Brasil de Fato PR - Edição 103

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Sarau na CIC

Divulgação

Cultura | p. 7

Geral | p. 3

Casamento às pressas

Shows, peças e muita arte na periferia de Curitiba

Fotos Públicas

Para preservar direitos, LGBTs adiantam cerimônias para este ano

PARANÁ

Ano 3

Edição 103

14 a 21 de novembro de 2018

distribuição gratuita

SEM DIREITOS, SEM EMPREGOS

www.brasildefato.com.br/parana

Bolsonaro criou uma cultura da violência

Joka Madruga

Reforma trabalhista de Temer faz aniversário com más notícias para os trabalhadores. Apenas empresas são beneficiadas Brasil | p. 5 José Cruz | Fotos Públicas

Ato contra a reforma trabalhista, em Brasília, em 2017

Em entrevista, Frei Leonardo Boff diz que novo presidente abusou do ódio na campanha, mas agora terá de respeitar certos limites Entrevista | p. 4

Artigo | p. 2

Editorial | p. 2

Esportes | p. 8

Cidades sem ministério

Ministério do veneno

O futebol castiga

Políticas de planejamento urbano sofrem verdadeiro golpe

Nova ministra da Agricultura representa setores atrasados do agronegócio

Mais de 20 técnicos já foram demitidos no Brasileirão


2 | Opinião

Brasil de Fato PR

Paraná, 14 a 21 de novembro de 2018

A musa daninha da agricultura

EDITORIAL

SEMANA

U

ma das definições do dicionário para tusiasmou também o governo Temer, aju“musa” é “Tudo o que pode inspirar um dando a barrar investigações sobre denúnpoeta”. Já “veneno” significa “Substância cias de corrupção do presidente. que mata seres vivos ou A tradição das musas os torna doentes”. A nova gregas estimula ainda ouMinistra da ministra da Agricultura de tras semelhanças com o Bolsonaro, a deputada e Brasil. Se na Grécia elas reAgricultura pecuarista Tereza Cristiverenciam Apolo, aqui o de Bolsonaro, na (DEM-MS), é conheciseu Deus é o Agronegócio. a deputada da entre os colegas como E como toda musa, Tereza “Musa do Veneno”. Cristina possui seu próprio e pecuarista Desde 2015, quansímbolo: o “PL do Veneno”, Tereza Cristina, é do estreou como deputaque na prática quer ameconhecida como da federal, Cristina é monizar o impacto de agrotótivo de “inspiração” para xicos nas lavouras, como ‘Musa do Veneno’ parlamentares: ela é líse não fossem substâncias der da Frente Parlamenmortais para seres vivos. tar Agropecuária (FPA), a O projeto de lei (ainda “bancada ruralista” (que reúne 227 dos 513 em tramitação) é criticado por órgãos sanitádeputados). rios, pesquisadores e ambientalistas, que teNo Congresso brasileiro, a deputada enmem riscos à saúde pública.

O triste fim do Ministério das Cidades

OPINIÃO

Simone Polli

é doutora em Planejamento Urbano e Regional e professora da UTFPR

O

presidente eleito já declarou que pretende acabar com o Ministério das Cidades. Em entrevista, o presidente de seu partido disse que “O Ministério das Cidades vai acabar. Vamos fazer uma linha direta com as cidades e os Estados”, declarou Luciano Bivar. Mas vai acabar por quê? Mais da 80% da população do Brasil vive em cidades. Elas crescem reproduzindo suas desigualdades, isto é, aumentam o abismo entre os lugares qualificados e os de precariedade mesmo dentro da própria cidade. Sem o ministério, como se dará o repasse de recursos para os municípios? Evidentemente esse “canal direto” tende a ampliar as estratégias de clientelismo, ações

partidárias, além de toda a ordem de corrupção e manipulação no repasse. Sem um ministério qual entidade pautará uma diretriz de desenvolvimento nacional para as cidades? Por exemplo, foi incentivado que todos tivessem seu conselho das cidades, seu plano de mobilidade, e com isso os municípios começaram a se estruturar para pensar como colocar essa diretriz em prática, priorizando a mobilidade

