A Noiva do Guerreiro The Warlord's Bride (2009) ° da Série Companheiros de Armas
Margareth Moore
Resumo Lady Roslynn de Werre não sabe o que esperar de seu futuro marido, o infame «Urso de Brecon». Oferecida em matrimônio ao poderoso lorde galês pelo rei, Roslynn teme o pior. Não tem direito a esperar um enlace por amor, mas em seu coração a dama sonha formar um lar e uma família própria…
Só de olhar lorde Madoc de Llanpowell faz ferver seu sangue. O tosco guerreiro resulta ser um amante apaixonado e um marido considerado, mas não demora a voltar-se frio e distante. E quando os segredos do passado de Madoc ameaçam separá-lo de sua noiva, Roslynn sabe que seu futuro em comum está em perigo. Poderá descobrir a verdade que se oculta sob a armadura do guerreiro e assediar seu coração? Comentário de Waléria Vieira O livro é bom. Um amor que nasce após sofrerem decepções que acabam afetando as escolhas dos protagonistas e suas vidas. Uma mulher que havia sofrido muito com o primeiro marido e um homem que também passou por problemas no casamento. Acabam conseguindo encontrar uma forma de se entenderem. Mas no caminho ação e intriga. Uma leitura que vale a pena. Comentário de Regina Werneck O livro é muito bem escrito. A autora é ótima. A trama é boa e bem desenvolvida. Concordo com a Waléria quando diz que é uma leitura que vale a pena. SOBRE A AUTORA
Margaret Moore começou sua carreira como escritora quando tinha oito anos. Uma amiga e ela criavam histórias de uma bela e fogosa dama e um ladrão bonito e incompreendido cujo apelido era “O xeique vermelho”. Margaret se graduou na Universidade de Toronto em Literatura Inglesa. Embora não tinha nenhuma intenção de ser escritora. Pareceu
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uma boa ideia ter o título de leitura/interpretação. Durante esse tempo, formou parte também de La Reserva Real Naval Canadense, onde aprendeu a utilizar diferentes tipos de armas. Além de ser esposa e mãe de dois filhos, ela também foi uma oradora premiada publicamente, nadadora sincronizada, arqueira, e estudou esgrima e dança de salão. Margaret começou a escrever quando caiu em suas mãos um livro da Kathleen Woodiwiss. Recordou às histórias que inventava quando era menina, embora muito mais eróticas. Então pensou: Não seria divertido escrever uma história similar? Três anos mais tarde, em 1991, vendeu sua primeira novela romântica histórica. Após, seus livros se publicaram em muitos países.
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Capítulo 01 Gales, 1205.
L
orde Alfred de Garleboine deteve seu cavalo malhado e olhou ao seu redor
através da água que jorrava de sua touca. Caía mais chuva dos pinheiros que flanqueavam a estrada, e estendia pelo ar o intenso aroma das árvores. A borda do caminho era um lamaçal. A garoa deixava o céu cinza nublado e o resto da paisagem ficava verde apagado e um marrom sujo. Pelo terreno havia umas quantas pedras dispersas que pareciam homenzinhos encurvados para não empapar-se. — Bendito seja Deus, por fim Llanpowell — murmurou o nobre de meia-idade, enquanto seu cavalo revolvia com os cascos o barro e o cascalho. A jovem dama que viajava a seu lado, coberta por uma capa debruada de pele de raposa, seguiu seu olhar para o castelo, muito mais imponente que o resto das edificações de pedra do sul de Gales. — Milord! Ao ouvir aquele grito de alarme, lorde Alfred e lady Roslynn de Werre voltaram à vista e viram um pesado carro de madeira cujas rodas direitas se atolaram em um sulco do caminho, e que estava se inclinando perigosamente. O carreteiro estava golpeando os cavalos com o látego e exortando-os para que se movessem. Os animais bufavam e puxavam os arreios, mas as rodas seguiam afundando-se no barro. — Não fiquem aí parados como montões de bosta — disse-lhes lorde Alfred. —
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Desmontem e façam que se movam essas bestas! — disse aos seis soldados da escolta. — Permaneçam junto à carreta até que chegue ao castelo. Nós continuaremos pelo caminho. Depois fixou seu olhar cinza, metálico, em lady Roslynn. — Têm alguma objeção ao feito de deixar aqui a carreta e continuar até o castelo, milady? — Você está ao mando — disse ela com um sorriso beatífico, que não correspondia absolutamente com a agitação que sentia. Em realidade, preferia seguir sentada sob o toró que chegar a Llanpowell. — São necessários seis homens para custodiar a carreta, quando estamos tão perto do castelo de um nobre, e com um tempo tão inclemente? — Não estou disposto a correr nenhum risco — respondeu lorde Alfred, antes de elevar a mão e ordenar que o resto do cortejo retomasse a marcha. Lady Roslynn conteve um suspiro. Não sabia por que se incomodou em pedir opinião a aquele cortesão do rei John. E sem dúvida, ela não deveria haver-se incomodado em responder. O cortejo seguiu seu caminho. O silêncio só era alterado pela chuva, o tinido das cotas de malha e das armas dos soldados e o chapisco dos cascos dos cavalos pelo caminho enlameado. Cada passo que davam os aproximava mais e mais do castelo do senhor de Llanpowell. Como as pedras, aquele castelo parecia um rasgo natural da paisagem, exposto pelo passar do tempo e pelo clima, e não uma edificação feita pelo homem. A região era muito diferente de Lincolnshire, a terra de Roslynn, onde os pântanos se estendiam interminavelmente e o céu parecia infinito. Aqui havia colinas e vales, riachos inesperados, samambaias e pedreiras. Era uma terra selvagem e agreste, estranha e impressionante, face à colossal fortaleza que se elevava frente a
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eles. Roslynn tentou superar seu medo enquanto se aproximavam das portas de carvalho maciço tachonadas. Ocorresse o que ocorresse ali, ao menos estava longe da corte do rei, e o alojamento seria melhor que os que tinham ocupado pelo caminho. Surgiu uma voz da barbacana 1, alguém que falava francês normando, embora com um forte acento galês. — Quem são e o que querem de Llanpowell? — Sou lorde Alfred de Garleboine, enviado do rei — respondeu o nobre. — Enviado do rei? — repetiu o homem que estava sobre a muralha. — De que rei? — Será idiota este homem? — murmurou lorde Alfred. Depois levantou a voz. — De John, rei da Inglaterra pela graça de Deus, senhor da Irlanda, duque da Normandia e Aquitania, conde de Anjou. — Ah, o usurpador Plantagenet que matou a seu sobrinho. Embora o homem dissesse só o que acreditava a maioria, aquilo não tinha aspecto de ser um recebimento agradável. Outros três, com a cabeça descoberta como o primeiro, e vestidos com túnicas, sem cota, uniram-se ao primeiro. — O que quer John? — perguntou um deles. — Falarei disso com seu senhor — respondeu lorde Alfred. — Possivelmente tenham vindo atacar — disse o primeiro. Lorde Alfred se moveu com impaciência sobre a cadeira. — Parecemos um bando de foragidos? — Nestes dias não se pode estar seguro — disse o primeiro, a quem não parecia que importasse muito a impaciência cada vez maior do nobre. — Vimos 1
Barbacana – elemento de defesa avançada localizada no portão de entrada.
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alguns ladrões normandos bem vestidos, nós os galeses. — Abram as portas ou o rei terá notícias disto, assim como seu senhor! Aparentemente, embora os guardas gostassem de provocar os visitantes normandos e seu rei, o senhor de Llanpowell não ia gostar da insolência, porque as enormes portas começaram a abrir-se lentamente. O que dizia do senhor de Llanpowell? Que governava com o medo e o castigo? Ou que, simplesmente, não se devia jogar com ele, a não ser respeitá-lo e obedecêlo? Fosse como fosse Madoc ap Gruffydd, já não havia modo de dar a volta e sair correndo. — Já era hora. Selvagens insolentes — grunhiu lorde Alfred enquanto gesticulava com a mão para indicar ao cortejo que entrasse no castelo. Dentro do muro exterior havia uma área muito grande coberta de erva, e mais à frente, o muro interior, mais alto que o primeiro, com outra porta e uma torre de entrada mais simples que a anterior. As portas interiores estavam abertas. Por elas saiu um carro grande de madeira, puxado por dois bois e seguido por um grupo de vinte homens. Todos levavam espada à cintura e arcos nas mãos, embora só fossem vestidos com túnicas de couro, calças e botas, sem cota de malha nem armadura. Tinham o cabelo castanho escuro ou negro, e a maioria tinha barba fechada. Apesar de sua vestimenta, aqueles deviam formar parte da guarnição do castelo porque rapidamente formaram uma fila a cada lado da estrada que levava para a porta das muralhas interiores. Lorde Alfred apertou a mandíbula. — O rei também saberá deste insulto. — Acredito que é uma guarda de honra, milord — lhe disse em voz baixa
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Roslynn. — Não vê como se formaram e como esperam? Lorde Alfred se limitou a responder sua observação com um grunhido de pouco convencimento. Entretanto, Roslynn estava segura de que tinha razão, porque os homens permaneceram imóveis, olhando estoicamente para frente, enquanto o cortejo avançava para o pátio interior. Ali havia edifícios de vários tamanhos e materiais. Alguns eram de madeira com telhados de ardósia. Outros, como o estábulo, eram de madeira, de tijolo cru e de cana. Havia também várias dependências anexadas a qualquer parede. Pelo menos, o pátio estava pavimentado, assim embora houvesse grandes atoleiros, não era um mar de lama. Infelizmente, também havia vários soldados armados por todo o perímetro, em pé sob os beirais dos edifícios, observando-os com receio. Antes que pudessem desmontar ou que chegasse um moço do estábulo para levar os cavalos, a porta do maior dos edifícios de pedra se abriu de par em par como se a tivesse empurrado uma rajada de vento. Por ela saiu um homem rechonchudo, vestido com uma túnica verde escuro, calças e botas gastas, com uma túnica de lã marrom nos ombros, que baixou rapidamente as escadas. Como os outros, tinha o cabelo comprido e uma barba espessa. Ao contrário dos outros, não levava espada presa ao cinturão, e sim um sorriso que lhe iluminava o rosto redondo. Também tinha uma enorme jarra nas mãos, face à chuva. — Bem-vindos, milord, milady! — disse o francês com acento de Gales, sem preocupar-se com os atoleiros enquanto se aproximava chapinhando a eles. — Bemvindos a Llanpowell! Bem-vindos a minha casa. É uma honra tê-los aqui! Roslynn sentiu uma pontada de angústia no estômago ao dar-se conta de que aquele era Madoc ap Gruffydd, o senhor de Llanpowell.
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Pensou que o Urso de Brecon seria um homem mais jovem. Também pensou que o apelidavam o Urso por sua coragem e sua ferocidade na batalha, não por seu cabelo cinza, por sua barba e pelo tamanho de sua barriga. Ou possivelmente conseguiu aquele apelido em sua juventude. O galês deu algumas ordens em seu idioma, e imediatamente do estábulo saíram vários moços que tomaram as rédeas de seus cavalos. Parecia que os criados do senhor de Llanpowell estavam tão bem adestrados como os soldados, apesar de sua aparência jovial e amistosa. — Entrem e se sequem! — disse o galês enquanto indicava com a mão o caminho para o grande edifício de pedra que devia ser a torre da comemoração, sem prestar atenção à bebida que caía da jarra. Roslynn começou a duvidar seriamente de que Madoc ap Gruffydd não fosse um bêbado. Com uma expressão sombria, lorde Alfred desceu do cavalo e se aproximou para ajudá-la a desmontar. Quando esteve no chão, Roslynn respirou profundamente e sacudiu a saia do vestido, enquanto lorde Alfred oferecia rigidamente o braço para acompanhá-la até a torre, atrás de seu anfitrião. Os soldados permaneceram em seus postos, vigilantes e desconfiados. O salão da torre era bastante pequeno, fechado e velho. Suas vigas estavam obscurecidas pela idade e a fumaça. Ao contrário de outros salões de construção mais recente, ali havia uma lareira central, e o telhado não estava situado sobre pilares de pedra, mas sim de madeira. Alguns eram lisos, e outros estavam esculpidos com folhas de parra e rostos de animais. O chão estava coberto de tapetes e havia três enormes cães de caça, tão peludos como seu dono, que se levantaram e olharam aos normandos quando passaram. Havia também vários serventes esperando junto à parede, observando-os como os soldados, enquanto o senhor do castelo os conduzia
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para os bancos e a cadeira que havia dispostos ao redor da lareira. Depois de ver a fortificação do castelo, Roslynn pensou que as dependências da residência de Llanpowell seriam mais modernas e confortáveis. Teve uma desilusão ao descobrir que não era assim, mas ao menos, podiam secar-se. E, por muito tosco que fosse o alojamento, era melhor do que estar na corte do rei John, onde tinha que defender-se das insinuações do rei e de seus lascivos cortesãos que acreditavam, dada a história recente de lady Roslynn, que estaria agradecida por seus cuidados. — Sente-se junto ao fogo, milady - disse seu anfitrião enquanto tirava a capa sem soltar a jarra. Não pareceu dar-se conta de que a capa caiu ao chão antes que um servente pudesse recolhê-la. — Bron, o que faz moça? — perguntou a outra criada que estava junto à parede e que não parecia maior de dezoito anos. — Toma a capa da senhora. A jovem se aproximou rapidamente e esperou enquanto Roslynn tirava a capa empapada de chuva. Com igual diligência, a moça pendurou o objeto em um cabide da parede antes de voltar para seu posto. Junto ao fogo fazia mais calor, e Roslynn ia bem abrigada; levava um vestido de lã grossa e umas boas botas. Entretanto, estremeceu-se e abraçou a si mesma antes de tomar assento no banco. Com um grande sorriso, o galês se acomodou na única poltrona e olhou lorde Alfred, que estava de pé, tão rígido que qualquer tivesse pensado que era incapaz de dobrar a cintura. — Sem dúvida, estará se perguntando o que nos trouxe até aqui — começou, com igual rigidez. — Pois sim, mas sente-se, homem! — respondeu o nobre galês com uma gargalhada. — Beba e coma antes de ir direto ao assunto. Não posso pensar em nada
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importante quando me ruge o estômago. Bron traz vinho quente para nossos convidados, pão e queijo do suave, não do forte. Braggot não. Ainda não, ao menos. Enquanto a moça desaparecia por um corredor que certamente levava à cozinha, o galês se voltou para Roslynn e lhe piscou com o olho. — O braggot é o hidromel galês, milady, e é muito forte, assim é melhor que por agora só tomemos vinho. Devolveu o sorriso com muita dificuldade. Madoc ap Gruffydd não era bonito nem jovem, mas certamente, era melhor assim. Acaso ela não aprendeu quão enganosas podiam ser a juventude e uma figura e uma cara bonita? Além disso, um homem de sua idade podia ter superado a ambição e a avareza, e possivelmente queria viver tranquilamente em seu território. Essa podia ser a explicação de que fosse tão alegre e hospitaleiro: não tinha razão para não ser. — E bem, milord, que tal está o rei ultimamente? — perguntou o galês, enquanto um dos serventes enchia sua jarra, já vazia. O criado a apanhou com tanta habilidade que Roslynn pensou que aquilo ocorria frequentemente. — Segue sendo feliz com sua esposa francesa? — O rei John está muito bem, sim, e felizmente casado. Todos têm a esperança de que logo nasça um herdeiro — respondeu com frieza lorde Alfred. — E agora, permita que me apresente, milord. Sou lorde Alfred de Garleboine e a dama é...? — Lorde Alfred de Garleboine? É um nome larguíssimo. Não posso dizer que o tivesse ouvido antes, mas claro, não disponho de tempo para dar muita atenção à corte inglesa nem às travessuras que ali se fazem — disse o galês, enquanto dava uns golpezinhos na mão de Roslynn. — É muito mais agradável contar histórias ao redor do fogo, e cantar canções sobre as façanhas dos valentes, verdade, milady? — Um nobre deve prestar atenção ao que acontece na corte, se deve ajudar ao rei e proteger a sua família — replicou ela, sem deixar-se impressionar pela atitude,
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na aparência indolente, do nobre, sobretudo naqueles tempos e com aquele rei no trono. — Oh, sei o suficiente, sei o suficiente. Não é que vivamos no fim do mundo — replicou lorde Madoc, antes de elevar de novo a voz para chamar Bron. Ela apareceu na porta imediatamente, com uma expressão consternada no rosto. — Onde está essa comida, moça? E a bebida? Nossos convidados morrem de fome! Parece-te bem que não possam tomar algo de comer depois de ficarem sob a chuva! A criada disse algo em galês e desapareceu de novo. — Não é que não tenhamos muita comida na despensa, milady — explicou o senhor de Llanpowell a Roslynn, como se aquilo fosse um assunto muito grave. — É só que estamos entre as refeições enquanto esperamos que voltem as patrulhas. Tivemos umas quantas moléstias com eles nas montanhas. Enquanto Roslynn sorria para indicar que não estava molesta pelo atraso, perguntou-se o que quereria dizer seu anfitrião com: «Umas quantas moléstias» e os quais seriam «eles». Claramente eram inimigos, mas, quantos, e até que ponto poderosos? Não lhe contaram quase nada do senhor de Llanpowell, e menos de quão inimigos pudesse ter. — Milord — começou lorde Alfred de novo, com evidente exasperação. — viemos... — Por fim chega à comida! — interrompeu-o o galês, quando apareceu a moça, com uma bandeja grande. Sobre a bandeja havia três preciosas taças de prata, uma jarra com vinho fumegante, cujo aroma de especiarias perfumou o ar, e um prato coberto com um guardanapo. Um dos serventes chegou também com um pequeno banco, que colocou frente à Madoc ap Gruffydd. Depois que Bron depositasse a bandeja sobre aquele banco, o galês levantou o guardanapo e deixou à vista duas fatias grossas de
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pão fresco e várias fatias de queijo, além de uns quantos pastéis de mel. A Roslynn soou o estômago quando percebeu o aroma do pão e do vinho. Ela se ruborizou, mas o senhor de Llanpowell pôs-se a rir, entregou-lhe uma das taças e lhe serviu vinho. — O que falei? Estão famintos, sem dúvida. Dava-me conta ao vê-los. E um pouco mais de carne sobre os ossos não seria mau. — Possivelmente agora possamos falar do objetivo de nossa visita — disse lorde Alfred com os dentes apertados. Ao galês apagou a expressão alegre do rosto em um instante. Seu rosto expressou uma desaprovação fria. — Pode ser que tenha vindo da parte do rei Plantagenet, milord, e sem nenhum convite que eu conheça, mas nesta casa vem primeiro a hospitalidade e depois os negócios. Lorde Alfred avermelhou, mas finalmente, com lentidão, sentou-se junto ao fogo, frente à Roslynn, e aceitou uma taça de vinho com especiarias. — Vamos, comam e falem depois — disse o galês, e sua ira desapareceu tão rapidamente como o vapor que saía da jarra. O vinho era surpreendentemente bom e a fez entrar em calor. Seu sabor e seu efeito eram reconfortantes, entretanto, teve o cuidado de não beber muito. Não queria que nada empanasse sua habilidade de raciocinar. — Não estão muito melhor agora? — perguntou o galês, quando os pratos estavam quase vazios e Roslynn já não podia tomar um bocado mais. — E agora, ao importante. Assim, lorde Alfred de Garleboine, o que trouxe você e sua encantadora filha até Llanpowell? A Roslynn quase lhe escapou o vinho da boca, embora fora um engano inocente. Lorde Alfred era o suficientemente velho para ser seu pai.
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— Lady Roslynn não é minha filha — respondeu lorde Alfred severamente. — Ela é... — Sua encantadora esposa, então? — disse seu anfitrião, sorrindo. — Que afortunado é! Lorde Alfred não podia ter mais cara de assombro, enquanto Roslynn estava com vontade de rir, face às circunstâncias. — Não, é obvio que não é minha esposa. Ela é... — Que Deus nos proteja — disse lorde Madoc, como se estivesse entre o escândalo e a admiração. — Não quer dizer que é sua companheira! — Não! — exclamou Roslynn, intervindo. — Eu não sou sua amante! — Bom, graças ao céu — disse o galês a Roslynn, com verdadeiro alívio, enquanto a cara de lorde Alfred passava do vermelho ao púrpuro. — Ou pensaria que não têm gosto. — Milord — grunhiu lorde Alfred. — Lady Roslynn está aqui em nome do rei John. — Agora têm mulheres como embaixatrizes? — perguntou o galês com assombro, sem alterar-se pela ira de lorde Alfred e dirigindo-se a Roslynn em vez de falar com o normando. — Interessante, e também inteligente, tenho que dizer. Eu escutarei alegremente tudo o que tenha a dizer uma mulher bela. — Se permitir que me explique milord — disse lorde Alfred, que agarrava o pé da taça como se fora o pescoço de uma galinha. — Lady Roslynn de Werre ficou viúva recentemente... — Oh, que pena — disse lorde Madoc, olhando-a com simpatia e lhe dando uns golpezinhos no braço outra vez. — Tão jovem. — Viúva — continuou lorde Alfred — e o rei há... A porta do salão se abriu, e por ela entrou um homem jovem e alto, bem
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barbeado, de cabelo escuro e comprido até os ombros. Ia vestido como os outros homens, com uma túnica de couro sobre uma camisa fina e umas calças de lã colocadas pelas botas gastas. Ele sim levava uma espada à cintura, metida em uma capa de couro obscurecida pela idade e o uso. E, ao contrário de lorde Madoc, era assombrosamente bonito. Tinha o cabelo encaracolado e escuro, e os traços do rosto bem marcados, fortes, com a testa larga e umas sobrancelhas castanhas sobre uns olhos também marrons e brilhantes. Tinha o nariz reto e estreito e os lábios carnudos, com uma forma bonita. Enquanto devolvia o escrutínio, ela pôs-se a tremer. Não soube se era de medo ou de luxúria, mas teve a certeza repentina de que ele podia ver seu coração pulsando rapidamente de temor. E também se deu conta, pelo modo em que franziu o cenho, de que aquilo não o agradava. O senhor de Llanpowell ficou em pé e se aproximou daquele homem, de modo que desviou sua atenção dela. Conversaram em um rápido galês; parecia que o homem mais velho estava tentando aplacar ao jovem. Havia certo parecido em sua postura; podiam ser parentes. Pai e filho, possivelmente? Não a informaram que o senhor de Llanpowell tivesse estado casado antes, nem de que tivesse um filho. Em realidade, não lhe haviam dito nada sobre Madoc ap Gruffydd. A única coisa que havia dito o rei John à Roslynn era que o Urso de Brecon ia receber a recompensa de uma esposa com um grande dote por ajudá-lo a terminar com as intrigas de seu defunto marido, e que ela ia ser a noiva. E se aquele era seu filho? Um filho adulto fazia que a posição de uma esposa fora muito mais precária, se ela ia casar-se com o senhor de Llanpowell. — Estamos sendo grosseiros — disse seu anfitrião de repente em francês
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normando, voltando-se para os convidados. — Vem conhecer nossos visitantes. Lorde Alfred já estava em pé e Roslynn se uniu lentamente a ele. Colocou as mãos nas largas mangas de sua túnica e agarrou os antebraços para dissimular seu tremor à medida que se aproximavam. — Apresento lorde Alfred de Garleboine, que veio em nome do rei John — lhe disse o homem mais velho — e lady Roslynn. Não é sua filha, nem sua esposa, nem nada dele, aparentemente, e ficou viúva recentemente, a pobrezinha. O jovem se ergueu e cruzou os braços enquanto a olhava com receio. Ele não escondia seus sentimentos, seus pensamentos nem suas reações, como muitos outros. Possivelmente fosse porque não tinha que fazê-lo? Poder e segurança. Sim, ele irradiava aquelas qualidades. Suas maneiras faziam que lorde Alfred parecesse um modelo de cortesia e gentileza, e que seu pai parecesse à hospitalidade personificada. O desejo que nasceu, morreu no primeiro olhar. Ele não era um príncipe guerreiro a quem admirar e desejar, a não ser um homem arrogante e poderoso que podia machucá-la. E Roslynn jurou que nunca mais permitiria que um homem lhe fizesse mal, tivesse ordenado o que tivesse ordenado o rei John. Sua determinação e seu orgulho despertaram. Elevou o queixo e fez frente a sua receosa observação. — Sou lady Roslynn de Werre. — De Werre? — repetiu o jovem, entrecerrando os olhos. — Como o traidor? — Sim. Eu era a esposa de Wimarc de Werre, e como o rei está agradecido pela recente ajuda de seu pai... — Meu pai? — interrompeu-a ele. — Meu pai morreu faz três anos. Roslynn trocou o olhar do jovem ao homem mais velho, e depois olhou ao
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jovem outra vez. — Seu pai não é lorde Madoc ap Gruffydd? — Não — respondeu o jovem. — Eu sou o senhor de Llanpowell.
Capítulo 02 Ele era Madoc ap Gruffydd? Aquele jovem forte e arrogante era o homem com o que o rei John queria que ela se casasse? Deixou-se cair pesadamente no banco. Podia suportar um matrimônio com um homem mais velho, sobretudo com um amigável e generoso. Mas, casar-se com um guerreiro arrogante e viril, que podia ser tão violento e cruel como seu primeiro marido? Isso não poderia aceitar nunca. — Tio, o que estiveste fazendo? — perguntou o jovem ao homem a quem eles pensavam que fosse Madoc ap Gruffydd. — Dar boas-vindas a nossos convidados, posto que você não estava — disse o homem mais velho, sem o mínimo sinal de arrependimento. — Devo ter me esquecido de fazer as apresentações pertinentes, com a surpresa e a beleza da dama — disse, e sorriu para Roslynn. — Sou Lloyd ap Iolo, o tio de Madoc. Eu estou a cargo de Llanpowell quando Madoc está de patrulha. Lorde Alfred lançou um olhar fulminante ao homem que os tinha recebido. — Que tipo de truque galês é este? O verdadeiro lorde Madoc olhou lorde Alfred com desprezo. — Não houve nenhum truque nem engano. Meu tio está ao mando de Llanpowell quando eu estou ausente, e conto com ele para que seja meu anfitrião. Se
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disser que esqueceu de apresentar-se, é a verdade. Não pretendia lhes ofender. — Ai, foi um engano, isso é tudo, com o inesperado de sua visita — assegurou o homem mais velho. — Tio, importar-te-ia de servir algo de beber a dama? — pediu o senhor de Llanpowell. — Está um pouco enjoada. Roslynn não estava débil nem enjoada. Em realidade estava indignada e furiosa. Uma vez mais havia sido enganada por um homem, e embora a explicação parecesse inofensiva e verossímil, era desrespeitosa de todos os modos. Por desgraça, ao ser uma mulher, e uma convidada, e tendo em conta a razão que a levou ali, não podia expressar seus verdadeiros sentimentos, assim aceitou em silêncio a taça de vinho que ofereceu Lloyd ap Iolo. O jovem se aproximou da poltrona e se sentou nela como se fosse um rei ocupando seu trono. — Peço desculpas pelas moléstias que possa ter causado a confusão — disse, embora não parecia que o lamentasse absolutamente. — E agora, lorde Alfred possivelmente possa explicar qual é o motivo de sua visita a Llanpowell. — É o que estive tentando fazer — respondeu o nobre normando com um bufido. — Estou a sua disposição, milord — disse Madoc ap Gruffydd com uma amabilidade exagerada. De novo, ela teve a sensação de que os estavam tratando com desdém, e sua indignação cresceu. Lorde Alfred devia sentir-se da mesma maneira, mas respondeu com a cortesia de um homem que estava acostumado à hipocrisia da corte. — O rei John está agradecido pela ajuda que lhe deu para terminar com a rebelião urdida por Wimarc de Werre.
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Lorde Alfred fez então uma pausa para dar a lorde Madoc a oportunidade de elogiar a magnanimidade do rei. — Posso passar perfeitamente sem sua gratidão — respondeu lorde Madoc, entretanto. — E a recompensa que prometeu? — olhou Roslynn e franziu o cenho com um sorriso desdenhoso. — Ia dizer que lady Roslynn é meu prêmio? Roslynn se ruborizou, mas olhou fixamente ao nobre. — Em realidade, milord, sim sou. Teve a breve satisfação de ver o arrogante senhor de Llanpowell ficar tão assombrado como ela ficou ao saber quem era ele. — Lady Roslynn e seu dote são sua recompensa — disse lorde Alfred. — Dote? Há dito dote? — perguntou Lloyd ap Iolo enquanto seu sobrinho olhava Roslynn como se fosse um homem a quem tivessem golpeado na cabeça com um objeto contundente. — Seu dote consiste em oitocentos marcos em prata e joias, assim como em objetos domésticos de valor — acrescentou lorde Alfred. Madoc ap Gruffydd se levantou da cadeira como um raio. — Prometeram-me dinheiro em troca de minha ajuda, não uma esposa! Não quero uma esposa, e menos uma que tenha escolhido outro homem. Roslynn sentiu um golpe de esperança. Ele ia rechaçá-la! Poderia livrar-se de outro matrimônio horrível, e o rei não poderia culpá-la. Lorde Alfred se levantou também, com um ataque de ira. — Como se atreve a rechaçar...? Respirou profundamente e conseguiu dominar sua raiva. — Pense sabiamente galês, antes de rechaçar o que o rei John oferece com tanta generosidade. É lady Roslynn e seu dote ou nada. — Se razoável, Madoc — disse seu tio. — É muito dinheiro, esse dote, e já é
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hora de que te case outra vez. Outra vez? — E embora já tenha um filho, se tivesse mais seria melhor. Tinha já um filho? — Não me caso por mando de outro homem, nem para criar filhos — replicou lorde Madoc — e tampouco me casarei com uma mulher a quem foi obrigada a fazêlo. Como se os desejos de uma mulher pudessem importar a um homem como ele. — Lady Roslynn não foi obrigada — disse lorde Alfred, e se voltou para ela. — Diga milady. Diga que veio aqui por sua própria vontade, e se casará com ele por sua própria vontade. Roslynn preferia ficar calada e deixar que eles falassem, mas como o pediram, respondeu com sinceridade. — Não me ameaçaram, nem me têm feito passar fome, nem me torturaram até que aceitei esta proposta. Entretanto, tinha duas opções: cumprir o mando do rei ou ficar em sua corte, e eu tinha muita vontade de sair dela. — Milady! — exclamou lorde Alfred com assombro, como se ninguém nunca desejou sair da corte do rei. Ela fez caso omisso do normando que a tinha levado até ali, tratando-a como se fosse uma caixa ou um barril, e se dirigiu ao senhor galês e a seu tio. — Sou uma moça e desejo ter um lar com filhos. Sei muito bem que também sou a viúva de um traidor, e que nenhum homem me escolheria facilmente, assim aceitei ao mando do rei e rezei para que tudo saísse bem. Entretanto, milord, deve saber que esta oferta não custa nada ao John. O dote é menor que o que eu contribuí a meu primeiro matrimônio. Todo esse dinheiro e essas propriedades passaram a ser
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de meu marido e, portanto, iam engrossar os bens da Coroa quando ele foi preso e executado por traição. John não acrescenta nada próprio. O rei envia-me a você como se estivesse dando um vestido usado a um mendigo. Parecia que lorde Alfred podia explodir a qualquer momento. — Milady! Isso não é... — É a verdade, milord, e os dois sabemos — o interrompeu ela com firmeza. Depois agarrou as mãos sobre o colo, fingindo uma serenidade que não sentia. — Queria que lorde Madoc também soubesse. Enquanto o senhor normando a observava atentamente, ela se ruborizou, e não de vergonha precisamente. Ele era um homem atrativo e bonito, embora tivesse um caráter forte, o cabelo comprido até os ombros como um selvagem e a mesma vestimenta que seus soldados. Naquilo era o oposto a Wimarc, que se vestia com as melhores sedas e os tecidos mais caros, e que levava o cabelo curto ao modo normando. Wimarc nunca teve o aspecto de ter estado cavalgando pelos pântanos a todo galope. — Agradeço sua sinceridade, milady — disse lorde Madoc, com um pequeno sorriso, e em um tom vagamente conciliador. — Embora lhes subestimam. Você está muito longe de ser um vestido usado. Aquele sorriso e o elogio não deviam comovê-la. Sua voz grave não devia afetála. Não deveria sentir-se tentada por aquele homem, nem a seu físico ou sua forma de falar. Deveria lutar contra a excitação que despertou dentro dela, a mesma debilidade que a tinha conduzido aos braços de um homem malvado. Tampouco ia responder a suas adulações. — O que ocorrerá se não nos casamos? — perguntou lorde Madoc a lorde Alfred. — Voltaremos para a corte e informaremos a John de sua negativa — disse o
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normando com tensão. — Não, milord — disse Roslynn. Ela já tinha previsto aquela possibilidade e tinha decidido o que faria embora lorde Alfred não soubesse. — Você pode retornar com meu dote, lorde Alfred, mas eu prefiro ir a um convento que voltar para a corte do rei. Lorde Alfred a olhou como se aquela fosse à proposição mais revoltante do mundo. — Mas o rei... — Não tem nenhum motivo de queixa. Eu fiz o que me ordenou. Se lorde Madoc me rechaçar, o rei não pode dizer que eu desobedeci. Se teme retornar sem mim, digam a John que caí na melancolia, e que só a promessa como esposa do Senhor pôde reviver meu espírito. Sem dúvida, a volta de meu dote o ajudará a superar qualquer outra desilusão que possa sentir. O senhor de Llanpowell voltou a sentar-se. — Parece que a dama e eu estamos de acordo, ao menos nesse ponto. Nenhuns dos dois vão casar só porque o deseje o rei John. Lorde Alfred apertou os punhos. — Posso recordar aos dois que não é inteligente contrariar a um rei? — Possivelmente não seja inteligente que o rei me leve a contrariá-lo — replicou lorde Madoc. — Duvido que possa permitir-se perder a amizade de um homem que tem alianças com os Marches. Por sorte, ainda não rechacei o presente do rei. É uma mulher muito bela, depois de tudo. E atrevida, também. Embora alguns homens prefiram uma esposa plácida, eu não. Prefiro às mulheres que dizem o que pensam, e esta dama o faz. Assim possivelmente ainda a aceite. Não podia estar falando sério! Como podia estar tão contra o mandato do rei
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em um momento e ao momento seguinte aceitá-lo? A menos que aquele dote fosse muito apetecível para rechaçá-la. — Entretanto, como já disse, a dama deve estar de acordo. O qual não acontecia e não ia acontecer, por muito bonito que fosse aquele homem. Devia estar carregando a ela com a responsabilidade, e com a culpa, de dar ao traste com os planos do John. — Tudo isto é ridículo! É só uma mulher! — protestou lorde Alfred. — Não tem direito a opinar. — Em meu salão, sim — replicou lorde Madoc. — E bem, milady? O que diz? Roslynn não ia deixar-se apanhar na armadilha, assim se o galês esperava que ela respondesse sim ou não, não ia consegui-lo. — Acabamos de chegar — disse. — Devo dar minha resposta agora mesmo? — Não — respondeu lorde Madoc. — Nós dois deveríamos ter tempo para decidir se encaixamos ou não. Ela já sabia a resposta a isso e, a menos que estivesse equivocada, ele também. — Eu devo retornar a corte sem tardança — disse lorde Alfred. — O rei está impaciente por solucionar este assunto. — Teve meses para fazer sua oferta, assim penso que pode esperar uns dias mais — disse o senhor de Llanpowell enquanto ficava em pé. — Podem culpar ao galês se necessitar um motivo, milord. E agora, se me desculparem, devo ir em busca de meu administrador para lhe dizer que temos hóspedes. Tio, por favor, te encarregue das acomodações de lorde Alfred e seus homens. — Muito bem, sobrinho! — disse seu tio com um amplo sorriso. — Bron — continuou lorde Madoc — acompanhe lady Roslynn à câmara da torre sul. Quererá descansar até o jantar.
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Embora causasse desagrado à arrogante despedida de Madoc de Llanpowell e sua rápida saída, Roslynn se alegrou de estar a sós. Necessitava solidão e tranquilidade para pensar em tudo o que ocorreu desde sua chegada à aquele castelo. O aposento ao que a levou a criada era muito confortável, embora tivesse um pouco de pó. Os móveis, uma cama com dossel, uma pequena mesa de madeira, um tamborete e penteadeira eram velhos, mas estavam bem encerados. As cortinas de linho da cama, de um azul brilhante, penduravam sob argolas de bronze. Não havia toalhas de linho junto ao lavabo da penteadeira, o que dava a entender que ninguém tinha usado a estadia recentemente. Possivelmente só fosse para uso dos convidados e o senhor de Llanpowell tivesse um aposento muito mais confortável em outra parte do castelo. Caminhou para uma janela estreita e olhou ao exterior. Só se via a muralha interior; não era uma vista muito inspiradora. Por outra parte, possivelmente veria tudo o que precisava ver daquele castelo e dos arredores, porque provavelmente não ficaria muito mais. Embora não queria causar a ira do rei com uma negativa direta, fá-lo-ia se fosse necessário. Preferia enfrentar à fúria de John que um matrimônio com um homem de caráter forte e possivelmente violento que a faria muito infeliz. Já viveu assim, e não queria voltar a fazê-lo. Ouviu o som de uns passos que se aproximavam, e ao voltar-se para a porta, viu lorde Alfred entrando no aposento. — Por todos os Santos, milady — declarou, enquanto passava sem ser convidado. — E pensar que já senti lástima por você! — disse. Deteve-se e abriu os braços, olhando-a com desaprovação. — Quem acredita que é? — Sou lady Roslynn de Werre, filha de lady Eloise e lorde James de Briston —
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respondeu Roslynn, sem temer a ira de lorde Alfred. O nobre tinha muito pouco poder sobre ela naquele castelo, tão longe do rei. Sua resposta calma não serviu para diminuir a indignação de lorde Alfred. — Que tipo de jogo está jogando, milady? Não houve uma palavra sua de queixa durante o trajeto até aqui. — Não estou jogando. Como disse não me oponho à ideia do matrimônio. Oponho-me a voltar para a corte se lorde Madoc não me aceitar. Sabe que tipo de homens tem John a seu redor. É que lhe resulta estranho que não queira voltar? Lorde Alfred não respondeu diretamente, porque sem dúvida sim sabia que tipo de homens rodeavam ao rei. — Deveria ter falado com o rei de seus sentimentos. Como se a John importasse. Entretanto, não disse aquilo. Em vez disso, disse: — E ele deveria ter contado algo mais sobre Madoc ap Gruffydd. — De modo que pudesse encontrar desculpas para não fazer o que ele desejava? — Para saber com que homem devia me casar. Parece um selvagem de mau caráter que se diverte nos olhando como se fôssemos tolos. Deveriam ter me dito que tem um filho, porque os filhos que eu tenha não herdarão seu patrimônio, a não ser só uma pequena parte dele. — Todos os filhos que eu tenha herdarão uma parte igual de minhas posses, salvo pelo título — disse o selvagem da porta. Tanto Roslynn como lorde Alfred deram a volta e viram lorde Madoc na soleira, de braços cruzados. Deus Santo, quanto tinha ouvido? — É uma decisão que tomei antes de ter um filho, e mantê-la-ei, se acaso sou bento com mais descendência — continuou ele enquanto entrava no aposento.
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Arqueou inquisitivamente uma sobrancelha. — Posso lhe perguntar o que faz na câmara da dama, milord? Lorde Alfred se ergueu. — Como representante do rei tenho todo o direito a falar com ela em privado. — Em meu castelo não. O normando não se mostrou mais ofendido que se o tivessem acertado a cara. — Sou um homem honrável! — Isso diz você, mas falar é fácil. — Então, ouçam a mim — disse Roslynn, que também havia se sentido ofendida. — Fosse o que fosse meu defunto marido, eu sou uma mulher honrável, e não há nada inconveniente entre lorde Alfred e eu. — Isso espero. — Lorde Madoc — respondeu ela — se tiver vindo nos insultar... — Vim falar com você, milady, preferivelmente sem a presença do lacaio do rei. — Milord! — bufou lorde Alfred, levando a mão ao punho da espada. — Sou o representante do rei e, portanto, o responsável por lady Roslynn. A menos que se celebre o matrimônio, não pode estar a sós com ela. O galês arqueou as sobrancelhas de um modo ameaçador. — Pensa que vou forçá-la? Lutando contra o medo que lhe ocasionaram aquelas palavras, as visões e as lembranças que provocavam, Roslynn começou a retroceder e posou a mão na adaga que levava no cinturão. Era pequena, mas estava afiada de um modo letal, e ela a usaria se fosse necessário. Jamais permitiria que um homem a usasse contra a sua vontade. Nunca! — Está sob o amparo do rei! — exclamou lorde Alfred, jogando mão igualmente de sua espada.
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— Que, conforme tenho entendido, força às mulheres frequentemente, inclusive às esposas e as filhas de seus próprios cortesãos — replicou o galês. — E por que ia arriscar-me, se você obrigaria com isso a nos casar? A dama certamente não me rechaçaria se eu o fizesse. Que Deus a ajudasse! Aquele homem possivelmente era pior que Wimarc. Lorde Alfred desembainhou a espada e se colocou frente a ela. — Arrisque-se a tocá-la, galês. Está a meu cuidado, e a protegerei com minha vida. Durante um horrível momento, ela pensou que possivelmente se encetassem em uma briga, até que o senhor de Llanpowell exalou lentamente. Pareceu que sua ira se dissipava. — Sua defesa pela dama fala bem de você, lorde Alfred. Pode embainhar a espada, porque sua virtude está a salvo comigo. Nunca forcei uma mulher, e nunca o farei. Por desgraça me resulta quase impossível distinguir se um normando é honrável ou não. Agora estou seguro de que você é. Roslynn afastou lorde Alfred. — Isto era uma espécie de julgamento, burro galês, para determinar a honra de lorde Alfred, ou a minha? — perguntou, tremendo de raiva. — Possivelmente esperava me encontrar nos braços de lorde Alfred, para poder me rechaçar com um motivo e exigir do rei uma recompensa distinta? Que lástima que seu plano estivesse exposto ao fracasso, porque eu valorizo minha honra tanto como qualquer homem — disse, e assinalou para a porta. — Parte! Ele arqueou uma sobrancelha, mas não se moveu. — Fora! — insistiu ela. Ao ver que não se movia, Roslynn tirou a adaga do cinturão. O senhor de Llanpowell cruzou o aposento de duas pernadas e a agarrou pelo
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antebraço. Parecia um deus encolerizado. Estava mais zangado que nenhum outro homem que Roslynn tinha visto, nem sequer Wimarc quando o capturaram. Com terror, ela gritou e se retorceu, protegendo a cabeça com o outro braço em espera do golpe que ia chegar, as maldições e os chutes que ia receber. Em vez disso, ouviu sua voz, calma embora tirante e firme, enquanto ele a soltava. — Não vou golpeá-la, milady, embora tenha tirado uma faca e tenho todo o direito a me defender, inclusive de uma mulher. Embora ela não o conhecesse, teve a sensação de que era sincero, e tragou seu medo. — Tirei a faca porque não permitirei jamais que um homem volte a me tomar contra minha vontade. Lorde Madoc abriu os olhos muito surpreso, e depois a olhou com lástima, como se ela fosse uma coisa patética. — Não fui violada por um estranho — lhe explicou rapidamente. — Não foi um foragido quem me forçou. Foi meu próprio marido. Nosso leito era para seu prazer, não para o meu. Lorde Alfred avermelhou. — Se era seu marido, estava em seu direito de... — Nos deixe milord — disse lorde Madoc. — Falarei com a dama a sós e não a tocarei. Roslynn viu a verdade da promessa em seus olhos, naqueles olhos castanhos que, aparentemente, revelavam suas emoções. Aquela podia ser sua única oportunidade de conseguir a liberdade e, portanto, ia aproveitá-la e, se estivesse equivocava ao confiar naqueles olhos, ainda tinha a adaga. Lorde Alfred não estava disposto a aceitar.
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— É inapropriado... — Milord, por favor — insistiu Roslynn. Lorde Alfred embainhou a espada. — Muito bem, partirei, mas saiba isto, milord: não vou ficar esperando como um cão preso com uma correia. Em dois dias voltarei para a corte com lady Roslynn ou sem ela. Entretanto, se o matrimônio não se celebrar, estejam seguro de que não permitirei que me responsabilizem disso.
Capítulo 03
Depois que lorde Alfred saiu do aposento, lorde Madoc se voltou para Roslynn e a observou como se nunca tivesse visto uma mulher. — Estava disposta a me matar se tentava te forçar, verdade? Ela não viu nenhum motivo para mentir. — Sim. Pensei que disse isso. — Eu também disse a verdade. Nunca tomei uma mulher contra sua vontade, e nunca o farei. Não golpeio as mulheres nem meus serventes. Essas são ações de brutos e covardes. Aquelas palavras podiam carecer de sentido. Como ia um homem de seu temperamento evitar golpear a outros com ira? Ele se aproximou da janela e olhou para a muralha enquanto falava.
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— Eles a obrigaram a se casar com Wimarc? — Não, milord — disse ela, embora lhe envergonhasse e entristecia admitir. — Acreditava que ele me queria, e descobri que para o Wimarc eu não era mais que um dote e uma mulher da que podia abusar quando quisesse. Pior, ele era um traidor e, embora eu fosse inocente, teria sofrido o castigo a morte de um traidor, também, se não fosse pela intercessão dos amigos. Os reis são homens desconfiados, e meu destino poderia ter sido bem distinto. — Assim que o rei a deixou viver para usá-la como ferramenta, como presente. O que podia responder a isso? Era certo. O galês deu a volta por fim. Apoiou-se no batente e se cruzou os braços. — Ouvi falar de seu marido. Era uma lontra muito suave, e bonito e inteligente. Há cabeças de mais idade e mais sabedoria que a sua que se deixaram convencer por ele. E o amor deixar qualquer um parvo. — Agora já não acredito que o quisesse de verdade. Senti-me adulada por seus cuidados e atraída por seu aspecto. Que Deus tivesse piedade dela. Por que fez aquela confissão, e, além disso, diante de um estranho com o que se supunha que devia casar-se? — Assim que a enganaram e a casaram com um traidor, e agora o rei pensa em usá-la — murmurou lorde Madoc. — Entretanto, têm família e amigos. O convento não pode ser a única alternativa para você se não nos casarmos. — Envergonhei meus pais e abusei de meus amigos o suficiente. Assim, se não me casar, escolherei o caminho da Igreja. — Então nunca poderá ter filhos. — Como não sou tola, isso já sei. Ele a rodeou lentamente, e ela o olhou, mas não se moveu. Que a olhasse tanto como quisesse. Já tinha sido objeto do escrutínio masculino em outras
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ocasiões, sobretudo na corte. — Acredito que não quer entrar para a Igreja, de igual modo que eu não quero ganhar inimigos — disse ele por último. — Face ao que disse a lorde Alfred, não queria ter ao rei como inimigo. Entretanto, como disse antes, não vou me casar com uma mulher pela força. Deteve-se atrás dela, e quando voltou a falar, sua voz foi suave, baixa, como a de um amante, ou como o que ela tinha imaginado em um amante. — Mas não precisa se fechar em um convento, milady. Pode encontrar desculpas para o fato de não nos casar. Possivelmente uma enfermidade; ou eu poderia dizer que me comprometi desde que fiz meu trato com John. Ou que nossos avós têm um parentesco próximo. Enquanto isso, pode ser minha hóspede durante o tempo que quiser, casemo-nos ou não. Casassem-se ou não? Acaso ele estava pensando seriamente em aceitar a proposição do rei? Voltou-se para ele e tentou adivinhar seus verdadeiros sentimentos. Desejava-a ou só o dote? Queria usá-la como a tinha usado Wimarc? Como companheira de cama, como peão político, ou como ambas as coisas? O que era o que realmente queria? O que viu em seus olhos não era avareza, nem luxúria, nem ambição, a não ser uma especulação igual à dela, como se aquele homem sentisse curiosidade por saber o que queria ela. Entretanto, quando seus olhares se cruzaram, viu algo mais em seus olhos. Desejo. Sim, ele era um homem que podia tentá-la, mas depois, o que? Madoc ap Gruffydd não era um menino, não era um moço que brincasse com o amor. Não era um cortesão acostumado às conversações galantes e os jogos de
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sedução. Madoc de Llanpowell era algo completamente distinto, elementar, primitivo. Mais viril e excitante que nenhum outro homem a quem ela conheceu. Quando se deu conta daquilo, também se deu conta de que Madoc era, portanto, muito mais perigoso para ela que Wimarc. Se o desejava, poderia ver-se em uma situação de debilidade, e cometeria outro terrível engano que causaria dor. Ela umedeceu os lábios, que de repente ficaram muito secos. — Pensei que a proposta o ofendeu. Para sua surpresa, ele esboçou um sorriso verdadeiro, que o converteu em uma versão mais jovem de seu tio, e tão inofensivo como ele. — Zanguei-me porque John não enviou o que tinha me prometido. Também fiquei horrorizado pelo que tinha enviado, mas agora estou começando a pensar em que me deixei levar por meu aborrecimento. Aquilo não era o que ela queria ouvir. Nem naquele momento, nem nunca. Não dele. Entretanto, se ele se deu conta de sua consternação, não lhe causou desgosto. — Não há necessidade de decidir hoje mesmo este matrimônio — disse cordialmente, e lhe ofereceu o braço. — Não me importa fazer lorde Alfred esperar. E a você? Ela esteve a ponto de dizer que sua decisão já estava tomada e que nunca se casaria com ele, mas a precaução a advertiu que não dissesse nada. Por muito bem que lorde Madoc se comportasse naquele momento, era um estranho para ela, e cabia a possibilidade de que ainda queria jogar a culpa nela se o matrimônio não acontecesse. Seria muito melhor para ela, para seus amigos e para sua família que fosse Madoc ap Gruffydd quem não cumprisse a vontade do rei. Assim, pousou a mão ligeiramente em seu antebraço e fez caso omisso da
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pontada de desejo que sentiu. — Absolutamente, milord — lhe disse. — Seja qual for a sua decisão, eu estou encantada de passar uns dias em Gales. Ele entrecerrou os olhos, mas ela se limitou a esboçar aquele sorriso vazio que usava com tanta eficácia na corte. Muito consciente da presença da bela mulher que estava sentada ao seu lado no salão, à luz das tochas, Madoc tentou comer como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Por desgraça, sim as tinha; uma delas, e não a menor, era que ninguém se precavesse do desejo que sentia por lady Roslynn. Havia sentido desejo desde o primeiro momento em que a viu, e também depois de saber por que tinha ido a Llanpowell a dama e o normando, embora isso devesse ter acabado com sua paixão imediatamente, de forma permanente. Para seu desgosto, o motivo da visita intensificou sua luxúria. De que outro modo ia explicar seu pedido de estar a sós com ela, e o impulso irrefreável de tomá-la entre seus braços quando ela começou a falar da besta de seu marido? Entretanto, ele já esteve com outras mulheres belas, e tinha feito amor com elas. Então, o que tinha lady Roslynn para ele adorá-la daquela maneira? Era sua beleza, claro. Seu espírito atrevido, como ele havia dito. Mas havia algo mais, um desafio em seus olhos brilhantes, que o fazia pensar que o fato de que ela o escolhesse seria um lucro importante. Por desgraça, se ela aceitasse casar com ele, ver-se-ia obrigado a aceitar um vínculo permanente com uma mulher a qual não conhecia, e uma aliança mais forte com o rei Plantagenet. Pousou a taça de vinho na mesa com cuidado de não roçar o braço de lady Roslynn. Não queria beber muito para não falar mais do que devia, dela, de si
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mesmo, nem do que de verdade pensava sobre o rei John. Era evidente que tio Lloyd não tinha a mesma preocupação, porque naquele momento terminou outra taça de braggot. E, algo interessante, embora o nobre fosse lamentar ao dia seguinte, lorde Alfred lhe seguia o ritmo. Embora aquele salão não fosse o maior nem o mais luxuoso do mundo, ao menos Madoc não tinha que envergonhar-se da comida e a bebida que proporcionava sua despensa e suas quadras. O cozinheiro, Hywel, aprendeu o ofício nas cozinhas do conde de Pembroke, e sabia preparar não só a comida do dia a dia, mas também sopas de nata e bolos de queijo, maçãs assadas, bolos, salmão, truta e inclusive cisnes, zarapitos (ave migratória) e melro, embora aqueles últimos fossem muito caros para servir-se em Llanpowell. Os granjeiros e os pescadores iam ao castelo com seus melhores produtos, os mais frescos, e o que não se assava, Hywel o transformava em deliciosos guisados e sopas. Seu pão era o melhor de toda Gales, e os doces e mingau que preparava eram tão bons como os da Inglaterra. Embora aqueles visitantes aparecessem inesperadamente, Hywel estava à altura da ocasião de maneira admirável, e apresentou seis pratos para o jantar, um guisado de carne de vaca, cordeiro assado, molho verde feito de vinagre e salsinha, galinha recheada de ovos e cebolas e para terminar peras com xarope de vinho e sua especialidade, maçãs assadas com especiarias com uma receita secreta própria. Lloyd captou o olhar de Madoc e elevou sua taça em um brinde. — John te enviou uma beleza, sobrinho — falou em galês. — É como as primeiras flores da primavera! Madoc não necessitava que o recordassem que lady Roslynn era uma beleza. Tinha a pele suave, pálida, os olhos azuis e brilhantes e os lábios tão vermelhos como as groselhas. Tinha umas maneiras impecáveis, e comia e bebia com a delicadeza que
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podia esperar-se de uma dama de alta estirpe. Seu vestido era recatado e modesto, de lã de cor azul, sem cós nem adornos. Entretanto, não havia modo de ocultar sua figura formosa. O cinturão de couro que levava na cintura acentuava a sensualidade elegante de sua forma de andar. Cobria o cabelo com uma touca branca, mas ficavam à vista algumas mechas de sua espessa cabeleira castanha avermelhada. Que homem do mundo não ia invejá-lo por ter uma prometida assim? Que homem não a quereria para si mesmo? Ivor, seu amigo e administrador, sem dúvida. Olhou Ivor, que estava sentado perto deles. Levava um traje singelo, uma túnica de lã com um cinturão, e estava tão vigilante como sempre. Não havia nada que escapasse a seus ardilosos olhos de cor avelã, e embora tivesse uma claudicação na perna esquerda que o impedia de participar da glória militar, sua inteligência e sua lealdade o faziam indispensável em Llanpowell. Entretanto, Ivor tinha sido o primeiro em opor-se a ajudar ao rei Plantagenet a acabar com a conspiração que estavam planejando os traidores, até que ele, ao ver que conseguiria um bom ganho arriscando muito pouco, pensou o contrário. Madoc tinha acertado, porque não tinha perdido um só homem no empenho, mas John não enviou a prata que prometeu, a não ser uma noiva, embora seu dote fosse considerável. Que tipo de mulher era lady Roslynn de Werre? Como dirigiria a casa e criaria seus filhos? Como seria em seu leito? Ele já tinha tido uma mulher queixosa; não queria outra. — Ouvi dizer que fez uma visita a lady Roslynn antes do jantar — lhe comentou tio Lloyd em galês, com os olhos brilhantes e um sorriso de picardia. — tiveram um bate-papo interessante?
