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Mais Brasil, menos Brasília e o caso da Autoridade Portuária de Itajaí: uma falácia?
Por Adão Paulo Ferreira
Este breve artigo objetiva trazer a minha visão como professor da disciplina de Direito Marítimo e Portuário, mas não a de um docente pautada tão somente no conhecimento teórico mas, principalmente, aquela de um professor que ao longo destes últimos cinco anos esteve rotineiramente dentro das instalações da Autoridade Portuária, levando alunos da UNIVALI, oriundos de todas as regiões do Brasil, para conhecer a história do Porto de Itajaí, com detalhes sobre produtos exportados e importados, planilhas detalhadas por segmentos, índices de produtividade, planejamento de crescimento e, principalmente, os cuidados para fazer com que o Porto sempre funcionasse de forma harmônica com a cidade e seu povo. Há muitos anos sou crítico das alterações implementadas pela Lei nº 12.815/13 (Lei dos Portos) por ter retirado do Conselho da Autoridade Portuária o poder deliberativo, tornando-o tão somente consultivo e concentrando as decisões de todos os portos do Brasil no poder central em Brasília. Cada porto tem suas especificidades. Cada porto é único em suas necessidades. A maior prova disto é a figura do prático, que auxilia os comandantes na entrada e saída dos portos em todo o mundo. O prático nos mostra de forma muito simples que cada porto tem particularidades conhecidas somente quem vive intensamente sua realidade, e que pode identificar e solucionar de forma mais eficiente os seus problemas. Como o prático bem conhece o rio, o mar, suas correntes, marés, obstáculos etc., assim também deve ser a função de uma Autoridade Portuária que precisa ser local e, mais que isso, pública, uma vez que as atribuições que exerce são funções exclusivas de Estado. E no exercício deste mister é que não consigo conceber o plano do Governo Federal de incluir a desestatização da autoridade portuária com a privatização da exploração da infraestrutura do Porto Público de Itajaí, indo na contramão do mundo que hoje, em mais de 90% dos portos, que possuem a exploração da infraestrutura portuária totalmente privada, mas mantém a autoridade portuária pública, tal como modelo existente em Itajaí. Não posso deixar de elogiar o excelente trabalho realizado pela Autoridade Portuária Pública Municipal de Itajaí, pois as informações que sempre foram apresentadas para mim e meus alunos são a prova inconteste do profissionalismo e dedicação de todos os membros da Superintendência do Porto de Itajaí. São dados necessários não apenas para pensar o porto do futuro, mas sim, pensar no desenvolvimento sustentável de toda a região do Vale do Itajaí. Somente um gestor público é capaz de ter essa visão. A autoridade portuária pública exerce função que ultrapassa os limites do Porto Organizado e isso tem um peso especial no caso de Itajaí, pois o seu Porto Organizado tem sua poligonal englobando as infraestruturas terrestres e, ainda, todo o canal de acesso margeando os berços de atracação do Terminal Privado da Portonave, indo até a área de fundeio. Disposição esta que faz com que a Autoridade Portuária seja competente para controlar todo o fluxo de embarcações a montante, impactando em diversos setores da economia regional, pois controla o fluxo para terminais privados, inclusive de passageiros, estaleiros, indústria de pesca, e outras empresas localizadas no rio Itajaí-Açu. Desde minha primeira participação junto à Comissão Mista criada na Câmara de Vereadores de Itajaí, para tratar da desestatização do Porto, fiz o questionamento e pedido para que o Governo Federal apresentasse seus fundamentos técnicos para tal pretensão, contrária ao modelo vigente no mundo. Até hoje isso não aconteceu. Poderia se dizer que meu pedido não ecoou, mas isso não foi verdade, uma vez que o pedido se multiplicou junto aos vereadores, aos deputados estaduais e federais, sendo objeto de inflamados discursos do prefeito de Itajaí, de Senadores da República, mesmo assim, até hoje o Governo Federal não recuou e também não justificou os porquês de tal conduta.
