Pérolas nas mãos de Deus

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PÉROLAS NAS MÃOS DE DEUS Pastoral Presbiteral



Pe. JĂŠsus Benedito dos Santos


Direção editorial: Pe. Fábio Evaristo Resende Silva, C.Ss.R.

Coordenação editorial: Ana Lúcia de Castro Leite

Conselho editorial: Avelino Grassi Ferdinando Mancilio, C.Ss.R. Marlos Aurélio, C.Ss.R. Mauro Vilela, C.Ss.R. Victor Hugo Lapenta, C.Ss.R.

Revisão: Leila Cristina Dinis Fernandes Diagramação e capa: Bruno Olivoto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Santos, Jésus Benedito dos Pérolas nas mãos de Deus: Pastoral Presbiteral / Jésus Benedito dos Santos. – Aparecida, SP: Editora Santuário, 2016.

Bibliografia. ISBN 978-85-369-0419-1

1. Espiritualidade 2. Identidade 3. Ministério – Igreja Católica 4. Padres 5. Presbíteros 6. Teologia pastoral 7. Vocação sacerdotal I. Título. 16-00310 CDD-253 Índices para catálogo sistemático: 1. Ministérios: Formação: Identidade e espiritualidade: Pastoral presbiteral: Cristianismo 253

1ª impressão

Todos os direitos reservados à EDITORA SANTUÁRIO – 2016 Composição, CTcP, impressão e acabamento: EDITORA SANTUÁRIO - Rua Padre Claro Monteiro, 342 12570-000 - Aparecida-SP - Fone: (12) 3104-2000


Agradecimentos

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gradeço a Deus a graça de ser presbítero e a graça de poder trabalhar entre os presbíteros, contribuindo para que possam melhor servir o povo de Deus. Agradeço a Deus a paciência e o carinho dos amigos presbíteros, diáconos, seminaristas e bispos e de todo o povo de Deus, bem como os questionamentos e, outras vezes, o silêncio de cada um. Agradeço a Dom Ricardo Pedro Chaves Pinto Filho a oportunidade que me deu de crescer um pouco mais em meus estudos e a Dom José Luiz Majella Delgado o apoio e incentivo em minha missão. Agradecimento a meus familiares que sempre me apoiaram no exercício de meu ministério presbiteral; agradecimento aos paroquianos e paroquianas, os de ontem e os de hoje, desde os de Bueno Brandão até os de Jacutinga; agradecimento ao professor José Carlos Barbosa e a Andrey Nicioli, na época seminarista, pela leitura e sugestão do texto; agradecimento ao padre Simão Cirineo Ferreira, amigo e irmão no ministério presbiteral, no qual agradeço aos nossos bispos e todos os presbíteros, diáconos e seminaristas da Arquidiocese; agradecimento aos padres do regional Leste II e a todos os presbíteros dos Brasil, 5


representados pela Comissão Nacional dos Presbíteros do Brasil, pelas oportunidades de debates sobre o tema da Pastoral Presbiteral. Deus seja louvado, “porque todas as coisas vêm dele, por meio dele e vão para Ele. A Ele pertence a glória para sempre. Amém!” (Rm 11,36).

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Epígrafe Parábola do Violinista

C

onta-se que um pobre homem ganhava a vida tocando pelos povoados um velho violino. Quando chegava a um lugar, começava a tocar, e as pessoas se reuniam ao seu redor. Embora o violino fosse de excelente qualidade, nosso violinista conseguia arrancar-lhe apenas alguns ruídos mais ou menos harmoniosos. No final passava entre o público uma boina esburacada, na esperança de que lhe dessem algo. Certo dia, passava por ali um famoso compositor e virtuoso violinista. Aproximou-se e, depois de vários pedidos, conseguiu que lhe emprestasse o instrumento. Afinou-o, preparou-o e tocou uma peça belíssima. O próprio dono estava perplexo e cheio de assombro, indo de um lado a outro gritando: ‘É o meu violino! É o meu violino! É o meu violino!’ Nunca pensou que aquele velho violino guardasse tantas possibilidades.”