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Madoc sorriu forçadamente e tentou não dar-se conta de que lady Roslynn os estava escutando, embora não entendesse o idioma. — Sim, é certo — respondeu. — Não crê que devo conhecê-la se formos nos casar? E que ela deve conhecer a mim? Tio Lloyd franziu o cenho. — Só falastes? — Ela é uma mulher honrável, e eu sou um homem honrável, que outra coisa íamos fazer? — E do que têm que falar? — replicou tio Lloyd. — É uma mulher muito bela, o melhor partido de todo o país. E já é hora de que te case outra vez, sobrinho. Não pode viver sempre como um monge. Não é natural. Madoc tomou um pouco de pão da cesta que havia ante ele. — Não sou celibatário, e sabe. — Como se fosse — disse tio Lloyd. — Quanto tempo faz? E está na flor da vida! Vá, se eu tivesse sua idade e seu aspecto...? — Sim, tio — disse Madoc, com a esperança de poder cortar a conversação. Embora a dama não entendesse o idioma, os serventes e Ivor, que estava sentado à esquerda do normando, sim o entendiam. E muitos estavam rindo às escondidas, ou tentando não fazê-lo. Salvo Ivor, que estava muito pensativo. Estava tão sério como a morte, sem dúvida, porque pensava no que aquele matrimônio podia significar política e economicamente. — Seu tio parece um homem muito divertido — comentou lady Roslynn durante aquela pausa. — É uma pena que não possa entender o que diz. A tio Lloyd brilharam os olhos de alegria. — O diz você, Madoc, ou eu?
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— Diz que é muito bela, e que eu sou afortunado — respondeu Madoc. Tio Lloyd pôs-se a rir e deu uns golpezinhos no braço de lady Roslynn. — E é certo! Espero que não esteja molesta pelo caráter forte de meu sobrinho. É um homem apaixonado. Os olhos de lady Roslynn eram muito enigmáticos. — Sim, já me dei conta. O tio Lloyd franziu suas povoadas sobrancelhas cinza. — Mas não é motivo de preocupação, milady. Madoc se zanga rapidamente, como um raio, e se apaga com a mesma rapidez. E não alberga ressentimento nunca. Bom, quase nunca, e não sem um bom motivo. Madoc lançou a seu tio um olhar de advertência. Lloyd estava se metendo em um terreno perigoso. — Além disso, é um grande arqueiro — prosseguiu seu tio, trocando sabiamente de tema. — Acerta no alvo a mais de trinta metros de distância, com toda facilidade. — Você, um nobre, usa o arco? — perguntou lorde Alfred com desdém. A Madoc não importava o que pensasse dele um normando, assim respondeu sem rancor. — Sim. Pensem o que pensem os normandos, é uma arma muito útil. Põe ao inimigo em desvantagem quando ainda está afastado. Uma boa chuva de flechas e sairão correndo antes de ter que dar um só golpe. — Não é muito cavalheiresco — disse lorde Alfred. — Isso o diz um homem que leva uma armadura de sessenta libras — comentou tio Lloyd. — Diga isso a seus soldados. Madoc se deu conta de que esfarelou o pedaço de pão. — Os galeses têm seu método, e os normandos o seu — disse, enquanto
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atirava os miolos ao chão para que os cães as comessem. — O tempo dirá qual é mais efetivo, assim possivelmente devemos falar de outra coisa que não seja a guerra. — Têm razão — conveio o tio Lloyd. — Aposto três a um que John cai antes que tenha um herdeiro. — Não acredito que a política seja um tema apropriado, tampouco — disse Madoc rapidamente, tentando não mostrar sua exasperação ante os normandos. Adorava seu tio como se fosse um segundo pai, mas algumas vezes Lloyd punha à prova a paciência de um santo, e ele não era um santo. — Falando de herdeiros, tinha a esperança de que conhecêssemos seu filho esta noite — comentou a dama. Deus Santo teria sido melhor falar de John, ou de qualquer outra coisa. Entretanto, Madoc estava apanhado. — Owain se cria em outra parte, milady — respondeu ele, sincera e brevemente. Por sorte, naquele momento entraram os serventes para retirar as frutas e as toalhas e para sair da mesa antes que ele tivesse que dizer algo mais. Depois, ele tomou medidas para não ter que falar sobre Owain nem sobre a mãe do menino. — Ninguém conhece nem conta a história de Gales melhor que meu tio, milady. Você gostaria de ouvir uma de suas narrações? Tio Lloyd sorriu orgulhosamente enquanto deixava espaço aos serventes para que desmontassem as borriquetas da mesa. — Sim, milady, há muitos contos emocionantes. Muitíssimas batalhas, truques de astúcia e amor. Oh, Deus Santo, os senhores de Llanpowell sempre foram conhecidos pelo amor. — Seriamente? — perguntou lady Roslynn, olhando de esguelha ao Madoc com curiosidade. — Eu gostaria de saber tudo sobre a família de lorde Madoc.
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Seriamente queria saber tudo sobre sua família, ou o estava dizendo só porque era o correto naquele momento? E por que demônios ele estava se ruborizando? Não viu nenhuma necessidade de ficar. Depois de tudo, ele tinha ouvido aquelas histórias milhares de vezes. Assim, quando tiraram as mesas e colocaram os bancos ao redor da lareira, ele deixou seus convidados para falar com Ivor. Enquanto, Lloyd começava a contar a história de como os antepassados de Madoc lutaram contra os romanos, e depois contra qualquer homem do norte que se atreveu a aventurar-se em seus territórios. Quando Madoc ia para Ivor, que estava quase escondido detrás de um pilar deu-se conta de que lady Roslynn estava verdadeiramente interessada e de que inclusive lorde Alfred relaxava, embora possivelmente aquilo só fosse o efeito do braggot. Depois de trocar algumas palavras de saudação, Madoc foi à parte com Ivor. — Comprovou o dote? — perguntou-lhe em voz baixa. — Sim. Há tanto como você dizia — respondeu Ivor. — Oitocentos marcos em bens e prata, incluindo algumas das joias mais belas que vi em minha vida. Ivor inclinou a cabeça para observar seu amigo. — Não estará pensando em aceitar este matrimônio, verdade, Madoc? Esteve a ponto de dizer que não. Não queria casar-se com uma mulher a que nunca tinha visto, e menos com uma que foi enviada por John. Entretanto, recordou o fogo dos olhos de lady Roslynn, sua figura, seus lábios carnudos e seu caráter valente quando enfrentou a ele e ao normando que a acompanhou. Também pensou na vida que devia ter suportado lady Roslynn na corte do rei John. Ele tinha ouvido falar o suficiente do rei e de seus cortesãos para saber que não foi uma vida fácil para uma mulher orgulhosa e bela como ela. Por isso, lentamente, com cautela, respondeu:
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— Possivelmente não tenha escolha. John e seus favoritos, como William de Braose são homens poderosos que podem nos esmagar se quiserem. — Mas é a viúva de um traidor! — Ela não era a traidora — respondeu Madoc — e você sempre está dizendo que necessitamos dinheiro para reparar o castelo e comprar comida para o inverno, e que esse homem do sul vende uns arcos muito bons e que nos viriam bem mais armaduras. Com um idiota egoísta como John no trono, é mais provável que haja guerra e não paz. — Por não mencionar que é muito bela — disse Ivor. Madoc não negou algo tão evidente. — Averiguou algo mais dela dos soldados de lorde Alfred? — Dizem que é uma dama calada e educada, e que não causou o menor problema durante a viagem. Entretanto, ajudou que capturassem seu marido, Madoc. Fez-lhe uma armadilha. — Pelo que ouvi dizer de Wimarc de Werre — respondeu Madoc — e o que ela mesma me contou dele, não posso culpá-la. Esse homem era uma besta, Ivor, além de um traidor. — Parece que está quase convencido de se casar com ela. — Não. É só que não estou totalmente convencido de dizer não. Terá que ter em conta o dote, e também o destino da dama. Ivor franziu o cenho. — E por que ia nos importar o seu destino? — Porque é uma mulher, e nós somos homens honráveis. Diz que, se não a aceitar, não voltará com o rei. Prefere ir a um convento. — Então, deixa que vá a um convento, se for o que prefere. — Não acredito — disse Madoc. — Ou teria feito isso, em vez de vir aqui com
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lorde Alfred. — Pois se o que quer é casar-se, deixa que se case, mas, por que contigo? — Porque lorde Alfred diz que é o único modo de que consiga o dinheiro que me prometeram — respondeu Madoc, tentando concentrar-se em todas as coisas que poderia fazer com o dinheiro, em vez de imaginar lady Roslynn em sua cama, entre seus braços. Ivor olhou seu amigo com compreensão, e também com um pouco de remorso. — Te olhe, Madoc. Todos sabem que ficou destroçado quando Gwendolyn morreu, mas há muitas mulheres galesas honráveis que estariam felizes de casar-se contigo. E sei que te hei dito mais de uma vez que não somos muito ricos, mas podemos nos arrumar sem esse dote. Ivor lhe demonstrou que, como todo mundo em Llanpowell, acreditava que seu matrimônio com Gwendolyn tinha estado cheio de amor e felicidade, apesar de como tinha acontecido. Ninguém sabia o que ocorreu entre eles durante a noite de bodas, e durante as demais noites. E ele não ia contar. — Nossa vida seria mais fácil e mais segura com o dinheiro, entretanto — disse Madoc. — Por isso fui à ajuda de John, em primeiro lugar. Tinha razão ao me advertir isso Ivor, ao me dizer que havia uma armadilha em algum lugar. Entretanto, já é muito tarde. Ou me caso com a mulher que me enviou John e consigo o dote, ou a deixo partir, e com ela o dinheiro irá também. — Então, tampouco haverá mais alianças com John — disse Ivor; e estava claro que considerava aquilo como algo positivo. — Sim, mas, o que ocorrerá a Llanpowell? Ivor suspirou e sacudiu a cabeça. — Me alegro de não ter que tomar eu essas decisões — admitiu. — Quando tem que dar a resposta a lorde Alfred?
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— Ficará dois dias. Depois voltará para a corte. — Não é muito tempo, verdade? — Não. Não se preocupe Ivor, pensarei atentamente em tudo isto antes de tomar a decisão. Madoc sorriu ironicamente a seu amigo, embora não estava muito alegre. — Agora, será melhor que volte antes que tio Lloyd beba tanto que acabe sob o banco e leve lorde Alfred também. Depois de uma noite de inquietação, e de uma missa celebrada por um ancião sacerdote galês, Roslynn se sentou no salão de Llanpowell para tomar o café da manhã. Lorde Madoc, que tinha aparecido vestido com tanta simplicidade como no dia anterior, com uma túnica de couro, uma camisa de linho, calças de lã e botas, com o cinturão da espada à cintura, já tinha tomado o café da manhã e partiu. Tinha falado muito pouco enquanto comia seu pão com queijo e bebia sua cerveja. Ela tampouco falou, porque estava decidida a não animá-lo. Isso significava que não tinha ideia de onde ele foi, nem por que. Lorde Alfred estava sentado à direita de lorde Madoc, e não tinha provado nada. Mal podia manter alta a cabeça; sem dúvida, a noite anterior ingeriu muito hidromel galês. O tio de lorde Madoc se sentou junto a Roslynn, e parecia que estava tão contente e tão a favor daquele matrimônio como no dia anterior. — Adverti-lhes sobre o braggot, não é assim? — perguntou a lorde Alfred, que estava ligeiramente esverdeado, enquanto lhe dava uns golpezinhos no ombro. — Os normandos não têm estômago. Terá que haver-se criado com isso; Eu, entretanto, posso beber um balde e... Lorde Alfred se levantou rapidamente da mesa, agarrando o estômago enquanto corria.
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— Bendito Santo Dafydd, não tem nenhuma capacidade para beber braggot — murmurou Lloyd, com um suspiro, enquanto sacudia tristemente a cabeça. — Qualquer homem que bebe um balde de algo pode estar doente pela manhã — comentou Roslynn, que sentia certa lealdade para seu compatriota, embora não lhe tivesse muita simpatia e ele tivesse considerado aquela viagem como um dever extremamente oneroso. — Isso é certo, milady, muito certo — replicou Lloyd. — Você mesma parece um pouco pálida esta manhã. Não estará ficando doente? — Eu raramente fico doente. — Bom, isso é uma bênção. A entusiasta resposta do galês fez que Roslynn se perguntasse se a primeira esposa de lorde Madoc era delicada. Ou possivelmente simplesmente não quisesse que seu sobrinho perdesse outra mulher. — Madoc é são como um carneiro jovem — continuou Lloyd. — E forte, e viril. Seu filho nasceu após nove meses de casar-se com Gwendolyn. É uma pena que ela morresse tão jovem, e tão logo depois do matrimônio. Roslynn não soube o que responder a isso, e se concentrou em terminar o pão e a papa de ervilha, perguntando-se como ia evitar o senhor de Llanpowell durante o resto do dia. Possivelmente devesse permanecer no salão, embora o sol brilhasse e não havia uma só nuvem no céu. Possivelmente devesse ficar em seu aposento. Sempre poderia costurar um pouco, terminar de bordar aquele cós que estava fazendo para seu... Ouviu-se um grito de uma das ameias. Já havia tornado lorde Madoc? A ela lhe acelerou o coração, e depois lhe acelerou mais, ao ver vários soldados, que ainda não estavam de serviço, pegar suas armas e sair correndo do salão.
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Capítulo 04
— O que ocorre? — perguntou Roslynn ao tio de lorde Madoc, enquanto começava a ficar de pé. — Estão atacando o castelo? — Não, não — lhe assegurou Lloyd. — os da montanha estiveram perseguindo as ovelhas da colina norte, isso é tudo. Não têm que se preocupar, milady. Já teriam voltado para suas terras. Madoc e seus homens se assegurarão disso, e contarão quantas ovelhas roubaram, e se assegurarão também de que o pastor e o resto do rebanho estejam a salvo. E amanhã, os ladrões encontrarão que os falta um número igual de ovelhas. — Lorde Madoc não vai tentar apanhá-los e recuperar suas ovelhas? — perguntou ela com incredulidade. — Não. — Mas, por que não? Sobretudo, se souber quem as levou. — É uma espécie de inimizade, milady. Uma espécie de inimizade? — É um costume galês? Ele se ruborizou, e passou uma mão pela barba. — Será melhor que Madoc lhe conte isso— disse ele, antes de recuperar sua expressão jovial. — Não é nada preocupante, milady. Só terá que aceitar que, de vez
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em quando, desaparecerão umas quantas ovelhas, e Madoc ou seus homens irão recolher o mesmo número do rebanho de Trefor. — Mas me parece que uma inimizade é um assunto grave — replicou Roslynn. — Quem é Trefor? — É o irmão de Madoc quem leva as ovelhas. Trefor tem menos homens e menos terras, assim Madoc não acredita que seja justo avisar às autoridades. Naquilo, lorde Madoc era muito diferente do rei. John não se deteria ante nada com tal de conseguir as terras e os títulos de seus irmãos. — Mas não se preocupe agora com Trefor — disse Lloyd. — Vamos à cozinha, milady, comer um bolo. Hywel faz maravilhas. Como já não tinha nada mais que fazer, Roslynn seguiu ao galês obedientemente, embora os bolos fossem o último em que estivesse pensando. Madoc amaldiçoou em silêncio enquanto galopava pela estrada que levava a ladeira da colina norte, a mais alta de suas terras. É obvio, Trefor tinha que escolher aquele momento para acossá-lo. Sem dúvida, queria envergonhar seu irmão ante seus convidados normandos. Possivelmente Trefor soube do motivo da visita e pensasse que tinha mais motivos de preocupação. Madoc viu um homem correndo por um penhasco, e ao dar-se conta de que era Trefor, sentiu um arrebatamento de ira. Imediatamente, seguiu-o, mas quando estava no topo da colina, comprovou que a ladeira sob o penhasco estava coberta de névoa. Madoc desceu do cavalo. O animal relinchou e deu coices, tão ansioso por seguir com a perseguição como seu amo. Por desgraça, dali seria muito perigoso galopar, porque podia haver buracos ocultos e arbustos soltos que podiam fazer o cavalo cair. — Tranquilo, Cigfran, tranquilo — murmurou, enquanto acariciava o pescoço
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do animal. Seus homens o alcançaram naquele momento. — O perseguimos Madoc? — perguntou Ioan quando ele e os outros chegaram junto a seu senhor. — Não. Tentar apanhar seu irmão a pé seria tão arriscado quanto tentá-lo a cavalo. Além disso, embora a maioria de seus homens e ele conheciam aquelas colinas e corriam como cervos, Trefor estava tão familiarizado como eles com o terreno, e era igualmente ágil. A seca resposta de Madoc provocou mais de um grunhido de frustração de seus homens. De Ioan, sem dúvida, porque era jovem e estava impaciente por lutar; e possivelmente de Hugh o Pico, que tinha o maior nariz de todo Llanpowell e era um perito com o arco e as flechas. — Hei dito que não — repetiu Madoc. — Se escondeu como uma raposa. Nunca o apanharemos. — Madoc! Madoc agarrou as rédeas de Cigfran e seguiu a direção do chamado, seguido por seus homens. Logo encontrou Emlyn, o mais velho e melhor de seus pastores. O homem, de barba cinza, tinha um cordeiro nos braços, como se fosse um menino, e a seus pés jazia uma forma branca maior, salpicada de um vermelho violento. Alguém tinha matado uma ovelha e tinha deixado seu cordeiro para que morresse de fome, ou fosse presa de uma raposa, lobo, águia ou falcão. Era uma crueldade, algo que Trefor nunca tinha feito antes. — Uma raposa? — perguntou ao pastor, embora já soubesse a resposta. Uma raposa também teria matado o cordeiro. — Homens, seguro — respondeu Emlyn. — Só mataram esta ovelha?
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— Não — disse o pastor. — A cinco mais. E o carneiro negro grande desapareceu. Madoc insultou Trefor com um epíteto galês enquanto olhava além do topo da colina, para as terras altas, onde estavam as posses de Trefor, em Pontyrmwr. Contava com aquele carneiro para seguir aumentando o rebanho. Trefor também conheceria o valor do animal. Não era para menos que o levou, aquele caipira vingativo e desgraçado. Possivelmente se tornou mais vicioso e agressivo porque ouviu falar do dote de Roslynn e pensou que Madoc queria consegui-lo, embora aquilo não fosse desculpa, de todos os modos. — Não há nenhum ramo quebrado, nenhum rastro— disse Emlyn. — Não sei como vêm e vão. É como se fossem mágicos, invisíveis como demônios. — Sim são demônios, mas não são mágicos — respondeu Madoc. — Trefor conhece estas colinas tão bem como nós. Emlyn suspirou enquanto o cordeirinho que tinha nos braços balia. — Sim, é certo. Entretanto, nunca pensei que utilizaria seus conhecimentos contra nós. — Não é o homem que era — murmurou Madoc. De fato, uma vez tinha pensado que seu irmão mais velho era o epítome do guerreiro nobre: bonito, valente, habilidoso com as armas, irresistível para as mulheres, mas muito honrável para aproveitar-se disso. Ele seguia Trefor como um cachorrinho por toda parte, e tentava imitar seu irmão em tudo. Até o dia das bodas de seu irmão, quando Trefor tinha envergonhado toda sua família e tinha estado a ponto de destruir uma aliança que se manteve durante três gerações. Madoc se voltou para o homem que foi em busca dele no dia anterior para lhe
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dizer que tinham chegado uns normandos ao castelo. — Dafydd, leve dez homens e me traga seis ovelhas do rebanho de Trefor, e tenta encontrar o carneiro negro. Não mate nenhum de seus animais. Meu problema é com meu irmão, não com seu gado nem com a gente que depende dele. Dafydd assentiu. Depois assinalou o punho de sua espada. — E se os que têm o carneiro resistem? — Nada de matar, nem sequer pelo carneiro. Madoc notou o desgosto de seus homens, mas o ignorou, como sempre. Seu irmão seguia sendo seu irmão, e ele não seria a causa da morte de Trefor, porque o castigo pelo roubo era a forca. Não atacaria Pontyrmwr a menos que Trefor atacasse Llanpowell. Não sacrificaria outras vidas por aquela luta com seu irmão amargurado e ressentido. — Vocês três — disse aos homens que estavam mais perto dele — ajudem Emlyn com as ovelhas mortas. Ocupar-te-á do cordeiro, Emlyn? — Sim, Madoc. Tenho uma ovelha que perdeu sua cria. Madoc soube que Emlyn tiraria a pele do cordeiro morto e a poria sobre o vivo, e depois o poria à teta da ovelha. Se tudo saía bem, a ovelha aceitaria ao cordeiro vivo como próprio. Depois de ter feito todo o necessário, Madoc fez um gesto ao resto dos homens para que o seguissem. Não havia razão para permanecer ali mais tempo, e tinha convidados em casa. Embora não tivesse muita pressa por voltar a vê-los. Lloyd estava junto a Madoc no momento em que desmontou no pátio. — Eram Trefor e seus homens? — Sim. Tio Lloyd avermelhou de fúria.
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— Como me envergonho desse menino. Poderia cuspi-lo! — Teremos nossa compensação — lhe assegurou Madoc. Depois despediu do moço e levou Cifgran para o estábulo. — Embora, levou o carneiro negro. Lloyd soltou uma maldição enquanto seguia Madoc ao estábulo, que estava em penumbra. — Sempre teve bom olho para os animais. «Certo» pensou Madoc, «para os cavalos, os cães de caça, as ovelhas ou as mulheres». O que pensaria Trefor de lady Roslynn? Tomaria como esposa se a oferecesse John? Ou diria que nenhuma mulher, nem sequer uma tão bela e com um dote tão grande, era suficiente compensação para travar uma aliança? Quanto ao caráter forte da normanda, Trefor sempre tinha preferido mulheres mais plácidas, como Gwendolyn. Tio Lloyd deu a volta a um balde e se sentou nele. Madoc tirou a cadeira do cavalo e a colocou fora do compartimento, e depois começou a escovar Cigfran com um punhado de palha. Aqueles movimentos o acalmaram, e o aroma familiar do cavalo e o couro o recordaram que, embora tivesse muitas coisas pelas que lamentar-se, também tinha muitas pelas que sentir-se agradecido. Não importava o que fizesse ou dissesse Trefor, ele tinha Llanpowell, e com justiça. Pensasse o que pensasse Trefor, ele não o roubou. Trefor perdeu Llanpowell e seu título por egoísmo, por um comportamento desonrado. — Espero que tenha entretido nossos convidados durante minha ausência — disse Madoc a seu tio, que estava estranhamente calado, e que se distraía enrolando uma palha no dedo. — Sim, o fiz — disse Lloyd, depois de pigarrear, e atirou a palha a um lado. —
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Tive que contar a lady Roslynn algo sobre seus problemas com Trefor. Isso o agradou. Embora ele pensasse que teria que dar alguma explicação sobre o alarme daquela manhã, preferia que os normandos não soubessem nada do conflito com seu irmão. John gostava de açular aos nobres galeses uns contra os outros para que estivessem concentrados em si mesmos e não no que o rei estivesse tramando. — O que lhe disse? — Só que tinha uma inimizade com seu irmão e que não tinha nada do que preocupar-se. — Em efeito — disse Madoc. Sobretudo, se ela ia partir. E graças a Deus que Lloyd não havia dito nada mais. — Onde estão agora os normandos? No salão? — A última vez que vi lorde Alfred estava estendido em sua cama, gemendo, o pobre homem — disse tio Lloyd, suspirando com uma tristeza completamente falsa. — Como todos os normandos, não pôde suportar nem um pouco de braggot. A falsa solenidade de Lloyd deixou passo a um sorriso. — Entretanto, agora deve sentir-se melhor. Eu me sentiria melhor se uma mulher bela me cuidasse. Lady Roslynn foi atendê-lo com grande gentileza, Madoc, embora só ele é culpado de seu estado. — Não deveria ter tomado hidromel — disse Madoc, enquanto enchia a manjedoura do cavalo de feno fresco. — Eu não sou sua mãe. E o adverti o dia que chegaram, antes que você entrasse no salão como a ira de Deus. — Se parecia à ira de Deus foi porque Dafydd me disse que havia um grupo de normandos armados no castelo. Pensei que estavam atacando Llanpowell. Madoc se ergueu, esticou a túnica e ajustou o cinturão antes de sorrir formalmente a seu tio.
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— E bem? Agora pareço o suficientemente amável? Tio Lloyd enrugou o nariz. — Tem bom aspecto, mas cheira a estábulo. Faz um dia muito bom e ensolarado, e o rio está muito perto. Por que não vai nadar? Uma olhada dissimulada confirmou a Madoc que seu tio não estava equivocado, e embora não era vergonhoso que um homem cheirasse a estábulo, não queria que lorde Alfred voltasse para a corte dizendo que os galeses cheiravam mal. — Está bem — disse — se me levar tecidos para me secar. Estarei junto aos ameieros. Mas vá depressa, por favor. Não posso andar me banhando como um menino que não tem nada que fazer. Roslynn, que estava sentada em um tamborete atrás da tela de madeira adornada com uma cena de caça, junto à cama em que roncava lorde Alfred, ouviu ruídos no pátio e supôs que lorde Madoc e seus homens tinham retornado. Não soube o que fazer. Devia ficar ali com lorde Alfred, ou ir saudá-lo? E depois, o que? Perguntar pelo conflito? Tentar averiguar como e por que tinha começado, como se lhe importasse? Ou usá-lo em seu próprio proveito? Podia perguntar a lorde Madoc por sua reticência a perseguir o ladrão, insinuando que era um covarde. Um homem tão orgulhoso tomaria aquilo como uma ofensa. Ou podia sugerir que os galeses deviam ser muito infantis para dedicar-se aqueles jogos mesquinhos. Por muito tentador que fosse Roslynn pensou que possivelmente o zangasse muito. Para fazer aquilo, devia assegurar-se de não estar a sós com ele, o qual não seria difícil. Antes que pudesse decidir o que ia fazer, ouviu que alguém se aproximava
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caminhando com brio. Fosse quem fosse ela devia guardar a calma. Seria amável, mas distante. Seria... Não foi lorde Madoc quem apareceu aos pés da cama. Para decepção de Roslynn, era seu tio Lloyd. — O pobre homem não aguenta a bebida, né? — sussurrou em voz bastante alta, olhando lorde Alfred como se fora um menino doente. — Estará bem esta noite — respondeu ela. — Mas acredito que não deveria lhe oferecer mais braggot. — Não o farei — disse ele. — Milady, Madoc retornou e quer vê-la. Como faz um dia tão bom, esperará junto ao rio, em um bosque de ameieros. É um lugar muito bonito para a conversação. Roslynn queria deixar o ambiente carregado do salão e, em realidade, não havia uma verdadeira necessidade de ficar junto a lorde Alfred. Entretanto, titubeou. Cabia a possibilidade de que o fato de sair do castelo sem a companhia de lorde Alfred não fosse considerado honorável. Por outra parte, seu anfitrião poderia considerar um insulto que ela rechaçasse o convite, sobretudo porque estaria com seu tio, e não sozinhos. — Está bem. — Excelente! — exclamou Lloyd. Enquanto ela se levantava para acompanhá-lo, ele tomou um pedaço de linho que havia na mesinha, junto à cama. Ela estava enxaguando o rosto de lorde Alfred quando estava acordado e amaldiçoando as demoníacas beberagens galesas. Aquele pedaço grande e quadrado, entretanto, estava seco. Lloyd secou seu rosto com ele, e depois o enganchou ao cinturão. — Tinha tanta pressa por lhe encontrar que suei como um cavalo. Ela aceitou aquela explicação. Posou a mão sobre seu braço e juntos saíram do
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castelo. Roslynn notou que os serventes os observavam, e se perguntou se alguma vez deixaria de ser objeto de fofocas e especulações. No exterior fazia muito bom tempo. Corria uma brisa fresca, que levava o perfume da erva e dos dias do verão que iam chegar. Mesmo com sua curiosidade, os serventes e quão soldados estavam de guarda seguiram desempenhando seus trabalhos com eficiência, embora sem a pressa dos dias frios. O pátio estava muito ordenado. Não havia nada fora do lugar, e os edifícios estavam em bom estado. Quando estavam se aproximando das portas, o administrador apareceu pela esquina de um dos edifícios menores, provavelmente um armazém, e caminhou para eles com tanta rapidez como o permitia sua claudicação. — Um momento! — gritou. — Aonde vão? E sem lorde Alfred? — Lorde Alfred está dormindo e Madoc me enviou para procurar lady Roslynn — respondeu Lloyd. — Quer conversar um momento com ela junto ao rio, neste maravilhoso dia. — Então, não lhes entreterei — respondeu Ivor, com um sorriso que não impressionou Roslynn. Era um sorriso muito parecido com o de Wimarc, que não era uma expressão de prazer era só para mostrar os dentes. — Uma coisa que deve aprender se for viver em Llanpowell, milady, é que se Madoc der uma ordem, espera que se cumpra rapidamente. — Ou o que? — perguntou ela. — Se for um soldado, turno de noite e rações menores — respondeu Ivor. — Se for seu amigo, só seu olhar pode fazer que sinta como se tivesse cometido um pecado. Se for sua esposa... O sorriso do administrador se fez mais amplo enquanto se encolhia de ombros. — Não sei. Gwendolyn nenhuma vez o desobedeceu, verdade, Lloyd? Foi uma
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esposa muito doce com Madoc. Muito diferente de você, milady. Acaso não falou lorde Madoc que gostava das mulheres com caráter? Então, o que queria dizer o administrador? Estava tentando insultá-la, intimidá-la, ou conseguir que temesse seu senhor? Fosse o que fosse Roslynn não ia permitir que ele se desse conta de que a afetou. Em vez disso, sorriu com tanta condescendência como ele. — Pobre homem, perder uma esposa como aquela. Mas estou segura de que não está ressentido pelo fato de que lorde Madoc queira ter outra oportunidade de ser feliz em um matrimônio, sobretudo se esse matrimônio é também uma aliança com o poder e a riqueza, não é? Ela detectou um brilho de irritação nos olhos do administrador, embora rapidamente, ele esboçasse outro sorriso de superioridade. — Realmente, milady, a alguns parecerá que sua chegada é muito afortunada. Mas não a ele. Embora possivelmente não devesse surpreender-se. O administrador era galês, ela não, e possivelmente seu antagonismo não tivesse outro motivo que aquele. Roslynn decidiu conceder o benefício da dúvida e disse com frieza: — Como não desejo incomodá-lo mais, o melhor será que sigamos nosso caminho. — Face ao que disse Ivor, nunca tenha medo de contradizer Madoc, milady — disse Lloyd, enquanto se esforçava por seguir o passo enérgico que ela tinha imposto. — Meu sobrinho é um pouco obstinado e, às vezes, resmunga, mas nunca faria mal a uma mulher. Nunca fez mal a ninguém, salvo em defesa própria ou em um torneio e então, asseguro-lhes isso, é algo digno de ver. As palavras de Lloyd poderiam ter mitigado seus medos se Roslynn não
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soubesse que também podia infligir dor com um olhar ou um gesto. Não eram necessários os golpes nem as bofetadas. — Não tem que se preocupar em como a tratará Madoc, milady — insistiu Lloyd. — Tem um coração tenro com as mulheres. E não se preocupe tampouco por Ivor. Está ressentido contra os normandos, não contra você em particular. Assim Roslynn acertou. Alegrou-se de não ter demonstrado como ficou ofendida. — Ivor pode chegar a ser como uma mãe anciã, também, se preocupa com tudo. Mas quer que Madoc seja feliz, como todos nós, assim se Madoc a deseja como esposa, Ivor a aceitará, assim como todos aqueles que pensem que é um engano. Ela se perguntou se deveria dar ao tio de lorde Madoc alguma indicação de que aquele matrimônio era improvável, para que soubesse que a união que ele estava proporcionando com tanto empenho não era nada segura. — A menos que eu esteja perdendo as faculdades, Madoc deseja-lhe como esposa — prosseguiu Lloyd com tanto entusiasmo, que de repente à Roslynn pareceu uma pena aguar suas expectativas. — Desde que Gwendolyn morreu, as mulheres estiveram perseguindo-o e tentando casar-se com ele, e os homens estiveram tentando casá-lo com suas filhas ou suas irmãs, mas ele nunca teve o brilho que tem nos olhos quando a olha, milady. Aquelas deviam ser adulações ocas. Roslynn não tinha notado nada especial no olhar de lorde Madoc. «Seriamente?», sussurrou-lhe uma vozinha na mente. «Não sentiu seu desejo correspondendo ao teu?». Não. Não o havia sentido. Não devia sentir. Escutar as necessidades de seu corpo era uma estupidez. Lloyd a guiou por um caminho que rodeava a aldeia do sul do castelo,
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liberando-a desse modo da necessidade de atravessar a pequena praça do mercado, onde sem dúvida haveria mais gente que se deteria para observá-la. Roslynn não sabia se lorde Lloyd fez de propósito, mas de todos os modos se sentiu agradecida. O riacho discorria entre ribeiras de pedra avermelhada cobertas de musgo. Havia um pequeno embarcadouro perto do povoado, onde os aldeãos amarravam seus botes. Do outro lado do rio havia um bosque de salgueiros, fresnos, carvalhos, pinheiros e alisos, tão juntos que parecia que estavam competindo por ver quem chegava antes à água. Mais à frente, seguindo o curso da corrente, chegavam gritos de meninos que estavam brincando, e de vez em quando, a reprimenda de alguma mãe. O idioma era galês, mas o tom era universal. — Ah, como o próprio céu, verdade? — perguntou Lloyd com um suspiro, quando tomaram uma das curvas da borda e perderam de vista a aldeia, embora não as altas muralhas do castelo. Depois, assinalou para o pequeno bosque de alisos que se estendia ante eles. — Disse-lhe que era um lugar muito bonito. — É verdadeiramente — respondeu Roslynn, enquanto admirava a beleza das árvores, as pedras e o rio, com as montanhas de fundo. Então entraram no bosque, e Roslynn ficou boquiaberta. Havia um homem saindo da água, um homem completamente nu. Estava de costas a eles, e esticou os braços largos e poderosos para o céu, como se estivesse adorando ao sol. A água brilhava sobre seus músculos, e tinha o cabelo negro e comprido estendido sobre os ombros largos e fortes. Sacudiu-se como se fosse um grande urso. O Urso de Brecon.
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Capítulo 05 Cheia de vergonha e indignação, Roslynn tropeçou para diante e esteve a ponto de cair. Rapidamente agarrou a saia do vestido e se afastou com as costas rígidas. Não se pôs a correr tão somente pela necessidade de manter a dignidade. Acaso Madoc ap Gruffydd pensava que ela se sentiria tão afligida pela luxúria ao ver seu magnífico corpo que ia cair em seus braços e rogar que a tomasse como esposa? Ou acaso queria seduzi-la se casassem ou não? Todas suas palavras sobre a honra tinham sido falsas, depois de tudo? A enganaram de novo? — Milady! Roslynn não prestou atenção ao tio de lorde Madoc. Não afrouxou o passo. Devia estar comprometido naquela... naquela repugnante exibição. E pensar que ela acreditou que era um homem bondoso, que possivelmente estivesse muito desejoso de casar seu sobrinho, e que possivelmente fosse muito aficionado à bebida. — Milady, por favor! Pare e deixe que me explique! — exclamou Lloyd, entre ofegos. Parecia que mal podia respirar e, embora ela não pensasse que houvesse nenhuma desculpa aceitável para o que tinha acontecido, não ia deixar que ficasse doente, face ao que fez. Assim esperou de braços cruzados e dando golpezinhos com o pé no chão, que Lloyd parasse de frente para ela, com a respiração dificultosa e uma mão sobre o peito. — Não é necessário que corra milady! Foi um acidente, isso é tudo. Apesar do que dizia a diversão que estava refletia no olhar o traiu.
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— Ouça bem — disse ela. — Esta é a segunda vez que me enganam, e será a última. E se você e seu sobrinho pensam que por vê-lo nu vou querer me casar com ele, estão confundidos. Wimarc de Werre era tão bonito como o sonho de qualquer mulher e, também, era o homem mais mal, cruel e corrupto da Inglaterra. Nunca mais me deixarei influenciar pela beleza de um homem. — Prometo que Madoc não teve nada a ver com isto! — protestou Lloyd, horrorizado. — foi minha coisa. Ela arqueou uma sobrancelha. — Ele não ordenou que me trouxesse para o rio para que pudesse vê-lo em todo seu esplendor? — Não. Foi minha ideia, milady. Ele chegou a casa acalorado e suarento, e necessitava um banho, assim que sugeri que viesse ao rio e pensei que você... — fez uma pausa e tomou ar profundamente. — Verá milady, leva muito tempo sozinho. Necessita uma esposa, milady, e você é de seu agrado. — E estou segura de que meu dote também. — Mentiria se dissesse que não seria bem-vindo, mas com dinheiro ou sem ele, nunca tinha visto que ele olhasse uma mulher como a olha. E uma mulher poderia encontrar homens piores que meu sobrinho. Têm que admitir que tenha uma boa figura. — Poderia ser Apolo e isso me importaria menos que como trata ao mais insignificante de seus serventes. A Lloyd iluminou o olhar. — Ah! Bem, então, milady... — Tio! Madoc se aproximava a grandes pernadas para eles. Levava o cabelo molhado pelos ombros, sobre a túnica, e a camisa aberta pelo pescoço. O cinturão da espada
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se pendurava sob os estreitos quadris, como se tivesse se vestido a toda pressa. — O que lady Roslynn está fazendo aqui? Face à ira que despediam seus olhos, ela se encarou com ele sem titubear. — Seu tio me pediu que viesse ao rio para falar com você, segundo ele. Parece que tinha a ideia equivocada de que eu me sentiria ansiosa por me casar com você se o visse nu. Deixe que lhe diga milord, no caso de albergar pensamentos semelhantes, que o aspecto de meu futuro marido, vestido ou de outro modo, é a última de minhas preocupações. — E eu lhe asseguro milady — grunhiu o senhor de Llanpowell, com o rosto avermelhado — que se soubesse quais eram as intenções de meu tio, nunca teria vindo ao rio. Lorde Madoc cravou um olhar fulminante em lorde Lloyd, que tinha começado a retroceder para o castelo. — Aonde vai, tio? Lloyd se deteve e agitou as mãos brandamente, para aplacar seu sobrinho. — Bom, ia voltar para a torre, claro, para que os dois pudessem conversar tranquilamente sem ter a esse sombrio normando vigiando-os como se fosse um corvo em uma árvore. Você é um homem honrável, e ela é uma dama honrável, assim, por que não aproveitam a oportunidade para conversar um pouco? Não é que escaparam para ter um encontro romântico... — Tio — advertiu Madoc. — Até mais tarde, então — disse Lloyd, e face à ira de seu sobrinho e de Roslynn, sorriu e se encolheu de ombros antes de encaminhar-se apressadamente para o castelo, sem o mínimo sintoma de que faltasse fôlego. O muito ardiloso! Pensou Roslynn. Só fingiu que não podia respirar para conseguir que ela se detivesse e o escutasse.
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Por sorte, parecia que lorde Madoc estava tão molesto com sua chegada como ela estava pelo fato de tê-lo visto nu, assim possivelmente sim tivesse sido ideia de lorde Lloyd o fato de levá-la ao rio. Quando chegou a aquela conclusão, sua ira começou a dissipar-se. E se mitigou ainda mais quando lorde Madoc lhe disse com gravidade: — É meu tio e o quero, mas pode chegar a ser um verdadeiro chateio quando coloca uma ideia na cabeça. Gosta de você, milady, e quer que nos casemos. Certamente pensou que este era um bom modo de nos animar a isso. Por favor, acredite que isto foi ideia dele, e não minha. Se eu tivesse tido a mínima ideia do que ia fazer, não haveria... Lorde Madoc se ruborizou. — Não teria estado no rio — terminou, em um tom quase desafiante, como se a desafiasse a contradizê-lo. — Não sou um pavão para me exibir como Deus me trouxe ao mundo, milady. Estava tão molesto e ruborizado que ela sentiu lástima por ele. Roslynn imaginou como ela se sentiria se a situação tivesse sido ao contrário, e lorde Madoc a houvesse visto nua no rio, com a água escorrendo pela pele... — Acredito em você, milord — disse. — Me dou conta de que não é um presunçoso. Certamente, não se vestia como os homens vaidosos que abundavam na corte do rei, nem como seu defunto e presunçoso marido. Lorde Madoc relaxou. — Então, perdoarei meu tio. Roslynn suspeitou que lorde Madoc perdoasse seu tio muitas e muitas vezes. Aquilo podia ser um sinal prometedor de um matrimônio feliz, se ficasse. Então, ele sorriu. Seu sorriso era acolhedor, aberto e provocou mais fervor que
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o fato de vê-lo nu embora a lembrança de seu corpo fosse mais que suficiente para entrar em calor, também. — Quer que voltemos para a torre? — perguntou-lhe ele, assinalando com um gesto da cabeça em direção ao castelo. — Sim — respondeu ela, e pousou ligeiramente as gemas dos dedos em seu forte antebraço. Roslynn sentiu seus músculos e se deu conta que o Urso de Brecon era verdadeiramente um homem muito robusto. — Por desgraça, meu tio colocou na cabeça a ideia de que não vou voltar a ser feliz até que volte a me casar — disse lorde Madoc, em tom de desculpa, enquanto caminhavam. — Entretanto, acredito que precisamente você pode entender que eu prefira viver sozinho, como agora, que me equivocar no matrimônio. — Estou de acordo em que é melhor viver sozinho que estar preso a uma pessoa a que não se pode nem quer respeitar. — Exato. Esse é um tipo de solidão diferente. Ele falava como se conhecesse por experiência própria, e Roslynn começou a suspeitar que possivelmente seu primeiro matrimônio não tivesse sido feliz. Se aquilo era certo, resultaria mais fácil ganhar seu afeto... se ficasse. Se podia pensar em casar-se de novo e com um homem como ele. Continuaram passeando em silêncio, até que se aproximaram do povoado. Ela olhou lorde Madoc de reolho, e se perguntou o que pensariam os aldeãos quando os vissem juntos. Depois decidiu que não tinha importância. Só estavam caminhando juntos. Que escândalo poderia ser pior que os que já teve que suportar? — Meu tio me disse que falou um pouco sobre os problemas com meu irmão. — Um pouco — respondeu ela. — Trefor pensa que o traí uma vez e quer me castigar para vingar-se.
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Embora não ficasse em Llanpowell, Roslynn queria saber o que era o que separou aos dois irmãos. — E o fez? Madoc se deteve junto a um muro baixo de pedra e apoiou nele o quadril. Depois, olhou para a distância. — Meu irmão mais velho estava equivocado, sem dúvida, mas ele não vê assim. O único que Trefor vê é que eu me casei com a mulher com que ia casar-se e que me converti no herdeiro de Llanpowell em seu lugar. Casou-se com a noiva de outro homem? Por vontade própria? Ou por alguma outra razão que teria compensado o fato de contrair um matrimônio infeliz? E como chegou a ser o herdeiro se seu irmão mais velho ainda vivia? Ocorresse como ocorresse, havia causas para aquela inimizade. — Foi sua culpa — disse lorde Madoc. — Trefor chegou a suas próprias bodas tão bêbado que mal podia manter-se em pé. Isso já teria sido suficientemente mau, mas, além disso, começou a alardear o que tinha feito na noite anterior com uma prostituta. Eu tentei tirá-lo da torre, mas não fui o suficientemente rápido. Todos o ouviram. A noiva, seus pais, meus pais, nossas famílias, os convidados, os serventes. Os pais de Gwendolyn quiseram cancelar o matrimônio e terminar com uma aliança que tinha perdurado durante três gerações e ela jurou que ia odiar Trefor até o dia em que morresse. Para preservar aquela aliança, para impedir a humilhação de Gwendolyn e, também a de meus pais, eu me ofereci a casar com ela. Assim, em certo modo, ele foi obrigado da mesma maneira que John obrigou-a a ir a Llanpowell, porque a alternativa era muito pior. Lorde Madoc olhou Roslynn com uma expressão aberta e honesta, uma que ela nunca tinha visto no rosto de Wimarc. — Não quero mentir e dizer que foi algo difícil. Eu levava anos apaixonado por
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Gwendolyn, mas sempre pensei que era de Trefor e que estava fora de meu alcance. Roslynn teve que reprimir uma pontada de desilusão. O que importava a ela que seu matrimônio tivesse sido feliz ou infeliz? Ela não ia tentar ocupar o lugar de outra mulher em seu coração. — Casamo-nos aquele mesmo dia — continuou ele. — Eu pensei que aquilo seria o final de nossos problemas, por muito mau que fosse, até que meu pai decretou que Trefor já não era seu herdeiro, e que nunca poderia voltar para Llanpowell. Deixar-lhe-ia Pontyrmwr, um pequeno território que faz fronteira com o norte de Llanpowell. Eu me converti no herdeiro de meu pai. Não tive nada a ver com a decisão que tomou meu pai, mas Trefor pensa que roubei seu direito de nascimento e também sua prometida. Não quer reconhecer que envergonhou sua família com sua conduta e que poderia ter acabado com uma importante aliança. Não quer admitir que ele foi o único culpado de sua desgraça. — Seja qual for o motivo de sua inimizade, é uma desgraça — disse Roslynn em voz baixa. — Os membros de uma família deveriam ser os melhores aliados, não inimigos. — Eu não sou seu inimigo, mas tampouco posso ser seu amigo se ele segue me roubando as ovelhas. — Possivelmente deixe de fazê-lo — replicou ela. — Possivelmente um dia se dê conta de que se equivocou e deixe de ter ressentimento para com você. Eu rezarei por isso. — Se as preces pudessem ajudar... — murmurou Madoc, sacudindo a cabeça. Com um suspiro, ele se afastou da mureta e lhe ofereceu o braço para continuar seu caminho até o castelo. Ela não quis fazer mais perguntas sobre seu irmão e sua falecida esposa, embora tivesse muitas dúvidas, sobretudo sobre Gwendolyn e sobre o que sentiu ela durante seu matrimônio.