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Para tornar a situação ainda mais complexa, ao nosso entorno, nos portos de Paranaguá e Porto de Rio Grande, inexplicavelmente o Governo Federal renovou os convênios de delegação e manteve as Autoridades Portuárias públicas. Isso somente nos obriga a reforçar nossa total contrariedade ao que se pretende fazer com Itajaí, vez que coloca em risco o desenvolvimento de Itajaí e Santa Catarina, baseado tão somente em uma insistência inconsequente, uma vez que nenhum suporte técnico foi utilizado para dar fundamento razoável a tudo que o Governo Federal apresentou até hoje. Foram falácias pobres de técnica. Somos cobaia de um experimento. O art. 21 da Constituição Federal nos apresenta ações cuja competência o constituinte atribuiu à União e, entre elas, estabeleceu em seu inciso XII a possibilidade de explorar serviços diretamente ou indiretamente mediante autorização permissão ou concessão. Destes serviços que lhe foram atribuídos, constam a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres. A Lei nº 12.815/2013 dispõe sobre a exploração dos portos e instalações portuárias, trazendo em seu bojo uma clara distinção entre porto organizado e instalações portuárias localizadas fora do porto organizado. Isso, pelo fato de que o porto organizado, trata-se de um bem público cuja abrangência compreende o imóvel, as instalações portuárias e, ainda, a infraestrutura de proteção e de acesso ao porto organizado. Por outro lado, as instalações portuárias fora do porto organizado são terminais privativos que dependem tão somente de autorização do poder concedente. Historicamente, temos os portos públicos como aquelas antigas fortalezas coloniais destinadas tão somente a fazer a conexão entre o Brasil Colônia e Portugal, e ser o ponto de embarque e desembarque de mercadorias e estrangeiros, na grande maioria europeus, que se aventuravam a atravessar o Atlântico em busca de uma nova vida. Estes portos ficaram encravados dentro das cidades e sempre mantiveram seu status de bem público, tal como nos demais portos do mundo. A limitação geográfica decorrente do crescimento urbano ao redor do porto público somado ao fato de que o Estado Moderno percebeu sua lentidão quanto ao aporte de investimentos em infraestruturas frente a agilidade da iniciativa privada, buscou-se solucionar tal demanda por infraestrutura com a modernização da Lei Nacional dos Portos, vindo a Lei nº 12.815/13 possibilitar a plena atividade do terminal privado localizado fora do porto organizado. A lei manteve o porto público como elemento de garantia constitucional da soberania, sob o qual, poderá explorar diretamente ou indiretamente, e ao mesmo tempo, viabilizou oportunidades aos agentes privados explorarem a atividade portuária em instalações portuárias construídas com recursos privados, em local fora do porto organizado e, com isso, ampliou seu leque de oferta de serviços aos usuários. Portanto, o porto público mantém seu status de bem público e, por isso, quando a norma descreve a figura da Autoridade Portuária, esta, ali foi introduzida, com o objetivo de tornar efetiva a presença do Estado na administração e gestão do porto organizado, de forma descentralizada, trazendo mais o Brasil (poder local) e menos Brasília para o aumento da eficácia e eficiência da sua gestão. A exploração do porto poderá ser totalmente privada, mas a sua administração sempre deverá ser pública, o que torna a política do Governo Federal, em relação ao Porto de Itajaí, um grave erro: uma falácia.
Professor de Direito Portuário e Marítimo dos Cursos de Direito e de Comércio Exterior, e Pós-Graduação da Univali, Advogado – OAB/SC 12.708 (Univali, 1995) e Mestre em Direito Portuário pelo Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (2012). Coordenador do Grupo de Pesquisa Direito Portuário e Marítimo da Univali. Endereço eletrônico: adao@univali.br, advogado, sócio do Agripino & Ferreira Advogados Associados – ferreira@agripinoeferreira.com.br
Decisão do futuro do Porto de Itajaí está nas mãos do Presidente Jair Bolsonaro!
