pública (Sesp-PR) sobre a morte. Na justificativa
do requerimento, a necessidade de obter informações sobre o “possível uso irregular de força policial”. Jaqueline Santos de Oliveira, irmã de Eduardo, disse que a ação da polícia buscava alguém envolvido em uma briga. “Acho que pegaram ele porque ele correu. Mas, podiam ter levado para interrogar. Mas, não, atiraram para matar”, disse. “Eduardo era trabalhador, de coração bom. Meu irmão não era bandido para morrer da forma como morreu. Quero justiça porque sei que ele não será o último a morrer assim”, diz. Policiais absolvidos As famílias esperam justiça. Es-
te, porém, não foi o desfecho do julgamento das mortes de Gustavo Bueno de Almeida, 14 anos, Felipe Bueno de Almeida, 16 anos, Eduardo Damas, 20 anos, e Elias Leandro Pinto, 17 anos, jovens moradores do bairro Parolin. Foram baleados numa perseguição policial em 2019. Sem júri popular, em 5 de outubro de 2021, os policiais
envolvidos foram absolvidos. A acusação apontava para a ausência de confronto, visto que não havia marcas de bala na viatura dos policiais, e imagens de câmeras de segurança da região apontavam para execução sumária. Mesmo assim o Ministério Público pediu a absolvição dos PMs, e o juiz Daniel Surdi de Avelar concordou.
Renato Freitas: “Na prática, quem condena é o policial no momento da prisão” Pedro Carrano O vereador Renato Freitas (PT), advogado e especialista em segurança pública, está em seu primeiro mandato na Câmara de Curitiba, para onde levou as lutas antirracistas e dos movimentos populares. Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, fala da mobilização e organização de seu mandato e também denuncia a estrutura da PM e da Guarda Municipal. Brasil de Fato Paraná – Seu mandato reúne a juventude negra, participa de lutas. Como é sua inserção na Câmara, quais os limites do espaço institucional? Renato Freitas – Estar vereador em Curitiba possibilita reunir diversos setores da sociedade em pautas comuns como moradia, segurança pública, saúde e educação, mas não de forma abstrata e retórica como os políticos tradicionais, que falam desses temas, mas utilizam serviços privados, pois vivem em bolhas de privilégios. Eu e toda minha família vivemos de aluguel, moramos em área de ocupação irregular, usamos o transporte público, o SUS… Passamos pelas mesmas dificuldades, o que nos conecta à realidade das periferias. A população pobre e trabalhadora compreende que os nossos problemas não serão resolvidos pelos ricos. Nesse sentido, vejo um grande potencial de organização e mobilização popular através do mandato, para de fato mudar as estruturas do poder. Porém, a via institucional é limitada, as regras do jogo são viciadas, os jogadores tradicionalmente corruptos e o dinheiro é o fim último da imensa maioria dos políticos. Por isso a luta deve ser travada de fora para dentro, dos movimentos so-
ciais, da periferia, do povo para a Câmara, e não o contrário. Como você analisa a violência da PM nas comunidades? A criminalização tem aumentado? A PM hoje, infelizmente, é a grande protagonista do teatro da justiça burguesa, que pune rigorosamente os pobres, até com pena de morte, e libera os ricos para cumprirem pena domiciliar em suas mansões. O policial aborda, prende, e é a única testemunha em juízo. E juízes sentem-se seguros de condenar os réus tendo como única prova a palavra do policial. Na prática, quem condena é o policial no momento da prisão, e esse poder não pode ser delegado por pura covardia aos policiais como fazem hoje os juízes. O bolsonarismo é também epifenômeno da covardia judicial, dos heróis de plantão, como Moro e Deltan Dallagnol, que veem o problema da segurança pública pelo viés mais simplista – e fascista – dos apresentadores dos programas policiais sensacionalistas, que veem na periferia, na população pobre e negra, sempre um bandido em potencial. Você foi vítima de racismo e violência pela Guarda Municipal. Como mudar? A desmilitarização é a medida mais urgente, a Guarda Municipal tem que se readequar ao seu objetivo constitucional de salvaguarda do patrimônio público dos municípios e da vida das pessoas. Não pode ser um arremedo da polícia militar, com grupos táticos de ronda ostensiva. E como medida subsidiária, acreditamos que a fiscalização da atuação dos agentes de segurança coíbe os abusos e a violência policial, por isso protocolamos projeto prevendo o uso de câmeras corporais e GPS nas viaturas. Leia a entrevista na íntegra no brasildefatopr.com.br
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6 Cidades
Mãe de dois filhos se afasta de comunidade com medo de violência A pressão da Polícia Militar tem sido constante nas periferias Giorgia Prates
Pedro Carrano
O
nome da trabalhadora deste perfil será preservado porque ela se mudou há pouco tempo da área Portelinha, onde vivia desde o início da ocupação, no bairro Portão, e onde o jovem Eduardo Felipe Santos de Oliveira, de 16 anos, foi perseguido e alvejado com, no mínimo, 15 tiros, pela Rondas Ostensivas Tático Móvel (Rotam) no início de novembro. Embora não estivesse no dia que o jovem carrinheiro foi morto a tiros na casa de uma amiga, ela mudou-se com dois filhos para outra região, com medo de represálias e novas ações na comunidade, tendo que agora recorrer ao aluguel, às dificuldades de levar os filhos para a escola, de recorrer à assistência social, entre outros problemas, na perversidade que é sair forçado de onde se vive.