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— Lorde Lloyd me disse que esteve cuidando de lorde Alfred — comentou Madoc enquanto se aproximavam da aldeia. Roslynn não queria parecer covarde, nem tampouco queria dar a impressão de que a preocupasse as fofocas dos estranhos, assim não o pediu que rodeassem o povoado. Preparou-se para suportar as olhadas e os sussurros. — Foi fácil. Só estava doente devido ao hidromel galês. Sentir-se-á muito melhor quando despertar. — É pela doçura do licor — lhe explicou Madoc. — Se a gente tomar muito provoca uma terrível dor de cabeça no dia seguinte. — Não parece que a seu tio afete muito. Madoc riu. Sua risada foi como uma suave vibração de felicidade que possivelmente fosse como a risada de Zeus quando se divertia com as travessuras dos mortais. — Não o diga nunca, mas Bron joga água no dele. Roslynn o olhou com assombro e diversão. — Milord, acredito que você pode ser tão arteiro como ele! Lorde Madoc se escureceu. — Bebe mais do que deveria e não quero perdê-lo. Faz dois anos teve uma queda grave; tropeçou nas escadas porque estava embriagado. Então ordenei que sempre levassem para ele o vinho e o hidromel aguados. Era um engano, e ela odiava os enganos, mas tinha que admitir que aquela solução permitia que lorde Lloyd conservasse intacto seu orgulho, ao contrário de proibir a bebida por completo ou lhe tirar a taça das mãos como se fosse um menino. Chegaram à rua principal da aldeia, a do mercado, que felizmente não estava tão abarrotada como estava pela manhã. A maioria das mulheres da aldeia já tinham terminado de comprar o necessário para aquele dia. Só ficavam algumas pessoas e
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uns quantos meninos brincando por entre os edifícios de madeira e pedra e um par de cães brigando por um osso. Roslynn ouvia as marteladas do ferreiro, que trabalhava em sua forja. — Suponho que lorde Alfred partirá amanhã, tal e como há dito, com você, ou sem você — comentou Madoc. — Sim — confirmou ela. — E como vai voltar para a corte, partirá sem mim. — Então, você quer ficar ou ir ao convento mais próximo? Isso seria em Llanllyr. É um convento cisterciense. Ou acaso pensou em outro? — Sim. Haverholme, dos gilbertinos. Está em Lincolnshire, perto das terras de meus pais. Madoc se deteve a sombra do edifício da padaria, em cuja porta havia um posto para vender pão fresco e bolos e que tinha os fornos no pátio. O aroma caseiro e são de seus produtos os envolveu. — Se preferir não ir a um convento — disse Madoc — proporcionarei a você uma escolta para que possa viajar com segurança. Aquela oferta era muito tentadora; ou deveria ter sido. — Se partir daqui, o lugar mais seguro para mim, minha família e meus amigos será em Haverholme. De outro modo, John poderia culpá-los de minha desobediência, além de tentar me casar outra vez. Madoc a olhou fixamente. — Sacrificaria seu futuro por eles? — Oxalá tivesse outra escolha, milord, porque preferiria não ser monja. Quero me casar, ter filhos e uma família. — Eu também. Quero uma esposa, Roslynn, e ter filhos a quem sentar sobre meus joelhos. Quero uma mulher que não tenha medo de me dizer o que pensa, que seja valente e bela. Queria uma mulher como você.
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— Então...? — ela respirou profundamente e tentou acalmar suas emoções, sossegar sua mente inquisitiva, porque só havia uma pergunta que tinha importância. — Quer se casar comigo, milord? — Sim. Era uma resposta singela, clara; entretanto, Roslynn viu em seus olhos castanhos todas as emoções que ela também experimentava: dúvidas, esperança, medo e excitação. E desejo. Oh, sim, Roslynn via ali o desejo, sentia-o como uma corrente entre os dois, embora lutasse contra ele como o marinheiro de um naufrágio lutando contra o mar enfurecido. A luxúria não devia influir em sua decisão. Roslynn tinha permitido que a guiasse antes, e a conduziu ao desastre. O que sabia em realidade do senhor de Llanpowell? Que era bonito, que tinha um caráter forte e que fazia que seu sangue fervesse. Que parecia bom, pormenorizado e generoso. Que era bondoso com seu tio e que sua gente o respeitava. Que seu irmão lhe roubava ovelhas, e que ele não reagia com malícia e desprezo, a não ser com paciência. Era suficiente tudo aquilo? Podia confiar em seu próprio julgamento, quando se equivocou tanto ao escolher outro homem bonito? E o que devia pensar de seu temperamento? Ele dizia que nenhuma vez golpeou uma mulher, mas, que provas tinha ela? Como podia esperar com segurança que não se convertesse em outro Wimarc quando tivesse pronunciado os votos matrimoniais? Entretanto, e apesar de todos os medos e dúvidas, e a horrível experiência que foi seu primeiro matrimônio, Roslynn sentia que seu coração a urgia a aceitá-lo, e que seu corpo a apressava a converter-se em sua esposa e compartilhar seu leito. Não devia deixar-se influir por suas emoções falíveis, nem sequer naquele
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momento em que ele estava tão perto que poderiam beijar-se, e embora ela desejasse que a tomasse entre seus fortes braços para poder saborear seus lábios. Entretanto, inclusive enquanto lutava contra sua inclinação e seu desejo, imaginou um grupo de meninos sãos e felizes a seu redor. E aquela foi uma imagem muito difícil de passar por cima. — Pensá-lo-ei — disse então, em um tom tão calmo que se surpreendeu. Depois, recordou que não devia aceitar sem condições. Devia lhe dizer o que requeria de um marido. Se ele punha objeções, ela devia negar-se ao matrimônio. — Deve me prometer, entretanto, que se nos casarmos me tratará com respeito, que nunca me golpeará e que não me insultará diante de outras pessoas. Ele assentiu. — Pedidos compreensíveis e muito fáceis de cumprir. Eu também tenho uma condição, entretanto. Assim como você não quer um marido bruto, eu não quero uma esposa reticente. Se não puder compartilhar gostosamente o leito comigo, se a ideia de estar entre meus braços resulta repulsiva, não falaremos mais do matrimônio. Dizia-o a sério. Aquele homem tão bonito e atrativo estava disposto a admitir que possivelmente a alguma mulher não resultasse prazeroso fazer o amor com ele. Não era um homem arrogante. Era modesto, humilde e inseguro, como um moço que procurava seu primeiro beijo. Oxalá ela pudesse lhe assegurar que cumpriria alegremente com o débito conjugal. Por desgraça, não podia estar segura de tudo. Wimarc a feriu, assustou e humilhou tão frequentemente que não estava segura de não vacilar quando Madoc começasse a lhe fazer amor, embora seu corpo estivesse ansioso por averiguá-lo. — Só posso prometer que o tentarei — lhe respondeu com sinceridade. — Mas acredito, espero que se for paciente e gentil comigo, se aceitar que possivelmente
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não esteja tão ansiosa como você no princípio, poderei compartilhar seu leito e cumprir com o dever de uma esposa. Acariciou brandamente os braços esbeltos e tomou suas mãos, embora seus olhos ardessem de desejo. — Vê? Gentil. Animada pela contenção de lorde Madoc, ela não se afastou. Podia acreditar que lorde Madoc não lhe faria mal, como Wimarc, e que a trataria com amabilidade e respeito. Entretanto, em sua fervente esperança e seu apaixonado desejo, quando sentiu o roce dos lábios de Madoc notou que despertava aquele velho medo. Ficou tensa e lutou para controlar o pânico, assegurando-se que estava segura e ordenando a seu corpo que relaxasse e a sua mente que esquecesse. Não o conseguiu. Madoc se afastou com o cenho franzido e os olhos cheios de decepção e consternação. Não de raiva. Ele não era Wimarc, um lobo faminto disfarçado de homem. Ele não era John, o rei briguento que usava seu poder para forçar às mulheres que cumprissem sua vontade. Ele não era um cortesão que pensava que a viúva de um traidor agradeceria seus cuidados lascivos. Madoc ap Gruffydd não era matreiro nem calculador. Seus pensamentos e seus sentimentos eram fáceis de ler em sua voz e seu rosto. Não falava como se fosse uma coisa que capturar e usar, mas sim como uma pessoa que era seu igual em muitas coisas, embora não em todas. Casar-se com ele podia ser a última oportunidade de ser feliz e ela seria tola se a desperdiçasse pelo que tinha ocorrido no passado. Assim tomou seu rosto entre as mãos, ficou nas pontas dos pés e o beijou.
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Capítulo 06
Roslynn o beijou desesperadamente, tentando demonstrar que podia aceitar de verdade aquele matrimônio, que podia aceitá-lo. Ele a abraçou e fez que se sentisse segura e acolhida e, também, desejada. Escapou-lhe um suave gemido da garganta quando separou os lábios e com delicadeza, colocou a língua em sua boca cálida e úmida. Sem deixar de beijá-la, empurrou-a brandamente contra a parede de madeira da padaria. Ela ficou sem respiração ao notar que ele deslizava a mão para cima, por suas costelas, até que cobriu o seio e o acariciou ligeiramente, causando uma sensação assombrosamente prazerosa. Aquilo não eram puxões bruscos, como se ela fosse feita de madeira ou de pedra. Ele a acariciou com ternura, com sutileza, como se fosse algo precioso. Naquele momento, Roslynn se deu conta de que desejava Madoc como nunca desejou Wimarc, nem sequer quando pensava que estava apaixonada por ele. — Me diga que pare e o farei — sussurrou Madoc, enquanto lhe roçava com a boca a curva da bochecha. — Não pare — sussurrou Roslynn, enquanto suas mãos começavam uma viagem própria... até que ele interrompeu o beijo e pôs sua mão sobre as suas. — Seriamente quer se casar comigo, Roslynn? — perguntou em um sussurro.
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Acaso não podia ouvir os batimentos de seu coração, nem sentir a necessidade de seu corpo, nem ver o desejo e a esperança em seus olhos? Possivelmente só necessitava que ela o dissesse em voz alta. — Sim, Madoc ap Gruffydd, senhor de Llanpowell, quero me casar com você. Seu sorriso fez que Roslynn se sentisse como se tivesse tomado a decisão mais acertada de sua vida. Aproximou-se dele e voltou a beijá-lo. Entretanto, aquele abraço não durou muito. — Basta, milady — a repreendeu ele brandamente, e se retirou. — Será melhor que voltemos para a torre. Não quero que depois perguntem se a seduzi para que se casasse comigo. Disse-o como se pudesse consegui-lo, se o tentasse. A deliciosa calidez que sentiu Roslynn se esfriou. — Muito bem, milord — disse Roslynn e deu um passo. Ele a puxou pela mão e a puxou para trás, com o cenho franzido. — O que acontece? Como ele o tinha perguntado, ela o disse. — Já me convenceram para que me casasse uma vez com palavras lisonjeadoras e beijos sedutores. Eu não gostaria de acreditar que sou tão estúpida para que me enganassem outra vez. — Falei sem pensar, Roslynn — disse Madoc, com cara de estar sinceramente arrependido. — Perdoe minhas palavras apressadas. Ou acaso lamenta ter aceitado se casar comigo? Quantos homens em sua posição se desculpariam e se arrependeriam? Quantos quereriam confirmar uma resposta afirmativa que já havia dado? Não era aquele outro sinal da diferença entre Madoc e seu primeiro marido? — Ainda desejo me casar com você, milord.
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— Bem — respondeu ele. Os olhos de Madoc começaram a brilhar de picardia, e sorriu de uma maneira que o rejuvenesceu vários anos ao tomá-la pela mão para tirá-la das sombras da padaria e guiá-la para o castelo. — Tio Lloyd vai se sentir tão contente... — E lorde Alfred tão aliviado — acrescentou ela, desejando com todas suas forças ter acertado ao confiar no senhor de Llanpowell e não ter cometido outro engano desastroso. Madoc se sentia como se tivesse ganhado um torneio sem a ajuda de ninguém, até que entraram no pátio de Llanpowell e se encontraram com tio Lloyd, que estava dançando frente ao cavalo do nobre normando como se estivesse pisando em fogo. Lorde Alfred cravou seu olhar fulminante neles. — Assim por fim retornou milady. Estávamos a ponto de sair em sua busca. Madoc soltou a mão de Roslynn e se deteve frente ao cavalo do normando. Lorde Alfred, entretanto, seguiu falando com sua protegida. — Milady, possivelmente possa explicar onde esteve. — Sim — respondeu ela com uma frieza que recordou a Madoc seu irmão. Trefor sempre tinha sido capaz de manter a calma ante uma catástrofe, até a noite anterior a suas bodas. — Lorde Madoc e eu viemos caminhando através do povoado, falando sobre nossas iminentes bodas. Lorde Alfred ficou tão assombrado que esteve a ponto de cair do cavalo, enquanto tio Lloyd deu um grito de alegria e se lançou para abraçar Roslynn. — Por todos os Santos de Gales, sabia! Embora ela fizesse o anúncio com evidente falta de entusiasmo, ao menos não se negou a fazê-lo, pensou Madoc enquanto observava de reolho aos serventes e soldados que estavam no pátio.
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Como ele pensou, alguns deles ficaram muito surpreendidos; outros não estavam agradados, claramente, e muitos outros pareciam receosos. Madoc esperava que, uma vez que lorde Alfred e seus homens partissem, aceitariam sua decisão. Depois de tudo, a própria mãe de Madoc era normanda e tinha o apoio de todos os habitantes de Llanpowell. Madoc não via Ivor por nenhuma parte. Era provável que estivesse ocupado nos assuntos da administração. Não sabia como ia reagir seu administrador quando soubesse da notícia... Ivor não gostaria, mas certamente veria os benefícios da decisão que ele tomou. — É certo? — perguntou-lhe lorde Alfred. — Sim, vamos nos casar — disse Madoc enquanto seu tio soltava à dama e dava uns golpes nas costas dele. — Amanhã, se ela estiver de acordo. «Amanhã, antes que mude de opinião». Lady Roslynn soltou um ofego de surpresa, e lorde Alfred ficou tão assombrado como se tivesse pedido que ele mesmo oficializasse a cerimônia. Não devia ter sido tão impetuoso, nem deixar-se influir tanto pelo desejo que sentia... mas já era muito tarde. Falou com claridade, em voz alta, e não podia retirar aquelas palavras embora quisesse. — Isso nos deixa muito pouco tempo para avisar os convidados — replicou ela. — E para preparar a festa — acrescentou tio Lloyd. — Graças a Deus que sempre temos abundância de vinho e de braggot na despensa. Madoc não fez conta. Dirigiu-se a lady Roslynn. — Naturalmente, a cerimônia pode atrasar-se, se o preferir. Madoc ouviu que lorde Alfred emitia um som afogado. Sem dúvida, queria que se celebrasse as bodas antes de voltar para a corte. Entretanto, seus desejos não eram nada comparados com os de lady Roslynn, que estava olhando-o daquela
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maneira fria, ligeiramente recatada, que contrastava tanto com a paixão de seus beijos. Ele se obrigou a dominar sua luxúria e a atuar como um nobre civilizado. Não era um bárbaro, depois de tudo, e não queria obrigá-la a nada para que ela não estivesse preparada. Podia controlar-se. O fez antes e podia fazê-lo outra vez, por mais difícil que fosse. Ela assentiu com calma. — Não. Em realidade, não desejo convidar ninguém, assim não há motivo para o atraso. Não era uma resposta muito entusiasta, mas era melhor que uma negativa ou uma mentira. De fato, Madoc deveria sentir-se aliviado por não ter estragado tudo com seu apressado anúncio. — Assim lorde Alfred poderá retornar a corte rapidamente, como deseja — continuou lady Roslynn. — Sim, é certo — disse lorde Alfred enquanto desmontava. Estava sorrindo, embora aquilo o fizesse parecer uma gárgula. — O rei se sentirá muito agradado. A Madoc não importava um rabanete se John se sentia agradado ou não. Ele estava agradado, a dama estava disposta e, além disso, teriam dinheiro para fazer melhorias em Llanpowell, transformando-o em um lugar mais seguro e mais cômodo. — Entremos todos — disse tio Lloyd. — vamos tomar uma taça para celebrar a feliz notícia. — Adiante, tio — disse Madoc. — Eu tenho que ir procurar Ivor. Como disse, não há muito tempo para os preparativos. E possivelmente Ivor fosse mais propenso a aceitar sua decisão se ele a comunicasse pessoalmente, pensou Madoc. Além disso, precisava acalmar-se e dominar seu desejo.
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— Oh, sim. Acredito que está na sala de armas. Vai se por furioso quando souber que só tem um dia. Tio Lloyd riu enquanto tomava lady Roslynn pelo braço. — Vamos, milady — disse, piscando o olho. — depois de uma decisão tão acertada, não está mais zangada pelo do rio, verdade? — Não, não estou zangada por isso, mas de todos os modos não deveria tê-lo feito — disse ela, sorrindo de uma maneira que fez que Madoc ficasse com o coração acelerado. Pareceu-lhe que faltavam anos para o dia seguinte. Na sala de armas, Madoc teve que se deter um instante até que os olhos se acostumaram à penumbra. Como continha todas as armas do castelo, naquela sala não havia janelas nem luz natural. A iluminação provinha de abajures de azeite, velas e tochas, dependendo de quem estivesse ali e do que estivesse fazendo. Naquele momento só havia um abajur aceso ao final da grande habitação, que estava situada sob os barracões e junto ao estábulo. — Ivor? — disse Madoc. — Estou aqui! — respondeu Ivor do lugar onde estava a pequena luz. Madoc passou junto às lanças que estavam apoiadas nas paredes, junto às espadas, os arcos e as aljavas e as armaduras. Havia também mesas de trabalho cheias de pedaços de madeira, penas e couro. Madoc encontrou Ivor perto de uma estante de espadas quebradas ou dobradas, com uma pluma nos dedos manchados de tinta. Estava perto de uma mesa em que havia um tinteiro e vários cilindros de pergaminho, além de um abajur de sebo de ovelha. — Logo poderemos substituir todas essas — lhe disse Madoc. Ivor franziu o cenho. — E como vais pagar...? — sua expressão trocou lentamente e se voltou em
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desagrado. — Vai se casar com a normanda. Madoc apoiou um ombro contra a estante e cruzou os braços. Não esperava que Ivor ficasse louco de contente, mas tampouco que seu amigo deixasse ver com tanta claridade sua desaprovação. Entretanto, embora Ivor não estivesse de acordo, ele já tinha tomado uma decisão. — Quando? — Amanhã. Ivor arqueou ambas as sobrancelhas. — Tão rápido? — Não vejo nenhum motivo para esperar. Quanto antes me case, antes poderemos utilizar o dote. E antes teria lady Roslynn em seu leito. — Oh, sim. É obvio. E possivelmente necessitemos armas — disse Ivor com uma expressão sombria. — Trefor não vai tomar muito bem a notícia. Provavelmente pensará que quer usar o dinheiro desta aliança com o rei para lhe tirar o que fica de suas terras. Madoc não tinha pensado na reação de Trefor, e possivelmente deveria ter pensado. Entretanto, não podia permitir que as possíveis ações de seu irmão o dissuadissem. — Eu não quero suas terras. Nunca as quis. — Mas tem a maioria, igualmente — apontou Ivor. — Além disso, tem uma noiva rica, e através dela, laços mais fortes com o rei John. Trefor vai se zangar, Madoc, possivelmente tanto para fazer algo grave. — Deus, espero que não. Espero que tenha bom senso, pelo menos uma vez. — O bom senso nunca foi seu ponto forte — replicou Ivor, apoiando o peso do
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corpo na perna sã. — O que vai fazer se lança um ataque contra você? — Me defender. Não estou fazendo nada mau ao me casar com lady Roslynn. — Bom, esperemos que nos equivoquemos e que esteja satisfeito em Pontyrmwr durante um tempo, com suas últimas ações. Ivor começou a recolher seus pergaminhos e os pôs em uma estante pequena, junto à mesa. — Será melhor que vá à despensa para ver o que temos para a festa. Podia ter me dado uns dias mais, Madoc. Apesar de seu aparente aborrecimento, Ivor finalmente sorriu. — Bom, ela é tão bonita que não posso dizer que te culpe, embora Hywel vá dar um ataque. Assim se me ameaça com uma faca de açougueiro, será tua culpa — disse, e se encaminhou para a porta. — Vem? — Em um momento. Vou olhar estas espadas. E se Hywel te ameaça com uma faca, envia-me um recado — disse Madoc sem se mover. Quando Ivor saiu, Madoc não examinou nenhuma espada. Sentou-se na borda da mesa, com os braços cruzados, com a cabeça inclinada, em silêncio. Ali havia calma e, apesar da presença de tantas armas, paz. O único som era o chiado da chama empapada de sebo e a única luz provinha daquela pequena chama. Tomou a decisão acertada? Estava fazendo o melhor para sua gente e para ele mesmo? Ou se deixou influir muito pela beleza e o caráter da dama, por sua própria solidão e a paixão que lhe provocava? Deveria ter contado mais a respeito de seu matrimônio com Gwendolyn e tudo o que ocorreu depois? Faria isso que ela visse as coisas de diferente modo? Era isso o que lhe impediu de falar de Gwendolyn, do pequeno Owain e de seu nascimento, que tinha levado a vida de sua mãe? Independente de qual fosse à razão, Madoc não o fez, e a sorte estava lançada.
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Levantou-se, pegou o abajur e se dirigiu para a porta. Escolheu seu caminho. Lady Roslynn o aceitou, e ele deu sua palavra, assim, não podia voltar atrás. Salvo com vergonha e desonra. À manhã seguinte, Madoc estava no salão, esperando sua noiva. A capela do castelo era muito pequena para albergar a todos os serventes, soldados e aldeãos que foram presenciar a cerimônia e participar da festa, assim o casamento se celebraria na torre de comemoração. Madoc esperava que o fato de que no exterior chovesse muito não fosse um mau presságio. Moveu-se com certo nervosismo, reprimindo o impulso de tirar a túnica. Pôs suas melhores vestimentas e, ao mesmo tempo, as mais incômodas. Não tornou a usar aquilo desde suas últimas bodas, e então tampouco gostou daquela vez. Lorde Alfred se ausentou porque ia acompanhar lady Roslynn de seus aposentos ao salão e tio Lloyd estava sorrindo como se ele mesmo tivesse arrumado aquele matrimônio. Fora à desaprovação de Ivor, que deixou bem claro durante o jantar da noite anterior, o administrador também estava assistindo. Justo quando Madoc estava começando a pensar em enviar alguém para averiguar por que a noiva se atrasava tanto, lady Roslynn apareceu pela escada de braço com lorde Alfred. Madoc sentiu uma rajada de entusiasmo e de desejo. Roslynn levava uma túnica de cor vermelha escura de lã fina, muito singela, mas que acentuava a perfeição de sua figura. O pescoço quadrado do objeto tinha um cós bordado de ouro e a noiva levava um véu branco que lhe roçava as bochechas e ocultava a maior parte de sua cabeleira espessa e escura. Levava um crucifixo de ouro como todo adorno, mas seus olhos azuis e inteligentes brilhavam mais que qualquer joia, e seus lábios vermelhos recordaram a Madoc o beijo que compartilharam.
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Quando lady Roslynn e lorde Alfred se aproximaram do estrado, entre os assistentes se estendeu um murmúrio de espera, o padre Elwy ficou frente à Madoc e sua noiva. Então, Madoc pegou a mão da noiva e o sacerdote começou a cerimônia dirigindo-se aos presentes. — Há alguém nesta sala que conheça impedimentos para celebrar o matrimônio entre Madoc ap Gruffydd ap Iolo, senhor de Llanpowell e lady Roslynn de Werre, viúva, filha de lorde James de Briston? Se for assim, deve declará-lo. Madoc conteve o fôlego temendo que alguém protestasse por suas bodas com uma mulher normanda e viúva ou que Trefor os interrompesse de algum modo e tentasse destroçar aquela oportunidade de seu irmão ser feliz. Teve a sensação de que lady Roslynn compartilhava seu temor, porque lhe apertou a mão como se pensasse que alguém fosse levá-lo. Ou porque tinha a tentação de fugir? Não, não podia ser. Se uma mulher como ela tivesse dúvidas ou se arrependesse de sua decisão, não titubearia na hora de dizê-lo ou de dar alguma desculpa para atrasar as bodas. O padre Elwy olhou significativamente Madoc, que se deu conta, com sobressalto, de que esteve calado mais tempo que o necessário. Para compensá-lo e demonstrar que não lamentava o mínimo sua decisão, falou em voz alta e com claridade, primeiro em galês e depois em francês normando para lorde Alfred e a dama. — Quando nos casarmos, minha esposa terá direito à terceira parte de meus bens quando eu morrer, tal e como decreta a lei. Também herdará todos os bens domésticos que contribuiu com seu dote e um equivalente à soma em prata que trouxe consigo. Outro murmúrio animado percorreu a multidão. Aquilo poderia ser
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considerado como muito generoso, embora a Madoc parecesse que era só justo. Entretanto, deu-se conta de que também surpreendeu e agradou à dama, e se alegrou. — O anel, milord — lhe pediu o padre Elwy. Madoc tirou o anel de sua mãe do cinturão e o entregou ao padre que o benzeu com o sinal da cruz e que depois o devolveu. — Tomo lady Roslynn de Werre como esposa — jurou, em voz alta e clara, enquanto tomava sua mão esquerda e colocava a aliança no dedo anelar. — A honrarei e a respeitarei, protegê-la-ei e serei fiel durante o resto de minha vida. Juroo em nome do Pai — disse, quando o anel passava a primeira falange — do Filho — acrescentou enquanto passava a segunda — e do Espírito Santo — terminou, quando a aliança ocupou seu lugar. O sacerdote assentiu e fez o sinal da cruz novamente para benzer a união. — Louvado seja o Senhor e todos os Santos, casaram-se! — exclamou tio Lloyd, dando um golpe em lorde Alfred no braço. — Logo haverá bebês e risada de meninos neste castelo. Agora nos sentemos para comer e beber a sua saúde! — Um momento, tio — disse Madoc. Elevou a voz e voltou a falar com firmeza. — Independente dos desejos do rei John, eu escolhi lady Roslynn. Ela será minha esposa, levará meus filhos no ventre e será a castelã de Llanpowell. Demonstrarão a ela o mesmo respeito que a mim, ou do contrário, abandonarão Llanpowell. — De igual modo — disse lady Roslynn inesperadamente — eu escolhi lorde Madoc ap Gruffydd de Llanpowell como marido e prometo fazer todo o possível por ser uma boa esposa. Depois ficou nas pontas dos pés e o beijou nos lábios, frente a todo mundo. E não foi um beijo casto para que outros o vissem; beijou-o com paixão, como se quisesse demonstrar que era verdadeiramente o homem a quem escolheu.
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Ele se esqueceu de onde estava, e do motivo, e respondeu como se estivessem a sós junto a seu leito. Nunca desejou uma mulher como desejava Roslynn naquele momento, e não só para fazer amor. Queria que aquela mulher fosse sua castelã, sua amante, a mãe de seus filhos e o coração de seu lar e ele seria seu guardião e protetor. Assim, devolveu-lhe o beijo com paixão e desejo, com esperança e desejo, até que alguém tossiu e lhes recordou que não estavam sozinhos. Madoc se retirou e sorriu à noiva, que se ruborizou e afastou o olhar como a mais recatada das donzelas. Entretanto, ele estava seguro de que não o era, e aquilo o excitou ainda mais. Por desgraça, seu prazer deveria esperar até depois da festa nupcial. — Te afaste Madoc! — gritou tio Lloyd enquanto empurrava seu sobrinho para abraçar Roslynn. Depois a beijou efusivamente em ambas as bochechas. — Não fique com noiva só para você ainda!
Capítulo 07 Na festa que seguiu à cerimônia, lorde Alfred se sentou à mesa à esquerda de Madoc. Estava muito satisfeito e, Roslynn não tinha dúvida, aliviado de poder voltar para a corte e informar ao rei de que suas ordens se cumpriram. O tio de Madoc estava à direita de Roslynn e, quando não estava comendo ou bebendo, estava contando a boa pessoa que era seu sobrinho.
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Por desgraça, embora a comida fosse excelente, Roslynn perdeu o apetite, sem dúvida, devido a ainda estar no salão aniquilada e afligida como esposa de um homem a quem pouco conhecia e com o pouco tempo de contato. Embora aceitasse aquele matrimônio, ela mesma ficou muito surpreendida pela decisão de seu noivo de celebrar a cerimônia tão rapidamente. Embora ele mesmo concedeu-lhe mais tempo, ela se deu conta de que não havia razão para esperar. Deu sua palavra e não havia ninguém a quem queria convidar nos bosques de Gales para que visse como se casava, caso assistissem. O fato de que Madoc estivesse tão silencioso não ajudava a suavizar sua inquietação, embora fosse um contraste agradável com o comportamento de seu primeiro marido durante aquela outra celebração nupcial. Wimarc se movia entre os convidados de muito bom humor, saudando e fazendo elogios como se fosse um monarca magnânimo. Entretanto, não era só a presença taciturna de Madoc o que a punha nervosa. Era o que veria se por acaso o olhava aos olhos. Era algo abrasador, primitivo, que dava vontade de beber vinho para adormecer todas aquelas sensações. E se por acaso se roçavam... Entretanto, sabia que não devia ingerir muito álcool. Queria estar plena das faculdades quando seu marido e ela... quando eles... Tragou um pequeno bocado de carne e tentou prestar atenção ao histrião que estava cantando. Desgraçadamente, cantava em galês, assim que ela começou a olhar os convidados que estavam no salão. Os aldeãos estavam entusiasmados de encontrar-se em tal evento, os soldados se embebedavam alegremente e os serventes se moviam entre os assistentes trocando comentários com os aldeãos. Umas quantas criadas jovens paqueravam com os soldados. Salvo a tímida Bron. Ela não falava e cumpria suas tarefas rapidamente, com
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eficiência, embora com um sorriso amável no precioso rosto, enquanto evitava com habilidade qualquer tentativa de carícia. Roslynn sabia exatamente como se sentia Bron. Ela tinha passado muitos jantares na corte do rei tentando evitar cuidados indesejáveis, embora parecesse que a Bron não incomodavam os cuidados dos homens. Era como se nenhum a importasse o suficiente para responder, nem com prazer nem com um tapa. Roslynn viu Ivor, o administrador, que estava tão vigilante como um cão do seu lugar na mesa. Ela captou um de seus olhares e, por sua expressão, soube que não a aceitava nem queria que fosse a senhora de Llanpowell. Não tinha por que lhe ter simpatia e ele não tinha por que ter simpatia com ela. Ela era a senhora e ele, o administrador. Só tinham que colaborar. Não era sua desaprovação o que a inquietava. Era a hipocrisia. Wimarc foi um mestre do engano. Inclusive em sua festa de casamento, quando se comportava como um noivo amante e feliz, estava planejando a rebelião com a maior parte dos convidados. Madoc pegou sua mão e ela se sobressaltou como se a tivesse cravado com um alfinete. Rapidamente, ele se retirou. — Perguntava-me por que minha esposa tem o cenho franzido. Ela lamentou ter reagido assim, mas respondeu com sinceridade. — Temo que seu administrador não aprove nossas bodas. — Ivor é desconfiado por natureza e não confia nos estrangeiros. Sobretudo, desconfia de John — admitiu Madoc. — E tem outra razão, uma razão pessoal, para sentir antipatia pelos normandos. Culpa-os de sua claudicação. Quando sua mãe estava no final da gravidez, foi acossada por um grupo de soldados normandos, e caiu. Isso provocou o parto, e Ivor nasceu com uma perna danificada. Não se sabe se foi devido à queda ou ao parto prematuro, mas de todos os modos, ele culpa aos
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normandos. Não obstante, Ivor tinha uma grande admiração por minha mãe, e ela era normanda. Madoc franziu o cenho ao ver que Roslynn se surpreendia. — Ninguém lhe disse verdade? — Contaram-me muito pouco sobre você, milord, e menos ainda sobre Llanpowell. É reconfortante saber que não sou a primeira castelã normanda aqui. Espero que toda sua gente chegue a me aceitar também. — Se não o acreditasse possível, não teria me casado com você. Quanto ao Ivor, sou eu quem manda aqui, não ele. É tão obstinado como eu, sobretudo quando acredita que tem razão, assim possivelmente tenha que lhe dar tempo. Entretanto, não tenho nenhuma dúvida de que ao final a aceitará, igual aqueles que se opunham ao matrimônio de meu pai. Assinalou com a cabeça seu tio, que ainda estava escutando com encanto ao trovador. — Seu tio? — sussurrou Roslynn com incredulidade. — Era o pior de todos, ou isso dizem. Depois se deu conta de que não tinha razão, e agora pensa que as mulheres normandas são anjos. — O que acontece às mulheres? — perguntou Lloyd, quando o trovador terminou sua longa balada. — Estava-lhe contando que você queria muito a minha mãe. — Como todo mundo. Era uma mulher magnífica, mas, oh, que caráter! Podia te esfolar com um olhar — disse e, sacudindo a cabeça, suspirou. — Quanto sinto falta dela! — depois sorriu com alegria. — Mas não é momento de caras tristes. Ela estaria muito contente esta noite, estou seguro. Ai, isto me recorda às bodas de seus pais, Madoc. Que grande festa! Estive bêbado durante uma semana, quando não estava perseguindo as moças e caçando a alguma delas, claro. Embora nenhuma
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fosse tão bela como você, milady, embora fossem belezas de Gales. Embora lhe brilhasse os olhos de felicidade, Lloyd exalou outro suspiro longo e profundo. — Ah, então eu era mais jovem e mais rápido. Agora não caçaria a nenhuma. — A menos que elas o permitissem — particularizou Roslynn, tentando seguir com a diversão. — Estou segura de que não sou a única mulher que ainda o encontra bonito. — Vamos! Reconheço a adulação quando a ouço! — gritou Lloyd, embora olhasse Madoc com um sorriso resplandecente. — Sobrinho casaste com uma mulher de bom coração que faz que me sinta tão jovem como você! — Possivelmente deva dizer às criadas que se escondam — sugeriu Madoc. — Adiante — o desafiou Lloyd. — Se sua esposa tiver razão, haverá uma ou duas que não o obedecerão. — Então, suponho que possivelmente tenhamos logo outro casamento. — Nem o mencione! — gritou seu tio. — Eu não sou como você! Não poderia ser fiel a uma mulher, nem tampouco a sua memória. Vá coisa para fazer a sua esposa, prometer fidelidade quando se sabe que é impossível. Roslynn tomou um sorvo de vinho. Sentiu-se aliviada ao saber que Madoc não era da classe de marido que tomava amantes, mas também sentiu consternação pelo que havia dito Lloyd. Se Madoc tinha amado tanto a sua primeira esposa que não teve outra amante desde sua morte, como ia ela ocupar o lugar daquela mulher em seu coração e em sua vida? Possivelmente nem sequer deveria tentar... As pessoas começaram a aplaudir junto à porta do grande salão, e Roslynn viu entrar um homem de cabelo cinza com uma túnica verde, que levava uma harpa e que se aproximou do estrado. — Ah, já veio Ianto! — exclamou Lloyd. — O melhor bardo de Gales. Pensava
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que não chegaria nunca. Quando o bardo chegou ao estrado, fez uma reverência a Madoc e outra a Roslynn, sorrindo, enquanto os serventes se apressavam a retirar o bolo de frutas e as castanhas assadas da mesa e levavam ao trovador um tamborete. Ianto não começou a cantar imediatamente depois de sentar-se; olhou Roslynn de um modo desconcertante e passou os dedos com delicadeza pelas cordas da harpa, como se o instrumento fosse seu mascote. Roslynn, com curiosidade pelo atraso e curvada pelo escrutínio do cantor, inclinou-se para Madoc e lhe perguntou em um sussurro: — O que está esperando? — Está pensando qual é a canção mais adequada para a noiva. Roslynn não pareceu reconfortada diante aquela ideia, sobretudo porque tomava muito tempo. Por fim, o trovador começou a cantar em galês. A maioria das pessoas do salão começaram a sorrir e vários colocaram a mão sobre a boca para reprimir uma gargalhada. Madoc, pelo contrário, permaneceu imóvel como uma pedra. O administrador tinha uma expressão sombria. Roslynn, muito inquieta por suas reações, olhou a Lloyd e se deu conta de que ele tinha os lábios franzidos como se também estivesse tentando não rir. Que canção escolheu o bardo? — Importaria de me dizer sobre o que está cantando o bardo? — perguntou lorde Alfred a Madoc, com evidente desconfiança. — É uma canção sobre uma sereia e o homem que a ama — disse Madoc. — Ela é um ser muito escorregadio, sabem? — explicou Lloyd com os olhos brilhantes. — E ele tem muitas dificuldades para abraçá-la quando...
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Madoc jogou a cadeira para trás bruscamente. — Agora, o noivo cantará para a noiva — declarou. — Em seu idioma, para que ela possa entendê-lo. Roslynn se ruborizou e não disse nada, mas se sentiu muito agradada por ele se levantar para defender sua dignidade. Uma canção obscena sobre sereias e seus amantes humanos não era apropriada para as bodas de dois nobres. O bardo entregou a Madoc sua harpa e o marido começou a tocar. Sua canção era mais doce, mais lenta, e tratava sobre um moço que sonhava com o amor perfeito, mas temia não encontrá-lo nunca. Cada um dos versos terminava com o jovem tentando conservar a esperança, mas com medo de que fosse inútil. A canção terminava com uma grande melancolia. Roslynn estava a ponto de chorar e isso teria sido mortificante para ela. Levantou-se rapidamente. — Se me desculpar, milord, desejaria me retirar. Madoc devolveu a harpa ao bardo. — Ainda é cedo. Não se encontra bem? Madoc não tinha a culpa por ela se desgostar. Ele não podia ter adivinhado como ia afetá-la aquela canção. De fato, nem sequer ela o teria suposto nunca. Entretanto, e mais que nunca, Roslynn lamentou ter conhecido Wimarc. Lamentou ter-se deixado enfeitiçar por ele, lamentou casar-se com ele. Quanto daria por ser de novo uma noiva inocente, sem enganos em seu passado e sem escolhas equivocadas que manchassem aquela noite! Sem saber o que dizer, sem saber que explicação podia dar sem tornar-se a chorar, disse: — Só desejo me retirar. Tenho sua permissão? Várias pessoas começaram a rir.
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Madoc franziu o cenho e lhes lançou um olhar de advertência antes de inclinar a cabeça. — É obvio. Decidida a manter a dignidade, Roslynn manteve a cabeça alta enquanto se dirigia para as escadas. Entretanto, teve a sensação de que aquilo só servia para que a gente se divertisse mais, posto que quanto mais avançava pelo estrado, mais riam. Até que soou um rugido de aprovação por todo o salão. Perguntando-se o que era o que tinha causado aquele folguedo, olhou para trás e viu Madoc caminhando atrás dela decididamente, com um brilho de firmeza nos olhos escuros, como se tivesse intenção de tomá-la nos braços, levá-la ao aposento e atirá-la sobre a cama... Outra vez não! Nunca mais! Ao bordo do pânico, sem preocupar-se com que os homens lhe vissem os tornozelos e as panturrilhas, recolheu a saia com ambas às mãos e pôs-se a correr para as escadas tão rapidamente como pôde. Subiu os degraus de dois em dois e entrou rapidamente na habitação. Tentou fechar a porta com o ferrolho, mas era muito velho e não funcionava; além disso, não seria impedimento para um homem forte. Com o coração acelerado, separou-se da porta e esperou sem fôlego o chute, o estrondo, as maldições, os golpes. Que a jogassem sobre o colchão e lhe levantassem a saia... Em vez disso, ouviu que alguém chamava brandamente à porta com os nódulos. E a voz de Madoc, baixa e cortês. — Milady posso entrar? Com os dedos trementes, ela secou as lágrimas das bochechas e se recordou que aquele homem não era Wimarc. Era Madoc ap Gruffydd de Llanpowell, e o
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marido que ela mesma escolheu. Não era Wimarc. Prometeu que seria gentil. Sem poder deixar de tremer, abriu a porta e retrocedeu enquanto Madoc entrava no aposento e voltava a fechar a porta. — Não queria te assustar — lhe disse. — Todos pensaram que estava impaciente por estar a sós comigo quando começou a correr. Eu também. Mas esse não era o motivo de que corria verdade? Não tinha sentido negar que estava aterrorizada. — Não deveria me comportar como uma menina medrosa, mas depois de minhas bodas com Wimarc... — Pensava que eu ia vir aqui obter meu prazer de um modo egoísta — disse ele, economizando a necessidade de expressar seus medos com palavras. — Sim, sinto muito. Fui uma idiota. Ele a olhou fixamente. — Não deve me temer, Roslynn. Juro por minha honra, como senhor de Llanpowell, que embora esteja furioso não lhe farei mal. Nunca. Ela viu em seus olhos que dizia a verdade. — Acredito em você — sussurrou. Madoc esboçou um sorriso irônico que terminou com os medos de Roslynn. — Reconheço que foi adulador pensar que minha mulher desejava tanto estar comigo que saiu correndo da festa para o aposento. Provavelmente, o bardo já está inventando uma canção sobre o apaixonado senhor de Llanpowell e de como saiu perseguindo sua esposa. Apaixonado? Ele se aproximou um pouco. — Espero que não tenha a necessidade de sair correndo do salão todas as
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noites. Do contrário, minha gente pensará que não me suporta. Roslynn se abraçou como se quisesse acalmar suas emoções alteradas. — Não, não o farei. Ele olhou de esguelha para a cama. Sentindo-se de uma vez tola e covarde, ela correu para a penteadeira, sentouse e começou a tirar o véu com estupidez. Madoc se colocou atrás dela sem dizer uma palavra. Roslynn notou o roce de seus dedos na nuca e se deu conta de que ele tinha começado a lhe desatar os laços da túnica. Lentamente. Muito lentamente. Sem saber o que fazer, ela se mordeu o lábio e entrelaçou as mãos no colo enquanto ele continuava, até que abriu as costas do vestido e passou os dedos pela coluna. Então Roslynn se ergueu de um sobressalto, porque embora levasse uma camisa, sentiu como se estivesse nua, e sua carícia provocou a descarga de um raio por toda a pele. — Não tenha medo, Roslynn — sussurrou ele, e seu acento galês se intensificou. — Te disse que podia ser paciente e gentil. Vê-o? Sou muito paciente. Então, começou a retirar os pentes de prender cabelos que lhe seguravam o penteado e, ao final, deixou que a juba caísse pelos ombros e as costas, quase até a cintura. — Seu cabelo é tão belo como o resto de ti — murmurou Madoc — e tão suave como seus lábios. Sou muito afortunado por ter uma esposa como você. — Espero que sempre pense assim, milord. Meu marido. Ele a segurou pelas mãos e fez que ficasse em pé. Depois a estreitou entre seus braços e a beijou, ao princípio com ternura, como ela sempre tinha sonhado que beijaria um amante, e Roslynn respondeu do mesmo modo, com assombro e gratidão. Ao cabo de uns instantes, com um ardor cada vez mais intenso.
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Entretanto, Madoc não era egoísta nem dominante, e não ia tomá-la sem ter em conta seus sentimentos. Não a tratou como se fosse algo que pudesse usar para saciar suas necessidades. Beijou-a como se tivessem um mês, um ano, toda uma vida, para fazer amor. Ela o percebia com todos os sentidos, sua carne sob os dedos, a fragrância de sua túnica de lã, o aroma do couro das botas, as delicadas carícias de suas mãos, que Roslynn já desejava sentir sobre a pele nua. Acariciou suas costas e os braços antes de cobrir o seio com suavidade, e quando passou a gema do dedo polegar sobre o mamilo, Roslynn esteve a ponto de enjoar-se de prazer. Cada vez sentia mais desejo, e apertou o corpo com entusiasmo contra o de Madoc, apressando-o em silêncio para que a levasse a leito. Ele se inclinou para ela e, embora Roslynn sentisse sua excitação, Madoc manteve o controle de sua paixão com uma poderosa força de vontade. Entretanto, Roslynn percebeu seu desejo, espreitando como um animal domesticado só temporariamente. Igual seus medos mantinham sua paixão enjaulada. Até aquele momento. Até que se casou com aquele homem que podia liberar as correntes de seu passado. Roslynn relaxou contra seu corpo e notou que sua paixão ardia ao separar os lábios e colocar a língua na boca cálida e úmida de Madoc.
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Capítulo 08
Madoc estava seguro de que devia ser cuidadoso e não assustar sua esposa, e isso foi o único que o impediu de arrancar o vestido pelas costas para poder sentir sua carne quente, suave, nua. Em vez disso, tentou conformar-se com beijos ardentes, com carícias, com palavras de adulação e ânimo, para que ela desfrutasse com seus abraços. — E eu que temia que fosse reticente — murmurou quando cessou de beijá-la para passar os lábios pela pele e entrelaçar os dedos entre a espessa cascata de seu cabelo. Roslynn sorriu tão sedutora como Salomé, antes de separar-se dele de repente. Durante um horrível momento, Madoc pensou que o pouco que tinham feito até o momento foi muito para ela, até que Roslynn começou a puxar as mangas da túnica. Ele conteve o impulso de despir-se também. Era ela que devia dirigir tudo, ao menos por aquela noite, para que estivesse segura de que ele não ia obrigá-la a nada. Assim, em vez de fazer o que lhe ditava a paixão, ficou imóvel, observando-a enquanto se despojava do vestido e ficava coberta tão somente por uma fina regata. Sua pele tinha um tom dourado à luz das velas. Parecia um anjo, embora tivesse uma expressão de desejo que certamente não seria própria de um ser angélico. Quando Roslynn levou as mãos até o cinturão de Madoc e, sem dizer nada, começou a desabotoar sua calça ele esteve a ponto de perder o controle. Ficou com a garganta seca e não pôde falar, nem sequer murmurar nada. Tirou o cinturão com uma lentidão insuportável, e o deixou sobre a mesa, junto a seu véu. Depois retrocedeu e, lentamente, levantou a túnica de Madoc e a tirou
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pela cabeça. Pousou-a no tamborete da penteadeira e começou a desfazer os nós da camisa de linho que ele levava, até que por fim a tirou e ele ficou tão somente com as calças e as botas. De repente, Roslynn afastou o olhar como se tivesse sofrido um ataque de acanhamento e possivelmente fosse assim. Embora até aquele momento atuasse movida pelo desejo, era possível que tivesse sido todo o atrevimento que permitiam suas experiências passadas. Possivelmente naquele momento devessem parar, no caso de continuar a angustiá-la, porque, por muito excitado que ele estivesse, ou por muito que desejasse sentir o corpo de sua esposa sob o seu, não ia fazer amor se ela estivesse com medo. Entretanto, quando ela o olhou de novo, não foi medo nem reticência o que Madoc detectou em sua expressão. Era... admiração. — Tem o corpo mais magnífico que vi em minha vida. Ele se sentiu tão aliviado que se pôs a rir, embora também se ruborizasse. — Que Deus te benza Roslynn, vai me converter em um presunçoso com esses elogios — disse-lhe, e a satisfação por sua adulação se converteu imediatamente em apaixonado desejo. — Você é tão bela como uma deusa e eu sou o homem mais afortunado de Gales. Ela umedeceu os lábios. — Acredito que eu sou a mulher mais afortunada. Madoc não necessitou mais ânimos. Tomou-a em seus braços e a levou, tão leve como uma pluma, para o leito. Enquanto Roslynn se metia sob a colcha, ele tirou as botas. Ela deu a volta enquanto Madoc apagava a vela de um sopro e tirava as calças. Depois se estendeu a seu lado.
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Ela não fez gesto de voltar-se para ele. — Roslynn? — perguntou Madoc brandamente e lhe posou uma mão sobre o ombro. Ela rodou para ele, com uma expressão quase impossível de ver na escuridão. — Estou preparada. Ele percebeu o medo em seu tom de voz e, em silêncio, amaldiçoou Wimarc de Werre por toda a eternidade. Aquele bruto não só levou sua inocência, mas também roubou o prazer da impaciência e o substituiu por medo e angústia. Fosse essa ou não a causa, o medo de Roslynn era real e ele devia atuar em consequência. — Se preferir, posso dormir no chão. O fez frequentemente no passado. — Desejo-te, Madoc — disse ela com um fio de voz na escuridão — mas não posso tirar da cabeça as lembranças, e isso me provoca medo. Chegam inesperadamente, e não posso evitá-lo. — Possivelmente possa substituir essas lembranças com o que eu faça — respondeu ele, com a esperança de que, se se tomava o tempo suficiente, se era tenro, gentil e paciente, poderia consegui-lo. Com supremo cuidado, girou-a para deitá-la de barriga para cima, de modo que pudesse beijá-la adequadamente. Afastou o cabelo das bochechas e, com leveza, deslizou os lábios por sua boca flexível, enquanto acariciava o braço nu. Depois de tudo, não era nada difícil amá-la lentamente, se aquilo era o necessário para que ela desfrutasse também. Far-lhe-ia amor como se tivessem todo o tempo do mundo. Ela não protestou assim Madoc passou para seu pescoço e explorou o pulso que pulsava ali. Notou que ela relaxava e, pouco a pouco, baixou o pescoço da camisa pelo
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ombro com o nariz, até que o seio perfeito de Roslynn ficou a mercê de seus lábios e sua língua. Enquanto Madoc a beijava e acariciava, suas terríveis lembranças começaram a desaparecer e os piores medos de Roslynn se desvaneceram. Madoc não era Wimarc. Era um amante tenro e considerado dos que tinham aparecido em seus sonhos de juventude. Era o que deveria ser um marido, um homem que levava em conta as necessidades de sua mulher além das suas próprias. E, oh, que gloriosa era sua paixão, enquanto a beijava e acariciava, e lhe sussurrava suaves palavras galesas. Ela não sabia o que significavam, mas entendia que eram elogios e ânimos. Roslynn respondeu como uma rosa que se abria sob o sol. Entretanto, com seu desejo cada vez mais intenso e à excitação de Madoc, ele não apressou as coisas. Tomou tempo para lamber, para acariciar e para roçar com delicadeza, para excitá-la até tal ponto que Roslynn pensou que ia ficar louca de frustração se ele não entrasse em seu corpo. Inclusive quando ela separou as pernas e as colocou sobre os esbeltos quadris de Madoc, de modo que ele ficou exatamente onde devia estar ele se deteve para acariciar os seios com a língua e a brincar com seus mamilos endurecidos. — Oh, por favor, Madoc! — rogou-lhe Roslynn, arqueando-se e retorcendo-se de tensão. — Não me faça esperar mais! — Como deseja — murmurou ele e, com uma paixão que ela teria acreditado impossível, deslizou-se dentro dela, por fim. Roslynn apertou os dentes, esperando aquela dor que... não chegou. — Não dói — sussurrou assombrada e aliviada. — Porque me assegurei que estivesse preparada — lhe respondeu, com a voz cálida, na escuridão. — É algo muito diferente. Não deveria doer e não vai doer nunca
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mais. Ela acreditou. Elevou os quadris e contraiu os músculos, deleitando-se com a sensação de ter ele dentro. Aquilo foi o final da paciência de seu marido, e da sua também. Roslynn se aferrou a seu corpo e murmurou palavras próprias e ele apressou em acatá-las. A respiração de Madoc se fez entrecortada, rouca, enquanto a ela esticava o corpo, mas não de dor devido aos golpes e os insultos, a não ser devido a uma sensação que não conhecia, mas que cada vez era mais forte. Até que, com um forte grunhido, Madoc se afundou nela profundamente, e aquela tensão que Roslynn tinha sentido se rompeu como uma corda ao cortar-se. Entre ofegos, ela se agarrou a ele com força, enquanto o prazer se estendia por seu corpo em ondas. Nunca havia sentido nada tão gostoso. Nunca. Sentia-se como se fosse virgem de novo e estivesse fazendo amor pela primeira vez. Fazia amor pela primeira vez. Antes, o que tinha feito era... suportar. Seu marido tinha investido e ela se viu obrigada a suportá-lo. Enquanto seu corpo relaxava, ela baixou as pernas e Madoc descansou a cabeça sobre seus seios. — Por todos os Santos, foi... incrível — murmurou. — Incrível — conveio Roslynn, e o abraçou feliz de que ele seguisse dentro dela. Notou que ele sorria. — Pressenti que seria assim. — Por isso quis se casar comigo? — Confesso que foi uma das razões — respondeu Madoc, e se estendeu a seu lado. — Não te passou pela cabeça enquanto estava decidindo?