Já que o Ministério da Infraestrutura, através da Secretaria Nacional de Portos e Vias Navegáveis, continua insistindo no modelo de desestatização dos portos brasileiros, privatizando tanto as operações como também a Autoridade Portuária, resta à Prefeitura de Itajaí, representantes do Fórum Parlamentar Catarinense, Entidades e Trabalhadores Portuários, falar diretamente com o presidente Jair Bolsonaro. O objetivo da audiência, que está sendo marcada pelos políticos catarinenses, é o de explicar ao presidente a realidade do Porto de Itajaí, completamente diferente dos outros portos brasileiros, cujos processos de desestatização já estão em fase de audiência pública. Além disso, os defensores da manutenção da Autoridade Pública Municipal querem que o presidente Jair Bolsonaro saiba que os portos do Paraná e Rio Grande do Sul, já tiveram suas concessões estaduais renovadas por mais 30 anos, antes mesmo de terminar o contrato, e que Itajaí e Santa Catarina estão tendo um tratamento diferenciado. O Procurador do Ministério Público de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira, no seu parecer, ao estudar a desestatização da
Volnei Morastoni, Prefeito de Itajaí
Codesa, foi bem incisivo ao analisar o processo, quando disse que "no caso da Codesa há o agravante de se tratar de um processo pioneiro, que poderá ser precipitadamente referendado pelo governo como sendo um “sucesso” e, a partir disso, servir de equivocado modelo para as desestatizações de portos de maior relevo, estratégicos para o país, tais como os portos de Itajaí.
Modelo de privatização é criticado em outros países O mesmo promotor alertou que é importante destacar que "após a adoção do modelo conhecido como Private Landlord Port Model na Austrália, em que a maior parte das funções operacionais, bem como aquelas atribuídas ao landowner, são privatizadas, está ocorrendo crescente repasse de custos para o setor de transporte de contêineres local e o aluguel de espaços na orla marítima continua aumentando durante esta nova era de propriedade do “porto privado”. O exercício do poder de monopólio no Porto de Melbourne levou a custos de transação mais altos, comprometendo a capacidade dos arrendatários de fechar novos contratos, e já são visíveis os impactos diretos nos preços dos produtos aos consumidores finais. Desse modo, o governo australiano deve limitar privatizações porque o público perdeu confiança . Graças às recentes desestatizações dos portos australianos, discute-se naquele país a chamada “era de inflação de preços portuários”. O promotor reconheceu que "de fato, existem falhas nos portos públicos brasileiros, em especial a ociosidade das áreas portuárias, investimentos parados etc. Todavia, a questão que deve ser respondida é como um Estado incapaz de resolver problemas burocráticos internos será capaz de lidar com um monopolista articulado e voltado, unicamente, à maximização dos seus lucros? Como o país que não provou ainda que é capaz de resolver os problemas das concessões existentes agora irá adotar o mesmo modelo de concessões para um setor sensível e relacionado à própria segurança nacional?", perguntou.
Porto de Itajaí continua tentando a renovação do contrato O Município de Itajaí reforçou o pedido de manutenção da Autoridade Portuária Pública e Municipal e de renovação do convênio de delegação com o Porto de Itajaí ao Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, no final do ano passado. Mas não recebeu resposta alguma. Agora, a última alternativa para que não haja uma privatização total é uma audiência com o presidente Jair Bolsonaro. "Queremos mostrar ao presidente que Porto de Itajaí arrecadou em 2020 R$ 16 bilhões em impostos e é o 12º do Brasil em arrecadação. A Autoridade Portuária Municipal também demonstrou sua efetividade com a conquista de diversos prêmios e recordes de movimentação. Nós queremos esse reconhecimento", diz o prefeito Volnei.