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Para refletir: “Não é difícil descobrir que, frequentemente, nós – ministros ordenados –, os agentes de pastoral, não rendemos o máximo de nossas possibilidades. Somos como um velho violino estropiado e desafinado, que só consegue emitir ruídos. E, ao final, cada vez que fazemos algo, necessitamos estender a nossa boina esburacada na intenção de recolher algo (dinheiro, aplausos, louvores, reconhecimento) e, se não o conseguimos, sentimo-nos defraudados e até ressentidos. Esta situação mostra a necessidade de viver em permanente processo de conversão (Fuentes, 2010, p. 91-92).

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Prefácio

É

louvável o propósito do Pe. Jésus Benedito dos Santos em apresentar de forma consistente e feliz neste livro as grandes linhas da identidade e da espiritualidade presbiteral, fundamentadas na fé e no sonho, a serem buscadas e concretizadas como “Pérolas nas mãos de Deus”, por meio da Pastoral Presbiteral. Com conhecimento psicossocial e com vasta experiência na formação presbiteral e no magistério, o autor oferece à Igreja uma boa contribuição na reflexão da teologia dos ministérios, com pistas bem concretas para a Pastoral Presbiteral; o autor, qual “O Garimpeiro poeta” de Ari Mota, foi trabalhar dentro da própria alma. Com muita dificuldade conseguiu entrar e a cada tesouro destinou um sentimento: o diamante representou a solidez da vida, esmeralda a esperança, a ágata a coragem, o rubi o equilíbrio diante das adversidades, a safira os amores, a topázio a inteligência, a turqueza a harmonia com pessoas e as borboletas, a ônix a lealdade nas batalhas, a ametista a felicidade eterna, a água marinha a tranquilidade, por fim a pérola representa a eterna força. De garimpeiro tornou-se poeta em busca do maior tesouro, a saudade. 9


A vida e o ministério do presbítero são o prolongamento do sacerdócio de Cristo e de sua missão salvífica a serviço dos fiéis. O ser do padre só pode ser entendido no mistério de Deus uno e trino. O presbítero não é um funcionário, nem um voluntário ou empregado. O Concílio Vaticano II deu um grande impulso na compreensão da missão dos Presbíteros como aqueles que, “fazendo às vezes do Bom Pastor, encontrarão no próprio exercício da caridade pastoral o vínculo da perfeição sacerdotal, que conduz à unidade de vida e ação” (PO, 14). Ao apresentar a visão psicossocial da fé e do sonho, o autor nos ajuda a entender que a natureza e a missão do presbítero serão sempre relacionais, seu ser, seu agir, seu ministério e mistério se fundamentam num ideal de fé e na dinâmica das relações. Estas relações brotam da Trindade e se prologam na Igreja por meio dos seus membros, sejam os bispos, os irmãos padres, diáconos e os fiéis leigos. Bom presbítero não é aquele que se julga sempre forte, vencedor, bem-sucedido em tudo o que faz. Pelo contrário, tem melhores condições de crescer aquele que faz a experiência de suas carências e fragilidades e se deixa amar, ajudar e conduzir por Deus e pelos irmãos. “Todos nós precisamos de um ombro para chorar, para partilhar nossos fracassos, crises e sofrimentos”, costuma afirmar o Pe. Dalton Barros. E quem é que compreende melhor o padre se não o outro padre? Dom Eduardo Koaik disse-nos nesta assembleia que “formadores dos presbíteros são os próprios presbíteros, pois se conhecem mutuamente e conhecem também suas potencialidades e fragilidades”. Aprendemos a ser presbíteros uns com os outros. Aprendemos a ser presbíteros olhando também para o testemunho de nossos bispos, nossos irmãos mais velhos, mais experientes, com a plenitude do sacramento da Ordem para serem modelos no amor e no serviço. O maior beneficiado da Pastoral Presbiteral é, sem dúvida, o ministro ordenado e, em seguida, o povo Deus aos seus cuidados. Uma vez que o povo de Deus é também beneficiado por ela, deve-se contar com a participação e colaboração deles. O mundo será possuído por aqueles que têm sonho e esperança no coração; o presbítero deverá ser o homem da esperança e do sonho, pois sabe em quem e em que acredita e confia. Assim como 10


