ACORDO NUPCIAL Nalini Singh Título original: BOUND BY MARRIAGE
Tudo não passava de um trato diabólico... De que outra forma poderia ser descrito o pacto entre Jessica Randall e o milionário Gabe Dumont? Em troca de se casar com ele e dar à luz seu herdeiro, Gabe salvaria a família de Jessica da falência total. E o acordo fora friamente preparado, sem deixar de fora qualquer cláusula de segurança. Porém, segredos e intrigas ameaçam a estabilidade de uma união tão bem planejada. E quando a crescente atração entre Gabe e Jessica supera todas as barreiras impostas pelo trato, esse casamento por conveniência torna-se absolutamente inconveniente.
Digitalização: Simone Ribeiro Revisão: Crysty
CAPÍTULO UM A última pessoa que Jess Randall esperava encontrar ao chegar no portão de desembarque do Aeroporto Internacional de Christchurch era o homem com quem estava para se casar — Gabriel! O que faz aqui? — Depois de um ano morando em Los Angeles isto é tudo que tem a dizer? Aturdida, ela se inclinou para dar um rápido beijo no rosto dele. Era estranho, esquisito. — Desculpe, só fiquei surpresa. Não está ocupado com o trabalho na fazenda? — Eu queria conversar com você. Mas uma coisa de cada vez. — Então, sem qualquer aviso, beijou-a na boca. Depois da atitude inesperada, ela não conseguiu fazer nada senão se agarrar com força à camisa dele para manter o equilíbrio. As batidas do coração eram tão intensas que Jess parecia ouvi-las. Ela estava eufórica. Estava envolvida por Gabriel, um homem que exigia para si tudo que ela tinha. Foi o beijo mais íntimo que trocaram, e seus corpos nunca estiveram tão próximos. Jess ficou nervosa. Não porque não tivesse gostado, ao contrário. — Bem-vinda ao lar — disse ele, soltando-a. Seu olhar não deixava dúvida; Gabriel Dumont estava mais do que pronto para sua noite de núpcias. Sentindo as pernas vacilantes, ela o observou pegar suas malas. Conduziu-a pela área do aeroporto reservada para os vôos domésticos até a pista de aterrissagem dos aviões menores. O Jubilee, um dos dois aviões da Fazenda Angel, os aguardava. Estava tão sufocada de medo das expectativas de Gabe — principalmente de sua inexplicável reação ao toque dele — que mal se deu conta de ter entrado no avião. Passara o último ano procurando se convencer que seu casamento seria tranqüilo, estável, semelhante a um acordo de negócios, mas jamais considerara o que significaria de fato ser a esposa de Gabriel... ser tocada e requisitada de um modo que destruía a barreira que ela precisava manter para sobreviver ao acordo firmado. Seu coração batia descompassado enquanto ele se ajeitava ao seu lado no banco do piloto. Assumindo o controle. Gabriel sabia o que queria e exatamente como queria, e sua noiva jamais seria ignorada. Apesar de ele ser alto e indiscutivelmente forte, tinha musculatura delgada, não era um sujeito volumoso. Mostrava-se em pleno vigor; saudável, impressionante e orgulhoso. As cicatrizes desbotadas de queimaduras no braço esquerdo e nas costas não interferiam em nada; talvez até contribuíssem para a devastadora masculinidade que ele exalava. Some-se isso aos olhos verdes e ao cabelo clareado pelo sol e parecia que ele tinha ficado mais bonito após o hiato de um ano... mais errado para ela. Gabe podia ter a aparência capaz de atordoar as mulheres, mas sua beleza era certamente intocável. Jess pensou, e não pela primeira vez, na insensatez de se casar com Gabriel, um homem que mal conhecia, apesar de ele ter sido seu vizinho desde criança.
— Então, o que você aprendeu em L.A.? — perguntou ele, bem depois que já estavam voando em segurança. calma.
Ainda desconcertada pelo efeito do beijo, foi um esforço para ela manter a voz — Que sei pintar. — Já sabemos disso, Jess. Foi por isso que você foi para os Estados Unidos.
— É. — Ela queria estudar com a renomada pintora Genevieve Legraux. — Quis dizer que descobri que posso investir em uma carreira de pintora. — Deve ter sido uma descoberta impactante para uma mulher que passou a vida toda ajudando os pais em sua pequena fazenda de carneiros, dedicando apenas as horas extras à sua arte. — Genevieve me encorajou a oferecer meu trabalho a algumas galerias. — Ela ousou até mandar um trabalho para Richard Dusevic, um dono de galeria de Auckland muito bem relacionado e que tem o poder de determinar o sucesso ou o fracasso de um artista. — Você não disse nada disso quando lhe telefonei. Ela deu de ombros, relembrando aquelas conversas de duas vezes por semana. Não duravam mais que alguns minutos, mas sempre a deixavam perdida e confusa. — Eu queria lhe mostrar as pinturas. — Até porque sabia que Gabe não acreditava em nada que não pudesse constatar. — Devem estar chegando em breve; eu as enviei. O sol refletiu nos cabelos dele, que assentiu. — Vai sentir falta de Los Angeles? — Não. — Ela olhou pela janela. Estavam passando pela chamada colcha de retalhos de Canterbury Plains. Logo estariam em Mackenzie Country, um estonteante pedaço de paraíso escondido nas sombras dos Alpes do Sul da Nova Zelândia, o único lugar que ela realmente chamava de lar. — Eu precisava ficar fora daqui, mas não para sempre. Voltei para ficar. — Mesmo? Ela percebeu a mudança de tom na voz dele e virou o rosto em sua direção. — Que pergunta é essa? Nós vamos nos casar... A não ser que tenha mudado de idéia. — Quem sabe não se apaixonara por uma daquelas mulheres sensuais e autoconfiantes que ficavam se oferecendo para ele. Jess fechou os punhos com raiva ao pensar nisso. — Estou pronto. — Ele fez um pequeno ajuste nos controles. — Minha preocupação é com você. — Prometi que voltaria para me casar. E voltei. — Temerosa pelo duplo golpe da morte do pai e a execução de hipoteca da fazenda Randall, ela não teria forças para ser esposa de ninguém nos últimos 12 meses, menos ainda de um homem como Gabriel. — Damon e Kayla se separaram. Ela ficou sem palavras. — O quê? Achei que Kayla estivesse grávida.
— E com uma barriga bem volumosa. Seu namorado a abandonou três meses atrás. Aquela notícia soou como um tapa. — Damon é meu amigo, nada mais. — Por mais que você deseje outra coisa? — Ele olhou para ela com olhos tão frios que Jess só conseguiu ver o seu reflexo. — Sim. Por mais que deseje outra coisa — reconheceu ela, apesar da humilhação. — Ele nunca amou nem a mim nem a Kayla. — O garoto sai com qualquer pessoa que tenha um par de seios. As palavras bruscas a fizeram corar. — Nem dá para chamá-lo de garoto. Ele tem a minha idade. — E 26 anos eram mais que suficientes para crescer, e crescer de verdade. — Ele agora está agindo como criança. — Gabe ignorou o que Jess disse. Com 35 anos, era nove anos mais velho do que ela, e a diferença ficava mais evidente em momentos como aquele. — Como isso aconteceu? — perguntou ela, com o barulho do motor lhe massacrando a mente. — E por que nunca, me disse? Ele olhou-a de um jeito estranho. — Damon não disse? — O quê? — Ela prendeu os cabelos por trás das orelhas — Não, não nos falamos desde que parti. — Nunca? — Não — mentiu ela, tentando não pensar no único tele fonema que recebeu de Damon, que ligou de um bar quatro meses atrás. Estava bêbado, mas disse coisas que nenhum homem casado deveria dizer... coisas que ela não devia te escutado. — O problema é sério? — Parece que vão se divorciar. — Coitada da Kayla. — Hipocrisia, Jess? Não esperava isso de você. Ela corou ainda mais. — Pense o que quiser, mas eu não desejo esse tipo de dor a mulher nenhuma. A não ser que... foi ela quem quis se separar? — Pela aparência dela, acho que não. — Não acredito que Damon possa abandonar seu casamento. — Talvez ele tenha finalmente se dado conta do que abriu mão. — O tom de voz de Gabe foi claramente desafiador — O que você vai fazer? — Fazer? — Ela ainda estava tonta com as implicações da primeira frase. — Vamos nos casar amanhã. Portanto, se pretende correr atrás de Damon, é melhor ir dizendo logo. Jess respirou fundo, meio suspirando, e soltou o ar. — Como espera que eu decida imediatamente?
— Da mesma forma que decidiu se casar comigo e usar o meu dinheiro para ir para Los Angeles. — Não me acuse! Você concordou que era melhor eu desaparecer por um ano. No rosto bronzeado dele era visível a tensão no maxilar. — Responda a droga da pergunta. Você quer casar ou não? Na verdade, ela não tinha muita escolha. Se recuasse, perderia a única e mínima ligação com o que fora um dia a fazenda Randall. — Por quanto você venderia a fazenda? Gabe nunca fez questão da propriedade. Ele só se pronunciou durante a hipoteca porque Jess implorou. Mas agora era o dono. Dono dela. — Você não tinha uma quantia daquela antes e não tem agora. Nem Damon. Fatos inquestionáveis. Jess também devia a Gabe o ano que passara em Los Angeles, do qual precisou tão desesperadamente para conseguir crescer. E ela cresceu mesmo. Podia amar Damon, mas fizera uma promessa no leito de morte de seu pai, e estava disposta a cumprir. Os Randall nunca arredariam pé de suas terras. — Vou casar com você. — Assinará um termo pré-nupcial. Ela entendeu bem as entrelinhas. — Não vou tentar ganhar as terras de volta por meio de um divórcio. Você as comprou livre de hipoteca. — E assim salvou-as dos construtores que queriam destruir tudo. Pagar o preço que ele exigia, ou seja, casar, inicialmente não pareceu um sacrifício tão grande. Principalmente porque ela acreditou que o casamento não lhe exigiria compromisso emocional, permitindo que ela resguardasse o corpo e a alma. Nunca lhe passou pela cabeça que Gabe não aceitaria que ela mantivesse essa distância. Até que ele a beijou. — Meu advogado trará os papéis amanhã de manhã. — Ótimo. — Jess jamais cobiçou o dinheiro de Gabriel, de fato. O que ela não agüentava era perder o direito de freqüentar a terra que lhe fora confiada. Fez-se silêncio na cabine do piloto. Ela encostou a cabeça no banco e tentou dissolver o dolorido nó na garganta. Damon estava separado. Uma pequena parte egoísta de si, a que amaria Damon para sempre, quis dizer a Gabe para cancela o casamento. Mas havia parado de mentir para si há algum tempo. Mesmo que Damon voltasse a agir como solteiro ele jamais a vira com outros olhos senão os de melhor amigo Para rebater tal lógica, sua mente insistiu em relembrar telefonema inesperado de Damon, as coisas que dissera Ela engoliu em seco e procurou pensar que na ocasião ele estava bebendo. Não sabia bem o que estava fazendo. Não teve a intenção. Ela não agüentava pensar o contrário. — E por que perdeu tanto peso? — A pergunta de Gabe cortou o ar como um punhal. — Simplesmente aconteceu. — Uma combinação de luto choque e stress dos primeiros meses em uma cidade estranha' — Achei que fosse gostar. — Afinal, suas
mulheres sempre foram do tipo lindas e esguias, esbeltas. E ela continuava baixinha e não podia ser chamada de magra. — Não estou casando com você por causa de seu corpo Ela mordeu o lábio inferior. — Não. Apesar daquele beijo devastador, ela sabia que um homem rico, bem-sucedido e extremamente atraente como Gabriel Dumont não estaria se casando com ela por causa de seu físico. Nem por sua sagacidade ou por seu grande conhecimento da vida na fazenda. Gabriel estava se casando com ela por uma razão simples: ao contrário de todas as mulheres que cruzaram seu caminho antes, Jess não nutria qualquer ilusão romântica sobre ele. Ela não queria nem esperava que ele a amasse, nem agora nem nunca. E por isso ela era forte candidata a se adaptar ao casamento com um homem que não sabia amar e que não queria ser incomodado pelos delírios românticos de uma esposa. — Comprei um vestido em Los Angeles para o casamento — disse ela, tentando preencher o vazio. Gabriel não acreditou na aparente calma de Jess. — Não sente a mínima hesitação? — Você me deu um ano. Estou pronta agora. Preciso descobrir quem sou antes de me tornar a senhora Dumont para o resto da minha vida... Nunca aprendi a me conduzir sozinha e agora terei que aprender ao seu lado. Se não aprender, você vai me destruir, mesmo sem querer. O pedido desesperado que ela fez na noite em que decidiram se casar voltou à mente dele. Resguardada, filha única de pais já não tão jovens, Jess ainda estava sem rumo três meses após a morte do único que lhe sobrara, o pai. Apesar de ser bastante corajosa podia dizer a Gabe o que muitos jamais diriam, ou seja, que ele era capaz de destruir uma personalidade mais suave e menos poderosa que a dele com seu pragmatismo. A mulher ao lado dele não parecia com a menina arrasada de um ano atrás... a não ser pela coragem subjacente. — Ótimo — disse ele, sem saber ao certo se gostou daquele discreto tom seco. Ele havia escolhido Jess por saber que ela não lhe pediria nada. Tudo o que queria era não perder a fazenda da família. — Você... — disse ela, e parou, e recomeçou. — Você não conheceu outra mulher? — Quero que você seja minha esposa, Jess. Quero que more na fazenda Randall, tenha meu sobrenome e crie meus filhos. — Ele fez questão de mostrar determinação na voz; já havia decidido e pretendia manter a decisão. O fato de ela não sentir nada por ele não o desestimulava. Já havia decidido muito tempo atrás que o amor não interferiria em seu casamento. —Ao contrário de Damon, fiquei com tudo bem guardado dentro das calças desde nosso noivado. — Você vai ficar falando nele toda vez que conversarmos? Olhou-a ao ouvir a inesperada reprimenda e viu que ela estava de braços cruzados e olhos inflamados. Achou
graça. Ela podia ter crescido um pouquinho, mas Jess ainda era peso-pluma em comparação a ele. — Quem você quer convidar para o casamento? — perguntou ele. Ela deu um suspiro de frustração e passou a mão pelo cabelo, remexendo os cachos ruivos. Ele se pegou olhando fixamente para os fios flamejantes. Esta era uma coisa que não havia mudado em Jess: aquela massa revolta de cabelo sedoso que combinava tão pouco com sua personalidade quieta e passiva. — Gostaria de fazer algo pequeno e convidar apenas pessoas de Kowhai — disse ela, referindo-se à cidade mais próxima — e ninguém mais, para não despertar mágoas. Que tal convidarmos apenas o pessoal da fazenda? — Ninguém mais? — Não — disse Jess, e pensou se era sua imaginação o tom renovado na voz dele. — As pessoas... ? — Algumas têm falado no assunto desde que souberam que você estava voltando. — Ele se inclinou para apertar um interruptor e ela ficou fascinada pela força naquela pele dourada escura. Jess assentiu com a cabeça, incapaz de parar de pensar que em breve as mãos de Gabe estariam tocando partes bem mais íntimas dela que os controles do avião. Pensar nisso reavivou o pânico que sentira antes, mas ela conseguiu se controlar. O dia em que demonstrou temor foi quando perdeu qualquer esperança de fazer seu casamento dar certo. Gabriel jamais respeitaria uma mulher fraca. — Assim ficará tudo mais fácil. — Amanhã às quatro está bom para você? A garganta dela estava tão seca que ela teve de pigarrear para limpá-la. — OK. — Não havia razão para esperar, já haviam feito o acordo em uma noite chuvosa, um ano atrás. Agora estava na hora de ela cumpri-lo.
CAPÍTULO DOIS — Já coloquei suas coisas no quarto de hóspedes por esta noite. — Gabe apoiou as mãos em ambos os lados do parapeito da varanda, envolvendo-a em seus braços, e ela foi tomada pelo cheiro de seu peito, que tocava suas costas. O estômago de Jess se revirou, apesar de saber que ele jamais a forçaria. Gabe podia ser rústico, mas se ela negasse ele recuaria. E toda aquela conversa sobre casamento acabaria logo. Ela seria levada de volta à estação para nunca mais voltar. — Só esta noite? — perguntou ela, fitando a grandeza distante dos Alpes. O Mackenzie, localizado na base daqueles montes paquidérmicos, era imponente até mesmo
no final do inverno. Mas nem a beleza lancinante da terra de Jess era capaz de acalmá-la naquele momento. — Não quer dizer que nós... vamos... já? — Vamos nos casar, Jess. — Eu sei. Mas não podemos... — Fui bem claro com você, quero ter filhos. Ela precisou de muita coragem para enfrentar sua irredutível determinação. — Só estou dizendo que precisamos de tempo. — Como assim? — Disse as palavras bem perto do pescoço dela, e seu hálito foi como uma carícia na pele sensível de Jess. baixo.
O desejo que sentiu e o espanto por isso ameaçavam virar sua vida de cabeça para — Você sabe o que quero dizer.
— Fiquei celibatário por um ano. — Uma declaração curta e clara. — Se precisar de mais tempo, procure outro homem. — Não acredito que ouvi isso. — Ela tentou se virar, mas ele não deixou. — Está me dizendo que vai cancelar tudo se eu me recusar a fazer sexo com você agora? O corpo dele formava uma espécie de armadilha ao redor dela. — Pense, Jess. Por que está se casando? Você quer manter a terra dos Randall na sua família e eu tenho 35 anos, numa época de minha vida em que estou querendo filhos para garantir o futuro da fazenda. Em suma, estamos nos casando para termos herdeiros. Se não estiver disposta a fazer o que é preciso para ter estes herdeiros, qual é o sentido? Ou começamos de uma vez como deve ser, ou então é melhor nem começar. A descrição do acordo entre eles foi brutalmente objetiva, e de uma verdade dilacerante. E Jess ficou furiosa. Por que ele sequer tentou amenizar a situação, quando ela mais precisava? — Eu sou virgem, Gabe. Se amanhã eu cometer algum erro, terá de relevar. Ele ficou totalmente sem ação. — O que disse? Ela estava ao mesmo tempo orgulhosa de pegá-lo desprevenido e um pouco nervosa pelo que confessara. — Você ouviu. — Está dizendo que você e Damon nunca tentaram nada? Se ele fosse qualquer outro homem, ela teria achado que Gabriel estava propositalmente instigando-a. Mas malícia intencional não era o estilo de Gabe. — Não. — E você não ficou com mais ninguém? — Ele respondeu antes que ela pudesse dizer. — Claro que não. Você esperava que Damon se apaixonasse por você. Ele quase acertou o alvo.
— Nós dois sabemos que nada aconteceu, de modo que não tenho a sua experiência. — Para dizer o mínimo, considerando-se as mulheres que o cercavam, sempre. — Ótimo. Eu mesmo a ensinarei. — Espero que isso tenha sido uma piada. Ele abaixou a cabeça, deixando seus lábios a milímetros dos dela. — Achei que você sabia que não tenho senso de humor. — O beijo dele não foi nada suave, nada gentil. Só arrogância e determinação de homem; ele a fez abrir a boca. Sem misericórdia. Sem amarras. Quando estavam no aeroporto, Jess havia ficado sem ação. Mas desta vez o beijo não terminou de repente. Foi como um tormento, e quando ela deu por si estava agarrada a ele, sem saber como, a mente inundada por um inequívoco desejo. Ele só a soltou para ela poder respirar. E então a beijou novamente. E os pensamentos dele se fragmentaram. Gabe foi provando Jess aos poucos, saboreando a luxuriante suavidade de sua boca. Ela correspondia de forma vacilante. Era exatamente o que ele queria. Jess podia amar outro homem, mas era o seu nome que ela ia gritar na cama. O que ele não esperava foi o especial prazer que Jess lhe proporcionou. Aquilo não o fez feliz. A paixão sempre sabota os melhores planos, faz as coisas saírem do normal. Fizera uma opção consciente ao escolhê-la, no sentido de não haver desejo entre eles. E agora lá estava ela, excitada em seus braços. Ele interrompeu o beijo, observou-a tentar se recompor, os seios roçando contra seu peito enquanto respirava fundo. Os lábios dela estavam molhados, os olhos fechados e o corpo, relaxado. Era grande a tentação de beijá-la novamente mas ele não queria perder aquele jogo. Nem jogo nenhum. Ela abriu os olhos. Ele passou o polegar pelo lábio inferior dela, e com a outra mão abarcou a curva da cintura. — Não teremos problema nenhum na cama. A doce subserviência feminina desapareceu em um segundo. — Solte-me. Você já provou o que queria. Ele a soltou, deu um passo para trás e olhou para seus mamilos intumescidos. Jess sentiu um calor na nuca, mas não tentou cobrir os seios. Teimosa. Ele ia adorar domesticála. — Vá dormir um pouco. Amanhã será um dia movimentado. E Jess, não esqueça, não abro mão do que é meu.
***
A senhora Croft, cozinheira e governanta da casa principal da fazenda Angel, já estava para lá e para cá na cozinha por volta das sete horas da manhã seguinte quando Jess desceu. — Dormiu bastante, hein, minha menina? — A senhora, amiga da mãe de Jess e que a conhecia desde pequena, apertou suas bochechas. Jess esfregou o rosto. — Culpa do fuso horário. Cadê Gabe? — Ela tentou, mas não conseguiu deixar de pensar na forma primitiva com que demonstrara sua susceptibilidade na noite anterior. Mas, com a reputação de implacável que tinha nos negócios, não devia estar surpresa que ele demonstrasse o mesmo como marido. — O homem não parece se dar conta que hoje é o casamento dele, e que devia estar nervoso — disse a senhora Croft. Jess quase riu ao imaginar Gabe nervoso por algo. Só que naquele dia ela não tinha motivo para rir. — Posso ajudar de alguma forma? — Quem sabe manter-se ocupada ajudasse a interromper o turbilhão de pensamentos. — Sente-se e tome seu café-da-manhã — disse a governanta, dispensando a ajuda. — Depois você estará pronta para se embelezar para o casamento. Jess comeu, mas se lhe perguntassem o que havia comido, não saberia dizer. Sua mente estava repleta de outras coisas. Seu coração, a parte que amaria Damon para sempre, insistia que ela estava cometendo um erro terrível e não devia se casar. Quem sabe Damon... Não. Kayla estava grávida. Jess não conseguiria se perdoar se algo acontecesse com ela ou com a criança por sua culpa. E a verdade era que Damon tivera mais de duas décadas para se apaixonar por Jess. E sempre escolhia outra. E o telefonema? A loucura sussurrou em sua mente outra vez. Você não lembra o que ele... Parei — Acho que vou dar uma caminhada para espairecer. A senhora Croft assentiu. — Gabe está lá fora, no celeiro, ao leste. Jess sorriu e agradeceu, saindo na direção oeste. Após aquela noite, Gabe, seu futuro marido era a última pessoa que ela queria ver. Naqueles breves e explosivos momentos na varanda ele destruiu tudo que ela achava que sabia de si mesma. Que tipo de mulher amava um homem e beijava o outro com tamanha paixão? Dois dos cães pastores passaram por ela e depois voltaram, circundando-a, para só então seguir seu rumo. Aquela pausa era tudo que ela precisava. Respirou bem fundo o ar matinal e procurou se concentrar no esplendor indomado ao seu redor: montes cobertos de tufos de grama e pontilhados por carneiros, flores selvagens fortes e mais lindas que qualquer flor cultivada em jardim, e sobretudo aquilo, o céu de um azul infinito. A mente e o corpo se acalmaram. Aquela terra era seu lugar; ela sabia disso com todo seu ser. Jamais poderia deixar aquele local.
Custe o que custar. Os cães latiram e saíram correndo. Ela seguiu mais devagar, observando o celeiro do oeste a distância. Foi a única construção que sobreviveu ao incêndio há 25 anos. Seu pai fora um dos que vieram combater o fogo naquela noite, mas ninguém conseguiu conter o incêndio. O fogo devorou quase tudo... e todos. Ao chegar à antiga construção, resolveu abrir a porta e olhar ao redor, mas isso foi antes de ver quem estava lá dentro. — A senhora Croft disse que você estava no outro celeiro. Gabe pôs um pedaço de feno sobre outro, levantando poeira. — Isso tudo é vontade de me ver? — Tirou as luvas de trabalho e as enfiou no bolso traseiro da calça jeans. Ela se recusou a deixar que ele percebesse como conseguia mexer com ela. — O que está fazendo? — E por que não conseguia desviar os olhos dos músculos do braço dele? — Precisamos abrir um espaço aqui e está todo mundo ocupado. — Ah. Posso lhe pedir algo? Ele grunhiu qualquer coisa, dando de ombros. Ela entendeu como um sim e continuou. — Depois do casamento, talvez amanhã, ou depois de amanhã... você se importaria se fizéssemos uma visita ao túmulo de meus pais? — Estavam enterrados lado a lado no cemitério da família Randall, a uma hora de carro. — Claro que não me importo. — Quando ela olhou para ele, percebeu a aridez dos traços de seu rosto, mas ao mesmo tempo sentiu uma inesperada delicadeza. Mas ela estava decidida a não deixar que Gabriel Dumont massacrasse sua mente nem seu espírito. — Quero visitar sua família também. Ele nada disse. — Não me lembro deles, mas sei que Michael tinha quatro anos, e que Angélica era ainda mais nova. — Nenhuma resposta. Ela forçou. — Eles eram sua família. Devemos lembrar deles. — Ótimo. — O tom foi impessoal, mas ao menos ele aceitou. — Pronta para o casamento? Ela abriu a porta com as mãos suadas. — Pronta. Começaram a caminhar em direção à casa principal. — Não teremos tempo para lua-de-mel. — Entendo. Tudo bem. — Não era mentira. A idéia de estar com Gabe vinte e quatro horas por dia em uma viagem romântica lhe revirava o estômago. Ela ia dizer algo mais quando sua atenção foi atraída por um seda azul escuro que estava estacionando perto da casa, seguido por um automóvel parecido, verde escuro.
— Você convidou mais alguém? — perguntou ela. — É David Reese, meu advogado. — Ele apertou o passo. — O outro carro é de Phil Snell, o seu advogado. — Meu? — Se você assinar um acordo pré-nupcial sem aconselhamento legal, pode requerer anulação mais à frente. — Ah. Não trocaram mais palavras durante o resto do dia. Os advogados pareciam bons à primeira vista e quando Phil a puxou para um canto para uma conversa particular, Jess o considerou um trapaceiro manipulador. Claro que Gabriel queria deixar tudo amarrado. — Se você e o senhor Dumont se divorciarem, você não terá direito às terras — disse Phil. — Mas você ficará com uma boa quantia em dinheiro, dependendo da duração do casamento. É um acordo muito vantajoso. Gabriel é um homem muito generoso. A questão nunca foi dinheiro. O problema era a sua herança, promessas, lealdade. — Onde assino? Depois ela foi até seu quarto, sentindo algo inexplicavelmente pesado e doloroso dentro de si. Era estranho começar o dia de seu casamento daquele jeito, discutindo dinheiro Mas o que mais ela podia esperar? A fazenda Angel era tudo para Gabe; e ela, na condição de sua futura esposa, não era prioridade. — Novidade nenhuma — pensou ela, alisando o cetim branco do vestido de noiva. Então por que de repente teve tanta certeza que estava cometendo o maior erro de sua vida? — Tenho saudade de você, Jessie. Nunca devia tê-la deixado partir. Volte para mim... Trêmula, ela pegou o telefone, mal percebendo o que estava fazendo e começou a digitar um número. Os primeiros seis dígitos foram fáceis, mas uma lágrima correu pelo rosto. Não. Ela procurou se agarrar à memória do pai e ao próprio orgulho no esforço de perseguir um sonho impossível. Poucas horas depois, ela estava segurando o delicado buquê com força. Gabe ao seu lado só aumentou sua tensão. Ele era um homem que jamais se enternecia. Menos ainda por aquele casamento de conveniência. Ao contrário, só o que fazia era exigir. E esperava bem mais do que ela esperou conceder. — Jessica Bailey Randall, você aceita este homem como seu legítimo esposo? Um lado dela ainda esperava ouvir a voz de Damon impedindo-a de casar. Se ele fizesse isso, ela desistiria de tudo, de seus princípios, de suas promessas, de sua lealdade. Mas Damon não foi, como não havia ido na véspera, apesar de todos em Kowhai saberem que ela estava para voltar. Jess levantou o queixo. — Aceito. — Falou mantendo os olhos fixos nos de Gabe, assustada pelo desejo claro de ambos, mesmo que impróprio. Gabriel Dumont era um homem possessivo com o
que tinha. Claro que seria possessivo com ela, por mais que tivesse sido escolhida por razões alheias à paixão. Para Gabe, Jess agora era dele. Ela voltou à realidade em meio a gritos de "viva!" e se deu conta que perdera o restante da cerimônia. — Jess? Confusa, ela levantou os olhos. — O quê? Havia qualquer coisa de muito másculo nos olhos dele quando afastou com os dedos um cacho que escapou do penteado. — Eles querem um beijo. E eu também. — Ah. — Ela sentiu que estava corando e pôs uma das mãos em seu ombro. Quando Gabe segurou sua nuca, exposta pelo penteado, a rispidez de sua pele foi como uma carícia erótica que ela não estava esperando. Jess tentou conter a respiração, mas ele percebeu a alteração. Sorrindo, ele pôs uma das mãos nas costas dela e a trouxe para si. E a beijou. Posse. Posse absoluta e indiscutível. Foi assim que ela se sentiu. Mais uma vez, não conseguiu evitar que seu corpo se ajustasse ao dele, nem conter seus próprios braços; a razão e o bom senso sumiram sob uma avalanche de prazer. Os gritos de "viva" mudaram o clima, mas Gabe só a soltou quando quis. Quando se virou para encarar os convidados, viu algo entre satisfeito e impaciente nos olhos dele. Gabriel estava pronto para selar o acordo. No sentido mais físico possível.