Ela espera soluções a partir da denúncia feita por advogados populares ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), com acompanhamento da Defensoria
Pública do Estado. A reportagem é recebida numa casa com o portão coberto por lonas de fachada. Trabalhadora negra, vendedora ambulante, conta do clima de medo e insegu-
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Comunidade fez protestos Moradores da comunidade Portelinha, no bairro Portão, em Curitiba, fizeram dois atos pedindo justiça para Eduardo Felipe Santos de Oliveira, morto em operação policial. No segundo ato, moradores vestiam camisetas com a foto do jovem, conhecido na comunidade como “Zé”. Nos cartazes do protesto, a comunidade rebatia a versão da Polícia Militar sobre a morte, com frases como “Não foi confronto. Foi execução” e “A polícia mente, sempre joga os flagrantes nas mãos do inocente.” Segundo relatos ouvidos pela reportagem do BDF Paraná, o adolescente foi executado com mais de 15 tiros, dentro da casa de uma amiga. Eduardo estaria sentado na porta da casa, quando policiais da Rotam se aproximaram. Neste momento, teria se assustado e entrado na casa. A moradora relatou que os policiais chegaram atirando nas costas de Eduardo. A família guardou o casaco que o jovem usava no momento, que demonstra a quantidade de tiros. Eduardo era trabalhador da reciclagem e, conforme relatam moradores, muito querido na comunidade.
rança que ronda a comunidade. Como já havia sido relatado para o Brasil de Fato Paraná, a pressão da Polícia Militar tem sido constante nessa e em outras comunidades: Parolin,
Portelinha e, na madrugada do dia primeiro dezembro, ocorreu a execução de mais um morador em Campo Magro, na ocupação Nova Esperança (leia págs. 4 e 5). O risco, de acordo com ela, é constante para as crianças. “Meu menino tinha saído há 10 minutos de casa, pousou noutra casa, minha outra afilhada caiu no chão, podia ter recebido os tiros”, afirma. Obtida com a ajuda de pessoas solidárias, a casa onde ela está agora tem melhor estrutura se comparada à anterior, na área onde, mesmo tendo mais de treze anos, soma-se na lista da luta pela regularização fundiária que nunca chega. Ela conta que chorou no primeiro dia na nova casa, ao olhar da varanda a nova vista para a rua. “Esse mundo é injusto, não quero uma mansão, mas uma vida digna, que todo mundo pudesse ter igualdade”, comove-se.
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Paraná, 2 a 8 de dezembro de 2021 Juliana Barbosa | MST-PR
Projeto para revolucionar vidas
Cultura 7
Cursos na Comunidade Nova Esperança formam jovens na luta por direitos e contra a violência
E
m Campo Magro, na Região Metropolitana de Curitiba, cerca 5 mil pessoas vivem na ocupação Nova Esperança desde maio de 2020. Ocupam uma área pública do Estado, abandonada há mais de 12 anos. Entre elas, mais de mil são crianças e jovens. Além da conscientização em lutas por direitos básicos, como o da moradia, esses jovens participam todos os finais de semana de cursos de arte, cultura, línguas, empreendedorismo, comunicação, entre outros, com o objetivo de empoderamento, formação de lideranças e combate à violência. Em janeiro de 2022, a comunidade também iniciará o Projeto Popular da Juventude, com a participação de jovens na organização, através de formação política, artística e em comunicação. “A gente quer levantar a nossa juventude aqui da ocupação para um projeto revolucionário, em que se torne protagonista das nossas lu-
ção e organizador do projeto. Ao longo de 2021, foram oferecidos cursos aos jovens em todos os finais de semana e, para 2022, serão organizadas oficinas em torno do Projeto Popular da Juventude. Serão cursos de comunicação com a organização final de jornal, música, grafi-
tas. A pauta do combate à violência é uma das partes mais importantes desse projeto e inclui tudo aquilo que oprime os jovens, como racismo, machismo, violência contra a mulher e a retirada dos nossos direitos”, explica Elizeu Oliveira de Amorim, uma das lideranças da ocupa-
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Gibran Mendes
Ana Carolina Caldas
Ingredientes 2 xícaras de polvilho azedo ou doce 1 xícara de arroz branco Terra Livre bem cozido 100 g de queijo parmesão ralado fino 50 mg ml de azeite 2 ovos orgânicos
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DICAS MASTIGADAS | Biscoitos Sequilho
Modo de preparo Em uma tigela, misture todos os ingredientes. Amasse até obter uma massa homogênea. Então, como se fosse enrolar docinhos, faça uma bolinha do tamanho de bolinha de gude. Depois aperte entre as palmas das mãos e deixe no formato de uma bolacha achatada. Depois de modelados, leve os biscoitos ao forno préaquecido a 180° e asse por cerca de 20 minutos. Na metade do tempo vire os sequilhos para dourar do outro lado.
