W a lt e r B e n jam in Ma
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a
M on te
ir o
um
De
DIA
LOUCOS
TRINTA
ossos
duros
de
roer
TÍTULO ORIGINAL Ein verrückter Tag, Dreißig Knacknüsse © TE XTO Walter Benjamin © ILU STRAÇÃO Marta Monteiro © E D IÇÃO Bruaá editora © Tra dução João Barrento R E V ISÃO Helder Guégués IMPRESSÃO Norprint, A Casa do Livro 1. a E DIÇÃO Outubro, 2016 IS BN 978-989-8166-31-9 D EPÓ SITO LEGAL 416045/16
BRUAÁ EDITORA R. Dr. Santos Rocha, 17 r/c 3080-124 Figueira da Foz bruaa@bruaa.pt www.bruaa.pt
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De
DIA
LOUCOS
TRINTA
ossos
duros
de
roer
Talvez vocês conheçam um poema longo que começa assim:
E
V A A S T E
UM
A
U R O , C S E RR O A C
va sa s Pa
C O M O
tro, n e d Lá s, ada l a C
pessoas
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A
L O U C O ,
pela
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B R I L H A R
ACE LE RA R, red on da .
s e ntad as
conversa
em pé ,
anim ada ,
que o caçador
m at o
a n c o d e a r e i a m u i t o p at i n o u Num b !
u
,
Neste poema nem tudo bate certo, e qualquer um dá logo por isso. Na história que agora vão LER também muita coisa não bate certo, mas eu acho que nem todos vão dar por isso. Ou melhor: alguns erros, todos irão descobrir. E nesse caso, o melhor é fazer um risco a lápis numa folha de papel já preparada para isso. E ainda vos digo mais: se conseguirem assinalar todos os erros na história, terão 15 riscos no papel. Mas se não conseguirem mais de cinco ou seis, também já não é mau. Mas este é apenas um dos lados da história que vão LER. além destes 15 erros, há também nela 15 perguntas. Os erros, as armadilhas, esses vêm vindo, sorrateiros que nem um rato, para ninguém dar por eles; as perguntas, pelo contrário, são anunciadas por um gong. Cada resposta certa a uma pergunta vale dois pontos, porque muitas das perguntas são mais difíceis de responder do que encontrar os erros. Como temos 15 perguntas, quem conseguir responder a todas terá no papel um total de 30 riscos. Juntando isso aos 15 riscos dos erros encontrados, dá um total de 45 pontos. Nenhum de vocês vai conseguir chegar a esta pontuação. Mas isso também não é preciso. Dez pontos já são um resultado muito bom. Vocês próprios podem anotar os pontos. Nas páginas finais do Livro encontrarão os erros e a solução das perguntas, e depois cada um poderá ver se pensou bem as coisas – porque nesta história o mais importante é pensar. Parem um pouco para pensar, e vão ver que conseguem dar a volta às perguntas e aos erros. Só mais uma dica: não se preocupem em responder a todas as perguntas, concentrem-se antes nos erros. É que as perguntas serão todas repetidas no fim da história. Não preciso de LHES dizer que nas perguntas não há erros: aí, tudo está certo e no seu lugar.
E agora, atenção! O Bruno vai começar a contar a história...
Que dia este, meu! Começou logo de manhã cedo, de noite já quase não consegui dormir, porque estava sempre a pensar numa adivinha qualquer. E então, de manhã cedo, tocam à porta, era a governanta surda do meu amigo António que me vinha entregar uma carta dele. «Caro Bruno», dizia a carta, «ontem, quando estive em tua casa, deixei ficar aí o meu chapéu no bengaleiro. Faz-me o favor de o entregar à minha governanta. Abraços, António.» Mas a carta ainda continua, e ele escreve a seguir: «Olha, acabo de encontrar o chapéu! Desculpa o incómodo, e obrigado pelo trabalho que te dei.»