Abraão, Moisés, José do Egito, São José, Maria e tantos santos sonharam e apostaram nesse sonho que é sonho de DEUS. É bem verdade que caminhando que o caminho se faz. A estrada é longa, mas é boa de ir e vir, e ainda há muito chão para se percorrer. O semeador nos ensina que semeando e cultivando a semente que se colhem os frutos. Que o sonho de Deus se realize plenamente em cada presbítero e que a Pastoral Presbiteral seja um “lugar” de encontro e de partilha entre os irmãos padres, de suas alegrias e tristezas, de suas angústias e esperanças. Só mesmo um relacionamento fundamentado na fraternidade ajuda o padre a manter o ideal de vida sacerdotal, a caridade pastoral. Por fim, lembro aqui uma pequena história infantil que traz um grande ensinamento para a nossa vida de servidores do povo no desafio do cotidiano: Conta-se que certa vez um porco foi queixar-se com a vaca e dizia: “Eu dou minha carne, minha banha, meus ossos e ninguém gosta de mim, não sou valorizado, enquanto você, vaca, dá apenas leite e é muito respeitada e valorizada”. Disse a vaca: “Talvez seja porque eu dou um pouco de mim, todos os dias, enquanto você só é lembrado depois de morto”. Que a Pastoral Presbiteral com atitudes propositivas e preventivas, como estas aqui expostas, nunca se canse de ajudar os presbíteros no caminho da santificação e no compromisso com os mais humildes sendo “pastores com cheiro de ovelhas”, assim como pede o Papa Francisco, apresentado nesta obra como um exemplo para todo o presbítero. Fraternalmente em Cristo! Pe. Simão Cirineo Ferreira Coordenador da Pastoral Presbiteral da Arquidiocese de Pouso Alegre

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Introdução

N

a jornada ministerial, os presbíteros são chamados a se orientarem por alguns sonhos e algum tipo de fé. Tal processo torna-se mais envolvente e cativante dentro de uma dinâmica constante de construção ou reconstrução do tapete da vida e do tapete da história da humanidade. Para Eça de Queiroz, “reconstruir é sempre inventar”. Segundo o dicionário da Língua Portuguesa, reconstruir significa construir de novo, reedificar, renovar, dar nova formulação, reorganizar. Às vezes, como diz Augusto Cury, “não é possível destruir o passado para reconstruir o presente, mas é possível reconstruir o presente para reescrever o passado”. Nesta jornada, a maior lição que os presbíteros devem aprender é a lição da construção ou reconstrução do tapete da vida e do tapete da história da humanidade com os fios de ouro da fé e dos sonhos. Eles são chamados, pela fé, a doar a vida divina a todos, para que tenham a graça de se tornarem filhos e filhas de Deus (cf. Jo 1,12). Trabalho neste livro a tese de que os presbíteros são “pérolas nas mãos de Deus”, levando a luz do Evangelho a todos que precisam dessa luz, criando e recriando sonhos ousados de uma fraternidade universal, pela fé em Jesus Cristo. Numa comparação, podemos dizer que 13