CAPÍTULO TRÊS Depois de quatro horas, muitas danças e duas taças de champanhe, Jess não sabia o que usar. Tirar a lingerie de lacinhos estilo corpete — que foi tudo que ela conseguiu achar para usar debaixo das linhas suaves do vestido — estava fora de questão. E o mesmo para a camisola colante que a senhora Croft lhe presenteara. Mas se usasse sua camiseta favorita, Gabe acharia que ela o estaria provocando deliberadamente, desafiando-o. Sem dúvida seria rude o suficiente para cancelar o casamento se ela não cumprisse sua parte do acordo. Assim, Jess ficou em frente ao armário, considerando suas opções inúmeras vezes. Pensativa, não estava preparada para ouvir a porta se abrir e vê-lo entrar. Seu coração disparou e ela se voltou para encará-lo.
— Achei que você estava lá embaixo. Gabe, com as mangas da camisa branca já arregaçadas, abriu os dois primeiros botões. — Resolvi que meu negócio com Jim pode esperar. — Ah. — Ela levou as mãos aos cabelos, mas hesitou, sem saber o que fazer exatamente, pois conhecimento era uma coisa, mas experiência era outra. — Não estou pronta. O sorriso dele foi lento, sensual, de satisfação. — Eu resolvo isso. Ela corou apesar de saber que precisava manter a calma e a objetividade. Mas não contava com o impacto que era Gabriel Dumont. E esta noite ele estaria concentrado apenas nela. A respiração de Jess ficou entrecortada e foi difícil manter a concentração, até que não conseguiu enxergar nada além de seu marido. Ele a segurou pela cintura, com um sorriso sombrio e sexual. O corpo dela respondeu com um calor úmido que a deixou perplexa. Ela levou as mãos ao peito dele, pensando vagamente em empurrá-lo. Imediatamente se deu conta do erro, pois uma barreira tão frágil não o deteria, menos ainda considerando que ela estava receptiva. outra.
Com uma das mãos ainda em sua cintura, ele começou a soltar o cabelo dela com a — Adoro seus cachos, Jess.
— Depois que cresci eles foram ficando mais castanhos. — Ela não entendeu porque disse tal coisa. Como se para ele fizesse alguma diferença que ela tivesse tido cabelo cor de cenoura que nem milagre o mudasse de tom. Mesmo depois que perdeu peso, Jess considerava seus cabelos fantásticos... e Gabriel gostava deles também. Ela não devia se importar com isso, mas se importou. — Hummm. — Ele continuou a soltar a massa de cabelo, jogando os grampos no chão. — Não quero que você corte-o. — Ela pareceu que ia dizer algo, mas calou-se, e ele sorriu com os olhos brilhando. — Você não cortaria só para me contrariar, cortaria? Aquela idéia infantil na verdade havia passado pela cabeça dela um segundo antes, mas ela não admitiria. Principalmente porque ela não entendia; simplesmente parecia errado gostar de qualquer aspecto naquele casamento que nascera da mais fria negociação. — Já tirou todos os grampos? Ele mergulhou ambas as mãos nos cachos dela. — Parece que sim. — Palavras prosaicas, mas seus dedos já estavam massageando sua nuca, naturalmente sensível. Ela sentiu vontade de gemer e pedir mais. O que ela estava pensando? O pânico, graças a sua completa inabilidade de se manter forte perante este homem, tomou conta dela.
— Gabe, não precisa ir devagar. Vamos terminar logo com isso. — Disse aquilo de propósito, para provocá-lo. Seria mais fácil resistir a ele furioso do que tentador e sedutor como estava, lhe excitando de um modo impróprio. Mas ele se limitou a balançar a cabeça. — Ah, não, Jess. Não vai conseguir reduzir isso a um ato de amor rápido e sem significado. Ela corou, envergonhada. Mas ele não havia terminado. — Vou lhe dar prazer, minha querida esposa. É meu dever de marido. Jess teve certeza que Gabe estava zombando dela. — Pare de fazer joguinhos. Ele a segurou pelos braços antes que ela percebesse. — Estou falando sério. Quero ouvir minha mulher gritando meu nome. Jess ficou arrepiada com a determinação que vinha daqueles olhos verdes. Não encontrou palavras para responder quando ele a levou para o quarto principal e a colocou de pé ao lado da cama. A atração sexual entre eles era eletrizante. Tomada pela explosão, Jess não teve força de vontade suficiente para retirar os braços do pescoço de Gabe quando ele começou a abrir o zíper da calça lenta e cuidadosamente. A tensão era aparente. Ela fechou os olhos para tentar retomar o equilíbrio. Jess gemeu, levada pelo desejo que surgia da pressão dos lábios de Gabe. Fugir era uma palavra naquele momento esquecida, e dependência se tornou uma possibilidade concreta. Ele apenas a soltou para poder beijar o seu rosto, descendo até o pescoço. Ela inclinou a cabeça, cooperando conscientemente. Nada que pudesse ter feito a prepararia para este verdadeiro ataque aos sentidos, este acúmulo sucessivo de prazeres. Sentiu a mão áspera de Gabriel em sua pele, mão de trabalhador braçal. Mas os lábios dele em sua nuca eram suaves; um contraste sedutor. Ela quase perdeu o controle quando Gabe mordiscou um ponto particularmente sensível. — Hummm. Os sentidos dela ficaram mais sensíveis ao ouvir aquela aprovação flagrantemente masculina. E a entrega foi tão súbita e total que algo adormecido dentro dela despertou por completo. Aquilo não estava certo, não podia estar certo. Ela havia se preparado para ir para a cama com Gabriel; procurou se convencer que seria capaz de suportar a experiência, apesar de ser desagradável dormir com um homem que não amava. E agora lá estava ela, se entregando a ele. Estava atordoada e com vontade de sair correndo. Mas sabia que de nada adiantaria. Ela já estava envolvida. Gabe passou uma das mãos pela lateral do vestido dela e passou a outra em um dos seios cobertos, e Jess não pôde mais pensar em reagir. O gemido fino que ela soltou fez Gabe dar uma risada sensual. Esta noite ele era o mestre e ela, a aprendiz.
Aquele pensamento despertou nela uma nova onda de desacato. Ela podia não ser capaz de se conter, mas não podia ceder assim tão facilmente. Então entrelaçou os dedos no cabelo dele e puxou sua cabeça. — Por que eu tenho de me despir primeiro? — A voz dela saiu arfante, mas pelo menos conseguira falar. — Estou aqui. Desabotoe minha camisa. — Foi ao mesmo tempo uma ordem e um desafio. Gabriel achou que ela não obedeceria. Mas ela assentiu. Aquela pele bronzeada a centímetros de seus lábios — era uma tentação que lhe bloqueou a garganta, provocando e pensamentos lascivos. Ela calculara muito mal. Mas não tinha intenção de recuar. Com a boca seca, continuou desabotoando a camisa, chegando ao abdômen e, finalmente tirando-a de dentro da calça de Gabe. Quando ele a beijou novamente, as mãos dela ainda estavam entre os corpos de ambos e ela não teve como evitar de espalmá-las no peito dele. O toque de pele contra pele a fez tremer. Nada em Gabriel era suave. Ele era como uma máquina bela e esguia e o coração de Jess não conseguia ficar indiferente. Quando ele desceu uma das mãos do cabelo em direção aos ombros, ela entendeu por instinto o pedido sem palavras. Ela retirou as mãos do peito dele e deixou-o tirar seu vestido. Para sua surpresa, Gabe apenas abriu a parte superior e a soltou. Ela automaticamente levou a mão aos seios, apertando o cetim contra eles. antes.
Os olhos dele cintilaram de paixão, de um jeito desprotegido como Jess jamais vira — Faça isso para mim — pediu Gabe.
Não havia nada mais que ela pudesse fazer, diante daquela fúria de paixão entre eles. Seu corpo havia triunfado sobre a mente, controlando desejos e necessidades. Incapaz de conter o poder daquele olhar, ela desviou... e soltou o vestido, que escorregou por seu corpo. Silêncio. Ela encontrou coragem para levantar os olhos. Jess se deparou com aqueles olhos verdes e o tempo pareceu parar. — Linda. — Ele quebrou a conexão para observá-la de cima a baixo com os olhos. E então ele tirou a camisa. Ela deixou escapar um gemido. — Se quiser tocar, toque. — As mãos dele envolveram a cintura dela e a pegaram com uma ousadia que deixou claro que ele a considerava como sendo propriedade dele. Jess tentou lutar contra a vontade de chegar mais perto e senti-lo. Sua pele era linda, saudável e tinha um bronzeado dourado; irradiava poder. Um segundo depois ele se sentou na beira da cama para tirar as meias. A visão dos músculos de suas costas acabou com as defesas de Jess. Ela estava quase tocando-o quando Gabe se levantou para tirar o cinto.
Jess agarrou os lençóis com os dedos e observou, surpresa, ele tirar o cinto, jogá-lo no chão e abrir o botão da calça. Abrir o zíper. Com o rosto ruborizado, ela fechou os olhos e sentiu, mais do que ouviu, a risada grave que ele soltou ao se ver livre da calça e chegar mais perto dela na cama. Colocou uma perna sobre a parte inferior do corpo de Jess e uma das mãos em sua barriga. — Não estou nu... ainda. — Sussurrou ele em seu ouvido. Ela abriu os olhos e viu que seus lábios estavam muito próximo dos dele. A mão em sua barriga foi descendo. — Fique comigo — ordenou ele no momento em que ela virou a cabeça. Jess ficou, admitindo para si mesma que ela era parte ativa naquela relação. E então Gabe a tocou mais intimamente. Seu corpo se arqueou e ela se viu apertando as coxas, prendendo-o junto a si. Ele a beijou com ardor enquanto sua mão acariciava a intensa fonte de desejo entre as pernas de Jess. Um segundo depois, Gabe retirou a mão. E ela gemeu com desespero, e ficou pasma com sua reação. — Quero que você fique nua. — Os dedos dele começaram a desfazer os laços de seu corpete. — Onde você arrumou isto? — Hollywood Boulevard — conseguiu responder. Enquanto beijava a curva de seu pescoço, ele colocou a coxa entre as pernas dela. — Use de novo comigo. — Foi uma ordem clara. Ela devia ter reclamado de sua arrogância se ele não tivesse escolhido aquele momento para abrir o corpete e cobrir seu seio com as mãos. Seus pensamentos perderam a coesão ao toque de sua mão. Mas ele a soltou rápido demais. Jess teve de morder o lábio inferior para não implorar que ele continuasse. — Gosto do jeito que você olha para mim, Jess. Agora está na hora de olhá-la. — Pôs-se de joelho e tirou totalmente o corpete e o jogou para o lado. Parou para apreciar a visão do corpo de Jess. Ela sentiu aquele olhar como se fosse algo físico, e quando ele abriu suas pernas para se ajoelhar entre elas, Jess não pôde resistir. Ele colocou as mãos na parte de trás de suas coxas para levantá-la, puxando-a e encaixando-a ao corpo dele. — Ah! — Ela agarrou os ombros de Gabe para se equilibrar, subitamente sentindo a excitação dele. Foi como se ele tivesse lido seus pensamentos. — Relaxe, meu bem. Não terminei de prová-la. Naquela posição, Jess estava totalmente à mercê dele. Mas Gabe não perdeu tempo e deu-lhe exatamente o que ela queria, encostando a cabeça em seus seios e abocanhando um dos mamilos. A forte sucção provocou sensações profundas.
Ela cravou as unhas nos ombros dele. Gabe era tão másculo que tudo que havia de feminino nela reagia a ele, ficando mais suave, mais fraca... entregando-se. O resultado foi que quando ele usou suas mãos para acomodá-la na cama, ela estava tão envolvida a ponto de pedir. — Gabe, por favor. — Passe as pernas ao redor da minha cintura. — A crueza de sua voz foi excitante. Ela obedeceu. E percebeu que seu corpo estava ligeiramente inclinado para cima, na posição perfeita para o que ele queria. Seus instintos perceberam que a penetração seria profunda. — Gabe — murmurou ela. — Vai ser difícil assim. — Eu vou devagar. — Ele acariciou seu seio dizendo palavras tranqüilas. Ela teve a sensação que ele logo iria perder o controle ao senti-lo tocar a pele sensível entre suas coxas. Uma parte dela temia tamanha intensidade, mas outra estava ansiosa pela força do desejo. Ele a segurou por trás e encostou-se nela. O corpo de Jess estremeceu e ela gritou. Mas Gabe manteve a palavra e foi tão devagar que ela achou que fosse enlouquecer. Ele tocou-a em partes íntimas de seu corpo que ninguém jamais tocara, causando-lhe um prazer intenso. E nenhuma dor. — Que bom que você sabe se mover, Jess — disse ele, quase grunhindo enquanto a preenchia, tão junto dela que Jess foi capaz de sentir a batida do coração dele. Sem saber bem sobre o que ele estava falando, ela apertou seus músculos mais íntimos ao redor dele, uma reação tão antiga quanto o próprio tempo. Ele inclinou a cabeça e intensificou suas investidas. Ela gritou enquanto ele a fazia perder o controle. E quando terminou, Jess era uma mulher marcada. A mulher de Gabriel Dumont.
*** Jess sentiu-se exposta. Ele tomara sua paixão, deixando-a sem forças. E ela permitiu. Implorou que ele fizesse isso. Agora que a névoa do desejo havia passado e Jess podia ver a realidade, não conseguia aceitar nem compreender o tamanho de sua rendição. Não era Gabe quem devia lhe despertar o desejo! Era como se ela tivesse desistido de seu sonho naquela cama... desistido de Damon em todas as vezes que sentiu prazer, que gritou, que traiu o amor que sentiu por uma vida inteira. E não entendia como tudo aconteceu. Gabe jamais foi o tipo de homem que ela podia amar. Ela não sabia se gostava dele. Saiu silenciosamente da cama e pegou a primeira coisa à mão. Infelizmente era a camisa de Gabe. O cheiro dele estava no tecido, em sua pele, no ar. Enquanto procurava seu vestido para poder livrar-se da roupa de Gabe, ouviu o ruído dos lençóis. — Aonde você vai, Jess?
A lâmpada da cabeceira foi acesa. Ela prendeu os cabelos por trás das orelhas e abotoou a camisa. — Para o meu quarto. Os olhos dele eram frios. — Achei que você já estava aqui. — Escute — disse ela, encontrando coragem em seu orgulho despedaçado. — Nós consumamos o casamento. Não precisamos mais estar na mesma cama. Prefiro dormir na minha cama. Depois... depois lhe digo se tivemos sucesso. Ele arqueou uma sobrancelha. — Não sou tão arrogante. Uma só tentativa não bastará. Ela mordeu o lábio inferior e tentou não olhar para aquele torso que ela acariciara com tanta volúpia. — De qualquer forma não podemos fazer nada por uns dias. Não doeu na hora, mas agora estou dolorida. — Apesar da estranha humilhação em admitir aquilo, ela se forçou a encará-lo, sabendo que Gabe se aproveitaria de qualquer sinal de fraqueza. Ele apagou a luz. — Como quiser. Mas não tente usar o sexo contra mim. Não faço este tipo de jogo. — Não estou fazendo jogo nenhum. — Não? Se você pensa que vou aceitar que minha mulher fique se guardando para outro homem, está enganada.
CAPITULO QUATRO — Como ousa? — Eu lhe pedi em casamento, não para dividir o apartamento comigo. Resolva o que quer. Sem responder, Jess saiu batendo a porta. Gabriel cruzou os braços atrás da cabeça. Mulher nenhuma jamais ditou as regras na cama dele. E Jess não teria a chance de ser a primeira. Ele estava falando sério; não tinha intenção de ter um casamento sem sexo, logo ele que... Procurando enxotar da mente aqueles pensamentos, sentou-se. Não queria dormir. Ele estava mais que pronto para um replay quando Jess resolveu interromper. Ela havia se transformado em puro fogo em seus braços; jamais fora para a cama com uma mulher que reagisse daquela maneira a ele. Não era paixão o que ele procurava ao escolhê-la, e não pensava que ela fosse incitá-lo de tal maneira. Mas incitou. E ele aceitava, contanto que ficasse tudo apenas na cama. Seu lado primitivo gostava de saber que ele era o único homem a escutar os gemidos de sua mulher.
Mas logo em seguida seu pensamento se voltou para algo desagradável. Damon. Gabriel ficou atento a ele desde que tomara conhecimento da separação dele e sabia que ele procurou se informar sobre Jess. Pois ela podia amar Damon o quanto quisesse. Não fazia diferença para ele, a não ser o fato de que isto significava que ela jamais poderia esperar nada de emocional da parte dele. Mas Gabe não tinha intenção de agüentar uma "amizade" entre sua esposa e Damon. Jess podia odiar Gabe por isso, mas ela sabia bem com quem estava se casando. Agora Jess era dele. E ponto final. Jess acordou com olhos pesados. Olhou para o relógio e viu que faltavam poucos minutos para as cinco horas. — Quatro horas de sono. Que ótimo. — Ouviu um som que vinha do quarto conectado ao seu por uma porta, e percebeu que Gabe provavelmente já estaria de pé. Tentou não pensar nele nem no que fizeram na noite anterior e puxou o cobertor até o queixo. Mas o cheiro que lhe veio às narinas era de Gabe, o homem que tentava ignorar. Com os pensamentos tomados pela raiva, acabou esquecendo de tirar a camisa dele e, de repente, se deu conta do ato falho. — Argh! — Resolveu levantar e tomar banho. A água quente foi um bálsamo nos músculos desacostumados ao tipo de atividade da véspera. Uma atividade na qual ela, com certeza, não queria ficar pensando, mas que não conseguia esquecer. Tinha acabado de se vestir e estava em pé, olhando pela janela, enquanto escovava os cabelos, quando ouviu uma batida na porta que dava para o quarto de Gabe. Ele entrou um segundo depois. Vestia calça jeans e camiseta, e sua sexualidade parecia ainda mais intensa. Ela ficou tensa ao lembrar do que ele lhe exigiu no escuro e da dor deliciosa de prazer sensual. — Bom dia. — Ele sorriu de modo divertido, totalmente ciente do efeito que provocava nela. Aquela arrogância a tirava do sério. — Eu não disse que você podia entrar. — Escovou os cabelos com força e voltou a olhar para a escuridão que precede o amanhecer. Ele chegou mais perto. — Esteja pronta para sair às sete. — Aonde vamos? — Visitar o túmulo de seus pais. A animosidade dela se desfez. — Obrigada. — Pôs a escova no peitoril da janela e se esforçou para encará-lo.
Não dava para entender o que diziam aqueles olhos voltados para ela. — Dê-me um beijo de bom-dia, Jess. — Não gosto de receber ordens. — Engraçado, ontem à noite você as acatou perfeitamente. Ela se empertigou. — Isto é exatamente o que uma mulher gosta de ouvir após sua primeira vez. Ele fez cara feia. — Entendi. Jess ficou boquiaberta com as desculpas veladas. Gabe aproveitou e levou uma das mãos à nuca para ter o beijo que queria. Ainda sem defesa depois da noite de luxúria que tiveram, ela ficou horrorizada ao perceber que havia gemido quando ele se afastou. Mas Gabe gostou. Tomou-a com vontade nos braços e beijou-a intensamente. Quando finalmente ele saiu do quarto, Jess já estava emocionalmente confusa. Reagir daquele jeito ao toque dele não estava nos seus planos. Para ela, amor e sexo sempre vinham juntos, e sempre achou que teria um carinho enorme por qualquer homem com quem fosse para a cama. E agora lá estava ela, tremendo só de pensar no toque de Gabe. Sentia-se envergonhada. E o pior era que Jess não sabia como evitar aquela reação. Seu amor por Damon a isolou de outros homens desde que se tornou adulta. Mas o escudo cedeu sob a potente sedução de Gabe. Incapaz de pensar em outra coisa que a fizesse se sentir melhor em relação ao seu súbito mergulho na luxúria, desprovida de amor, fez o que sempre fazia quandoprecisava pensar. Pegou um bloco e começou a desenhar. Sempre começava cada projeto com um desenho detalhado, jamais usava tinta a óleo antes de trabalhar bem os ângulos e dimensões. Na verdade, nada em sua arte era impulsivo; ela pensava cuidadosamente no tema escolhido antes de criar. Mas, desta vez, resolveu deixar a mão correr livre sem qualquer interferência consciente. E o que surgiu foi a imagem do rosto que ela guardou no coração por mais de uma década. Se Damon não tivesse esperado tanto para dar aquele telefonema, e se não estivesse bêbado, ela não estaria onde estava agora. Teriam se casado muito antes da morte de seu pai e conseguido outro jeito de preservar a propriedade da família. Mas ele esperou demais. E a gravidez de Kayla mais a dívida de Jess com Gabriel acabaram abrindo um abismo entre ambos. Aquela distância doía. Damon era seu amigo mais próximo desde criança, o relacionamento deles era uma combinação de risadas e travessuras. Foi ele quem a ajudou a ver graça na vida de novo após a morte da mãe. Ela lhe confidenciava seus segredos, escutava os dele e em algum ponto, entre a infância e a vida adulta, ela se apaixonou. Ele partiu seu coração ao casar com Kayla. E a fizera sofrer mais uma vez com aquele telefonema. — Por quê? — murmurou ela, olhando para o desenho. — Por que esperou tanto tempo?
Ainda bem que não se encontraram antes do casamento. Jess talvez não tivesse agüentado ouvir as declarações dele pessoalmente. E agora ela era de Gabriel. Não que isso importasse. Se Damon estivesse mesmo falando sério, a teria procurado assim que ela chegou. Mas não a procurou. Por quê? jogou o lápis no chão e afundou a cabeça nas mãos. "Socorro” disse ela num suspiro agoniado. Mas ninguém a ouviu. Várias horas depois, Jess viu o lote da família Dumont de dentro do jipe. Ela fizera questão desta visita, mas agora que haviam chegado, Jess já não estava mais tão certa se tinha tomado a decisão correta. Era óbvio que Gabe preferia estar em qualquer outro lugar. — Você vem? — perguntou ela ao abrir a porta. Para surpresa dela, ele a acompanhou ao túmulo dos pais. Àquela altura Jess já não fazia mais idéia do que esperar de Gabe, principalmente depois de ficado em silêncio durante todo o percurso. Ele soltou o cinto de segurança e saiu do carro sem dizer palavra enquanto ela abria a porta de trás e pegava as flores que comprara. Mas ele caminhou ao lado dela em direção aos túmulos de Stephen, Mary, Raphael, Michael e Angélica Dumont. Ela parou em frente ao túmulo de Raphael e olhou para Gabe. — Quer depositar flores? — Não. — Pelo tom, ficou claro que ele considerava aquele ato perda de tempo. visita.
Jess ficou magoada, mas se recusou a se apressar. Para ela, era importante aquela
Gabe só reagiu quando ela foi colocar flores no túmulo da mãe dele. Ele as tirou e colocou no túmulo da irmã. — Gabe! — Terminou? — Sim. Mas... — Mas o quê, Jess? Eles morreram há 25 anos. — Olhou para o relógio. — Tenho coisas a fazer. Melhor voltarmos. Jess o puxou pela mão para detê-lo, mais por instinto do que por lógica. Os olhos dele a fuzilaram, mas ela encontrou coragem e ficou firme. — Desculpe, não sabia que isto lhe doía tanto. Ele arqueou uma sobrancelha. — Estou ótimo. Foi você quem quis vir aqui. — Gabe — começou ela, sabendo que havia tocado em um ponto frágil. Sentiu esperança. Talvez seu casamento não fosse tão sem sentido. Se ele era capaz de demonstrar sentimentos com tamanha intensidade, quem sabe o que ocorreu entre eles na noite anterior pudesse ser algo mais que luxúria. — Jess, você me conhece. Não precisa me salvar de nada Eu tinha dez anos quando eles morreram. Mal me lembro deles. — Então soltou a mão dela, virou-se e seguiu em direção ao carro.
Ela queria crer que Gabe estava mentindo, mas a expressão em seu rosto demonstrava calma e controle absoluto Suas esperanças se dissiparam. Não era de admirar que Gabe jamais visitasse os túmulos da família. Ele não tinha sensibilidade para amar a lembrança deles. *** Jess estava desenhando na varanda após um dia inteiro e uma noite de sono surpreendentemente profundo quando viu uma caminhonete velha vindo pela estrada. Ela esperou que a pessoa estacionasse e caminhasse, mas o motorista foi para um ponto que ela não conseguia ver da varanda, e depois estacionou subitamente no gramado. Ela franziu a testa e pôs o bloco de desenhos na mesa. Quem diabos...? A porta do veículo se abriu e surgiu diante dela a pessoa que menos esperava ver. — Jessie, menina! — Damon subiu as escadas correndo, abraçou-a pela cintura e a levantou. Era impossível não ficar feliz em vê-lo. Afinal, sentia tanta saudade dele. Com seus olhos azuis e cabelos negros, Damon parecia um astro de cinema, ou um playboy. Mas o que ela queria ver era seu sorriso, que mostrava com sua brancura como ele se divertia. Ela riu pela primeira vez desde que voltara. — Solte-me, seu tolo. Aquele sorriso familiar se desfez. — Nunca mais vou deixar você partir. — E ele a colocou no chão de novo. — Você não podia ter me esperado voltar? — Era uma acusação sentida. — Você nem me deu chance. Ela sentiu o estômago revirar. — Como é? — Fiquei sabendo que você se casou enquanto eu estava fora da cidade. — Isso mesmo — disse uma voz calma, mas letal, vinda do outro lado da varanda. — De modo que sugiro que tire as mãos dela. Ciente da cena que protagonizava, Jess desvencilhou-se dos braços de Damon, o rosto alternando frieza e rubor. — Damon veio apenas dizer oi. Gabe caminhou até ela, e pôs o braço ao redor de sua cintura. Rebelando-se contra o modo como estava sendo tratada, como posse, tentou empurrá-lo como empurrara Damon, mas Gabe não estava disposto a soltá-la. — Ah,é? Jess ficou impressionada de ver a raiva nos olhos de Damon. — Você por acaso disse a Jess que eu queria falar com ela quando voltasse? — Engraçado — disse Gabe, sereno e ameaçador ao mesmo tempo —, pensei que havia telefones em todo o país.