Mais da 80% da população do Brasil vive em cidades. Elas crescem reproduzindo suas desigualdades

ativa, a ciclomobilidade e a ideia do transporte coletivo de massa. A criação do ministério, em 2013, foi uma tentativa de pautar nova agenda para as cidades. Após o Mensalão, houve desgastes políticos, com o ministério virando moeda de troca por apoios partidários. Mesmo assim deu escala à execução de programas vinculados às cidades, criou uma inteligência, um corpo técnico, concursos que ampliaram largamente o debate da noção do direito à cidade. Então, por que acabar com o Ministério das Cidades? Uma resposta possível é negar as conquistas dos movimentos sociais ou se contrapor às ações do governo Lula. Como se todo avanço que houve tivesse de ser negado e esquecido. E, o pior, abrir canal para clientelismo e corrupção, desvinculando-se dos princípios básicos de uma administração pública.

EXPEDIENTE Brasil de Fato PR Desde fevereiro de 2016 O jornal Brasil de Fato circula em todo o país com edições regionais em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraná. Esta é a edição 103 do Brasil de Fato Paraná, que circula sempre às quintas-feiras. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais. EDIÇÃO Frédi Vasconcelos e Pedro Carrano REPORTAGEM Ana Carolina Caldas, Franciele Petry Schramm, Laís Melo e Lia Bianchini COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Simone Polli, Davi Macedo e Manoel Ramires NESTA EDIÇÃO ARTICULISTAS Cesar Caldas, Marcio Mittelbach e Roger Pereira REVISÃO Maurini Souza e Priscila Murr ADMINISTRAÇÃO Bernadete Ferreira e Denilson Pasin DISTRIBUIÇÃO Clara Lume FOTOGRAFIA Gibran Mendes e Joka Madruga DIAGRAMAÇÃO Vanda Moraes CONSELHO OPERATIVO Daniel Mittelbach, Fernando Marcelino, Gustavo Erwin Kuss, Luiz Fernando Rodrigues, Naiara Bittencourt, Roberto Baggio e Robson Sebastian TIRAGEM SEMANAL 20 mil exemplares REDES SOCIAIS www. facebook.com/bdfpr CONTATO pautabdfpr@ gmail.com IMPRESSÃO Grafinorte | Nei 41 99926-1113


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Paraná, 14 a 21 de novembro de 2018

3 | Geral

FRASE DA SEMANA

No Maranhão, capital nacional do reggae, o governador comunista Flávio Dino decretou: aqui, ninguém censura professor ou estudante. Em sala de aula, é livre o exercício do pensamento, conforme previsão do artigo 206 da Constituição Federal e da lei 9394/96. Com a decisão, os deputados não podem aprovar a censura ou perseguição nas escolas do estado.

Partido sem educação Se você parar e pensar, o “Escola sem partido” nada mais é que uma ação partidária ligada aos políticos evangélicos. Tanto que quando o PRB, que tem ligações com a Igreja Universal, conseguiu licença do MEC para abrir a Faculdade Republicana Brasileira, o vereador Osias Moraes, coautor do projeto em Curitiba, elogiou a doutrinação universitária. Pra esse santo pode, né?

Bateu o sinal Não vai ser ainda nessa semana que avança o “Escola com censura” na Assembleia Legislativa do Paraná. O deputado Anibelli Neto (MDB) pediu vistas do projeto na comissão de educação. Agora, fica tudo para 19 de novembro. Na última reunião, o deputado Professor Lemos (PT) já havia “reprovado” o projeto de lei, de autoria do deputado Ricardo Arruda (PSL).

Teacher home office O que você faz da meia-noite às 6h? Os professores do Paraná podem ter que trabalhar. É que a governadora Cida Borghetti (PP) quer implementar a hora-atividade home office. Assim, os mestres poderão planejar aula, corrigir provas, lançar notas enquanto fazem as atividades de casa, “além de melhorar a qualidade de vida”, como diz a governadora. Mas isso já não acontece? Aham, só que não era “vendido” como inovação.