a fé em Cristo e os sonhos de uma fraternidade universal são, na vida do presbítero, como a substância que é produzida pela ostra e que vai formar a pérola. Segundo os biólogos, a pérola é o resultado de uma reação natural do molusco contra invasores externos, como certos parasitas que procuram reproduzir-se em seu interior. Para isso, esses organismos perfuram a concha e alojam no manto uma fina camada de tecido que protege as vísceras da ostra. Ao se defender do intruso, ela o ataca com uma substância segregada pelo manto, chamada nácar, que é depositada sobre o invasor em camadas concêntricas. As pérolas formam-se quando o parasita é totalmente recoberto pelo manto. Assim, podemos dizer que o presbítero só se torna uma verdadeira “pérola nas mãos de Deus” quando é totalmente inundado pela graça da fé em Cristo, algo capaz de transformar um pequeno grão de areia, que é o presbítero, em uma bela “pérola”. A fé aqui neste livro é comparada ao nácar que forma a pérola. O nácar é uma substância dura, branca, formada no interior das conchas dos moluscos, e produz alguns destaques e tons de cores diferentes quando a luz é refletida. Ele é composto de carbonato de cálcio, matéria orgânica e água: o nácar é usado para fazer joias e ornamentos. Assim, o presbítero, transformado pela fé em Cristo, torna-se uma “pérola nas mãos de Deus”, não para ser um puro ornamento, mas para iluminar o mundo com a luz do Evangelho, construindo, como diz o Papa Francisco, “um mundo melhor” (EG 183). Curiosamente, notamos que muitos presbíteros têm dificuldade de falar da fé em Cristo com discernimento, bem como de serem testemunhas, pela fé, do grande amor misericordioso de Deus pela humanidade. Embora apresentem a consciência de que a fé em Cristo tem o poder de ser norteadora da visão do mundo, da geração de sentido e da organização de valores que alimenta a vida de muitos seres humanos, a fé em Cristo tem o poder de gerar esperança, atuando de forma a gerar pessoas otimistas e não pessimistas. A fé em Cristo tem o poder de gerar sonhos de um mundo novo, mundo de paz, harmonia, amor e fraternidade. A fé em Cristo gerou grandes heróis da história da humanidade. A fé em Cristo tem o poder de sustentar o duro caminhar de muitas pessoas. Isto é possível de acontecer porque não 14


basta ser presbítero, nem ter consciência da grandeza da fé em Cristo, mas é necessário fazer a experiência, pela fé, do encontro com Jesus Cristo e seu Evangelho, deixando ser transformado por esta graça, por esse nácar que tem poder de fazer deles grandes “pérolas nas mãos de Deus”. Chamamos, neste livro, o encontro com Cristo de conversão, conversão esta que, como diz o Papa Francisco, “lhes restitua a alegria da fé e o desejo de se comprometerem com o Evangelho” (EG 14). Neste livro também retomamos as riquezas das intuições do Concílio Vaticano II, para as pensarmos como presbíteros. Pois como bem diz Bento XVI: “O Papa João Paulo II indicou o Concílio como ‘bússola’, com a qual se orienta no vasto oceano do terceiro milênio. Também no seu testamento espiritual, ele anotava: ‘Estou convencido de que ainda será concedido às novas gerações haurir das riquezas que este Concílio do século XX nos concedeu’”. Sabemos que os Concílios são um esforço comum da Igreja, ou parte da Igreja, para a sua própria preservação e defesa, ou guarda e clareza da fé e da doutrina. No caso do Concílio Vaticano II, a necessidade de defesa da fé se fez de modo universal, porque as situações contemporâneas de proporções globais abalaram a Igreja. Assim, a fé dos presbíteros, a partir do Concílio Vaticano II, deve levá-los a serem testemunhas do Evangelho, por meio de um compromisso missionário e evangelizador; deve levá-los ao encontro com Deus, vivência da Palavra de Deus em comunidade, evitando, desta forma, a se fecharem apenas na valorização de profissão de formas doutrinais ou cultuais; deve levá-los a favorecerem um diálogo com o mundo moderno em busca de sua transformação, segundo o Evangelho de Cristo. Neste livro falamos da importância e necessidade de os presbíteros serem pessoas sonhadoras. Ao falar dos sonhos na vida dos presbíteros, sabemos que tal é a importância dos sonhos que todas as grandes invenções da história da humanidade se deram graças a eles e, se assim não fosse, a história não teria ganho novos rumos, o mundo não seria o que é e nada teria mudado, nenhuma história teria sido construída. E, ainda, os sonhos têm poder de tocar o coração dos seres humanos, trazendo-lhes a magia de renovar suas mentes, fortalecendo-os na luta do dia a dia. Os presbíteros, como “pérolas nas mãos de 15