Jess estava começando a ficar com medo por Damon. Ele era forte, mas não era páreo para Gabe. Ela pediu a ele com os olhos que mantivesse a calma, e, para seu alívio, suas próximas palavras foram cordatas. — Acho que eu e Jessica precisamos conversar. O braço de Gabriel era como uma faixa de aço. — Se quer falar com minha mulher, pode falar agora. — Ah, claro. Depois, então, Jess. — Damon foi embora do mesmo modo turbulento como chegara. Jess não disse nada antes da caminhonete sumir. Então se livrou do braço de Gabe e o encarou de braços cruzados. — O que você pensa que está fazendo? — Penso que estou deixando claro que você agora é minha esposa, algo que você parece ter esquecido. — Os olhos dele faiscavam de ódio. — Desde quando você estava pensando em ficar se agarrando com ele na frente de todo mundo? Ela respondeu com fúria. — Ele é meu amigo desde que eu existo. Já parou para pensar que Damon pode estar querendo conversar comigo sobre a vida dele? — Ela tentou não pensar nele dizendo que jamais a deixaria partir novamente, porque aquilo a fazia se sentir culpada. — Não quero saber sobre o que ele queria falar. — Gabe cruzou os braços, uma verdadeira barreira sólida. — Vocês dois não vão mais ter conversas em particular. — Você é meu marido, não meu dono! — Não precisava ser seu dono. Ou você acha que é perfeitamente aceitável que fique se jogando nos braços de seu ex-futuro-amante? — Você está distorcendo tudo! — Quando ela abraçou Damon foi por amizade. Mas Gabe fazia parecer algo sórdido, o que a levava a questionar cada uma de suas ações e palavras. Seu queixo estava tenso, e então ele falou com frieza. — Juro por Deus, Jess, se você tentar me trair com esta desculpa idiota, eu me divorcio de você antes que perceba. E depois aceito a oferta dos construtores, que ainda não perderam o interesse. Ela sentiu o sangue esquentar sob a pele. — Você não faria isso. — Nem Gabe podia ser tão cruel. _ Eu lhe deitado. Ele não se abalou. _ Você assinou um acordo pelo resto da vida, não por uma noite na minha cama. Se eu quisesse isso, tinha como conseguir muito mais barato e de mulheres muito mais experientes que você, benzinho. A ofensa foi tão forte que ela não conseguiu dizer nada. — Sua terra não tem nenhum valor real para mim — prosseguiu ele. — Eu a comprei para selar nosso acordo, e posso me livrar dela com a mesma facilidade se você não cumprir sua função de esposa. Pense nisto na próxima vez que tiver muita
necessidade de encontrar seu amigo. — Ele partiu sem lhe dar chance de responder. Apesar de ela não saber o que dizer, de qualquer forma. Ela se jogou na cadeira mais próxima e apoiou a cabeça nas mãos. Mas sua mente continuou girando. A ameaça de Gabe a chocara, deixou incisivamente claro que ele confiava nela tanto quanto confiava em um gato de rua. Ainda assim, não conseguia acreditar que Gabe a ameaçara com o que sabia ser sua maior vulnerabilidade. A idéia de ver o legado de seus pais se transformar em um condomínio para ricos e famosos, com direito a piscina, quadras de tênis e campo de golfe era um pesadelo para ela. Eles destruiriam toda a beleza que seus pais construíram com trabalho árduo, um insulto à memória deles que ela simplesmente não podia suportar. Ao contrário de Gabriel, ela tinha carinho por estas lembranças. Elas eram tudo que tinha. — Jess? A voz da senhora Croft a assustou. — O que foi? A senhora percebeu a expressão preocupada de Jess, mas não disse nada. — Ligação para você. — E lhe entregou o telefone sem fio. — Obrigada. — Jess ia dizer alô quando a senhora Croft disse algo que a deixou boquiaberta. — Você fez sua escolha ao jurar no altar, minha menina Não vá retroceder agora. — Com este conselho, ela voltou para dentro da casa. Destruída pela evidência de outra pessoa acreditar tão prontamente que ela estava disposta a ser infiel, Jess disse "alô" baixinho. — Está sozinha, Jessie?
CAPÍTULO CINCO Sua mão ficou gelada. — Você quer morrer, Damon? Se Gabe tivesse atendido ao telefone? — Eu teria desligado. Só isso. — Ele riu, mas havia um tom melancólico que ela jamais ouvira em sua voz. — por que está ligando? não é?
— Disse que queria falar com você. — Pequena pausa. _Você ainda é minha amiga, — Claro que sou. — Mesmo que ele diga que não?
— Não vamos falar nisso. — Gabriel era o único assunto mie ela jamais discutiria com Damon. — O que foi isso que ouvi sobre você e Kayla? — perguntou ela, tentando fazer o papel de amiga. Uma pausa maior agora. — Não dá mais. Eu disse a você que não devia mesmo ter casado com ela. — Damon — começou ela, mas ele continuou. — Eu disse a você e mesmo assim você se casa com esse palha. — Ele cortou a palavra. — Eu não a amo mais. — Não é verdade. — Ainda assim, parte dela, uma parte mie ela não gostava, esperava que fosse verdade. Desde que o carro de Kayla quebrou em Kowhai, dois anos atrás, e ela e Damon viraram um casal quase da noite para o dia que Jessica queria ouvir aquilo. _ Você sabe com quem eu deveria ter me casado, não sal,e? — A voz dele saiu mais grave e baixa. Ela devia ter desligado, mas não desligou, tomada por um desejo de anos. Porque nem naquele telefonema ele chegou a dizer o que ela mais precisava ouvir. O que ela nem se permitia pensar, quiçá admitir, era que agia desse jeito por raiva de Gabriel. — Você, Jess. Eu devia ter casado com você. Ela desligou o telefone com dedos trêmulos. Odiava a si mesma por ter deixado Damon partir, abominava o desejo que sentia e que a transformara no pior tipo de hipócrita. Pois apesar de não ter chegado à traição física, com certeza havia chegado à traição emocional. O telefone tocou novamente tão de repente que Jess quase deixou-o cair. — Alô? — perguntou com cautela. Era Merri Tanner, uma vizinha. Aliviada, Jess conversou por um ou dois minutos até que Merri a convidou para um churrasco informal. Uma ocasião social para se interpor entre ela e Gabe era tudo que ela precisava. — Claro, parece boa idéia. — Desligou e olhou para a terra em frente à janela. Tão forte, tão duradoura e capaz de causar tanta dor ao coração humano. Por mais tentador que fosse pedir a alguém para levar a mensagem do churrasco a Gabe, sabia que seria covardia. E seu respeito próprio já estava bastante abalado após o telefonema de Damon. Então, pôs o telefone na cadeira e foi falar com o marido. Quando a culpa ameaçou minar sua segurança, ela a afugentou realimentando a raiva que sentiu de Gabe pela ameaça cruel que fizera a ela. Não estava disposta a dar-lhe a chance de usar sua vontade indomável para massacrá-la. Jess o encontrou falando com um empregado. Ele interrompeu a conversa ao vê-la. — O que foi? — Não havia traço de raiva em sua voz. Nem de qualquer emoção. — Merri nos convidou para um churrasco. Por volta das sete. — Dobrou o braço. — Disse que nós vamos.
— Tudo bem. — Ele acariciou seu rosto com a mão, e a delicadeza do toque foi tão inesperada que Jess ficou sem ação. — Deve ter sido um longo telefonema, pois sua pele está vermelha. Ela se afastou pensando se ele conseguia ler a culpa em seus olhos, pois ela fizera algo de que não se orgulhava. Mas nem isso era desculpa para as coisas que Gabe havia dito, e ela não pretendia fingir. mim.
— Pare de fingir, Gabe. Você tem mais ternura por seu extrato bancário do que por Algo mudou na expressão dele, tornando-se mais implacável.
— Que bom, não é? Se eu não tivesse esta conta bancária, você não teria salvação. — Deu um sorriso amargo e voltou a conversar com Jim. Jess trincou os dentes e se convenceu a se incomodar com ele. Mas falar é fácil. O fato de ele estar certo só fazia piorar suas dúvidas. Ela não era nenhuma caçadora de fortunas, mas precisava do que o dinheiro de Gabe podia fazer. Se ele não tivesse dinheiro, jamais teria aceitado naquele trato. Mas ela aceitou. E agora tinha de pagar o preço. Ela saiu do celeiro antes que dissesse algo indevido, e foi para casa. Resolveu fazer uma salada para o churrasco. Como cozinhar a distraía, acabou fazendo também um bolo de mármore. Às cinco e meia, Jess já estava com tudo pronto. Escolhera suas roupas com cuidado, pois precisava se sentir bem: uma saia de lã na altura da panturrilha e um suéter angorá branco, além de botas de couro até os joelhos. Gabe não disse nada ao entrar na cozinha, onde ela estava colocando tudo em uma cesta de piquenique. Mas ele enfiou os dedos nos cabelos úmidos dela. — Acho que esta noite vou deixar você ficar de botas. Ela sabia que ele a estava provocando de propósito por causa de sua atitude distante, mas o erotismo implícito fez seu corpo estremecer. Ela deu alguns passos para trás, aumentando a distância entre eles. — O gato comeu sua língua, Jess? — Ele exalava autoconfiança e masculinidade dentro da calça de veludo cor de areia e do suéter de tricô azul-marinho. — Quer que eu a encontre? Ela ignorou e segurou a cesta. — Vamos. Gabe pegou a cesta das mãos dela. Jess não resistiu, pois achou que aquilo devia ser um ato instintivo da parte dele. Se criasse caso, Gabe perceberia logo que ela estava longe de sentir a calma que tentava demonstrar. — Vai levar mais de duas horas para chegar lá de carro. Vamos voar. — Não, quero ir de carro. — Foi uma decisão impulsiva. Ela precisava do chão firme debaixo dos pés. Ele arqueou uma sobrancelha, mas mesmo assim foi com ela até o jipe estacionado em frente à casa.
— Tudo bem. — Pôs a cesta no banco de trás. Ela abriu a porta do acompanhante e entrou. — Merri disse por volta das sete, de modo que isto provavelmente significa que o pessoal deve começar a chegar pelas oito. Gabe segurou a porta antes que ela fechasse, e se aproximou, lançando no ar o cheiro de sua loção pós-barba. — Tente não olhar com raiva para mim na festa. Não é essa a idéia que quero transmitir de nosso casamento. — Bateu a porta e deu a volta para sentar-se no banco do motorista. — Se vai ficar me chantageando com a história de vender o terreno para os construtores, não pode esperar que eu seja dócil e simpática. — Dócil e simpática? Jessie, você está de mau humor desde que chegou. — Não me chame de Jessie. Ele acelerou e os pneus cantaram. — Por quê? Era assim que Damon lhe chamava? — Não tem nada a ver. — Até parece. Ela cruzou os braços. — Quem gosta de mim me chama assim. Você não gosta de mim, não acredita em mim. Então me chame de Jess ou de Jessica. Eles permaneceram calados pelas duas horas seguintes. Só quando estavam chegando na casa dos Tanner que ela quebrou o silêncio. — Tem alguma notícia que eu preciso saber? — Você sabe da maior parte delas. — Ele estacionou o jipe atrás de um pequeno caminhão respingado de lama. Ao contrário do que Jess previa, parecia que um monte de gente já havia chegado. — Você provavelmente ouviu falar que Sylvie voltou dos Estados Unidos. Ela sentiu o sangue gelar nas veias. — Quando? — Uns dois meses atrás. — Nada no tom de sua voz demonstrou o que pensava, de modo que ficou à mercê da própria imaginação. O boato corrente era que Sylvie rompera o relacionamento com Gabe para cuidar da própria carreira. Se fosse verdade, então Jess podia muito bem acreditar que Gabe jamais perdoaria Sylvie, chegando a ponto de casar com outra. Mas isso não queria dizer que ele não sentia mais nada pela linda loura... sentimentos que jamais tivera por ela. Não que se importasse com isso. Jess saiu do jipe abrindo a porta com força. Pegou a cesta e caminharam até o quintal dos Tanner. No meio do caminho ele a abraçou pela cintura.
— Sorria, Jessica. Estamos em lua-de-mel. Ela não sabia o porquê. Com o braço na cintura dele, sorriu de modo dócil quando já estavam terminando de atravessar o quintal. — Ah, meu bem, que lindo! Gabe reclamou baixinho, mas era tarde. Várias pessoas ouviram e já estavam zombando dele, dizendo que ele estava apaixonado. Ele levou a brincadeira na esportiva, mas não tirou o braço da cintura dela, nem quando ela foi entregar a cesta ao jovem Simon Tanner. Jess usou o aperto de mão com Tanner como desculpa para tirar o braço da cintura de Gabe. Era muito estranho sentir o calor dele por debaixo da roupa, uma intimidade tão tranqüila que a perturbara mais do que se tivessem trocado beijos apaixonados. — Que bom revê-la, Jess — disse Tanner. — Sentimos sua falta. — É bom voltar para casa. — Gabriel, você se deu bem. Jess é a menina mais linda daqui. — Eu sei. Jess teve vontade de dar um chute em Gabe por mentir com tamanha tranqüilidade. Achou ter visto de relance a espetacular Sylvie Ryan por entre as luzes decorativas e lanternas espalhadas pelo jardim. — Ótimo, ótimo. — Tanner viu alguém chegando e foi receber, deixando Gabe e Jess sendo cumprimentados pelo casamento por um fluxo constante de pessoas. — Obrigada — disse ela pela qüinquagésima vez, e tentou se livrar discretamente do calor desconcertante do toque de Gabe. Mas ele segurou-a com mais força. Sem poder dizer nada por causa dos outros, ela sorriu e continuou a conversa, imaginando quando Gabe iria soltá-la. — Então, quando vocês vão dar uma festa para comemorar o casamento? — perguntou Kerry Lynn a Jess, enquanto seu marido conversava com Gabe. — Não falamos sobre isso ainda. — Bem, seria bom se fosse logo. Se esperar demais, vai passar do ponto. Jess fez que sim com a cabeça. A maioria das pessoas do local era donos ou funcionários de alguma fazenda. — Que tipo de festa sugere? Ela perguntou mais para puxar conversa do que por desejar realmente um evento para celebrar aquele fiasco que era seu casamento. — Um jantar é uma boa idéia. Poderia ser em um salão de recepções. Jess não conseguia imaginar nada pior do que ficar em meio a toda aquela gente observando cada movimento dela e de Gabe. — Ou quem sabe um grande piquenique — sugeriu ela, desesperada. — Podemos contratar um bufe, espalhar mesas e cadeiras pelo gramado, tocar música para as pessoas dançarem.
— Idéia maravilhosa, querida — disse Gabriel, e ela sabia que ele estava zombando dela. — Se instalarmos uma grande tenda e pusermos aquecedores não vai ficar tão frio. — Hã-hã — murmurou ela na esperança de encerrar o assunto. eles.
— Ah, Graham podia tocar! — Kerry bateu palmas e outro grupo veio se juntar a
Várias pessoas concordaram com a sugestão e Graham Lynn ficou radiante. Jess sentiu que estava perdendo o controle da situação. — Não sabia que você tinha uma banda, Graham — disse ela, sem graça, encostando-se em Gabe de modo inconsciente. Ele a puxou para si e tomou conta da conversa com um charme desconcertante que Jess jamais esperou dele. — Assim que marcarmos a data, avisaremos. Mas, por enquanto, é melhor cumprimentarmos o restante do pessoal antes que o fuso horário comece a fazer efeito em Jess. Todos sorriram e deixaram o casal escapar, mas Jess sabia que o acordo estava feito. — Vamos ter que dar uma droga de uma festa, não é? — Tsc, tsc, que linguajar, Jessica. — Pare de me chamar de Jessica. — Sabia que era uma resposta tola, pois ela mesma pedira a ele para chamá-la por aquele nome, mas é que soara muito mal. — Ninguém me chama assim. — Seu marido chama, Jessica querida. — Ela sentiu os lábios dele roçando em sua orelha. Jess estava fazendo de tudo para conter mal-estar que sentia quando uma voz feminina rascante interrompeu. — Ora, ora, se não são o senhor e senhora Dumont. Jess se empertigou toda. — Olá, Sylvie. Gabriel disse que você estava de volta. — Oi, meu bem. — Sylvie se aproximou para beijar Jess no rosto Como se fossem velhas amigas. A verdade era outra; filha de um juiz e de uma fazendeira de posses, Sylvie Ryan jamais se dignou a falar com alguém tão insignificante quanto Jess Randall. Mesmo sentindo-se diminuída em comparação com aquela mulher esguia como uma modelo, Jess entretanto sorriu. Gabe escolheu este momento para finalmente soltá-la. — Ando precisando conversar com Derek sobre umas coisas — disse ele, e apontou com a cabeça para o piloto que estava em pé perto da mesa do bufe. — Prazer revê-la, Sylvie. — Igualmente. — Sylvie falou com um tom que insinuou algo que Jess procurou ignorar. Contudo, mal podia esquecer o fato de que Sylvie havia deixado claro que ela e Gabe já foram amantes. — Você é casada, Sylvie? — perguntou ela quando Gabe já estava longe. Era ingenuidade da parte dela tal pergunta, mas não estava se sentindo especialmente madura no momento.
O sorriso de Sylvie se desconcertou ligeiramente. — Parece que você agarrou o único homem que vale a pena por aqui. — Sorte a minha. — Mas o verdadeiro teste é ver se você consegue mantê-lo.
CAPÍTULO SEIS Hora de mostrar as garras. — Você deve saber por experiência própria. — Jess deu um sorriso tão dócil que ficou evidente que Sylvie não soube se havia ou não sido insultada. — Ah, olha só, lá está Merri. Você vai me dar licença, ainda não tive oportunidade de falar com ela. Contente por sair de perto de Sylvie, Jess arrumou duas cadeiras, serviu-se de comida e foi conversar com Merri. — É melhor ficar de olho nela — disse a amiga vinte minutos depois, quando estavam prestes a dividir uma fatia de bolo de chocolate. Jess acompanhou o olhar de Merri a tempo de ver Sylvie pôr a mão no ombro de Gabe e se aproximar para murmurar algo em seu ouvido. Quando ele sorriu, Jess sentiu algo novo e inesperado. Ela fincou o garfo no bolo com força. — Ela não mudou nada. — Hã-hã. Sylvie foi atrás de Gabe assim que voltou. Ouvi falar que ela ia à fazenda quase todos os dias até a sua chegada. O bolo de chocolate secou em sua boca. — Ah. — Mas ele se casou com você, e acho que não precisa se preocupar. — Merri sorriu, radiante. Jess não tinha tanta certeza assim de ter sido a vitoriosa. Gabe e Sylvie pareciam muito à vontade um com outro enquanto conversavam. Altura, beleza, posição social, eles se equiparavam em tudo isso e em outras coisas também. Talvez a verdadeira razão pela qual Gabe não tenha casado com ela seja o fato de ela despertar nele sentimentos que ele não queria nutrir. Talvez a amasse. — O que Sylvie está fazendo agora? — perguntou Jess, imaginando por que se importava com o que Gabe sentia por ela. — Ouvi dizer que tirou licença de um ano do emprego em um banco internacional — disse Merri, interrompendo os pensamentos incômodos de Jess. — Talvez ela achasse que conseguiria reatar com Gabe. — Surpreendeu-se ao vê-la com ele. — Ah, santo Deus, ela veio. Alguém lhe contou o que houve? Jess olhou no pior momento. O olhar de ambas se cruzaram e Kayla começou a caminhar. A gravidez deixou-a mais bonita; seu rosto saudavelmente corado, o cabelo
brilhante; caindo pelas costas. Mas quando ela encarou Jess e Merri, Jess percebeu as linhas de tensão ao redor dos lábios de Kayla. — Oi, Jess. A senhora Croft comentou que você estava de volta. — Oi, Kayla. — Ela não sabia mais o que dizer e estava esperando que Merri a socorresse, mas esta recebeu um telefonema. — Minha mãe. Já volto. — E se afastou. Jess ficou com raiva por causa da inconveniência do telefonema justo naquele momento. Tentou pensar em um assunto, mas o único tema que ela e Kayla tinham em comum era Damon. — Sinto muito — disse Jess, enfim, mais confusa ainda do que estava pela manhã. Não só lamentava sinceramente por Kayla, como estava aborrecida com Damon por ter criado toda aquela confusão. — Gabe me disse... Kayla tentou sorrir, mas não conseguiu. — Não é bem um segredo. — Quantos meses de gravidez? — Oito meses. — Ela mordeu o lábio inferior e levou a mão à barriga arredondada. — Gostaria de lhe pedir uma coisa. Jess ficou tensa. — O quê? — Damon... ele lhe ouve. Você poderia...? — Kayla estava nitidamente contendo as lágrimas. — Nem sei o que quero que você faça. Sei que não pode fazer meu marido me amar novamente. Incapaz de ficar em silêncio perante tamanha angústia, Jess pôs uma das mãos sobre a de Kayla. — Vou falar com ele. — Ofereceu-se por ser sensível, e já estava sofrendo por isso. — O-obrigada. — Kayla respirou fundo várias vezes e pareceu quase recuperada quando subitamente sua expressão se fechou. Jess logo descobriu o motivo. Damon havia chegado e estava conversando e rindo com outros convidados... até que avistou Jess e Kayla. Logo mudou de expressão subitamente, deixou o grupo e foi em direção a elas. — Vá, Jess, detenha-o — murmurou Kayla. — Não posso falar com ele agora. Não quero que todo mundo me veja chorar. —A voz dela estava embargada. Jess não conseguiu recusar o pedido. — OK. Dava quase para sentir os olhos de Gabe sobre ela quando foi até Damon. E isso só a deixou mais determinada ainda. Não tinha intenção de repetir o erro daquela manhã, mas se Gabe estava achando que ela ficaria na coleira como um de seus cachorros, estava enganado. Então Damon a abraçou.
Ela já estava cansada das tolices masculinas. — Solte-me agora mesmo. Aquela mera demonstração de afeto podia não apenas piorar a situação de seu casamento como magoar Kayla. Jess não conseguia entender o comportamento de Damon; ele jamais fora malicioso ou vingativo. Damon a soltou, mas ela sabia que o estrago já estava feito. — Não posso mais abraçar minha melhor amiga? Ciente que estavam atraindo todos os olhares, ela falou baixo. — Pare de joguinhos. Kayla... — Não, Jess. Não quero falar sobre ela. —Aquele queixo empinado de teimosia lhe era familiar. — Por que não? — insistiu ela. — Você sempre me contou tudo. — Até sua alegria ao descobrir que amava Kayla. — Como pôde fazer isso, Damon? Ela está grávida. — Encontrar Kayla ao menos serviu para deixar algo claro na cabeça de Jess: a despeito de qualquer coisa, Damon aceitara os laços do matrimônio. Jurara. E ela acreditava em juramentos. Por mais que doessem. Por mais que se mudasse de idéia. — Teria sido melhor ficar com ela sem amá-la? — respondeu ele, inconscientemente rejeitando os princípios pelos quais ela guiava sua vida. — Ela vai ficar com a casa e vou sustentá-la e ao bebê, portanto não fique pensando que sou um vilão. — Sua voz se transformou em um sussurro rascante. — Não vá fazer como todos os outros, me julgando sem saber dos fatos. Você, não, Jess. Ele passou a mão no cabelo dela, e a mente de Jess voltou-se para muitas direções diferentes. Ela desprezava Damon pelo que ele fizera, e isso era o que ela não previa. Entretanto, também o admirava por ser sincero. Será que estava fazendo a coisa certa ao se acorrentar a um casamento sem amor? — Mas... — Já lhe disse que a amo — interrompeu ele, levantando a mão como se fosse tocar seu rosto. — Fui tolo e demorei a perceber. Jess não sabia como, mas achava que Gabe estava vindo por trás de si. Torceu para estar errada, mas logo sentiu o braço dele lhe segurar pela cintura. Ela ficou pálida. — Gabe — disse ela, tentando evitar um confronto. — Quieta, Jess. —A ordem foi pronunciada tão baixo que ela mal ouviu, mas a raiva que continha quase a fez tremer. — Eu disse para você ficar longe de minha esposa. — Estamos em um país livre. — Damon. — Jess balançou a cabeça. Após um momento de tensão que quase terminou em violência, ele deu de ombros e foi se juntar às meninas Johnson. — Olhe para mim e sorria. — Ela normalmente teria resistido à ordem, mas dessa vez sentiu que havia ultrapassado o limite de Gabe. Ela pôs a mão no braço dele e o encarou. — Seja o que for que você ouviu, não é o que está pensando.
Gabe se abaixou para murmurar em seu ouvido e Jess percebeu que aquele gesto não passava de uma encenação para parecerem um casal apaixonado. — É mesmo? Acho que ouvi outro homem dizendo que a ama. Ela estremeceu ao constatar que ele tinha ouvido a pior parte. — Não vai dizer nada? — Ele deu um beijo em seu rosto e levantou a cabeça — Não... — Conversamos em casa. A viagem de volta para a fazenda foi a pior da vida de Jess. Gabe não disse uma palavra sequer e ela soube que seria tolice tentar fazê-lo falar. Quando chegaram à fazenda o silêncio continuou, e ele foi logo tratar de algum assunto com Jim. Ao ouvi-lo voltar à suíte principal, ela ficou muito nervosa. Queria acabar logo com aquele confronto, nem que tivesse de estragar tudo de uma vez. Amarrou seu robe sobre a camisola e a calça de pijama, e bateu na porta que ligava seu quarto ao dele. Não houve resposta, mas ela entrou assim mesmo. Gabe estava sentado na ponta da cama. Já havia tirado a suéter e a camiseta. Depois jogou as meias enroladas no chão e ficou de pé. — Que pressa para ir para a cama. — Fitando-a nos olhos, tirou o cinto. Ela acompanhou com os olhos o cinto caindo no chão. — Pare com isso, Gabe — disse ela, nervosa com o comportamento estranho do marido. — Você sabe por que estou aqui. raiva.
Ele diminuiu a distância entre ambos, aproximando-se com os olhos faiscando de — Veio dar um beijo para fazer as pazes?
Ela tentou detê-lo, mas ele veio com tudo, fazendo-a pressionar seu peito com uma das mãos espalmada. A energia que ele irradiava lhe queimava a pele e acariciava uma parte sensível e recém-despertada nela. Jess revidou, determinada a controlar o desejo que sentia por aquele homem que mal conhecia. — Vim conversar. — Conversar não é o nosso forte, querida. — Olhando-o ela reviveu as lembranças da primeira noite em sua cama, momentos sombrios e ardentes, de paixão e fúria. Seu coração acelerou e ela se odiou por isso. — Quem sabe já não está na hora de aprendermos a conversar? — Ela conseguiu se soltar, e se surpreendeu por ele não impedi-la. — Por quê? — Ele esticou uma das mãos, afundou-a em seu cabelo e a trouxe de volta para si. — Não casei com você para ficar conversando. Casei com você para ter uma esposa comportada, obediente e fiel que me dê filhos. Você ser boa de cama é um bônus, mas até onde sei, não é preciso conversar para fazer sexo. Ela deu-lhe um tapa.
— Maldito! Ele reagiu sorrindo, divertindo-se. — Fui amaldiçoado faz muito tempo, Jess. Não sabe que dizem que Gabriel Dumont sobreviveu ao incêndio porque fez um pacto com o demônio? — Você não é um demônio, é só um bastardo. — Ao contrário, minha querida, meus pais eram muito bem casados. — Enfiou a outra mão no cabelo dela e a puxou para mais perto. As próximas palavras foram ditas bem junto ao ouvido dela. — Eles costumavam conversar, mas de nada adiantava. Algo naquela frase soou vagamente errado para Jess. Mas ele não lhe deu chance de respondeu; encerrou a conversa com um beijo que lhe tirou tanto o fôlego quanto a sanidade. Aquecida pela raiva misturada à paixão, ela se excitou ao primeiro toque. A lógica e a razão se dissiparam. Dois segundos depois seu robe estava no chão e as mãos de Gabe estavam debaixo de sua camisola, tocando suas costas. Estimulada pelos desejos mais primitivos, ela puxou o cabelo dele e o beijou, respondendo à altura. Gabe soltou um gemido áspero e grave, interrompeu o beijo e a pegou com ambas as mãos pela cintura. Antes que Jess pudesse dizer qualquer coisa, suas roupas já estavam no chão. Ela tentou dizer algo, mas não conseguiu, enquanto ele a levantava nos braços. E o som do que ela ia dizer se perdeu em meio ao tumulto do próximo beijo, perdeu-se como sua mente. Quando ele tirou seus lábios dos dela para virá-la em direção à cama, ela não entendeu o que estava se passando... até que sentiu sua rigidez pressionando-a através do zíper fechado. — Faça! — A ordem foi gutural. Mas o lado selvagem dela, até então desconhecido, o mesmo que a fez reagir de maneira tão explosiva àquele beijo, entendia tudo. Era um desejo físico, não emocional; seus pensamentos estavam fragmentados, sua pele chegava a doer de tensão. Ela se abaixou e agarrou a madeira firme do pé da cama. E então ouviu o zíper se abrindo. E ela gritou quando ele a possuiu. Seu corpo o aceitou, recebeu suas investidas impetuosas, e Gabe não teve piedade quanto à intensidade, excitando-a de tal forma que ela perdeu todos os traços de civilidade e se rendeu. Deitada no escuro, Jess não sabia mais quem era. Não só deixara Gabe amá-la com uma intimidade que a tornava traidora das próprias emoções, como não conseguira fazê-lo conversar sobre coisa alguma. Respirou fundo e afastou as cobertas. Um braço forte a segurou pela cintura. — Não, Jess. Esta noite você vai ficar com seu marido. Quando ela ia reclamar, Gabe cobriu seus lábios com sua própria boca. Não havia ternura nenhuma em seu toque; era uma forma de demarcar sua posse. Ela tentou abafar
suas re-ações, retomar o controle do corpo que não parecia mais seu, mas ainda assim acabou cedendo. Mais e mais e mais. E foi desse modo que ela passou as noites pelos próximos sete dias. Na cama de Gabriel, nos braços de Gabriel, enquanto ele a ensinava que, por mais que ela achasse que sim, não se conhecia tão bem. Naquelas horas obscuras ela acabou descobrindo uma parte escondida e profundamente sensual de si mesma que entrava em êxtase naqueles lençóis, uma mulher que só se importava com o prazer. Apesar de ele continuar mantendo um perfeito autocontrole. Era isso que mais lhe doía e frustrava: Gabe trouxe paixão a um relacionamento que ela acreditava ser apenas de interesse, a fez querer coisas que ela jamais sonhou, mas a paixão era totalmente nos termos dele. Os dias não eram muito melhores. Transcorreram em meio a lembranças das noites e a confusão que lhe enjoava. Assim, quando suas pinturas chegaram, ela estava mais do que pronta para fazer algo, qualquer coisa, que a impedisse de resvalar para o caos emocional. Rasgou as caixas, abrindo-as, e começou a dispor as telas no chão do amplo quarto no primeiro andar da casa que escolhera para estúdio. — Sou boa nisso — disse ela a si mesma, determinada a reconstruir sua autoconfiança. Ela não era apenas a esposa de conveniência de Gabriel Dumont, era algo além de mera posse de um homem que a empurrou firmemente para a periferia de sua vida — o lugar dela era em sua cama e ocasionalmente de braços dados com ele. Fora isso, nada. E Jess estava achando difícil conviver com tamanha frieza. Mas ela logo abandonou aquele pensamento. Sabia das condições ao se casar. Se começasse a esperar por mais iria criar problemas para si mesma. Respirou devagar para se acalmar, colocou uma tela preparada no cavalete e pegou um pincel delicado. O rosto de Damon era fácil de desenhar. Passara anos olhando para ele com adoração. Mas hoje ela conseguia enxergar nele traços que jamais enxergara... e que a atormentavam. — Telefonema para você, Jess, minha menina. Ela levantou os olhos, surpresa por não ter ouvido o telefone tocar. — Quem é? — Um certo Richard Dusevic. Jess arregalou os olhos, mas esperou que a senhora Croft saísse para atender. — Senhor Dusevic? — Senhora Randall, tenho em minha mesa várias imagens de alta definição que meu assistente disse ser seu trabalho. — Ah. — Muito inteligente, Jess. — Pode me enviar os originais? Parecer calma se transformou em um verdadeiro teste.
