Catarina,
a grande
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Ela é sedutora, quente e descolada. Sim, Santa Catarina é a namoradinha do Brasil neste verão. Confira cada uma de suas faces. Por Paulo D’Amaro/ fotos de Victor Sá O litoral do Estado de Santa Catarina tem quase 500 quilômetros. Ou seja, metade da costa de Portugal, de onde, afinal, veio a maior parte de seus imigrantes - especificamente, do Arquipélago dos Açores. Nesses quase 500 quilômetros cabem cidades com arquitetura colonial preservada, ondas perfeitas para o surfe, piscinas naturais na medida para relaxar, praias badaladas com gente bonita (e outras desertas e bucólicas), recantos gastronômicos singulares, pousadas aconchegantes, resorts completíssimos, sítios arqueológicos enigmáticos, artesanato inconfundível, baladas intermináveis e paisagens surpreendentes (acima e abaixo do nível do mar). Nessa orla, a cada ano mais procurada, cabem, sobretudo, as suas férias de verão. Por tudo isso, batizamos de “Catarina, a Grande” a reportagem que se segue por duas dezenas de páginas. Que os eruditos não confundam com a czarina russa do século 18. Aquela, reza a lenda, era contumaz pecadora. A nossa, além de grande, é santa. Santa Paz de Catarina Fila, congestionamento, barulho, aglomeração, sujeira... É difícil evitar essas inconveniências quando uma praia ganha fama e atrai milhares de turistas, além de prédios e comércio. Por isso, ainda que preservem encantos e valham a visita, lugares como Jurerê, Canasvieiras e Ingleses, em Florianópolis, deixaram de ser o éden tão decantados nos anos 1980. Tudo bem. No lado leste da ilha, voltadas para o oceano aberto e longe dos agitos, praias como Moçambique e Lagoinha do Leste permanecem intocadas. Outras, como Joaquina, Mole e Pântano do Sul já são bem conhecidas e freqüentadas, mas preser-
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vam o ar bucólico e a atmosfera relaxada. A própria Lagoa da Conceição, tão famosa, resiste em sua placidez. Essa face serena da capital tem data de validade, a julgar pelo crescimento da cidade e pela precária infra-estrutura de toda a ilha, com vias estreitas, rede de saneamento incompleta e geografia acidentada. Então, aproveite enquanto é tempo. Comece por Moçambique. É a maior praia da ilha, com 7,5 quilômetros de extensão, isolada da dita civilização pelo Parque Florestal do Rio Vermelho - uma área de 400.000 metros quadrados, forrada de pinheiros. O acesso a ela não é difícil, mas está bastante escondido, sem qualquer placa que o identifique na rodovia SC-406, que corta o lado leste de Florianópolis. Melhor assim. Quase deserta, a praia mantém suas areias branquinhas, a fauna de aves
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marinhas e até mesmo o pequeno molusco típico da região, que lhe deu o nome. Amada por quem valoriza quietude e contemplação, Moçambique é uma praia de ondas fortes e mar bravio - fique sabendo -, reduto de surfistas que fogem da inevitável invasão de turistas nos demais “picos”. E por falar em surfe, um pouco mais ao sul fica a Barra da Lagoa, onde escolinhas desse esporte pipocam aqui e acolá, quase sempre freqüentadas por europeus. Por que os gringos a escolhem? Bem, apesar de razoavelmente urbanizada, a Barra conserva um cenário romântico, ao longo do canal que liga o oceano à Lagoa da Conceição. São pequenos albergues, bares descompromissados, velhinhos jogando dominó na orla, barcos de pesca coloridos e muitos bichos-grilos - com o perdão da gíria jurássica. Se algum lugar de Floripa
parece estar nos anos 1970, é este. A Barra, porém, é apenas o começo de um panorama ainda mais aliciante: o da própria Lagoa da Conceição, vista de seus mirantes. O mais privilegiado é o do restaurante Ponto de Vista, a quase 200 metros de altitude. Parada obrigatória ao pôrdosol, ele permite ver até mesmo a longínqua Costa da Lagoa, colônia de pescadores a que só se chega navegando, hoje coalhada das chamadas petiscarias. Ninguém precisa ter uma lancha para desfrutá-las. Além dos barcos-ônibus da prefeitura, há também o Ondança, um simpático charter - ou seja, embarcação de aluguel - conduzido pelo psicólogo suíço Dieter Pfister e sua mulher, a artista plástica Annemaria. Só os dois já bastariam para tornar o passeio interessante. Tão bela quanto a orla da Lagoa é a Praia Mole - a mais
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badalada da atualidade, logo após a Barra. Difícil achar na ilha uma faixa de areia com tanta gente bonita e sarada, praticando esportes e apostando na azaração. Sim, a Mole enche no verão. Mas não tanto quanto as praias do norte da ilha. A estrada não deixa: são 15 quilômetros desde o Centro, em pista simples, estreita e, geralmente, congestionada, o que acaba afastando turistas eventuais. Agora, se você quer ainda mais sossego, seu lugar é Lagoinha do Leste. “Conheço pessoas que nasceram em Florianópolis e nunca viram essa praia”, diz o surfista Silvio Dias, freqüentador assíduo das areias virgens. Lagoinha do Leste fica escondida por costões de pedra e constitui um dos últimos redutos de Mata Atlântica preservados em Floripa. Há nas imediações uma cachoeira e
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uma lagoa. E para aumentar seus encantos, ocorre vez por outra o raro fenômeno das algas fluorescentes, que cintilam ao escurecer. Muita gente acaba passando a noite por aqui apenas para presenciar o gratuito show da natureza.