“Vamos sabotar as engrenagens desse sistema homofóbico, racista, patriarcal, machista e misógino” Disse a apresentadora Fernanda Lima em seu programa na Rede Globo, complementando: “Nossa luta está apenas começando. Preparese porque essa revolução não tem volta”, no que foi entendido como um desafio ao governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Divulgação

Reggae sem partido

Casais LGBTS antecipam uniões Preocupação é com retrocessos e possibilidade de perda de direitos no próximo governo Ana Carolina Caldas Apesar de ser um direito garantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) muitas pessoas da comunidade LGBT começaram a se movimentar para antecipar casamentos para este ano, por conta da possibilidade de retrocessos após a posse de Jair Bolsonaro. É o caso de Karen Marcolino, que está à frente da organização de um casamento coletivo e também irá se casar. Conta que tudo começou numa reunião de amigos, após a eleição, “quando conversávamos sobre os retrocessos que estão por vir. Uma amiga, advogada, disse que gostaria de nos assessorar. A ideia foi lançada nas redes sociais e apareceu DJ, maquiadora, cozinhei-

ras, cantores e estamos nos organizando para fazer o casamento coletivo no civil. Vai ser um festão”, conta. Karen é trancista e estudante de Pedagogia, e vive há 5 anos com a cozinheira e estudante de História Jessica numa união estável. “As pessoas não

Nosso maior medo em 2018 foi a eleição de Bolsonaro, pois todos sabemos que ele incita todo tipo de preconceito Arquivo Pessoal

Karen e Jessica organizam casamento ainda em 2018

consideram nosso amor como amor. Elas criam o filho de Karen e dizem que já enfrentaram muitas dificuldades. “Nosso maior medo em 2018 foi a eleição de Bolsonaro, pois todos sabemos que ele incita todo tipo de preconceito. Resolvemos nos casar agora com medo de que não tenhamos mais esse direito.” O professor de direito constitucional da Universidade Positivo Eduardo Faria explica que “um presidente não revoga uma decisão do Conselho Nacional de Justiça. O que pode acontecer é a proposta de um novo projeto de lei, mas que ainda precisa ser votado no Congresso e pode ser considerado inconstitucional”, referindo-se às possibilidades de restrição às uniões homossexuais.


4 | Entrevista

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Paraná, 14 a 21 de novembro de 2018

Leonardo Boff: “Quem odeia seu irmão é um assassino” Guilherme Santos | Sul21

Davi Macedo e Pedro Carrano

O

Frei Leonardo Boff esteve em Curitiba na condição de visita religiosa ao ex-presidente Lula, há mais de 220 dias encarcerado na Superintendência da Polícia Federal, no bairro do Santa Cândida, em Curitiba. Nesta entrevista, depois das eleições, Boff elenca os desafios para a esquerda e critica duramente a posição do presidente eleito Bolsonaro. Brasil de Fato | Qual avaliação o senhor faz da conjuntura social do Brasil que levou à eleição de Bolsonaro? Leonardo Boff | Eu acho que foi a capacidade de eles escolherem três logs que falavam diretamente ao povo. Como cientistas já notaram, os partidos que tiverem os melhores logs, as melhores palavras-chaves, geralmente obtêm sucesso. E eles usaram a questão da corrupção, que é um problema; usaram a questão da segurança, que também é problema; e usaram a questão do antipetismo, outro problema. Junto a isso, inventaram o fantasma do comunismo pelo qual eles escondem as atitudes fascistas deles, e a família, porque o brasi-

“Criar escolas de formação política, usar os meios que são próprios do povo. Por exemplo, a literatura de cordel. O grupo do Nordeste que criou uma articulação vende por ano um milhão de exemplares de literatura de cordel. Isso atinge de dez a doze milhões de pessoas”