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— Sim — confessou Roslynn — mas só com a esperança de que não fosse muito doloroso. Não tinha ideia de que fazer amor pudesse ser tão maravilhoso. — Nem sempre o é. Tem que estar com a pessoa adequada. — E eu sou a pessoa adequada para ti? — Pois sim — respondeu ele com seriedade. — Não só te queria em meu leito, Roslynn, embora seja a mulher mais desejável que conheci. Tampouco me casei contigo só por seu dote, ou porque John te enviou e eu fosse seu aliado. Não te escolhi porque chegou o momento de tomar esposa, nem porque pensasse que seria uma magnífica castelã. Ele posou a mão sobre a perna de Roslynn e a moveu para cima, para aquele lugar que ainda pulsava de excitação. — Casei-me contigo porque é a mulher mais cheia de vida que conheci. Porque me enfrentou com valentia para me dar suas condições, e isso eu respeito. Porque é inteligente e diplomática, além de bela. Por isso te desejo Roslynn, nesta cama, em meu castelo e em minha vida. Roslynn se sentiu tão entusiasmada por aquela declaração que não soube o que dizer. Assim que o demonstrou. Com sorte, começou a excitá-lo com os lábios e os dedos, com as mãos e o corpo, movendo-se sobre ele tão sinuosa como uma onda, até que esteve em cima de seu corpo. Ele tinha a respiração entrecortada e respondeu como se não acabassem de fazer amor. Roslynn se elevou e, enquanto ele seguia estendido, ofegando, desceu até que ele esteve dentro dela. Madoc grunhiu enquanto ela se balançava e se movia como uma árvore que ondulava ao vento, fazendo tudo o que podia para levá-lo ao êxtase. Ela se inclinou para frente para que ele pudesse lamber e sugar seus mamilos, e passar as mãos pelos seios. Logo tomou pelos ombros e se arqueou, grunhindo em voz alta quando voltou a enchê-la com sua
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semente, enquanto ela também sentia uma culminação incrível. Suarenta, feliz e satisfeita como não tinha estado em sua vida, Roslynn se inclinou para beijá-lo ligeiramente antes de estender-se de novo a seu lado. Ele riu de prazer, e o som foi como um trovão na distância, antes de tomar sua mão. — É extraordinária, fy rhosyn, minha rosa. Sua rosa. — E você é um homem estupendo, Madoc ap Gruffydd. — Me alegro de ouvi-lo. Faria amor outra vez contigo por isso, mas acredito que me esgotaste por completo. — Então deveríamos dormir. — Sim. Aproxime-se de mim, fy rhosyn, e deixa que te dê calor. Roslynn não necessitou que o repetisse. Entre os braços quentes e fortes de Madoc, sumiu em um sono tranquilo e profundo, como não fazia a meses. Roslynn despertou quando as primeiras luzes do amanhecer entraram no aposento. Voltou-se e, para proteger-se delas, escondeu o rosto contra o corpo quente e nu de seu marido. Seu marido bom e gentil, que a tinha amado com uma paixão e uma ternura assombrosas. — Quem é este duende que me despertou? — murmurou ele, com a voz baixa e áspera pelo sono, enquanto abria os olhos e lhe sorria. — Um duendezinho precioso, a menos que me equivoque. — E quem é este jovem deus que está ao meu lado? — perguntou ela, e afastou um cacho de cabelo escuro da testa. — Apolo? Marte? O próprio Zeus, possivelmente? — Não sou um deus, a não ser um homem mortal, embora você, minha beleza, certamente faria que Vênus se envergonhasse de si mesma.
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— Parece que seu tio não é o único adulador da família. — Quem crê que me ensinou essa arte? — disse Madoc com um sorriso de picardia. — Embora não posso dizer que tenha tido antes uma inspiração assim. Ela riu como se fosse uma menina outra vez. — Vai me converter em uma presunçosa, milord. Ele franziu o cenho. — O que é isso de milord? Muito formal para o leito, Roslynn-fy-rhosyn. Roslynn-fy-rhosyn. Wimarc só a chamava de coisas terríveis. Mas ele já estava morto e jamais poderia voltar a lhe machucar nem a insultá-la. — Eu também terei que te chamar algo especial — disse ela, e o beijou. — Não o Urso de Brecon. É muito feroz. — Só me chamam assim os normandos. Os galeses me chamam... — Madoc franziu o cenho. — Não, não lhe digo isso. Está abaixo de minha dignidade. Ela sentiu uma aguda curiosidade. — Seu tio me contará isso mais cedo ou mais tarde. — Sim, isso é certo — respondeu ele com um suspiro. — Gago. Acaso os galeses estavam surdos, ou desesperados por encontrar apelidos? — Você não gaguejou absolutamente desde que te conheço. Fala com muita claridade. De fato, tinha a voz mais bonita que ela já ouviu. Madoc sacudiu a cabeça. — Quando era pequeno era muito distinto. Era muito tímido. Gaguejava quando estava acompanhado. Embora tampouco houvesse muita oportunidade de falar, entre Lloyd, meu pai e Trefor — disse, e lhe acariciou brandamente o braço. — Depois fiquei mais atrevido. — Pois sim. É muito atrevido — lhe repreendeu, em tom sério, mas revelando
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com o olhar o deleite que sentia com suas carícias. Ele começou a lhe acariciar os braços e as pernas, as coxas e o lugar quente e úmido que havia entre eles. — Como vou pensar em um nome para ti quando faz isso? — sussurrou ela, com a voz tinta de desejo. — É um problema? — Sabe que sim. Possivelmente não queira que te chame outra coisa que Madoc. — Desde que não me chame gago, serei feliz. — Não acredito. Eu gosto de sua voz. E eu gosto de sua boca, sobretudo seus lábios. — Me alegro — respondeu ele, e começou a descer até que seu rosto esteve perto das coxas de Roslynn. — O que está fazendo? — Vou demonstrar que mais posso fazer com a boca.
Capítulo 09
Wimarc nunca fez algo semelhante. Todos os pensamentos sobre um apelido, ou sobre qualquer outra coisa, desapareceram quando Roslynn soube o que Madoc podia fazer com os lábios e a
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língua. — Eu não sabia... — ofegou assombrada, extasiada, depois de gemer de prazer como tinha feito a noite anterior, com o corpo vibrando de gozo. — Não tinha... — Mas gostou? — perguntou-lhe ele. — Oh, sim. Ela quis dar a Madoc o mesmo prazer que ele proporcionou a ela, e pensou em algo a que Wimarc nunca a obrigou, por motivos que só ele conhecia, assim para Roslynn não tinha matizes humilhantes. Deslizou para baixo por cima do corpo de Madoc e o tomou em sua boca. A julgar por seus suspiros e grunhidos e pelo modo em que se esticaram os tendões do pescoço, pareceu muito prazeroso. Ela se moveu do modo que pensou que mais podia excitá-lo, até que esteve muito excitada para continuar. Rapidamente, rodou pela cama e o guiou para seu corpo ofegante. Ele não titubeou, nem deu amostras de que a mudança de posição lhe desgostasse. Fez-lhe amor com as mesmas atacadas poderosas, e logo ela, que mal que podia acreditar que fosse possível, sentiu uma vez mais aquele clímax de prazer tenso e sua liberação. Como ele. Depois, Madoc caiu a seu lado. — Por Deus, é uma maravilha, sim. — Queria te dar agradar. — Oh, e o tem feito, Roslynn. O fez. Ela se aconchegou junto a ele e acariciou o pêlo do peito com o dedo indicador. E pensar que tinha encontrado tal felicidade ali, nos bosques de Gales, e porque o rei a... No exterior soou um grito de alarme. Madoc saltou nu da cama e se aproximou da janela, onde chamou um dos
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guardas que corriam pelo adarve para as portas. Ela se sentou de repente na cama, tampando os seios com o lençol, e se deu conta de que estava chovendo e que tudo parecia cinza. Depois de receber uma resposta em galês, Madoc murmurou algo e se apressou a vestir-se. — O que ocorre? — perguntou Roslynn. — O que passa? Há um ataque? — Trefor é muito covarde para isso — disse Madoc de modo sombrio, enquanto saía a grandes pernadas do aposento. Com as pernas separadas e os braços cruzados, sem preocupar-se de que só levava as calças e as botas sob a chuva, Madoc cravou um olhar fulminante ao homem baixo e fornido que havia no pátio, frente a ele, e que tinha deixado um fardo no chão. Rhodri tinha sido soldado de Llanpowell até que decidiu partir com Trefor. Então, converteu-se no segundo ao mando de Pontyrmwr. Vários dos homens de Llanpowell, vários dos quais ainda estavam em mal estado por culpa do vinho, da cerveja ou do braggot, esperavam perto com receio, com as mãos sobre o punho da espada. Se Trefor tivesse atacado Llanpowell aquela manhã, tudo teria podido sair muito mal. Entretanto, só tinha enviado Rhodri, com uma bandeira de trégua metida no cinturão. Com um sorriso de desprezo, o cabelo negro e a barba frisada como a lã de um cordeiro, Rhodri estendeu um cilindro de pergaminho lacrado. — Trefor te envia isto junto com o presente de bodas — disse, dando um suave chute ao fardo. — Seus melhores desejos para os noivos, sem dúvida. — Eu sim o duvido — murmurou Madoc. — Como já terminei meu trabalho, parto — disse Rhodri. — Não quero seguir aqui no caso de me contagiar do que tenham seus homens, porque são um rebanho patético e doente.
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Os homens de Madoc grunhiram entre si, enquanto Ioan e Hugh se adiantavam até que Madoc os deteve com um olhar de advertência. Rhodri sorriu ainda mais e Madoc teve que fazer um esforço por não golpeá-lo. — Desejo-te alegria com sua nova esposa, Madoc — lhe disse o soldado. — Espero que viva mais que Gwendolyn. Com bandeira de trégua ou sem ela, Madoc teria desembainhado a espada e o teria golpeado por aquele comentário tão insolente, mas Rhodri ficou boquiaberto, olhando algo por cima do ombro de Madoc, como se fora uma visão celestial. Madoc se voltou para saber o que era o que tinha captado a atenção de Rhodri e lhe apagou o sorriso de malevolência da cara. Era Roslynn, que levava um vestido verde de lã e tinha um aspecto fresco como à primavera, com uma capa sobre os ombros esbeltos para proteger-se da chuva. O capuz só lhe cobria em parte a cabeleira brilhante e escura, que tinha revolta, como se acabasse de levantar do leito nupcial. E assim era. A ira de Madoc se dissipou e foi substituída por orgulho e prazer. Que Trefor dissesse ou fizesse o que quisesse com seu desprezo infantil. Ele tinha Roslynn. Ela levou sua capa e a colocou sobre os ombros com um movimento que foi uma carícia, antes de olhar com desconcerto a Rhodri. — Bem-vindo a Llanpowell — disse, com tanta elegância como uma rainha. — Por desgraça, temo que chegou tarde à celebração. A festa do casamento terminou. Pareceu que sua voz tirava Rhodri do estupor. Entretanto, antes que o soldado pudesse falar, Madoc explicou a Roslynn: — Apresento Rhodri ap Meirion, o segundo a mando de Trefor. Trouxe-nos um presente de bodas de meu irmão. — Seriamente? Que amável por sua parte — disse Roslynn, com uma voz tão melodiosa como a de um rouxinol.
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Entretanto, em seu tom havia um matiz de desdém que fez que Rhodri se ruborizasse. — Como disse, será melhor que vá — disse Rhodri em galês. Depois se encaminhou para a porta. Que voltasse para Trefor e falasse sobre a maravilhosa e muito bela esposa de seu irmão, pensou Madoc. Quase tinha vontade de gritar de alegria das ameias. — O que crê que nos terá enviado seu irmão de presente? — perguntou-lhe Roslynn cautelosamente, recordando ao Madoc o pergaminho que tinha na mão e o fardo que havia no chão. — Sem dúvida, nada bom — respondeu. — Provavelmente será carne podre. Deveríamos abrir o presente e a mensagem em privado — disse à Roslynn. Estava seguro de que era melhor que ninguém ouvisse o que seu irmão dizia naquele pergaminho e se o presente era tão repugnante como ele temia, também preferia mantê-lo em segredo. Entregou o cilindro a Roslynn e se agachou para recolher o fardo; com alívio, notou que não gotejava sangue. Ambos entraram na torre e subiram a seu aposento. Ali, Madoc deixou o fardo sobre um tamborete e tirou a capa empapada antes de desatar as tiras de couro que o mantinha fechado. No chão de pedra se estendeu uma pele de ovelha com a lã negra. Madoc soube imediatamente do que se tratava. Trefor tinha matado seu carneiro negro. — Esse cnaf desprezível e malicioso! — grunhiu, e estendeu a mão. — me dê o pergaminho. Ouçamos o que meu irmão tem a dizer. Roslynn entregou-lhe a mensagem sem dizer uma palavra. Depois tirou a capa e a deixou aos pés da cama.
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— «Para ti, meu querido irmão» — leu Madoc, depois de romper o lacre — «e para sua esposa normanda, um pagamento pela mulher que me roubou. Desejo-te tanta alegria da dama como merece». Madoc jogou o pergaminho ao chão. — Dá-te conta de quão malvado é? Roslynn, com uma expressão de calma, começou a recolher a pele. — Dou-me conta de que sabe como te desgostar. — O que quer dizer? — perguntou-lhe Madoc, muito molesto pelo fato de que ela pudesse continuar tranquila ante os insultos de Trefor. — Ele joga contigo como um bardo toca harpa — respondeu Roslynn, com o rosto sereno enquanto o olhava. — Está seguro de que este é seu carneiro? — Não há muitas ovelhas desse tamanho e dessa cor em Gales — respondeu ele de má maneira. — Meu irmão fez isso por vingança, assim sim, claro que é meu carneiro. — Então, vais fazer que o prendam por roubo e que o levem ante o rei para seu julgamento? Madoc pensou que Roslynn era muito fria. — Possivelmente essa seja a forma de atuar normanda, mas não é a minha. Trefor ainda é meu irmão e eu tomarei a justiça a minha maneira. — Como queira. Ocupar-me-ei de que tirem a lã desta pele e lhe façam uma túnica nova. Deu a volta para sair do aposento. Madoc se deu conta de que tinha sido muito rude. Depois de tudo, ela não tinha a culpa de nada, e deu o melhor de si a noite e a melhor manhã de sua vida. — Sinto ter sido tão grosseiro — lhe disse, movendo os ombros para tentar mitigar a tensão que sentia. — Tem razão. Sabe como me zangar. Sempre soube.
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Entretanto, não vou atacar Pontyrmwr, nem prendê-lo, nem a levá-lo ante o rei por roubo. Não quero ter sua morte sobre minha consciência. Também. — Embora sim lhe ponha mais difícil fazer coisas como esta — acrescentou. — Começarei hoje mesmo. Tomou uma camisa e a pôs. Depois vestiu a túnica e se dirigiu à porta. — O primeiro que vou fazer será levar uma patrulha pelos confins de minhas terras, para me assegurar de que não tenha feito nada mais. Face ao que tinha ocorrido, Roslynn assistiu obedientemente à missa celebrada pelo padre Elwy. Muitos dos serventes estavam ali, embora houvesse poucos soldados. A maioria da guarnição do castelo tinha saído com Madoc, e os outros estavam de vigilância. Ela tentou manter uma atitude decorosa e comportar-se com dignidade, embora não pudesse deixar de divagar. Tentou, sobretudo, não recordar a noite de bodas nos braços de Madoc, porque certamente seria pecaminoso reviver aqueles momentos na igreja. Quando terminou a missa, Roslynn e o resto dos assistentes foram à torre para tomar o café da manhã. O alvoroço de sua chegada despertou tio Lloyd, que estava dormindo no mesmo banco que tinha ocupado durante a festa da noite anterior. — Pelo muito santo Dafydd e a muito santa Bridget, também — murmurou enquanto colocava uma mão na cabeça e se sentava lentamente. — É uma invasão? — Não. É a hora do café da manhã — disse Roslynn com um sorriso, enquanto se sentava a seu lado. — Ah. Tem bom aspecto, milady — disse ele. — Sinto-me muito bem. O rosto de tio Lloyd se iluminou com um sorriso.
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— Seriamente? Onde está Madoc? — perguntou, olhando a seu redor pelo salão, onde os serventes estavam montando as mesas para o café da manhã. — Ou é que o pobre homem está tão esgotado que ficou dormindo? — Saiu em patrulha. Antes que Lloyd pudesse lhe fazer qualquer pergunta, contou rapidamente o que ocorreu com o presente de Trefor. — Maldito moço — murmurou Lloyd, sacudindo a cabeça. — O que consegue fazendo coisas assim? Sempre foi o olho direito de seus pais, por que nega agora um pouco de felicidade a Madoc? Com isso não vai conseguir devolver a vida de Gwendolyn. Roslynn viu a oportunidade de saber algo mais do passado de Madoc. — Trefor era o favorito dos pais de Madoc? — Sim, embora também estivessem orgulhosos de Madoc. O que ocorre é que era um menino muito tímido e ninguém podia saber o que pensava. Naquele momento, lorde Alfred apareceu no salão. Tinha aspecto de estar cansado, mas bem. Levava a cota de malha e a armadura, como se estivesse a ponto de partir. A observação de Roslynn foi confirmada pelo fato de que seu pajem o seguia com a bagagem. Roslynn se levantou e foi saudá-los, seguida de tio Lloyd. — Tomará o café da manhã antes de sair, milord? — perguntou-lhe. — Sim, obrigado — respondeu ele, e percorreu o salão com o olhar. — Onde está lorde Madoc? — Tinha assuntos dos que ocupar-se. — Que assuntos? Roslynn o olhou com frieza, segura pelo fato de que o nobre já não tinha poder sobre ela.
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— Sem dúvida, assuntos importantes, posto que lhe impedisse de despedir-se de você. Enlaçou seu braço com o de lorde Alfred e o guiou para o estrado. — Venha e coma bem, milord, porque têm uma viagem longa pela frente. E quando chegar a corte deve dizer ao rei que estou muito satisfeita com o marido que me escolheu tão sabiamente. De fato, acredito que estarei agradecida durante o resto de minha vida. Lorde Alfred a olhou no rosto, tentando discernir se suas palavras eram sinceras ou não. — Digo-o a sério, milord — assegurou ela. Lloyd sorriu de orelha a orelha. — Vem-no, milady? — perguntou a Roslynn. — Não vos disse que meu sobrinho é uma maravilha? — Verdadeiramente, é — disse ela. Um momento depois, quando lorde Alfred e seus homens tinham tomado o café da manhã e partido para a corte, Roslynn foi à cozinha em busca do administrador. Parte de seus deveres de castelã era a supervisão das contas que levava o administrador e ela pensou que o melhor era começar o quanto antes. Lloyd disse que Ivor tinha um pequeno escritório perto da cozinha onde levava os assuntos das terras e as listas de gastos e de provisões domésticas. Ela ainda não conhecia aquela parte do castelo e tinha pensado que só albergava a cozinha e a despensa. Encontrou facilmente Hywel, o cozinheiro, um homem grande com uma calva brilhante que estava condimentando com romeiro ao guisado de uma panela que havia sobre o fogo, e perguntou-lhe onde estava o escritório de Ivor. Hywel assinalou uma porta que ficava um pouco além da cozinha.
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— Agora está aí dentro, milady — disse, em um tom o suficientemente alto para que ela pudesse ouvi-lo por cima do bate-papo dos serventes da cozinha, o ruído das facas e a fervura das panelas. Agradeceu com um gesto de cabeça e se dirigiu para aquela porta. Empurrou-a brandamente e a abriu sem que as dobradiças fizessem um só ruído. Ivor estava lá dentro, sentado junto a uma pequena escrivanhina. Tinha um moedeiro aberto junto ao cotovelo e cinco pequenos montões de moedas de prata frente a ele. Também havia na mesa um pergaminho com algo que parecia uma lista. — Bom dia, Ivor— lhe disse ela. Ele elevou a cabeça com uma expressão de surpresa no rosto. — Milady! — exclamou enquanto se levantava da cadeira. — A que devo esta honra e na mesma manhã depois de suas bodas? — Pensei que deveria me familiarizar o quanto antes com as contas do castelo — respondeu ela, sorrindo. Ivor franziu o cenho e começou a enrolar o pergaminho. — Então, Madoc não lhe disse? Não há necessidade de que se preocupe com estas coisas. Eu fiscalizo todas as compras e presto contas diretamente a Madoc. — Esse era o procedimento enquanto lorde Madoc não tinha esposa. Entretanto, agora que a tem, é minha responsabilidade dirigir os gastos do castelo. Naturalmente, é tarefa de Madoc levar as contas das armas e outras coisas relacionadas com a guarnição. — Milady, sua devoção por estas tarefas é louvável — respondeu Ivor com um sorriso condescendente que a Roslynn recordou o de Wimarc. — Entretanto, estou seguro de que há muitas coisas que pode fazer sem se incomodar pelas contas. Além disso, é nova aqui, milady, enquanto que eu conheço os mercados com os que fazemos entendimentos há anos e sabem que não devem tentar me enganar.
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— Estou segura de que isso é certo — replicou ela — mas qualquer mercado que tente me enganar se dará conta rapidamente de que já não vai fazer mais entendimentos com Llanpowell. Ela, depois de tudo, não era uma incompetente. Era a senhora de Llanpowell e o administrador não tinha por que lhe dizer o que podia ou não podia fazer. Entretanto, e mesmo com a sua indignação crescente, Roslynn se recordou que aquele homem era amigo de Madoc. Além disso, ela era uma estranha ali, e sua chegada e seu matrimônio com Madoc aconteceu muito repentinamente, sem aviso. Por último, queria encaixar-se na vida de Llanpowell e evitar qualquer conflito, assim lutou por manter a compostura e passar por cima o comportamento de Ivor. Tentaria convencê-lo de que era capaz de realizar aquela tarefa. — Sei ler, escrever e fazer cálculos — assegurou-lhe. — Minha mãe me ensinou. Eu gosto dessa parte dos deveres de uma castelã, muito mais que bordar ou dos outros trabalhos das mulheres. Inclusive se expôs encontrar algum ponto em comum com ele, se pudesse. — Fazer que quadrem todas as contas tem algo de satisfatório, não acha? Não têm uma sensação de triunfo quando se dá com um erro e é capaz de corrigi-lo? — Nunca tinha ouvido uma mulher dizer tais coisas — respondeu Ivor. — É certo — disse ela. — O administrador de meu pai dizia que eu teria sido um contador excelente se tivesse nascido homem. — Não posso imaginá-la mais que como uma bela mulher — disse Ivor, e sorriu. — Além disso, aprendo rapidamente — continuou ela. — E pode me ensinar tudo sobre os mercados e os preços que cobram à medida que repassamos juntos as contas. Espero que me ajude na negociação das compras ao princípio, posto que
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possivelmente os comerciantes queiram inflar os preços a menos que haja comigo alguém a quem conhecem. — E Madoc aceitou tudo isto? — Estou segura de que aceitará. Como castelã... — Então, não perguntou? — Não era necessário. Conheço muito bem as obrigações de uma castelã, e quero cumprir com elas, a menos que Madoc me diga o contrário. Pareceu que Ivor cedia um pouco. — Me perdoe milady, por minha reticência. Desgostar-me-ia pensar que Madoc já não confia em mim. Por isso tinha mostrado tanta oposição? — Estou segura de que ele confia plenamente em você. É só que agora, ele tem uma esposa capaz e disposta a cumprir seu dever de castelã. Ivor sorriu, naquela ocasião com mais sinceridade. — Sempre e quando Madoc não duvide de minha honestidade... — Não, estou segura de que não — disse ela. Tomou o cilindro de pergaminho que ele tinha deixado sobre a mesa, abriu-o e observou a lista. — Têm uma letra muito clara, Ivor. Não me custará nenhum esforço lê-la. Ivor se aproximou dela. — Obrigado, Milady. Como vê, a truta da festa das bodas foi uma bagatela... À medida que transcorria a manhã, Ivor se voltou mais amistoso e comunicativo. Respondeu as perguntas de Roslynn sobre as provisões e o dinheiro que se pagava por elas à medida que repassavam as listas e as contas. — Acredito que por hoje é suficiente — disse, à medida que o ruído da cozinha se incrementava e indicava que se aproximava a hora da comida. Roslynn se levantou da cadeira e arqueou as costas.
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— Têm bom olho para as contas, Ivor. Madoc é afortunado por lhe ter como administrador. — E é afortunado por lhe ter como esposa, milady — respondeu Ivor com um sorriso de aceitação, uma vez que soube que ela era capaz de falar e de compreender aqueles assuntos. Como a maioria dos homens, tinha pensado o contrário até que deu provas. — Guardarei os documentos e irei logo ao salão — acrescentou. Com a sensação de que ganhou Ivor, ou ao menos de que estava no bom caminho para consegui-lo, Roslynn assentiu e saiu do escritório. Entretanto, se tivesse dado a volta, não teria visto admiração nem respeito no semblante do administrador. Só um ressentimento amargo, agudo.
Capítulo 10
Aproximava-se o entardecer quando Madoc e seus homens voltaram para Llanpowell aquele dia. Ele fez tudo o que podia para proteger suas terras, suas ovelhas e sua gente das vilanias e do egoísmo de seu irmão. Não só inspecionou as fronteiras de seu território em busca de provas de que tivessem entrado sem autorização; também falou com os pastores e os granjeiros e os advertiu que tomassem precauções especiais e que avisassem no castelo se notassem algo fora do comum. Assegurou-se de que os sinais de fogo estivessem
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bem protegidos da chuva e preparados para poder acender-se em um momento de urgência. Ordenou a seus homens que fizessem rondas adicionais e colocou mais soldados de guarda no castelo. Entretanto, face às ações de seu irmão e a necessidade de incrementar a vigilância, Madoc se sentia mais feliz do que nunca esteve desde o dia de seu casamento com Gwendolyn, porque voltava para casa com Roslynn. A bela, apaixonada e inteligente Roslynn... — Este matrimônio deve ter feito muito bem a você, Madoc — comentou Ioan, que cavalgava a seu lado à cabeça do grupo. — Está cantarolando. — Seriamente? — Sim. Está tatareando a canção da sereia. Isso é um bom sinal. Deve ter tido uma boa noite de bodas. Madoc tinha um humor muito bom para incomodar-se pela rabugice de Ioan. Limitou-se a assentir e não prestou muita atenção às risadas dos outros homens. Aos poucos, deixaram de brincar nas costas de Madoc e Hugh começou a cantar uma canção sobre uma batalha entre os bretões e os romanos e todos foram cantando até que entraram pelas portas interiores do castelo. Ali os esperava Lloyd. Madoc tinha a esperança de que Roslynn também estivesse no pátio para recebê-los, mas certamente estava no salão, ocupando-se de que tudo estivesse preparado para o jantar. Parecia uma mulher muito conscienciosa. Em todos os sentidos. Entretanto, a primeira coisa que perguntou ao seu tio quando desmontou foi: — Onde está minha esposa? — Suponho que estará em seu aposento, te esperando — disse Lloyd. Depois o levou para os estábulos, afastando-o da torre. — Me inteirei sobre o que seu irmão fez. Houve mais problemas com ele?
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— Ainda não. — Bem — disse Lloyd com alívio, antes de empurrar Madoc para a torre. — Não fique aqui falando comigo. Vá ver sua bela esposa. Tal e como ele esperava, todo o salão estava preparado para o jantar. Alguns soldados acabavam de voltar, ou aqueles que tinham terminado seu turno de vigilância, assim como quão serventes esperavam para servir a comida, reuniram-se ali. O padre Elwy estava preparado para benzer a mesa. Ivor não estava presente, embora Madoc não se surpreendesse; certamente seu administrador ainda estava calculando quantas armas poderiam comprar com o dote. Madoc subiu de dois em dois os degraus para seu aposento. Ao chegar à porta, tomou um momento para acalmar-se, posto que o sangue lhe fervesse nas veias. Devia ter paciência e não ser impetuoso. Devia tratar com doçura sua esposa até que ela se sentisse completamente a salvo com ele. Lentamente abriu a porta. Roslynn estava ali, vestida só com uma fina camisa que tinha arregaçada ao redor das coxas, inclinada para diante, com um pé em uma bacia, passando um trapo ensaboado pela perna nua, do tornozelo à coxa. A ele cortou a respiração. Seu desejo se desatou ao vê-la. Entretanto, não devia permitir que a fogosidade o dominasse. Não devia assustá-la com a intensidade de sua paixão. Assim, esperou outro momento para controlar a necessidade que sentia, e depois pigarreou. Ela se ergueu imediatamente. — Madoc! — gritou, enquanto saía rapidamente da bacia, a ponto de derrubála. — Já retornou. Ele tentou não fixar-se em quão fina era aquela camisa de cambraia, nem recordar seu tato nos dedos durante a noite anterior, embora a água que gotejava do
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pano ensaboado a molhou e a deixou quase transparente. Madoc via a sombra escura entre as pernas de Roslynn, as pontas rosadas de seus mamilos, as curvas redondas de seus seios. Tragou saliva e lutou por controlar a necessidade que sentia, porque aquilo era inclusive mais excitante que se ela estivesse nua. Roslynn, com um desejo igual ao seu refletido no olhar, sussurrou seu nome. Ele esteve ao seu lado em uma pernada. Tirou o trapo molhado de sua mão, jogou-o sobre a bacia e estreitou Roslynn entre seus braços enquanto apanhava seus lábios em um beijo intenso. Ela rompeu aquele beijo, entre ofegos, e retrocedeu uns passos. — Não temos tempo. O jantar... — Pode esperar — disse ele, e voltou a agarrá-la, porque não tinha fome de comida. — Um homem tem necessidades. Então, viu a expressão de seu rosto. — Que este homem pode controlar — disse firmemente, e se separou dela. Havia-lhe dito que nunca a obrigaria a nada, e nunca o faria, por muito que a desejasse. Ela não disse nada. Aproximou-se da arca que continha sua roupa e abriu a tampa com as mãos trementes. Deus Santo era um idiota! Um idiota irracional e impetuoso. — Roslynn sinto muito. Apressei-me. Ela tirou uma túnica de cor marrom, como a terra molhada, e a sustentou frente a si. — Eu também o sinto, Madoc, sinto não poder controlar o pânico — disse, e se deu a volta. — Oxalá pudesse. — Passará algum tempo, isso é tudo, até que te acostume a mim e me conheça
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melhor — disse ele, sorrindo, embora no fundo de sua alma, tinha medo de que as coisas sempre fossem assim. — Deixa que te ajude ou todo mundo se perguntará por que demoramos tanto. Ela meteu o vestido pela cabeça, levantando os braços de um modo que parecia especialmente desenhado para atrair a atenção de Madoc para seu seio. A pesar do desejo que aquilo lhe provocou, dominou sua paixão e se colocou atrás dela para lhe atar os laços das costas da túnica. Ao cabo de uns instantes, entretanto, Roslynn se voltou para ele bruscamente, inesperadamente, tomou seu rosto entre as mãos e o beijou nos lábios. Depois se inclinou para ele como se quisesse fazer amor ali mesmo, naquele momento. — Me tome — ordenou-lhe ela, com a voz áspera de desejo e determinação. — Me tome como quer Madoc. Asseguro-te que estou disposta. Por favor, Madoc, estou segura de que não me fará mal e eu não sou de cristal. Ele se tornou para trás e observou seu rosto com ansiedade, procurando em sua expressão a confirmação de suas palavras. Antes que pudesse estar seguro de que era uma confirmação e não docilidade o que havia em seus olhos, ela voltou a beijá-lo e lhe introduziu a língua na boca e começou a acariciá-lo por todo o corpo, como se quisesse sentir cada centímetro dele, vestido ou nu. Aquilo era uma verdadeira confirmação, sobretudo quando ela começou a lhe baixar as calças, liberou-o e o acariciou até que Madoc pensou que ia explodir. Impulsionado pela necessidade e a excitação, ele arrancou os laços que acabava de atar e rasgou os buracos pelos que se inseriam as fitas às costas do vestido de Roslynn, com sua pressa por sentir sua pele, seus seios, por lamber, beijar e sugar aqueles mamilos rosados. Tirou-lhe a túnica e a camisa de um só movimento pela cabeça, e deixou à vista o torso nu, exposto a suas carícias.
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Com a respiração acelerada, com uma necessidade que estava quase além de seu controle, ele a inclinou para trás, contra a penteadeira, e depois a levantou para sentá-la sobre a borda. Ela explorou seu peito com a boca, os lábios, a língua e as gemas dos dedos, deslizando-se sobre sua carne como a carícia suave das plumas. Sugou-lhe um dos mamilos e brincou com ele, conseguindo que Madoc grunhisse enquanto subia suas saias para penetrar nela. Entretanto, face à urgência que sentia, conseguiu dominar-se. Devia assegurarse de que ela estivesse preparada. De que não sentisse dor. Com a mão, encontrou a nudez dentre suas pernas, quente e úmida, e fez a primeira incursão com um dedo. Ela emitiu um gemido e empurrou o corpo para sua mão. O movimento e o som foram tão apaixonados que Madoc esteve a ponto de derramar sua semente naquele instante. Seguro então de que já estava preparada e muito excitado para esperar mais, colocou-se entre suas pernas e as colocou sobre a cintura, e levantou a túnica ao redor da cintura. — Sim, oh, sim — ofegou ela, aferrando-se a seus ombros quando ele entrou em seu corpo. Com umas quantas investidas fortes, Madoc chegou ao clímax e seu corpo deu uma sacudida. Roslynn também gemeu quando o êxtase se apropriou dela. Ele a abraçou, maravilhado, encantado, aliviado e feliz, e a estreitou contra seu corpo até que suas respirações se acalmaram e o ritmo dos batimentos de seus corações recuperou a normalidade. Depois, ajudou-a a descer da penteadeira e rapidamente, fechou as calças. — Estraguei sua túnica — disse com remorso, enquanto ela começava a levantar e ele recolhia o resto de sua roupa do chão.
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— Não importa. Tenho mais vestidos e este posso arrumá-lo — disse ela rapidamente, e o olhou com tal satisfação que ele soube que os dois desfrutaram igualmente do que acabavam de fazer. — Ajudarei a pôr outra — disse. Ela escolheu uma túnica muito singela de cor azul. Enquanto ele a ajudava a atar os laços das costas, beijou-lhe a nuca. — Obrigado por isso, Roslynn. De outro modo, possivelmente eu sempre teria medo de me deixar levar pelo desejo que me provoca. — Para mim também era necessário e foi muito excitante, embora acredite que prefiro fazer amor em nossa cama — replicou ela. Voltou-se para olhá-lo e lhe deu outro beijo apaixonado, poderoso. — Deveríamos ir — disse Roslynn, entre ofegos, uns momentos mais tarde. — O jantar estará preparado. — Estou seguro de que Lloyd não nos esperará. Deixa que comecem sem nós. — E não se perguntarão...? — Não deveriam surpreender-se. Depois de tudo, somos recém casados. Aquela noite, movendo-se furtivamente como um ladrão, Madoc voltou para seu dormitório. Abriu a porta e proferiu uma maldição em voz baixa quando as dobradiças da porta chiaram. Entrou no aposento, que só estava iluminado pela luz da lua em quarto crescente. Avançou com sigilo pela habitação, mas tropeçou com um tamborete. — Madoc? — disse Roslynn, com a voz sonolenta, desde atrás das cortinas da cama. — Onde esteve?
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Capítulo 11
— Tenho que recuperar forças, com uma esposa como você — respondeu Madoc, lhe mostrando a cesta de comida que tinha levado a habitação. — Como perdemos o jantar, fui à cozinha procurar algo para comer. Cobrindo-se com o lençol, Roslynn se apoiou sobre um cotovelo no colchão. Não tinha ideia de que hora podia ser, mas sim sabia que o amanhecer devia estar perto. Não tinham baixado ao salão depois de fazer amor. Ficaram ali, beijando-se e acariciando-se, falando e rindo, e compartilhando histórias de sua infância. Madoc devia ter sido um pequeno diabo quando era pequeno, embora muito tímido, e ela também cometeu muitas travessuras, assim que se divertiram muito comparando façanhas da infância. Não tanto como se amando, entretanto, assim haviam tornado a fazê-lo, embora naquela ocasião na cama. Entretanto, ela desfrutou muito quando ele a tinha tomado sobre a penteadeira, embora por uma razão diferente. Sentiu medo e pânico no princípio e, depois, os superou. Pode permitir que Madoc a amasse apaixonadamente, como se não tivesse experiências passadas que danificassem sua resposta ao desejo de seu marido. Como se só tivesse estado casada com ele. Madoc deixou a cesta sobre a cama. — Morro de fome — disse ela, olhando no interior, enquanto ele se sentava a seu lado.
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Madoc subiu da cozinha um pouco de pão, um pouco de queijo, um pouco de carne curada envolta em um guardanapo e um odre de vinho meio cheio. — Não é precisamente um festim — disse a Roslynn, enquanto partia a fatia de pão em dois e lhe dava um dos pedaços — mas não queria despertar ninguém. — Então, ninguém te viu? — perguntou ela. Não sabia o que teriam pensado os que tivessem visto seu senhor penetrando em sua própria cozinha. — Não — respondeu ele, enquanto tirava as botas. — Embora não teria ocorrido nada se tivesse me encontrado com alguém, claro. Tenho todo o direito de andar por meu castelo a qualquer hora do dia ou da noite. Acariciou-lhe a bochecha e depois se deitou no travesseiro para comer o pão. — Dá-te vergonha que saibam o que estivemos fazendo? Depois de tudo, somos maridos e mulher. — Sim, é verdade — disse ela, e se aconchegou a ele enquanto mordiscava aquele pão delicioso, desfrutando daquela comida improvisada muito mais que de qualquer banquete e sentindo-se mais feliz do que nunca foi desde que conheceu Wimarc. — Oxalá meus pais soubessem quão contente estou. — Podemos lhes enviar uma mensagem, se quiser. Ela negou com a cabeça e se separou de Madoc. — Não. Certamente, não quererão saber nada de mim. Envergonhei-os e os humilhei, inclusive pior do que seu irmão te envergonhou e humilhou. — Você não me disse que as famílias deviam proteger-se? — Eu me empenhei em casar com um homem a quem eles não queriam, e resultou que ele era um traidor que estava organizando uma rebelião. Estou segura de que não quererão ter nada a ver comigo. E por que iriam querer, se a única coisa que fiz foi lhes causar tristeza? — Mas agora têm um bom genro e uma aliança com os galeses — observou
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Madoc. — Ou pensa que isso será outro motivo de vergonha para eles? — Não! — assegurou-lhe ela rapidamente. — Embora não saibam quão afortunada sou com meu marido, não têm nada contra os galeses, que eu saiba. — Possivelmente este matrimônio os agrade — sugeriu ele. Roslynn não pôde estar de acordo, por muito que o desejasse. — E se não for assim? Já causei muitos problemas. — Muito bem. Então, nada de cartas. — Não, nada de cartas — respondeu ela. Entretanto, começava a perguntar-se se não estaria cometendo um engano ao não entrar em contato com seus pais. Eles deviam estar informados de sua viagem a Gales e do propósito dessa viagem por seus amigos da corte. Possivelmente naquela nova situação pudessem perdoá-la uma vez que se casou com um homem muito melhor. Ou possivelmente nunca a perdoassem pelo que fez. Foi muito obstinada e não prestou atenção quando lhe recomendavam cautela. Depois de terminar a comida, Madoc deixou a cesta no chão com um suspiro de satisfação. — É feliz? — perguntou ela, enquanto apoiava a cabeça em seu peito. Acariciou-lhe o braço, com uma expressão no rosto que Roslynn estava começando a conhecer muito bem. — Mais do que nunca tinha acreditado que podia ser. — Suponho que deveríamos dormir — disse ela com um suspiro, embora sentisse um comichão no corpo, devido às carícias de Madoc e começou a imaginar outras atividades muito distintas ao sono. — Sempre podemos dormir amanhã de noite — sugeriu ele sorrindo. Ao ver aquele sorriso, Roslynn se sentiu como se fosse derreter. Quando ele
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inclinou a cabeça para beijá-la, um galo cantou no pátio. Roslynn olhou além de Madoc, para a janela, e se deu conta de que o amanhecer começava a iluminar o céu. — A manhã — disse Madoc, seguindo seu olhar. — E não dormimos nada. Desejaria poder fazê-lo, mas por desgraça tenho obrigações hoje com os pastores. Temos que escolher o dia para reunir todas as ovelhas e tosquia-las. — E eu ainda tenho muito que aprender sobre seu castelo — disse ela. Tirou o lençol de cima e tomou a camisa dos pés da cama. Ele se aproximou do lavabo e jogou um pouco de água do jarro à bacia para lavar o rosto. — Deveria falar com Ivor sobre a festa do final da tosquia. Uma festa. Sua primeira festa como castelã. Sentiu uma espécie de medo e de emoção distinta sabendo que a julgariam por sua capacidade para organizar um evento como aquele e por seu desempenho no papel de anfitriã, assim como pela qualidade do banquete. — Fá-lo-ei em seguida. Madoc colocou a túnica e se sentou sobre a cama para calçar as botas. — Sim, e necessitaremos comida e bebida extra para os dias da tosquia, além da festa. Virão homens de todos os territórios vizinhos para nos ajudar, igual nossos homens que também vão ajudar em outros lugares, quando chega o momento. Entretanto, não acudiriam todos os vizinhos, pensou Roslynn. Seu irmão não ia ajudá-lo, nem tampouco enviaria para lá nenhum de seus homens. — Possivelmente possamos celebrar também nossas bodas nesta ocasião — sugeriu ela — já que não convidamos nenhum de seus vizinhos nobres quando nos casamos. — Se você quiser Roslynn-fy-rhosyn. — Sim, acredito que sim — disse ela, pensando que seria um pouco apropriado
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e, além disso, que ajudaria a manter vivas outras alianças necessárias. — Então, muito bem. Faz tudo o que te pareça bem e, como é seu dote o que vai pagar a festa, escolhe a comida que deseje. Mas devo te advertir que certamente Ivor será miserável com o dinheiro. Não se surpreendeu ao ouvir aquilo. Algo que havia nos lábios finos e nos olhos entrecerrados de Ivor que fazia Roslynn suspeitar que ele fosse um pouco mísero. Entretanto, não podia culpar o administrador por ser cuidadoso com o dinheiro de seu marido. Quando se aproximou da arca para procurar um vestido, deu-se conta de que Madoc estava observando-a a suave luz da alvorada. — Poderia me esquecer de meu próprio nome quando a olho — disse ele brandamente. Ela se ruborizou de felicidade. — Eu também poderia me esquecer de que tenho deveres — respondeu Roslynn enquanto tomava o vestido azul. — Entretanto, não deveria fazê-lo, porque tenho muitas coisas que fazer. Naquele momento, recordou algo mais. — Seu filho virá à festa? Eu gostaria de conhecê-lo. Quando ela viu a expressão do rosto de Madoc, lamentou ter mencionado seu filho, até que ele encolheu os ombros e sorriu. — Por que não? Deveria conhecer Owain. Ele também deveria te conhecer, agora que é sua madrasta. Madrasta. Roslynn não tinha pensado naquilo ainda e, ao fazê-lo, pareceu-lhe ainda mais importante conhecer o menino. Madoc se aproximou dela pelas costas e lhe atou os laços do vestido. — É muito tentadora, fy rhosyn — sussurrou. — Será melhor que partamos
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agora que ainda posso resistir a ti. — E eu a ti — conveio ela. Então, seus pensamentos se concentraram na festa e em tudo o que implicaria. — Hywel, viu Ivor esta manhã? — perguntou Roslynn ao cozinheiro, uns dias mais tarde, depois de encontrar novamente o escritório do administrador fechado, e que Ivor estivesse ausente. Hywel, que estava junto à mesa de trabalho condimentando algo que parecia um boi inteiro, secou as mãos no avental. — Estava em seu escritório antes do café da manhã, milady. Não o vi partir. — Eu ouvi que dizia algo sobre o moinho — disse Rhonwen, uma das serventes, enquanto cortava as cebolas para a sopa. Outra criada, chamada Lowri, sacudiu a cabeça e deixou de remover as papas de ervilha. — Acredito que disse que ia a Milltonbury, um povoado que está a cinco milhas daqui — explicou a Roslynn. Depois se dirigiu ao cozinheiro. — Não disse isso, Hywel? — Eu não lhe ouvi dizer nada — respondeu Hywel, encolhendo-se os ombros a modo de desculpa. — O sinto, milady. Entretanto, se o encontrar, diga-lhe que preciso saber que pescado vai comprar para a festa da tosquia. Acredito que o peixeiro ia conseguir um salmão muito bom. — Esperava poder falar com ele destes assuntos hoje mesmo — respondeu Roslynn, tentando dissimular sua irritação, e se despediu deles. Por desgraça, cada vez que tinha ido ver Ivor para repassar as contas e falar das compras para a festa, não o encontrou em seu escritório, nem em nenhum outro lugar do castelo. Mais tarde, quando o via no salão, durante as comidas, ele se desculpava e mostrava um remorso aparentemente sincero por ter tido outros compromissos.
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A festa do final da tosquia se celebraria em oito dias; Ivor tinha o dever de ajudá-la com a seleção e a compra da comida para o banquete, e não deviam atrasarse mais, ou do contrário, não poderiam encontrar os gêneros que requeriam. Além disso, era o administrador que devia ir em busca da senhora do castelo para tratar daqueles temas, e não o contrário. Roslynn tragou seu orgulho e foi em busca de Ivor. Passou pela sala de armas, pelos estábulos, pelo pombal e pela leiteria; entretanto, não o encontrou. Devia ter partido a Milltonbury, tal e como tinha sugerido Lowri, ou possivelmente estivesse no moinho. Quando retornasse à torre, entretanto, seria muito tarde para falar da festa ou de qualquer outra coisa antes do jantar. Consternada e frustrada, Roslynn atravessou o pátio para a porta da muralha, com intenção de ir buscá-lo no moinho. Não podia permitir que aquela situação continuasse. A festa da tosquia era muito importante para ela e devia assegurar-se de que o administrador tivesse em conta aquele detalhe.
Capítulo 12
Roslynn ouviu Madoc gritando ordens ante um grupo de soldados e distinguiu seu corpo soberbo enquanto ele dirigia os homens durante os exercícios de treinamento. Cada uma das ações de Madoc era ágil; movia os braços com graça,
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como se dançasse; entretanto, sustentava uma espada e um escudo, e cada movimento daquela potente espada poderia matar a qualquer que se aproximasse. Ele se deteve assim que a viu e baixou o escudo. Depois, disse a seus homens que os exercícios terminaram aquele dia. Os soldados deixaram as armas e, entre risadas e brincadeiras, afastaram-se. Madoc caminhou para Roslynn com um sorriso nos lábios, aquele sorriso que fazia que lhe fervesse o sangue. — Tinha que ver o que estava fazendo, né, senhora? Bom, e o que te parece minha guarnição? — Parecem bons soldados — respondeu ela. — Não tinha por que ter terminado o treinamento. Só passava por aqui de caminho ao moinho. Ele arqueou as sobrancelhas. — Ia ao moinho sozinha? — Não está longe. — O suficientemente longe para que eu não queira que vá sozinha — replicou Madoc e elevou uma mão para sossegar seus protestos. — Não tem por que me olhar com essa cara de obstinação, fy rhosyn. Meu irmão é capaz de algo e não vou correr nenhum risco com a segurança de minha esposa. Vá onde queira, mas deverá levar guardas que lhe protejam. Pela expressão de Madoc, Roslynn soube que seria inflexível. — Muito bem. — E dá a casualidade de que, como acabo de despedir aos homens, eu posso ser sua escolta. Para que precisa ir ao moinho? — Quero falar com o Ivor sobre a festa — respondeu ela — e sobre algumas outras coisas. Só tive uma conversa com ele, e faz dias, antes que soubesse que ia celebrar a festa da tosquia. Depois disso, nunca está em seu escritório quando vou vê-lo e a porta sempre está fechada com chave, de modo que não posso revisar as
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listas dos armazéns e provisões e não posso saber o que precisamos comprar. — Ivor é um homem muito ocupado — disse Madoc, encolhendo os ombros — e tem razão ao manter fechado com chave o escritório quando não está presente. Ali dentro há muito dinheiro. — Seguro que isso é certo, mas ele nem sequer vai às reuniões que combinamos previamente. Madoc franziu o cenho ao ouvir aquilo. — Deu-te explicações por isso? — Sim, mas como vou preparar a festa da tosquia se não puder falar com ele? — perguntou Roslynn, incapaz de dissimular sua frustração. — Ainda faltam vários dias — respondeu Madoc, e segurou sua mão. — Há tempo suficiente. E ninguém espera algo muito luxuoso. O que querem é boa comida e bebida. E, falando de comida, o jantar já deve estar pronto e tenho fome. — Seguro que isso deixa contente à maioria dos homens, mas se formos convidar aos nobres vizinhos, também haverá mulheres. Vão conhecer-me durante essa festa e quero que tudo seja perfeito, assim que a festa tem que estar bem organizada. Se puder evitar, não quero deixar nenhum cabo solto. Madoc riu brandamente e a rodeou com o braço. — Quer demonstrar que está à altura da tarefa, né? — Sim. — Nunca há nada perfeito — disse ele, enquanto a arrastava para as sombras da muralha. — Estou seguro de que eu serei a inveja de todos os homens daqui e as mulheres ficarão impressionadas por sua beleza e sua competência — acrescentou, com um olhar de bom humor. — Se realmente quer impressionar a todo mundo, ponha esse vestido vermelho que levava em nossas bodas — Madoc passou um dedo de modo provocador pelo pescoço do vestido. — As mulheres quererão copiá-lo e os
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homens ficarão assombrados de como fica. Esse vestido te assenta à perfeição. Roslynn se sentiu reconfortada por suas palavras e excitada por suas carícias e seu humor mudou. Sentiu que o desejo se apropriava de seu corpo, até que recordou que aquele não era o lugar, nem tampouco o momento, de deixar-se seduzir por ele. — Madoc, não. Ver-nos-ão os guardas, e falo a sério sobre a festa. — Não me importa que nos vejam. E eu falo a sério sobre te beijar agora mesmo — respondeu ele, e a tomou entre seus braços. — Não só estou preocupada com a festa — disse ela, embora não pôde evitar apoiar-se nele, de modo que seus lábios quase se roçaram. — É uma questão de respeito ou de falta de respeito. Ao fazer caso omisso de meus assuntos, Ivor está sendo desrespeitoso. Madoc roçou ligeiramente os lábios com um beijo. — Pode ser que outro homem queria ser desrespeitoso desse modo, mas Ivor não — lhe assegurou ele. — Claro que te respeita. É minha esposa. E estou seguro de que, se não se reuniu contigo as vezes que combinou, é porque ocorreu algo mais urgente. — Eu gostaria de acreditar isso, Madoc, mas, todas às vezes? Madoc se retirou para trás com o cenho franzido. Em parte, ela lamentava ter que lhe dizer aquilo, mas a falta de respeito de Ivor era um problema grave. — Quer que lhe ordene que fale contigo? — perguntou-lhe Madoc. — Seriamente, não desejo causar nenhum problema entre vocês — respondeu ela — mas esta festa é importante para mim, Madoc. Não quero que ninguém acredite que se casou com uma esposa que não sabe organizar uma festa. Se for assim, as mulheres pensarão que não posso ser uma boa esposa e que você não deveria ter se casado comigo. — Ah, então é uma questão de orgulho?