— Claro. Quer apenas os que já viu por slides? — Faça uma seleção à sua escolha. Quero conhecer o que pode fazer. Minha intuição me diz que não vou me decepcionar. — Vou mandar entregar o mais rápido possível. — Ligo para você depois que tiver analisado os trabalhos. Jess balançou a cabeça, afirmando, embora ele não pudesse vê-la. — Obrigada. — Não me faça esperar, querida. — Com essa despedida exuberante, ele desligou. Ela pôs o telefone na mesinha e tentou respirar, mas parecia impossível. — Meu Deus, Richard Dusevic me ligou. — Quantos homens você tem, Jess? — A pergunta sardônica veio da porta.
CAPITULO SETE Reagindo por instinto, ela cobriu com um pano seu trabalho em andamento e sorriu. Nada estragaria seu humor. — Richard Dusevic é dono de uma das galerias de arte mais prestigiadas da Nova Zelândia. Gabe cruzou os braços e se encostou à ombreira da porta. — Parabéns. — Ele só pediu para ver o trabalho — esclareceu ela. — Mas Dusevic, imagino, não sai pedindo para ver o trabalho de todo mundo. — Não. — Ela sorriu e fez uma dancinha. — Tenho de ir ao correio amanhã enviar algumas pinturas para Auckland. Posso usar o carro? — Eu lhe dou uma carona — ofereceu ele inesperadamente, sorrindo. — Tenho que encontrar uma pessoa por lá mesmo. Ela começou a procurar entre suas pinturas, inquieta pela felicidade que sentiu ao fazê-lo sorrir. — Não vai me mostrar suas pinturas? Surpresa, ela olhou para ele. — Por quê? — A resposta foi impensada, e Jess nem sabia que era capaz de responder daquela forma. — Nós não conversamos, esqueceu? — Estava esperando para dizer isso, não estava? — Ele ficou sério. Envergonhada por ter descido tão baixo, ela deu de ombros. — Tenho trabalho a fazer. Quando ela olhou de novo, ele já havia saído.
Deu um suspiro de frustração e sentou no chão apoiando a cabeça nas mãos. Por que fizera aquilo? Seria bem mais sensato agir civilizadamente e quebrar o gelo entre eles. Mas ela odiava a idéia de ser como ele disse, comportada e obediente. Ela não era nenhuma criança nem bichinho de estimação. E Gabriel Dumont iria aprender que, por mais que pudesse escravizá-la na cama, não conseguiria nada além. Foi ele mesmo quem pediu isso. O percurso até Kowhai no dia seguinte foi previsivelmente tenso, principalmente graças ao que ocorreu na noite anterior. Exaurida de fazer amor com ele, Jess caiu em sono profundo. Se Gabe não tivesse gemido e sentado na cama no meio da noite, ela talvez não tivesse acordado antes do amanhecer. Semi-adormecida, ela se assustou e pôs a mão no ombro dele. — Gabe? — Volte a dormir. — Ele saiu da cama, sem se importar com a luz do luar revelando sua nudez. — Teve algum pesadelo? — A voz dela saiu suave, e seu coração estava aberto. Ela se esqueceu que não devia se importar. — Eu disse para voltar a dormir. — Brutal em sua frieza, a ordem incisiva desvaneceu sua ternura. — Já que você acordou, talvez seja melhor voltar para seu quarto. Magoada, ela saiu, mas quando viu que não conseguiria dormir, passou o resto da noite trabalhando no estúdio. Gabe também não dormiu; ela o ouviu sair de casa e voltar depois do amanhecer. Agora estavam sentados, agitados pela falta de sono e por causa do relacionamento que se deteriorava. Até que ela não agüentou mais o silêncio. — Quanto tempo vai durar seu encontro? — Pouco tempo. — Ele trocou de marcha ao se aproximar de um morro. — Esqueci de lhe dar seus cartões de crédito e de débito, precisará usar um dos meus. Quando chegarmos a Kowhai me lembre de lhe entregar os seus. Ela não podia recusar o dinheiro dele, já que passara o último ano sustentada por ele, mesmo não se sentindo bem com isso. — Se Richard gostar de meu trabalho e conseguir vendê-lo, terei uma renda. — Isso não é problema, Jess. Você é minha esposa. — Ele falou quase sem perceber, enquanto ultrapassava um caminhão. Claro que aquilo não era nada para ele. Gabe tinha o domínio naquele casamento. Ela estava em dívida com ele desde que ele salvou a propriedade de sua família. Gabe pegou a rua que levava à cidade. — Vou estacionar em frente aos correios. — Está ótimo. — Kowhai não era muito interessante, mas era boa para uma cidadezinha no meio do nada. Havia um misto de mercearia e correios, um banco, o bar obrigatório e até uma pequena clínica médica, além de outras lojas. — Parece que nada mudou.
— Henry passou o comando da mercearia para Eddie. — Até que enfim! E como está se saindo? — Pode perguntar a ele mesmo. — Gabe apontou com a cabeça a loja perto da qual estava estacionando. Eddie estava do lado de fora aproveitando o sol e a viu assim que ela saiu do carro. Correu para dar-lhe um abraço e um beijo no rosto. — Jessie! Sua estrangeira! Olá, senhor Dumont. Jess ficou confusa com a maneira formal com que ele se dirigiu a Gabe. — Gabe tem de ir, será que você pode me ajudar a levar uns pacotes ao correio? Gabe interrompeu antes que Eddie pudesse responder. — Eu tenho tempo. — Abriu a porta e pegou os dois quadros maiores. Constrangida, Jess pegou mais duas telas e deu a Eddie e levou a que sobrou. Não eram tão pesadas, apenas ruins de carregar, embaladas para serem transportadas em segurança. Eddie não falou novamente até Gabe seguir para seu compromisso. — Você precisa preencher um destes. — Passou-lhe uma etiqueta do serviço de correio rápido. Jess começou a preencher. — Você não tem fregueses na mercearia? — Sally pode atender; não estamos com muito movimento agora — explicou, referindo-se à irmã mais nova. — Quer dizer que você se casou com Gabriel Dumont, não é? — O senhor Dumont? — zombou ela. Ele deu de ombros. — Sempre o chamei assim quando trabalhava na loja depois da escola. Ele tem o que, dez anos a mais que você? Eddie.
— Nove — corrigiu ela automaticamente, começando a ficar irritada com o tom de
— É, fiquei surpreso ao ouvir falar do casamento. Terminou de preencher o formulário. — Por quê? — Qual é, Jess? Quando Damon largou Kayla todo mundo achou que vocês iam ficar juntos, como devia ser. Claro que Gabriel tinha de entrar naquele momento. Ele deu um cartão de crédito a ela sem qualquer expressão no rosto. — Você vai precisar disto. Nos encontramos no carro daqui a uma hora. — OK. Saiu sem dizer mais nada. Eddie fez cara feia quando ela se voltou para ele.
— Desculpe se me meti onde não devia. — Não se preocupe. — Se ao menos ela conseguisse não se preocupar. — Mas me faça um favor e pare de falar de mim e de Damon, certo? Sou casada e ele também. — Não foi o que ele disse dias atrás no bar. Damon não soube de seu casamento, sabia? Ele jamais imaginou que Dumont apressaria tanto as coisas. Disse que se... — Pare. — Jess levantou a mão espalmada. — Não quero ouvir mais nada. Quanto lhe devo pelo envio das telas? Eddie entendeu o recado e cuidou dos embrulhos com as telas calado. Mas quando ela foi pagar deu um longo assovio. — Cartão platina, Jess? Você realmente subiu na vida. Ela preferiu ignorar. As pessoas podiam pensar o que quisessem. — Obrigada. — Pegou o recibo. — Até logo. — Tchau. Havia tempo de sobra, então ela resolveu rever algumas pessoas que conhecia na cidade. Mas a primeira que viu na calçada não era exatamente quem ela gostaria de encontrar. Infelizmente, Jess já tinha sido vista. — Jess! — Sylvie acenou. Sabendo que a fofoca iria se espalhar se ela a ignorasse, Jess deu seu sorriso falso. — Olá, Sylvie. — Que sorte encontrá-la, pensei em você agora mesmo. Vou dar um pequeno jantar no meu aniversário, e adoraria que você e Gabe fossem. Jess não podia imaginar algo que lhe apetecesse menos do que participar de uma reunião com Sylvie. — Vou falar com... A loura interrompeu o sorriso ultraluminoso. — Ah, desculpe, devia ter dito. Encontrei Gabe no banco e ele confirmou presença. Jess manteve a compostura. Se Sylvie queria que ela passasse recibo de tola, teria que tentar outra estratégia. — Quando é a festa? — No próximo sábado. Por volta das sete para os coquetéis. Jess fez um som dúbio e cada uma seguiu seu rumo. Com os punhos cerrados de raiva enfiados nos bolsos do casaco, marchou rumo ao banco. Gabe saiu segundos depois que ela chegou ao estabelecimento. Seus olhos se encontraram e ela o viu caminhar em sua direção, perplexa com o impacto de sua presença. Santo Deus. Se ele conseguia fazer isto com ela em público, seu estado já era desesperador. — Estava procurando por mim? Abalada, mal percebeu o traço de sorriso em seu rosto.
— Encontrei Sylvie no caminho. — Aquela lembrança era exatamente o que ela precisava para cortar a onda de desejo que surgia. — E daí? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Você não acha que seria melhor se falasse comigo antes de aceitar certos convites? — Se você não quer ir, cancelamos. — A questão não é essa. Sei o que você pensa deste casamento — disse ela, tentando não deixar que as palavras revelassem seus sentimentos —, mas mereço respeito. Devia ter falado comigo. — É uma festa, Jess. — Ele pôs os braços ao redor dos ombros dela e começou a caminhar. — Nada sério. No lugar de fazer uma cena, ela foi com ele. — Talvez eu não queira bancar a amiga de sua ex-amante. Seus corpos estavam alinhados, e Jess não pôde deixar de perceber a tensão que o tomou subitamente. — Se não me engano, isto quer dizer que eu a mantinha. Mas Sylvie é mais do que capaz de manter-se. Com o rosto queimando por causa da menção de que ele a mantinha, ela se recusou a levantar os olhos e encará-lo. — Você entendeu. Ela não é minha amiga. Não tenho intenção de ir a esta festa. — Tudo bem. Vou sozinho. A resposta só aumentou a fúria de Jess. Ela tirou as mãos dos bolsos e cruzou os braços. — Não vai, não. — Felizmente, já tinham chegado ao carro. Gabe parou de andar e a soltou. — Como é? — perguntou ele, com um tom baixo e letal. Por mais difícil que fosse agora se manter firme, ela não conseguiria se olhar no espelho se não o enfrentasse. — Você não quer que eu me encontre com Damon. Ótimo. Mas isto vale para os dois. Você também não pode ficar socializando com suas ex-amantes. — A diferença, Jessica querida, é que não saio por aí decantando meu amor eterno por Sylvie. E com certeza não fico emocionado sempre que ela aparece. — Ele pegou as chaves do carro. — Você pode ir ao jantar ou não, mas não está sabendo como as coisas funcionam se acha que pode me impedir de ir. Jess queria gritar. Porque Gabe tinha razão; ele sempre venceria a queda-de-braço. Gabe mantivera a calma nas situações mais cruéis e endureceu o que havia de mais suave nele. Jamais se curvaria a uma mulher, menos ainda a uma a quem comprara e com quem se casara, deixando claro que nada deveria ser esperado da parte dele. Nunca.
Vários dias se passariam em meio a uma série de palavras tensas e silêncio pesado, com Jess mantendo distância enquanto pensava no que fazer. Se fosse à festa de Sylvie, estaria deixando Gabe ganhar mais uma batalha na guerra entre eles. Mas se não fosse, Sylvie, aquela loura rica e vulgar, com certeza iria tentar algo para envolver Gabe. E Jess estava se descobrindo mais possessiva em relação a ele do que imaginara. Mais uma coisa que ela não esperava. Claro que ficar longe de Gabe só funcionava durante o dia. À noite, ela era dele. A despeito de tudo, Jess começou a querer demais aquelas sensações que ele lhe fazia sentir; tão viva, tão apaixonada, tão intrinsecamente mulher. E havia também outra tentação, menos óbvia: começou a crer que a cama era o único local onde Gabe baixava a guarda de suas emoções. — Chega, Jess. — Ela jogou tinta em uma tela e se forçou a parar de pensar nas coisas que aconteciam entre eles na intimidade. O que deixava sua mente livre para remoer a festa, dali a dois dias. E para pensar no fato de Richard Dusevic não ter entrado em contato. Uma gota de tinta pingou do pincel sobre a tela. — Droga! — Decidiu então parar antes que estragasse a pintura toda. Depois de um banho rápido ela pegou as chaves do carro e saiu da fazenda sem pensar duas vezes. Já tinha sido covarde por tempo demais. Estava na hora de ir para casa. Para a casa principal da fazenda Randall, onde viu o pai morrer tranqüilo, aliviado por confiar que Jess protegeria suas terras. Lágrimas lhe queimaram os olhos. Lutou contra elas e segurou firme no volante, pondo-se a observar a paisagem. Mais ou menos uma hora depois ela avistou a casa, que aumentou de tamanho à medida que ela se aproximava. Finalmente, lá estava ela. Por maior que fosse a tentação de voltar, desligou o carro e saiu. Jess esperava encontrar tudo em ruínas, mas aparentemente a casa estava bem conservada. Subiu até a varanda, olhou pelo vidro e se emocionou ao ver a antiga mobília da família, coberta por panos. Com um nó na garganta, pôs a mão na maçaneta. Claro que estava trancada. Ela nunca retornara após ser despejada pelo banco, mas agora ficou pensando quem teria se dado ao trabalho de trocar a fechadura. Desceu as escadas de novo e procurou até encontrar uma pequena pedra. — Achei! A chave estava enferrujada, mas fora isto era normal. Jess então tentou abrir a porta. Se tivessem mudado mesmo a fechadura, ela teria de pedir a Gabe as chaves novas, e com o humor dele ultimamente ela preferia não ter de pedir nada. Ela enfiou a chave na fechadura e girou. — Por favor, me deixe entrar.
CAPÍTULO OITO
A porta se abriu suavemente. Ela tirou os sapatos por força do hábito e caminhou pela sala. Doía. Tantas memórias, tantos bons momentos. Mas caminhar pela cozinha foi a pior parte. Ali era o coração da casa, onde ela e o pai tantas vezes se sentaram à noite para tomar café e conversar sobre tudo. Tudo, menos a situação financeira. Sean Randall considerava que todo homem tinha o dever de cuidar da família, darlhe um teto. Por isso, suportou o problema sozinho e ela estava por demais protegida pelo amor do pai para entender a ameaça de execução da hipoteca. Então ele morreu, deixando-a com o fardo de uma promessa em nome da qual ela sacrificou tudo. — Como foi capaz de fazer isso comigo, pai? — Soluços entrecortavam sua voz e ela se ajoelhou no chão, curvando-se. Sentindo-se culpada ela jamais admitiu a raiva que carregava desde a morte do pai, mas estar de volta àquela casa quebrou toda a sua capacidade de fingir. Quando as lágrimas finalmente pararam, Jess sentiu-se esgotada. Não havia água nas torneiras, então ela foi até o carro, pegou uma das garrafas de água que sempre havia no banco de trás e lavou o rosto. Depois perdeu a vontade de entrar novamente. A casa agora pertencia aos fantasmas. Então se ajoelhou em frente à varanda e começou a tirar ervas daninhas. Se por um lado a casa fora conservada, o jardim de Beth Randall havia sido abandonado e estava tomado por ervas daninhas, apesar do clima ainda gelado do fim do inverno. — Vai cuidar do meu jardim, não vai, minha Jessie querida? — Sim, mãe — disse ela, segurando a mão da mãe em seu leito de morte no hospital. Uma promessa à mãe. Outra ao pai. Mantinham-na presa entre eles. Uma prisão de emoção, de amor, de lembranças. Onde estava Jess? Gabe ficou olhando para o céu nublado do anoitecer e jurou que ia estrangulá-la quando a encontrasse. — Tem certeza que ela não disse aonde ia? A senhora Croft fez que não com a cabeça. — Ela não estava aqui quando voltei de Kowhai. Achei que tinha ido visitar alguém. — Vou sair para dar uma olhada. Se ela voltar, diga para ficar aqui. — Quer que eu dê uns telefonemas? — Eu ligo se não a encontrar. — Ele pegou o celular e pensou que tinha que comprar um daqueles para Jess. — Por que não vai para casa? — Tem certeza?
— De sua casa pode ver se ela está chegando. — Ele entrou no jipe pensando onde Jess poderia ter ido. Não, claro que ela não seria tola a ponto de provocá-lo com Damon. Resolveu conceder-lhe o benefício da dúvida e foi para o lugar que sabia ser mais importante que qualquer coisa ou pessoa para ela. As estradas mal-conservadas do interior o forçavam a dirigir mais devagar, e quando começou a escurecer ele teve de diminuir ainda mais a velocidade. Quando chegou ao que fora um dia a casa da fazenda Randall, ele estava amaldiçoando a si mesmo por não ter seguido seu instinto e procurado aquele bonitinho idiota por quem Jess era apaixonada. Mas tudo mudou poucos metros depois quando avistou seu carro. Não havia ninguém dentro. Ficou apreensivo. Se ela estivesse machucada, já estaria caída há horas. Alerta a qualquer sinal dela, estacionou o jipe ao lado do outro veículo. Os faróis iluminaram uma pequena figura sentada nos degraus da varanda, com a mão levantada para quebrar a luz forte. A preocupação dele se transformou instantaneamente em raiva. Apagou os faróis, desligou o carro e saiu. — Gabe? — Ela olhou para ele intrigada. — O que está fazendo aqui? — Procurando por você. — Ele a fez se levantar. — Que tipo de criancice você pensa que está fazendo? — Criancice? — Algo em Jess se rompeu naquele momento. Ela socou os ombros dele. — Vim visitar o único lugar que já foi meu lar! Ficar perto das únicas pessoas que me amaram! Será que não me permite nem isso? Jessie.
— Pare com isso. — Ele a abraçou com força para deter seus pulsos. — Fique quieta,
Ela lutou para escapar, mas ele a estava abraçando tão forte que Jess mal conseguia se mexer. — Seu maldito, você nunca amou ninguém na vida! Como pode saber o que é perder tudo? — O corpo dele ficou tenso, mas ela estava cega pela própria angústia e não prestou atenção. — Você nem deixa flores em seus túmulos! — Cale a boca. Pense bem antes de dizer qualquer outra coisa. — Ameaçadoramente calmo e baixo, seu tom de voz fez por esfriar a fúria de Jess. — Por quê? — desafiou ela, recusando-se a aceitar a intimidação. — Não gosta de ouvir a verdade? Ele a soltou tão subitamente que Jess quase balançou. — O que você sabe da verdade? — As palavras soaram cortantes como lâminas, afiadas pela raiva contida. — Sei que seu pai mudou o nome da fazenda Dumont para fazenda Angel porque sua mãe adorava anjos e ele a adorava. — Todos em Kowhai conheciam esta história. Ele foi rápido no gatilho.
— Sim, o grande romance dos Dumont. A resposta petulante a feriu, e ela nem soube entender por quê. — Você ser feito de pedra não implica que tenha direito de zombar do amor deles! — Tenho todo o direito! — Ele ergueu a voz pela primeira vez e levantou a manga da camisa para mostrar as cicatrizes de queimaduras no braço. — Eu ganhei este direito. Chocada pela percepção da profundidade da raiva de Gabe, Jess franziu a testa. — Do que está falando? — Olhou para as cicatrizes. — O que suas queimaduras têm a ver com seus pais? O comportamento dele mudou em fração de segundo. Era como observar um muro cair sobre seu rosto. Abaixou a manga e virou-se para o carro. — Entre. Temos de voltar antes que chova. Ela agarrou o braço dele. — Gabe? O que quis dizer? — Ele havia chegado perto de revelar algo importante. Mas ele não respondeu, e tirou a mão dela de seu braço. — Eu vou primeiro. Siga-me o mais próximo possível, as pistas são difíceis à noite. — Sua fúria de antes não era mais evidente, mas ela sentia a tensão dele. — Não pode fazer isso — reclamou. — Sou sua esposa. Tenho direito de saber do seu passado. — Por que tem de ficar me lembrando dos termos de nosso casamento? — perguntou ele quase naturalmente, fitando a escuridão. — A única coisa que você tem direito de saber é que posso garantir um bom lar para você e para as crianças que concordar em me dar. Se tem alguma dúvida quanto a isso, mostro o contrato amanhã. Jess sabia que ele estava sendo propositalmente cruel para impedir suas perguntas, mas doía mesmo assim. O que ela não conseguia parar de imaginar era por que doía. — Está me chamando de interesseira? — Não, Jess. Sempre considerei o acordo justo. De que outro modo eu poderia conseguir uma mulher que aceitasse não interferir em minha vida? — Abriu a porta do jipe. — Portanto, concentre-se em cumprir melhor sua parte no acordo. Não quero nada além de você.
*** Naquela noite, Jess ficou acordada deitada na cama, esperando Gabe chegar, como sempre. Mas as horas se passaram e a porta entre os quartos permaneceu fechada. Uma sensação estranha tomou conta dela. Será que ela estaria decepcionada? Não, claro que não. E apenas queria uma chance para fazer Gabriel terminar de contar sobre o tal assunto que interrompera. — Pare de mentir para si mesma — sussurrou ela. — Não se pode dizer que conversar é o que você faz melhor na cama. — E apesar da tentação de responsabilizar Gabe pela natureza altamente sexual de seu casamento, sabia que a culpa era igualmente dela. Será que se não fosse uma amante tão voraz ele seria tão viril?
Afastou os cobertores com raiva e, frustrada, colocou os braços atrás da cabeça. Era óbvio que Gabe estava com muita raiva pelo o que ela havia dito. Mas sua ira jamais o impediu de querê-la. Pelo jeito, ela havia tocado em um ponto nevrálgico. Só não entendia como. Não havia mistério quanto ao incêndio, que foi visto como acidente. Então ela se lembrou que a menção ao amor dos pais o irritou. Ela cresceu ouvindo histórias de como Stephen Dumont se casou com Mary Hannah no dia em que ela terminou o segundo grau. Apesar de ele ser 15 anos mais velho que ela, o casal se tornou inseparável desde o primeiro momento, e tiveram quatro filhos. Por que a lembrança de um amor tão lindo irritava Gabe? — Pare de falar e trate de agir, Jess. — Ela se levantou e vestiu um robe. Gabe podia pensar que a havia silenciado com sua referência cruel aos termos de seu casamento, mas ela não se deixaria distrair tão facilmente. Talvez, pensou, lembrando do pesadelo que ele teve, tenha chegado perto demais do que seja lá o que tenha assombrado... que o tenha ferido. Estava na hora de descobrir, com certeza. Mas o quarto de Gabe estava vazio. Ela imaginou que ele ainda estivesse no escritório e desceu as escadas. A luz acesa vazando pela porta entreaberta confirmou seu palpite. Jess estava quase abrindo a porta quando Gabriel falou, e o que ele disse a deixou petrificada. — Ela não sabe nada sobre isso e vai continuar sem saber. — Um curto silêncio. — Como eu lido com minha esposa é problema meu. — Outra pausa breve. — Não, Sylvie não vai dizer nada. Já falei com ela. Jess tapou a boca com o punho para conter o choro. Gabe contava seus segredos à ex-amante, mas não cogitava em contar a ela sua esposa? — Isso não será empecilho. Jess não vai criar problemas. Ela começou a se afastar da porta, tentando não fazer barulho. Deus, ela era uma tola. Se o que Gabriel havia dito não ficou totalmente claro, era óbvio, pelo modo que falou, que ele realmente a considerava apenas uma conveniência. Uma esposa que lhe daria um filho e que, no mais, estaria fora de sua vida. Uma esposa que jamais criaria problemas, E ela que fora até ele para convencê-lo a encarar os próprios demônios. "Concentre-se em cumprir melhor sua parte no acordo. Não quero nada além de você." Por que ela racionalizou aquela frase? A questão atormentou-a, e ela foi para o ateliê. Uma vez lá dentro, acendeu a luz e fechou a porta, mas se recusou a ceder à vontade de chorar, apesar de lhe doer pensar que Gabe dividia seus segredos com Sylvie. Esta reação era algo que não queria examinar de perto. Porque a coisa não podia continuar assim. Ao menos a humilhação daquela noite finalmente pôs seu coração na linha, destruiu os sonhos frágeis que inconscientemente começara a nutrir, a despeito de tudo que imaginava. A única forma de sobrevier àquele casamento seria fazer o que Gabe fizera e enterrar suas emoções tão fundo que nada nem ninguém jamais alcançasse.
Pegou um pincel quase automaticamente e começou a dar os toques finais no retrato de Damon. Minutos se passaram, talvez um pouco mais. Ela estava composta o suficiente para não deixar que nada transparecesse quando a porta se abriu e Gabe entrou. — Pensei que você estava dormindo. Ela não fez esforço para esconder o retrato quando ele parou ao seu lado. Ele olhou para a pintura sem dizer nada, enquanto Jess deu uma última pincelada e deu um passo para trás. — Terminei. — Sim — concordou Gabe, com uma frieza na voz que não deixava dúvida. — Esta parte da sua vida terminou. Ela colocou de lado o pincel e a paleta, olhou para as mãos e não encontrou nenhum traço de tinta. — Como sua relação com Sylvie também terminou, não é? — Ela se arrependeu das palavras assim que as disse. Obviamente, não era tão boa quanto Gabriel em termos de ocultar emoções. — Esqueça. — Não estou dormindo com ninguém além de você — contestou ele. — Eu disse para esquecer. — Ela se preparou para sair, mas Gabe bloqueou o caminho. Ele pegou uma mecha do cabelo dela, enrolou no dedo e soltou. — Acho que não quero esquecer. Está com ciúme, Jess? — Havia quase diversão em sua voz, mas também uma intensidade em seus olhos que não tinha nada a ver com achar graça, mas sim com um desejo insaciável. A atmosfera, antes sombria, rapidamente se tornou sensual e lasciva. Quando abaixou a cabeça em direção à dela, Jess se segurou firme, mas se entregou ao que sentiu ser o destino. Ele a magoara tanto ao descartá-la daquela maneira. Mas naquele momento não conseguia sair e uma parte de si a desprezava por isso. Mas o resto de Jess desejava ansiosamente aquele toque. Se o som áspero do telefone não tivesse despedaçado o clima sensual, ela certamente teria perdido o pouco de orgulho que lhe restava. Gabe blasfemou entre dentes, pegou o telefone sem fio e disse um alô malhumorado. Seu rosto pareceu congelar quase instantaneamente. — É uma da manhã. Jess não soube dizer como, mas de alguma maneira sabia que era Damon ao telefone, mas quando esticou a mão, Gabriel lhe passou o telefone com raiva. — Livre-se dele — foi a ordem sucinta. Felizmente ele ao menos lhe passara o aparelho. Jess não conseguiu dizer nada e Damon disparou a falar. Gabe olhou-a com revolta ao ver que ela não desligou imediatamente e foi saindo do ateliê, mas Jess o agarrou pela camisa. — Espere. Ela cobriu o bocal do telefone e olhou bem dentro dos olhos furiosos do marido.
— Algo está errado com Kayla. Ele estão na clínica com o doutor Mackey e Damon está desesperado. Ele acha que não vão conseguir salvar o bebê. Para sua enorme surpresa, Gabe pegou o fone e falou diretamente com Damon. — Jess vai se trocar. Estamos indo o mais rápido possível.