Chaves como corrupção, segurança e antipetismo foram usados para vencer a eleição

leiro é muito conservador. Defende a família, embora ele (Bolsonaro) não tenha sido um exemplo nenhum, já está no terceiro matrimônio. Mas são palavras que vão diretamente ao coração das pessoas. Esse discurso criou uma atmosfera que deu relevância a ele. Agora, eu acho que devemos distinguir duas coisas: o discurso de campanha, que foi extremamente violento e o discurso de presidente. O da presidência é um discurso ritual, que tem que respeitar certos limites, mas o primeiro discurso de campanha teve como efeito criar uma cultura da violência. Como organizar a resistência dos movimentos sociais diante de um governo autoritário? Criar escolas de formação política, usar os meios que são próprios do povo. Por exemplo, a literatura de cordel. O grupo do Nordeste que criou uma articulação vende por ano um milhão de exemplares de literatura de cordel. Isso atinge de dez a doze milhões de pessoas. A esquerda deve seguir fazendo um trabalho de casa em casa para debater com a população? Eu acho que o convencimento é o contato. Entra no bar, fala com as pessoas. E

dizer a verdade. O que é esse Bolsonaro, um homem da violência. Que diz que os militares de 64 “cometeram um erro, só torturaram, deviam matar todo mundo e começar por Fernando Henrique (Cardoso, ex-presidente)”. Denunciar os podres reais que ele mesmo disse. E usar a bíblia. São João diz: “Quem odeia seu irmão é um assassino”, João 3:15. O senhor falou na proteção dos nossos líderes. O senhor acha que Lula está em risco? Ele não está por PUBLICIDADE

estar protegido lá dentro, ele mesmo não sabe por quanto tempo. Todos os grandes analistas, internacionais, afirmam que esse processo não se aguenta em pé porque não tem materialidade. Então, ele é um preso político, vivendo isolado, numa solitária. Quando o visitei pela primeira vez (início de maio), depois de um mês, ele chorava e me abraçava porque era a primeira vez que via alguém além de filhos e advogado. Ele é acostumado a ver gente do povo.


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5 | Brasil

Vida de trabalhadores piora depois da reforma trabalhista Ana Carolina Caldas

N

esta semana, a reforma trabalhista proposta pelo governo de Michel Temer completou um ano. Com a promessa de que seriam gerados 2 milhões de empregos, na prática o resultado foi pífio, com 392 mil postos, segundo dados do IBGE. Isso num país com mais de 13 milhões de pessoas que não conseguem trabalho. Para o advogado Nuredin Ahmad Allan, no balanço deste um ano, “Nós não temos diminuição significativa de desemprego e os postos criados foram a partir de uma proposta precarizada de contratos e terceirização.” Entre as mudanças citadas por ele estão o modelo de contratação do tipo “trabalho inter-

mitente”, isto é, a empresa pode pagar por horas trabalhadas. Outro ponto é que o trabalhador pode ser contratado por 180 dias e o contrato rompido sem que a empresa precise pagar multa. E o cenário não deve mudar tão cedo. Um dos primeiros anúncios do presidente eleito, Jair Bolsonaro, foi a extinção

do Ministério do Trabalho, mostrando que essa não é uma de suas prioridades. Outra sinalização foi sua frase, em entrevista, que trabalhador terá de escolher entre direitos ou emprego. Intimidação O advogado Nuredin destaca outra consequência das mudanças da reforma de Te-

mer: a limitação de acesso à justiça. “Esse direito foi violado do ponto de vista constitucional e das normas internacionais de trabalho. Temos uma diminuição de processos, e não porque as reclamações deixaram de existir, mas porque há agora uma intimidação legal em relação ao acesso à justiça.”

MINISTÉRIO

Agência Brasil | José Cruz

Promotora do Ministério Público do Trabalho (MPT) Margaret Matos de Carvalho

A intenção é retalhar o Ministério do Trabalho

“Fui terceirizado e há pouca dignidade nesse tipo de trabalho”, diz Paulo Trabalhar mais, correr riscos maiores e ganhar menos são consequências da terceirização

Arquivo Pessoal

Ana Carolina Caldas Paulo Antunes trabalha como caldeireiro industrial há 18 anos na Refinaria da Petrobras em Araucária. Sua história profissional começa num dos maiores vazamentos de óleo no Estado. “Iniciei minha atividade catando óleo”. Por dez anos, ele experimentou na pele ser um trabalhador tercei-

Nani Gois

Poucos empregos, fragilidade nos contratos e falta de acesso à justiça são consequências

rizado e diz que as diferenças são gritantes. “O trabalhador terceirizado tem menos reconhecimento, sofre mais acidentes porque nem todas as medidas de segurança são garantidas, ele ganha menos e trabalha mais. Geralmente é o primeiro a ser demitido.” Ele diz que aceitou trabalhar nessas condições por ter família para sustentar, mas que foi muito difícil.