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— Sim. Quero que a gente pense que tomou uma boa decisão ao se casar comigo. Acariciou-lhe a bochecha com a mão forte, calejada. — Eu também quero que todo mundo saiba que escolhi sabiamente e bem. Está bem, esposa minha, falarei com Ivor para que entenda que esta festa é muito importante e que deve lhe dar preferência. Agradeço que tenha querido solucionar isto por si mesma para me economizar o problema, mas acredito que será melhor que eu fale a sós com ele. Madoc sorriu com ironia. — Claro que eu não sou precisamente conhecido por meu tato, mas acredito que é mais provável que me escute se falar com ele em privado. E não quero que vocês dois sejam inimigos. Necessito aos dois. Então a abraçou e lhe deu um beijo longo, sedutor, que fez que ela desejasse que estivessem no quarto. — Embora de um modo distinto. Ela também o necessitava. E o desejava. E a seus filhos. Já estava contando os dias, e cada um deles lhe dava mais esperança de que suas preces iam obter resposta. Madoc se retirou e suspirou com tristeza. — Bem, milady, será melhor que nos separemos, ou terminaremos fazendo amor aqui mesmo. Tinha razão, é obvio. Cada um devia ocupar-se de suas tarefas e seria muito escandaloso fazer amor ali mesmo, embora de todos os modos, ela estava muito tentada. Entretanto, o orgulho e a responsabilidade superaram o desejo. — Sim. Não podemos incomodar os sentinelas.
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Ele assentiu e ficou sério. — E quanto antes fale com o Ivor, melhor. — Madoc! — exclamou Ivor, quando se deu conta de quem caminhava pelo caminho para ele, um momento depois. — Espero que não aconteceu nada, não? — Não, nada grave — respondeu Madoc, enquanto caminhava a seu lado. — Temos que falar um pouco da tosquia, isso é tudo. — Todo mundo pode vir, não é? Ou acaso preocupa-lhe o tempo? Emlyn está seguro de que vai fazer tempo bom. Ou está pensando em Trefor? — Não. Matar meu carneiro deve deixá-lo satisfeito por um tempo. Roslynn diz que não teve oportunidade de falar contigo sobre a festa. — Tenho muitas coisas das quais me ocupar — respondeu Ivor — e como a tosquia não acontecerá até dentro de uns dias, há tempo suficiente para organizar tudo. — Roslynn não é da mesma opinião e parece que cada vez que tentou reunir-se contigo, você estava muito ocupado. — Sim, estive muito... — de repente, Ivor franziu o cenho e se deteve. — Se queixou? Pensa que estou mentindo quando lhe digo onde estive e o que estive fazendo? Madoc sentiu ver Ivor aborrecido e, além disso, por uma festa. — Entendo que tem muitas tarefas, mas ela está ansiosa pela festa porque quer causar boa impressão aos vizinhos. Quer que todo mundo saiba que é uma castelã eficiente. — Estou seguro de que todo mundo ficará impressionado com sua esposa, Madoc. O único que têm que fazer é olhá-la. Madoc riu enquanto continuavam caminhando para o castelo.
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— Bom, sim, é uma beleza, mas também é uma mulher valente e inteligente, e quero que esteja feliz. Assim, amanhã poderá falar com ela sobre os preparativos da festa, não é, Ivor? — É obvio Madoc — respondeu o administrador, mas não em tom de amigo a amigo, mas sim de servente a senhor. — Não quero ser a causa de nenhum problema entre sua mulher e você. Madoc conteve uma maldição. — Olhe Ivor, sei que está muito ocupado e que é pelo bem do castelo, assim não te culpo de nada. Tampouco me ocorreu pensar que lhe importasse tanto. Madoc se sentiu aliviado ao ver que a expressão de Ivor se tornou de novo natural e alegre. — Para mim também foi uma surpresa — disse Ivor — mas não ocorre nada. Mencionou sua esposa que tipo de coisas quer? Algum prato ou um vinho especial? — Não. Isso deixo a ti e a ela. Disse-lhe que podia comprar o que quisesse. Possivelmente isso tenha sido um pequeno engano, mas não acredito que vá ser muito caprichosa, e sei que posso contar contigo para que o custo da festa seja razoável. — Sim, Madoc — respondeu Ivor com seriedade. — Pode contar comigo. Quando Madoc entrou no pátio depois da caça, ao dia seguinte, Roslynn o encontrou junto ao estábulo. Ela tinha os olhos brilhantes de felicidade. — Sua reunião com Ivor foi bem, suponho — disse Madoc, enquanto entregava as codornas ao moço e as rédeas de Cigfran a outro. — Sim. Decidimos tudo que é necessário para a festa e quanta cerveja e vinho se necessitará. Obrigado por falar com ele, Madoc. Agora me sinto muito melhor. — Já imaginava — disse ele, com um sorriso de satisfação, e pegou em sua mão
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de modo que, enquanto atravessavam o pátio, pareciam mais um casal de noivos apaixonados que um senhor e sua dama. Com os olhos fechados e o corpo lânguido de sonolência, Roslynn esticou o braço pela cama. Os lençóis ainda estavam quentes no lugar onde dormiu Madoc, embora o espaço estivesse vazio. Roslynn abriu os olhos e viu seu marido movendo-se pela penumbra da habitação. Mal tinha amanhecido, mas a advertiu que tinha que levantar-se muito cedo aquele dia para ajudar a reunir as ovelhas para lavá-las, algo que devia fazer antes de tosquiá-las. De outro modo, o excesso de gordura podia afetar ao peso da lã quando se vendesse. Não lhe perguntou por que ele, o senhor de Llanpowell, incomodava-se por aquelas tarefas de baixa categoria. Já tinha aprendido que era um senhor que valorizava a camaradagem com sua gente. Além disso, Roslynn se deu conta de que aquilo era uma parte tão importante de sua liderança como suas habilidades marciais. — Volte a dormir fy rhosyn — disse brandamente. — Não é necessário que se levante tão cedo. — Desfruto vendo como se veste — respondeu ela. — depois de tudo, é um homem muito bonito. — E você é uma mulher muito bela, mas não trate de me tentar para que fique, Dalila. Esperamos reunir e lavar todo o rebanho hoje. Ela se sentou e abraçou os joelhos. O lençol apenas lhe cobria o seio, e tinha o cabelo solto pelos ombros. — Não estou tentando te tentar para que fique. Só estou desfrutando ver como se veste.
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Ele arqueou uma sobrancelha enquanto grampeava o cinturão. — Sim, com esses enormes olhos, e nua debaixo dos lençóis. O que vai fazer hoje enquanto eu estou fora, ganhando o pão? — Ganhar também o meu. Necessitamos mais velas e encontrei outra arca de roupa branca que tem que lavar. E pode ser que encontre ainda mais no fundo do armazém principal. Além disso, quero ver quanta lã conseguiu fiar Bethyn da pele do carneiro. E vou reunir-me outra vez com Ivor. Preocupa-me que não tenhamos suficiente salmão. Por último, sem dúvida seu tio seguir-me-á a todas as partes me dando conselhos. Não é que me queixe, claro. Necessito sua ajuda, porque ainda não falo galês. — Ainda? Alegro-me muito de que queira aprender. Entretanto, hoje terá que arrumar-se sem tio Lloyd. Necessitamos-o nos redis. Sempre encontramos ovelhas com marcas que não conhecemos, e Lloyd é o perito. Ele recorda as marcas de cinquenta milhas ao redor. Madoc fez uma pausa enquanto se sentava em um tamborete para colocar as botas. — Por que não vem nos ver um momento? Lloyd te fará uma demonstração de sua habilidade. — Eu gostaria. — respondeu ela, embora provavelmente não devesse permitirse esse tempo livre. Como a tosquia, a reunião das ovelhas era uma tarefa exaustiva e requeria a ajuda de todos os pastores, servos e quão soldados não estivessem de serviço; todos eles tinham que comer. É obvio Roslynn não ia cozinhar ela mesma, mas sim devia fiscalizar tudo, além de continuar com os preparativos da grande festa que se celebraria quando terminasse o trabalho. Madoc lançou um sorriso de satisfação e estampou as botas contra o chão
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antes de levantar-se. — Estarei desejando ver-te quando me encontrar acalorado e suarento. — Eu também. Eu gosto muito de você acalorado e suarento. Ele abriu uns olhos como pratos e sacudiu a cabeça. — O que te dizia? Dalila! — exclamou enquanto ia para a porta. — Por sorte, tenho uma grande força de vontade, e posso partir, embora por pouco — disse. Deteve-se um instante com a mão no pomo da porta. — Por que não dorme um pouco mais? Fica um bom momento para a missa e não necessitaremos Lloyd até o meio-dia. — Possivelmente o faça — respondeu Roslynn, e bocejou enquanto ele sorria e saía do aposento. Ela voltou a deitar-se e desfrutou do calor da suave cama de plumas. Estendeu as mãos sobre o ventre, com a esperança de estar grávida. Seu período se atrasou e levava uns dias sentindo-se mais cansada que o normal. Entretanto, era cedo para saber e não tinha nenhum outro sintoma, assim não diria a Madoc o que pensava, e menos quando ele estava tão ocupado com a tosquia das ovelhas. Esperaria estar segura e, então, compartilharia com ele aquela notícia maravilhosa.
Capítulo 13
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Quando terminou a missa, Roslynn foi falar com tio Lloyd. Pegou-o pelo braço e juntos foram caminhando da capela ao salão da torre da comemoração, para tomar o café da manhã. — Eu gostaria de ver como levam o rebanho aos redis. Levará-me quando forem? Madoc diz que pode identificar as marcas de cinquenta milhas ao redor. — Sim, milady, será um prazer — disse Lloyd com um sorriso resplandecente, antes que uma dúvida escurecesse sua expressão. — Mas é algo muito ruidoso e, sinceramente, tantas ovelhas juntas. Está segura de que quer vir? — Muito segura — disse ela, reprimindo o impulso de lhe dizer que não deveria surpreender-se porque, desde que ele a tinha enganado para que visse Madoc nu, desejava ver o torso nu de seu marido tão frequentemente como pudesse. — Bem, então, será um prazer acompanhá-la — disse tio Lloyd. — Obrigado — disse ela. — Será melhor que vá à cozinha dizer a Ivor quais são meus planos antes de tomar o café da manhã. Do contrário, é provável que se vá antes que eu termine. Roslynn se encaminhou para a cozinha, onde os serventes trabalhavam afanosamente para preparar toda a comida dos tosquiadores, e continuou para o escritório de Ivor. Encontrou a porta entreaberta, coisa que a surpreendeu. Mas ainda se surpreendeu mais ao comprovar que Ivor não estava ali. Ficavam alguns pergaminhos sobre a mesa, junto a um pedaço de pão e uma taça de hidromel. Não havia dinheiro sobre a mesa, e a arca reforçada com bandas de ferro estava fechada. Parecia que o tinham chamado repentinamente e tinha tido que partir, embora ela não tivesse ouvido nada que indicasse tal necessidade. Estava a ponto de voltar para a cozinha para perguntar a Hywel quando viu um pergaminho no chão, junto à parede, como se tivesse caído rodando da mesa. Recolheu-o, e estava a ponto de pô-lo sobre a mesa, com os outros, quando viu
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a última linha que tinha escrita nele. O nome era o do bodegueiro que lhes tinha levado vários barris no dia anterior. Ela o tinha visto chegar da porta do armazém das maçãs, porque o mercador de vinho não era fácil de passar por cima. Era um homem grande e ruidoso, mas também divertido, assim embora ela tivesse muito que fazer, ficou escutando um momento sua jovial conversa com tio Lloyd. Também tinha se fixado no número de barris que lhes servia o mercado, porque queria assegurar-se de que havia suficiente vinho na adega e contou vinte e cinco unidades. Entretanto, na lista figuravam trinta, e a soma junto aquela cifra era a que correspondia a trinta barris de vinho ao preço do Davies, não vinte e cinco. Roslynn ia ler todo o pergaminho quando viu um envelope cair sobre a mesa e deu a volta. Ivor tinha entrado na habitação e a estava observando com uma expressão zombadora, até que sua vista se fixou no pergaminho que ela tinha na mão. — Necessita algo, milady? — Vim dizer-lhe que vou com Lloyd ver os redis das ovelhas nas colinas — respondeu ela, resistindo à tentação de esconder o pergaminho em uma manga da túnica. — Deve ter partido com grande urgência, porque encontrei isto no chão e você é o homem mais cuidadoso que eu já conheci. — Havia uma disputa entre dois moços e tive que resolvê-la antes que chegassem às mãos — respondeu Ivor, enquanto ela deixava o pergaminho sobre a mesa. — Algo mais, milady? — Não — respondeu Roslynn e se dirigiu para a porta. — Terei retornado antes que terminem os homens. Enquanto deixava o escritório, Roslynn tentava convencer-se de que a discrepância era só um engano. Ela deveria ter avisado para que ele pudesse corrigi-
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lo. Entretanto, não podia desfazer-se de uma molesta suspeita. Ivor era muito meticuloso, não do tipo de pessoa que cometia enganos descuidados ou que não os encontrava, se os visse. Deveria estar mais alerta no futuro e, quando fosse possível sem levantar suspeitas no administrador, levar suas próprias contas das compras, de modo que logo pudesse compará-las com as que levava Ivor. Esperava não ter motivos de preocupação e que aquilo só fosse um engano, porque inclusive o mais cuidadoso dos homens se confundia. Não obstante, se estivesse certa, devia estar muito segura de que se cometeu um delito antes de acusar o amigo em quem Madoc confiava tanto. Quando Roslynn e Lloyd chegaram aos redis das ovelhas, um pouco mais tarde, a metade do rebanho já estava junto ao rio, embora não se separaram por completo as ovelhas dos cordeiros. Os homens, que estavam muito ocupados, responderam à saudação de Lloyd e voltaram para o trabalho. Tinham formado uma fila do redil maior, que agrupava todo o rebanho, até um menor, onde iam pôr os cordeiros. O próprio Madoc meio nu e suarento, tal e como ela tinha pensado, estava no redil das ovelhas. Roslynn observou com assombro e admiração como seu marido agarrava habilmente um cordeiro por suas lãs e o lançava por cima da cerca ao homem que estava por fora. Aquele homem agarrou o cordeiro e o lançou ao seguinte da fila. O cordeiro percorreu assim todo o caminho até que o último homem da fila o pôs no redil que lhe correspondia, onde já havia outras crias assustadas que baliam sem cessar. Enquanto, Madoc já tinha tomado outro e o tinha enviado depois do primeiro. — Ah, Lloyd — disse um dos pastores, assinalando a orelha de uma das ovelhas, enquanto segurava o animal. — De onde é esta? — Pencwmb — respondeu Lloyd sem titubear. — É do sul, das terras de sir
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Ector — acrescentou para Roslynn. — Essa ovelha percorreu um caminho muito longo, mais de dez milhas. Ela se perguntou o que fariam se encontravam uma ovelha de Trefor entre as de Llanpowell, mas pensou que era melhor não dizer nada. — Sem cercados, não me surpreende que as ovelhas percorram toda Gales. — Ficam no lugar onde se criaram — explicou-lhe lorde Lloyd. — Os cordeiros pastam onde o fizeram suas mães, e suas mães antes que elas. Algumas vezes se movem porque cheiram à raposa ou ao lobo, e outros indivíduos são andarilhos, embora isso não seja o mais comum em uma ovelha. — Roslynn! Madoc se aproximou atravessando a maré de ovelhas e enxugando o suor da testa com o antebraço. Quando chegou ao cercado de madeira, agarrou-se a ela e a saltou com a agilidade de uma cabra montês, para unir-se a eles. — Aqui estão — disse, com as mãos nos quadris e um sorriso nos lábios. — Aqui estamos — respondeu ela em voz alta, para fazer-se ouvir por cima dos balidos dos animais. — Lloyd-e-Brawd! — gritou outro homem que estava no redil das ovelhas, assinalando a uma delas. — Cwm Myrmydden — respondeu Lloyd, e olhou Roslynn. — Vá, faz anos que não tínhamos uma dali — lhe disse. Ela estava tentando não ter muitos pensamentos luxuriosos sobre seu marido. A julgar pelo olhar de Madoc, ele estava tendo alguns sobre ela, também. De repente, houve uns gritos que vinham da fila de homens que passavam os cordeiros à fila. Um cordeiro com o nariz negro e uma pata torcida tinha conseguido escapar, e apesar de sua claudicação, correu para o redil das ovelhas, dirigindo-se para Roslynn. Quase a tinha alcançado quando o rodearam vários cães. Confuso e
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assustado, o pobre animal se deteve chamando desesperadamente sua mãe. Roslynn ignorou os cães e se apressou a tomar o cordeiro nos braços. Embalouo e lhe acariciou as costas para acalmá-lo. Em vez de mostrar-se pormenorizado, Madoc lhe tirou o animal dos braços com uma expressão séria e o depositou no redil que lhe correspondia. — Será melhor que volte para o trabalho — murmurou. Saltou a carca e se afastou tão rapidamente quanto lhe permitiram as ovelhas. — O que fiz de mal? — perguntou Roslynn, com assombro, a Lloyd, por cima do alvoroço que formavam os animais. — Não tinha que havê-lo tomado nos braços? — Acredito que lhe pegaste com a guarda em baixa, isso é tudo. — Por abraçar um cordeiro? Pode ser que seja uma senhora, mas... — Não é isso — replicou Lloyd, sacudindo a cabeça. — Não sei exatamente o que passou pela cabeça de meu sobrinho, mas ao lhe ver com o cordeiro nos braços... bom, parecia que tinha a um bebê. Pareceu-me isso e, possivelmente, a ele também. — Madoc diz que quer ter mais filhos. — Sem dúvida. Provavelmente, ficou surpreso e pensou em Gwendolyn e em como faleceu. Nunca o tinha visto tão destroçado, milady. Madoc é um homem forte, mas aquele dia não. — Como morreu sua primeira esposa? — perguntou Roslynn. — Ninguém me contou isso. — Ao dar a luz. Não puderam deter a hemorragia depois de que nascesse Owain. Roslynn levou as mãos ao ventre instintivamente, embora se detivesse antes de posá-las ali para não delatar suas esperanças. Não era nenhum segredo que as mulheres morriam durante os partos, e aquilo já estava afetando à felicidade que sentia ante a possibilidade de dar um filho a Madoc. Mas de todos os modos, o fato
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de saber que ele já perdeu uma esposa de tal modo... fazia que o medo fosse muito mais real, embora muitas mulheres tivessem filhos de uma maneira sã e sobrevivessem sem problema. Roslynn também se deu conta de que aquela podia ser a explicação de que Owain não vivesse em Llanpowell. O menino seria para Madoc um aviso constante da morte de sua mãe. Madoc não seria o primeiro pai a quem resultava difícil suportar a presença de seu filho. — Assim. — concluiu tio Lloyd — eu não daria muita importância à reação que teve Madoc. É só por causa das más lembranças, estou seguro — disse, e a olhou especulativamente. — Um bebê ajudaria a terminar com todas essas más lembranças. Ela ainda não queria dizer a ninguém que possivelmente estivesse grávida, porque preferia estar segura disso, e Madoc devia ser o primeiro, a saber. — Então, esperemos que fique logo em estado. Madoc rodou os ombros e arqueou as costas para relaxar a dor que sentia depois de que a última ovelha estivesse lavada. Tinha sido um dia muito longo, como eram sempre aqueles dias, e ele estava contente de que tivesse terminado. Os homens já tinham voltado para a torre de comemoração para comer, incluído Lloyd. Ele tinha ficado até o final, em parte porque queria desfrutar de um pouco de paz e tranquilidade de volta a casa, para poder pensar melhor no que ia dizer a Roslynn. Tinha percebido a impressão e a angústia de Roslynn ante sua reação ao ver o cordeiro em seus braços e, sobretudo, ao ver a expressão tenra e maternal que ela tinha no rosto. Imediatamente, ele tinha visto um bebê, não um cordeiro, entre seus braços esbeltos, um bebê com o cabelo escuro e os olhos azuis, como ela. Ou como
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Owain. Entretanto, depois daquela visão e do modo tão brusco com que tinha lhe falado, Madoc havia sentido um desejo entristecedor e depois a culpabilidade e o medo ao recordar Gwendolyn agonizando e a promessa que ele não cumpriu. Ivor, que nunca ajudava com os trabalhos da tosquia devido a sua claudicação, apareceu e se aproximou dele. — O que ocorre? — perguntou-lhe Madoc com alarme, pensando que se produziu alguma catástrofe doméstica, pela cara sombria de seu administrador. — Falou-te lady Roslynn do custo da comida de hoje e da festa que vamos celebrar? — Não, ainda não — respondeu Madoc. — É uma soma muito grande, Madoc. Muito mais do que jamais gastamos. — Quanto? — Duzentos Marcos. Ou possivelmente mais. Madoc ficou olhando-o com horror. — E por que tanto? Subiram os preços? — Não são os preços, é a comida que quer lady Roslynn, além da quantidade. Enguia, salmão e outros pescados. Farinha da melhor qualidade, como para um mês. E o vinho... Madoc, o custo do vinho te vai enjoar. Ele já estava enjoado. — Por que não me havia dito isso antes? — Porque você me disse que sua esposa devia fazer o que quisesse neste assunto e eu não queria causar problemas entre vocês. Entretanto, quando vi as contas definitivas esta manhã, pensei que devia lhe dizer isso. Para ser sincero, Madoc, pensei que não sabia, ou que teria lhe posto um limite. Sim, o teria feito. Aquilo era um gasto muito grande em comida e bebida,
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quando deviam comprar e reparar armas e manter uma fortaleza e uma guarnição. — Fez bem em me avisar. Lady Roslynn não devia gastar tanto sem me consultar. Ocupar-me-ei de que entenda que não somos tão ricos como ela pensa. — Sinto muito, Madoc — disse Ivor, enquanto caminhava a seu lado. — Não tanto como eu — murmurou o senhor de Llanpowell. Decidido a falar imediatamente com Roslynn sobre aquele esbanjamento, Madoc atravessou o salão onde se reuniram todos os homens à espera do jantar e subiu ao aposento. Abriu a porta com brutalidade e encontrou sua esposa sentada em uma tina de madeira, com o cabelo recolhido na parte superior da cabeça e os seios nus expostos quase ao completo sobre a superfície da água saponácea. Tudo o que tinha pensado em dizer se apagou da mente. — Madoc! — exclamou ela, cobrindo o seio com a mão e ruborizando-se como se não estivessem casados. — Não te esperava tão cedo! — disse, e olhou a sua esquerda. — Bron, pode partir. Madoc se recuperou rapidamente e recordou por que estava ali, e se fez a um lado para que Bron pudesse sair apressadamente pela porta. Quando estavam a sós, Roslynn se levantou da tina como uma deusa saindo do mar. Ele pigarreou e se obrigou a concentrar-se no queria lhe dizer. — Sabe quanto gastou na comida de hoje e da festa? Ela tomou uma toalha de linho grande de um tamborete e saiu da tina. — Não. Ainda não somei tudo. As gotas de água brilhavam sobre sua suave pele enquanto ela se envolvia no tecido. Umas quantas mechas molhadas pegaram à sua bochecha e a sua preciosa nuca. Seus pés e tornozelos, magros e perfeitos, eram uma tentação em si mesmos. «Pensa», disse-se ele, embora seu próprio corpo traidor ardesse de desejo.
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— Ivor me disse que é no mínimo, duzentos Marcos. Não pensava que fosses gastar tanto. Roslynn se ruborizou enquanto se secava. Teria ideia de quão sedutora era? — Não me disse que era essa quantidade. — O perguntou? — Não. Não parecia que estivesse muito preocupada; isso lhe incomodou e serviu para mitigar seu ardor. — Isso é muito para uma festa. — Não acredito que seja nenhum esbanjamento para umas bodas e uma festa da tosquia — respondeu ela, deixando que a toalha caísse ao chão. Estava tentando distrai-lo de propósito? Ele estava decidido a não se distrair do assunto do dinheiro, assim deu a volta para não vê-la. — É mais do que eu gastei nas três últimas festas da tosquia e natais juntos. — Não comprei coisas caras — protestou ela — e tentei manter baixos os custos, mas quando há trezentos convidados... Ele se deu a volta de repente. — Quantos? — perguntou a Roslynn, com um olhar fulminante. Graças a Deus, pôs a camisa, embora o linho fora muito fino. — Trezentos — disse ela, ruborizando-se enquanto tomava uma túnica verde que se atava ao lado. — Seus vizinhos nobres, os mercadores do povo e de Milltonbury, além dos pastores, os soldados e os serventes. — Por todos os Santos, mulher, a quem não convidou? — A seu irmão. Sua resposta acalmada aplacou a ira de Madoc momentaneamente, até que
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recordou o muito que ia custar-lhe a festa. — Não te disse que pudesse gastar tanto! Só deveria ter sido a metade, quando muito. — Como você mesmo disse, vai pagar-se com meu dote — disse ela em voz baixa, enquanto colocava o vestido. — Entretanto, seu dote me pertence, não? — recordou ele. — Tenho outros usos que dar a esse dinheiro, que não inclui convidar para comer a toda Gales. Ela foi ao outro lado da cama, para que se interpusesse entre os dois. — Sinto que te pareça que fui esbanjadora. Por desgraça, é muito tarde. Já se enviaram os convites e se pagaram as provisões — disse Roslynn, e franziu ligeiramente o cenho. — foi Ivor que se queixou, verdade? — É o que devia fazer. — Ele deveria ter me avisado antes se pensasse que eu estava gastando mais do que você considerava apropriado. Depois de tudo, eu não tenho o dom de ler o pensamento. Madoc estava a ponto de lhe dizer que ele tampouco era um imperador romano com salas cheias de moedas que pudesse jogar, quando alguém chamou brandamente à porta. — O que? — disse Madoc. A porta se abriu, e por ela apareceu à cabeça de Bron. — Desculpe, milord — disse a moça, gaguejando. — Há uns visitantes às portas do castelo. — Que visitantes? — Não sei milord — disse Bron, e olhou com incerteza a Roslynn. — São normandos, é tudo o que sei. — Se tiverem vindo à festa, chegam muito cedo — disse Madoc com aspereza,
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enquanto se dirigia para a porta.
Capítulo 14
Madoc encontrou-se com tio Lloyd, que já estava esperando nos degraus da saída da torre de comemoração. — Ah, sobrinho, aqui está — disse, em tom de decepção. Sem dúvida, tinha pensado em receber os visitantes em ausência de Madoc, como tinha saudado lorde Alfred e seu grupo antes. — Quem são? — perguntou Madoc a dois soldados que entraram a cavalo no pátio. Um deles levava um estandarte desconhecido. — Não sabe? — Não conheço o estandarte. Devem ser nobres aos que Roslynn convidou à festa. Lloyd o olhou com receio. — Então, convidou a uns quantos? — A muitos — respondeu Madoc raivosamente. — vai terminar com seu dote em um mês. — Bom isso é um problema, certo, mas depois de tudo, ela é uma mulher, e as mulheres dão muita importância às festas, a roupa e essas coisas. E sem dúvida, lady Roslynn quer que esteja orgulhoso dela.
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Pelo bendito São Dafydd, o que tinha feito? — Sim — murmurou Madoc, e sua ira se desvaneceu imediatamente. Só sentiu arrependimento, sobretudo ao recordar que ela se colocou ao outro lado da cama para afastar-se dele todo o possível. Tinha-o feito porque ainda temia que a golpeasse se perdesse os estribos? Sua silenciosa admoestação foi interrompida quando viu um homem, que era evidentemente o dirigente do grupo que acabava de chegar, sentado em uma cadeira de montar com o escudo em relevo, sobre um palafrén branco como a neve e adornado com guarnições muito custosas. O homem levava um elmo de cota de malha e touca e uma túnica escarlate coberta por uma capa de lã fina da cor das amoras amadurecidas, presa com um broche de ouro. Tinha o cabelo e a barba cinza, cortados ao estilo normando, e o nariz aquilino. Depois dele tinha soldados a cavalo e depois uma carreta alta de madeira, das que transportavam às mulheres e a suas donzelas, pintada de cores vivas e com os guichês cobertos com tampas de couro. Depois da carreta havia vinte soldados mais, também a cavalo, e atrás outra carreta pequena coberta de tecido. — Normandos, sem dúvida — murmurou Lloyd, confirmando a conclusão a que tinha chegado Madoc. Assinalou a carreta com um assentimento e arqueou uma sobrancelha. — Crê que John enviou-me também uma esposa? O comentário de seu tio não conseguiu melhorar o humor de Madoc. Em vez disso, decidiu comportar-se como um anfitrião nobre para que Roslynn pudesse estar orgulhosa dele, embora o estranho o olhasse de uma maneira que não lhe agradou, como se estivesse valorando-o. Entretanto, antes que pudesse falar, o nobre voltou o olhar para a torre de comemoração e ficou petrificado.
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Madoc seguiu seu olhar e viu Roslynn no degrau mais alto da torre, com aquele vestido verde que lhe sentava como uma luva, e que rodeava à perfeição sua esbelta figura. Não tinha recolhido o cabelo; tão somente tinha posto uma touca de seda branca sobre a cabeça. Madoc olhou de novo ao visitante, que seguia observando-a fixamente. Pensou que seria melhor ir falar com Roslynn e lhe perguntar quem era aquele homem antes das apresentações, e deixar bem claro que Roslynn era sua esposa. Entretanto, quando se voltou para a torre, deu-se conta de que Roslynn também ficou imóvel como se tivesse visto uma medusa, e tinha o rosto tão branco como o véu. Então, ela colocou a mão na cabeça e começou a cambalear-se. Madoc sentiu um pânico desconhecido e entristecedor. Pôs-se a correr para os degraus e tomou-a nos braços justo quando ela se desmoronava. — Ajuda! — gritou enquanto levantava o corpo sem forças de sua mulher. — Que alguém me ajude! — Roslynn! — gritou também o normando. Saltou do cavalo e correu para as escadas, apesar de sua idade e à armadura. — Manda chamar o cirurgião! — ordenou Madoc a Lloyd, fazendo caso omisso do estranho. — O que lhe têm feito? — inquiriu o normando, bloqueando o caminho de Madoc quando ele quis colocar Roslynn à torre. — Se afaste! — gritou Madoc. — Sou seu pai! — Não me importa que seja o arcanjo são Gabriel! Se afaste! — Sim, querido, se afaste — disse uma dama de meia idade que levava uma capa azul e uma touca branca, enquanto se aproximava deles. — Roslynn deve ir deitar-se.
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Madoc tampouco se preocupou de quem podia ser. Abriu a porta da torre com o ombro e levou sua esposa inconsciente para o aposento. Roslynn abriu os olhos lentamente e piscou. Devia ter visões. — Mãe? — sussurrou com incredulidade. — Filha! — sussurrou sua mãe, lhe apertando a mão. — Como se sente? Está doente? Roslynn tirou o trapo úmido que tinha sobre a testa e se sentou. Embora não levava o véu, ainda estava vestida, e se encontrava em seu dormitório de Llanpowell, com sua mãe, da qual levava tanto tempo separada, e que lhe sorria com os olhos cheios de amor. — Oh, mãe! — exclamou, e abraçou lady Eloise com força. — Temia não voltar a ver-te! Temia que estivessem tão zangados e desgostosos comigo que nunca mais queriam estar comigo! Sua mãe lhe devolveu o abraço e lhe acariciou o cabelo. — Quisemos ir a seu lado assim que soubemos da traição de Wimarc, mas seu pai estava doente. Teve um catarro que lhe atacou os pulmões e... — a lady Eloise quebrou a voz, e Roslynn entendeu que seu pai devia ter estado muito doente. — Não podia deixá-lo. Depois eu também caí doente. Demoramos muito em nos restabelecer para poder viajar, mas assim que o médico disse que podíamos fazê-lo, fomos à corte, e ali averiguamos que tinham lhe enviado a Gales para te casar. Viemos aqui diretamente. Lady Eloise se tornou para trás e estudou ansiosamente o rosto de sua filha. — Sinto muitíssimo tudo o que ocorreu. Nunca confiei em Wimarc, mas se tivesse tido a mínima ideia de como era em realidade, te teria encerrado em seu aposento e me arriscaria a seu ódio eterno antes de permitir que se casasse com ele.
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Devemos nos dar conta de que ocorria algo terrível quando não respondia a nossas cartas, embora nossos mensageiros nos assegurassem que a viram e que estava bem. — Eu não recebi nenhuma carta sua! — gritou Roslynn, odiando ainda mais Wimarc, embora estivesse morto. — Pensava que não queriam ter nada mais a ver comigo por ter sido tão egoísta e infantil. Quanto aos mensageiros, frequentemente eram homens que iam e voltavam do castelo de Werre. Para Wimarc teria sido fácil assegurar-se de que ela nunca os encontrasse nem recebesse as cartas que eles levavam. — Também escrevemos a corte — disse sua mãe — depois de nos inteirar da detenção. — Tampouco recebi essas cartas — disse Roslynn, e a razão era muito fácil de supor. — O rei ou algum de seus ajudantes deveriam assegurar-se de que não as recebesse para que eu pensasse que não lhes importava o que me acontecesse e eu fosse mais manejável. Oh, mãe, que tola fui! Sua mãe voltou a abraçá-la. — Cometeu um engano, Roslynn, mas nós também, ao não nos ocupar melhor de averiguar mais sobre Wimarc. Quando soubemos o que tinha feito, eu temi que a notícia matasse seu pai. Em vez disso, recuperou-se de sua enfermidade, porque sabia que você não podia estar envolvida e estava decidido, como eu, a apresentar-se ante o rei para te tirar da corte. Íamos para lá quando soubemos por lorde Bernard, para nossa grande alegria, que não foi acusada de traição. Mas, oh, oxalá pudéssemos ter estado contigo naquele momento tão difícil! — E oxalá eu lhes tivesse feito caso — respondeu Roslynn. — depois de que Wimarc me maltratasse, devia ter fé em seu amor e valentia para pedir sua ajuda. Roslynn estremeceu ao pensar nas demais coisas que lhe havia dito sua mãe. — E pensar que estavam tão doentes e eu não sabia!
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Sua mãe afastou uma mecha de cabelo da sua bochecha. — Encontramo-nos com Alfred de Garleboine em uma estalagem próxima a Gloucester e ele nos disse que tinha se casado, e que o tinha feito por vontade própria. É isso certo, Roslynn? Seriamente te casou com Madoc ap Gruffydd por sua própria vontade? — Sim, mãe, é certo. — E que tipo de homem é este Madoc? — Trata-me bem, mãe — lhe assegurou Roslynn. «Por agora», pensou ela, ao recordar a raiva de Madoc antes que os tivessem interrompido. O sorriso de alívio de sua mãe fez que Roslynn se alegrasse de não haver dito nada mais. Começou a levantar-se da cama. — Onde está papai? — perguntou. Entretanto, sentiu-se enjoada outra vez e teve que voltar a sentar-se. — Só estou um pouco cansada — disse a sua mãe, para responder a sua silenciosa pergunta. — estive muito ocupada com os preparativos da festa que vamos celebrar depois da tosquia. Ela tinha desejado que aquela festa fosse perfeita e, entretanto... — Não acredito que seja isso — disse sua mãe. — Eu diria que está grávida. Eu me enjoava frequentemente quando estava grávida de ti, e tem um brilho no rosto, filha, que só produz um bebê. Roslynn se ruborizou, mas não tentou negá-lo. — É muito cedo para sabê-lo com segurança e ainda não o disse a Madoc. Queria esperar estar segura. — Acredito que deveria dizer-lhe já — lhe aconselhou sua mãe. — Parecia que estava muito preocupado por ti e, se não o faz, possivelmente pense que está doente.
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Sua mãe tinha razão, é obvio. E podia acalmar a ira de Madoc com ela, pensou Roslynn, com aquela sensação horrível e familiar de ter que aplacar um homem furioso. — Fá-lo-ei, mas também lhe pedirei que guarde o segredo até que eu esteja segura. — Eu também o guardarei, filha — disse sua mãe. — Embora eu gostaria de dizer a seu pai. Ele também estará muito preocupado por ti. — Está bem, mas a ninguém mais, por favor. — De acordo — respondeu lady Eloise. — E agora, se se sentir melhor, deveríamos baixar para acalmar a intranquilidade de nossos maridos. Roslynn assentiu, perguntando-se se alguma vez conheceria uma vida sem ansiedade. Tinha acreditado que, como por um milagre, tinha encontrado a paz e a segurança. Até aquele dia. Enquanto isso, no salão, o senhor de Llanpowell, preso pela culpabilidade, movia-se a pernadas como um urso amestrado preso em uma corrente. Lorde James de Briston estava sentado no estrado, na cadeira de Madoc. Tinha as costas mais rígidas que lorde Alfred. Tio Lloyd, os soldados, os pastores e outros trabalhadores que tinham ido ajudar, e os serventes, estavam falando em voz baixa em grupos pequenos, enquanto esperavam para saber o que ocorreu à senhora de Llanpowell, embora nenhum com tanta ansiedade como seu pai e seu marido. Madoc olhou com nervosismo para as escadas, amaldiçoando a si mesmo por haver-se zangado tanto pelo dinheiro da festa. Estava muito imerso no remorso e no medo para prestar atenção a outra coisa ou outra pessoa. O que importava quanto tivesse gasto Roslynn, ou a quanta gente houvesse convidado? O importante era ela, e ele se comportou como um mísero.
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— Você é Madoc ap Gruffydd, deduzo? — perguntou de improviso lorde James e sua voz soou como um grito no meio do salão. — Lorde Madoc ap Gruffydd — respondeu Madoc, sem olhar a seu sogro. O normando se levantou e se colocou frente a ele. — Então, lorde Madoc ap Gruffydd, saiba que se tiver feito mal a minha filha, matarei-lhe. Madoc não se sentiu intimidado. Franziu os lábios com desprezo. — Agora vai protegê-la, quando não o necessita? Deveria haver se esforçado mais em impedir que se casasse com Wimarc de Werre. Lorde James avermelhou e tossiu antes de responder. — Tínhamos dúvidas sobre esse homem, mas não tínhamos nenhuma prova de que tivesse cometido uma maldade. Pensa que teria permitido esse matrimônio se tivesse conhecido a verdadeira natureza de Werre? — Como pai de Roslynn, era seu dever averiguar qual era sua verdadeira natureza, como você chama — replicou Madoc. Parecia que lorde James estava a ponto de contradizê-lo, mas sacudiu a cabeça. — Não, não há desculpa. Falhamos com nossa filha, mas não voltará a acontecer. Se lhe fizer mal, galês, responderá ante mim. — É um pouco tarde para ameaças, não lhe parece? Deveria ter ameaçado Wimarc e John antes de mim. E se estiver tão preocupado por ela como diz, por que não foi ajudá-la na corte? Ali correu tanto perigo como quando estava casada com Wimarc, mais ainda, porque ao ser a viúva de um traidor, converteu-se no peão do rei, que podia fazer o que quisesse com ela ou condená-la a morte, a menos que sua família o impedisse. — Eu estava muito doente para viajar, igual sua mãe — respondeu lorde James. — Assim que pudemos, fomos à corte, mas já era muito tarde. O rei já a tinha
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enviado para casar-se com um galês de quem não sabíamos nada. — E aqui está, casada com um homem que a protegerá melhor que você. — Pai! Madoc girou e viu Roslynn e sua mãe caminhando apressadamente para eles. Estava um pouco pálida, mas, além disso, estava bem. Madoc suspirou de alívio. Entretanto, Roslynn não estava olhando a ele, a não ser ao homem que estava ao seu lado. — Meu pequeno pardal! — gritou lorde James enquanto a abraçava. — Oh, pai! Madoc olhou à mãe e viu que tinha as bochechas úmidas de lágrimas e os olhos cheios de alegria. Possivelmente sim, eles tivessem estado muito doentes para ir ajudar sua filha. Entretanto, independente da razão para não ter auxiliado Roslynn, Madoc estava seguro de que, se sua filha estivesse na mesma situação em que tinha estado Roslynn, faria todo o possível por protegê-la, embora tivesse tido que sair da tumba para consegui-lo. Roslynn retrocedeu, e por fim falou com seu marido. — Não deve culpar meus pais por meu matrimônio com Wimarc ou pelo que ocorreu depois, Madoc. Não tiveram escolha, e Wimarc impediu que me chegassem suas cartas ou eu teria sabido que queriam me ajudar. Era evidente que ela o ouviu condenando seu pai, outro terrível engano que podia desgostá-la ainda mais com ele. Ele se apressou a desfazer o dano. — Perdoe minhas palavras apressadas, milord. Espero que entenda que falei assim porque me preocupo com sua filha. Imagino que Wimarc era capaz de cometer qualquer maldade. E possivelmente, se ela tivesse recebido aquelas cartas, não teria feito o que o
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rei a tinha ordenado e não teria ido a Llanpowell, pensou Madoc de repente. Antes que pudesse dizer algo mais para demonstrar seu arrependimento, tio Lloyd chegou apressadamente pelas escadas. — Bem, bem, já estamos todos aqui — disse, esfregando as mãos alegremente. — Lowri, Bron! Ponham uma mesa aqui e tirem comida e bebida. Todos devem estar mortos de fome e sede e não permitirei que se diga que os moradores de Llanpowell não são hospitaleiros. Decidido a impressionar lorde James e sua esposa, como Roslynn tinha querido impressionar seus vizinhos nobres com a festa, pensou Madoc com outra pontada de culpabilidade, desdobrou suas maneiras mais encantadoras. — Me permitam que vos presente meu tio, Lloyd ap Iolo. Nunca terão conhecido a um homem melhor, embora tentasse me roubar a noiva desde o dia em que chegou. — Não fiz tal coisa! — gritou Lloyd, ruborizando-se até a raiz do cabelo. — Foi um mal-entendido, milord e milady, isso é tudo. Esqueci de fazer as apresentações adequadas porque estava aniquilado com sua beleza e sua graça natural. — Como estamos todos em Llanpowell — acrescentou com aprumo Madoc, confiando em que Roslynn entendesse por suas palavras e sua atitude que lamentava sua briga. No caso de não ser assim, ele se asseguraria disso mais tarde, quando estivessem a sós.
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Capítulo 15
Roslynn, cheia de ansiedade, não sabia o que pensar do comportamento de seu marido durante o jantar. Foi cordial e amável, e parecia que estava se esforçando muito por impressionar seus pais. Antes de seu arrebatamento de ira pelo custo da festa ela se sentiria muito agradada e feliz por sua atitude e, também, orgulhosa. Entretanto, naquele momento sentia mais medo que prazer. Temia que ele estivesse representando um papel, como tinha feito tão frequentemente Wimarc e que ela não tivesse visto o Madoc real até aquele dia. Possivelmente durante todo o tempo que tinham passado juntos, ele estava atuando, tinha levado uma máscara, e o Madoc de verdade estava oculto debaixo dela. Possivelmente se deixou enganar de novo, deixou-se guiar por seus desejos carnais, e pelo desejo de ter um lar e filhos. E se tinha acontecido outra vez? Então, não ficaria em Llanpowell. Naquela ocasião, sobretudo sabendo que ainda tinha o amor de seus pais, poderia partir. Com o coração encolhido, tentando não deixar-se abrandar pelo encanto de Madoc nem por seu magnífico rosto, sorriu quando julgou necessário e falou quando ele se dirigiu a ela. Ela também podia representar um papel, e o fez. Encarnou uma esposa obediente e amante. Até que já não pôde suportar mais a tensão e disse que desejava retirar-se. — É obvio — respondeu Madoc. Levantou-se e lhe estendeu a mão para ajudála a ficar em pé. — Eu também estou esgotado, assim, se seus pais me desculparem,
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irei contigo. Sua mãe não pôs objeção, nem tampouco seu pai. Entretanto, que desculpa poderiam usar para reter seu anfitrião? À Roslynn pareceu eterno o caminho do salão ao aposento aquela noite. Os pés pesavam como chumbo. O que ia dizer ele quando estivessem a sós? O que faria? Cairia a máscara de seu rosto e voltaria a mostrar-se colérico, voltaria a desencadear sua fúria contra ela? Roslynn mal podia respirar quando Madoc abriu a porta. Separou-se dele e entrou correndo, tentando conter as lágrimas. Entretanto, voltou-se para enfrentá-lo, decidida a ser valente e a não deixar-se humilhar nunca mais por um homem. E encontrou Madoc de joelhos, como o penitente mais humilde. — Roslynn, me perdoe — disse. — Não deveria me haver zangado pelo dinheiro da festa, sobretudo porque te disse que podia comprar o que quisesse. Fui um estúpido por me zangar tanto, mas, por favor, quero que saiba que, embora esteja furioso, nunca te farei mal. Preferiria me cortar um braço que te golpear. Ela ficou olhando-o com a boca aberta, com incredulidade, enquanto ele se incorporava. — Peço-te desculpas por te assustar — continuou. — Não queria te desgostar, e sinto muitíssimo ter feito que me tenha medo. Ela não sabia o que dizer, não sabia o que sentir, se alívio, ou alegria ou desconfiança no caso se aquilo fosse um truque. — Digo a sério, Roslynn, com todo meu coração — disse ele brandamente, com um olhar tão sincero nos olhos, que não podia ser fingido. — Fui um idiota e o lamento profundamente. Pode me perdoar e esquecer que fui tão estúpido? — Assustou-me de verdade — admitiu ela. — Tinha medo de que não fosse o homem que eu acreditava.
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— E agora? — perguntou ele com cautela, dando um só passo para ela. Como desejava acreditar que ele estava arrependido de verdade! Quanto desejava perdoá-lo e esquecer a ira de Madoc e seu próprio medo! — Eu também me equivoquei Madoc — lhe disse. — Deveria me assegurar de que Ivor me mantivesse informada da quantidade total que podíamos gastar e te perguntar se havia um limite. Prometo que farei assim no futuro, e serei menos esbanjadora. — Não me importa que me deixe na pobreza, sempre e quando me perdoar e acredite que nunca te farei mal — respondeu ele com ardor, olhando-a intensamente, como se quisesse conseguir que o perdoasse com o poder da mente. — Farei Madoc, farei — respondeu ela. Sabia que devia tentar a todo custo ou viveria sempre com medo. Ele se desculpou de modo sincero e humilde? Acaso não via ela um genuíno arrependimento em seu olhar, tão diferente da expressão falsa de Wimarc? Ele se inclinou para ela para beijá-la e, então, fez uma pausa. Franziu o cenho, como se tivesse uma preocupação mais grave. — Foi meu aborrecimento egoísta o que te causou o desmaio? — Não — lhe assegurou ela. — Acredito que estou grávida, embora ainda seja muito cedo. Ele abriu os olhos desorbitadamente e a olhou com assombro e felicidade. — Um filho!E tão logo! Acaso ele pensava que... ? — O menino é teu, Madoc, juro-o por minha honra — disse com firmeza e se separou dele bruscamente. — Isso não o duvido — respondeu Madoc rapidamente, segurando-a com suavidade para estreitá-la entre seus braços. — Que Deus me ajude, parece que hoje
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estou danificando tudo. Seriamente, Roslynn, sou muito feliz. É só que os partos são muito perigosos. — Sou jovem e estou bastante bem, salvo pelos enjoos — assegurou ela e o assegurou a si mesma. — Nosso filho e eu estaremos bem, embora devemos rezar pela saúde e por um parto bom. — Sim — disse ele, e a abraçou com força. — Sim. Roslynn se aferrou a Madoc com ardor, desejando não sentir aquele véu de medo que envolvia o coração e estrangulava lentamente a felicidade que tinha com Madoc. Temia não poder experimentar nunca mais a alegria pura. Devia tentar. Devia conseguir ou estaria para sempre presa ao medo e a tristeza. — Por favor, não diga nada a seu tio nem a ninguém mais — pediu brandamente. — Ainda é cedo e não posso estar completamente segura. — Guardarei o segredo... o melhor que possa — acrescentou, olhando-a com um sorriso. — Não sou conhecido por minha habilidade para guardar segredos, mas tentarei porque você o deseja. Quero te fazer feliz, fy rhosyn. Como não ia confiar nele quando a olhava daquela maneira? Como não ia acreditar que seu arrependimento e suas palavras eram verdadeiros? — Eu também quero te fazer feliz — sussurrou, e ficou nas pontas dos pés para beijá-lo. Era de noite, e Madoc estava em um aposento como o que compartilhava com Roslynn... salvo que era diferente. A cama não estava, as paredes eram sombrias, não havia janela, nem porta, e a única luz provinha de uma só vela... que brilhava em algum lugar. Ouviu um soluço a seus pés e olhou para baixo. Ali, em uma cama de palha, jazia Gwendolyn, com o rosto mortalmente pálido
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banhado em lágrimas. Tinha o cabelo solto, empapado em suor, e havia sangue. Muito sangue. — Prometa-me isso Madoc — sussurrava fracamente, enquanto um bebê chorava a seu lado. — Prometa-me isso. — Prometo — murmurou ele. Ajoelhou-se a seu lado e segurou sua mão, notando como a vida lhe escapava com o sangue que perdia a fervuras. Apareceu um homem entre as sombras, frente a ele. Era Trefor. Estava vestido para a batalha, com uma cota de malha e uma armadura negra e um gesto de desprezo no rosto. — Rompeu sua promessa, Madoc, embora ela dedicasse seu último fôlego a lhe pedir isso. Trefor não estava em Llanpowell no dia em que nasceu Owain e morreu Gwendolyn. Seu irmão levantou a espada e assinalou Madoc. — Rompeu a promessa que fez a uma mulher moribunda. Não merece viver. Madoc soltou a mão sem vida de Gwendolyn e começou a incorporar-se. Então, tio Lloyd apareceu junto a Trefor e, também, Roslynn como por arte de magia, materializou-se junto a ele, com um cordeiro ensanguentado nos braços e um olhar de desgosto nos olhos. — Quebrou sua promessa — disseram em uníssono. — Não o entendem — respondeu ele com desespero. — Eu... — Quebrou sua promessa — repetiu Roslynn, entoando a frase como se fosse um cântico. — Disse que a queria, e quebrou sua promessa... Com um ofego, Madoc se sentou na cama. Olhou a seu redor com a respiração entrecortada. Aquele era seu quarto, o mesmo aposento onde tinha morrido
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Gwendolyn e ele tinha feito aquela promessa. Entretanto, ele estava em sua cama e, graças a Deus! Roslynn dormia placidamente a seu lado. Inclinou-se para diante e apoiou a cabeça entre as mãos enquanto tentava acalmar-se. Um sonho. Foi um pesadelo nascido da consternação e da culpabilidade, mas de todos os modos, um sonho. Respirou profundamente e se levantou da cama com cuidado para não despertar Roslynn. Teve que apoiar-se no poste para inspirar e exalar umas quantas vezes mais, enquanto recordava aquele pesadelo. Nela, Roslynn o olhava com repugnância enquanto segurava um cordeirinho ensanguentado nos braços. Ela era uma mulher honrável e certamente o olharia com aquela expressão se alguma vez averiguasse a verdade sobre a promessa que Madoc fez e não havia cumprido. — Madoc? Ele se voltou para a cama. — Não queria te despertar. Ainda é muito cedo. Durma. Em vez de fazer o que ele tinha sugerido, Roslynn se apoiou em um cotovelo e olhou para a janela. — Pode me dizer se vai fazer um bom dia? Ao não ver no céu nuvens que ocultassem as estrelas, ele sorriu. — Acredito que não vai chover. Fará um dia precioso para uma festa. — Bem — disse ela, e voltou a deitar-se sobre a cama de plumas. — vai voltar para a cama? — Não — respondeu Madoc. Sabia que já não poderia voltar a dormir. — Acredito que vou dar um passeio pelo adarve para me assegurar de que os sentinelas estão acordados. — Espero que não vá assim — replicou Roslynn, com um sorriso, ao passar o olhar sobre o corpo nu de seu marido. — Te resfriará.