Deus”, têm a missão de falar ao coração dos seres humanos, despertando a fé que leva a sonhar o sonho de Deus. E uma das melhores maneiras de falar ao coração é falar de sonhos, como Jesus que, segundo Cury (2006, p. 56): “foi o maior vendedor de sonhos de que já se teve notícias” e, com isso, tocava o coração de todos os que dele se achegavam. E ainda presbítero sonhador é aquele que exerce a resistência profética como “alternativa cultural diante do individualismo” (EG 193), mostrando seu sonho de encontrar Deus na vida comunitária. O sonho do presbítero deveria sempre passar pelo “nós”. Diante de um mundo marcado pelo individualismo, o presbítero teria de valorizar o comunitário. Esse é um sonho que ainda precisa ser trabalhado. Norteia também este livro alguns questionamentos. Sabemos que hoje muitos presbíteros vivem uma crise das grandes utopias, dos grandes projetos de construir uma sociedade mais justa, humana, fraterna e solidária. Em meio às crises das grandes utopias, perguntamos: adiantaria o presbítero sonhar? E ainda: diante do imediatismo da vida, como o presbítero lida com os sonhos que envolvem um futuro mais distante? Diante do subjetivismo e individualismo reinantes, como o presbítero desperta nos seres humanos a alegria de sonhar um mundo melhor, mais comunitário e humano, não somente querendo o “céu” para si e suas famílias, mas para todos? Como o presbítero ressuscita as grandes utopias e sonhos de uma sociedade melhor, uma vez que parece que estamos cansados e desacreditados de esperar as mudanças? Como o presbítero caminha rumo ao mundo novo sem desprezar as conquistas do passado? Trazemos também em nossas reflexões, neste livro, para o presbítero pensar, como “pérola nas mãos de Deus”, a vida, os gestos, o pontificado e os escritos do Papa Francisco. O Papa Francisco assinala uma nova fase na Igreja católica. Seu pontificado tem sido um período de graças para nossa Igreja e para o mundo. Ele representa uma clara proposta de uma Igreja alinhada ao Concílio Vaticano II e as Conferências da América Latina. Para o Papa Francisco, os presbíteros devem “guiar” o povo de Deus e não “comandar” o povo de Deus. Ele proclama um estilo mais pobre e simples de o presbítero viver, com um forte acento na missão e na misericórdia, conclamando todos à conversão! Ele diz: “fixemo-nos permanentemente nos 16


processos de conversão”. Assim, ninguém, no Cristianismo, pode ensinar sem se submeter a um processo de conversão. Podemos dizer também que o estilo do Papa Francisco serve de exemplo para muitos presbíteros. Os mais velhos, que entregaram sua vida a uma Igreja pós-conciliar, ele os devolve ao encanto dos anos de juventude. Os mais jovens, ele os questiona e os convida a mudar de “chip”. Não precisamos fazer muito esforço para perceber que os sonhos dos presbíteros de hoje não são, em muitas situações, os mesmos dos presbíteros do passado. Isto é, muitos sonhos mudaram, embora outros precisam ser construídos ou reconstruídos sobre uma nova ordem e novos sonhos precisam ser gerados. Mudando os sonhos, mudam-se os motivos pelos quais se lutam, muda-se a espiritualidade e mudam-se os modos de compreender e viver a fé. Desta forma, este livro, ao falar do presbítero como “pérola nas mãos de Deus”, falando de sonho e fé, em continuidade com o texto “Nunca para de Sonhar”, parte da hipótese de que fé e sonho estão interligados na vida do presbítero. A fé e o sonho envolvem processos psicológicos complexos dele. A fé diz respeito à imediata apreensão do objeto religioso que é Deus e de sua ação em sua vida. Já o sonho diz respeito à imaginação e à projeção do futuro ou de novas possibilidades de vida para a humanidade que o presbítero é chamado a gerar, a partir da luz do Evangelho de Cristo. Segundo Heráclito, “o vínculo que não se vê é mais forte do que o que se vê”. Pensamos que o vínculo da fé e dos sonhos na vida do presbítero entra nessa categoria do que não se vê, mas que cria vínculos fortes e duradouros, criando os grandes e preciosos presbíteros, “pérolas nas mãos de Deus”, os heróis da história. Segundo um provérbio árabe, citado por Ferry (2012, p. 19), “um homem que não encontrou na vida um motivo para perdê-la é um homem pobre, por isso significa que ele não encontrou sentido em sua vida”. Assim, acreditamos que o presbítero é uma pessoa que encontrou o sentido para a sua, encontrou seu lugar no mundo a partir do ser presbítero. Mas tudo isso se dá porque ele foi transformado pelo “nácar da fé” em Cristo. Falando no presbítero como “pérola nas mãos de Deus”, lembramos de que as pérolas são produtos da dor. Uma ostra que não foi ferida, de algum modo, não produz pérolas, pois a pérola é uma ferida 17