CAPÍTULO NOVE Quando chegaram a Kowhai o helicóptero de resgate estava a caminho. Mas o doutor Mackey, que foi quem os recebeu na porta da clínica, ainda estava bastante preocupado. — Pode nos dizer o que está acontecendo? — perguntou Jess. — Damon disse alguma coisa em relação ao bebê... ? — Kayla parece ter entrado em trabalho de parto prematuro. Eu a mediquei para evitar, mas... — balançou a cabeça. — Mas isto nem é o pior. A pressão sanguínea dela está alta demais. Jess nem precisava que lhe dissessem que a clínica não tinha equipamento nem recursos para lidar com aquela situação. — O que quer que façamos? — Tire Damon daqui. Ele está histérico e não está ajudando em nada. Vou voltar e conferir o estado dela. Damon saiu da sala de espera naquele momento. — Jess, não sei o que fazer. Ela deu um abraço nele e olhou para Gabe. O marido assentiu com a cabeça. — Vamos — disse ele ao outro. — Por que não me ajuda a colocar umas balizas no estacionamento? Jess entrou no quarto e sentou-se ao lado da cama de Kayla, sem saber como seria recebida. — Oi. No rosto pálido da outra surgiu um sorriso de franco alívio. — Ah, Jess. Que bom que você veio. — Quando ela estendeu a mão, Jess pegou-a, querendo ajudá-la como pudesse. Era irônico ela ser um conforto para a mesma mulher que fora a causa do que considerava a maior dor de amor que já sofrera na vida. Mas naquele momento era Kayla quem estava sofrendo e Jess não podia fazer nada a não ser lamentar por ela. Vinte minutos depois chegou o helicóptero. — Gabe, você pode arrumar as luzes? — pediu o doutor Mackey ao chegar com sua paciente e Damon.
— Não se preocupe. Eles se afastaram enquanto o helicóptero pousava, causando ventania, e então foram recolhendo a sinalização luminosa. Tudo aconteceu muito rápido, e pouco tempo depois já estavam a caminho de casa. Ela não reclamou quando Gabe a deixou em seu quarto após uma exaustiva viagem de volta. Adormeceram e Jess não pensou em levantar tão cedo. Contudo, Gabe começou a se revirar na cama umas duas horas depois de deitar. Jess sabia que fazendas não funcionam sozinhas, mas mesmo com seu pouco tempo na condição de esposa, percebeu que ele tinha um problema real em delegar autoridade. — Deixe Jim tomar conta das coisas — disse ela, a voz áspera de sono. — Tire mais horas de descanso. — Ela pegou o telefone e passou para ele. Gabe olhou para ela com uma expressão indecifrável. Mas fez a ligação e se acomodou ao lado dela novamente, absorvendo a energia do corpo dela para o seu. Jess se impressionou com a idéia de Gabe tê-la ouvido, até que o cansaço a venceu.
*** — Damon ligou — disse Jess a Gabe durante o jantar. — Kayla está estável. Eles também conseguiram interromper o parto, mas os médicos a estão mantendo em observação. Acham que ela pode dar à luz, apesar dos medicamentos. — Você quer ir ao hospital? Seus olhos se cruzaram sobre a mesa, e os dele não diziam nada, por mais que ela tentasse decifrá-los. — Não precisa. Damon está com ela e parece calmo agora. — Não estava pensando em Kayla. Ela apertou com força o garfo de aço, que lhe deixou marcas na pele. — Eu estava. —Assim terminava o armistício. Tudo bem. Correra o risco de esquecer a conversa humilhante que escutara na noite passada, conversa a qual provava acima de qualquer dúvida que ela significava menos que nada para Gabe. Terminaram a refeição em silêncio e Jess subiu para seu quarto. Mas dormir era a última coisa que tinha em mente — a situação com Kayla serviu de alerta. Bastava dar uma olhada em seu diário para confirmar a conclusão inquietante. Felizmente ela teve a idéia de comprar um teste de gravidez em L.A., pois sabia que se comprasse em Kowhai a cidade inteira tomaria conhecimento em questão de segundos. Não queria se arriscar ser interrompida, por isso esperou até Gabe se recolher depois do jantar. Agora tinha de aguardar um minuto, minuto este que poderia mudar sua vida para sempre. Emoções lhe arrebataram. Medo. Ansiedade. Prazer. Terror. Ela entrara naquele casamento presumindo alegremente que podia dar um herdeiro a Gabriel. O que jamais levou em conta ao tomar a decisão foi como se sentiria em trazer ao mundo uma criança que talvez jamais viesse a ser amada pelo pai. Como poderia amála? Gabe parecia incapaz de qualquer tipo de ternura. O alarme de seu relógio de pulso tocou.
Ao ver o indicador, procurou se preparar para ver o resultado. — Ah. De alguma forma, encontrava-se no chão do banheiro, o corpo inteiro tremendo. Seu primeiro instinto foi dizer a Gabriel, mas algo a deteve. Ela precisava de tempo para se acostumar à idéia, para construir escudos ao redor da grande vulnerabilidade que havia acabado de se abrir em seu coração e em sua alma. Ela ia ter um filho. Filho de Gabriel. E no segundo que descobriu isso, perdeu qualquer esperança de fazê-lo enxergá-la como algo além de um instrumento para lhe dar um herdeiro. Jess não podia deixar aquilo acontecer, apesar de ainda não saber o porquê. Simplesmente parecia intrínseco haver algo mais indefinível entre eles. Mas se Gabe ficasse sabendo do bebê, não veria razão para mudar seu jeito de ser, não enquanto achasse que podia ter tudo que quisesse e do seu jeito. Não, ela não podia contar a ele. Ainda não.
*** Apesar de achar que tomara a decisão certa, mal conseguiu dormir naquela noite, e passou a maior parte do dia seguinte tentando assimilar a gravidez. Estava tensa quando colocou um vestido preto, simples, para a noite. Sem mangas e com um decote profundo que descia entre seus seios, o vestido tocava a parte superior dos joelhos e seguia as linhas de seu corpo. Era o vestido mais sexy que tinha. O que não queria dizer muita coisa, pois Sylvie com certeza estaria usando algo estonteante. Jess olhou para o armário... para o vestido colante cor de vinho que comprara por impulso e jamais usara. Se não usasse logo, não lhe serviria mais. — Pare de pensar nisso. Você vai precisar de toda sagacidade esta noite. — Decidida, pôs o pé na cama e calçou uma longa meia preta com laço na borda. Ela estava calçando a segunda meia quando Gabriel abriu a porta. Jess ficou sem ação enquanto os olhos dele percorreram sua perna dos pés até a parte da exposta da coxa. Então ele começou a caminhar em sua direção. Vestia calça preta e camisa verde-escura que parecia estranhamente familiar; estava de tirar qualquer mulher do sério... até mesmo uma mulher difícil como Jess. Chegou ao lado dela e pôs a mão em seu joelho levantado. Prisioneira de seu próprio desejo inexplicável, ela observou quando ele se inclinou para dar um só beijo no alto de sua coxa. Uma sensação de prazer a embalou. E Jess sabia que por mais que ele fosse gentil, na verdade aquilo era mais uma demonstração de posse. Quando Gabe voltou a se aprumar, o desejo que o envolvia era evidente. — Termine de se vestir. Jess podia ter reagido à sua ordem, mas sua mente estava fora de controle, tomada pela potente masculinidade dele, à qual ela não conseguia resistir. Com o dedo ele traçou a borda da fita enquanto ela terminou de dar o laço, mas não fez nada para impedi-la de colocar o pé no chão. Apesar de, mesmo com os dois pés no chão, não conseguir se equilibrar.
— Preciso calçar os sapatos. — As palavras saíram em um sussurro arfante que soou como um convite. Gabe pôs as mãos nos ombros dela e a virou para encará-lo. Jess estava prestes a perguntar o que ele queria quando Gabe a pegou pelos lados e começou a traçar com os dedos as curvas de seus seios. Ela lembrou-se que tinha de resistir, mas seu corpo já estava dominado. Ele chegou à cintura e puxou o vestido para cima até a barra alcançar o fim das meias compridas. Chocada com o poder incisivo do desejo dentro de si, Jess tentou se resguardar, mas os corpos de ambos entregaram-se à empolgação. Os lábios dele beijaram a curva do pescoço dela, e, ao mesmo tempo, ele roçava em sua perna a manifestação de seu desejo, aumentando a excitação entre os dois. — Gabe — pediu ela. Ele passou os lábios na concavidade de uma de suas orelhas. — Segure seu vestido para mim. Mais uma vez, Jess sabia que não devia obedecer, não devia ceder a ele. Gabe destruiria suas defesas quando ela precisava delas desesperadamente naquela noite. Mas antes que terminasse de pensar, suas mãos já estavam entrando em ação; seu corpo desconhecia sua vontade. Ele a deixou tomar o comando, passou as mãos pela lateral de seu corpo e, para sua surpresa, parou. Sentindo-se estranhamente ambivalente com aquela atitude, Jess fez menção de soltar a barra do vestido. Mas ele a impediu. — Segure. — Uma ordem suave, repleta da autoridade típica de quem estava acostumado a ser obedecido. Ela ficou séria. — Por quê? — Porque estou com as mãos ocupadas. — Ele a empurrou delicadamente até ela ficar em frente ao espelho do banheiro. — O quê...? — Isto. — Ele pôs algo gelado e belo em seu pescoço. — Gabe! — O brilho da esmeralda em forma de lágrima cintilou no espelho, embalado pela suave escuridão do vale entre seus seios. Ele fechou o colar e o percorreu com os dedos até chegar à esmeralda. As dobras de seus dedos roçaram a curva superior do seio dela, fazendo-a prender a respiração até ele soltar a pedra de novo entre os seios, lugar para o qual a esmeralda parecia ter sido feita sob medida. — Linda. — Uma das mãos dele parou em sua cintura. — Eu não... — começou ela, perplexa com o caríssimo presente. — Não discuta. — Moveu-se ao redor dela e a envolveu com as próprias coxas. Ela finalmente soltou a barra do vestido.
— Por quê? Estamos brigados. — Ela levou uma das mãos à beleza fria da esmeralda. Em resposta, Gabe enfiou uma das mãos por dentro do vestido, extraindo dela um gemido. Ela soltou a esmeralda e abraçou-lhe os ombros. — Você é minha esposa — disse ele, como se isso fosse razão suficiente. — Mas nós... Ele cortou as palavras com um beijo enquanto passava as mãos pelas coxas dela. Seu toque era incrivelmente íntimo e, quando ele a puxou mais para junto de si, Jess foi, e passou os braços ao redor do pescoço dele. Os dedos de Gabe traçaram a borda de sua calcinha. — Qual é a cor? — perguntou ele contra os lábios dela. — Preta. — O coração de Jess disparou dentro do peito. Havia algo de possessivo no olhar de Gabe agora, de selvagem e indomado que o tornava ainda mais excitante. As palavras seguintes de Jess vieram de uma parte de si que ela desconhecia até então. — O sutiã também é preto. Combinando com a calcinha. Ele deu um sorriso tão lento e satisfeito que Jess sentiu o estômago revirar. — Jessica, querida, está tentando nos atrasar para a festa? É assim que você quer vencer nosso pequeno impasse? Na verdade, ela tinha até esquecido disso. — Foi você quem me interrompeu. — Jess estava consciente de que uma das mãos dele estava na parte frontal de seu corpo.
CAPITULO DEZ — Interrompi mesmo — murmurou ele, beijando-a enquanto punha de lado a calcinha para colocar os dedos naquele corpo pronto após tamanha sedução. O prazer irrompeu dentro dela quase instantaneamente. Jess afastou-se da boca de Gabe, e começou a fazer movimentos fortes. Estava à beira de um clímax explosivo quando ele retirou os dedos. Perplexa, cambaleou quando ele trocou de posição, ficando atrás dela. Por instinto, ela se apoiou sobre o armário da pia do banheiro, o cabelo em desalinho caído no rosto. Quando ela levantou uma das mãos para jogá-lo para trás, viu que Gabe estava bastante excitado; ele não estava no controle naquela noite. Este foi o único aviso que ela teve antes de ele levantar seu vestido e penetrá-la. Jess gemeu e tentou se mexer junto com ele, mas o ritmo dele era rápido demais para ela acompanhar. — Por favor, por favor, por favor. — Os gemidos transpareceram tamanho desejo que ela não pôde acreditar que vinham dela.
Gabe a envolveu pela cintura com o braço e roçou o dente de leve na pele sensível do pescoço de Jess. — Agora, Jess. Agora! Ela se soltou totalmente ao ouvir aquele comando, tudo que havia de mais feminino nela regozijou com o tom selvagem daquela voz masculina e áspera. No último segundo, seus olhos se cruzaram no espelho e Jess percebeu que havia ultrapassado uma linha. A questão era, o que havia do outro lado? Chegaram quarenta minutos atrasados à festa. O vestido de Jess ficara irremediavelmente amarrotado. Então, após um banho de chuveiro rápido junto com Gabe, que estava surpreendentemente brincalhão, vestiu uma saia lápis combinando com um cardigã com gola em "v", ambos pretos. O pingente cintilava em sua pele ruborizada. Gabe insistiu que ela vestisse as meias compridas novamente, e ela concordou; gostava que ele a achasse sexy, principalmente com Sylvie por perto. A camisa de Gabe, por outro lado, estava miraculosamente intacta, e ele a vestiu de novo. Só quando estavam entrando na casa de Sylvie que Jess foi perceber que a cor da camisa combinava perfeitamente com os olhos dele. Ao perceber isso, ficou séria. Gabe podia ser rico e poderoso, mas também era tipicamente um macho, e moda não fazia parte de seu dicionário. O fato de ele escolher algo com tanto gosto para a festa de Sylvie a incomodou profundamente, dispersando o que sobrara daquele encontro. A aniversariante deu um sorriso luminoso para Gabe e o beijou no rosto agradecendo o presente, uma caríssima garrafa de vinho da melhor qualidade. — Esse tom de verde valoriza muito seus olhos, querido. Jess pensou se seria muito ferino de sua parte perguntar por que ela também não foi recebida com beijos. Divertindo-se com o pensamento, se aproximou mais de Gabe. O olhar de Sylvie pousou na esmeralda. Ela disfarçou, mas Jess percebeu um traço de inveja. E por mais mesquinho que fosse, ficou muito feliz com esta reação. — O mérito não é meu, é de Jess. Ela ficou tão surpresa com a resposta de Gabe que não conseguiu dizer nada. — Não sabia que você tinha bons olhos para essas coisas. — disse Sylvie com um sorriso tão luminoso que podia cortar vidro. — Você sempre se veste de maneira tão... simples. — Prefiro deixar certas coisas para a imaginação. — Jess sorriu e fez questão de não olhar para o profundo decote do vestido da rival. O que irritava era que Sylvie ficava sexy, embora qualquer outra que usasse aquele vestido ficasse vulgar. Felizmente mais alguém chegou atrasado e eles puderam enfim seguir adiante. — Como assim mérito meu? — perguntou ela. Ele arqueou a sobrancelha. — Ano passado, meu aniversário. — Ah. — Lembrou enfim de ter-lhe enviado o presente espontaneamente. Não sabia se comprara o tamanho certo. Nem se ele tinha gostado. Ele fez carinho em seu rosto com as juntas dos dedos dobrados.
— Obviamente você estava de olho no meu corpo bem antes de partir. Jess corou, incapaz de conter as lembranças do que fizeram em frente ao espelho. Gabe sorriu e pegou duas taças de vinho da bandeja de um garçom que passava. Jess rapidamente recobrou o bom senso. — Na verdade gostaria de beber suco. Ele trocou a bebida e entregou a ela. — Pensei que você gostava de vinho branco. — Não estou com vontade esta noite — mentiu ela, imaginando quanto tempo levaria para ele entender porque ela não queria beber. Gabe tinha a mente mais eficiente que muitos computadores, mas quem sabe desta vez demoraria a perceber. Naquele momento um proprietário de terras que Jess conhecia vagamente se aproximou. — Gabriel, estava querendo falar com você. Sorrindo para a esposa do homem, Jess começou a conversar amenidades por alguns minutos até que outro casal se juntou ao grupo e mudaram de assunto. Assim Jess ficou livre para observar, a primeira coisa a lhe chamar a atenção foi o fato de estar entre as pessoas mais poderosas daquele ambiente. A segunda foi que mesmo as pessoas mais idosas pediam conselhos a Gabe, demonstrando respeito por ele, o que ela jamais poderia imaginar. Pela primeira vez sentiu que era apenas no casamento que Gabe se mostrava incapaz de demonstrar o mínimo traço de ternura. Apesar de ter sido criada em fazenda, a de sua família era bem pequena e seu pai jamais lhe ensinou como cuidar dos negócios. Além disso, não tinha talento de anfitriã, não era boa de conversa, e era claro que Gabe precisava destas qualidades em uma esposa. Jess não chegava a ser uma caipira, mas o fato era que estava fazendo parte de um círculo social bem diferente do seu. — Tudo bem por aqui? — Sylvie parou do outro lado de Gabe. — A festa está fabulosa — disse uma das mulheres mais velhas. — Uma mistura perfeita de pessoas. — Eu quis fazer algo íntimo, só para os amigos mais próximos. Jess sabia que Sylvie não estava dizendo isso para adular os convidados. Como vinha de uma família rica e respeitada, crescera em meio àquelas pessoas. A estranha ali era Jess. — Acho que o jantar vai ser servido — anunciou Sylvie. — Vamos para a sala de jantar? Coloquei cartões com nomes nos lugares; achei que seria interessante nos misturarmos. Jess teve a estranha sensação de saber exatamente onde Sylvie estaria sentada, e ao lado de quem. E não errou. Apesar dela não ter ficado na cabeceira da mesa, pôs Gabriel à sua direita e outro homem à esquerda. Jess ficou de frente para a aniversariante, entre uma mulher nacionalmente famosa por suas festas para a alta sociedade e um homem vestindo roupas da moda que ela presumiu ser o acompanhante oficial de Sylvie.
Gabe se levantou com uma taça de vinho na mão. Todos ficaram em silêncio. — Como os pais de Sylvie não estão no país, ela me pediu para fazer o brinde. — Gabe olhou para Jess. — Acho que todos vão concordar que Sylvie fez grandes conquistas em sua carreira ainda muito jovem. Jess apertou as mãos uma na outra sob a mesa, procurando se convencer que as palavras de Gabe não diziam respeito a ela. — Ela tem todo o direito de estar contente com a posição que alcançou e pode celebrar seu aniversário com orgulho. Convido todos a dar a ela os parabéns por tudo que conquistou até agora, e continuará a conquistar. Feliz aniversário, Sylvie. Vivas soaram ao redor da mesa e Sylvie, sorridente, colocou a mão no braço de Gabe quando ele voltou a se sentar. Jess conseguiu desviar o olhar por pura força de vontade. Recusava-se a dar a Sylvie a satisfação de parecer a esposa ciumenta e carente. Naquele momento, os olhos dela se depararam com os do homem sentado ao seu lado. Ele sorriu. — Eu sou Jason. — Jess. — Ela tentou relaxar. — Então, Jason, o que você faz? — Sou advogado, lamento dizer. Ah, com licença. — Ele se virou para responder a uma pergunta da mulher sentada do outro lado. — Jessica, minha querida, estava querendo falar com você. Surpresa, Jess olhou para a esquerda. — Senhora Kilpatrick? — O que ela poderia ter para lhe falar? — Por que não me disse que era uma artista? Tomada pela surpresa, Jess pôs o copo de suco na mesa que acabara de pegar. — Mas como soube? — Acredita que faz anos que sou amiga de Richard Dusevic? Semana passada estávamos na Austrália para uma exibição importante. E ele ficou o tempo todo impaciente porque seu assistente tinha ligado dizendo que uma encomenda de J.B. Randall havia chegado. — A senhora Kilpatrick deu um sorriso que iluminou seu rosto. — No final, eu também queria ver as pinturas e fui à galeria antes de pegar o avião ontem à noite. Jess escutou a risada de Sylvie e viu que Gabe sorria de um jeito que nunca sorrira para ela. Com o estômago revirado, ela se forçou a prestar atenção à senhora Kilpatrick. Jessie!
— Fiquei boquiaberta quando vi que J.B. Randall era ninguém menos que nossa
— Então Richard gostou de meu trabalho? — perguntou Jess, sentindo que ia esmagar o copo com a mão se ouvisse a risada de Sylvie mais uma vez. — Ah, deixe de modéstia. Fiz ele prometer que deixaria que eu lhe desse a notícia, pois a conheço desde criança. Ele quer organizar uma mostra solo do seu trabalho! Jess ficou perplexa; uma mostra solo para uma artista desconhecida era algo quase inédito. Mas nem mesmo a animação com aquela oportunidade impressionante conseguiu
eliminar a raiva que sentiu ao ver Sylvie flertando com Gabe de modo ultrajante. Ele não parecia encorajar, mas tampouco fazia algo para detê-la. — Pode me fazer um favor? — pediu Jason poucos minutos depois que outra pessoa solicitou a atenção da senhora Kilpatrick. que é?
— O quê? — Ela tirou os olhos dos dois do outro lado da mesa. — Ah, sim, claro. O O belo homem se aproximou para falar baixo. — Flerte comigo. — Como é?
— Escute — disse ele, colocando o braço no encosto da cadeira dela —, a festa pode ser de Sylvie, mas ela me convidou como seu acompanhante. — E? — E o fato de ela parecer ter a intenção de me ignorar a noite inteira não está correto. — Ela arqueou uma sobrancelha. — E se não me engano, ela está flertando com o seu marido. Jess apertou os olhos. — Gabriel não é tão fácil assim. — Mas você não gostaria de deixá-lo meio sem graça? Infantilidade da nossa parte, tudo bem, mas pelo que vejo ele não está fazendo nada para detê-la. — Ele mal pode se afastar — argumentou Jess, apesar de ter pensado exatamente a mesma coisa segundos atrás. No momento ela estava odiando Gabriel. Considerando o que ouvira por acidente duas noites atrás, era óbvio que ele e Sylvie tinham uma relação bem mais profunda do que ela podia pensar. Gabe podia ter se casado com Jess, mas era a Sylvie que ele contava seus segredos. E isto era uma traição que Jess não podia perdoar. Jason se aproximou. — Será que ajudaria saber que seu marido de repente se interessou pelo que acontece do lado de cá da mesa? Ela precisou de muita força de vontade para não olhar na direção de Gabe. — Suponho que seja por sua causa? — Claro que é. Sou rico, bonito e bem-sucedido, para não dizer charmoso. — Você é um perigo, também. — Ela riu, apesar de tudo. Algo no rosto de Jason mudou de súbito, sutilmente. — Sabe, acho que quero flertar com você de verdade. — Contenha-se. — Jess sabia que estava se arriscando, mas não preocupada. De qualquer forma, aquilo nada tinha a ver com Jason. Ele era simpático e inegavelmente charmoso, mas Gabe, o homem no foco de seus pensamentos estava sentado do outro lado da mesa.
Foi então que sua mente pareceu alertá-la. Desde quando Gabriel era o homem em quem mais pensava? Sempre fora Damon a ocupar o lugar especial em seu coração. Mas agora Gabriel estava lá, e ela ficou apavorada. bolso.
— Você costuma ir a Auckland? — perguntou Jason, e tirou um cartão de visitas do Ela sorriu ao pensar na mostra individual que lhe fora proposta. — Estarei lá em breve. — Visite-me. — Ele deu-lhe o cartão. Jess pôs o cartão cuidadosamente ao lado do prato. — Sou casada. — Isto não me diz nada. — Mas a mim diz. — Ela o encarou. Ele deu de ombros.
— Fique com o cartão mesmo assim. Quem sabe um dia você precisará de um advogado, e eu sou dos bons. — Ele tirou o braço do encosto de sua cadeira, pegou a taça de vinho e bateu de leve no copo de suco que ela havia acabado de pegar. Jess deu um jeito de manter a cabeça abaixada até acabar de beber um gole de suco e comer um pouco de pudim. Sua natureza pragmática dizia que era provável que Gabriel nem tivesse reparado no clima que Jason estava provocando, e mesmo que tivesse, não devia nem ter levado a sério. Ainda assim, algo dentro dela tinha esperança do contrário. Ela respirou e levantou os olhos... dando de cara com o verde cristalino dos olhos dele. Todo o ar saiu de seus pulmões às pressas e sua mão segurou a esmeralda. Era impossível deixar de reviver o êxtase do que acontecera entre eles depois que Gabe lhe dera o colar, mas Jess baixou a mão assim que viu aquele mesmo sorriso sardônico no canto da boca de Gabe. Todavia o estrago já estava feito. Com um só olhar, Gabriel lhe disse que tinha visto sua tentativa ridícula de lhe causar ciúme... e que aquilo não significava nada para ele. Porque, afinal, ela era dele. Ele a comprara. Um golpe de dor inesperado lhe atingiu o coração. Quando foi que a verdade havia adquirido tamanho poder de feri-la? Ela sabia desde o começo que o acordo entre eles era algo impessoal. Mas de repente, começou a se importar por ter se vendido ao casar com um homem que jamais a veria como um marido deve ver a esposa. Ralhou consigo mesma em pensamento por ser tão hipócrita. Não amava Gabe, sempre amou Damon. Não tinha direito de reclamar se ele também tivesse entregado seu coração a outra muito antes de ela entrar em sua vida. Mas Jess se importava. Sem perceber, começou a se importar com tudo.
*** Jess jogou a bolsa dentro do armário do banheiro e chutou os sapatos para longe antes de se sentar na cama para tirar as meias.
Gabe entrou um segundo depois. — Tinha um recado de Richard Dusevic na secretária eletrônica. Ele vai ligar amanhã novamente. —A senhora Kilpatrick já me disse do que se trata. — Ela deu os detalhes sem animação, ao contrário do que sempre pensou que sentiria em um momento como aquele. — Parabéns. Você já tem telas suficientes para a mostra? — Ele se aproximou e ficou de pé em frente a ela, que continuou sentada. Ela sentiu os pêlos da nuca arrepiarem. — Algumas das telas que você guardou para mim, da fase pré-Los Angeles, são boas, acho. E tive bastante tempo ano passado. — Você é uma mulher determinada. Tenho certeza que a mostra será um sucesso. Mas Jess — ele tocou o queixo dela com o dedo —, aquele seu jogo durante o jantar... Não tente fazer isso de novo. Chocada com a fiaria por trás das palavras tranqüilas de Gabe, ela olhou para ele. — Por que não? — Sua autopreservação dissipou-se. Ela preferia ter a paixão de Gabe, nem que fosse em forma de raiva, do que uma vida segura. Seria uma conclusão assustadora se ela estivesse pensando racionalmente. — Será que eu devia ficar lá parada enquanto você ficava olhando para os seios de Sylvie? Ele segurou o queixo dela com o polegar e o indicador. — Não, minha esposa querida. Quando quero ver o corpo de uma mulher, faço isto na minha privacidade. Já você estava mostrando boa parte do corpo para seu amigo. — Ah, por favor — murmurou ela. — Estava usando um cardigã! Até que ponto você espera que eu seja conservadora? — No momento, posso ver boa parte de seus seios e as alças de seu sutiã. — Seu tom era letal e perigoso. Ela corou e resistiu ao impulso de cruzar os braços para cobrir o busto. — Você está vendo de outro ângulo. E esta não era minha intenção. — E qual era? Ela agarrou a beira da cama. — Você já disse várias vezes que casou esperando que eu fosse uma boa esposa, fácil, comportada, que fizesse suas vontades. Ótimo. Serei esta esposa — prometeu ela asperamente. — Mas que fique bem claro: não sou nenhum capacho que você pode pisar a hora que quiser. Ele soltou o queixo dela e a puxou, fazendo-a ficar de pé. — Cuidado com as acusações que me faz, Jess. O bom senso dizia que ela o estava provocando demais, mas ela estava além de qualquer pensamento racional. — Diga, Gabe, é por isso que você queria uma esposa submissa que lhe devesse algo e assim não pudesse reclamar de nada? Para que você pudesse flertar à vontade?