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— E, além disso, os moços poderiam ter um ataque — acrescentou ele com uma gargalhada, enquanto se aproximava da arca para tirar sua roupa. Então, vacilou. Como a tosquia tinha terminado no dia anterior, podia vestir-se já para a festa. Os convidados começariam a chegar bem cedo pela manhã. — Vais pôr isso? Madoc olhou a túnica de couro que tinha selecionado. Era sua melhor túnica, não a que levava a maioria dos dias. — O que tem de mau? — A túnica negra que levou o dia de nossas bodas seria melhor. — Não fica bem. — É de uma lã muito fina. — Mas é muito incômoda. — Com ela parece mais o nobre que é — disse ela, tentando convencê-lo. — Sem dúvida, também cheiraria mais como um nobre se me empapasse em perfume, como os cortesãos do rei — murmurou Madoc, zangado por sua insinuação de que não parecia nobre com sua roupa de trabalho. Depois, amaldiçoou-se por ser tão tolo. O que importava o que vestisse? Aquele era um dia para que ela se sentisse orgulhosa, não para causar mais dificuldades entre eles. — Tem razão. Trocar-me-ei mais tarde. — Obrigado, Madoc. Seu tom foi de um alívio tal, que ele não resmungou mais e se aproximou para lhe dar um beijo na bochecha. — E agora, descansa. Estou seguro de que tudo está perfeitamente preparado e de que a festa será a melhor que se celebrou em Llanpowell. — Isso espero Madoc — disse ela, sorrindo-lhe, com o cabelo revolto e
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estendido sobre o travesseiro, e com os olhos muito azuis e brilhantes. Estava nua sob os lençóis. De repente, comprovar se os sentinelas estavam acordados já não lhe pareceu tão importante... O sol estava bem alto quando Madoc entrou nos barracões. Tinha esquecido seu pesadelo com aquele agradável amanhecer junto a Roslynn. Alguns de seus homens já estavam sentados nas camas de armar da grande sala e outros estavam deitados. Havia uma lareira redonda no centro da estadia, embora naquela época do ano não se acendesse e, junto às camas, havia cabides para as armas e a roupa dos soldados. Todos os homens se sentaram de repente ou ficaram em pé quando entrou seu senhor, usando aquela maldita túnica negra, para lhes falar. — Sentem-se - disse, erguido e com as mãos às costas. — Ou fiquem de pé, como preferirem. Só vim recordar-lhes que se comportem impecavelmente hoje. Minha esposa dedicou muito trabalho para esta festa e eu gastei muito dinheiro, assim será melhor que atuem como galeses decentes, temerosos de Deus. Nada de bebedeiras nem de canções obscenas sobre sereias e coisas pelo estilo, entendido? — Mas você gosta da canção da sereia — protestou Ioan, em tom sério, mas com os olhos azuis cheios de diversão. — O que vão pensar os normandos se meus homens se comportarem como caipiras em um botequim? — replicou Madoc — Olhem, falo a sério. Quero que tudo saia bem hoje, por minha esposa, porque está... — conteve-se bem a tempo. — Bom, para ela é muito importante, isso é tudo. Ioan abriu muito os olhos e seu sorriso se fez muito amplo. — Ganhei a aposta! — gritou, e olhou seus companheiros com triunfo. — Me paguem e a próxima vez que disser que uma mulher está grávida porque esteja
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cansada ou um pouco pálida, possivelmente me acreditem. E agora há outra boa razão para celebrá-lo, não, Madoc? Hugh o Pico, que estava junto à porta, gritou: — Vai haver outro filho para Llanpowell! — Sim, sim! — gritaram os homens, levantando os punhos e sorrindo. Madoc se encolheu por dentro e se amaldiçoou por ter sido tão idiota. Entretanto, apesar de seu deslize, ia tentar guardar o segredo de Roslynn tanto como fora possível, tal e como lhe tinha pedido. — Acaso hei dito que estivesse grávida? — perguntou. — Não, não o disse, assim será melhor que não sigam fazendo essas apostas. É algo insolente e, se hoje não houvesse uma festa, pensaria seriamente em lhes mandar correndo ao topo da montanha, e voltar. A maioria dos homens se ruborizaram e ficaram quietos, salvo Ioan. — Não há nada mau em desejá-lo, não, chefe? Madoc odiava sentir que estava mentindo para aqueles homens, que dariam sua vida por proteger a ele e à sua família. — Não digo que não o esteja, mas não quero mais especulações nem apostas, moços. Assim que lady Roslynn me confirme isso, dir-lhes-ei. Não quero incomodá-la agora, nem que pense que não posso guardar um segredo. — Enquanto que as mulheres sim podem né? — perguntou com ceticismo Hugh, o Pico. — Bom isso é o que ela quer até que esteja segura — disse Madoc. — Então, só te felicitarei por algum possível nascimento no futuro — disse Ioan, como se fosse um adivinho que olhava em uma bola de cristal. — Ioan — advertiu Madoc — um dia destes vai falar muito. E agora, para todos vós, não quero que nenhum deixe escapar isto, de acordo?
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Como tinha escapado a ele. — Tomaremos cuidado, verdade meninos? — disse Ioan. Naquele momento, ouviu-se um grito da porta interior das muralhas. — Parece que estão começando a chegar os convidados — comentou Ioan. — Sim, isso parece — disse Madoc, e se voltou para partir, depois de dar outro puxão a túnica. — Recordem o que hei dito: seu melhor comportamento. Façamos que a senhora se sinta orgulhosa. De repente, Hugh voltou a olhar Madoc com uma expressão de assombro e horror. — O que? — perguntou Madoc, e se aproximou apressadamente até o Pico, para poder ver o que era o que lhe tinha impressionado tanto. Trefor ap Gruffydd estava no centro do pátio de Llanpowell, tão ousado e arrogante como se o castelo fosse dele.
Capítulo 16
Que demônios estava fazendo ali? A desfaçatez de seu irmão... porque não era possível que Roslynn tivesse convidado Trefor à festa. Ou sim? Teria pensado que aquela era uma maneira de conseguir que fizessem
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as pazes? Se fosse assim, pensou Madoc enquanto caminhava para seu irmão, esquivando as mesas e os bancos que se dispuseram para a festa, só de ver a expressão arrogante e depreciativa de seu irmão, ela se daria conta de que era impossível. Tinha passado quase seis anos da última vez que Madoc tinha visto tão perto seu irmão, mas Trefor não tinha mudado muito. Embora estivesse um pouco mais descuidado e tinha o rosto mais magro, ainda era o mesmo homem bonito que podia fazer suspirar de desejo todas as mulheres desde Gales às Hébridas, com seus olhos azuis brilhantes. Entretanto, sua beleza não podia lhe ajudar a entrar pelas portas de Llanpowell, assim, como conseguiu? Madoc se prometeu em silêncio que averiguaria quem estava de serviço e o castigaria por isso... Trefor levava uma bandeira branca de trégua enganchada no cinturão. Isso explicaria por que o permitiram entrar, porque seus homens sim respeitariam aquilo. Trefor não tinha ido sozinho a Llanpowell. Acompanhavam-no Rhodri e outros homens, ladrões e assassinos, por seu aspecto. Estavam a um lado do pátio, junto aos estábulos, com alguns cavalos sarnentos. Os homens de Llanpowell, incluídos os guardas da muralha, estavam-nos vigiando, preparados para atacar se Madoc dava a ordem. — Saúdo-te, Madoc — disse Trefor, assentindo de um modo insolente quando seu irmão se aproximou. — Vejo que esperas bastante companhia. — Sim, mas você não está convidado. Ao menos, isso esperava Madoc. — Desde quando necessita um irmão um convite para ir à casa de seu pai e seu avô? — respondeu Trefor e, por sua resposta, Madoc soube que não tinha sido
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convidado, porque do contrário, Trefor o haveria dito. Trefor se aproximou dele até que estiveram um frente ao outro, a muito pouca distância. — É que um homem não pode visitar seu lar, o lar que deveria ser dele, em uma festa em que todos os vizinhos são bem-vindos? — O lar que você perdeu com sua conduta desonrosa — replicou Madoc. — O patrimônio que você me roubou, junto a Gwendolyn. — Perdeu-a quando veio bêbado e tarde a seu casamento, e recém saído de um bordel. Trefor trocou o peso de um pé a outro, como se estivesse preparado para lutar. — Eu nunca disse que tinha estado ali. — Sem dúvida, estava muito bêbado para recordar o que disse, mas aquele dia estava muito seguro — replicou Madoc. — Não acredito que recorde o horror dos olhos de nossa mãe e a vergonha de nosso pai. — Sei que teve uma desculpa para poder te fazer, por fim, com todo o meu — respondeu seu irmão, levando a mão ao punho da espada. — Esperou toda sua vida para ter essa oportunidade, mochyn egoísta e manipulador! — O que é você, salvo um ladrão e um descarado, que vem às minhas terras e rouba minhas ovelhas e matas meu carneiro? — contra-atacou Madoc. — Ou é que também vais negar isso? — Sim, matei esse carneiro. Um precioso animal, tão precioso como a mulher que te enviou John, conforme me disse Rhodri. Se tivesse sabido que John dá essas recompensas a seus lacaios, Madoc, possivelmente também me teria vendido a ele. Rhodri diz que é a mulher normanda mais bela que um homem pode levar a cama para go... Madoc explodiu ao ouvir aquilo. Com um rugido de fúria, investiu sobre seu
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irmão. Caíram com força sobre a pavimentação, e Madoc golpeou Trefor por toda parte, onde pôde, até que Ioan e Hugh os separaram. Vários de seus homens os rodearam, com as espadas em alto e outros rodearam aos homens de Trefor. — Leva a bandeira de trégua, Madoc — recordou Hugh, lhe havendo entre dentes. — Desonrará a ti mesmo se o matas aqui. — Sim, tem razão — murmurou Madoc, embora ainda estivesse cego de fúria. Havia uma mesa e um banco derrubados, mas Madoc não recordava como tinha acontecido. Rhodri ajudou Trefor a levantar-se. Ele estava sangrando pelo nariz. — Sim, não te importaria desonrar uma bandeira de trégua, verdade? — disse Madoc a seu irmão, enquanto lhe inchava o lábio cortado e começava a formar-se um hematoma no queixo. — Fecha sua pestilenta boca e marcha — ordenou Madoc. — Leve seus delinquentes e não volte nunca, ou, que Deus me perdoe, matar-te-ei. Trefor sorriu com petulância enquanto limpava o sangue do rosto com o dorso da mão. — Esse gênio, irmãozinho, esse gênio, alguma vez pôde dominá-lo, verdade? — Sai de meu castelo antes que te meta em um calabouço e peça justiça ao rei. Trefor o olhou com desprezo, abrindo os braços. — Acaso me levaria ante uma corte normanda? E o que diria tio Lloyd? E onde está de todos os modos? Madoc não tinha ideia de onde estava tio Lloyd e não se importava. — Quem é Madoc? — perguntou Roslynn, que descia pelos degraus da torre de comemoração. Levava aquele precioso vestido vermelho das bodas. Tinha o cabelo descoberto, solto, caindo pelas costas até a cintura. Madoc sentiu orgulho e triunfo ao vê-la e embainhou a espada.
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— Veem irmão, deixa que lhe apresente minha esposa. Roslynn, ele é meu irmão mais velho, Trefor ap Gruffydd, senhor de Pontyrmwr. — Bem-vindo — disse ela, com a voz doce como o mel, e com uma atitude encantadora. — Não me disse que seu irmão era tão parecido contigo, Madoc, salvo que seus olhos são azuis. — Encantado em conhecê-la por fim, milady — disse Trefor, e teve a ousadia de lhe dedicar o mesmo sorriso que tinha granjeado a admiração de tantas mulheres. — Como não fui convidado às bodas, pensei que viria a esta celebração, embora seja tarde. — Não houve convidados para a cerimônia do matrimônio — respondeu Roslynn. — A escolta do rei tinha pressa por voltar para a corte — disse, e sorriu a Madoc. — Além disso, meu senhor e eu também tínhamos pressa. Trefor sorriu de novo com suficiência e olhou Roslynn dos pés a cabeça. — Não, não podiam fazer esperar ao lacaio do John, nem atrasar o cumprimento de suas ordens. Isso teria podido incomodar ao idiota avaro do rei, e isso não pode ser verdade? — Meu irmão já parte— disse Madoc. — A menos que a dama prefira que fique? — perguntou Trefor, com a mesma insolência revoltante. — Peço-lhe desculpas, mas acredito que não — respondeu ela. — É inoportuno que tenha escolhido este dia para visitar seu irmão, porque embora esteja segura de que há muitas coisas que devem conversar, nós esperamos outros convidados, e seu irmão não poderá dar toda a atenção que merece. Em outra ocasião, possivelmente? Em outra ocasião? perguntou-se Madoc. — Nunca — ladrou. — Meu irmão nunca será bem recebido aqui. — Foi um prazer, embora curto milady — disse Trefor com uma reverência.
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— Parte! — ordenou-lhe Madoc. — Antes que ordene aos arqueiros que o usem como alvo. — Se é que o entendem gago — disse Trefor, antes de dirigir-se para um de seus patéticos cavalos, que estava esperando junto ao estábulo. Montou e, seguido por seus homens, saiu do castelo. Depois que se foram, os guardas se voltaram para vigiar além das muralhas, os soldados voltaram para seus trabalhos e os serventes, cautelosos e apagados, começaram a preparar-se para a festa. Madoc tinha o ombro dolorido e estava sangrando por uma ferida que tinha perto da orelha. Voltou-se para Roslynn e lhe perguntou: — Você não o convidou à festa, verdade? — É obvio que não — disse ela. — Mas... — Não há, mas com o Trefor! Não pode entrar neste castelo, nem agora nem nunca. Não quero ouvir mencionar seu nome! Ela empalideceu um pouco e assentiu. — Como deseja Madoc. Deixa que te olhe esse corte. — Não é nada — grunhiu ele, e tirou o sangue com a mão. — Rasgou a túnica. Quererá te lavar e te trocar antes de ir procurar Owain. — Não vou buscá-lo. Roslynn franziu ligeiramente o cenho. — Mas se há tempo para... — Troquei de opinião. Será muita excitação para ele e esta não é a melhor situação para que o conheça — disse ele com aspereza. Depois deu a volta e partiu. A festa da tosquia de Llanpowell foi tudo o que devia ser uma festa. A comida
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era excelente, abundante e, para os nobres, exótica. Muitos deles nunca tinham provado as enguias guisadas em cerveja, nem o cordeiro preparado de tal modo, nem a sopa de porros com aquela mescla especial de especiarias e verduras. Havia carne de vitela assada, javali e perdizes, tudo habilmente cozinhado, além de saborosos guisados e vários tipos de pão, alguns amassados formando complicados desenhos. Além dos pudins, a fruta assada e os bolos da sobremesa, havia tanto vinho e tanta cerveja que foi um milagre que todo mundo não estivesse bêbado antes que os serventes retirassem as mesas. O entretenimento também foi muito variado, emocionante e divertido. Havia trovadores, bardos e bailarinos, e Roslynn também tinha contratado a um mago que assombrou a todos tirando pássaros vivos da barba. Roslynn deveria haver-se sentido feliz, orgulhosa e satisfeita, e agradada pelo resultado. Em vez disso, permaneceu tristemente sentada junto a Madoc, que ainda fervia de raiva e que mal pronunciou uma palavra. Embora ela soubesse que o motivo era o encontro com seu irmão, não podia controlar o medo que sentia no caso dele encontrar algum defeito na festa, ou em alguém, e voltava a ter um arrebatamento de fúria. Além disso, também se sentia decepcionada em outros sentidos. Ela estava impaciente por conhecer seu filho e tinha a esperança de poder travar amizade com ele antes que seu filho nascesse, até que Madoc tinha mudado bruscamente de opinião. E, a julgar pelo modo em que a olhavam vários dos homens da guarnição, sorrindo como se todos fossem partícipes de um segredo, começou a pensar que Madoc contou de seu estado, embora tenha prometido que não diria a ninguém. Assim, embora suas esperanças e sua cuidadosa organização, e a todo o tempo,
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a preocupação e o trabalho, a festa se danificou para ela inclusive antes de começar. Depois que terminou a comida, seu marido se levantou da mesa e foi junto ao Ivor e a outros nobres galeses que estavam sentados em outra parte do salão. Roslynn passou um momento falando com seus pais e com tio Lloyd, que ocupou o lugar que Madoc deixou vago. Seu marido continuou no outro extremo do grande salão e não olhou nenhuma só vez em sua direção. Ao cabo de uma hora, Roslynn colocou a mão na testa. — Se me desculparem, dói-me a cabeça. Sem dúvida, muitas emoções e boa comida. Sua mãe estava junto a ela em um instante. — Estou bem — lhe disse Roslynn. — foi um dia muito longo, isso é tudo. Estou segura de que me encontrarei perfeitamente pela manhã. Por favor, mãe, fique e desfruta do resto do entretenimento. Graças a Deus, ou possivelmente ao ver que não ia servir de nada, sua mãe não protestou nem insistiu em acompanhá-la. Enquanto Roslynn atravessava o salão, deteve-se várias vezes para despedir-se dos convidados mais importantes dos imóveis vizinhos. Não olhou a Madoc para comprovar se ele sabia que estava se retirando. Em realidade, sentir-se-ia aliviada se não soubesse. Não queria estar a sós com seu marido até que ele se acalmasse. Uma vez em seu aposento, ela fechou a porta e se apoiou nela durante um instante, antes de exalar um suspiro de cansaço e aproximar-se de sua penteadeira. Sentou-se pesadamente no tamborete e tirou a touca de seda. — Está doente? Roslynn se sobressaltou ao ouvir a voz de Madoc. Voltou-se e o viu na soleira, olhando-a com preocupação. — Só cansada — respondeu ela, desejando que partisse, embora não parecia
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que seguisse zangado. Roslynn estava verdadeiramente cansada e queria dormir. E não queria falar com ele naquele momento. — Está segura? — insistiu ele. — Sei como me encontro, Madoc — respondeu ela com impaciência. — Por favor, volta para salão para estar com seus amigos. Estou segura de que quererão te felicitar pelo próximo nascimento de seu filho. Ao dar-se conta do que havia dito e de quão desagradável devia ter divulgado, lhe cortou o fôlego. Não deveria repreendê-lo quando ele tinha estado tão furioso antes, no caso de perder os estribos estando a sós com ela. — Só sabem uns quantos — respondeu Madoc em voz baixa, embora tivesse um olhar de culpabilidade enquanto entrava na habitação e fechava a porta. — Não é que eu o dissesse. Ioan o adivinhou. Ordenei aos que sabem que não digam nada a ninguém. Ela se levantou e se aproximou da janela. — Nada é alguma vez culpa tua, verdade, Madoc? — perguntou-lhe, enquanto se voltava para olhá-lo. — Tem desculpa para tudo. Madoc entreabriu os olhos. — Tenho uma explicação. Ou é que pensa que Trefor diz a verdade e que eu só tenho uma desculpa para ser o senhor de Llanpowell? — Não sei o que pensar. Diz que tem justificativa, mas quando te rouba, você se comporta como se se sentisse culpado. — Não o entende. — Não, tem razão, não o entendo. Não entendo o que ocorreu entre seu irmão e você. Não entendo por que jogam assim um com o outro, roubando ovelhas e depois devolvendo. Não entendo por que enviou longe seu filho, embora queria a sua mãe, que morreu ao lhe dar a vida.
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Ao Madoc ferviam os olhos, mas não de desejo, mas sim de raiva. — Se pensa que faço essas coisas porque desfruto com elas ou porque tenho escolha, então não entende nada. E não me conhece. Com o coração acelerado e outra vez presa do pânico, Roslynn se separou dele. Assim como não conhecia Wimarc até que se casassem e se viu atada a ele por toda vida, tampouco tinha conhecido Madoc ap Gruffydd absolutamente. — Por todos os Santos, Roslynn, por que me olha assim? — perguntou ele. — Quantas vezes tenho que te dizer que não vou fazer te bater? — E como vou estar segura? — perguntou em um sussurro. — Se, como você diz, não te conheço, como vou estar segura de que não me pegará quando estiver furioso? De repente, seu gênio alterado foi como uma vela que se apagava de um sopro. Com um olhar cheio de remorso, disse: — Porque... porque te amo, fy rhosyn. Ela fechou os olhos. E pensar que desejou ouvir dizer aquelas palavras... Entretanto, uma vez que Roslynn viu como tinha atacado seu irmão, a raiva e a violência explosiva da que era capaz, e experimentou seu caráter mal-humorado e inquietante nos momentos posteriores, sabia que nunca poderia sentir-se segura ali. — Wimarc também dizia que me amava — respondeu em voz baixa. — E me golpeava até que eu estava negra e azul. — Mas ele não dizia de verdade — protestou Madoc. — Eu fiquei furioso hoje, mais que nunca, e não te golpeei. Nunca o farei. Era certo que nunca lhe pôs um dedo em cima. Tampouco a tinha insultado. Entretanto, o dano já estava feito. Depois do que aconteceu aquele dia, ela nunca poderia estar segura de que não a atacasse, ou com os punhos ou com as palavras. Seria como caminhar por um caminho arriscado, com perigos ocultos a cada
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passo, cada dia. Já viveu assim com Wimarc, e jurou que não voltaria a fazê-lo. — Me deixe Madoc — lhe disse. — Não posso suportar estar ao seu lado. Ele a olhou como se ela o tivesse golpeado. — Roslynn... — Vai fazer o que te peço, ou não? Sem dizer uma palavra mais, Madoc se foi. Quando ficou a sós, Roslynn se sentou no chão e cobriu rosto com as mãos. Sabia o que devia fazer, o que tinha jurado que faria. Não viveria mais perguntando-se se um homem ia pagar sua ira com ela. Se ia golpeá-la alegando que ela o provocou. Não viveria sempre ansiosa, sempre temerosa. Assim devia partir como não fez antes.
Capítulo 17
— Pelo santo Dafydd e a Santa Bridget, e todos os Santos de Gales, que demônios ocorreu entre sua mulher e você? — perguntou-lhe à manhã seguinte tio Lloyd, enquanto puxava o pé de seu sobrinho, que estava dormindo em uma cama de armar de palha, coberto com uma tosca manta, no salão. — parte de Llanpowell!
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Madoc moveu o pé para que seu tio o soltasse. — Tivemos uma discussão — murmurou enquanto se incorporava. Tinha a boca seca, doía-lhe a cabeça e o estômago... Era melhor não pensar no estômago, nem na quantidade de cerveja que consumiu tentando não pensar em Roslynn, em Gwendolyn, em Trefor nem em Owain. — E vai deixar Madoc — disse Lloyd, quase gritando, fazendo que os outros homens que dormiam a seu redor se movessem e roncassem. — Vai para casa com seus pais. Disse a Bron, que veio me dizer isso chorando, porque a pobre garota tinha medo de dizer isso a você. Isso não podia ser certo. Roslynn não o deixaria. Ele a amava. O havia dito, e se ela ainda não amava a ele, Madoc sabia que, ao menos, gostava. Além disso, ela estava grávida... — Não pode ir-se... — Bom, pois ela diz que vai hoje mesmo, tolo irascível! Está fazendo a bagagem! Madoc esqueceu todas suas dores e, desejando com todas suas forças que Lloyd estivesse equivocado, levantou-se e foi correndo para o aposento. Abriu a porta e viu, com consternação, que tio Lloyd tinha razão. Roslynn estava recolhendo suas coisas. — Vai embora? — Sim, volto para Briston com meus pais — respondeu ela com calma. — Embora me desculpe? — Já pediu desculpa, Madoc. Entretanto, quantas vezes mais vai perder os estribos? Quantas vezes mais terei que temer que se zangue tanto que o faça me golpear?
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— Eu nunca... — Isso é o que você diz, e sem dúvida, acredita. Eu também gostaria de acreditar, mas te vi atacar seu irmão como se fosse matá-lo com suas próprias mãos, assim, como vou estar segura? Não posso e não quero viver com essa incerteza. — Alguma vez confiará em mim, faça o que faça? — Não. Isto não é fácil para mim, Madoc. Importa-me mais do que nunca teria pensado. Desejaria com todo meu coração que as coisas pudessem ser distintas. Que tivesse te conhecido antes de Wimarc. Mas não foi assim. Possivelmente, se você fosse um homem dócil, poderíamos viver juntos e felizes, mas então não seria Madoc ap Gruffydd. E eu não sou tão tola para pensar que pode ser de outro modo, embora o tentasse. Para bem ou para mau, é quem é Madoc, e eu sou quem sou. Ele tinha seu orgulho e não ia rogar, mas não deixaria que Roslynn partisse tão facilmente. Aproximou-se dela devagar, com cautela, como a primeira vez que a beijou. — Diz que te importo, mas vai deixar-me. — Importa-me muito, mas devo te deixar. Acariciou-lhe a bochecha com ternura. — Se te importo mesmo, como pode ir? — Não me toque Madoc — disse ela, e deu um passo para trás. — Nunca mais. Se o fizer, pode ser que me abrande. Possivelmente façamos amor outra vez e pode ser que queira ficar. Mas logo voltarei a duvidar, a ter medo, e me odiarei por me debilitar. Sempre estaria vigiando e esperando, temendo que se enfurecesse e me golpeasse. Elevou a mão para silenciar os protestos de Madoc. — Sim, sei que jurou não fazê-lo e que o diz de verdade. Entretanto, eu já vivi antes com medo e não quero que me aconteça de novo, nem sequer contigo.
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— Então, nada do que diga ou faça conseguirá que fique? Ela negou com a cabeça. — Não. Teria sido mais fácil se Roslynn o tivesse apunhalado. Não obstante, nem sequer então podia render-se. Ainda não. — Leva meu filho no ventre, Roslynn. — Poderá ir visitá-lo nas terras de meus pais. Meu pai te explicará como chegar até lá. E quantas vezes poderia fazê-lo? Uma vez ao ano? Duas? — Segundo a lei, será meu filho, Roslynn, não teu. — Tiraria meu filho? — Se pensa que sou um monstro, o que ia deter-me? — Nada — sussurrou ela. — Mas eu pensei... — O que? — Que não te importaria onde estivesse seu filho, sempre e quando estivesse vivo e bem atendido. — Por que...? — Madoc ficou em silêncio ao compreender a resposta. Owain. Ela pensava que não lhe importaria estar longe de seu filho porque tinha enviado Owain longe de Llanpowell. Porque Roslynn não sabia a verdade. Porque ele não podia suportar falar daquilo, revelar que tinha feito algo terrível, que tinha quebrado uma promessa. Nem sequer naquele momento. Que Deus o ajudasse. Que Deus lhe desse a força necessária para suportá-lo sem suplicar. — Vá, então — murmurou, e se foi para a porta. — Manda avisar quando
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nascer o bebê. — Madoc. Ele vacilou, mas não se voltou. — Tem algum nome para nosso filho? Ele teve vontade de gritar, de puxar o cabelo. — Ponha o nome que te pareça melhor, Roslynn — disse-lhe, ao abrir a porta e sair. E, em silêncio, rezou enquanto baixava lentamente as escadas. Para Roslynn, passou só um instante, um instante muito doloroso, desde que Madoc a deixou até que esteve no pátio, olhando como carregavam sua bagagem em um carro. Naquela ocasião, entretanto, não era lorde Alfred e seus homens que esperava para acompanhá-la. Eram seu pai e sua mãe, que já estava no carro grande, pesado e colorido que as levaria de volta a Briston. Já não chovia, mas o céu estava cinza, já havia grandes atoleiros no chão, de modo que tinha que manter a vista no chão. Isso o fazia mais fácil evitar olhar às pessoas. Ouvia alguns deles, ao Hywel falando em voz baixa com Lowri, Rhonwen e outros serventes da cozinha, e ao Lloyd, que estava junto à entrada da torre, murmurando a Bron. Vários dos soldados e outros criados de Llanpowell a estavam observando do adarve, dos barracos, do estábulo e de outros edifícios, todos sussurrando entre eles. Justo quando ela chegou junto ao carro, viu Ivor junto à armaria, com um sorriso de satisfação e petulância. Se Madoc estivesse ali, apesar do que ocorreu entre eles, Roslynn teria contado suas suspeitas sobre o administrador. Haver-lhe-ia dito que devia revisar cuidadosamente as contas e confirmar todos os envios recentes com os mercados.
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Mas Madoc não estava ali e ela não tinha ideia de onde estava. Entretanto, Roslynn não permitiria que Ivor o roubasse. Quando chegasse a Briston escreveria uma carta e se asseguraria de que a entregassem em mão. O devia. E se ele preferia não acreditá-la, ao menos ela o teria tentado. Seu pai, que ainda não tinha montado, abriu-lhe a porta do carro e a ajudou a subir. Roslynn não tinha explicado a seus pais nada a respeito de seu pedido de ir com eles e eles não fizeram nenhuma pergunta. Possivelmente, depois de ver o comportamento de Madoc durante a festa ou sua feroz confrontação com Trefor, tiraram suas próprias conclusões. Seu pai fechou a porta e sorriu-lhe para lhe dar ânimo. — Em poucos dias estará a salvo em casa — disse. Depois foi para seu cavalo. Em casa. A casa de seus pais, que uma vez foi dela. Olhou para as muralhas e os edifícios de Llanpowell. Em menos de um mês, aquele castelo se converteu em seu lar, porque Madoc estava ali. Separou-se da janela do veículo enquanto seu pai dava a ordem de ficar em marcha e o pesado carro, puxado por quatro cavalos, começou a mover-se. Sua mãe passou um braço por seus ombros para consolá-la sem dizer uma palavra. — Adeus, milady! — gritou-lhe Bron, que se aproximou correndo à carreta, movendo o braço freneticamente. — Que Deus a benza! — Oh, mãe — sussurrou Roslynn, enquanto apoiava a cabeça no ombro de lady Eloise. Roslynn despertou sobressaltada ao notar que o carro se detinha bruscamente. Devia haver ficado dormida, embora ainda fosse de dia. — Mãe, o que...? — Shh — lhe ordenou sua mãe, com um olhar de medo e o corpo tenso. Depois, lady Eloise se inclinou para olhar cuidadosamente para fora. Roslynn fez o
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mesmo pelo outro lado. Face ao pouco que podiam ver pela veneziana de couro, divisou um grupo de homens a cavalo na metade do caminho, lhes fechando o passo. Dirigidos por Trefor ap Gruffydd. Roslynn se retirou rapidamente da janela para que não a visse. Trefor não conhecia seus pais. Possivelmente só queria roubar a uns normandos ricos. Entretanto, embora aquela fosse sua única motivação, podiam estar em perigo. Aos poucos instantes, uma mão enluvada afartou a tampa de couro da janela pelo lado de Roslynn, e Trefor apareceu a cara, igual a de Madoc salvo pelos olhos penetrantes, com uma borda negra ao redor do intenso azul da íris. — Muito boas senhoras. Então, arqueou as sobrancelhas em sinal de reconhecimento. — Sobretudo a você, lady Roslynn — disse. Seu cavalo se movia nervosamente, mas não parecia incomodado. — Como já desfrutou da hospitalidade de meu irmão, bem podem desfrutar agora da minha. Sua mãe respondeu primeiro com grande dignidade. — Obrigado pelo convite. Entretanto, preferiríamos continuar nosso caminho. O sorriso da Trefor parecia uma versão cruel do de Madoc. — Então, sinto lhes decepcionar, porque de todos os modos vão ficar comigo. Roslynn e sua mãe responderam em uníssono, embora referindo a diferentes pessoas. — Meu marido... Trefor as interrompeu com uma gargalhada. — Maridos? Um está escondido em seu castelo, como um sapo em seu buraco, e o outro sabe que é melhor não lutar quando seus homens estão em desvantagem de três a um.
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Então abriu os olhos com uma surpresa cômica. — Ficou assombrada, lady Roslynn. Acaso pensava que só tenho a meu mando aos homens que levei ao castelo? — perguntou, e sua expressão se voltou séria. — Como tenho muitos mais, virão comigo a Pontyrmwr. — Onde, sem dúvida, pensa nos reter para poder pedir um resgate, sendo o canalha que é— disse Roslynn. Trefor arqueou as sobrancelhas. — É uma boa ideia. Não tinha me ocorrido. E agora, será melhor que nos ponhamos em marcha. Os caminhos são traiçoeiros na escuridão. Elevou a mão, disse algo em galês e a carreta ficou em movimento. Roslynn tomou a mão de sua mãe. — Seja valente, filha — disse lady Eloise, embora estivesse muito pálida. Roslynn tentou sorrir. — Serei. Depois de tudo, sou a filha de lady Eloise e lorde James de Briston, não é assim? Roslynn pensou que Pontyrmwr seria como Llanpowell, embora menor e possivelmente não tão bem mantido. Estava muito equivocada. O castelo, se acaso podia chamá-lo assim, não era nem a metade que o de Llanpowell. Só tinha uma muralha, não muito alta e, embora houvesse um caminho perimetral de madeira por seu interior, não tinha ameias, nem sequer torre de vigilância sobre a estreita porta. No interior do recinto era fácil comprovar que a única edificação de pedra era a torre de comemoração e parecia muito antiga. Também em contraste com Llanpowell, o pátio não estava empedrado e sim cheio de atoleiros enlameados. Os escassos edifícios de madeira, incluído o estábulo, davam a impressão de que iriam desmoronar a qualquer momento. Infelizmente, havia muitos homens, tanto na muralha como no pátio, e Roslynn
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entendeu que Trefor devia gastar a maioria do que produziram suas terras em soldados. A julgar por seu aspecto e sua roupa, eram todos mercenários. A porta da carreta se abriu e Trefor se inclinou para o interior. — Saiam, por favor — disse. Ele as guiou junto a seu pai para a torre, sob o olhar vigilante de Rhodri e outros homens. Os soldados do cortejo de lorde James foram escoltados a outro edifício desmantelado. O segundo piso da torre, ao que se chegava por uma escada exterior, servia de salão. As vigas do teto estavam enegrecidas pela fumaça da lareira e cheias de teias de aranhas. Cheirava a comida podre e o fedor se mesclava com outros de lã úmida e cão molhado. Havia um lance de escadas torcido até o terceiro piso, o mais alto de todos. Havia mais homens dentro, que se moviam por ali como se fossem iguais a Trefor. Olharam-na com luxúria até que ele os ordenou que se fossem. Lentamente, com más caras, obedeceram, e Roslynn respirou com um pouco mais de tranquilidade, mas só um pouco. Trefor indicou a seus prisioneiros que se sentassem em uns bancos junto a uma mesa, ao final do salão e, depois, ordenou a uma criada que lhes levasse vinho. — Não tão luxuoso como Llanpowell, né? — perguntou-lhes com um gesto depreciativo. — De todos os modos, é melhor que uma cabana no bosque ou uma tumba. Ao ouvir aquelas palavras, Roslynn estremeceu. — Sabe que nos matar seria um ato de guerra — disse lorde James a Trefor. — O rei John tomaria assim. Trefor riu. — Acaso pensa que me preocupa John? Um galês nunca temeria a um
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normando e menos a um como ele. Se quer me tirar Pontyrmwr, encontrarei refúgio em qualquer outra parte — disse, e assentiu olhando a seu redor. — Isto não é perder muito, depois que o tenham roubado o que te correspondia por nascimento. A criada deixou uma bandeja com uma jarra de vinho e vários copos sobre a mesa e se afastou. Ele serviu o vinho, que Roslynn e seus pais deixaram sobre o banco sem tomar nenhum sorvo. Trefor sorriu-lhes. — Não é o suficientemente bom para os normandos, né? Bom, bom, possivelmente não, mas é o melhor que tenho — disse, e tomou o seu de um gole só. Depois limpou os lábios com o dorso da mão. — Milord e milady, ao meu aposento, no piso de cima. Quero falar a sós com a esposa de Madoc.
Capítulo 18
O pai de Roslynn se levantou para protestar, mas Trefor não o permitiu. — Meu castelo, minhas ordens — disse rotundamente. — Se não desejarem ir a meu aposento, iremos lady Roslynn e eu. Estava pensando que os preocuparia que a levasse onde há uma cama, embora não é necessário. Sou um homem mais honrável que Madoc. Ela não acreditou, e de todos os modos, ficariam a sós no salão.
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— Se for tão honrável como diz, por que nos sequestrou? — Honrável no referente às mulheres, então — corrigiu Trefor. — Não como seu marido. — O que quer dizer? Ele olhou a seus pais. — Explicarei isso a você somente, milady. Lady Eloise se levantou com majestade. — Faremos o que ordenou, mas se fizer mal a minha filha, a vingança de meu marido não será nada comparada com a minha — disse, antes de dirigir-se para as escadas. Lorde James a seguiu depois de olhar de forma ameaçadora a Trefor. Quando se foram, Trefor tomou a taça de lorde James e terminou o vinho que ficava nela. Depois se sentou frente a Roslynn. — Já vejo de onde tiraste suas maneiras — lhe disse. — Deus, sua mãe é como uma rainha e você como uma princesa. Possivelmente eu também devesse ter ajudado ao John, como Madoc. Então, John poderia me pagar com uma bela esposa. — O que é o que quer me dizer que não pode fazê-lo ante meus pais? Trefor ficou em pé bruscamente. Deu uns quantos passos e depois se voltou para ela. — Vou dizer a verdade sobre seu marido. — Poderia havê-lo feito sem lhes ordenar que partissem. — Já é o suficientemente mau que você olhe isso com seus enormes olhos. — Se o inquieta tanto, economize saliva e nos deixe partir. — Deus, é muito fria! Deve gelar o tutano nos ossos de meu irmão. — Se prefere pensar isso — respondeu ela, posando as mãos no ventre. Trefor olhou aqueles dedos entrelaçados, protetores.
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— Embora ao melhor, não todo o tempo. Possivelmente revelou muito involuntariamente, como fez Madoc com seus homens. Mas já era tarde. Ele inclinou a cabeça enquanto a observava com atenção. — Por que o deixou? Ou é que ele já teve suficiente e a mandou embora? Ela não respondeu. Não ia contar a aquele homem nada do que ocorreu com Madoc. — Espera que acredite que vai passar uma temporada com seus pais, depois de estar casada somente um mês? — Não me importa o que você acredita. E se não tem nada a me dizer a respeito de meu marido, então, ao menos, deixe que esteja com meus pais. — Muito bem, não me diga por que o deixou. De todos os modos não me importa. — Quanto tempo pensa nos reter? — Até que consiga um resgate, como vocês sugeriu de maneira tão inteligente. — Se as coisas fossem como você pensou, e é ele quem me jogou de Llanpowell, não pode esperar que pague um resgate por mim. — Sim, é certo — disse Trefor e passou a mão pelo queixo de um modo que recordou mais a Lloyd que a seu marido. Era aquele o motivo pelo que não estava aterrorizada? Pelo que não sentia pânico? Porque ele se parecia tanto aos homens de Llanpowell? Independente do motivo, não estava assustada. Só estava zangada. — Então, direi a Madoc que decidiu ficar comigo, para nosso prazer mútuo. Ela começou a ficar em pé. — Repugnante canalha! Como se atreve? — Sente-se, milady.
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Roslynn não o fez. — Sente-se, milady. — Ou o que? Me obrigará? — Sim, fá-lo-ei. — E demonstrará que é a pessoa infantil e caprichosa que Madoc diz que é. — Isso é bom, vindo dele. Entretanto, não é estranho que o acredite, porque só lhe contou um montão de mentiras sobre mim. — Não chegou a seu casamento bêbado e alardeando de que ficou a noite com uma prostituta? Trefor se ruborizou. — Estava bêbado, sim. Fui um idiota. Entretanto, Madoc aproveitou a ocasião, conseguiu a mulher que eu amava e as terras e o castelo que deveriam ter sido meus. Isso foi o que quis sempre. — E Gwendolyn, a que diz que amava? — perguntou ela. — Se supõe que devia acreditar que a amava depois do modo em que a humilhara? Os olhos de Madoc teriam ardido de ira. O olhar de Trefor se voltou frio como a neve sobre um rio gelado. — Se ela me amasse tanto como dizia, nunca teria se casado com Madoc. Teria me perdoado. — Como perdoou seu irmão? O galês pôs muito má cara. — Você só conhece a versão dele, milady, não a minha. — Muito bem — disse Roslynn, e voltou a sentar-se. — Escutarei sua versão. Ele titubeou um momento, mas depois se sentou frente a ela. — Não lhe contou Madoc por que me embebedei? Não lhe explicou por que fui com aquela prostituta? Não, não o fez, embora saiba o motivo. Embebedei-me
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porque vi o honrável Madoc beijando Gwendolyn e ela o estava beijando também. Fui com outra mulher porque eles me traíram. Ia anunciar seu engano ante todos os convidados às bodas, mas primeiro me embebedei e fui com uma prostituta. Por que não? Por que não ia com outra mulher depois do que eles me fizeram? Trefor sorriu com uma fria satisfação. — O honrável Madoc não lhe contou isso, verdade? Tampouco o disse a meu pai, nem a ninguém mais, assim que a desgraça caiu sobre mim. Desse modo, ele conseguiu Gwendolyn e nosso pai me deserdou. — Se o que diz é certo — respondeu Roslynn lentamente, sem querer acreditar no que ele dizia — e Gwendolyn o traiu, possivelmente fosse melhor que não se casasse com ela. Entretanto, podia os ter enfrentado quando os surpreendeu. Se não nesse mesmo momento, podia ter ido a seu pai e ter cancelado o casamento. Podia ter se comportado com honra e, então, teria herdado Llanpowell, ao menos. Trefor soltou um bufo de desprezo. — Não entende nada, não é assim? Eu amava Gwendolyn e também amava meu irmão. Assim, quando os vi e me dei conta de como me traíram, não fui capaz de pensar. Romperam-me o coração e acabaram com minha confiança — disse, e a olhou com ceticismo e desdém. — Me esquecia que os normandos não entendem o amor. — Eu entendo mais do que você imagina — respondeu ela. Começou a sentir certa compreensão por ele, face ao que tinha feito. — Entendo que se cometam enganos em nome do amor. Eu mesma os cometi porque amava, ou porque acreditava que amava. Entretanto, fui eu quem pagou o preço. Não tentei acalmar meu orgulho ferido fazendo mal a outros. Por isso obedeci a John e vim aqui para me casar com seu irmão. Queria economizar a minha família mais problemas e mais vergonha. Entretanto, você se comporta como um menino e rouba as ovelhas de seu
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irmão. O olhar de Trefor se converteu em gelo. — Ele também mentiu sobre isso. Eu não tenho feito outra coisa que procurar justiça e compensação. Ele me roubou primeiro, e tenho muito poucas ovelhas, assim lhe confisquei algumas. É tudo o que tenho feito após. Se essa não for à verdade, por que não pediu justiça a seu bom amigo o rei John? — Porque não quer ser responsável por sua morte, se o condenam — respondeu Roslynn. Entretanto, perguntou-se o que era o certo, em realidade. Não podia acreditar que Madoc fosse tão miserável e vingativo, avaro e ambicioso. Madoc era temperamental e veemente, e estava furioso com seu irmão, mas não era um ladrão. Por outra parte, ela estava começando a pensar que Trefor tinha alguma justificativa para seu amargo ressentimento. Possivelmente a verdade estivesse em um meio termo, escondida entre mal-entendidos e sentimentos feridos. — Se o que diz é certo, por que não acusa seu irmão ante os tribunais? — Porque Madoc tem Llanpowell e é muito mais importante que eu. Certamente acreditarão em sua palavra e não na minha. Roslynn havia visto suficiente de reis e tribunais para saber que Trefor tinha motivos para pensar assim. — E o carneiro negro? — perguntou ela. —Que carneiro seu, Madoc tinha roubado e matado? — Ele me roubou muito mais que isso no dia de minhas bodas. Roubou-me à mulher a quem amava — replicou Trefor. Ele se levantou e obrigou Roslynn a ficar em pé. A frieza de seu olhar se converteu em uma luxúria furiosa. — Por Deus, deveria fazê-lo sofrer do mesmo modo que ele me fez sofrer.
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Roslynn sentiu pânico, mas foi só um instante, porque sabia que, inclusive embora Madoc não estivesse ali, podia protegê-la. — O que pensa que fará Madoc se você fizer isso? — Pode ser que valha a pena averiguá-lo — grunhiu Trefor enquanto a atraía para si. Não o permitiria jamais! Não foi o medo e o pânico o que a fez reagir. Foram o orgulho e a ira. Era lady Roslynn de Llanpowell e lutaria para proteger sua honra. Agarrou o punho da espada de Trefor e girou simultaneamente, de modo que desembainhou a arma com tanta rapidez que ele não se deu conta do que tinha ocorrido até que viu a ponta de sua própria espada apoiada em seu peito. — Matá-lo-ei — advertiu ela. — Nos deixe partir, ou por todos os Santos do céu que lhe atravessarei. Embora ele elevasse os braços em sinal de rendição, não parecia que estivesse assustado. Parecia... respeitoso. — Não o duvido — disse Trefor — mas parece que pensa que tenho medo de morrer. Não o tenho, porque Gwendolyn partiu antes de mim. —Começou a baixar os braços. — E não tenho inconveniente em lhe deixar partir, porque não planejei retêla, nem a seus pais, nem a seus homens, nem lhe fazer mal, tampouco. Não sou um assassino. Nem sequer fui lhes buscar com esse propósito. Dirigia-me ao sul por outros assuntos. Nosso encontro foi uma coincidência, e só os trouxe aqui para incomodar a Madoc, quando me dei conta de quem eram. Agora me dou conta de que foi um engano. — Sim, foi — disse ela, que manteve a espada elevada contra ele. — Dou-lhe minha palavra de que estarão a salvo aqui — disse Trefor. — Serão meus hóspedes, e amanhã poderão partir, o qual foi sempre minha intenção. Agora
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está muito escuro para viajar. E lhe prometo que nunca lhe farei mal, nem voltarei a tocá-la — acrescentou, e seus braços caíram junto aos flancos. — Embora suponha que, se contam a Madoc, meus dias estão contados. Finalmente, ela baixou a espada. — É possível que queira matá-lo se conto o que fez. Trefor abriu muito os olhos, aqueles olhos tão especiais. — Possivelmente não o faça? — Deveria — respondeu Roslynn. — Mas Madoc e seus homens atacariam Pontyrmwr e morreriam homens inocentes. Ocorresse o que ocorresse entre Gwendolyn, seu irmão e você, não é motivo para que outros homens percam suas vidas. Trefor sacudiu lentamente a cabeça. — Por Deus, Madoc é realmente tolo se lhe deixou partir. Se fosse minha esposa... Roslynn piscou e teve a sensação de que ele se desvanecia. As paredes da torre cambalearam e, de repente, a espada lhe resultou tão pesada que lhe caiu das mãos. Tudo ao seu redor se voltou escuridão. Madoc estava no adarve do muro exterior, olhando para o caminho que levava ao castelo, sem poder acreditar no que via. Entretanto, era certo. O cortejo de lorde James se dirigia para Llanpowell, precedido por um soldado que levava o estandarte da família. O carro no qual viajava Roslynn estava naquele cortejo. O grupo não avançava muito depressa, o que significava que não tinham sido atacados nem corriam perigo, assim, significava aquilo que Roslynn tinha decidido voltar com ele? — Abram as portas! — gritou, enquanto corria para a escada mais próxima para baixar ao pátio.