Bombinhas e Porto Belo garantem a alegria dos mergulhadores e fãs de esportes radicais Lembre-se: é impossível chegar de carro a esse recanto selvagem. O único jeito é enfrentar uma trilha a partir de outra praia, a Pântano do Sul. Caminho esse que dura uma hora e não é nenhum bicho-de-sete-
cabeças. Ainda que moradores ciosos como Sílvio prefiram dizer horrores se lhe perguntam o caminho. “Aliás, esquece a Lagoinha, por favor. Não coloca aí na tua reportagem, não, tá?”, pede o ciumento manezinhoda-ilha (é assim que os naturais de Floripa se autodenominam). Se morasse aqui, você não faria o mesmo? Vai fundo, Catarina! Descrever as praias de Santa Catarina leva ao risco da redundância. É “belo” para cá, “lindo” para lá, “irresistível” para acolá. Pior ainda quando se vai a Porto Belo e Bombinhas, pois aqui os adjetivos não estão apenas no horizonte. Eles também brotam nas alturas e embaixo d’água. Os dois municípios compõem uma península montanhosa, que oferece vistas panorâmicas de 360 graus e criam, em seus recortes, dezenas de viveiros
subaquáticos, prontinhos para ser observados pelos mergulhadores de plantão. A quem ficou com água na boca, vale uma ressalva inicial. Bombinhas e Porto Belo parecem não ter lidado bem com seus atributos. Nos últimos anos, o que deveria ser um enriquecedor boom turístico transformou-se numa invasão desordenada de casas, pequenos prédios grudados uns nos outros e um comércio absolutamente sem charme. A sensação é sufocante e piora conforme se trilham as ruas esburacadas, com calçamento precário e alguns sinais de desleixo público. Uma vez que você transpasse esse equívoco urbano em que as cidades se transformaram, a recompensa vem em forma de praias aprazíveis e retiros naturais dissimulados. Vale a pena, por exemplo, curtir um fim de tarde nos bares flutu-
antes da Baía de Caixa D’Aço. Como chegar até eles? Simples: basta pedir (e combinar o preço) aos pescadores. Parece improvisado demais, mas não há jeito melhor de conhecer a alma do lugar do que papear com os nativos durante os 10 ou 15 minutos de travessia. Chegando aos bares flutuantes, não espere luxo. Mas conte com petiscos gostosos como o soltinho, nome que se dá à versão local de camarão empanado. Curta também a paz de estar longe da terra e, se tiver sorte, a experiência de ver uma ou outra celebridade chegando de iate. “A Ellen Jabour não sai daqui”, gaba-se Emeliano da Silva, dono do Caixa D’Aço, o mais tradicional boteco flutuante. Ali pertinho fica a Ilha de Porto Belo, uma reserva de Mata Atlântica preservadíssima, que agrega um ecomuseu, uma prainha e a atração mais
recente: seis trilhas subaquáticas. Ou seja, pequenos roteiros de mergulho livre (máscara e snorkel) em que se pode ver a vida marinha em torno de recifes artificiais ali implantados com ajuda da Universidade do Vale do Itajaí. O mergulho light em Porto Belo é o aperitivo para aventuras profundas em Bombinhas. Nada menos que 60% dessa cidade margeiam a Reserva Marinha do Arvoredo. Sem contar que duas correntes oceânicas se encontram aqui: a das Malvinas e a Brasileira. Em outras palavras, tudo privilegia a vida marinha, o que fez de Bombinhas “a capital brasileira do mergulho ecológico”, com mais de dez escolas de mergulho. Se, porém, seu negócio é ficar acima do nível do mar, tudo bem. A cidade tem 29 praias, de todo tipo: das urbanas e agitadas, como Bombas e Bombinhas, às desertas e selvagens,