CAPITULO ONZE Os lábios dele perderam a cor. — É você quem fica por aí proclamando seu amor por outro homem. Ela sentiu o impacto de suas palavras e abaixou a cabeça. Gabe segurou os braços dela com mais força, quase a suspendendo do chão. — Não pense que vai ficar livre para correr atrás dele lançando calúnias de infidelidade contra mim! — Você acha mesmo que eu faria isso? A esposa dele está no hospital e eles vão ter um filho. — Pare de fingir, Jess. Você foi muito boa com Kayla, mas será que não agiu assim principalmente por culpa? — Ele a soltou subitamente e passou as mãos nos cabelos. — Se Damon entrasse por esta porta agora e lhe pedisse em casamento, você aceitaria, com esposa grávida ou não! Jess sentiu o sangue fugir de suas veias e sentou novamente na cama. — Saia. — Falou baixinho. — Deixe-me sozinha. — É assim que você reage à verdade, foge e se esconde? Ela levantou o rosto, desesperada para esconder as lágrimas que lhe engasgavam. — Você acabou de mostrar claramente o tipo de pessoa que acha que eu sou. O tipo que não só desrespeita o próprio casamento como também arruína a vida de uma mulher e de uma criança que ainda não nasceu. Por que então você vai querer ficar no mesmo quarto que eu? Gabriel estava se fazendo a mesma pergunta. Todas as vezes que Jess se aproximava de Damon, ele se descontrolava. Não havia dúvida em sua mente que se tivesse a chance, ela escolheria Damon. Gabe devia ter desistido do acordo assim que percebeu isto. Mas insistiu em se casar com ela. E agora viu que não estava contente com a adoração que Jess nutria por Damon, a despeito de isto a impedir de pedir a ele algo que ele não desejava dar. Pior, ele não conseguia ficar longe dela. Era apenas sexo, procurou se convencer. Jess era uma amante como nenhuma outra. — Eu não me casei para ficar conversando — disse ele, furioso com ela tanto por seu amor por Damon quanto pelo jeito com que flertava com aquele advogado. — Fazer sexo com você não significa gostar de você. Jess ficou quieta por um instante. Então começou a tirar o cardigã. — Tudo bem. Vamos acabar logo com isto para que eu possa dormir. — Você acha que vai conseguir manter esta expressão vazia depois que eu tocá-la? — provocou ele, sabendo que na cama se garantia. — No segundo em que eu tomá-la nos braços...
— Estarei em seus braços — interrompeu ela, corando repentinamente —, mas não estarei pensando em você. Gabe sentiu todos os músculos de seu corpo retesarem. Não agüentou permanecer no mesmo quarto que ela e saiu batendo a porta. Maldita. E maldito ele também por ser tolo a ponto de achar que poderia escapar da maldição do passado. Afinal, ele era filho de seu pai.
*** Jess se jogou na cama e tentou não pensar em mais nada. Mas sua mente não parava. Ela estava grávida de Gabe, que a considerava mentirosa e traidora. E não havia saída. Se ela o deixasse, ele venderia o terreno de sua família aos construtores sem a menor hesitação. Gabriel Dumont não chegou onde chegou sendo contrariado. Ele fizera dela sua esposa, e assim a manteria. Mas algo mudara no seu íntimo. Pela primeira vez Jess se viu considerando o que jamais fora uma opção: sacrificar a fazenda Randall. Uma dor agonizante fez seu corpo se contorcer em rejeição silenciosa. A fazenda era mais que um lugar, era a única lembrança que sobrara de seus pais. Ficar de braços cruzados e ver seu patrimônio cruelmente desvalorizado era demais para ela. E a única forma de garantir que o local continuasse são e salvo era manter aquele casamento que ameaçava aniquilá-la.
*** Depois do que aconteceu na noite anterior, tudo que Jess queria pela manhã era paz e tranqüilidade, mas um telefonema mudou tudo. — Richard — disse ela, sentando-se em seu ateliê. — Muito obrigada. — Não me agradeça, foi você quem fez o trabalho. — Ele soou tão satisfeito que Jess quase o viu sorrir. — Adorei todas as suas telas, mas acho que seu forte são os retratos. — Sim. — Ela gostava de rostos, gostava de capturar as histórias por trás das rugas e linhas de expressão, olhos retraídos e sorrisos coquetes. — Elas são o que mais gosto de fazer. — Ótimo, pois este é o elemento principal da mostra que quero organizar. — Uma pequena pausa. — Você tem um dom verdadeiro, Jess. — Seu tom mudou, ficou mais intenso, o charme dando lugar a um homem determinado que se fizera sozinho em um ramo bastante competitivo. — É claro que você ainda vai alcançar a maturidade de seu estilo, mas a realidade de seu trabalho tem sua própria força. Ela ficou menos nervosa ao ouvir aquilo. Apenas elogios pareceria um pouco irreal vindo de um homem notoriamente sincero como Richard Dusevic. — Mas eles são bons o bastante para uma mostra? — Eu não teria feito a oferta se tivesse alguma dúvida neste sentido. — Uma declaração tão brusca que poderia ter vindo de Gabriel. — Seu trabalho é honesto, às vezes
brutalmente. Você não se esconde por detrás de afetações nem deixa seus retratados se esconderem. Vou pedir para você me pintar, apesar de ter medo do que verei. Muito tempo atrás ela pintou a mãe. Beth Randall disse, após uma única olhada no retrato simples em acrílico: — Jessie, meu bem, você pintou minha alma. Se ela conseguisse ver Gabe com tamanha clareza... Mas ele era em preto e branco. Opaco. Insondável. — E agora? — Agora trabalharemos juntos para selecionar as peças e, se em algum momento acharmos que é necessário adiar, adiaremos. Não se estresse. Este é meu trabalho. Após a natureza positiva daquele telefonema Jess se sentiu consideravelmente mais concentrada, mais confiante. Esta sensação permaneceu com ela ao longo do dia e, quando se sentou à mesa do jantar com Gabriel, estava determinada a hastear a bandeira branca. Não podiam continuar daquele jeito, afinal, havia muita coisa em jogo. Quando estava prestes a quebrar o silêncio, o telefone tocou. — É menina! — gritou Damon. — E cheia de saúde apesar de nascer três semanas antes. Nem está precisando ficar na incubadora. Essa criança estava determinada a nascer! — Parabéns. — Ela teria de ser muito insensível para ser capaz de conter o sorriso que se fez em seus lábios. — Ela já tem nome? — Kayla está pensando. — E você? Alguns segundos de silêncio. — Você vem nos visitar? Kayla iria gostar. Jess fez uma pausa e então prosseguiu. Gabe podia achar o que quisesse, pois ela sabia o que sentia no coração. — Claro, amanhã eu vou. — Seria uma viagem exaustiva de ida e volta, mas podia aproveitar o tempo para clarear os pensamentos. — Estarei esperando. prato.
Perturbada pelo tom da última frase, Jess desligou e colocou o telefone ao lado do — Kayla deu à luz. Uma menina saudável. — Eu levo você de avião. Será mais rápido. Ela olhou deliberadamente para as ervilhas no prato. — Você não precisa ir. — Nós partiremos por volta das sete.
— Tudo bem. — Ela mastigou a comida com o pensamento voltado para uma só direção, sabendo muito bem porque ele a acompanharia. Gabe não confiava nela, nem mesmo na mais inocente das situações.
*** Na manhã do dia seguinte eles estavam em um táxi rumo ao hospital. — Você está passando tempo demais longe da fazenda. — E a fazenda era a coisa mais importante da vida de Gabriel Dumont. — É necessário. — Eu não diria isso. — Jess, não vamos discutir isto aqui. Corando por causa da reação dele, ela se virou para prestar atenção à paisagem da janela, mas nada viu. — Conversei com Richard esta manhã. Ele está pensando em programar a mostra para daqui a um mês. O táxi parou em uma vaga em frente ao hospital. Ela saiu do táxi com as flores que comprara no aeroporto e esperou Gabe pagar o motorista. — Isso vai lhe manter ocupada — disse ele, enquanto entravam no hospital. — Como uma criança com seu brinquedinho? — Ela viu uma placa indicando os elevadores e seguiu. — Como uma criança, é assim que você está agindo no momento. — Ele apertou o botão para chamar o elevador cuja porta se abriu imediatamente. Ela entrou e acionou o botão do andar de Kayla. — E por quê? Porque quero que você trate a mim e a meu trabalho com respeito? — Respeito é algo que se adquire. — É verdade. Saíram do elevador torturantes minutos depois e seguiram pelo corredor sem dizer mais nada. Quando entraram no quarto, viram Damon sentado ao lado da cama de Kayla, calado. E ela também estava calada. E, a julgar por suas expressões, não era um silêncio tranqüilo. Jess se sentiu uma intrusa, mas o casal se iluminou ao vê-los. Jess teve a perturbadora sensação de que os dois dariam graças a Deus a qualquer interrupção. — Como vai? — perguntou ela a Kayla, e pôs as flores na mesinha de cabeceira. — E a menina? Os lábios de Kayla se curvaram em um sorriso sincero. — Ela é tranqüila. Quer segurá-la? — Posso? — Vou trazê-la — se ofereceu Damon, parecendo genuinamente feliz. Intimamente, Jess chorou de tristeza ao vê-lo trazer o bebê do berço. Quando adolescente ela tinha este sonho, e era o filho de Damon que esperava carregar no ventre, era o sobrenome dele que queria assinar.
Gabe colocou uma das mãos sobre seu ombro, lembrando-a silenciosamente a quem pertencia agora. Respirou fundo e deixou Damon pôr a criança em seus braços. — Ah, mas ela é linda. — Parece uma avelãzinha amarrotada — disse ele —, mas é a nossa avelãzinha, não é, Cecily? Kayla riu. — Esse é o nome que daremos, Cecily Elizabeth Hart. — Adorei. — Jess passou o dedo pela pele tenra de Cecily e logo sua própria gravidez se tornou real no sentido mais emocional da palavra. Em poucos meses também seria a nervosa mãe de um pequeno filho ou filha. Talvez a criança tivesse os olhos verdes de Gabriel e seu cabelo ruivo. Não seria demais? Sentiu uma intimidade com Gabe que a fez superar todas as diferenças entre os dois e se voltou para ele sorrindo. — Quer segurá-la? Ele endureceu o queixo. — Não. Foi uma negativa delicada, mas seca, que não alcançou os pais de Cecily, ambos ocupados em ajeitar um travesseiro que saíra de trás das costas de Kayla. Jess arregalou os olhos. Não podia acreditar que Gabe fosse tão frio com uma criança inocente. Sempre achou que ele podia ser rude, mas jamais desnecessariamente cruel. Mas agora estava tendo prova em contrário. Tentando lidar com essa faceta inesperada e indesejada da personalidade dele, Jess pôs Cecily nos braços da mãe. — Ela é perfeita. — Foi tomada por um toque de náusea, após inclinar-se para entregar o bebê. Teve de respirar fundo várias vezes para se recuperar. Kayla olhou para ela atentamente e se virou para Damon. — Será que você podia trazer um daqueles refrigerantes de laranja da máquina no corredor lá embaixo? — Sim, claro. — Damon olhou para Gabriel. — Estou lhe devendo pela outra noite. Vou lhe pagar um café. — A voz dele estava tensa, mas educada. — Acho que a máquina faz uma imitação aceitável. Para sua surpresa, Gabriel aceitou. Kayla esperou até os passos dos dois indicarem o afastamento para fazer a pergunta a Jess. — Você está grávida, não está? — Você tem algum radar? — Jess ficou boquiaberta. — Devem ser os hormônios. — Beijou a testa de Cecily. — Como se sente? — Já estou apaixonada por ele ou ela. — Aquilo se tornou verdade poucos minutos atrás. E causou nova preocupação pois se Gabe era tão frio a ponto de reagir tão
negativamente a uma criança, que tipo de pai seria? Ela foi descobrir tarde demais que pusera a felicidade de seu filho em jogo, junto com a sua própria, ao aceitar aquele casamento. — Comigo foi assim também. — Kayla fez uma pausa e seu sorriso se desfez. — Podemos ser amigas, Jess? Surpresa com a súbita mudança do rumo da conversa, Jess assentiu. — Já somos. — Não, você não entendeu. — Suspirando, Kayla abraçou Cecily. — Não sei se consigo salvar meu casamento com você por perto. A acusação implícita foi como um tapa. dele.
— Jamais trairia meus votos de matrimônio, nem pediria a Damon que traísse os
— Eu sei. Não penso isso de você. Mesmo. Mas ao vê-la, ele se lembra do que... abriu mão. Eu pedi a ele para mudarmos de Kowhai, talvez para Hawkes Bay. Tenho família lá e ele pode encontrar trabalho facilmente. Jess odiava ser a causa da infelicidade de Kayla, apesar de aquela mesma mulher ter um dia lhe traído. Mas as coisas mudaram de lá para cá, tornando-se menos cruéis. — Espero que vocês consigam.
*** Damon entrou naquele instante. Colocou a lata de refrigerante ao lado das flores na mesinha-de-cabeceira. — Aqui está. Gabe está trazendo um café para você também — disse ele a Jess, com um tom sutil que ela entendeu e que a deixou louca de raiva. Afinal, ele estava bem na frente da esposa! — Sobre o que estavam conversando? Kayla sorriu. — Acho que Jess e Gabe merecem parabéns. Jess sentiu enjôo, mas Kayla estava entusiasmada demais com as notícias para perceber algo errado. — Ela vai ter neném também! Damon ficou pálido por um segundo, mas se recuperou. — Nossa, que ótimo. — Como é? — A voz de Gabe veio da porta. — Jess — ele entregou-lhe a xícara de café. — Não é tão mal. Ela foi pegar o café, esperando que algo acontecesse para interromper o inevitável. — Ah, é... — começou ela, mas Damon já estava falando de novo. — O bebê. — Ele sorriu e Jess viu que era um sorriso forçado. E se ela percebeu, Gabe também. — Vocês devem estar muito felizes.
CAPÍTULO DOZE Jess percebeu que Gabe logo entendeu. Ela estava se encostando de leve nele e sentiu a tensão em seus músculos. Mas quando ele falou não houve qualquer indicação de surpresa no tom de sua voz. — Não há nada parecido no mundo. Mas você sabe disso. Damon assentiu. — É. — É melhor irmos embora. — Jess precisava sair de lá e consertar o estrago. Se é que havia conserto. A única parte positiva era que aparentemente nem Kayla nem Damon perceberam o que realmente estava acontecendo. — Temos muitas coisas para resolver na fazenda. — Obrigada por vir. — Kayla sorriu, mas ficou observando Damon quando ele foi abraçar Jess. — Se precisar de mim... — ele aproveitou a chance para murmurar. Contar com a força dele já não era mais seu direito. E tampouco ela estava cobiçando nada. — Cuide de sua família, Damon. Então Jess deu as costas e saiu com Gabe que agora era para ser sua força. Só que ele era frio e intocável.
*** O céu azul claro se abria em frente ao avião, mas o estava certamente tempestuoso em seu interior. — Não vai dizer nada? — perguntou Jess finalmente, vários minutos depois de levantarem vôo. — O que quer que eu diga? — Desculpe. Desculpe mesmo. Kayla percebeu e contou a Damon. Ele olhou para ela, o verde de seus olhos coberto por.uma indiferença que ela jamais vira. — Por que você não me disse? — Precisava de tempo para me acostumar à idéia. — Aquilo soou vazio e ela odiou ter falado, mas ao menos era parte da verdade. Ainda assim, dificilmente servia de justificativa. — Não pensei que alguém fosse perceber antes de eu lhe contar. No lugar de explodir de raiva, o que ela teria entendido perfeitamente, Gabe não dissera nada. A semana seguinte se passou quase em silêncio. Quando se falavam era
sobre coisas sem importância, e na cama os solitários sons emitidos vinham dos comandos dele e dos gemidos de prazer dela. Ou dela murmurando o nome dele. Desde que ela contara aquelas mentiras em momento de raiva, que ele passou a fazer questão de fazê-la dizer seu nome, para lembrar-se nos braços de quem estava. Como se Jess pudesse esquecer. Ela sabia que não era só sobre a gravidez que tinham de conversar, mas também sobre como Gabe tratou Cecily no hospital. Mas Jess não conseguiu fazer isso, simplesmente não conseguia agüentar destruir as últimas ilusões que mantinha sobre ele, com quem se casou pelas razões mais erradas. Por isso, mergulhou de cabeça no trabalho. Todavia, mesmo sua amada arte falhou em afastar aqueles pensamentos. E o motivo era aterrorizante. Apesar de procurar pensar o tempo todo que seu casamento era um acordo de negócios, de alguma forma ela começou a pensar em Gabriel como seu marido, e não só oficialmente; começara a aceitá-lo em nível bastante profundo. Naquela noite em foram ajudar Kayla e Damon, seu conceito sobre ele foi alterado. Aquele gesto a fez ver além de suas idéias preconcebidas. E agora ela questionava se não tinha substituído uma ilusão por outra. Ela apoiou o lápis sobre o bloco de anotações e olhou para a bela égua que relinchou na porta do estábulo. — Queria poder montar em você e sumir pelo horizonte — pensou, olhando o animal. Simplesmente fugir dos problemas. Mas ela já havia feito isto antes. E por acaso ela conseguira que ele se tornasse um homem melhor ou Gabe estava mesmo era calculando os riscos para sair sempre vencedor? Afinal, aquele ano de liberdade a deixou ainda mais em dívida com ele. Jess não sabia a resposta... para nada. Menos ainda para a confusão de sua vida amorosa. Frustrada, começou a desenhar. Página após página, traço após traço, capturando todos os detalhes do estábulo e dos dois cavalos que estavam lá. As horas passaram. Mas finalmente ela conseguiu parar de pensar e simplesmente ser.
*** Gabriel estava conversando com Jim sobre umas reformas que precisavam ser feitas, mas pouco concentrado. A raiva lhe tirava o foco e ele não conseguia parar de pensar... em Jess. — O quê? — disse ele quando Jim pareceu estar esperando por uma resposta. — Você está bem, Gabe? Não. No momento só conseguia pensar na forma distante com que Jess estava agindo desde aquele dia no hospital. E podia imaginar bem o por quê: Damon havia contado a ele sobre os planos que ele e Kayla tinham de mudar de cidade. Surpreso com a profundidade de sua raiva por Jess ser incapaz de esquecer o outro, Gabe não fez nada para diminuir a distância entre eles. A não ser à noite, quando fazia questão que ele fosse o único homem em sua mente. — Por que não conversamos sobre isto outra hora? A manutenção não é urgente.
Jim arqueou uma sobrancelha. — Claro. Você não estava prestando atenção mesmo. — Desculpe. — Que bom que não me ofendo facilmente. — Ele sorriu. — Tenho de ir. Ah, espere, esqueci de lhe dizer que uma das bicicletas da fazenda quebrou de vez. Precisamos repor. — Já está a caminho, e com pneu de reserva. — Eleja havia feito a encomenda após falar com o mecânico da fazenda no mês anterior. — Deve chegar em uma semana. — Jim então se despediu e foi embora, mas Gabe continuou parado, olhando para o chão, por vários minutos, até que se forçou a se mexer e sair de lá. Tinha inúmeras tarefas a fazer, e ainda lembrou de mais algumas. E ele levantou a cabeça bem a tempo de ver a fumaça saindo dos estábulos. Em seguida viu o fogo lambendo tudo. Seu coração parou. Jess estava lá. Tudo mais sumiu de sua mente, ele só pensava em tirá-la do incêndio. Viva. Não parou para dar instruções aos homens; havia um sistema detalhado para o caso de incêndio na fazenda. Gabriel fora chamado de obsessivo em relação às simulações, mas agora os homens reagiram com precisão militar. Não podiam deixar o fogo se espalhar. Mas isso não salvaria Jess se ela já tivesse sido tomada pela fumaça. Um dos cavalos saiu correndo, aterrorizado, quando Gabe entrou. Tossindo por causa da fumaça, ele se recusou a pensar que Jess podia ter sido pisoteada por algum animal em pânico. O incêndio era bem pior do que parecia de fora, o feno estocado era devorado pelas chamas. — Jess! — Ele não tinha idéia de onde ela estava quando o fogo começou, mas seguiu seu instinto e foi em direção às duas baias que haviam sido ocupadas pela manhã. Se ele a conhecia bem, ela devia estar tentando salvar os animais. — Jess! Jessica! Com os olhos ardendo, ele abaixou o corpo para tentar escapar da fumaça. O som de violentos relinchos o alertou que outro cavalo permanecia preso. Um segundo depois encontrou o cavalo e Jess. Ela estava tentando levar o animal para fora, mas ele estava apavorado demais para cooperar, ficava chutando e recuando diante das chamas que lambiam a parede em frente. Lágrimas corriam pelo rosto de Jess, mas ele sabia que ela jamais consideraria deixar o cavalo para trás. —Jess! Ao vê-lo ela pronunciou seu nome. Gabe pegou as rédeas das mãos dela e a empurrou para frente. — Saia! Ela não discutiu. Ele fez o cavalo se mexer e foi na mesma direção, mas tropeçou nela, que caiu agachada, tossindo. Ele então tomou uma decisão rápida, soltou o cavalo e
bateu em seu traseiro. O bicho correu por instinto rumo à liberdade que sentia vir do vento do outro lado da porta. Gabe pegou Jess nos braços. Seus pulmões estavam em fogo e a cicatriz em seu braço pareceu queimar de novo, como se tivesse memória da tragédia de décadas atrás. Ele lutou contra as lembranças e seguiu o som do cavalo. Estava determinado a tirar Jess de lá. Não se deu ao luxo de pensar em mais nada e se concentrou em achar a entrada. Enfim, lá estava o portão. O ar frio entrou em seus pulmões quando ele saiu. Alguém tentou tirar Jess de seus braços, mas Gabe se recusou a deixar antes de se certificar que ela estava bem. Jess tocou seu rosto com a mão. — Estou bem. — As palavras saíram roucas, mas era aquilo que ele precisava ouvir.
*** Várias horas depois, Jess foi procurar Gabe. O doutor Mackey a havia examinado e dissera o que ela já sabia; que ela estava bem. O bebê aparentemente nada sofrera, até porque a gravidez mal começara. Se o bebê fosse forte, resistiria. Ele era bem prático e Jess preferia isso a ouvir superficialidades. E ela também tinha fé em seu bebê. Metade dos genes era dos Dumont, o que indicava grande teimosia. Ela encontrou Gabe perto das ruínas ardentes. Os estábulos foram destruídos, mas as construções não sofreram danos mais profundos graças à pronta ação dos homens e mulheres da fazenda. — Eles agiram bem — disse ela, parando ao lado dele. — O que está fazendo de pé? — Ele fez cara feia. — Você devia estar descansando. — O doutor Mackey não disse nada disso. — Ela tossiu para limpar a garganta. — Você é que está dizendo que tenho de bancar a inválida. — O que aconteceu lá? — Ele se voltou para ela com as mãos na cintura. Paradoxalmente, aquela postura agressiva a acalmou. Ela temia que o incêndio despertasse lembranças tristes, mas pelo que ela podia perceber, Gabe estava agindo normalmente. — Não sei. Adormeci. — O quê? — Passei a noite vomitando. — Então adormeceu no estábulo? Ela fez cara feia. — Qual é o problema? Ninguém se machucou, os cavalos estão bem. Ele respirou fundo, como quem tenta se acalmar. — Onde você adormeceu? — O que importa? — Ela realmente não estava entendendo. — Onde? — insistiu ele.
— Onde acha? Em um dos montes de feno. Comecei a me sentir sonolenta e deitei um pouco. — Nada demais. — Você estava no feno. — Ele parecia tão controlado que Jess teve dimensão de como estava furioso. — Você podia ter morrido. — Acordei quando os cavalos começaram a chutar as paredes. Tive tempo de abrir as portas, mas Starr não queria sair. — Então você resolveu arriscar a vida para salvar a dela. — Não podia deixá-la ali. — Jess não estava acreditando que ele estava discutindo com ela por causa disso. — Ficou completamente em pânico. — Você devia ter saído no minuto que viu que tinha algo errado. — Por quê? — Por quê? — Ele parecia estar com vontade de estrangulá-la. — Porque você sabe como feno queima rápido, e o estábulo é de madeira, ora! Ela sabia que Gabe tinha razão. Se não a tivesse socorrido, estaria em sérios apuros. Mas algo nela não a deixava admitir. — Tive que tirar os cavalos. Estou bem, Gabe. E o bebê também. — Tenho homens treinados para emergência. Eles poderiam ter resgatado Starr sem problemas. A frieza nos olhos dele a fez pensar tolamente que ele agia assim por medo que acontecesse algo com ela. — Desculpe-me por ter coração. Talvez se eu fosse como você — disse ela sem pensar —, então eu deixaria o pobre animal lá dentro! Ele abriu a boca para responder quando Jim entrou e falou algo em seu ouvido. Seu rosto ficou tão perigosamente tranquilo que ela sabia que haviam encontrado a pessoa responsável pelo incêndio. — Mande-o ao meu escritório. Jess esperou o outro sair. — O que aconteceu? — Eu resolvo. Ela foi atrás dele. — Então não se importará se eu olhar. — Isto é assunto da fazenda — ele entrou pela porta. — Esposas costumam ajudar na administração. — Você não faz este tipo. Não quero nem preciso de sua interferência. Ela apertou os olhos. Gabe a estava provocando deliberadamente para que ela ficasse com raiva e fosse embora. — Que pena. — Como queira. Mas não fique no caminho. — Gabe jogou seu chapéu na mesa do escritório e ficou de pé.
Um jovem apareceu à porta um minuto depois. Jess jamais viu alguém tão apavorado. Ela o conhecia. Corey estava nos estábulos mais cedo, e admirara seus esboços. Não fazia idéia de como ele pudesse estar envolvido. — Feche a porta. Corey obedeceu, mas ficou o mais longe de Gabe que podia. — Você tem um minuto para me convencer que não devo chamar a polícia. Gabe.
Corey ameaçou perder o controle, mas endireitou os ombros e olhou nos olhos de
— Não foi de propósito, senhor. — Ele engoliu em seco. — Eu estava fumando. Joguei uma ponta de cigarro e achei que tinha apagado. Mas disseram que foi lá que o fogo começou, então não devo ter apagado direito. Jess viu Gabe cerrar os punhos. Sentiu um aperto no estômago. Gabe pareceu então ficar mais calmo e Jess se deu conta que não sabia de fato como aquele incêndio o havia afetado. — Há quanto tempo trabalha aqui? — perguntou ele, a voz cortante. — Um ano, senhor. — E neste ano você aprendeu as regras? — Sim, senhor. — Quem sabe você não pode me dizer qual é a primeira regra. — Não fumar em nenhum ponto da fazenda Angel. Jess não havia pensado nisso, mas agora se deu conta que não vira por ali nenhuma pessoa com um cigarro nos lábios. O que não era comum. Muitos homens por lá não se importavam com os malefícios do cigarro. Eles tinham mais o que temer vindo da própria terra. — Está despedido. — O queixo de Gabe estava retesado. — Saia da fazenda e nunca mais volte aqui. Jess esperou que Corey fosse embora correndo, mas para sua surpresa ele se manteve firme. — Desculpe, senhor. — Olhou para ela. — Senhora Dumont, não tive a intenção de lhe ferir. — Sei que não — disse Jess, apesar de saber que não devia interferir. — Senhor, se... — Corey fez uma pausa ao ver que a expressão de Gabe parecia cada vez mais dura. Respirou fundo e recomeçou. — Se o senhor me despedir de Angel ninguém mais vai me dar emprego. Jess sabia que Corey não estava mentindo. Os donos de fazenda da região podiam não concordar entre si, mas formavam um verdadeiro time em relação a certas coisas. Gabe não respondeu ao apelo. Corey esfregou as mãos nas pernas. — Eu preciso trabalhar.
— Saia. Não vou repetir. Com os ombros arqueados, Corey saiu da sala. Jess esperou ele sair para se aproximar de Gabe, e segurou em seu braço. — Gabe, quero... — Disse para não interferir, Jess. Não ouse defendê-lo. Ela se aprumou. — Por que não? Por que você está tão preso ao passado que ficou incapaz de ouvir? Seus lábios ficaram brancos. — Como eu administro a fazenda é problema meu. — É, mas passou a ser problema meu também desde que se casou comigo. E você vai ouvir o que tenho a dizer. — Do contrário você vai fazer o quê? — perguntou ele, calmo e ameaçador. — Vai deixar de dormir comigo?
CAPÍTULO TREZE Ela não pretendia levar as coisas para aquele lado. — Ele tem uma filha de três anos. A mãe fugiu deixando-o com a menina quando ele tinha 16 anos. Finalmente ela viu algo diferente de raiva nos olhos de Gabe. — E como você sabe disso? — Porque ele me mostrou a foto dela e eu pedi para fazer um retrato da menina. — O amor que viu nos olhos de Corey a emocionou. — Ele assumiu a filha, mas teve de largar a escola. A única coisa que sabe fazer é trabalhar na fazenda. Se você o despedir ele não vai ter saída. Gabe ficou sério novamente. — Ele sabia das regras e as quebrou. Sorte dele eu não denunciá-lo à polícia. — Mas... — Ela apertou-lhe o braço com mais força. — Solte, Jess. Preciso cuidar da papelada do seguro. Jess sentiu algo frágil dentro dela se quebrar, algo tenro e recém-formado. — Achei que você fosse... Mas você tem tanto coração quanto uma pedra.
*** Gabe ouviu Jess bater a porta. O barulho reverberou em seus ossos. ... tem tanto coração quanto uma pedra.
Ela tinha razão. Ele estava com dez anos quando suas emoções foram atingidas por causa das mortes brutais de seus familiares e ele não tinha a menor intenção de deixá-los renascer. Não por Jess. Nem por ninguém. Ela sabia disso ao se casar com ele, então por que a surpresa? Gabe se recusou a ceder ao impulso de socar algo ou alguém, e resolveu telefonar para um número familiar. — Sam? — Silenciou a parte de sua mente que lhe perguntava por que estava fazendo aquilo. — Oi, Gabe. — A voz de Sam era despretensiosa, apesar de ser dono de um dos vinhedos mais lucrativos de Marlborough. — O que manda? — Preciso de um favor.