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Foi rapidamente para a porta, mas se deu conta do que devia parecer aos guardas, o senhor de Llanpowell tão emocionado como um menino porque sua esposa tinha trocado de opinião. Decidido mostrar-se mais digno, dirigiu-se para as portas interiores a um passo mais calmo, alisando a túnica. Parecia que a notícia da volta de Roslynn já se estendeu por todo o palácio, posto que tio Lloyd estava esperando no pátio. — É certo? — perguntou a Madoc quando o viu. — Volta! Sabia que só era um aborrecimento, mas não pensei que fosse trocar de opinião tão rapidamente. É um pouco obstinada, acredito, mas você também, e ela retornou! — Sim, já chega — respondeu Madoc, tentando atuar com serenidade, perguntando-se se estava enganando alguém. Não tinha dormido toda a noite, pensando uma e outra vez em todas as coisas que tinha feito mal e não só com respeito à Roslynn. — Não vai ser obstinado verdade? — perguntou-lhe tio Lloyd com nervosismo, olhando-o receosamente. — Ela teve tempo para acalmar-se e pensar bem as coisas. Deve ser generoso e cortês, e ceder também. — Sim, tio. É obvio que serei generoso e lhe darei a bem-vinda com os braços abertos. E a levaria ao seu aposento, estreitá-la-ia entre seus braços e... Então apareceu Ivor, correndo do estábulo. — O que é o que ouvi? — perguntou a Madoc e a Lloyd quando chegou ao seu lado. — É certo que lady Roslynn e seus pais retornaram? — Sim. Devem estar já junto à muralha exterior — respondeu-lhe Lloyd alegremente. — O que te havia dito? Não foi nada mais que uma rixa de apaixonados. Foi algo mais sério que isso, mas se era aquilo que acreditavam seu tio e os
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outros, Madoc não ia desiludi-los. Ivor, entretanto, era mais perceptivo, mais cético. — Naturalmente, esperava que esta crise pudesse superar-se — disse lentamente — embora confesse que demoraria mais tempo. Ela sempre me pareceu uma jovem teimosa e desafiante. — É, e não é de estranhar que briguemos. Suponho que acontecerá outra vez — disse Madoc, embora esperasse com todo seu coração que não voltassem a discutir. — Entretanto, como é minha esposa, estou seguro de que posso confiar em que a tratará com o devido respeito, inclusive quando nos tivermos zangado. — Naturalmente, ela tem todo meu respeito — disse Ivor — mas também espero que não seja uma dessas esposas que saem correndo para a casa de seus pais cada vez que briga com seu marido. Madoc não respondeu por que não estava escutando. Lorde James acabava de entrar no pátio e a carreta ia atrás deles. — Lorde James, bem-vindo a Llanpowell — disse Madoc com calma, face à expressão tirante do normando, que parecia que pensava que sua filha cometia um engano ao voltar. — Isto não foi minha escolha — respondeu o nobre. — Seu irmão nos deteve no caminho ao sul e nos obrigou a acompanhá-lo a sua fortaleza e... — Onde está Roslynn? — perguntou Madoc, que havia sentido um pânico desconhecido para ele. Se seu irmão fez mal a ela, ou tão somente ficou meio doido... — Estou aqui, Madoc — disse ela fracamente, do interior do carro. De duas pernadas, Madoc estava junto ao veículo, e abriu a porta. Roslynn ia apoiada em sua mãe. Estava muito pálida e esgotada e Madoc teve outro pensamento horrível. Se Trefor a desonrou, morreria antes que terminasse o dia. — Estou bem, Madoc — disse-lhe ela, incorporando-se para sair do carro, até
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que sua mãe a segurou. — Não deve caminhar — disse lady Eloise antes de dirigir-se a Madoc. — Está sangrando. Me ajudem a levá-la a uma cama.
Capítulo 19
Mais aterrorizado que se estivesse enfrentando a cem inimigos, Madoc inclinou-se para o interior da carreta e tomou Roslynn em seus braços, que não protestou. Sua aquiescência, sua falta de resistência, seu silêncio, fizeram que ele quisesse gemer de consternação. Parecia-se muito a Gwendolyn no final de sua vida, sangrando, exausta e morrendo. — Com cuidado, com cuidado — dizia lady Eloise, sem necessidade, enquanto ele a tirava do pátio. Roslynn se aconchegou contra seu peito, e Madoc a subiu ao seu aposento enquanto, pelo caminho, ordenava aos serventes que lhe levassem água quente, carvão para o braseiro, vinho quente e pão, e que alguns deles fossem ao povo procurar a parteira. Quando chegou ao dormitório, estendeu Roslynn na cama e olhou seu rosto amado, querendo desculpar-se pelas ações de seu irmão, de si mesmo, do rei, por algo que pudesse pô-la bem outra vez.
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— Roslynn-fy-rhosyn, eu... — Nos deixem — ordenou sua mãe, como se estivesse em sua própria casa. — Minha filha precisa descansar. Ele não discutiu. — Enviarei a parteira ao aposento assim que chegue. Enquanto as criadas e lady Eloise rodeavam o leito como um bando de pássaros preocupados, Madoc saiu lentamente da estadia, com os pés pesados. Tio Lloyd abordou-o no salão. — Não tem por que preocupar-se, sobrinho — assegurou-lhe em galês. — Seu pai diz que não há ameaça para sua vida nem para a do bebê. Madoc se deu conta de que não tinha visto seu pai desde que tinham entrado na torre. — Onde está lorde James? — Ocupando-se de que guardem seus cavalos nos estábulos — respondeu Lloyd. — Me disse que Trefor tinha mandado procurar um médico e uma parteira assim que Roslynn desmaiou e lady Eloise lhe disse que estava grávida. Os dois estavam seguros de que não perdeu o menino e de que ficará bem. A surpresa que Madoc sentiu ao saber que seu irmão tinha prestado semelhante ajuda se viu rapidamente apagada pela raiva. — Me alegro de que tivesse tanto cuidado, porque se tivesse ocorrido algo a Roslynn enquanto estava em Pontyrmwr, eu o atacaria com todas as forças que poderia reunir, e o teria matado. Além disso, ainda tem que responder pelo sequestro. — Sim, suponho que tem razão — murmurou Lloyd. — Supõe? — exclamou Madoc. — Supõe? O que fez é algo criminoso, e penso fazer que o pague.
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— Mas ela retornou sã e salva e não aconteceu nada. E Trefor segue sendo seu irmão. — Agora o defende? — perguntou Madoc com incredulidade. — Bom, é certo que tem feito algo mau, Madoc. Mais lembre-se de uma coisa — acrescentou Lloyd rapidamente ao ver a expressão de seu sobrinho. — Mas poderia havê-la deixado partir sem ter deslocado com os gastos de um médico e uma parteira. Ao Madoc não importava nada esse gasto de Trefor, e o disse a seu tio. — Entretanto, há mais — prosseguiu Lloyd. — Seu irmão e seus homens os escoltaram durante quase todo o caminho, e depois enviou a alguns de seus soldados para certificar-se de que a estrada estava limpa. Tampouco tinha por que fazer isso, Madoc. — Em primeiro lugar, não tinha por que ter a levado a Pontyrmwr — replicou Madoc, que ainda não estava disposto a conceder que seu irmão tivesse podido ter um gesto de generosidade. — De acordo, não importa. O médico disse que, embora agora nem Roslynn nem o bebê estejam em perigo, não podem fazer uma viagem longa. O estalo continuado do carro seria muito prejudicial. O médico lhe disse que voltassem para Llanpowell, mas que essa é a única viagem que pode fazer Roslynn até que nasça o bebê. Entende o que estou dizendo, jovenzinho? — perguntou-lhe seu tio, repreendendo-o brandamente. — Ela não pode partir. Terá que ficar em Llanpowell até que nasça seu filho. Assim, ele teria mais tempo para arrumar as coisas entre os dois. Mas, e se o preço ia ser perder seu menino? Madoc ainda estava passeando pelo estrado do salão, tio Lloyd ficou dormido em seu assento e lorde James estava tomando uma beberagem que cheirava a
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demônios para sua tosse, quando lady Eloise baixou para lhes dizer que Roslynn estava dormindo e que não deviam incomodá-la. Madoc assentiu obedientemente e ofereceu a hospitalidade do castelo aos pais de sua esposa. Depois foi em busca de Ivor. Madoc não encontrou Ivor em seu escritório e foi buscá-lo à sala de armas. Enquanto atravessava o pátio para ali, Ivor saiu de trás da esquina do estábulo e se dirigiu para Madoc com tanta rapidez como permitia sua claudicação. — Por todos os Santos, Madoc, então é certo? — perguntou-lhe, assinalando o carro de lorde James. — É verdade que sua esposa e seus pais foram pela força a Pontyrmwr, que Trefor os deixou sair dali e que retornaram aqui porque lady Roslynn não se encontra bem? — Sim. Ivor tomou ar. — Deus Santo, Madoc, sinto muito. — Preciso falar contigo em privado. Ivor assentiu, e juntos foram para seu escritório, passando por diante da cozinha, onde Hywel e os serventes trabalhavam afanosamente preparando o jantar. Ivor e Madoc se encerraram na sala, e o administrador acendeu a vela que havia sobre a mesa. — Acredita que temos um espião em Llanpowell? — perguntou Madoc sem preâmbulo. — Um espião? — repetiu Ivor cautelosamente. — Sim. É possível que alguém de Llanpowell esteja proporcionando a Trefor informação sobre quem vai e vem ou sobre onde estarão minhas patrulhas? Ivor se recuperou rapidamente. — Não, não acredito — respondeu. — Sua guarnição e seus serventes são leais,
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Madoc. Apostaria a minha vida. Madoc também acreditava nisso, até esse dia. — Está seguro de que não há nenhum servente avaro, nenhum soldado descontente, ou qualquer outro, que esteja disposto a vender essa informação? — Sim, estou seguro — respondeu Ivor. — Acredito que se alguém tivesse a tentação de fazê-lo, pensaria no que você lhe faria se fosse descoberto. Como ia pagar Trefor à quantidade necessária para que alguém queira arriscar-se? Os ganhos de Pontyrmwr mal são suficientes para contratar e manter seus mercenários, que dirá para pagar subornos. Isso era certo, embora Madoc se desse conta de que Ivor ficou preocupado. — Se suspeitas de alguém a partir de agora, diga-me isso — lhe pediu. — É obvio — disse Ivor. Titubeou um momento, e depois olhou para Madoc. — Não parece que este assunto de sua esposa e Trefor é bastante estranho? — Não pensei que ele pudesse fazer algo tão atrevido, e menos quando havia uma escolta de soldados normandos. — Sim, isso também — disse Ivor. — Mas me parece surpreendentemente generoso por sua parte que tenha mandado procurar um médico e uma parteira que quase não pode pagar. — Sem dúvida temia as consequências se ocorresse algo a minha esposa. E fez bem. Ivor tinha um olhar quase... de lástima. — Possivelmente tivesse outra razão, e não me refiro à bondade. E possivelmente haja um motivo para que ela fosse a Pontyrmwr. Madoc franziu o cenho. — Que tipo de motivo? Sequestraram-na, levaram-na ali contra sua vontade. — Seguro?
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— É obvio! — respondeu Madoc, horrorizado pela insinuação de Ivor. — Acaso crê que Roslynn ou seus pais mentiriam a respeito de algo assim? Que ela tem um motivo sinistro para reunir-se com meu irmão, ou que o têm seus pais? E se for assim, coisa que não acredito absolutamente, por que retornaram? — Porque ela ficou doente e não podia ir a nenhum lugar mais longínquo. Ou porque a John beneficia que Trefor e você se enfrentem, e este suposto sequestro foi planejado para piorar seu conflito. Possivelmente ela foi ali só para provocar mais problemas, ou possivelmente tivesse algo a dizer a Trefor. Pensa-o, Madoc. O que sabemos em realidade dela? — insistiu Ivor. — Inclusive agora, até que ponto conhece sua mulher? Madoc cruzou os braços. — Nego-me a pensar que Roslynn esteja aliada com meu irmão, ou que tenha uma missão secreta do rei. — Não estou dizendo que estivesse disposta a te trair por vontade própria, Madoc, mas, quem sabe se teve que aceitar fazê-lo para o rei, se com isso evitava que a acusassem e a condenassem por traição junto a seu marido? Ou para mostrar sua gratidão — disse Ivor, e afastou o olhar. — Embora haja duvidado de te dizer isto, não sou o único em Llanpowell que se pergunta se... Bom, não há dúvida de sua virilidade, Madoc, mas ela ficou grávida rapidamente, não? Não. Madoc tampouco ia acreditar naquilo. — Gwendolyn também ficou em estado rapidamente — disse ao Ivor, com a voz tão dura como o ferro, cada vez mais zangado. — Ninguém duvida de que você é o pai de Owain, mas Gwendolyn não era uma normanda chegada da corte de John. Aquilo foi como uma punhalada no coração, até que recordou a fervente declaração de Roslynn de que aquele menino era dele.
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Não, não ia acreditar que ela estivesse mentindo, que ela tivesse olhado em seus olhos e que tivesse falado com sinceridade e que, entretanto, estava lhe dizendo uma mentira monstruosa. — Não vou acusar minha esposa de adultério — disse com firmeza. — Acredito que o menino é meu e você deve dizer a todos aqueles que o ponham em dúvida. Madoc recordou outra prova de sua inocência. — Tampouco penso que seja culpado de traição junto a Trefor, embora sim acredite que há outro traidor. Parece que Trefor sempre sabia onde estavam minhas patrulhas, inclusive antes que Roslynn chegasse a Llanpowell. — Muito bem, Madoc — respondeu Ivor. — Assim como você pensa que ela não te traiu, eu não vou questionar a lealdade de nenhum dos habitantes deste castelo, nem de seus soldados. Poderia ser que Trefor conseguiu informação para te roubar as ovelhas quando suas patrulhas estavam em outro lugar, ou porque seus homens estavam vigiando sempre nos limites de suas terras. Entretanto, se estiver seguro de que sua esposa não foi voluntariamente junto a Trefor... — Sim, estou. — Então, chegou o momento de detê-lo. — Sim — conveio Madoc. — chegou o momento. — Você ficou louco? — protestou Ioan depois que Madoc foi aos barracões e contou a seus homens qual era seu plano. — Tem que nos deixar ir contigo. Não pode ir sozinho a Pontyrmwr. O matarão. Já que Trefor não fez nenhum mal a Roslynn nem a seus pais, Madoc pensou em que ia apenas fazer uma última advertência, uma última oportunidade de terminar com aquele conflito. — Irei com uma bandeira de trégua.
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Mostrou-lhes o trapo branco que tirou da cozinha depois de sair do escritório de Ivor. — Não acredito que Trefor perdeu completamente a honra e não a respeite. — E se te equivoca? — perguntou Hugh, o Pico. — O que acontecerá? — Então, morrerei — respondeu Madoc. — De todos os modos, levo uma adaga no cinturão. — Mas, Madoc... — começou Ioan. — Eu sou o senhor de Llanpowell — o interrompeu Madoc — e sou eu quem dá as ordens. Irei sozinho a Pontyrmwr, e ninguém vai me seguir, entendido? Ioan e outros assentiram a contra gosto. — O que dizemos a sua esposa se não voltar? — perguntou-lhe Hugh. — Que lhe desejo tudo de melhor, e que confio em que criará um bom filho.
Capítulo 20
O sol estava descendo no céu quando Madoc se aproximou da muralha que rodeava o castelo de seu irmão. Seguiam-no dez homens de seu irmão, que não o atacaram ao ver a bandeira branca que levava. Quando se abriram as portas da muralha, Madoc viu Trefor pela abertura, com uma expressão feia no semblante e as mãos nos quadris, no meio de um pátio que
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não era maior que o salão de Llanpowell. Quase ao mesmo tempo começou a chover. Trefor não se alterou e, tampouco, Madoc enquanto entrava a cavalo no interior do castelo de seu irmão. As portas se fecharam atrás dele com um golpe sinistro. — O que quer? — perguntou-lhe Trefor, chamando a atenção de Madoc, que se distraiu observando um momento as construções ruinosas que havia pelo pátio. Madoc olhou seu irmão, que causou tantos problemas e tanta tristeza, e lutou por dominar sua raiva, para poder fazer o que tinha ido fazer ali, e partir para não ter que falar com Trefor nunca mais. — Vim te agradecer por enviar minha esposa e seus pais sãos e salvos a Llanpowell. Trefor entreabriu os olhos. — Então, está bem? — O suficiente. A chuva se fez mais intensa e Trefor passou a mão pelo rosto antes de murmurar a contra gosto, como exigia a cortesia mais elementar: — É bem-vindo a minha torre. Ambos os irmãos subiram as escadas até o segundo piso e entraram no salão, onde Trefor se sentou sobre um banco de madeira que estava junto ao braseiro maior, e fez um gesto a Madoc para que tomasse assento frente a ele. Madoc não se sentou, e Trefor franziu o cenho. — Não está tão limpo nem tão ordenado como seu salão, sem dúvida, mas eu não tenho uma esposa normanda que leve minha casa. Não tenho nenhuma esposa graças a ti. — Isso não é minha culpa — respondeu Madoc. — E não vim recordar nada nem escutar suas choramingações. Vim te dizer que é uma sorte que não ocorresse
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nada de mau a minha esposa e a seus pais, ou estaria morto. Não volte a minhas terras nunca mais, Trefor, porque lutaremos contra ti. Estou te fazendo esta advertência só porque chamou um médico e uma parteira para atender minha esposa. Se não fosse assim, teria atacado Pontyrmwr com todos os meus homens. Madoc ignorou os murmúrios dos homens que estavam no salão e o som das espadas ao ser desembainhadas. Observou como seu irmão franzia os lábios com desprezo. — Veio me apresentar batalha abertamente? Acreditava que era mais provável que fosse correndo ante o rei normando. Depois de tudo, você é um dos lacaios de John. — Não sou lacaio de ninguém. Sou o senhor de Llanpowell — respondeu Madoc, contendo-se para não saltar sobre seu irmão. — É meu irmão mais novo — disse Trefor, agarrando-se com força na borda do banco, como se também estivesse a ponto de lançar-se contra Madoc. — Meu irmão mais novo, ciumento, invejoso, gago, que me pagou toda a atenção que lhe dediquei, tudo o que lhe ensinei, roubando o que era meu. Conseguiu Gwendolyn, conseguiu Llanpowell, inclusive teve um filho com ela. Meu Deus, e agora tem outra esposa que vai te dar mais, enquanto eu não tenho nada mais que este montão de lixo e umas quantas ovelhas fedorentas! — Eu não fiquei com nada que fosse verdadeiramente teu — replicou Madoc. — Você perdeu Gwendolyn por suas próprias ações, e suas terras pelo que fez. Eu não tive nada a ver com isso. Trefor se levantou bruscamente. Madoc se manteve firme, assim ficaram nariz com nariz. — Eu amava Gwen, você não! Só a queria porque era minha! — disse Trefor, cujo habitual comportamento frio se converteu em uma reação furiosa igual à de
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Madoc. Trefor levantou o punho. Madoc ficou tenso, mas não se moveu, esperando o golpe, enquanto levava a mão à adaga. Assim devia ter se sentido Roslynn muitas vezes, temendo a fúria de um homem maior, mais forte e mais cruel. Não era para menos que tivesse medo dele quando se zangava. Não era para menos que não pudesse amá-lo. Trefor não o golpeou. Baixou o braço lentamente e sacudiu a cabeça. — Não vou te bater, gago. Ao contrário de você, eu posso dominar meu temperamento. E não vou deixar sua bonita esposa viúva outra vez, estando grávida. Deveria lhe agradecer por te salvar a vida quando voltar para casa. Agora, sai de minhas terras e não volte nunca. Madoc tomou ar enquanto tentava aplacar sua fúria. — E você não volte as minhas — advertiu ao Trefor — ou será seu último dia de vida. Nunca poderiam reconciliar-se, nem Madoc o desejava. Nem naquele momento, nem nunca. — Trata bem sua esposa, gago, ou possivelmente chegue o dia em que volte para Pontyrmwr, a um homem melhor que você — disse seu irmão, enquanto ele passava por entre os homens, que se separaram para lhe abrir passo para a saída. Madoc se deteve na soleira da porta. — Enquanto que você não tem nem mulher nem filho que leve seu nome. Então, o senhor de Llanpowell partiu, deixando seu irmão amargurado e solitário em seu castelo frio e sujo. — Foi sozinho a Pontyrmwr? — sussurrou Roslynn, olhando com horror seu pai.
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E pensar que ela havia se sentido feliz e aliviada ao chegar a Llanpowell e Madoc a tinha tomado nos braços, sabendo que a hemorragia tinha parado... — Isso é o que me disse o soldado Ioan — respondeu lorde James. — Acredito que seu marido foi muito cortante e recusou que o acompanhassem. — Possivelmente as coisas entre Madoc e seu irmão não estejam tão mal como você crê — disse sua mãe. — Nos tratou bem e fez tudo o que pôde por ti depois que desmaiou. Possivelmente Madoc tenha ido agradecer. Roslynn gostaria de acreditar nisso, mas conhecendo o caráter tempestuoso de Madoc, não podia. — Faz quanto tempo que há march...? — O suficiente para já ter retornado — anunciou Madoc da porta. Graças a Deus! Roslynn esteve a ponto de desmaiar outra vez ao vê-lo ante ela. — Vejo que lady Roslynn se encontra melhor. Falava friamente, com excessiva formalidade, como se ela fosse qualquer outro visitante. Entretanto, o que podia esperar ela, depois de tê-lo deixado? — Sim, muito melhor — disse ela. — Bem. Eu gostaria de falar contigo a sós, Roslynn. Ainda frio, distante. O que aconteceu com seu gênio? Como se converteu em alguém tão severo, tão remoto? ”E, não era isso o que ela queria?”, perguntou-se. Um comportamento calmo, uma forma de ser carente de fúria. Mas parecia que também de todas as demais emoções. Roslynn assentiu para indicar que estava de acordo e seus pais partiram imediatamente, enquanto Madoc se aproximava dos pés da cama, como uma esfinge sombria e silenciosa. — Foi ver Trefor — disse ela, decidida a falar primeiro, se ele não o fazia.
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— Para advertir que se ele ou algum de seus homens volte a pôr um pé em minhas terras, lamentarão, porque da próxima vez tomarei providências no assunto. Ela se deu conta de que aquela ameaça era verdadeira. Trefor o levou ao limite. Embora Trefor tenha cometido injustiças com seu irmão mais de uma vez, independente do motivo, ela detestava pensar que a situação piorou por sua culpa e que pudessem morrer homens de Llanpowell em um ataque assim. Sobretudo, Madoc. — Trataram-nos bem, como convidados. A todos nós, incluídos nossos homens. — Se não fosse assim, meu irmão já estaria morto. Entretanto, não vim falar dele — continuou Madoc. — Entendo que não pode viajar mais porque isso danificaria ao bebê, e que deve permanecer em Llanpowell. Não era um pedido. Ela se aferrou aos lençóis como se fosse uma tábua de salvação, decidida a não perder aquela oportunidade de falar com ele sobre seu irmão, para tentar tirar algo bom do fracasso de seu matrimônio. — Trefor diz que ele te roubou as ovelhas porque você roubou a ele primeiro. Que, igual a você, só procurava uma reparação. Seu marido cruzou os braços. — Isso é uma mentira, uma desculpa. Ele também diz que meu matrimônio com Gwendolyn e o fato de que eu herdasse Llanpowell é um roubo. — E não é possível que ambos roubassem um ao outro? Não é possível que, quem esteja roubando o gado esteja servindo-se de sua inimizade para mascarar o roubo? Culpam-se entre vocês, em vez de procurar a outro. — Ninguém, salvo Trefor, atrever-se-ia a roubar Llanpowell. — Nem sequer vai considerar a ideia de que Trefor seja inocente e haja outro culpado?
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A ira brilhou nos olhos de Madoc, mas naquela ocasião, ela se alegrou de vê-la. Era melhor aquele Madoc, a quem ela conhecia, que o estranho frio. — Trefor está mentindo para causar mais problemas entre nós — disse Madoc. — E está conseguindo, se você acredita em sua palavra por cima da minha. — Não é assim, mas sim acredito que há um terceiro que está se beneficiando do enfrentamento que há entre vocês. Trefor me disse algo mais: que no dia anterior a suas bodas com Gwendolyn, viu-o beijando-a. Madoc avermelhou e ficou muito tenso. — Aí tem a prova de que é um mentiroso. Eu nunca beijei Gwendolyn até que o sacerdote benzeu nossa união. — Beijou a alguém aquele dia? — Não, ou o recordaria... Madoc ficou calado, petrificado. — Por todos os Santos — sussurrou. — Sim, houve uma mulher. Chamava-se Haldis. Era a prima de Gwendolyn. Ao lembrar-se, teve que sentar-se no tamborete mais próximo. — Trefor pensou que ela era Gwendolyn? — Também diz que te disse o que tinha visto quando chegou a suas bodas. — Deus, não, não o fez! — exclamou Madoc, que ficou em pé de um salto e a olhou com uma total incredulidade. — Só dizia uma e outra vez que sabia o que eu tinha feito. E, que eu saiba, não tinha feito nada mal. E não o tinha feito! Foram só uns quantos beijos nas sombras, porque eu era muito jovem, e estava um pouco bêbado, e Haldis se parecia com Gwendolyn e deixou. Ele tinha que saber que eu nunca o trairia assim. Nenhuma vez! Como pôde pensar algo assim? — Porque você queria Gwendolyn. Você mesmo me disse isso e eu acredito que seu irmão sabia. Não te dá muito bem ocultar seus sentimentos, Madoc.
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Era muito aberto, muito honesto. O que sentia, outros sabiam, bom ou mau. — Meu irmão deveria ter sabido que eu nunca faria isso, porque ele a amava e iam se casar — protestou Madoc, como se Roslynn fora sua juíza. — Gwendolyn tampouco o teria traído. Amava-o muito. — Entretanto, casou-se contigo rapidamente. — Sim, porque... — Madoc se afastou da cama, e depois se aproximou de novo com uma expressão de raiva e angústia. — Porque ele tinha envergonhado as nossas famílias. Se tivesse acreditado em nós... ou se tivesse expressado suas suspeitas, eu poderia ter explicado que não tinha razão. Meu Deus, eu poderia tê-lo demonstrado... Bron teria respaldado minha versão, e o tio Lloyd também. Ele me viu com Haldis e começou a falar que seríamos os seguintes em nos casar. Então, eu a deixei e fui à cama. — E agora que sabe a verdade, não pode encontrar lugar em seu coração para perdoá-lo? Para consternação de Roslynn, a expressão de Madoc se tornou dura como uma pedra. — Não. Ele destruiu sua felicidade, e a minha também, causou tristeza e envergonhou nossos pais, e tudo porque cometeu um engano e acreditou que fôssemos capazes de cometer semelhante desonra. — Sim, ele cometeu um engano aquela noite, e lhe rompeu o coração. E você também cometeu um engano, ao ocupar tão rapidamente seu lugar... — O que? — perguntou Madoc, furioso. — Me culpa? — É que não podia ter esperado um só dia? Pode me jurar que não havia rivalidade entre vocês, nem ambições, que alguma vez viu a oportunidade de ganhar? — Não! Fi-lo por Gwendolyn, e meus pais, e a aliança. — E porque a queria — insistiu ela, decidida a conseguir que Madoc se desse
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conta de que, embora Trefor fosse culpado, ele também tinha sua parte de culpa. — Porque a desejava, e o próprio Trefor te deu a oportunidade de consegui-la. — É certo, desejava-a — replicou ele. — Pensava que era a criatura mais bela e doce que Deus tinha criado. Satisfaz-te ouvi-lo? Queria-a e me casei com ela, e me arrependi no momento em que pronunciamos nossos votos. Madoc olhou Roslynn de maneira fulminante. — Sei que sua noite de bodas foi infernal. Agora te contarei como foi a minha — disse, e assinalou à cama onde estava ela — Gwendolyn esteve aí chorando durante toda a noite, e todas as noites posteriores, porque lamentava ter-se casado comigo quando amava Trefor. Nunca me quis. E depois morreu, com seu nome nos lábios. Assim não me peça que perdoe Trefor, porque não posso, e não vou fazê-lo. Não me importa que enganos tenha podido cometer. Outros pagaram por sua culpa, e Gwendolyn está morta. Madoc cruzou os braços e a olhou com um desdém que rompeu o coração de Roslynn. — Por isso te levou a seu castelo, para que te convertesse em sua defensora? Ou havia algo mais, uma mão real em tudo isto? Ela teve que fazer um esforço por conter as lágrimas, porque não queria permitir que ele a visse chorando. — Eu não sou a defensora de ninguém — disse com tanta frieza como pôde. — E a que te refere com isso de uma mão real? Acaso suspeita que John me enviou para ver seu irmão, ou que queria que falasse com ele? Por que, se me ordenou que viesse para me casar contigo? — Para causar mais problemas entre nós, para conseguir que ataquemos um ao outro até que nos destruamos. Para ser nossa Helena. — Não, não o fez. Enviou-me para ser sua recompensa, como te disse lorde
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Alfred. Eu nem sequer sabia que tinha um irmão até que cheguei. O olhar duro de Madoc se abrandou durante um instante. — Ou é que pensa que estou mentindo? — Não — respondeu ele bruscamente, enquanto se dirigia para a porta. Entretanto, alguém a abriu antes dele. Lorde James entrou no aposento, seguido por sua esposa. — Não me importa que seja seu marido, já ficou aqui o tempo suficiente. Minha filha tem que descansar. Há-o dito o médico. — Então, que descanse — respondeu Madoc com uma reverência tirante. — Ambos podem ficar aqui até que Roslynn esteja recuperada e possa viajar, ou até que nasça o bebê. — Eu devo retornar a minhas terras — respondeu lorde James. — Entretanto, minha esposa ficará até o nascimento. — Como desejam — respondeu Madoc, e se voltou de novo para Roslynn com um olhar inescrutável. — Pelo bem de sua saúde milady, acredito que seria melhor que dormíssemos separados. Com o coração quebrado e as esperanças mortas, ela não encontrou nenhum motivo para negar. — Sim, acredito que será o melhor para os dois.
Capítulo 21
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— Bem, por fim te encontro — disse tio Lloyd a Madoc, umas semanas depois, quando o encontrou no curtume, que estava seguindo o curso do rio, a pouca distância do castelo. Madoc estava junto às cubas de cal, onde estavam inundadas as peles de vaca até que o pêlo se desprendesse delas e a gordura se voltasse branca e apenas visível. O fedor era tão forte que ao Lloyd lhe umedeceram os olhos, embora não tanto como o que desprendia o lixeiro, que estava um pouco mais à frente. Não parecia que aquele aroma incomodasse Madoc. Não parecia que nada incomodasse Madoc ultimamente. Apesar da volta de sua mulher, e que ela gozava de boa saúde desde aqueles primeiros dias de sua gravidez, era como se Madoc só estivesse vivo pela metade, embora aqueles deveriam ser dias felizes para todo mundo em Llanpowell. Trefor tinha deixado de roubar; o preço da lã e do couro era alto; e logo haveria outro menino para o senhor de Llanpowell. — Muita lã e couro este ano, né? — comentou tio Lloyd, olhando com cautela seu sobrinho, tentando compreender o que ocorria a seu coração. — Ivor disse que vamos ter bons ganhos este ano, não Madoc? Não teremos que nos preocupar com passar fome. — Sim. Seu sobrinho começou a caminhar para o montão de cascas de salgueiro e de carvalho que se usava para o curtido, e Lloyd brincou de correr atrás dele. — Bom, e a parteira disse que o nascimento será em março. Uma boa época do ano para que nasça um bebê. Madoc não respondeu, enquanto olhava dentro da cuba, que estava cheia de peles. — E, graças a Deus, lady Roslynn está muito bem. E leva muito bem a casa, com
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ajuda de sua mãe, claro. Cai-me bem lady Eloise. Não se mete em nada nem é arrogante. Algumas vezes recorda a sua mãe. Madoc se ergueu. — Sei que odeia vir ao curtume, tio, assim suponho que tem algo importante que me dizer. E bem? Lloyd olhou seu sobrinho com o cenho franzido. — Não posso suportar vê-lo tão triste, isso é tudo. Nem à sua mulher. Não sei por que discutiram antes que se fosse, mas acredito que Deus já lhes concedeu tempo suficiente para que se acalmem e façam as pazes. Olhe-se; ela voltou, e está vivendo sob seu teto, e você... — Não vou falar de meu matrimônio, tio. Nem contigo, nem com Ivor, nem com ninguém. — Se ainda estão zangados, o que vai ocorrer quando nascer o menino? — perguntou Lloyd. — Roslynn irá para a casa de seus pais e se levará nosso filho. Madoc tinha passado muitas horas solitárias pensando no futuro, que uma vez pareceu tão brilhante. Desde a volta de Roslynn, ante ele só se estendia a escuridão. Preferia que ela se fosse com seus pais e levasse o menino. Se ficasse ali, certamente o desejo que sentia por ela o levaria ao desespero e, possivelmente, inclusive à loucura. Lloyd ficou sombrio. — Não pode dizer a sério. Quando te vi fazendo esse berço, pensei que... — O bebê necessita um berço. Não tem que tirar nenhuma conclusão. — Então, por que não pediu ao carpinteiro que o fizesse? Se não se importasse, tê-lo-ia feito, assim não dissimule mais comigo, Madoc ap Gruffydd. Você ama a essa mulher. Eu sei, Ivor sabe, todo mundo em Llanpowell sabe. E ela também te ama,
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embora tenham discutido. Vejo-o em seus olhos cada vez que a olha quando você não está olhando a ela. Por que não pode te desculpar, ou compensá-la de algum modo? Madoc se voltou para seu tio e respondeu com firmeza. — Disse que não vou falar contigo nem com ninguém de meu matrimônio. Se não tem nada mais a dizer tio, volta para a torre. Lloyd se confundiu e respondeu como se lavasse as mãos quanto ao problema. — Está bem, Madoc, parto. Mas tudo isto é uma pena. Tínhamos muitas esperanças para ti, e agora... bom, é uma pena que seja muito orgulhoso e teimoso para fazer as pazes com sua esposa. Madoc observou Lloyd afastando-se dali, murmurando entre dentes. Havia muitas coisas que seu tio não sabia nem entendia, e nunca poderia entender. Um dia cinza, no fim de fevereiro, Roslynn se sentou em sua poltrona e procurou a agulha. Depois posou a mão sobre o ventre volumoso com um gesto de dor. — O bebê é muito forte! — disse a sua mãe, ao sentir novamente seu esperneio. Lady Eloise era a pessoa que fazia companhia a sua filha, geralmente. Roslynn via Madoc só durante as comidas. Ele era amável, mas distante. Frequentemente, ela tinha a sensação de que os primeiros dias felizes de seu matrimônio só tinham sido um sonho. — Isso é bom — lhe disse sua mãe com um sorriso, enquanto guardava outro tecido que tinha comprado para seu neto no mercado do povoado, mesmo que já lhe tivesse costurado vestidos suficientes para um ano. — A parteira diz que ainda falta um mês — comentou Roslynn com um suspiro.
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— Os primeiros bebês se atrasam geralmente, embora você se adiantasse. À medida que se aproximava o momento de dar a luz, Roslynn não podia evitar preocupar-se mais e mais pelo parto, assim mudou de tema. — Quantas cestas de pescado contou? Sua mãe lhe havia dito que tinha visto o peixeiro entrar na cozinha para deixar um pedido. — Dez — respondeu lady Eloise. — Acrescenta você essa entrega à lista, ou o faço eu? — Eu o farei — disse sua mãe, e tomou o pergaminho onde tinham estado anotando as contas e quão pedidos tinham chegado ao castelo, se elas se davam conta. Embora Madoc e ela estivessem distanciados, Roslynn não tinha intenção de deixar que o administrador o enganasse. Entre sua mãe e ela, tinham conseguido vinte e cinco notas de pedidos cujas quantidades não correspondiam com o que Roslynn tinha podido ver nas listas de pagamentos de Ivor. Ela tinha pensado em dizer ao Madoc quando tinha cinco notas, mas isso não pareceu suficiente para demonstrar que seu amigo, no que confiava tanto, estava lhe roubando. Pensou em dizer-lhe quando já tinha dez notas, mas então estavam muito perto o natal, e Roslynn decidiu esperar até depois das celebrações; embora aquele ano não houvesse muita diversão em Llanpowell, ou ao menos, ela suspeitou que não tanta como de costume. Parecia que todos estavam nervosos e apagados, inclusive Lloyd. Seu pai lhes enviou uma pequena arca que era de Roslynn, de menina, e um pequeno chocalho cheio de feijões secos. Fez para Madoc uma túnica nova com a lã do carneiro negro, que certamente ficaria muito melhor que a que tinha levado em
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suas bodas. Entretanto, ele não a vestiu, nem sequer a provou. Na manhã de Natal, ela encontrou um precioso berço esculpido de carvalho, que Madoc fez, conforme havia dito Lloyd na missa, mais tarde. Teria agradecido a Madoc, mas ele tinha estado fora à maior parte do dia, embora o ar estivesse gelado e havia muita neve. Quando Madoc havia retornado, a festa já tinha começado, assim não teve oportunidade de falar com ele a sós. — Acredito que temos informação suficiente para falar com Madoc de nossas suspeitas — disse Roslynn, afastando todas aquelas lembranças dolorosas da cabeça. — Não posso fazer muitas visitas ao escritório de Ivor para revisar as contas. Mau passo pela porta. — Além disso, não deve fazer nenhum tipo de esforço — acrescentou sua mãe. Embora Roslynn não tivesse tornado a sangrar nem a sentir-se mal desde que voltou para Llanpowell, sua mãe recomendava constantemente que fizesse repouso. Roslynn tinha seguido os conselhos de sua mãe e tinha aceitado sua ajuda para dirigir a casa. Felizmente, e possivelmente porque a mãe de Madoc também era normanda, lady Eloise era respeitada e querida, e as coisas tinham ido muito bem, inclusive com Ivor. Roslynn ignorou uma cãibra, porque aquele era um bebê muito ativo, e aqueles movimentos não eram estranhos. — Por favor, mãe, poderia pedir a Madoc que venha? — É obvio — disse lady Eloise, embora sua boca se curvasse ligeiramente para baixo, como sempre que estava preocupada. — Ficarei contigo se quiser. — Obrigado, mas acredito que isto vai ser doloroso para ele, assim acredito que seria melhor que estivéssemos sozinhos. Sua mãe assentiu e partiu. Então, Roslynn tomou o pequeno traje que estava costurando e ficou a trabalhar. Em pouco tempo, Madoc chamou com energia à porta
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e entrou no aposento. Como sempre, parecia que sua presença o enchia por completo, mas também, como sempre desde que ela havia retornado de Pontyrmwr, parecia que havia um muro de pedra que os separava. Com uma expressão impenetrável, Madoc se aproximou dela, tomou o pequeno vestido e o examinou contra a débil luz do sol invernal. — É muito pequeno. Roslynn colocou as mãos ao redor do ventre. — Estou segura de que será o suficientemente grande. Ele deixou o vestidinho e arqueou uma sobrancelha. — Sua mãe me disse que queria falar comigo. Ela respirou profundamente. Aquilo não ia ser fácil, embora estivesse segura de que Ivor roubava, e tinha provas para demonstrá-lo. — Ivor está te enganando, Madoc. Aumenta o pagamento das provisões que se fazem no castelo e fica com a diferença. Estendeu-lhe a lista que fez sua mãe e ela durante aqueles meses. — Estas são as ocasiões das que estamos seguras, quando minha mãe ou eu pudemos ver os pedidos que eram entregues e contar os produtos. Depois, eu comparava o número que nós tínhamos contado com o que Ivor tinha em suas contas, e a quantidade que pagava. Como pode ver, há várias discrepâncias. Madoc tomou a lista e leu as colunas de produtos e cifras. — Sei que crê que é seu amigo e confia nele, mas está te enganando. E, ao te enganar, também rouba a nosso filho, de sua herança futura se for um menino, ou de seu dote, se for uma menina. — Ivor não me roubaria — disse Madoc com calma, sem deixar de olhar a lista. — Ivor não. — Tem a prova em suas mãos. Há muitas diferenças para que sejam enganos
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ou confusões, Madoc. É algo que se repetiu durante meses. Provavelmente, leva anos fazendo-o. Madoc elevou o olhar e lhe tendeu a mão. — Ocupar-me-ei disto agora mesmo. Como você o acusa, acredito que deveria vir comigo. Ela não tinha previsto aquilo. Entretanto, não temia enfrentar ao administrador, porque tinha razão e sabia. Tomou a mão de Madoc e se agarrou com força para poder ficar em pé. Era a primeira vez que se tocavam desde que ele a tinha levado ao seu aposento, quando Roslynn havia retornado de Pontyrmwr. E, como antes, o contato com sua pele lhe provocou calidez e emoção. E, naquela ocasião, também a encheu de arrependimento. Madoc, caminhando com lentidão por ela, acompanhou-a pelas escadas até o salão, onde sua mãe esperava. Madoc não disse nada a lady Eloise e Roslynn sacudiu a cabeça ligeiramente para indicar a sua mãe que não fizesse perguntas. Eles continuaram seu caminho e, quando passaram por diante da cozinha, deixaram aos serventes sussurrando e especulando. A porta do escritório estava aberta e Ivor estava sentado em sua mesa. Ao ouvi-los, elevou a vista e sorriu. — Madoc — disse, enquanto ficava em pé. — E lady Roslynn! A que devo a honra? — Preciso ver as notas dos pagamentos que tem feito aos mercados durante os últimos seis meses — disse Madoc, e olhou Roslynn. — E minha esposa tem que sentar-se. — Estou bem — disse Roslynn. — Posso estar de pé durante um momento. — Eu preferiria que se sentasse. Ivor lhe aproximou obsequiosamente a cadeira. Como ela não queria distrair
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Madoc de seu propósito, sentou-se sem protestar. Enquanto, Ivor tirou vários cilindros de pergaminho e os pôs sobre a mesa, olhando de vez em quando o que Madoc tinha na mão. — Ocorre algo, Madoc? — perguntou ao terminar. — Espero que não — respondeu Madoc, em um tom controlado, embora se notasse que estava muito tenso. Ela notou aquela tensão nas comissuras de seus lábios e as rugas que lhe formaram na testa enquanto ele começava a comparar as listas. — O que acontece, Madoc? — perguntou-lhe Ivor. — O que é esse pergaminho? — São as notas de minha esposa sobre os pedidos que se entregaram no castelo. Como pode ver as cifras não concordam com as tuas. Parece que estiveste pagando mais produtos dos que recebíamos. Olhou Ivor com aborrecimento. — Como ocorreu várias vezes, parece-me difícil acreditar que só seja um engano. Ivor se ruborizou e olhou Roslynn antes de responder Madoc. — Isso é o que ela diz e vejo que só ela te deu a suposta prova. Esta acusação não tem nada a ver com as provisões e os preços, Madoc. Criou essa prova falsa porque nunca me aceitou e do primeiro dia que chegou quis que me fosse. De fato, odeia-me e quer que você também me odeie. — Eu não tinha razão para desconfiar de você — replicou Roslynn — até que vi uma discrepância que me fez suspeitar que algo não ia bem nas contas da casa. Se lhe acuso de fazer algo mal é porque tenho motivos, tal e como demonstram as provas. — Eu também tenho listas, milady — disse Ivor. — É sua palavra, e seu documento, contra os meus. E se estava pensado que eu era um criminoso, por que
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esperou até agora para dizê-lo? Sua primeira anotação é de meses. — Porque precisava estar segura do que estava ocorrendo, e ter vários exemplos de seu engano. Minha mãe também... — Sua mãe? — perguntou Ivor com desprezo. — Sua mãe normanda? Madoc também vai acreditar nela antes que a mim? — Eu sou a esposa de Madoc e a castelã de Llanpowell. Meu dever é revisar os gastos, algo que você impediu desde o começo. Por que, Ivor? Se todos seus entendimentos eram honestos, por que obstaculizastes meu trabalho? — Seu trabalho? Nós não éramos uns meninos indefesos quando chegou! Bem, senhora, agora tampouco o somos, e não necessitamos sua interferência aqui. — Não era nenhuma interferência. Eu só queria cumprir com minha responsabilidade como castelã. Quanto tempo leva roubando ao homem que chama seu amigo? Quantos anos? E por quê? Para ser rico? Porque sente ciúme? Por vingança, possivelmente, porque sua mãe era normanda e ele ajudou ao rei normando? Ivor ficou olhando-a com uma mescla de pânico e desprezo, e quando falou de novo, o medo tingia sua voz. — Não há nada do que tenha ou queira Madoc que eu pudesse roubar. Ele é meu amigo, quase meu irmão — disse, e se voltou para Madoc. — Diga-lhe Madoc. Ou é que acredita nela? Tão pouco confia em mim? É que todo meu trabalho e minha amizade não contam para nada? — Aonde vai, Ivor? — perguntou-lhe Madoc com calma. — Onde está durante todos esses momentos durante os quais ninguém pode te encontrar? Eu sempre pensei que fosse ver uma mulher. Agora o duvido. Possivelmente te aproxime até Pontyrmwr. Possivelmente inclusive se reúne com meu irmão e lhe conte meus planos.
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— É que vais acusar-me disso também? Se houver uma espiã em Llanpowell, é ela! — gritou Ivor. — Espião? Eu não sou uma espiã! — protestou Roslynn, horrorizada. — Se fosse uma espiã, teria tentado conquistar Madoc assim que cheguei, não lutar contra a inclinação de minha alma e meu corpo. Madoc, não deve acreditar que eu tinha esse motivo quando vim aqui. — Não, não acredito, porque como diz, não inflamou nossa relação. — Isso era para inflamar seu desejo! — exclamou Ivor. — É que é tão parvo que não o vê? Como sabe que o filho que vai ter é teu? — Porque a conheço — declarou Madoc. — Sei que é uma mulher honrável, decente, e que não é nenhuma espiã de John, nem de ninguém. Mas você, Ivor... Quem sabia melhor que você onde estavam minhas patrulhas e por quantos homens estavam formadas? Quanto tempo leva sendo um câncer em minha casa? Desde o começo, ou só desde que me casei com Gwendolyn? Vi sua cara quando dizia meus votos aquele dia, mas pensei que seu horror era uma reação natural ao que tinha feito Trefor, e ao matrimônio que estava se celebrando para repará-lo. Agora acredito que o que vi era outra coisa, consternação, angústia e desespero, porque amava Gwendolyn tanto como a amava Trefor. Quem disse a meu irmão onde eu estava à noite que estava com Haldis? Depois de tudo, não estávamos em um lugar visível. Que outra pessoa vigia todas as idas e vindas do salão com tanto empenho como você? Foi coisa tua que Trefor nos encontrasse? Mentiu-lhe, também, e disse que eu estava com Gwendolyn? Por Deus, agora acredito que sim o fez. E depois, tentou criar problemas entre Roslynn e eu, e o conseguiu. Por quê? Ainda me odeia tanto por haver lhe tirado Gwendolyn? Que outra coisa te tenho feito na vida? Ivor, pálido e com os olhos exagerados, viu como Madoc se aproximava dele e abriu a boca como se fora a falar, mas não emitiu nenhum som.
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— Graças a Deus que Roslynn averiguou a verdade — disse Madoc — e que teve a generosidade de me dizer isso apesar de tudo o que você tem feito para destroçar nossa felicidade. Ela não é uma mulher mesquinha e ciumenta para fazer uma acusação falsa, não como você. A expressão de Madoc se voltou de firmeza, de frieza. — Por nossa amizade, porque uma vez fomos amigos, concedo-te sua vida e a liberdade. Mas partirá hoje mesmo de Llanpowell Ivor, tão somente com as roupas que leva postas. Se voltar alguma vez, farei que o prendam e o acusem de roubo. — Diz a sério? — perguntou Ivor, balbuciando com incredulidade, vermelho como o sangue. — vai acreditar nela antes que a mim? Vai acreditar nessa prova falsa? — Sim — respondeu Madoc. — E agora vá, ou terá que te enfrentar à justiça do rei, e à minha. Ivor foi para a porta. — Me ouça, Madoc. Lamentará este dia, e o dia em que te casou com essa bruxa normanda. Quando se foi, Madoc estendeu as mãos sobre a mesa e inclinou a cabeça. — Que Deus me ajude — sussurrou, com o coração encolhido de dor, embora soubesse que tinha feito o correto. Quando Roslynn lhe mostrou a lista e contou o que suspeitava, quando ele tinha revisado aquelas notas e todos seus medos se confirmaram, todas as lembranças e as impressões meio esquecidas se fundiram em sua mente e o fizeram ver Ivor, e a verdade se abriu como um raio. Madoc levantou a cabeça para olhar Roslynn, sua esposa inteligente, generosa e decente, e a viu agarrando os braços da cadeira como se fosse cair, com o rosto pálido, a saia da túnica empapada e um atoleiro a seus pés.
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Capítulo 22
Um momento depois, Roslynn estava estendida em uma cama de palha que se dispôs em seu aposento, agarrando com força à mão de sua mãe. — É muito cedo! — sussurrou com angústia. — O bebê não pode nascer ainda! — Sim — disse a parteira. Madoc fez que a levassem imediatamente ao castelo e, naquele momento estava junto à mesa, revolvendo algo em uma taça, que se supunha que ia mitigar a dor. — Não se pode deter, assim será melhor que siga deitada e descanse enquanto possa milady. Roslynn apertou a mão de sua mãe enquanto a olhava com desespero. — O bebê... estará bem se nascer tão cedo? — Estará bem — respondeu sua mãe, embora as rugas de preocupação de sua testa contradiziam suas palavras. — Você nasceu com duas semanas de adiantamento, e foi perfeita. O ventre de Roslynn se contraiu de novo, e ela deixou escapar um grunhido de dor. — Não sangra milady? — perguntou a parteira a lady Eloise enquanto se aproximava com uma infusão feita de casca de salgueiro. — Não — respondeu a dama, e as duas mulheres se olharam.
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— O que? O que acontece? — perguntou Roslynn, ofegando de dor. — Isso é bom — disse sua mãe, passando a mão fresca pela testa de sua filha. Chegou outra contração, e Roslynn se retorceu e pegou a taça da mão da parteira. — Vamos, vamos querida, deve estar quieta — disse a parteira. — Possivelmente ainda fique muito tempo — acrescentou, e se dirigiu a lady Eloise. — Possivelmente necessitemos ajuda para segurá-la. — Estarei quieta! — gritou Roslynn. Não queria que os serventes a vissem lutando, nem que ouvissem seus gritos de dor. Imaginava quão olhadas fossem trocar, e ela não podia suportar vê-lo. Sabiam contar o suficiente para dar-se conta de que não tinha passado nove meses. E Madoc... o que devia estar pensando... Grunhiu de novo e mordeu o lábio, lutando por não gritar, para poder suportar a dor, para sofrer em silêncio. Acaso não tinha sobrevivido aos golpes e os chutes de Wimarc e aprendeu a não chorar e dissimular o horrível dano que o fazia? E se Wimarc fez algo quando a golpeou? E se ela estava sofrendo tanto, e o bebê se adiantou por algo que ele fez? E se estava morrendo? Devia dizer a Madoc que lamentava muitas coisas, mas, sobretudo lhe haver feito mal. Não ter sido mais valente e mais forte, e não ter acreditado que ele poderia dominar-se em sua raiva. Que ele pagou sem merecer o preço das ações de outro homem, e ela também. Devia lhe dizer que se arrependia de haver partido de Llanpowell, e que queria ficar. Porque o amava e o necessitava. — Mãe, vá procurar Madoc — rogou enquanto, como um punho que lhe aprisionava o ventre, apanhou-a outra contração. — Por favor, traz Madoc!