Jair Bolsonaro já anunciou a intenção de acabar com o Ministério do Trabalho. Com isso, sua atuação na defesa do trabalhador será prejudicada. Para a procuradora regional do Ministério Público do Trabalho Margaret Matos, a intenção é transformar o ministério em retalhos, retirando sua essência. “Querem mesmo é destruir o Direito do Trabalho e esta é a melhor forma, destruindo essa pasta que tem 88 anos de existência,” diz a procuradora. “O que já sabemos é que a extinção anunciada se dará pela redistribuição das atribuições do Ministério do Trabalho para outros ministérios”, conclui. O Ministério Público do Trabalho no Paraná tem sido responsável por fiscalizar e fazer cumprir a legislação trabalhista.


6 | Especial

Paraná, 14 a 21 de novembro de 2018

Terapias holísticas fortalecem o povo preto frente ao racismo Profissionais contam como cuidar do corpo, mente, espírito e emoção resgata a força e autonomia Juliana Cordeiro

Lais Melo

A

lém das violências materiais, estruturais e históricas, o racismo também fere o campo energético do povo preto. É do entendimento desse fato, e também da vivência no próprio corpo físico, emocional, mental e espiritual, que Brinsan N’Tchalá, Raquel Messias e Kesia Souza, moradoras de regiões distintas de Curitiba, foram se aproximando dos ensinamentos e possibilidades da terapia holística, até se tornarem profissionais dessa linha, ofício reconhecido pelo Conselho de Auto Regulamentação da Terapia Holística. “São outras formas de se cuidar, de atentar ao ser humano. Desde pequena percebi minha sensibilidade de cura e a umbanda ajudou a entender e aprender sobre a mediunidade. Relaxar, passar por processos de autoconhecimento, é muito restrito à comunidade branca e encontrar outras mulheres negras com PUBLICIDADE

Além dos atendimentos pessoais, Brinsan promove o AfroCura, espaço de autocuidado coletivo entre o povo preto

essa sensibilidade foi fundamental para fortalecer e aceitação desse dom. As mães de santo nos terreiros, com seus saberes ancestrais, guardam e passam esses conhecimentos pro seu povo. E, ainda assim, existe uma grande necessidade de ter outros espaços voltados para autocuidado de pessoas negras”, explica Brinsan. Englobando atividades como acupuntura, florais, cromoterapia,

massagens, fitoterapia, reflexologia, reiki, rezas, vaporizações e contatos com a natureza, a terapia holística procura compreender os fenômenos na sua totalidade e globalidade. A conexão de Kesia com essas práticas veio de necessidades pessoais de fortalecimento, já que vivenciou um processo de depressão por conta de racismo na universidade: “Eu me via sem escolha, sem possibilidade, tinha que ser o pro-

duto da projeção do julgamento da sociedade. A terapia holística atua trazendo mais consciência e presença no corpo e brindando com outras possibilidades de criar realidades sem a energia da opressão, essa energia pesada que é o racismo, um rolo compressor que é desesperador”, aponta. Conforme explica Raquel, o ser humano é corpo, mente, espírito e emoção: “E isso é unidade dentro dos seres humanos, por isso não tem como dissociar as experiências. Então, as terapias holísticas vão trabalhar com esse interno como um caminho de autoconhecimento, de auto-responsabilização pela própria vida. É entender que se o racismo traz feridas em diversos aspectos, não tem como a gente dissociar na terapia holística e não olhar pra isso. Mas isso é um princípio do terapeuta de ampliar esse olhar e acolher essa realidade que é o racismo e suas inúmeras feridas que causam, nem todos tem essa sensibilidade”.