*** Jess estava com tanta raiva de Gabe que trancou ambas as portas que davam para seu quarto. Apesar de todas as suas desavenças até então, era a primeira vez que agia daquela maneira. E sabia que ele a acusaria de usar o sexo para fazer jogo de poder. Mas a verdade era bem mais simples e ao mesmo tempo bem mais complexa. Não só ela não havia esquecido a maneira como ele tratou Cecily, como agora vira sua desumanidade para com Corey. E não conseguia se imaginar dormindo com um homem capaz de tamanha crueldade. Sentiu um nó na garganta. Sabia que Corey havia errado, e errado' muito, mas todo mundo merece uma segunda chance. Mas era Gabe quem tinha poder. E pôs Corey na rua sem pensar duas vezes. Para piorar, ela não sabia dizer se ele agia assim graças à décadas de dor reprimida ou se era só vingança. Lágrimas escorreram pelo seu rosto. Lágrimas estúpidas, inconvenientes. Levou a mão à barriga. Mais uma vez ficou imaginando que tipo de pai ele seria. Se Gabe condenara Corey com tamanha facilidade, será que não faria o mesmo com um filho desobediente? Só sabia que Gabe agora estava diretamente ligado à parte mais vulnerável de seu ser, uma verdade que ela jamais poderia deixá-lo saber, ainda mais se tratando de um homem tão frio quando constatara naquele dia. Ela adormeceu pensando naquilo. Quando acordou, já era tarde. Gabe a estava levando para sua cama e ela estava com os braços a,o redor do pescoço dele, seu corpo a traía até durante o sono. — O que está fazendo? — Levando você de volta para o quarto. — Ele se sentou na cama com ela no colo. Ela pôs a mão em seu peito nu. — E se eu não quiser ficar aqui? Como resposta ele lhe deu um beijo estonteante que a tirou do prumo. Gabe então se tornou sua única âncora. Ela se agarrou a seu corpo musculoso e protetor como se estivesse à deriva em uma tempestade. Mas é claro que aquela era só mais uma ilusão.
Ela interrompeu o beijo e olhou para o rosto impiedoso de Gabe. — Não estou gostando muito de você no momento. Sua brusca honestidade não o intimidou. — Não importa. Mesmo assim, você me quer. — Ele passou a mão em sua coxa e começou a beijar a vulnerável curva do pescoço dela. Ela sugou o ar e tentou afastá-lo. Mas ele a segurou com aquela mão grande e áspera que conhecia tão bem seus desejos. O máximo que conseguiu foi não gemer alto. — Is-isso não era para estar acontecendo. Ele a pôs na cama e a abraçou. Seu próximo beijo foi paciente... gentil. Mas não deixava brecha de escape, envolvendo-a em uma sexualidade tão real e poderosa quanto aquela prisão que ele queria mantê-la. — Nós temos paixão. Isto basta. dizer.
Ela lutou contra a sensualidade e se pegou dizendo coisas que sabia que não devia
— E amor? — As palavras saíram em um sussurro tão suave que Jess teve dúvida se ele havia escutado. Ele juntou a parte inferior de seu corpo ao dela. — Amor é coisa de tolos. Estas foram as últimas palavras. Seus corpos entraram em conexão na forma de um desejo impronunciado. Jess estava se deixando levar pelas coisas que Gabe fazia com ela, mas no meio do prazer, sentiu algo diferente. Ele jamais a ferira na cama, mas naquela noite havia um cuidado, uma ternura doída em seu toque, e aquilo era algo novo. Ele passou horas se concentrando em cada centímetro de sua pele, não a deixando apressá-lo, por mais que ela tentasse. No final, Jess se rendeu àquela estranha ternura e assim deu mais um passo sem retorno rumo ao desconhecido.
*** Após a beleza assombrosa do amor que fizeram naquela noite, Jess esperou que acontecesse alguma mudança em seu relacionamento, quem sabe uma honestidade maior surgisse daquela intimidade. Mas apesar de Jess estar pronta para isso, as horas viraram dias e Gabe parecia se afastar mais e mais dela. Era verdade bem que ela estava ocupada preparando a mostra e ele tinha de cuidar da reconstrução dos estábulos, mas apesar de tudo, eles pareciam se conectar menos ao passar dos dias. Esse fato talvez não a alarmasse se ela não tivesse começado a reparar que Gabe se negava a conversar sobre o bebê. Primeiro, ele estava ocupado demais para acompanhá-la ao médico para o check-up. E ela não se importou muito, até porque ele dificilmente seria o tipo de homem que fazia questão de acompanhar o passo a passo da gravidez.
Mas Gabe parecia distante sempre que ela tocava no assunto, e jamais tomava a iniciativa de perguntar nada. Por um lado, ela achava que isso era pura imaginação, que a gravidez estava alterando seus hormônios. Por outro, tinha certeza que algo estava errado. Mas tentar tocar no assunto com Gabe era impossível. Dias se passaram e ela não voltou a falar no assunto. As coisas estava correndo relativamente bem entre eles e Jess não queria criar problema, menos ainda por causa de impressões duvidosas. E a coisa podia ter continuado assim por meses se ela não tivesse atendido um telefone comercial certa noite. — Fazenda Angel. — Ela bebericou seu café, a cabeça voltada para a mostra que seria inaugurada dali a uma semana. — Jess, é você? — Era uma voz de mulher, ligeiramente rouca e achando graça. — Está bancando a secretária de Gabe agora? De repente o café ficou amargo em sua boca. — Oi, Sylvie. Em que posso ajudá-la? — Preciso falar com Gabe. — Fez uma pausa. — Bem, claro que você sabe, com aquela data se aproximando. Jess segurou o fone com força. — Obrigada por lembrar. — Não podia deixar de ligar, não é? Quer dizer, pouca gente sabe da verdade. Suponho que você saiba, não é? Jess sabia perfeitamente bem que a outra estava sendo desagradável de propósito, mas mesmo assim ficou magoada. O fato era que Sylvie só podia fazer isso por culpa de Gabe. Ele decidira mantê-la à parte de tudo que realmente importava. Ele voltou naquele momento. — Espere, Sylvie. Gabe está aqui. — Passou o fone a ele, pegou seu café e saiu. Desta vez ela ignorou a perigosa tentação de ficar escutando e foi se sentar nos degraus do quintal. As estrelas brilhavam muito no céu, mas ela mal reparou. Era difícil enxergar beleza em meio à dor de mágoa e revolta. Ela não se mexeu nem mesmo ao ouvir os passos dele poucos minutos mais tarde. Ele se sentou atrás dela, envolvendo seu corpo com as pernas e emanando o calor de seu peito em suas costas. — O que foi que Sylvie lhe disse? corpo.
Sem se surpreender com a pergunta, Jess pôs o café na mesa e abraçou o próprio
— Não se preocupe. Ela não me contou seus segredos. — Concentrou-se na estrela mais distante que pôde ver no horizonte, um pontinho brilhante que lhe dava esperança até nas horas mais tenebrosas. Uma mentira cruel. Às vezes só havia trevas.
Gabe passou a mão no braço dela. — Sylvie e... — Não quero saber. — Ela podia passar a vida inteira sem saber de seu relacionamento com Sylvie. — Ela não significa nada para mim. Mas você é meu marido e eu gostaria de saber o que isto significa. — Jess. — O tom foi de aviso. — Comida, teto, sexo. — Ela enumerou os elementos com a voz serena apesar da fúria que sentia. — Os três pontos básicos. Ah! Espere, esqueci: um bebê. Você também me deu isso. Mas não parece querer muito esta criança. — Vou dar tudo que a criança precisa. — Assim como me dá tudo que preciso? Ou como dá a Sylvie? — Nós já conversamos sobre isso. — Não acho que esteja me traindo, Gabe. Ao menos não fisicamente. — Afastandose do toque dele, Jess se levantou e virou-se para encará-lo. — Mas qual o nome que se dá quando você confidencia a ela coisas que não me conta? Ele respondeu com raiva na voz. — Olha quem fala. — Certo, tudo bem, eu fiz bobagem. Devia ter lhe contado sobre o bebê imediatamente e não deixá-lo descobrir por Damon. — Muita generosidade sua. — O sarcasmo transbordava de cada sílaba. — Não reduza isso a uma rixa mesquinha. É importante. Veja, eu entrei nesta casamento com olhos bem abertos. Casei com você sabendo o tipo de homem que era. Mas nosso filho não teve escolha. Por isso não me importa se você confia em Sylvie — mentiu ela —, nem o quanto me ignora, nem que me trate como uma conveniência, mas não vai magoar nosso filho assim. Você vai dar a nosso filho o amor e respeito que ele, ou ela, merece! Ele finalmente ficou de pé. — Terminou? — Não, não terminei. — Ela estava furiosa demais para se deixar intimidar por seu tamanho. — Nunca vou terminar este assunto. Você quis uma esposa e um filho, mas isto significa que você tem de ser marido e pai. Sabe o que mais, esqueça a parte de ser um marido decente. Concentre-se apenas em ser bom pai. — Não quero ser pai. Perplexa, ela achou que não tinha ouvido bem. — Como é? — Eu cometi um erro ao engravidá-la. As palavras caíram entre eles como gotas geladas de chuva. Jess não conseguia aceitar o que estava ouvindo.
— Está me pedindo para... — Ela pôs uma mão protetora sobre a barriga. — Claro que não. Não sou um monstro. Mas não espere que eu seja um pai amoroso. Vou sustentar a criança, mas quero que ela vá para o colégio interno o mais rápido possível. Ela rejeitou a idéia completamente. — Qual é o seu problema? — gritou ela. — Você está falando do nosso filho, não de uma peça indesejada de mobília. — Estou falando sério. — Sua voz parecia aço. — Esta criança não vai ficar nesta casa nem um segundo além do necessário. Um pensamento terrível lhe passou pela cabeça. — Você realmente acha que eu lhe traí? É esse o problema? Você acha que o filho não é seu?
CAPÍTULO CATORZE — Não seja estúpida, Jess. Sei que sou tão responsável por isso quanto você. — Responsável? Isso? Estamos falando de nosso filho, Gabriel! — repetiu ela, e o agarrou pelos braços e o sacudiu, mas ele não se mexeu. — Como pode decidir sozinho mandar nosso filho para o internato? — Assunto encerrado. — Ele afastou as mãos dela com delicadeza, mas firmemente. Abalada, Jess ficou imóvel enquanto ele caminhou para dentro de casa. E então ela entendeu, como se um anjo tivesse lhe soprado no ouvido. — É por causa deles. Ele a encarou. — Isto só tem a ver com o fato de que reconheço ter cometido um erro. Não quero uma criança nos meus pés e não quero ser pai. — O fato de daqui a dois dias ser o aniversário da morte de sua família não tem nada a ver com o assunto? — Já me acostumei a isso faz muito tempo. Para mim é um dia como outro qualquer. — E saiu batendo a porta. Jess sentou-se na escada, abraçando os joelhos. Não tinha idéia do que fazer. Ele soou tão resoluto, tão irredutível. Por mais tentador que fosse tomar a rota mais fácil, ela não havia perdido a capacidade de pensar. Ainda não. O aniversario fora dois dias atrás e fosse lá o que Gabe não queria que ela soubesse, tinha algo a ver com o incêndio e com sua família. O que também era verdade era que sua nova postura em relação à gravidez não fazia sentido. Jess esfregou os olhos ao levantar e se preparou para voltar para casa. Tinha de haver uma razão por trás da reação inexplicável dele. Tinha de haver. Porque se não houvesse, também não haveria esperança para seu casamento.
Esperança nenhuma.
*** A despeito do que ele disse duas noites atrás, quando deu aquela notícia em relação ao bebê que esperavam, Jess aguardou que Gabriel demonstrasse lembrar do aniversário da tragédia de alguma maneira. Mas ele foi cuidar das suas coisas como sempre fazia. — É sempre assim? — questionou ela à senhora Croft, sentindo-se desleal ao fazer aquela simples pergunta. — Desde quando trabalho aqui. Não ligue, Jess. Ele era muito menino quando aconteceu. É natural que esqueça. Jess ficou pensando se Gabe tinha esquecido mesmo. Tinha certeza que ele tivera outro daqueles pesadelos na noite passada. Após mais alguns minutos pensando, ela pegou as chaves do carro. — Vou até a casa da fazenda Randall — fez questão de dizer à senhora Croft. — Quero cuidar do jardim, mas volto antes de escurecer. — Direi a Gabe. — A senhora Croft sorriu. — Quer levar um lanche? — Tem algumas bolachas, ou coisa do tipo? A senhora Croft acabou fazendo Jess levar comida demais, inclusive um pote com salada de frutas e uma garrafa térmica com o chá doce e quente que Jess se acostumara a beber ultimamente. Enquanto dirigia, ela ficou pensando se deveria ter dito à senhora Croft o real motivo de sua pequena viagem, mas concluiu ter feito a coisa certa. Qualquer um que a procurasse a encontraria facilmente. O caminho da fazenda Randall que fora um dia seu lar já lhe era familiar. Ela não ficou nem um pouco cansada e passou a hora seguinte limpando o jardim. Então, usando um par de tesouras de jardinagem, começou a juntar um grande buquê das flores que anteciparam a primavera. Como não queria devastar nenhum pedaço do jardim, levou quase meia hora para fazer um buquê razoável. Colocou as flores no banco do passageiro e foi até o antigo terreno da fazenda da família, onde estavam enterrados os pais. — Tenho saudade — disse ela baixinho. — Mas acho que agora ficarei bem. Engraçado como um ser tão pequeno dentro da gente nos torna tão fortes. Voltou para o carro após limpar rapidamente o local, e pegou o rumo de volta à fazenda Angel. O terreno onde estavam enterrados os Dumont ficava a cerca de quinze minutos da casa principal. Quando chegou, ficou surpresa de ver um dos pequenos caminhões-plataforma estacionados. Quem mais teria vindo prestar homenagem? Ela parou o carro, saiu e pegou as flores e dirigiu-se ao caminhão. O homem que ela encontrou ajoelhado em frente a uma sepultura tão pequena que partia o coração não se parecia com quem ela esperava ver. Sentindo-se uma invasora em seu luto, Jess teria partido se ele não a tivesse visto. — Trouxe flores.
Não havia tristeza visível no rosto de Gabe. Mas três das sepulturas tinham pequenos presentes: uma pinha na primeira, uma pedra de rio na segunda e um buquê de margaridas selvagens na terceira. Ela conteve as lágrimas e depositou suas flores enquanto ele continuou lá, uma sombra silenciosa. — Desculpe. — Ela olhou para seus olhos verdes impenetráveis. — Não quis me intrometer. — Não há por que se desculpar. — Ele tirou a poeira do chapéu e o recolocou na cabeça. — Tenho de voltar. E ele se foi, rápido assim. Mas ela não se deixou enganar, não daquela vez. Virou-se para olhar novamente para as sepulturas. Margaridas para a irmã menor que provavelmente gostava de fazer colares dessas flores; uma pedra de rio para Raphael, que provavelmente gostava de pescar ou nadar; e uma pinha para Michael, que talvez gostasse de escalar. Coisas pequenas, mas mesmo assim Gabriel se deu ao trabalho de buscá-las e trazêlas até ali. Chorando abertamente, ela começou a retornar para o carro. Então algo a fez voltar e olhar para as sepulturas dos adultos. Nada havia nelas, a não ser as flores que trouxera. Não restava dúvida que Gabriel amava os irmãos profundamente, mas aquelas sepulturas vazias indicavam uma parte da história que ela não havia compreendido. O que acontecera com Stephen e Mary Dumont? E por que seu marido tinha tanta raiva daquele assunto? Tanta raiva que abandonou o próprio filho.
*** Jess passou os dias seguintes tentando fazer Gabriel contar, tentando destruir a muralha em torno dele. Suas batalhas eram tão intensas e seu silêncio tão intratável que quando ela chegou em Auckland para a exposição, estava emocionalmente abatida. Ele se afastou dela de tal maneira que Jess ficara desesperada quanto ao futuro de seu casamento. — Jess! Ela despertou ao ouvir chamarem seu nome e se deparou com o rosto animado da senhora Kilpatrick. — Obrigada por vir me pegar. A senhora Kilpatrick lhe deu um abraço com cheiro de Chanel n° 5. — Não foi nada. Eu já estava aqui, e de carro, não foi problema nenhum. Estou tão feliz por você. Richard fez a maior divulgação deste evento, tenho certeza que será um sucesso. — Sinto que você tem boa parte nisto também. — Jess sabia que a senhora Kilpatrick era extremamente bem relacionada. A outra deu de ombros, disfarçando, mas corou ligeiramente de satisfação.
— Vamos para o hotel. São 11 horas agora, de modo que você tem tempo de sobra para se preparar para a noite. Richard lhe disse que resolveu marcar às sete? — Sim. — Jess assentiu, apesar de se sentir curiosamente à parte de tudo. — E Gabriel? Vai pegar um vôo mais tarde, ou ele mesmo vai pilotar? —A senhora Kilpatrick abriu a mala do carro, na qual Jess pôs sua pequena bagagem. — Ele não vem. — Ela tentou não demonstrar sua frustração. — Gabe anda muito ocupado ultimamente. — Ah, é uma pena, mas sei como são essas coisas. A viagem do aeroporto até o hotel transcorreu tranquilamente e em uma hora Jess já estava em seu quarto. Logo depois almoçou no restaurante do hotel, onde encontrou Richard pela primeira vez. Pessoalmente ele era tão charmoso e inteligente quanto pelo telefone e por e-mail. A confiança que Jess tinha na opinião dele transformou-se em admiração. Considerando-se sua despedida, este sentimento era recíproco. — Minha querida e doce Jess, acho que teremos um longo e animado relacionamento. — Sorrindo, a beijou no rosto. — Ter a chance de alimentar um talento como o seu é o que me leva a ter fé em meu trabalho. O elogio aumentou sua autoconfiança profissional, mas emocionalmente ela continuava descompensada. Perdida. — Obrigada. Quando ele terminou os retoques finais na galeria, Jess voltou para seu quarto e pendurou o vestido que pretendia usar naquela noite. O vestido vermelho, de tom encorpado como vinho e escuro como sangue. E que ficou bem justo graças às mudanças que estavam ocorrendo em seu corpo, de modo que esta seria sua última chance de usar o vestido. E ele tinha de ser usado. Que pena que Gabe não se deu ao trabalho de comparecer. Após dar uma rápida saída para comprar coisas que não tinha conseguido em Kowhai, voltou para se aprontar, pois Richard queria que ela estivesse na galeria uma hora mais cedo. O telefone tocou assim que começou a se arrumar, fazendo seu coração disparar. Quem sabe Gabe havia mudado de idéia. — Alô? — Jessie, adivinhe onde estou? O sorriso que nascia em seus lábios se desfez. — Damon. — Sentou-se na cama. — Você não devia estar em Hawkes Bay? — Sim, mas ontem fiquei sabendo que você estava com uma exposição. Não podia perder a primeira exposição de minha Jessie. Minha mãe ligou para alguém, eles ligaram para a senhora Kilpatrick e agora meu nome está na lista. — Ele deu risada. — Estou em Hamilton, devo chegar em Auckland antes da festa começar. — E quanto a Kayla e Cecily? — Estão em casa. Kayla não quer viajar com o bebê.
— Claro que não. Cecily é novinha demais para uma viagem destas. Uma pausa. — Achei que você fosse ficar contente. Não tivemos oportunidade de nos ver desde o hospital. — Você tem esposa e filha, Damon. — Ela pensou se ele estava realmente ouvindo o que ela estava tentando dizer. — Volte para casa antes que Kayla deixe de esperar por você. mim?
— Como você fez, Jess? — Ele falou mais baixo. — Você deixou de esperar por Ela fechou os olhos. — Sempre serei sua amiga. — Eu errei muito ao deixá-la partir.
— Não errou, não. — Ele jamais a teria feito feliz, e só agora Jess começava a entender isto. — Você se casou com uma mulher que o ama e tem uma filha linda. Não jogue tudo fora. Mais uma pausa. — Acho que fui egoísta, querendo ser amado por você também. Mas acabou, não é? — Sim — disse ela. — Acabou. — Ela nem sabia se de fato tinha existido. E aquilo dava medo, pois questionar o que um dia foi verdade absoluta significava que algo bem mais poderoso acontecera. Algo mais forte, mais duradouro e infinitamente mais real que a ilusão evanescente de um sonho de adolescente. — Vá cuidar de sua família, Damon. — Tome cuidado, Jessie. Ele não é... — Shhh. — Ela balançou a cabeça. Certo tipo de lealdade era questão de honra. — Faça uma boa viagem de volta para casa. Ele não tocou no assunto novamente. — Tomara que você fique rica e famosa. Ela desligou e recomeçou a se arrumar. Se não tivesse de pensar sobre a natureza de seus sentimentos por Damon, não teria de pensar na razão por trás daquilo... Não teria que enxergar o intenso âmago de uma emoção tão crua e potente que obscurecia tudo que acontecera antes.
*** Jess entrou na galeria se sentindo uma impostora. Tirou o casaco para pendurar na entrada e viu seu reflexo no espelho. A cor do vestido combinava com seus cabelos, mas a forma com que o tecido envolvia seu corpo é que estava extraordinária. Ela devia estar se sentindo sensual e segura, mas não conseguia deixar de pensar que o homem que ela mais queria que a visse agora não estava lá. Ela não tinha esta importância toda para ele. Jess sentiu-se magoada, por mais que tentasse ser fria.
— Jess! — O rosto de Richard se iluminou assim que a viu. — Você está espetacular. — Deu-lhe o braço. Ela o deixou conduzi-la para dentro da galeria. — Será que eu devia ter optado por uma produção mais "artística" no visual? — As três assistentes dele estavam de preto da cabeça aos pés, apesar de o próprio Richard optar por um terno cinza. — Este tipo de fingimento — sussurrou ele entre dentes — faria de você mais uma. E você, Jess, nasceu para ser uma estrela. — Ele soltou seu braço e ajeitou os cabelos dela sobre os ombros. — Já lhe disse que o evento é estritamente para convidados? Nada de estudantes de arte esfomeados que aparecem só para comer. A risada que ela deu veio da mesma parte de si que não conseguia deixar de ter esperança. — Quanto está pedindo por meus quadros? — Muito. — E as pessoas vão pagar caro pelo trabalho de uma desconhecida? — Farão o que eu disser. — Seus olhos brilharam. — Es-:ou oferecendo a eles a chance de comprar os primeiros trabalhos de uma artista que garanto que se tornará famosa, e nunca me enganei. Jess imaginou que ouvir aquilo fosse levantar o ânimo, mas mesmo quando os convidados começaram a chegar e os elogios a fluir, continuou se sentindo estranhamente desligada. Seu corpo podia estar em Auckland, mas sua mente estava em Mackenzie. E o por que disso era algo que realmente não queria analisar. Havia acabado de se desvencilhar de um casal jovem e particularmente tagarela quando Richard passou-lhe o braço pela cintura. — Se você estiver atrás de um marido rico e velho para bancar seu trabalho, o senhor Matthews a considera uma obra de arte ambulante. — Pois diga ao senhor Matthews que esta obra de arte já tem dono. Jess congelou ao ouvir aquela voz grave e máscula, e quase nem reparou que Richard tirou o braço de seu ombro. Em seu lugar sentiu um braço mais musculoso. Ela estremeceu.
CAPÍTULO QUINZE Richard deu um passo para trás. — Jess, meu bem, diga ao belo tubarão ao seu lado que eu estava brincando. Saindo de seu estado de semichoque, ela sorriu. — Richard, este é meu marido, Gabriel. Gabe tirou a mão de sua cintura e ela procurou conter o nervosismo.
— Richard. Os dois trocaram um aperto de mãos, e Jess sentiu um aperto no coração. Perdoava Gabe por tudo; ele tinha vindo apoiá-la apesar de ter deixado claro que estava ocupado demais. Aquilo certamente queria dizer alguma coisa. — Estou vendo um comprador em potencial logo ali. — Sorrindo, Richard pediu licença. Jess se virou para encarar Gabe sem sair de perto dele. — Você veio. — Foi quando ela notou a rigidez em seu rosto e a tensão de seu corpo contra o dela. Seu sorriso se desfez. — O que está fazendo, Jess? — Havia um quê de decepção misturada à raiva. — Onde ele está? — Quem? — Sua esperança estava se desfazendo pouco a pouco. Ele fez uma expressão ainda mais sombria. — Kayla está histérica. Ela me ligou pedindo para eu não deixar você roubar o marido dela. Ela ficou pálida. — Acho que então isto explica por que você se deu ao trabalho de vir — disse ela, tão magoada que nem sentia mais nada. — Jess, minha querida. — A voz da senhora Kilpatrick foi uma bênção na hora certa. — Posso roubá-la de seu marido um instante? Quero falar com você sobre uma possível comissão. — Claro — ela aproveitou a oportunidade para sair de perto de Gabe. Mas a despeito da falta de contato físico, o sentia visceralmente. O tempo passou e ela conseguiu evitá-lo quase até o fim, quando se viu em frente a um quadro que não estava à venda, que era uma das poucas paisagens da mostra. — Lar — disse Gabe atrás dela ao ler o título da obra. — Mas seu lar agora fica em outro lugar, não é? — Não. Um lar é um lugar seguro, onde as pessoas não observam automaticamente o pior de você. Ele tocou seu ombro de modo peculiarmente temo. — Se eu pedir desculpas, ajuda em alguma coisa? Impressionada com a idéia de ouvi-lo pedir desculpas, ela disse a verdade. — Não sei. — Primeiro, recebo aquele telefonema quando estou de saída para Auckland, depois, chego aqui e vejo você vestida como quem espera um amante. Ele foi descendo a mão pelas costas dela até chegar à cintura. — Talvez tenha tirado conclusões precipitadas. — Talvez? — perguntou ela, perplexa com o que ele havia acabado de dizer. — Você estava vindo antes de Kayla ligar? Achei que você estava ocupado demais. — Sempre dou um jeito.
Uma pequena e insistente esperança voltou a brotar em meio à mágoa. Então de repente Richard estava ao seu lado, querendo que ela fosse se despedir de vários compradores. O resultado foi que ela e Gabe só vieram a ter um pouco de privacidade quando entraram no elevador do hotel e começaram a caminhar em direção ao quarto dela. Olhando para ele, Jess falou: — Não consigo imaginar o que Kayla possa estar... — Ela parou de falar ao ver que o marido acabara de murmurar um palavrão. — Qual foi o problema? — Ela acompanhou os olhos dele. Jess sentiu o estômago revirar. Tudo de bom que poderia resultar do inesperado pedido de desculpas de Gabe acabara de se perder. Ela caminhou com passos largos pelo carpete felpudo e encarou o homem sentado no chão em frente à porta de seu quarto. — O que você está fazendo aqui? Damon se pôs de pé. — Eu quero falar com você pessoalmente. — Já disse tudo que tinha para dizer ao telefone. — Ela sentiu que outro casal estava saindo do elevador e tentou manter a voz baixa. Foi difícil, pois estava a ponto de explodir de raiva e frustração. — Eu disse para você voltar para ficar em casa com sua esposa. — Ela enfiou o cartão do hotel na fechadura e entrou. Gabe até este ponto não havia dito nada, mas agora ele pôs o braço na ombreira da porta, fazendo de seu corpo uma barricada bastante eficiente. — Acho que Jess foi bem clara. Ela pôs a mão nas costas dele. — Vá embora, Damon. Seja lá o que for que tivemos no passado, não existe mais. Não sei se era forte o bastante para vingar. — Agora já não era mais hora para gentilezas. A revolta tomou conta do belo rosto de Damon. — Você está realmente me trocando por ele? Ora, Jess! Todo mundo sabe que você se casou com Gabe por causa do dinheiro dele. — Você não sabe nada sobre meu casamento — devolveu ela, mas então controlou a voz ao ver a dor no rosto de Damon. — Não destrua nossa amizade desse jeito. Por favor, vá embora. — Para que ele faça com você o que o pai dele fazia com a mãe? — gritou Damon, atraindo a atenção da empregada que passava pelo corredor. A mulher foi logo empurrando o carrinho na direção contrária. — Como é? — Jess franziu a testa, sentindo que Gabe ficara excepcionalmente silencioso. Sentiu um arrepio, como se fosse um pressentimento. — Minha mãe trabalhava na fazenda Angel antes do incêndio. Ela sabe todos os segredos sujos dessa família! — Ele se aproximou como se fosse tentar puxá-la de trás de Gabe. — Não vou deixar você aqui com esse bastardo que vai lhe deixar cheia de hematomas! O punho de Gabe se projetou em um soco no queixo de Damon. O golpe jogou-o no chão. Gritando, Jess ficou na frente dele, com as mãos em seu peito. — Não faça isso, Gabe!