É mesmo a cara do António, parece o Professor Distraído! Mas o que ele é também é um grande fã das adivinhas, e resolve-as todas! E ao receber a carta pensei logo: hoje é que eu ia mesmo precisar do António! Talvez ele saiba a solução da minha adivinha. É que eu tinha feito uma aposta, e comprometi‑me a ter a resposta até à manhã seguinte. Mas a adivinha era esta:
Go n g !
Qual é coisa, qual é ela, o camponês vê-o muitas vezes, o rei poucas, e Deus nunca?
Pois é, o António é que devia estar aqui para responder, pensei eu. Ainda quis perguntar à governanta se ele já tinha ido para a escola – o António é professor –, mas ela já tinha saído. Vai daí, pensei; o António deve estar na escola. Pus o chapéu e desci. Mas ainda na escada lembrei-me a tempo de que era o primeiro dia com a hora de verão, e por isso tudo começava uma hora mais cedo. Tiro o relógio da algibeira e atraso-o uma hora.
Chego à rua e lembro-me de que me tinha esquecido de fazer a barba. Do outro lado da esquina, à minha esquerda, vejo uma barbearia. Três minutos depois estou à porta e dou com uma grande tabuleta de esmalte:
Go n g !
«Barba: hoje 10 cêntimos, amanhã grátis» Barba: hoje 10 cêntimos, amanhã grátis. Coisa esquisita, aquela tabuleta de esmalte, pensei, mas sem saber bem porquê. Ainda assim, entrei, sentei-me numa das cadeiras e o barbeiro começou a barbear-me, enquanto eu ia olhando para o grande espelho à minha frente.
De repente, o barbeiro fez-me um corte na cara. Do lado direito. E lá estava a mancha de sangue, do lado direito da minha imagem no espelho. A barba custa 10 cêntimos. Paguei com uma nota de 20 euros, e recebi exatamente 19 euros em notas de 5 euros, cinco moedas de 10 cêntimos e vinte moedas de 5 cêntimos. Depois, o barbeiro, um rapaz ainda novo e muito divertido, abriu-me a porta e disse-me à saída: «Dê os meus cumprimentos ao Ricardo, se passar por lá!» O Ricardo era o irmão gémeo dele, e tinha uma farmácia na Praça do Mercado.
E agora pensei: o melhor é ires já à escola para ver se encontras por lá o António. Mas, ao atravessar a rua, dou com um magote de gente, todos à volta de um artista de circo e prestidigitador que mostrava os seus truques de magia. Naquele momento desenhou a giz, no asfalto, um círculo mínimo, dizendo: «E agora vou desenhar à volta do mesmo ponto do centro outra circunferência cujo perímetro é cinco centímetros maior do que o da primeira.» E foi o que fez. Depois levantou-se, olhou em volta com um sorriso enigmático e disse:
Go n g!
«Se eu agora desenhar um círculo gigantesco, digamos, tão grande como a circunferência da Terra, e depois, à volta deste, um outro cujo
perímetro é também exatamente cinco centímetros maior do que o do primeiro círculo gigantesco – qual dos anéis é mais largo: o que está entre o círculo mínimo e o outro que tem mais cinco centímetros, ou aquele que está entre o círculo gigantesco e o que tem mais cinco centímetros do que ele?» Pois é, isso também eu gostava de saber.
morreu em 1940, fugindo da guerra e da polícia nazi, na fronteira entre a França e a Espanha, num pequeno lugar de nome Port Bou. É aí que está enterrado, e aí foi construído um monumento em sua memória. Mas este filósofo escreveu também contos, para adultos e para crianças, e fez muitos programas de rádio como o desta história com quebra-cabeças e adivinhas (e até um em que conta a história do terramoto de Lisboa em 1755). A história «Um dia de loucos» foi transmitida na Rádio de Frankfurt em 6 de julho de 1932.
ISBN 978-989-8166-31-9
Walter Benjamin é um filósofo alemão que nasceu em Berlim em 1882 e