Tiba,
o trem e a Aids
Como um portador do vírus HIV e ex-usuário de d pode ajudar uma cidade com apenas uma conv A Ponto Final conversou com Tiba, vice-presiden Núcleo Londrinense de Redução de Danos de Lon
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drogas versa? nte do ndrina
Gabriela Pereira Saiu de casa, morou em orfanatos, fugiu de trem, conheceu as drogas e foi preso. Depois de viver uma história digna de livro policial, prometeu: se saísse da cadeia vivo, pararia de usar drogas. Seu nome no registro é Edson Facundo, mas em Londrina sua identidade é carimbada: “me chame de Tiba”. Há 10 anos, o Tiba faz parte do Núcleo Londrinense de Redução de Danos, no qual é vice-presidente. Dar outra alternativa ao usuário, essa é a intenção do agente de redução de danos. A prática é uma estratégia de saúde pública que pretende reduzir os danos à saúde em consequência de práticas de risco. No caso do usuário de drogas, reduzir a exposição a doenças como hepatite e Aids. É subindo uma escada estreita em um dos tantos prédios do centro da cidade que chego ao Núcleo. Apesar do frio, que fica cada vez mais forte por conta do piso gelado e de algumas janelas abertas, o Tiba se mostra disposto a contar sua história. Entre cafés e risadas, Tiba fala sobre a criação do Núcleo, que foi fundado em 2001 por profissionais de saúde, cientistas sociais e funcionários da Penitenciária Estadual de Londrina (PEL), o atual Centro de Detenção e Ressoacilização. Montado para discutir assuntos como drogas e atender os usuários que vinham de outro projeto já desenvolvido pela ALIA, a Associação Londrinense Interdisciplinar de Aids, o núcleo de redução de danos desagradou parte da sociedade que desconhecia sua real função. “Era uma coisa nova, que deu muita discussão. As pessoas começaram a discutir sobre o que era redução de danos, se era uma apologia, uma política, uma implantação”, lembra. O trabalho do redutor de danos baseia-se em um compromisso com o Ministério da Saúde, em que o
Do orfanato a penitenciária Tiba viveu em orfanatos desde pequeno. Acostumado a conviver com mais de 100 crianças se sentiu um estranho no ninho quando foi levado pelo pai para sua casa. Fugia constantemente e era em uma linha de trem da cidade que montava em qualquer vagão que passasse e ia explorar outros caminhos. Seu primeiro contato com a droga foi aos 12 anos, quando ainda não morava com o pai e convivia com crianças de toda a parte. Entre tantas escapadas de casa, um dia não voltou mais. “Fui pra rua. Aí eu comecei a trabalhar em artesanato e me envolver com o tráfico. Eu nunca
Fotos: Arquivo Pessoal Tiba
agente mantém semanalmente o abastecimento de preservativos e uma conversa de conscientização com a população da área atendida. “A gente faz uma redução de danos mais social não com o viés somente na saúde. Fazemos o trabalho de campo, a gente vai onde a coisa acontece. A gente não trabalha só no usuário ou só na droga, nós trabalhamos os três contextos: o usuário, a droga e o lugar onde ele vive.” Segundo Tiba, a redução de danos não tem como objetivo principal fazer o usuário parar de consumir, mas buscar a compreensão sobre tudo que envolve o uso das substâncias. Por isso, é necessário uma capacitação e vivência do agente para adentrar e compreender como se lida com tudo que envolve o consumo de drogas. “Então a gente tem que ser um pouco de exemplo: ‘se o cara foi usuário de drogas, é soro positivo, por que eu também não posso? ’ Isso é muito espelho. Eu não passo mão na cabeça de usuário nem de soro positivo. Por isso hoje eu falo e eles me respeitam: se você não fizer tratamento, você vai morrer.”
fui ladrão, eu nunca fui bandido. Eu pegava droga para eu usar, mas como eu via que as pessoas tinham medo de ir para a favela eu buscava e revendia”. Foi apresentado as drogas injetáveis que, naquela época, sofriam descriminação até mesmo por outros usuários. Uma acontecimento levou a outro e quando Tiba percebeu, estava preso. O ano era 1987 e uma iniciativa da Universidade Estadual de Londrina mudou a vida do Tiba com uma simples amostra de sangue. Foram oitenta detentos da Penitenciária Pública os escolhidos para a realização de um teste para o vírus HIV. Segundo Tiba, “apenas oito pessoas foram
premiadas. E eu era um deles. Aí que minha vida virou um inferno. Porque eu puxei oito anos e dois meses de cadeia, o que aumentava mais ainda o preconceito e a discriminação não pelo crime, mas pelo HIV. Ninguém conhecia a Aids, isso era coisa dos Estados Unidos. Para mim o baque maior não foi o de saber que estava com Aids, nem ouvir: ‘você está com Aids e vai morrer’. Eu sempre dizia que quem determina isso é Deus.” O susto maior estava por vir. O vírus da Aids ainda era desconhecido em Londrina, por isso os órgãos públicos de saúde na cidade não sabiam como lidar com os infectados. Tiba e as outras
redução de danos Tiba e os voluntários do N´úcleo Londrinense de Redução de Danos
dariam viciados e usuários de drogas, além dos portadores do vírus da Aids em Londrina. Foi um manual, parte do material do projeto dado por umas das participantes do ALIA, que fez Tiba enxergar a redução de danos como seu futuro: “Quando você se intitula soro positivo as pessoas falam ‘tá vendo, quem mandou usar droga, quem mandou ser gay, quem mandou ser prostituta ou quem mandou estar no caminho errado’. Quando veio a redução de danos e disse ‘você é usuário de drogas, mas tem diretos e deveres como cidadão’, isso me deu uma força. Ninguém nunca tinha dito para os usuários que nós tínhamos direitos e deveres”.
Serviço: Núcleo Londrinense de Redução de Danos Endereço: Av. Souza Naves, nº 189, 1º andar, salar 12 e 13. As reuniões são relizadas às quartasfeiras, às 19h30. Mais informações pelo telefone: (43) 3357-2306 Ou pelo email: nucleord@yahoo.com.br
PONTOFINAL.04/2010
pessoas que carregavam o vírus foram banidas e levadas para um prédio de tratamento mental em Curitiba. Isolados. “Todo mundo do Paraná que estava com Aids foi jogado naquele depósito. Ninguém falava nada, não tinha medicamento e as pessoas ficavam esperando a nossa mutação. Falavam que você ficava magro e tudo mais, eram um mitos bem bravos.” Sozinho e longe de casa, Tiba prometeu que se saísse vivo da cadeia, não usaria mais drogas. Se emociona ao lembrar que sua promessa está sendo cumprida desde a saída da penitenciária em 1994. A partiu desse dia buscou participar de projetos que aju-
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