CONHECIMENTO ANCESTRAL De acordo com as terapeutas, os estudos da física quântica são a tradução científica das bases das terapias holísticas, mas essas práticas já têm muita história: “Hoje em dia já temos esse conhecimento organizado, mas é importante ressaltar que essas curas e todo pensar do ser integral é estudado há milhares de anos por várias sociedades como Maias, Incas, Iorubás e Indianos. O saber ocidental branco é das piores coisas que esse etnocentrismo fez quando separa o ser da matéria, do espírito, do holístico”, reflete Brinsan. “Trata-se de oferecer ferramentas e saberes ancestrais para as pessoas, para que o racismo machuque cada vez menos, para que possam estar à frente da própria vida. Que o racismo vá diminuindo e a nossa potência quanto mulher negra possa vir à tona e ser mostrada no mundo de diversas formas”, complementa Kesia. Raquel salienta outro ponto de partida: aprender a ser acolhidas: “Nós, mulheres negras, estamos sempre no embate e, às vezes, a gente se depara com bloqueios internos de receber. Então as terapias holísticas também focam nisso, de se sentir merecedora de receber carinho, receber amor, receber curas”.


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Sarau na CIC mostra a arte do cotidiano

LUZES DA CIDADE Pedro Carrano

Barbosa rumo àquela velha estação – um Conto

Frédi Vasconcelos

Destaques da programação Bárbara, cantora. Joch Brow, cantor. Lajota Crew, grupo de rap. Max, arte de rua. Pássaros na Janela, músicas do clássico ao contemporâneo. Menina Bonita do Laço de Fita, peça sobre a consciência negra. Mestiça, Cida Airam convida cantoras e poetas para falar do universo feminino. Onde? Associação do Sabará - Rua Ary Camarão Arruda, 144. Quando? Sábado, 17, às 15h30. Quanto: gratuito

DICAS MASTIGADAS

Caldinho de jerimum (abóbora) Ingredientes 1/2 kg de jerimum (abóbora), 2 cebolas grandes, 4 dentes de alho, 300 g de carne seca ou charque desfiada (dessalgada), 1 cx creme de leite, cebolinha e coentro verde picada a gosto, queijo minas ralado, sal e pimenta a gosto Modo de Preparo Primeiro cozinhe o jerimum normalmente (com os temperos que você gosta), em seguida, bata no liquidificador e reserve. Numa outra panela, refogue alho e cebola e em seguida frite Divulgação a carne. Quando estiver bem refogado, adicione o jerimum batido e o creme de leite. Aguarde levantar fervura, adicione a água se preferir um caldo mais líquido, acerte os temperos e sirva quente salpicado com queijo ralado.

#FicaAdica

Ele atuou na campanha eleitoral de ponta a ponta, até a medula, do primeiro ao segundo turno, incansável. Um dia antes da votação, o carnaval de bandeiraços concluído, já não havia mais o que fazer a não ser esperar o resultado das urnas, um sol se espalhando no fim da tarde no traço da expectativa, e Barbosa resolveu comprar a passagem de São Bernardo do Campo (SP), rumo a Curitiba. Meses antes, Barbosa esteve todos os dias na Vigília Lula Livre, participou de todos os bons dias, boas tardes e boas noites, construiu a cozinha que reuniu cafés, gentes. Para evitar a ansiedade e turbilhão que giram no celular, Barbosa resolveu desligá-lo durante todo o domingo. Não queria saber de resultado nenhum, absorveu o silêncio, rompido por alguns adesivos no vidro dos carros. No final da tarde, apenas a estrada até a capital paranaense. Fone de ouvido o tempo todo, evitou olhares e ouvir qualquer conversa. Inevitável: foi num café na rodoviária que Barbosa teve contato com um resultado que, de alguma forma, já previa. A derrota era de um povo, não apenas sua. Mas não teve outro caminho. Barbosa apenas tomou o ônibus, rumo àquela velha estação permanente. Visualizou uma companheira conhecida e o cumprimento foi apenas um toque. De mão para mão.