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— Não deixo entrar maridos — disse a parteira com aspereza. — O único que fazem é incomodar. Ou desmaiar. Vi a... — Mãe, por favor! — É obvio. Como você queira Roslynn — disse lady Eloise, e ficou em pé. — Agora mesmo. A parteira estava a ponto de protestar, mas então olhou lady Eloise, e sabiamente fechou a boca. — Seu pai nunca gostou de Ivor, sabe? — disse Lloyd depois de ter tomado outro gole de cerveja, enquanto Madoc percorria o estrado de um lado a outro. — Dizia que era muito esperto. Mas você o queria, e ele não sabia que o menino fizesse nada mau, assim que lhe deixou, embora não era nenhum segredo que Ivor odiava aos normandos. Madoc, tentando ouvir algo do piso de cima, tomou um sorvo de vinho. Ivor odiava aos normandos porque os culpava de sua claudicação. E se seu filho também tinha uma lesão de nascimento por ter sido prematuro? March, a parteira, havia dito que devia nascer em março. E ainda era fevereiro. — Bom — continuou Lloyd, como se lhe tivesse lido o pensamento. — Está o irmão de Ioan, que chegou um mês antes de seu dia, e foi um menino precioso, enorme. Sua Santa mãe sempre dizia que se tivesse completado toda a gravidez, a teria matado ao nascer. Como parir um boi — disse Lloyd, rindo, e tomou outro sorvo. — Ai, que Deus me perdoe, mas tinha muita arte para a conquista, a mãe de Ioan. — O menino é meu — disse Madoc, o suficientemente alto para que o ouvisse todo mundo que havia no salão, os soldados, os serventes, Bron, que levava mais vinho, tio Lloyd, e que ninguém duvidasse da honra de sua esposa.
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— E quem disse o contrário? — perguntou-lhe seu tio, surpreso de que alguém pudesse duvidá-lo — estou seguro que a deixou grávida na noite de bodas, porque é como um touro. Trefor também foi concebido assim. Disse-me isso seu próprio pai, e você é igual a Gruffydd. Ouviu passos que saíam do aposento. Madoc esteve junto à escada em um instante. Lady Eloísa apareceu com uma expressão tão ansiosa e preocupada como a dele. — Madoc, quer ver-te — lhe disse. — Será melhor que te dê pressa. — Roslynn... ela não está... não... Lady Eloise sorriu ligeiramente, com doçura, e o coração de Madoc começou a pulsar outra vez. — Minha filha é uma moça jovem e sã. Acredito que o superará, e o menino também. Mas quer ver-te, e acredito que deveria. Quando Madoc se dispunha a subir a toda pressa, lady Eloise lhe pôs a mão em um braço para detê-lo. — Há uma vantagem em um parto prematuro, Madoc. O bebê será menor. Pensa isso, e não deixe que Roslynn veja seu medo. Ela necessita sua força e sua segurança. — É obvio — respondeu Madoc, e a necessidade se abriu passo entre o temor. Aquilo era algo que ele podia fazer por ela, e precisava fazer algo. Quando entrou em aposento, encontrou Roslynn pálida e débil sobre a cama, com a tensão do parto no semblante. Entretanto, ela conseguiu lhe sorrir ao vê-lo, e o chamou. Entusiasmado e aliviado por aquele sorriso, rapidamente se ajoelhou ao seu lado e lhe deu um beijo na testa empapada de suor.
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— Roslynn, minha rosa, minha doce rosa. — Madoc, eu... — ela fechou os olhos e dos lábios lhe escapou um gemido de dor. — Agora que a viu, pode partir milord — disse a parteira. Madoc não tinha visto aquela mulher ao entrar. A recordava bem do parto de Gwendolyn, com seu cabelo cinza e sua expressão de general. Ele a tinha obedecido quando Gwendolyn estava dando a luz, e deveria obedecê-la naquele momento. Entretanto, vacilou. Devia dizer a Roslynn o que sentia se por acaso as coisas saíam mal. — Roslynn, minha rosa, amo-te. Quero-te mais que a minha vida. Ele não soube se ela o tinha ouvido, mas Roslynn se aferrou a sua mão como uma armadilha. — Madoc — disse com um ofego, quando sentiu outra contração. — Não vá. Fica comigo, por favor. Tendo ouvido sua declaração ou não, se Roslynn queria que ficasse, ia ficar, e ninguém, nem a parteira, nem a mãe de Roslynn, nem o rei, nem seu exército, conseguiriam que saísse. — Estarei aqui, Roslynn. A parteira abriu a boca, mas depois sacudiu a cabeça e disse: — Está bem, milord. Mas se afaste de meu caminho. — É muito arrogante, verdade? — murmurou Roslynn com os olhos meio fechados. — Quase tão arrogante como o senhor de Llanpowell. A ele lhe encolheu o coração, até que viu que ela sorria fracamente. — O senhor que me ama. — Amo-te, Roslynn, pelos anjos do céu, amo-te. — Me alegro tanto de estar em casa.
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Em casa. Ela havia dito que Llanpowell era sua casa. Aquilo tinha que significar... O rosto de Roslynn se congestionou de angústia. Arqueou-se entre ofegos. Madoc olhou com desespero à parteira. — Tem que fazer algo! — Fiz tudo o que posso — respondeu ela. — Agora está tudo entre ela e os anjos, e o bebê tem que abrir caminho. Lady Eloise se ajoelhou ao outro lado da cama, com o rosto tão pálido como o de sua filha. — Não falta muito — disse aos dois. — Em pouco tempo haverá um bebê para amar e mimar. Lorde James lamentará não ter podido estar aqui. Roslynn relaxou um pouco e abriu os olhos. — Madoc, sinto-o muito... — retorceu-se e gemeu de novo. — Sou eu quem o sente — disse ele com ardor. — Sinto ter sido um idiota teimoso. Sinto ter te assustado e ter feito que fugisse. Ela abriu os olhos e lhe apertou a mão. — O bebê é teu, Madoc. Juro-te por minha vida que o menino é teu. — Nunca o duvidei — disse Madoc, mais aborrecido inclusive pelo fato de que ela acreditasse que ele tinha albergado aquelas dúvidas. Acariciou-lhe a bochecha pálida, o cabelo úmido. — Só tenho que me lembrar de como fugia de minhas carícias no princípio, e isso que você gostava de mim — lhe disse, tentando fazer que sorrisse de novo, e que acreditasse que confiava nela. — Esses idiotas presunçosos da corte do rei não tiveram nem a mínima possibilidade contigo. — Nem a mínima — disse ela em um sussurro, antes de sofrer outra contração. Gritou e lhe apertou a mão como se fosse quebrá-la. A parteira se colocou a seus pés. Empurrou as pernas de Roslynn para que lhe
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juntassem as plantas dos pés e lhe separassem os joelhos. — Permitam que se agarre — disse a Madoc e a sua sogra, embora não era necessário. — Agora, milady — ordenou a Roslynn. — Empurre. Empurre com força! — Lloyd? Lloyd elevou a cabeça e piscou, tentando concentrar-se em Ioan e não recordar o grito dilacerador que acabava de atravessar o silêncio um instante antes. Não queria saber que Roslynn tivesse morrido. Não queria ver Madoc como se ele também tivesse morrido. Outra vez não. — Parte — disse, e voltou a baixar a cabeça. Ioan o sacudiu brandamente do ombro. — Lloyd, o normando retornou. — Que normando? Esse estirado de lorde Alfred? — Não. O pai de lady Roslynn. Lloyd levou a mão à cabeça e se incorporou. — O que? Aqui? Agora? Ouviu-se outro grito, naquela ocasião mais afogado, e Lloyd teve vontade de grunhir, sobretudo ao ver que lorde James passava ao salão e o atravessava rapidamente. Até que ressonou outro grito. Então, o normando empalideceu e olhou por toda a estadia com grande preocupação. — Onde está minha filha? — Em seu aposento, tendo o bebê — lhe disse Lloyd. — Agora mesmo? — Sim. O que pensava, que a estávamos torturando? — Não sei... — o normando fechou a boca e sacudiu a cabeça. — Minha
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mulher está com ela? — É obvio. — Desde quando? — Desde ontem. — Deus Santo! — exclamou lorde James, e passou a mão pela barba. — E há uma parteira? Uma boa? — A melhor de toda a zona. E Madoc também está com ela. — Seu marido está no aposento? — Não tivemos nenhuma notícia de que corra perigo — assegurou Lloyd a lorde James, e a si mesmo também. Entretanto, naquele momento, outro grito, pior que todos os anteriores gelou o sangue a todos. — Tenho que ver minha filha! — gritou lorde James, e se lançou para as escadas. Sem saber o que fazer Lloyd o seguiu. No mesmo instante em que chegaram à porta do dormitório, apareceu Madoc. Era evidente que estava esgotado, mas sorriu ao ver os dois homens, um após o outro. — Está bem, graças a Deus — disse com orgulho e alegria. — foi muito duro, mas o superou e tivemos um filho. É perfeito e está são. Para confirmá-lo, o grito viçoso de um bebê encheu o ar, e lady Eloise saiu com um fardo precioso e gritalhão entre os braços. — Aqui está, James — disse a dama, com os olhos cheios de lágrimas de felicidade e alívio. — Não é igual à Roslynn? — Sim, um pouco, admito-o — disse Lloyd, observando a carinha vermelha do bebê por cima do ombro de lorde James. — Mas tem o nariz de Madoc. E seu cabelo. E o queixo. As orelhas são como as do pai de Madoc. E essa boquinha poderia ser a
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minha. — Madoc, diga que Mascem é ele mesmo — lhe pediu Roslynn cansadamente. — Filha! — gritou lorde James, e tentou passar ao dormitório, até que a parteira se interpôs em seu caminho. — Nada de visitas, e menos de homens — disse ela, recuperando o mando. — A senhora precisa descansar, e o bebê também. Devem partir para fazer o que fazem os homens nestas ocasiões. Vê-los-ão pela manhã. Você também, milord — disse a Madoc, empurrando-o para fora da habitação. Depois fez entrar lady Eloise com o bebê e fechou a porta. Lloyd esfregou as mãos com alegria. — Outro menino! A celebração vai durar toda a noite, acredito. Graças a Deus que temos muita cerveja e muito vinho! Madoc sacudiu a cabeça enquanto começava a baixar as escadas. — Terão que começar sem mim — disse. — Tenho que ir cumprir uma promessa. Hugh, o Pico olhou ao Ioan. Ambos cavalgavam junto a um pequeno grupo de soldados. Tinha passado o meio-dia, mas em vez de estar comodamente sentados no salão de Llanpowell, brindando pelo filho recém-nascido do senhor, dirigiam-se ao sul com Madoc, por um caminho que mal se usava, e não sabiam aonde iam, nem por que. Ao cabo de uns minutos, Ioan suspirou e se aproximou de Madoc, fingindo bom humor. — Bem, senhor — lhe disse. — Aonde vamos? — Estava me perguntando quanto demoraria em me perguntar— respondeu Madoc. — Vamos a...
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Ouviram o assobio de uma flecha que passou junto à cabeça de Madoc. Entre gritos de alarme, ambos puxaram as rédeas enquanto voavam mais flechas a seu redor. Uma delas cravou no braço direito de Ioan. Com um grunhido, caiu ao chão. — Desmontem! Desmontem! — gritou Madoc, enquanto se desprendia de seus arreios. Assim que tocou o chão, desembainhou a espada, deu uma palmada na garupa para que o animal escapasse da emboscada e, mantendo-se perto do chão, correu para Ioan, que estava gemendo de dor. — Deus, o braço não! — murmurou entre dentes, agarrando a haste da flecha que lhe sobressaía da carne. — Como vou poder segurar a cerveja? Se Ioan podia fazer brincadeiras, não devia estar gravemente ferido ou, ao menos, isso esperava Madoc. Avaliou rapidamente a situação. Os atacantes estavam em um bosquezinho que havia à direita, assim estavam bem próximos. As árvores eram mais escassas do outro lado do caminho, mas havia algumas pedras grandes que podiam protegê-los das flechas e dar a seus homens tempo para reagrupar-se. — Às rochas! — gritou-lhes. Madoc arrastou Ioan pelo braço saudável. Seu amigo o ajudou empurrando-se com os pés, até que chegaram a uma pedra atrás da qual puderam ocultar-se. — Graças a Deus que têm muito má pontaria — murmurou Ioan quando ficou estendido no chão, pálido, com os lábios azulados, agarrando a flecha, enquanto o sangue se estendia pela manga de sua camisa. — Hugh! — gritou Madoc, tentando averiguar onde estavam seus homens sem converter-se em alvo dos atacantes. — Estamos todos aqui, Madoc — disse Pico. — Só Ioan foi tão tolo para que lhe atingissem.
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— Isso que é um amigo — resmungou Ioan com os dentes apertados. — Fique aqui — ordenou-lhe Madoc enquanto começava a arrastar-se para Hugh e os outros, que estavam a uns metros de distância. — Não é provável que vá a nenhuma parte, não crê? — Eles têm a vantagem de estar em terreno alto — disse Madoc a Hugh, enquanto estavam escondidos atrás da pedra. — O riacho que atravessamos forma um vale atrás da colina. Poderíamos voltar por trás, seguir o rio e aparecer por trás deles. O terreno é rochoso, assim não nos ouviriam. — Se ainda seguem aí — disse Hugh, em dúvida. — Possivelmente decidam mover-se. Ou ir-se — acrescentou com esperança. — Acredito que vão sitiar-nos — disse Madoc. — Nos têm apanhados, e sabem. — Mas não temos nada que possam nos roubar, salvo a roupa e as armas, agora que se foram se foram. — Acredito que sua intenção não é roubar — respondeu Madoc, lamentando não ter levado mais homens. Aquela flecha tinha passado muito perto de sua cabeça para ser uma advertência ou para obrigar-lhes a deter-se. — O que, então? Assassinar? — Sim. — Trefor? — Possivelmente, mas espero que não. Não naquele momento, quando estava disposto a dizer a verdade a Trefor. Quando tinha tomado seu filho recém-nascido nos braços, deu-se conta de que tinha chegado o momento de que se soubesse a verdade, independente do preço. Embora aquilo pudesse significar perder para sempre a Roslynn. — Então, crê que vão esperar? — perguntou um moço chamado Gwillym sem fôlego, fazendo todo o possível por ser valente.
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— Não se os atacamos como é minha intenção. — E Ioan? — perguntou Hugh. — Não podemos deixá-lo aí. Madoc não tinha escolha e disse a seus homens. — Voltaremos por ele assim que possamos — prometeu. — Eu ficarei aqui com ele. Se me mostrar de vez em quando, pensarão que ainda estamos todos aqui — disse Gwillym, embora soubesse que se converteria em um alvo e no último homem que enfrentaria a morte segura se os outros fracassavam. — Muito bem — disse Madoc, admirando sua coragem. — Não revele sua presença frequentemente e não corra riscos desnecessários nem tente te fazer de herói — disse ao menino, com um sorriso alentador. — Isso é tarefa do senhor.
Capítulo 23
Madoc elevou a mão para indicar a seus homens que se detivessem no fundo do estreito vale que tinha criado o riacho. Depois lhes assinalou o topo da colina apenas visível entre as samambaias, as árvores e os acebos. Havia um homem de aspecto tosco, vestido de couro e lã, apontando com uma flecha. Tinha o cabelo comprido, gordurento e despenteado, a barba espessa e um aspecto miserável, mais que qualquer outro homem de Trefor.
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Possivelmente aqueles homens fossem ladrões e não assassinos e estivessem desesperados por atacar a qualquer viajante, inclusive a soldados armados. Madoc indicou ao Hugh que se unisse a ele. — Vê algum mais? — sussurrou-lhe, quando a brisa movia as folhas das árvores. Hugh negou com a cabeça. — Esperem todos aqui — ordenou Madoc a seus homens. Adiantou-se sozinho e se arrastou sigilosamente até que esteve situado em cima de um grupo de atacantes que estavam reunidos em um só ponto, de costas para ele. Não era inteligente estar tão juntos. Provavelmente não eram soldados profissionais nem assassinos, assim não deviam havê-los contratado para que atacassem a ele especificamente, pensou Madoc com alívio, e voltou para Hugh e seus homens. Então assinalou ao Hugh e depois ao arqueiro que estava sobre eles, em uma ordem silenciosa. Com uma expressão séria, Hugh se deslizou através das samambaias como se fosse uma serpente e chegou às costas do homem. Passou o braço ao arqueiro pelo pescoço, puxou ele para trás e o afundou entre a folhagem antes que o bandido pudesse emitir o menor som. Enquanto, alheios ao perigo que havia bem debaixo deles, os outros atacantes continuavam disparando flechas. — Maldita seja, que tipo de mulheres são, escondendo-se atrás de uma rocha? — perguntou uma voz curtida do centro do grupo. — Nunca me caiu bem Madoc, mas não pensava que fosse um covarde. Rhodri. Madoc reconheceu sua voz e seus homens também. E se Rhodri estava ali, isso significava que Trefor...
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— Madoc se abrandou, hei-lhe dito isso. Está enfeitiçado por essa mulher. Ivor. Madoc reprimiu um ofego de surpresa e seus homens ficaram igualmente impressionados. O que estavam fazendo juntos Rhodri e Ivor e, além disso, atacando-os? Hugh segurou a manga de Madoc. — Rhodri não é um tipo paciente — sussurrou. Madoc assentiu. Entendia o que queria lhe dizer. Se iam atacar, deviam fazê-lo rapidamente. Ele olhou a seus homens, levantou a espada e ficou em pé de um salto. Depois emitiu o grito de guerra de sua família e se lançou diretamente para Rhodri e Ivor. Os atacantes se dispersaram para o riacho. Aqueles que tinham flechas preparadas as dispararam. Um dos homens de Madoc caiu ferido no pé por uma flechada. Madoc não se deteve, nem tampouco nenhum de seus homens. Com as espadas em alto, lutaram contra os delinquentes sem prestar atenção às puas do acebo nem às flechas que voavam a seu redor. Madoc enfrentou primeiro a Rhodri. Rhodri era um bom guerreiro, mas Madoc era melhor e, antes que seu oponente pudesse dar um golpe, Madoc afundou a espada na lateral e a folha cortou couro, tecido, pele e osso até que, com um grito, Rhodri caiu ao chão. Depois, sem esperar para vê-lo morrer, Madoc procurou Ivor com o olhar, enquanto seus homens se encarregavam do resto de seus inimigos e apanharam a todos os que tentaram escapar. Ivor não podia correr e, como Madoc o conhecia desde que eram meninos, sabia onde devia procurar seu esconderijo. Aproximou-se do arbusto mais denso de
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acebo, colocou a mão enluvada no interior e puxou um pé. O acebo tremeu e ouviram-se as maldições de Ivor enquanto esperneava e tentava resistir a Madoc. Embora Ivor treinasse com a espada, sim sabia usar muito bem a adaga. Madoc também sabia, assim estava preparado para esquivar-se da navalhada que lançou Ivor. Com um golpe da espada, lançou a adaga pelos ares e, antes que Ivor pudesse fugir, pôs-lhe a bota sobre o peito. Depois pôs a ponta da espada no pescoço de seu antigo administrador e o olhou com desgosto. — Confiava em ti, Ivor, como em nenhum outro. Queria-te como um irmão, inclusive mais que a mim mesmo. E assim me pagaste o amor, a lealdade e a fé? Põeme doente me dar conta quão equivocado estava e saber que, se Roslynn não tivesse vindo a Llanpowell, possivelmente nunca saberia a verdade. — Me economize suas choramingações — disse Ivor com ódio. — Estou farto de ouvir falar de seus problemas, a ti, que tiveste sempre tudo o que um homem podia desejar. Mate-me e acaba de uma vez. Madoc sacudiu a cabeça com tristeza. Tirou o pé e retrocedeu sem afastar a espada do pescoço de Ivor. — Sem um julgamento? Sem que todo mundo, incluído Trefor, saiba o que fez, e o que é? Eram estes homens que roubavam as ovelhas, não é? Seguindo suas ordens, ou as de Rhodri, ou as de ambos. E era você quem lhes dizia onde estariam as minhas patrulhas, para que não os apanhassem. — Eu me uni a eles depois de que me jogasse de Llanpowell — disse Ivor. — Era isso, ou morrer de fome. — Esperas que acredite que Rhodri os dirigia? — perguntou Madoc com ceticismo. — Ou é que ele também acaba de ser expulso de Pontyrmwr? — Piedade, milord! — gritou um dos atacantes a quem acabavam de capturar.
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Hugh estava arrastando-o para Madoc pela túnica, e o atirou ao chão. O ladrão, que estava muito magro e tinha marcas de varíola, elevou a cabeça. Seus olhos desesperados olhavam a todas as partes enquanto tentava umedecer os lábios ressecados. — Piedade, milord — repetiu. — me perdoe à vida e lhe contarei tudo! O aleijado é nosso chefe, milord. Ele e o outro bandido a quem mataste! — Este homem venderia sua mãe por umas moedas, Madoc — disse Ivor com desprezo. — Não o acredite. — Entretanto, você está com ele — disse Madoc, cada vez mais furioso. — Hugh, ata as mãos de Ivor. E a este homem também. Quero ouvir o que tiver que dizer. Olhando Ivor como se cheirasse a pescado podre, Hugh fez o que lhe indicou enquanto Madoc ficava junto a eles com a espada preparada. Quando terminou, Hugh sentou os dois homens no chão. Madoc embainhou a espada e se agachou para estar cara a cara com eles. O ladrão voltou a lamber os lábios gretados e falou sem esperar as perguntas de Madoc. — Ele nos prometeu uma fortuna, milord, o aleijado. E Rhodri também. Disseram que se nos uníssemos a eles seríamos ricos, mas nunca vimos uma moeda. Ficavam com tudo e, se algum nós nos queixávamos ou ameaçávamos partir, o aleijado dizia que mandaria você ou seu irmão em nossa perseguição e que nos pendurariam. Ou que eles nos matariam. Estávamos apanhados. Eles fizeram tudo, tanto das ovelhas e quanto do carneiro também. — Te economize o esforço, Guto — grunhiu Ivor. — Diga o que diga, dará igual. Já estamos mortos. O ladrão fez caso omisso suas palavras. Ficou de joelhos e rogou a Madoc.
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— É certo, milord. Eu queria ir, mas não podia. — Serão julgados de acordo com a lei — disse o senhor de Llanpowell. — A lei normanda — murmurou Ivor. — De todos os modos, vão ser enforcados — disse Madoc a Ivor enquanto se levantava, esforçando-se por conter a raiva. — Enquanto você passa suas noites com essa prostituta normanda que te enviou o rei John em pagamento por seus serviços. O ladrão começou a choramingar e Ivor empalideceu porque a expressão de Madoc teria causado o medo de qualquer homem. — Não volte a falar de minha mulher nunca mais — ordenou-lhe. — Não é digno nem sequer de lhe beijar a barra do vestido. Ivor lutou por ficar em pé. — Qualquer galês vale por dez normandos! E quanto a ela... — cuspiu no chão, aos pés de Madoc — isso é para ela. Madoc agarrou o punho da espada. Nunca havia se sentido mais furioso, mais perto de matar a um homem, mas inclusive em meio da raiva que sentia, deu-se conta de que o que Ivor queria era que ele perdesse os estribos, precisamente. — Quer que te ataque, não é, Ivor? — disse-lhe. — Quer uma morte rápida, verdade? Não. Isso seria muito fácil. — Bruto luxurioso! — gritou-lhe Ivor. — Peão dos normandos! Acaso pensa que vou permitir que me converta em um espetáculo público? Que vou deixar que a gente se burle de mim de caminho à morte? Já tive suficiente burla quando era menino e era dez vezes melhor que todos vocês! Ao ver a fúria amarga de Ivor, Madoc se acalmou, embora não perdeu a intenção de levar seu antigo amigo ante a justiça.
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— De mim também burlavam, Ivor. — Oh, sim. O filho do senhor. Burlavam um pouco porque era calado e gaguejava — respondeu Ivor. — Isso não era nada comparado com o que me chamavam. — Te dei um posto de responsabilidade e confiança. — Era seu maldito administrador! — gritou Ivor. — A isso cheguei, por culpa dos normandos! Entretanto, você queria que me sentisse agradecido. Que te lambesse as botas e te beijasse os pés e te agradecesse pelos miolos que me soltava, até que deu a uma puta normanda poder sobre mim. Nunca permitirei que me exiba e me submeta ao ridículo. Nem ante um tribunal, nem em nenhum outro lugar! Então, Ivor pôs-se a correr. Correu como um possesso, com a cabeça agachada e as mãos atadas, e se lançou contra o tronco de um enorme carvalho. Houve um estalo horrível quando se golpeou de cabeça contra ele; depois caiu a um lado. — Ivor! Madoc correu a seu lado e o estendeu de barriga para cima. A cabeça de Ivor pendurava como se fosse a cabeça quebrada de um boneco e seus olhos tinham o olhar perdido. De seu nariz brotava um fio de sangue e, também, de uma ferida da testa. — Oh, Ivor — sussurrou Madoc enquanto abraçava seu amigo. Uma vez acreditou em Ivor e tinham sido como irmãos. Madoc ainda estava abraçando o corpo de Ivor quando Hugh apareceu com os cavalos. Tinha colocado Rhodri sobre um deles. — Madoc? — Ivor se matou — murmurou. Ainda estava em estado de choque. Mal podia acreditar. — Correu... Então, recordou que era o senhor de Llanpowell, tomou ar e pigarreou.
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— Ivor se matou — repetiu, com a voz mais forte, enquanto deixava Ivor no chão. Hugh se benzeu, horrorizado. Os outros quatro homens de Llanpowell, que estavam um pouco afastados, fizeram o mesmo. — Ponha seu corpo sobre um cavalo — disse Madoc ao Hugh — e leva-o a Llanpowell com Ioan. O resto dos homens, que venham comigo. Porque ainda não tinha terminado sua viagem e ainda tinha que reparar um dano. O sol estava se pondo quando Trefor de Pontyrmwr viu de novo seu irmão Madoc atravessar as portas da muralha e entrar no pátio de seu castelo. Entretanto, naquela ocasião havia um menino sentado na cadeira, diante de Madoc. Era um menino moreno, de uns cinco anos, muito parecido com Madoc, que olhava a todas as partes com tanta curiosidade como um passarinho. Trefor caminhou para eles e elevou a mão. — Já é suficiente, irmão. O que quer? Não pus um pé em suas terras desde a festa da tosquia, aquela ocasião tão memorável. — Sei. Não é isso o que me trouxe aqui. — Então, vieste desfrutar, agora que tem outro filho? Já me inteirei. As notícias viajam rápido por aqui. — Quem lhe disse isso? Rhodri? — Pode ser. Vejo que trouxeste seu outro filho, também. Fez bem, irmão, porque não te farei mal com o filho de Gwendolyn presente. Do contrário, atirar-te-ia desse cavalo e te liquidaria agora mesmo. — Poderia tentá-lo. Entretanto, não vim desfrutar, nem lutar contigo — disse Madoc enquanto desmontava. Depois se voltou e baixou Owain do cavalo. Com o menino ao seu lado, assombrado, Madoc se ajoelhou e baixou a cabeça.
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— Vim te pedir perdão, Trefor. Causei-te um grande prejuízo. Trefor, com cara de receio, esperando algum tipo de truque, deu um passo atrás e levou a mão à espada. — Também tenho feito mal a Owain — admitiu Madoc, ignorando a ação de seu irmão. Depois se voltou para o menino. — Owain, fiz algo desprezível, terrível. Por ira, desprezo e ressentimento, mandei-te fora de Llanpowell e te menti. Eu não sou seu pai. Mantive você afastado dele. Madoc se voltou para seu irmão. — Olhe bem ao Owain, Trefor, e verá a verdade e a razão pela qual o enviei fora de Llanpowell. Trefor ficou boquiaberto enquanto os olhava, mas, sobretudo ao menino que o olhava também com uma confusão igual, com uns olhos azul brilhante e as íris rodeadas de negro. — Trefor, Owain é teu filho, não meu — disse Madoc. — Gwendolyn já estava grávida quando nos casamos. Eu nunca fiz amor com ela, nenhuma só vez. Só amava a ti. Sempre quis a ti. Trefor cambaleou para trás, como se Madoc lhe tivesse dado um golpe mortal. Ao ver a impressão de seu irmão, aqueles cinco anos de culpabilidade e remorso e vergonha se abateram sobre ele, e Madoc nunca havia se sentido tão triste, salvo quando olhava, também, ao pequeno Owain. O que significaria aquela revelação para ele? Madoc estava se perguntando durante todo o caminho até Pontyrmwr. Entretanto, fosse o que fosse o que lhes proporcionasse o destino, embora Owain e Trefor não o perdoassem, não tinha dúvida de que estava fazendo o correto, o que deveria ter feito anos antes, tal e como prometeu a Gwendolyn. — Sinto-o muitíssimo. Peço perdão aos dois — disse com humildade, sem
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orgulho, enquanto permanecia de joelhos. Sem poder sair de seu assombro, Trefor sacudiu a cabeça. — Ela não me disse isso. Se você diz a verdade, por que ela não me contou? — Gwendolyn não estava segura, não o esteve até depois de que nos casássemos. Eu não a toquei, Trefor, por minha honra. Ela estava tão triste que nem sequer o tentei, nem aquela noite, nem nunca, porque amava a ti, não a mim. Roslynn me disse o que lhe contou: que nos tinha visto nos beijando a Gwendolyn e a mim. Não nos beijamos. Eu estava com Haldis àquela noite, Trefor. Lembra-te de Haldis, a prima de Gwendolyn, que se parecia tanto a ela? Eu nunca teria beijado Gwendolyn sabendo que ia ser sua esposa. Nunca. Pensava que a queria, mas você é meu irmão e eu nunca teria te traído. — Haldis? — repetiu Trefor com incredulidade. — Era Haldis quem estava beijando? Oh, Meu Deus... Com os braços abertos, Madoc se levantou e deu um passo para seu irmão. — Gwendolyn lamentou haver-se casado comigo desde o primeiro momento. Passou nossa noite de bodas chorando por ti e todas as noites posteriores. Nunca voltou a ser feliz, salvo uma só vez. Madoc olhou Owain, que estava em silêncio e muito quieto, face ao que lhe haviam dito. — O dia em que teve seu filho, o mesmo dia em que me fez lhe prometer que diria a verdade sobre Owain. Morreu com seu nome nos lábios, Trefor, te amando. Trefor afastou a vista de Madoc e olhou seu filho. — Rompeu sua promessa e disse que Owain era teu? E o separou de mim? — Sim, o fiz, para minha vergonha e minha tristeza — confessou Madoc. — Me dizia que era para economizar a vergonha a Gwendolyn e a nossa família, mas em realidade era para te fazer mal, porque você fez mal a ela e ela a mim. Foi uma
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vingança muito cruel, Trefor, e mereço seu ódio. Trefor fez caso omisso enquanto se aproximava e se ajoelhava para estudar a carinha receosa do menino, os enormes olhos do menino. — Meu filho. Meu filho. Meu filho, e de Gwendolyn. E então, abraçou Owain com força. — Oh, meu filho! O menino se girou e olhou Madoc. — Papai? — Não, eu sou seu tio — lhe disse Madoc com suavidade. — Este é seu pai. Eu sou seu tio e este é seu pai, que te ama. — Não tem que temer nada. Enviarei a procurar seus pais de adoção para que vivam aqui conosco — disse Trefor ao menino, com uma sabedoria que Madoc não tinha esperado, mas que lhe liberou de outra enorme carga. Ficou preocupado que Owain se angustiasse em um entorno desconhecido para ele, rodeado de estranhos, se fosse viver em Pontyrmwr. Deveria saber que não devia preocupar-se, porque Trefor trataria bem ao menino. Trefor se levantou e, quando voltou a encarar Madoc, aquela expressão dura tão familiar. Madoc esperou as recriminações, a ira, o desprezo e o asco. Esperou que Trefor o golpeasse primeiro, ou que tirasse a espada. Entretanto, não houve golpes, nem raiva. Em vez disso, o rancor se dissipou e foi substituído por uma tristeza e um remorso iguais aos de Madoc. — Deveria te odiar pelo que tem feito e antes te odiava, mas me deste algo que nunca acreditei que teria: um filho com a mulher que amei, e a que perdi por meu orgulho, por minha estupidez. Amaldiçoei-me mil vezes desde aquele terrível dia. Também amaldiçoei a ti, Madoc, mas no fundo de meu coração, sabia que reagi
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precipitadamente, irracionalmente, e com desonra. Os dois cometeram enganos terríveis, Madoc. Eu deveria ter acreditado nela. E em ti. Nunca devia ter acreditado em Ivor aquela noite, quando me disse que estava com Gwendolyn e me enviou para te buscar. Ivor. Madoc o tinha adivinhado, mas de todos os modos lhe doeu ouvi-lo. Que profundos deviam ter sido o ódio e o ciúmes de Ivor, inclusive então. — Ivor era nosso inimigo, Trefor, teu e meu. Olhou Owain, que observava Trefor com solenidade. — Possivelmente pudéssemos entrar em sua torre. É muito tarde para que voltemos para Llanpowell, e tenho muitas coisas que te contar. — Sim, é obvio — respondeu Trefor. Sorriu a seu filho, e de sua cara desapareceram anos de amargura. — Tem sorte, Owain. Minha cozinheira faz os melhores bolos de mel de toda Gales e sei que hoje assou alguns. Vamos comer uns quantos, quer? Ao Owain lhe iluminaram os olhos como duas velas enquanto tomava a mão de seu pai.
Capítulo 24
Roslynn sorriu à sua mãe quando lady Eloise se inclinou para o berço onde
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descansava seu neto e começava a lhe cantar uma canção de ninar. — É perfeito, não é? — perguntou Roslynn, embora já soubesse. — Não estou segura de dizer que o pequeno Mascem é perfeito — respondeu sua mãe, com a voz séria, mas com um sorriso que lhe formou covinhas nas bochechas. — É o bebê mais gritão que conheci. Acredito que vai derrubar todas as vigas da torre a gritos e você quererá que seja um pouco mais calado. — Não, é perfeito, e para Madoc também o parece — replicou Roslynn, e recordou a alegria e o assombro dos olhos de Madoc enquanto segurava seu filho. Todo o medo e a dor que ela tinha suportado se viram reduzidos a um nada quando a parteira entregou o bebê a seu marido. Lady Eloise pegou o menino do berço. — A menos que me equivoque, está a ponto de começar a chorar outra vez. Possivelmente também seja o bebê mais comilão que conheci. — Assim crescerá grande e forte, como seu pai — disse Roslynn, enquanto se preparava para amamentá-lo. — Onde está Madoc? Está dormindo ainda, depois de celebrá-lo durante toda a noite? Não ouvi nada, parece que estavam muito tranquilos. Eu pensava que estariam cantando até o amanhecer, como mínimo. — Acredito que necessitamos mais lençóis — respondeu lady Eloise, enquanto punha ao bebê nos braços de sua filha e retrocedia. — Poderá arrumar isso enquanto vou buscar? — Sim, claro. — Não demorarei nada — disse sua mãe, e saiu apressadamente. “Por que tanta pressa?” perguntou-se Roslynn, “e onde estava Madoc?” Ele estava muito contente e estava muito orgulhoso, assim já deveria ter ido visitar de novo sua mulher e seu filho. Olhou para a janela enquanto o menino começava a mamar. Tinha amanhecido
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um bom momento antes e Madoc devia saber, depois de que ela insistisse em que ficasse a seu lado e de ter tido seu filho nos braços e, sobretudo, quando ela revelou todo o amor que sentia, que nunca o deixaria de novo. O medo que tinha sentido pelo que ele pudesse fazer em seus momentos de gênio não tinha sido culpa de Madoc, a não ser consequência de seu passado com Wimarc. Eram suas emoções o que devia conquistar, mais que as dele, porque quando ele se zangava, nunca era mesquinho nem cruel. Ela nunca mais teria medo de Madoc por muito que ele se zangasse. Possivelmente aconteceu algo que o estava retendo, pensou ela. Possivelmente tinha tomado muito vinho ou muito braggot e estava dormindo em algum lugar. Possivelmente Trefor se inteirou do nascimento do outro filho de seu irmão e tinha feito algo terrível. Não. Isso não podia ser. Ela teria ouvido o grito de alarme e os sons da cavalaria. Mesmo assim tentou se acalmar, as mãos de Roslynn tremiam ao segurar o bebê contra o ombro e lhe acariciar as costas. Madoc devia estar bem. Não podia ocorrer nada mal. Nem aquele dia, nem em todos os anos que estavam por chegar. Dir-lhe-ia que se equivocou e pensando em como cuidou dela na noite anterior, estava segura de que a perdoaria e que tudo voltaria a ser como nos primeiros dias de seu matrimônio. Assim que voltasse sua mãe pedir-lhe-ia que fosse buscá-lo e o enviasse ao aposento. A porta se abriu uma fresta. — Mãe? — disse ela com ansiedade. Não era sua mãe. Apareceram duas cabeças, uma sobre a outra. Eram seu pai e tio Lloyd, curiosos e tímidos como dois meninos.
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Se Madoc tivesse problemas, não estariam olhando-a assim. — Vieram ver o bebê? — Sim, e a ti, Roslynn — respondeu Lloyd enquanto entrava na habitação. — Como está? — Bem, e muito feliz. Seu filho arrotou, e ela o desceu do ombro. O menino já tinha os olhos fechados. Estava dormindo. — Deixarei que vejam Mascem. — É muito pequeno — disse seu pai com assombro. — Tem o tamanho perfeito para um bebê — respondeu Lloyd. — Madoc só foi um pouco maior que ele e nasceu com quinze dias de atraso. — Agora que o penso, Roslynn — disse lorde James. — Você tinha este tamanho e também foi prematura — se inclinou para olhar atentamente ao bebê. — Que neto mais bonito! — Meu sobrinho neto é uma maravilha — disse Lloyd. — Olhem esses lábios. São os de Madoc. E o nariz é o de meu defunto irmão. Este menino será inclusive mais bonito que seu pai, com esse nariz. — O nariz de meu marido não tem nada de mau! — protestou Roslynn, rindo. — Eu não disse isso — replicou Lloyd — mas o de seu pai era melhor. — É um nariz muito bonito — reconheceu Roslynn. — Seria muito agradável poder compará-lo com o de meu marido neste momento. Espero que não bebesse muito braggot e ficou doente. — Não, está perfeitamente, estou seguro, como Mascem — disse Lloyd rapidamente. Muito rapidamente. Roslynn se moveu e fez um gesto de dor. — Onde está Madoc?
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Lloyd e seu pai se olharam significativamente e o medo atendeu o coração de Roslynn. — Está em perigo? Veio Trefor às nossas terras? Ou acaso Madoc foi a Pontyrmwr para lutar contra ele? O bebê começou a chorar e Lloyd o tomou nos braços. — Vê? Incomodaste ao pequeno homenzinho sem motivo. Seu marido está bem. — É certo — assegurou-lhe seu pai. — Acaba de ir procurar Owain. É um trajeto um pouco longo e não tem nada de estranho que não haja voltado ainda. Aliviada e agradada de que por fim ia conhecer seu enteado, Roslynn sorriu. — Oh, isso é maravilhoso! Lloyd entregou-lhe o bebê e se foi para a porta. — Será melhor que partamos. Tem que descansar, conforme há dito a parteira. Provavelmente já estará terminando de tomar o café da manhã e vai nos esfolar se nos encontra aqui. Enviarei Madoc quando chegar. — Quando se foi? — perguntou Roslynn. Queria estar preparada para receber Owain e também ter limpado e dado de comer ao bebê quando chegassem. — Bom, foi ontem — disse Lloyd. — Mas se demora em voltar e, certamente não quis cavalgar de noite, muito menos com o menino. — Não, claro — respondeu ela, ao tempo que ouvia um alvoroço no pátio. — Não é um ataque — disse Lloyd. — Madoc deve ter chegado. Lady Eloise entrou no aposento com um olhar de preocupação e o alívio de Roslynn se dissipou em um instante. — O que ocorreu? — perguntou lorde James, enquanto Roslynn olhava para sua mãe. Ficou muito assustada para falar.
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— Não há por que assustar a Roslynn — disse lady Eloise. — tornaram Ioan e alguns dos homens, isso é tudo. Madoc também voltará logo, sem dúvida. Sem dúvida. Aquelas duas palavras não reconfortaram a Roslynn, mas sim lhe provocaram mais temor. — Mãe, onde está? — Não estou segura — lhe disse lady Eloise, com reticência. — Mãe, toma Mascem e o ponha no berço e, por favor, fica com ele. Vou encontrar meu marido ou a alguém que me possa dizer onde está. Os homens ficaram horrorizados e lady Eloise também. — Acaba de ter um filho — recordou a Roslynn. — Deve ficar na cama. — Por favor, envia Ioan para ver-me. — Isso... né... não é possível. Mais decidida que nunca, Roslynn estendeu o bebê à sua mãe. — Então toma ao menino, mamãe, e me ajude a me vestir. Pai, tio, por favor, me esperem nas escadas. Necessito que me ajudem a baixar. Vou averiguar o que se passou com meu marido. Apoiada em seu pai e em tio Lloyd, Roslynn baixou ao salão e, ao ver um homem estendido em um camastro, esteve a ponto de desmaiar de medo, até que Ioan se voltou para ela. — Não se preocupe milady — disse alegremente, embora estava pálido e tinha uma atadura manchada de sangue no braço. — Eu fui o único ao que feriram. — Como? — perguntou, enquanto se aproximava lentamente dele. — Onde? — Sentem-se e contarei — disse isso ele. Quando ela se sentou, tio Lloyd e os outros se agruparam a seu redor e Ioan começou a lhes contar à emboscada que tinham sofrido e como tinham saído dela graças à inteligente estratégia de Madoc e a valentia de Gwillym, que tinha se
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voluntariado para ficar com o homem ferido. Ao terminar a narração, Roslynn tinha se acalmado um pouco. — Eram Ivor e Rhodri quem comandavam os bandidos? — Sim, e sinto dizer que ambos morreram. Tiveram uma morte mais rápida da que mereciam. — Sabia! — gritou Lloyd com alegria. — Sabia que Trefor não podia ser um ladrão e um desalmado! Roslynn o olhou com surpresa, porque o tinha ouvido queixar-se de seu sobrinho em várias ocasiões. — Se Madoc estiver bem e estavam perto da casa onde vive Owain, por que não retornaram já? — Sim retornamos! Ela estava tão concentrada em Ioan que não tinha ouvido abrir a porta do salão. Ali estava Madoc são e salvo e com um grande sorriso. A seu lado havia um menino e um homem... Trefor? Levantou-se temerosamente. O menino era uma versão menor dos dois homens, mas seus olhos eram como só os de um deles. O azul brilhante da íris, que tinha um bordo negro, era exatamente o mesmo que o de Trefor ap Gruffydd. Não eram os olhos de Madoc. Eram os do Trefor. Seria possível que...? Mas isso significaria que Madoc tinha mentido. Que tinha enganado a todo mundo. — Sente-se, filha minha — disse-lhe seu pai. Antes que pudesse fazê-lo, Madoc se aproximou e a estreitou entre seus braços. — Menti Roslynn — confirmou ele mesmo. Sentou-se e a colocou sobre seu colo e seguiu lhe falando como se estivessem sozinhos no grande salão. — Menti a todo mundo. Gwendolyn e eu nunca fomos marido e mulher de verdade, porque ela
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só amava a Trefor e, depois de que nos casamos, não podia suportar que eu a tocasse. Assim que os dois sabíamos de quem era o menino que levava no ventre e, por orgulho, deixamos que todo mundo acreditasse que era meu. Respirou profundamente e apertou a mão de Roslynn, olhando-a com um grande remorso. — Depois de que Owain nascesse, quando se deu conta de que estava morrendo, Gwendolyn me pediu que dissesse a verdade e que levasse Owain com seu pai, e eu lhe prometi que o faria. Entretanto, não cumpri essa promessa. Tinha muitas desculpas para não fazê-lo, mas em realidade, o que queria era castigar Trefor pelo que ocorreu. Roslynn fui desonesto e desonroso. Foi como se tivesse um espinho na carne, mas eu ganhei. Nem sequer quando me dava conta do muito que você valoriza a honestidade e a verdade pude superar meu orgulho. Era muito obstinado e egoísta para dizer-lhe isso. Sabia que te perderia se se inteirava do que tinha feito. Mas te perdi de todos os modos. Entretanto, voltou para o meu lado, e quando tive nosso filho nos braços, não pude negar ao Trefor seu filho, nem a Owain a seu verdadeiro pai. Assim fui procurar Owain e o levei a Pontyrmwr e roguei a Trefor que me perdoasse. Ele me concedeu seu perdão, embora não mereça isso. Agora que já sabe tudo, Roslynn, não tenho mais segredos. Não espero que me perdoe, mas queria que soubesse toda a verdade. — Se Trefor pode te perdoar, para mim é muito mais fácil — disse ela. — Não me causou nenhum dano. Sou eu que fiz mal a você te tratando como se fosse outro Wimarc, quando não te parece nada com ele. Acredito-te, Madoc, quando diz que esta é a última mentira. Sei que posso confiar em você e que não devo te temer. Assim nunca mais voltarei a te deixar, meu marido, porque não só te respeito, mas também te amo. Amo-te com todo meu coração. Madoc abriu os olhos como pratos e irradiou alegria, esperança e felicidade
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enquanto a abraçava com força, como se fosse o mais precioso do mundo. — Amo-te, minha rosa, minha rosa bendita. Sempre te amarei. Alguém pigarreou sonoramente. — Certamente, o menino é a viva imagem de Trefor e agora as coisas estão muito mais claras — declarou tio Lloyd. Roslynn, que seguia abraçando seu marido, sorriu a Trefor. Trefor estava imóvel, cheio de acanhamento, no meio do salão que uma vez tinha sido dele. — Bem-vindo, Trefor, bem-vindo! E você também, Owain — disse ao pequeno, que olhava a seu redor com reverência. — Te dou boas-vindas de todo coração. Madoc chamou Bron, que se sobressaltou como se tivesse estado aniquilada todo o tempo. — Bron, leve Owain à cozinha. Certamente, quererá um pouco de sopa e de pão. — E bolos de mel? — perguntou o menino, com uma voz tão clara como o primeiro canto de um pássaro na primavera. — Sim, milord — respondeu Bron. Estendeu-lhe a mão e sorriu alentadoramente, como seu pai. — Obrigado, Bron — disse Trefor. — Não mudou nada. Bron se ruborizou e levou o menino à cozinha. — Espero que a partir de agora haja paz entre vós — disse Roslynn. — Embora se deva reparar prejuízos com ovelhas ou dinheiro, ou terras, Madoc, deveria fazê-lo. — Não quero nada dele — disse Trefor imediatamente. — Então, pensa nisso como uma compensação de Llanpowell pelos enganos do passado e pela maldade de Ivor. Trefor sorriu e, ao fazê-lo, pareceu-se ainda mais a seu marido. — Se a bela senhora de Llanpowell o diz assim, de acordo.
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— Falaremos mais tarde sobre isso — declarou Lloyd. — Mas primeiro, vamos celebrar, né? Mas não mais braggot nem vinho para mim. A partir de agora só beberei cerveja e, não muita. Devo me manter sóbrio se tiver que ajudar a educar a Mascem. Roslynn não queria beber nada, nem celebrar nada. Só queria estar a sós com Madoc. — Se me desculparem todos, acredito que eu deveria descansar um pouco. Madoc, importar-te-ia...? Imediatamente, Madoc a elevou em seus poderosos braços. —
Não vou permitir que desmaie — disse. Depois, baixou a voz a um
sussurro — E há mais coisas que quero te dizer a sós. — Roslynn! — exclamou lady Eloise, quando viu que Madoc levava Roslynn à habitação. — O que...? — Estou bem, mãe. Só estou um pouco cansada e meu marido tinha a necessidade de demonstrar sua força — disse Roslynn. Madoc olhou para o berço onde dormia seu filho enquanto a depositava sobre a cama. — Mãe, importaria de nos deixar a sós? — pediu Roslynn à lady Eloise. — Pai contará o que ocorreu e quem são nossos visitantes. Lady Eloise sorriu. — É obvio — disse. Depois saiu do aposento e fechou a porta silenciosamente. — O que era o que queria me dizer? — perguntou Roslynn a seu marido que estava inclinado sobre o berço, sorrindo ao menino. Madoc se afastou do bebê e se sentou junto a ela. Tomou suas mãos e lhe falou com uma expressão solene. — Roslynn, vou fazer-te a mesma promessa que fiz a meu irmão hoje. Por
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minha honra, nunca voltarei a te mentir sobre nada. Sorriu-lhe com os olhos cheios de amor, afeto e confiança. — Não necessito promessas, Madoc. Acredito-te. Confio em ti e te amo. — E há algo que deve saber por cima de tudo, Roslynn — disse ele, enquanto a abraçava. — Eu também te amo. Amo-te com todo meu coração e te serei fiel durante toda a vida. — Igual eu amo a ti, Madoc, e te serei fiel durante toda a vida. — Então, tenho tudo o que pode desejar um homem — murmurou Madoc. — E eu sou tão feliz como pode chegar a ser uma mulher — sussurrou Roslynn, enquanto elevava o rosto para receber seus beijos. — Cariem. Ele sorriu e lhe acariciou a bochecha. — Madoc, meu amante — repetiu ele. — Eu gosto. — Perguntei a Bron como se dizia. — Graças a Deus que não perguntou ao tio Lloyd — disse ele, rindo brandamente. E o pequeno Mascem ap Madoc ap Gruffydd, protegido e rodeado por seu amor, seguiu dormindo placidamente.
Fim
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Série Companheiros de Armas/Irmãs D’Averette 1- A Dama e o Bárbaro 2- Uma Dama para o Cavaleiro 3- Casamento Combinado 4- A Dama Desejada 5- Desejo Proibido 6- Desejo Soberano – Companheiros de Armas/Irmãs D’Averette 7- Inimigos nas Sombras – Companheiros de Armas/Irmãs D’Averette 8- Cumplices nas Sombras – Companheiros de Armas/Irmãs D’Averette 9- A Noiva do Guerreiro
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GRH Grupo de Romances HistĂłricos Para entrar neste grupo, enviar e-mail para moderacaogrh@yahoo.com.br
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