cicatrizada. Segundo a Palavra de Deus, o presbítero é uma pessoa ferida por Deus, como Jacó que foi ferido pelo anjo na coxa (Gn 32,2232). Quando um presbítero é tocado por Deus, sua vida muda: “Não te chamarás mais Jacó, mas Israel” (Gn 32,28). Naquele toque de Deus na vida de Jacó, sua vida foi transformada. Em seu próprio nome, estava sua missão: “Israel”, pessoa que “luta com Deus”. Assim, quando o presbítero é tocado por Deus, nele é produzido uma pérola! Muitos presbíteros não prestam atenção ao toque de Deus e, num dia qualquer, acabam sendo, muitas vezes, “ostras vazias”, não conseguindo oferecer a ninguém o grande tesouro de sua vida que é Cristo. Para o Papa Francisco, Cristo é o grande tesouro do ser humano. Por ocasião da XXVIII Jornada da Juventude (2013), ele fez o seguinte questionamento: “Onde está o vosso tesouro? Qual é o tesouro onde repousa o vosso coração? (...) O bem mais precioso que podemos ter na vida é a nossa relação com Deus”. Neste livro falamos também da Pastoral Presbiteral, de seu nascimento e estruturação, bem como de toda a sua riqueza. Partimos da compreensão de que ela é lugar e espaço de comunhão entre diáconos, presbíteros e bispos, fomentando o diálogo, a partilha e a fraternidade, algo que se resume na caridade pastoral. Desta forma, a Pastoral Presbiteral vem contribuindo muito para a refundação da identidade presbiteral, dando novo sentido e rumo à vida e ao exercício do ministério do presbítero e contribuindo para que ele possa cumprir melhor sua missão. O conteúdo deste livro está dividido em duas partes, cada uma com três capítulos. No primeiro temos a questão da fé e dos sonhos na vida do presbítero, numa visão psicossocial, fala da riqueza do sonho para a vida do presbítero; o segundo capítulo trata da fé e de seus aspectos psicológicos na vida do presbítero; e o terceiro sobre o presbítero ser “pérola nas mãos de Deus”. Na segunda parte temos a questão da Pastoral Presbiteral, como o primeiro capítulo sobre o presbítero na visão do Papa Francisco: conversão pastoral; o segundo capítulo sobre a pastoral presbiteral: ministério ordenado à luz da mística do cuidado; e o terceiro capítulo sobre pastoral presbiteral e seus caminhos. 18


Segundo São Paulo aos Coríntios (2Cor 13,4-5), devemos examinar a nós mesmos e ver se estamos sobre a fé ou não: “Provai-vos. Ou não reconhecereis que Jesus Cristo está em vós? A menos que não sejais aprovados no exame”. Se você ainda não atravessou os umbrais da eternidade, desejamos que estas páginas possam ajudá-lo no exame de si mesmo, fortalecendo-o na fé em Cristo e despertando novos sonhos no exercício de ser “pérola nas mãos de Deus”. Assim, que as páginas deste livro possam ser-lhe uma boa companhia.

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