Leia Amoras para uma menina negra Vanda Moraes

A menina apaixonada por amoras entende a lição mais importante: “as pretinhas são as melhores que há”. E vai além “que bom que eu sou pretinha também”. Ao escrever o livro Amoras, o rapper Emicida traz a suavidade do passeio com a menina. Mas as conclusões são de gente grande. É preciso contar para as crianças e, principalmente para as meninas negras, que linda e valiosa é sua cor. Que poderoso é o enrolado do seu cabelo de nuvem. Ao apresentar o livro, o rapper fala da importância de mostrar caminhos de combate ao racismo desde a primeira infância. Para ele

Divulgação

Um sarau para todos expressarem sua arte e mostrar que a Cidade Industrial de Curitiba, CIC, está viva. Esse é o objetivo do evento criado por moradores do bairro e que acontece no próximo sábado, dia 17, na Associação do Sabará 1. Para o presidente da associação, Diego Torres, Dieguinho, a ideia é “Unir forças para propor valorização da cultura no bairro e movimentar a região periférica”. A estudante Ana Carolina, uma das organizadoras, diz que estudou desde criança no espaço em que acontecerá o sarau e que pretende “Ajudar a levar para os moradores o que recebi aqui, cultura, educação”. Ela conta que o centro cultural, local do evento, era um espaço da prefeitura, “que pagava professores para estarem ali, no contraturno da escola, para as crianças estudarem, brincarem, dançarem, fazerem música.” No convite do evento, os organizadores destacam que “A Cidade Industrial de Curitiba carece de saúde, educação, lazer de qualidade e é justamente desta carência que sua arte desabrocha, a arte de rua, do CIC, tem por sua finalidade denunciar o cotidiano de um povo que luta, de um povo que tanto trabalha pelo pão de todo dia.”

117 | Cultura

o jovem não perdeu “a gana de lutar”, mas os conteúdos com potencial de combater os preconceitos chegam só a partir da adolescência. “Quando a gente começa a conversar com um moleque de quinze anos, os traumas chegaram antes da gente, antes do nosso discurso”, avalia. “Se a gente acredita no que a gente está falando, a gente precisa encontrar meios para chegar mais cedo na vida das pessoas”. O livro pode ser comprado em diversas livrarias no valor de R$29,90. Uma versão animada está disponível no youtube. Leia Amoras para uma criança. Mas, sobretudo, leia Amoras para uma menina negra.


12 | Esportes

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Paraná, 14 a 21 de novembro de 2018

Alta rotatividade no banco

Faltando ainda cinco rodadas, 26 técnicos já mudaram de time no Brasileirão. Só Cruzeiro, Inter e Grêmio estão com o mesmo treinador que iniciou o campeonato Frédi Vasconcelos

M

ais que ganhar campeonato, o que os dirigentes do futebol brasileiro mais parecem gostar é demitir técnicos. Faltando cinco rodadas para acabar o Brasileirão 2018, 26 treinadores já foram trocados em 17 times da série A. Apenas Cruzeiro e os gaúchos Inter e Grêmio mantêm os técnicos que iniciaram o campeonato. A última vítima dessa verdadeira alta rotatividade, até o momento em que este texto é escrito, foi Diego Aguirre, demitido do São Paulo após o empate com o Corinthians, no final de semana. Mas o adversário não fica atrás, também está no terceiro nome da temporada. Com o pedido de demissão de

Fábio Carille, efetivou Osmar Loss, demitiu e contratou Jair Ventura, que havia saído há pouco tempo do Santos. No Paraná, a dança das cadeiras também atingiu os dois times da primeira divisão. Depois de dizer que Fernando Diniz ficaria até o final do ano, e não sairia “mesmo se o Atlético-PR caísse de divisão”, Mário Celso Petraglia mandou trocar o treinador por Tiago Nunes e obteve bons resultados. O Paraná, que já caiu de divisão, tentou trocar para também mudar seu destino. Não deu certo. Mandou embora Rogério Micale, contratou Claudinei Oliveira, foi abandonado pelo técnico, que preferiu ir para a Chapecoense, e tenta acabar o campeonato com dignidade diri-

gido por Dado Cavalcanti. Com o Paraná, os times na parte final da tabela têm em comum a alta rotatividade no banco. O América-MG, o penúltimo, está no seu quarto nome na temporada, trazendo de volta Givanildo Oliveira para tentar o milagre de escapar da Série B em 2019. Vitória, Chapecoense e Sport são outros times que apostaram em trocar a peça mais fraca da engrenagem do futebol para tentar fugir da degola. Até o momento, não deu certo, e ainda terão muitas emoções pela frente. Com a companhia do Corinthians, conhecido por manter técnicos nos outros anos, mas que em 2018 está na terceira opção e a apenas três pontos da zona de rebaixamento.