te, cineclubes e debates sobre pautas importantes para a juventude. Kelly Silva é mãe solo de dois filhos pequenos e foi uma das jovens que participou das oficinas deste ano. “Sou mãe e pai, vivo na correria com eles. Por isso, ter esses cursos na própria comunidade foi muito importante para meu crescimento como pessoa e profissional. Pretendo participar do projeto em 2022”, diz. Espaços coletivos Os cursos são ofertados em espaços organizados pela união das famílias. Entre os diversos espaços coletivos já conquistados estão biblioteca, horta comunitária, biofossas para a maior parte das moradias, duas salas de aula para atividades com as crianças e cursos, além de uma cozinha utilizada por todos. Algumas iniciativas para geração de renda também ganham força, como marcenaria, coleta de materiais recicláveis e fabricação de blocos ecológicos para construção de habitações.
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Empresária agredida em batida relata horror em ação policial Sthephany foi agredida em sua lanchonete. Caso ganhou repercussão pela violência Gabriel Carriconde
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magine mais um dia de trabalho em seu estabelecimento, com a tranquilidade que nada de ruim possa ocorrer. Apesar da pandemia, e das fiscalizações aos estabelecimentos, as documentações em ordem seriam uma garantia. Só que, ao final desse dia, a garantia de segurança da Polícia Militar não seria sinônimo de ordem e segurança. Esse foi um pouco do sentimento relatado ao Brasil de Fato Paraná pela empresária Sthephany Rodrigues, dona de uma hamburgueria na Cidade Industrial de Curitiba. Na madrugada de 23 de outubro, após uma reclamação de som alto na região
da lanchonete, membros da Ação Integrada de Fiscalização Urbana (Aifu) foram ao local com a Polícia Militar. A empresária, na ocasião, chegou a ser multada em 30 mil reais porque, de acordo com a Aifu, estaria atendendo acima da capacidade de público permitida. Sthephany teve que fechar o local e mandar os clientes embora. Posteriormente, ao filmar policiais abordarem um jovem que fumava narguilé na própria residência, e cobrar os PMs por conta da truculência, a empresária foi agredida e imobilizada. A ação da polícia foi filmada por familiares e moradores da região e amplamente divulgada nas redes sociais. Sthephany conta, emo-
cionada, que após a agressão o próprio agressor a levou para uma unidade de saúde, e que ainda presa na viatura ouviu policiais combinando depoimentos após descobrirem que o vídeo que gravara tinha viralizado. “Achei que iriam fazer algo pior comigo, foi uma sensação terrível, eu os ouvia conversarem de como poderiam combinar a versão que iriam falar na delegacia. Ouvia os meus próprios gritos enquanto eles viam o vídeo”, conta. A empresária foi liberada apenas de madrugada. Ela ainda relata que, após as agressões, percebeu que várias outras abordagens têm sido feitas próximas à hamburgueria, e que ainda sente muito medo. “A gente sabe
que tem muito movimento na região, mas o movimento da hamburgueria caiu em quase 90% no salão, as pessoas têm medo de serem revistadas. Ainda sinto muito, e com a sensação até de estar sendo seguida.” À época, o governador Ratinho Jr. chegou a confessar que a ação foi exagerada. “É claro que o Governo do Paraná, a Secretaria de Segurança Pública e o próprio comando da Polícia Militar não admitem esse tipo de abordagem. Nós temos 25 mil homens e mulheres trabalhando na PM, todos bem treinados, e infelizmente um ou outro policial acaba tendo um excesso que não está dentro daquilo que é treinado, que é do dia a dia”, pontuou. Giorgia Prates
Passar a mão na cabeça Para o advogado de Sthephany, Igor Ogar, a polícia vem sendo letárgica em punir os envolvidos, e ele teme que os responsáveis sejam perdoados. “Esse procedimento está sendo apurado por meio de inquérito, no qual não foi tomada nenhuma medida para aprofundar as investigações. As imagens são claras, e me parece que há uma tentativa de passar a mão na cabeça desses policiais”, critica. Para o especialista em criminologia João Henrique Arco-Verde, é claro o excesso dos policiais. “O que se precisa, neste momento, é apurar de forma limpa, garantindo os direitos de defesa de todos os envolvidos, mas apurar de maneira veemente cada ação realizada naquele dia. O próprio governador afirmou que a ação viola a conduta policial”, afirma. À época, a PM afirmou em nota que “vai apurar as circunstâncias do fato (que é um fato isolado) citado na reportagem. No entanto vale ressaltar que, conforme consta em boletim de ocorrência, o policial militar foi agredido e, por isso, precisou usar de força gradativa para conter a mulher, que, inclusive, tentou impedir o encaminhamento de outra pessoa durante a ação policial”. A reportagem do Brasil de Fato Paraná pediu esclarecimentos à assessoria de imprensa da PM-PR sobre o suposto aumento de abordagens policiais perto da hamburgueria e como está o andamento do inquérito. Até o fechamento desta matéria não houve resposta.