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como Cardoso e Vermelha. Ou daquelas que são piscinas naturais, como Ribeiro ou Sepultura, a outras açoitadas por ondas constantes, como Quatro Ilhas e Mariscal. Acrescentemse, ainda, as que preservam tradições arquitetônicas, culturais e culinárias dos imigrantes açorianos, como Canto Grande. Essa praia, vale ressaltar, exibe um raríssimo capricho da natureza: apóia-se num istmo e tem faixa de areia voltada para dois lados opostos: um de águas serenas, repleto de coloridos barquinhos de pesca; outro, bravio, adorado pela galera dos esportes aquáticos. Na dúvida entre qual praia escolher, uma dica: procure o Mirante Eco 360 graus. Ele fica no caminho para a Praia da Tainha. Do alto de uma montanha de 230 metros, avista-se quase toda a península. Você achará aquela faixa de areia que mais lhe agrada. E se flagrará redundando em adjetivos. Catarina Baladeira À primeira vista, é impos-
sível não achar que Balneário Camboriú é uma tentativa descarada de copiar o Rio de Janeiro. Afinal, logo ao chegar à cidade, nota-se um bondinho que evoca o Pão de Açúcar, o calçadão à moda de Copacabana, uma via costeira batizada
Bares, baladas e passeios transformaram Balneário Camboriú na rainha dos agitos de Avenida Atlântica e até mesmo uma estátua do Cristo nas alturas. Mas não se deixe levar por essa impressão inicial, pois as semelhanças param por aí, tanto para o bem quanto para o mal. Para o mal porque o Cristo catarinense não tem um décimo do charme e da imponência do Redentor carioca. Pelo contrário, esbarra no bizarro,
com um braço torto, segurando um canhão de luz. O Balneário Camboriú, definitivamente, não precisava disso. E para o bem porque, mesmo com esse jeitão de cidade grande, é um lugar agradabilíssimo, com ruas floridas, tranqüilas e limpas como poucas no país. Além disso, seus morros não exibem sinais de pobreza e, menos ainda, de violência. Isso tudo sem cair no defeito de quase todas as cidades costeiras catarinenses: a falta de vida noturna. O Balneário, pelo contrário, é coalhado de bares, casas noturnas, lojas bacanas e passeios que não deixam nada a dever às metrópoles. Se você é “da night”, saiba que mais de quinze casas noturnas bombam todos os fins de semana. Tome-se o Deseo Lounge como exemplo. No estilo europeu, ele junta restaurante elegante (que importou da Espanha as receitas de tapas), bar com drinques modernosos e um lounge animado por DJs internacionais, que tocam o melhor
do smooth jazz e do progressive house. Não pára por aí: o rock alternativo e a MPB de classe têm lugar na Djunn, uma balada cheia de gente bonita, onde você degusta sushi ao som dos novos músicos catarinenses. Assim como o blues chora seus acordes no John Bull Pub, com atrações importadas do calibre de Nuno Mindelis, André Christóvan, Celso Blues Boy, Steve James e J.J. Jackson. Somemse a tudo isso a soul music e o hip hop do Baturité Divine e a extravagância das drag queens no NewHeaven, uma das danceterias GLS pioneiras no país. Não está satisfeito? Pois saiba que existe ainda o gigantesco Rancho Marias, que traz a Camboriú todos os meses os grandes shows musicais - as próximas atrações são Natiruts e Ivete Sangalo. Já para a garotada mais jovem há a danceteria Case Music, que promove a festa Sub-17. Nela, há tudo de uma balada “de gente grande” - exceto bebidas alcoólicas e gente com mais de 18 anos. Mas, cuidado! Essa noite pulsante, enriquecida ainda por dezenas de bares e restaurantes na orla, leva muita gente a perder manhãs (e tardes) ensolaradas na cama. Não cometa esse pecado. Porque o Balneário Camboriú também tem gratos passeios diúrnos. O teleférico do Parque Unipraias, acrescente-se, é maior do que parece, e leva os visitantes não só ao alto da montanha, mas também ao lado oposto, onde fica a Praia de Laranjeiras. É um recanto bem menos concorrido que as areias do Centro, mas convenientemente abastecido de quiosques e bares vendendo água-de-coco. Na medida para quem ferveu a noite inteira.
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