Bruno Cantini

TÉCNICOS QUE MUDARAM DE TIME Abel Braga | Fluminense Adilson Batista | América-MG Claudinei Oliveira | Sport Diego Aguirre | São Paulo Ederson Moreira | América-MG Eduardo Batista | Sport Fábio Carille | Corinthians Fernando Diniz | Atlético-PR Gilson Kleina | Chapecoense Guto Ferreira | Bahia Guto Ferreira | Chapecoense Jair Ventura | Santos Jorginho | Ceará Jorginho | Vasco Marcelo Chamusca | Ceará Marcos Paquetá | Botafogo Maurício Barbieri | Flamengo Nelsinho Baptista | Sport Osmar Loss | Corinthians Paulo César Carpegiani | Vitória Ricardo Drubscky | América-MG Roger Machado | Palmeiras Rogério Micale | Paraná Thiago Larghi | Atlético-MG Vágner Mancini | Vitória Zé Ricardo | Vasco da Gama

Diego Aguirre foi o mais recente treinador a ser mandado embora no Brasileirão 2018

Rebeldes sem causa

Vacas ainda mais magras

Fim de ano empolgante

Por Cesar Caldas

Por Marcio Mittelbach

Por Roger Pereira

A mídia revela estar próximo de 80 o número de conselheiros do Coritiba que pretende a convocação de assembleia geral do clube. O objetivo é submeter aos sócios o complemento (dois anos), ou não, do mandato do presidente Samir Namur. Constitui requisito essencial, para requerer ou convocar, a denominada causa petendi, ou seja, a razão que se alega – pelo menos um breve relato e a justificativa para o chamamento ou petição. É regra universal não só nos processos, mas de convivência humana. O documento não me parece apenas lacônico, mas inepto. Politicamente, faz lembrar os últimos versos do rock da banda Ultraje a Rigor, que dá título a esta coluna: “Não vai dar, assim não vai dar / pra eu amadurecer sem ter com quem me rebelar”. Votar (e ser votado) não é brincadeira de playground de prédio. Que a piazada respeite as regras. E evolua.

Em 2019 o futebol brasileiro vai inaugurar uma nova forma de divisão das receitas de TV. Diferentemente do que ocorreu com o Coritiba em 2018, que recebeu o mesmo valor de 2017 R$ 35 milhões -, quando foi rebaixado da Série A para a B, o tricolor não terá vantagens por ter disputado a elite no ano anterior. O Paraná recebeu este ano R$ 23 milhões. Com o novo modelo, que diminui a distância entre os que ganham mais e os que ganham menos, caso tivesse se mantido na elite, receberia algo em torno de R$ 30 milhões. Com o rebaixamento, o tricolor deverá ficar com R$ 7 milhões, embora a negociação ainda esteja em aberto. São vários os exemplos de times que chegaram à Série A, caíram em seguida e depois amargaram grave crise financeira. Já de cara uma prova de fogo para o novo mandato da diretoria, que promete unir austeridade com a consolidação do Clube na elite do futebol.

Fazia tempo que a torcida atleticana não tinha um fim de ano com grandes expectativas em campo. Enquanto nossos rivais estaduais juntam os cacos e projetam a próxima temporada na Série B, o Furacão tem desafios grandes na reta final. Depois de uma das melhores atuações do ano diante do Fluminense, na Baixada, o time está a um jogo da inédita decisão da Sul Americana. Além do primeiro título internacional, teria como prêmio uma vaga na Libertadores. Vaga que também pode vir pelo Campeonato Brasileiro. De lanterna, o Furacão já é o sétimo colocado, a um ponto do G-6 (até a rodada da quarta-feira, 14). Para conseguir a classificação precisa quebrar o incômodo tabu e passar a vencer fora de casa. É o que falta para coroar o brilhante trabalho de Tiago Nunes, cotado como técnico revelação do futebol brasileiro em 2018. Aos rivais, feliz ano novo.


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