A hostilidade transbordava de seus olhos verdes e do fluxo de sangue em seu rosto. Ela não tinha dúvida que Damon havia passado dos limites. Com toda honestidade, não tinha muita certeza se conseguiria lidar com Gabe. Mas ela era sua esposa. — Por favor. Ele finalmente relaxou da posição de ataque e pôs a mão na cintura de Jess, que respirou aliviada. Damon aproveitou o momento para gritar de novo. — Não vou embora enquanto você não disser que não me ama! Jess sentiu tudo parar dentro de si. Deparou-se com os olhos de Gabe. Ele soltou as mãos e ela encarou Damon sentindo que o destino a pegara de jeito. Damon se recompôs e ficou de pé, esfregando o maxilar e olhando para ela de um modo que era tudo que ela já quisera um dia. Mas aquilo era passado. Jess conteve as lágrimas. — Eu não o amo. — Você está mentindo. — Não, Damon. — Balançando a cabeça, Jess tentou fazer com que ele enxergasse a verdade em seus olhos. — Não estou. Não sei se realmente o amei um dia. — Ela havia se apegado a ele quando perdeu a mãe, o pai e depois a própria casa. Ele era o que sobrara de sua infância. Os ombros de Damon estavam tão tensos que chegavam a doer, mas a raiva aparentemente estava dando lugar a uma aceitação sentida. — Você pode não me amar, mas com toda certeza não o ama tampouco. Ama? Ela se aprumou. — Isso é entre mim e Gabe. Você não tem o direito de ficar fazendo essas perguntas. — Jess? — Ele demonstrava sua completa perplexidade. — Vá para casa, Damon. Por favor, vá para casa antes que você perca Kayla também. — Assim como ele perdera sua amizade. Como ela poderia respeitar um homem que ignorava tudo que ela havia tentado lhe dizer? A súbita percepção se abateu sobre o rosto de Damon, e Jess quis desviar o olhar. Ele não deu chance, passou por ela em silêncio. Triste ao ver no que se tornara o garoto rebelde que conhecera, mas jamais cruel, ela se virou e entrou no quarto. Sentia-se como se tivesse cortado os últimos laços que a prendiam ao passado. O futuro se abria diante dela. E trazia apenas uma certeza. Ela estava apaixonada por Gabriel Dumont. Levou tempo demais para reconhecer a sensação, entorpecida que estava pelos sonhos infantis do que o amor deveria ser. Ela vira em Damon o que quis ver, colocou-o em um pedestal romântico e fantasiou que ele era perfeito. Gabriel não era perfeito, longe disso. Ele sabia ser rude e distante, e esperar ternura dele certamente decepcionaria. Pois ele podia não ser perfeito, mas era alguém para ficar
firme ao seu lado nos altos e baixos da vida, um homem que respeita seus votos e cumpre suas promessas. E também era alguém que, a despeito do que dizia, tinha potencial de sentir e dar o tipo mais raro e profundo de amor. O tipo que vinha da alma. Ela teve provas ao ver o pinho, o buquê de margaridas e a pedra de rio. Não era tão ingênua a ponto de achar que ele a amava, mas Gabe podia amar, e amar do jeito que qualquer mulher sonha ser amada. Se ele ao menos liberasse esse potencial... Mas não, Gabe estava determinado a represar suas emoções e ela estava começando a perder as esperanças de um dia conseguir soltá-las. A porta se fechou. Ela foi até à janela, cujas cortinas estavam abertas. — Desculpe por tudo isso. — Gabe era um homem orgulhoso que certamente não gostava de transeuntes se imiscuindo em seus assuntos particulares. —Acho que você partiu o coração dele. Ela não soube dizer se ele estava sendo sarcástico. — Ele vai se recuperar. Sempre se recupera. — Em muitos sentidos, seu amigo de infância ainda era isso mesmo, uma criança. Por isso ela teve tanta dificuldade em romper com ele. Porque enquanto Damon estava na sua vida, ela podia fingir que nada havia mudado, quando a verdade era que... Tudo mudara. — E se ele tiver algum juízo, tentará fazer seu casamento dar certo. — Palavras duras. — Ele envolveu os ombros dela com as mãos. — O que você quer, Gabe? — Ela pôs as mãos espalmadas contra o vidro, olhando para as luzes cintilantes da cidade. — Eu disse que não o amo. Isso não basta? Ele massageou seus ombros tensos com dedos acostumados a uma vida inteira de trabalho pesado. — Eu jamais cometeria nenhuma violência contra você. Um pouco surpresa com a inesperada referência à acusação de Damon, Jess tentou ver os olhos dele pelo reflexo do vidro, mas Gabe estava escondido na sombra. — O que ele quis dizer em relação aos seus pais? — Meu pai amava minha mãe — disse ele, com uma voz triste. — Amava tanto que queria que ela fosse completamente dele. Mesmo que para isso tivesse que acorrentá-la no porão. Ela pôs sua mão sobre a dele, e teve vontade de chorar. Até porque sabia que ele jamais o faria. — Ele também machucava você e seus irmãos e irmãs? — Angélica era pequena demais — foi sua resposta. — Não deve ter tentado sequer encostar um dedo nela. — Vocês eram todos muito jovens. — Não sou de ficar falando no que passou. O passado está morto e enterrado.
— Mas às vezes ele pode reaparecer, como vimos hoje — disse ela baixinho, ciente que não poderia forçá-lo a falar. — Sou sua esposa. Trate-me como tal. Ele soltou os ombros dela, e a abraçou, envolvendo-a pela cintura com os braços. Quando ela fechou as mãos sobre a dele, roçou na pele áspera de suas juntas. — Nunca achei que você fosse capaz de dar um soco em outro homem. — Parecia um ato tão passional, e controle era tudo para ele. — A violência corre no sangue da família. — Você é inteligente demais para aceitar uma explicação tão fácil. — Ela se apoiou totalmente nele, sem mais temer o efeito que ele sempre causou nela. O corpo dela o aceitava, o conhecia, precisava dele; a sensualidade era só um aspecto do desejo. — Qualquer um teria se descontrolado depois do que Damon dissera. — Está me defendendo, Jess? — Só estou dizendo a verdade. — Damon também estava — disse ele após um longo silêncio. — Apesar de que talvez possa ser dito que na verdade meu pai raramente batia em minha mãe. Ele preferia atormentar seu espírito de modo a não deixar marca. Acho que ele quase conseguiu até o dia em que tentou levar Angélica para o porão. Ela estava tão preocupada com o momento em que o desabafo começou que mal ousava respirar. — Minha mãe reagiu gritando, mas na época eu não soube. Naquela noite em que meu pai desmaiou bêbado no sofá, ela deu a todos um copo de leite. — Você odeia leite — disse ela sem pensar. Ele a abraçou com mais força. — Não sabia que você sabia. — Eu lhe disse, sou sua esposa. — E continuaria lutando para que isto significasse o que devia significar. — Minha mãe sabia também, e não costumava me forçar a beber. — A voz dele soava calma, mas dava para perceber a emoção por trás da disciplina implacável que mantinha o próprio corpo. — Naquele dia joguei o leite num vaso de planta quando ela não estava olhando. Então, depois que todos adormeceram, saí para caminhar perto de um lago nas redondezas. Quando voltei, a casa estava em chamas, e ao tentar entrar, o povo ao redor me impediu. Ela passou a mão delicadamente no braço dele. — Mas você se queimou. — Fui mais rápido do que eles esperavam. Entrei no corredor segundos antes de cair uma viga. — O fogo — murmurou ela, sentindo o estômago revirar. — Foi sua mãe.
CAPÍTULO DEZESSEIS
---- Tenho certeza de que o leite continha calmantes. Depois foi confirmado que ninguém sequer tentou sair da casa. E havia provas incontestáveis que o incêndio fora provocado. — Ele não estava com a voz embargada, permanecia inabalável sob um peso que teria massacrado qualquer homem. — Concluíram que tinha sido meu pai, mas eu sabia que não era possível. Depois que ele desmaiou no sofá, ficou daquele jeito por oito horas ou mais. Tudo que ela queria era abraçá-lo. Mas será que ele aceitaria o carinho? — Foi considerado oficialmente um acidente. —A cidade é pequena e os poderosos da época eram amigos de meu pai. Concluíram que a verdade só serviria para me amargurar, portanto ocultaram. Mas quando estava com 16 anos resolvi confrontá-los e consegui que confirmassem o que eu já sabia. Perplexa com o que estava ouvindo e o que isso significava para Gabe, ela tentou encontrar as palavras certas. — Você não tem nada em comum com ele. — Chega, Jess. — Ele esfregou as costas dela e beijou a pele sensível de sua nuca. — Nunca mais quero falar sobre isso. Não era da natureza dela desistir, mas eles haviam avançado bastante naquela noite. Ela se aninhou nos braços dele, deixando-se envolver pelo calor que emanava dele. E pela primeira fez não relutou em se entregar. Em sentido algum.
*** A semana seguinte se passou com momentos de felicidade. Gabriel não era nenhum príncipe encantado, mas sabia enternecer uma mulher quando resolvia sorrir. E ele andara sorrindo com muito mais freqüência ultimamente. Quando Jess encontrou Corey na mercearia se sentiu mal por estar tão feliz e não ter se lembrado das dificuldades que ele devia estar passando... Ela acabou esquecendo este aspecto da personalidade de Gabe. Rudeza era praticamente parte da natureza dele, mas lhe doía pensar que ele era insensível e implacável. Estava pronta para bancar a covarde e sair sem ser vista quando Corey a pegou de surpresa ao chamá-la. Ela se aproximou, sorrindo para ele e para a garotinha em seus braços. — Olá. — Esta aqui é Christy. Minha filha — explicou ele, temendo que ela não lembrasse. — Prazer em conhecê-la, Christy. Seu pai me falou muito de você. A criança tímida escondeu parte do rosto no pescoço do pai, mas Jess viu que ela sorria. Sentiu-se ainda pior. — Corey, lamento tanto pelo que aconteceu. Corey balançou a cabeça.
— Foi culpa minha. O senhor Dumont tinha todo direito de ficar aborrecido, quer dizer, furioso — ele substituiu o termo ao olhar para a filha. — Eu também teria ficado com raiva se fosse com minha esposa. Mas, quero dizer que parei. De fumar, quero dizer. De vez. — Que ótimo. — Ela ficou impressionada de ver que ele não estava amargo. — Ainda quer que eu faça o desenho? — Faria mesmo? — Ao ver que ela assentiu com a cabeça, e sorriu. — Pode ser a partir de uma foto? — Claro, se é o que quer. — É que não ficaremos por muito tempo na cidade. Eu vim buscar minha mãe e Christy. Precisava de tempo para arrumar as coisas. — O sorriso dele era bem juvenil. — O trabalho com os vinhedos é um pouco diferente, mas acho que gosto mais de trabalhar lá do que na fazenda. Jess ficou aliviada ao saber que ele havia encontrado emprego na região dos vinhedos. — Ah, fico muito feliz por você. — De qualquer forma, precisamos voltar para casa. Foi bom revê-la, senhora Dumont. — Igualmente, Corey. Boa sorte com o novo emprego. -— Ela estava para ir embora quando ele bateu na própria testa e parou. — Sou um tolo. Eu queria lhe agradecer. — Agradecer? Pelo quê? — Por falar com o senhor Dumont. Imagino que tenha sido a senhora. — Sua expressão era tão sincera que ela sentiu o mundo girar. — Se ele não tivesse telefonado para o amigo em Marlborough, talvez nunca mais conseguisse arranjar emprego. Jess balançou a cabeça. — Faça boa viagem. Ela tentou entender. Gabe não só ouvira o que ela disse, como agira de acordo. Então por que não dissera nada? Por querer mantê-la distante. Para um homem como ele, que perdera a todos que amava, era mais fácil desconfiar dela do que aceitar seu amor e carinho. Lentamente um sorriso se formou em seus lábios. Pior para Gabe, pois ela acabava de descobrir seu segredo.
*** Feliz da vida com o que havia descoberto, estava quase pronta a dizer a Gabe tudo sobre seus próprios sentimentos, na intenção de dar uma chance ao homem que ela sabia
que ele era. Talvez pudesse declarar-se a ele na cama, pensou, ciente que precisava escolher o momento. — Então — perguntou ela após o jantar, sentada no estúdio do escritório dele —, não quer saber se é menino ou menina? Ou prefere a surpresa? — Não quero saber. — Não? Não sei se vou agüentar o suspense. — Não foi isso que quis dizer. Já lhe disse que não quero ser pai. Não me envolva em nada senão no estritamente necessário. Tentou ver ternura nele, mas não conseguiu. — Mas Gabe, agora que nós conversamos... Você não é como ele. Não se preocupe em fazer mal ao nosso filho. — Não me venha com psicanálise sobre algo que você não sabe. Já decidi. Ela se levantou sentindo o sangue congelar de medo. — Mentira sua. — Não vou ignorar a criança, se isso é o que você teme. Só quero que ele ou ela fique o mais longe possível. — E como nosso filho se sentirá amado sendo mandado para um colégio interno e colônias de férias? — Vou dar tudo que o bebê precisa. — Sei. E amor não faz parte do acordo? — Nunca fez. Ela hesitou diante daquele ataque brutal aos sonhos e esperanças que nutriu em silêncio. — Fiz este acordo por mim. Você não vai incluir nosso filho nisso! — Eu nunca a enganei. — Achei... — Balançou a cabeça, furiosa consigo mesma por cair no mesmo erro outra vez. Ficou horrorizada ao perceber que chegara tão perto de declarar seu amor a ele, que não o queria e que estava pronto a jogá-lo de volta em seu rosto se ela insistisse em amá-lo. Mas homens como você não. mudam, não é? E por que você esperaria que eu mudasse?
*** A pergunta de Gabe na noite anterior ecoava na mente de Jess enquanto ficou sentada nas escadas da casa que um dia fora seu lar. Mas a fazenda Randall já não ocupava mais este lugar em seu coração. Ela aceitara a fazenda Angel de um jeito que Gabe sequer imaginava. Mas não era o suficiente.
— Não, meu bebê, não. — Seu filho não seria forçado a crescer isolado para que pudesse manter a propriedade dos Randall. Afinal, para quem ela estava mantendo aquilo? Sim, lhe partia o coração abandonar o lugar, mas ela sobreviveria. — Desculpe, paizinho. — Ela pôs a mão sobre o ventre. — Desculpe por não cumprir minha promessa, mas sei que o senhor entenderá. Fora muita tolice de sua parte pensar que podia sobreviver a um casamento baseado apenas em um acordo comercial e que Gabriel Dumont pudesse ser seu príncipe encantado. Talvez sua capacidade de amar tivesse se esgotado antes mesmo do incêndio, e seu coração permanentemente destruído ao testemunhar as brutalidades que o pai fazia com a mãe. Provavelmente ele perdera essa capacidade na noite do incêndio, mas talvez fosse ela que ele não conseguia amar. Fosse qual fosse a resposta, seu filho não iria sofrer por causa de seus enganos. Então levantou-se, entrou no carro e deu a partida, permitindo-se tão somente uma última olhada pelo retrovisor. Resistiu, contudo, a parar, o que só fez quando perdeu a casa de vista. E as lágrimas correram. Mas já estava calma ao entrar na casa. Sentia-se finalmente adulta e crescida, e não queria piedade. Foi ao seu quarto, fez uma mala, levou para baixo e parou em frente ao ateliê. Guardou o que era essencial em uma pequena bolsa. Ela pediria à senhora Croft para enviar suas pinturas quando tivesse endereço fixo. — O que está fazendo, Jess? Ela fechou a bolsa e olhou para Gabe, o homem que fora o centro de sua vida nos últimos meses. — Estou deixando você. Os olhos verdes dele cintilaram sob a sombra projetada pelo chapéu que usava. — Se você acha que essa cena vai me fazer sair correndo atrás de você, está enganada. — Não espero isso. Nós tínhamos um trato. Estou plenamente ciente das conseqüências. — Prendeu os cabelos atrás das orelhas e o encarou sem titubear. — Sei que você vai vender a fazenda Randall. Tudo bem. É sua. — Seu primeiro pagamento, de acordo com o contrato pré-nupcial, só ocorre depois de dois anos de casamento. Ela devia ter esperado ouvir aquilo. — Não quero seu dinheiro. Vai demorar, mas agora que tenho uma fonte de renda, vou lhe pagar o que devo pelo tempo em Los Angeles. Também não se preocupe com a pensão da criança. — Não diga absurdos, Jess. Não vou deixar que digam que joguei minha esposa grávida na rua.
Ela pegou a bolsa. — Ótimo. Sustente a criança, é seu direito, mas não quero mais nada de você. Ele interrompeu a passagem. — Por que a mudança repentina? No ano passado você estava contente com o acordo. Ela podia mentir, mas por alguma razão disse a verdade. — No ano passado eu não amava você.
CAPITULO DEZESSETE Gabriel ficou mudo. Mas mesmo assim, ajudou-a a colocar a mala no carro e só então perguntou para onde ela ia. Na verdade, ela não fazia idéia de para onde ia. Só sabia que tinha de partir. Ficou dirigindo sem rumo por Kowhai, até que a noite caiu e ela parou em um hotel de beira de estrada. Ao acordar cedo no dia seguinte, foi direto ao aeroporto Christchurch. Deixou o carro no estacionamento, ligou para a fazenda Angel e deixou uma mensagem na secretária dizendo a Gabe onde deixara o veículo. Seu segundo telefonema foi para outro homem.
*** Gabriel desligou o telefone se esforçando para não destruir o aparelho. Jess não telefonara. Se o homem para cujos braços correu não tivesse ligado para ele para avisar que ela estava bem, jamais teria sabido para onde ela fora três dias atrás. Pegou o endereço, colocou debaixo de um peso de papéis e tentou se concentrar no trabalho. Jess o deixara, e sem brigas. Não havia nada a discutir; eles fizeram um acordo e ela o quebrou, apesar de saber que a culpa era dele. Jamais devia ter tentado engravidá-la. Claro que iria sustentar a ambos. Não era homem de fugir das responsabilidades. Ao pegar a caneta para trabalhar, segurou-a com tanta força que ela estourou, espalhando tinta azul por sua mão e pelas faturas sobre a escrivaninha. Levantou, e quando deu por si estava no ateliê de Jess. Lá ficou observando os quadros. Encheu-se de orgulho do enorme talento dela. Entre os quadros estava o retrato de Damon, reiterando silenciosamente tudo o que ela dissera aquela noite no hotel. Jess havia crescido e deixado para trás sua inocência e seu amor infantil por um homem que nunca fora bom para ela. E agora deixara o marido também. No ano passado eu não amava você. Ouviu o som de um carro estacionando e chegou a nutrir a esperança que fosse Jess. Correu para a porta, mas a mulher que saiu do seda cintilante não era Jess.
— O que está fazendo aqui, Sylvie? Ela esperou ele chegar perto do carro. — Voltei hoje de Wellington. Ouvi falar do que houve entre você e Jess. O som do nome da esposa fez seu corpo reagir com uma explosiva mistura de desejo, negação e raiva. Ela era dele, não podia abandoná-lo. — Gabe. — Sylvie pôs a mão em seu braço. — O que houve entre nós foi bom. — Já acabou faz muito tempo. — Podíamos tentar de novo. Estou pronta para me casar e você também. Ela é que não era a mulher certa. — Não, Sylvie. Não se pode reviver o que nunca existiu. Ela empalideceu. — Ela jamais o conhecerá como eu. —A única razão pela qual você sabe do incêndio é porque ouviu seu pai conversando com o investigador. Você nunca me conheceu. — E ninguém, nem mesmo o pai de Sylvie, sabia a verdade sobre quem realmente provocou o incêndio. Gabriel só contara tudo a uma única pessoa, a única em quem confiava de verdade. — Você acha mesmo que Jess pode ser a esposa que deseja? — Talvez não. Mas é o tipo de esposa que preciso. Sylvie retirou o braço. — Mas ela não está aqui. Não estava. Ele a deixara partir.
*** Jess aceitou o que Richard disse e não se preocupou em procurar apartamento durante a semana que ele estava na Austrália. Ele insistiu para que ficasse em sua casa quando ela telefonou para perguntar se ele sabia de algum lugar barato para morar. Foi a pé até a galeria, que ficava perto, pensando em chamar alguma das assistentes de Richard para almoçar. Ao empurrar a porta, quase desmaiou ao ver quem a esperava lá dentro. — Gabe? Ele estava usando aquela camisa verde que ela lhe dera, e que fazia lembrar sua entrega completa àquela paixão furiosa. A emoção que se apossou dela foi devastadora. Ele se levantou e passou por ela, abrindo a porta. — Vamos dar uma volta. Ela devia ter dito a ele para dar suas ordens a outra, mas o acompanhou calada. O ar frio do fim do inverno a fez voltar à sanidade. — Quer falar sobre o quê? — Ela tentava não se deixar afetar pela presença dele. — Quer que eu assine algo para acelerar o processo de divórcio? Um brilho sombrio reluziu nos olhos dele.
— Trixie me disse que tem um parque logo perto. Ela o seguiu, apesar de achar que não devia. — Você ia me ligar algum dia? — perguntou ele. — Queria primeiro arranjar um apartamento. — Mentira. O que faltou foi coragem para falar com ele. A mágoa ainda estava recente demais Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça. — Não pensou que eu pudesse estar preocupado com você? Chegaram ao parque. — Não. Sei que não estou na sua lista de prioridades. — Então por que você me ama? Tudo se despedaçou. — Eu não sei! Você é arrogante, emocionalmente fechado e mal-acostumado. Se eu tivesse bom senso, deixava de lhe amar neste instante! Ele foi tão rápido que ela mal sentiu. — Não. — Você não pode controlar isto, Gabe. — Ela o empurrou. — Queria que pudesse. Assim, tudo seria como você quer e eu ficaria feliz no lugar de me sentir rejeitada! Ele não deixou que ela o afastasse. — Se você me ama, por que está em Auckland? Podia ter ficado em Angel. Pode voltar agora e não direi nada. — Você sabe porque estou aqui! Mesmo que eu aceitasse viver com um homem que me trata como... Ele a beijou. Um beijo apaixonado, quase furioso, que a pegou desprevenida. Um trovão irrompeu no céu, mas não era nada perto da fúria do desejo dela. — Eu preciso de você. Ela não acreditava estar ouvindo aquilo. — Gabe? — Você é a esposa mais inconveniente que posso imaginar. — Segurou seu rosto. — Fica fazendo perguntas, não faz o que digo, me faz correr atrás de você e ainda por cima lê meus pensamentos. O coração dela batia acelarado. — Não peço desculpas por isso. — Claro. Seria conveniente demais para ser você. — Ele encostou a testa à dela. — Volte, Jess, Não agüento retornar para aquela casa vazia. — Por quê? Por que quer que eu volte? — Você é minha esposa. — Não basta. Ele a apertou com mais força.
— Teimosa. Você sabe o motivo. Jess já estava cedendo com a emoção que ele transmitia com a voz, mas queria ouvir as palavras. E ele disse. — Eu amo você. O mundo dela parou e quando voltou a girar, nada foi como antes. — Por que você faz isso soar como se fosse ruim? Ele recuou. — Por que você tem que questionar tudo, Jess? Apenas aceite que eu amo você e volte para casa comigo. Uma gota de chuva caiu no rosto dela. — E o bebê, Gabe? Ele enfiou as mãos nos bolsos novamente. — Não posso lhe dar o que quer quanto a isso, Jess. — Por que não? — Porque não gosto de crianças e não quero uma por perto. — Mentira — murmurou ela, e enxugou o rosto. Ele deu as costas a ela. Jess achou que o tinha perdido de vez e que agora n ão teria volta. Mas ela tinha dentro dela uma vida por cuja felicidade precisava lutar. Então ele se voltou para ela novamente. — Crianças morrem. — As palavras foram diretas, e seus olhos estavam cheios de dor. — Esqueci como crianças são frágeis até ver você segurando Cecily. Elas são pequenas, fracas e frágeis. E não posso ficar tomando conta delas o dia inteiro. Tudo ficou claro. Gabriel não tinha medo de fazer mal ao filho, tinha medo, sim, de amar demais a criança. — Mas se você quer tentar me amar, por que não ao nosso filho? Não há garantias em nenhum dos casos. — Você sabe como é difícil admitir que a amo? Já perdi quatro partes do meu coração naquele incêndio. Não me sobrou muito. As lágrimas dele foram cobertas pelas gotas de chuva. Ela se aproximou, mas ele se afastou e caiu de joelhos na grama. Jess ficou emocionada e correu até ele. — Eu tinha de tê-los salvado. — Gabe... — Você é forte, Jess. Sei que sabe cuidar de si. Mas uma criança? — Também me dá medo pensar que algo aconteça ao bebê. Mas não tenho escolha. — Pegou a mão dele. Ele tirou a mão, sacudindo a cabeça violentamente. — Não.
Ela quase entrou em pânico, mas enxergou uma luz no fim do túnel. — Gabe. — Ela pôs as mãos nos ombros dele. — Você acha mesmo que eu vou mandar nossa preciosa criança para ser criada longe, por estranhos? Isso vai lhe fazer dormir mais tranquilo? Ele ficou pálido. — Cristo! — Você vai amar nosso filho. — Não. Você tem razão quanto a mandar a criança para o internato, mas amar vai ser sua função. Jess resolveu escutar seu coração. — Tudo bem, Gabe. — Pela primeira vez, sentiu que o conhecia bem mais do que pensava. Ele tinha o dom de amar, amar muito e tão profundamente que quase foi destruído ao perder os entes queridos. Mesmo assim reconhecera seu amor por ela. E a mesma coragem teimosa lhe daria força para acolher o bebê em seu coração. Ela não tinha dúvida disso. — Jess. — Ele segurou o rosto dela e beijou seus lábios molhados de chuva. — Se você me deixar de novo, não vou agir de modo tão razoável. Ela riu. — Chama isso de razoável? — Ela abriu os braços para pegar a chuva, mas um raio furtivo de sol veio lhe acariciar o rosto. — Muito razoável. — Ficou de pé. — Vamos, você precisa secar-se. Não pode ficar gripada. — E apesar de ele não dizer porque ela tinha de permanecer saudável, ela sabia que era por causa do bebê em seu ventre.
*** Jess errou. Gabe não se apaixonou pela criança à primeira vista. Ele se apaixonou por Raphael Michael Dumont em algum ponto entre o oitavo mês de gestação e o parto. Ela sorriu ao lembrar da expressão horrorizada no rosto dele ao segurar o bebê nos braços; e cortou o sanduíche de manteiga de amendoim em dois e passou para o menino que pulava sem parar ao seu lado. — Tome, meu bem. — E papai? Já pronta para a pergunta que vinha sempre que ele pedia comida, deu a outra metade a ele. Gabe já se acostumara a comer nas horas mais estranhas do dia. — Está no escritório. — Eu sei. — E correu naquela direção. Jess pegou a bandeja com o seu lanche e o do filho e o seguiu. Ao entrar no estúdio encontrou Raphael de pé ao lado do sofá onde estava o pai. Rafe ria de algo que o pai
dissera, mas Gabe estava com os olhos profundamente vulneráveis. Passou logo, mas Jess sabia que continuava dentro dele. Sempre estaria lá e fazia dele uma pessoa melhor e um pai maravilhoso. Ele deu uma dentada no sanduíche e brincou com o cabelo de Raphael. Gabe raramente verbalizava seu amor pelo filho, mas Rafe não precisava de palavras. Ele tinha a segurança sólida de um garoto que sabia ser amado absoluta e incondicionalmente. Jess pôs a bandeja na mesinha de centro e se sentou ao lado de Gabe. — Estamos atrapalhando? — Todo dia. Não consigo fazer a droga do trabalho. Ela sorriu. — Ótimo. Você vai ficar muito ranzinza se o deixarmos sozinho. — Depois que o menino terminou o lanche e foi pegar um brinquedo, ela disse: — Acho que está na hora. — Ele é muito jovem. — Quando você aprendeu a cavalgar? Ele demorou a responder. — Eu ensino a ele. Ela não esperava que fosse diferente. — Vamos usar Maisy, ela é tranqüila. Ela sabia que, se tinha de se preocupar com algo, era com o excesso de proteção que Gabe tinha pelo filho. — O que Richard disse de seus últimos quadros? Ela riu ao lembrar da conversa com o dono da galeria. — Ele acha que você é minha obra-prima, e quer saber se não pode pegar você emprestado de vez em quando. — Vou fingir que não ouvi isso. E as pinturas? — Richard falou que à parte meu olho perfeito para homens atraentes, também sou uma pintora genial. Gabe colocou-a em seu colo. — Isto explica porque você se casou comigo. — Ele calou a risada dela com a boca. eles.
E ela se emocionou. Os anos de casamento só intensificaram o ardor sensual entre — Como você consegue sempre fazer isso comigo? Um traço de familiar arrogância surgiu nos olhos dele. — Sou seu marido. É minha função. — Gabe sorriu. — Neste caso, acho que você merece aumento de salário.
— Pai! — Rafe entrou correndo novamente no escritório, com um brinquedo na mão. — Não está funcionando. — Claro que ele esperava que o pai consertasse. Era isso que os heróis faziam. E Gabriel Dumont sempre teve coração de herói.
FIM