Graciane: a verdade por trás do riso

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| Graciane | Graciane tem 37 anos, quatro crias e o gene da distrofia muscular de Duchenne, doença hereditária e degenerativa que afeta principalmente homens. Com os filhos Eclipson e Eglilson, de 14 e 5 anos, não foi diferente.

Não demorou muito e o cartão de memória ficou cheio. Para esvaziá-lo, colocou no Facebook todos os registros e, como não entendia o que era uma rede social, não dava a mínima para curtidas e comentários dos amigos. Em um mês a coisa fugiu de controle.

O diagnóstico veio em 2015. Cansada de médicos que nunca tiravam suas dúvidas, pesquisou pelos sintomas e descobriu a grandeza e tristeza da enfermidade que só deixa viver até os vinte anos.

Se ela não contava com a diversão dos filhos, imagina o convite para o Encontro com Fátima Bernardes. Ansiosa para conhecer o aeroporto e andar de avião pela primeira vez, aceitou a oportunidade sem pensar duas vezes.

Ela e o filho mais velho só não entraram em depressão porque Graciane teve a ideia de ser fotografada pulando de uma pedra no quintal de casa, em Serra de São Bento. A graça foi tanta que ela continuou subindo em outros lugares: mesa, panela, telhado, prateleira de mercado e até fogão aceso.

- Foi um sonho. É tão bom quando ele (o avião) ta pegando carreira pra subir pra cima! Às vezes eu fico me perguntando ‘será que fui lá mesmo?’. Uma semana depois do Encontro recebeu a ligação do Rodrigo Faro. Dessa vez todo mundo viajou: o marido Jocelino, os meninos e as filhas Waniga e Wenliga, de 17 e 15 anos.

- Eu jamais imaginei que eles iam achar graça! Quando tirei a foto esses meninos riram tanto que choraram.

Graciane ganhou tratamento dentário, estreou no salão de beleza e ainda comprou cinco mil reais em roupas que, segundo ela, só renderam três peças para cada um. O tapa no visual foi suficiente para o programa, exibido em julho de 2016, insistir a todo momento que “aquela mulher não existe mais”. A única mudança significativa proporcionada a chance de comprar a casa própria. Pegou o terreno e trinta mil reais que também ganhou do Faro, juntou um touro e uma vaca e trocou por uma residência em Araruna, na Paraíba. Tudo para facilitar o tratamento dos filhos e ficar longe da família.

ACERVO PESSOAL

Família entre aspas, diga-se de passagem. Não gosta nem de chamá-los assim. Sempre foi tratada com desprezo e como mercadoria, a ponto de tentarem trocá-la por um saco de fumo. Sofreu tanto que pouco antes de casar comprou veneno: ou a união daria certo e ela finalmente sairia de casa, ou acabaria com a vida. Nunca contou isso a ninguém.


Ainda assim, a maior mágoa é relacionada aos filhos.

- A gente nasce doente num é porque quer não. Cê ta vendo Eclipson aqui dentro, mas ele não pode nem sair fora porque sempre vai ter um que chame ele de aleijado. Se pudesse não pisava mais nunca naquelas terras, mas é obrigada a viver entre os dois municípios por causa do trabalho. Todos os dias percorre 17 km entre Paraíba e Rio Grande do Norte para cuidar da plantação de feijão, milho, fava e jerimum.

E é nos filhos que Graciane encontra a força que precisa para enfrentar as dificuldades. Vive em função deles de uma forma que já não sabe quem é, só o que precisa fazer para deixá-los confortáveis com a vida. Coisa que ela já não se sente mais.

- Se eu pudesse escolheria não viver. Vê cada dia como um dia a menos com seus meninos e nessa dolorosa contagem regressiva também vai morrendo pouco a pouco. Nos próximos quinze anos ou enquanto Deus permitir, as fotos nas alturas vão continuar existindo: é a única maneira de desviar a atenção do relógio.

A agricultura não lhe dá dinheiro, mas subsistência. Consegue segurar as pontas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), renda usada quase exclusivamente com Eclipson e Eglilson. O orçamento é tão apertado que comprar chinelos para os seis membros da família leva seis meses – a cada trinta dias, um. Não lembra nem a última vez que comprou uma calcinha, porque cada centavo que tira do BPC faz falta. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), criado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), ampara idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social. Em 2016, mais de 4,4 milhões de pessoas foram beneficiadas. O investimento ultrapassa o do Bolsa Família: R$46,5 bilhões > R$28 bilhões. Quando as dívidas aparecem, vende a primeira bezerra que encontrar no quintal. E os porcos, que poderiam ser para consumo, também são vendidos. É o jeito que encontra de comprar as calças que os filhos precisam usar na escola.

GRACIANE, ECLIPSON E WANIGA


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