FREGUESIA IGREJAS
DUAS
São Sebastião da Pedreira Nossa Senhora de Fátima
FREGUESIA IGREJAS
São Sebastião da Pedreira Nossa Senhora de Fátima
Três
Séculos de
MARGARIDA ALMEIDA BASTOS RITA FRAGOSO DE ALMEIDA
Devoção
IMPRESSÃO Sersilito ISBN 978-989-53737-2-7
DEPÓSITO LEGAL 507208/22
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
António Homem Cardoso, com excepção: Bernardo Condeixa p. 5; pp. 10-11; pp. 13-14; p. 19; p. 24; p. 27; p. 29 (sup. esq. e centro); p. 34; pp. 41-43 (sup.); pp. 48-49; p. 52 (excepto centro dir.); p. 53; p. 55; p. 84; p. 95; p. 101; p. 102 (dir.); p. 104; p. 105 (inf.); p. 107; p. 110; p. 120; pp. 126-127; p. 129; pp. 136-137
Arquivo Municipal de Lisboa p. 17 [B096714]; p. 56 [PT/AMLSBSB/CMLSBAH/PURB/003/00028/06; PT/AMLSB/CMLSBAH/PURB/003/00028/07]; p. 73 [PT/AMLSB/CMLSBAH/PURB/002/05321/06: página 5 A]; p. 74 [Processo de obra n.º 47105 pro: n.º650 /sec/pg/1934, Fls.108]
BOOK BY THE
Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt
AGRADECIMENTOS José Daniel Soares Ferreira José Meco Lurdes Garcia Arquivo Municipal de Lisboa – CML Museu de Lisboa – EGEAC E.M. © EDIÇÃO By the Book, Edições Especiais para a Junta de Freguesia de Avenidas Novas TÍTULO Uma Freguesia, Duas Igrejas © AUTORIA Margarida Almeida Bastos | Rita Fragoso de Almeida REVISÃO Isabel Costa REVISÃO CIENTÍFICA Paulo Almeida Fernandes REVISÃO TEOLÓGICA Padre Hugo Gonçalves DESENHO DAS PLANTAS Joana Cintra GomesCOM A EDIÇÃO DESTE LIVRO, A JUNTA DE FREGUESIA DAS AVENIDAS Novas abre-nos a porta a um pouco da história numa sólida evidência do relevo da Freguesia na história da própria cidade de Lisboa.
O livro Uma freguesia, duas Igrejas é um convite a todos os interessados a uma viagem às duas principais igrejas da Freguesia das Avenidas Novas, dando a conhecer a sua história e a sua arquitetura. Nesta viagem conseguimos fomentar o conhecimento acerca do nosso património, apontando pormenores e curiosidades num registo privilegiado de fotografia e informação.
A Igreja de São Sebastião, classificada como imóvel de interesse público, é uma igreja de construção seiscentista, sendo uma das poucas que sobreviveu ao terramoto de 1755 e com a sua edificação dedicada ao mártir cristão São Sebastião, a quem deve o nome e cujo percurso de vida está retratado no teto e nos painéis de azulejos que forram as paredes.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima “nasce” da receita feita pela venda da antiga Igreja de São Julião ao Banco de Portugal para servir de caixa forte, tendo sido a totalidade dessa receita usada na sua construção. Foi consagrada em outubro de 1938 e galardoada com o prémio Valmor nesse mesmo ano. Almada Negreiros e Leopoldo de Almeida fazem parte do leque de artistas que contribuíram artisticamente para a sua edificação e os rasgos de modernidade do edifício foram contestados pelos meios mais conservadores da sociedade portuguesa.
E porque a história também nos pode ajudar a entender o presente, o conhecimento destes dois marcos relevantes na história da Freguesia das Avenidas Novas será uma mais valia na contextualização histórica e no olhar que fazemos na dinâmica do presente.
Umas boas leituras
Daniel Gonçalves
Presidente da Junta de Freguesia de Avenidas Novas
QUANDO, NO FINAL DE 2021, INSCREVEMOS O “INCENTIVO à Fruição Cultural” e a “Divulgação do Património das Avenidas Novas” entre os principais eixos de atuação do Pelouro da Cultura da Junta de Freguesia de Avenidas Novas, tínhamos clara consciência da qualidade e da quantidade de espaços culturais verdadeiramente emblemáticos existentes nesta zona de Lisboa.
A opção por uma iniciativa editorial focada nas igrejas de Nossa Senhora de Fátima e de São Sebastião da Pedreira foi, no entanto, muito fácil de assumir. São dois espaços de culto com incontestável valor artístico e arquitetónico, especialmente dignos de integrar o que pretendemos que seja a primeira de várias publicações na área cultural. E se foi com gosto e com expectativa que assumimos esta aposta é agora com muito justificado orgulho que constatamos o seu resultado.
Um especial agradecimento é devido a todos os envolvidos, que desde o primeiro momento aderiram à ideia e possibilitaram a sua realização: aos priores das paróquias de Nossa Senhora de Fátima e de São Sebastião da Pedreira, Pe Luís Alberto Carvalho e Pe António Faustino, à editora na pessoa da Dra. Ana de Albuquerque, às investigadoras, à Dra. Margarida Almeida Bastos e à Dra. Rita Fragoso de Almeida, e aos fotógrafos, António Homem Cardoso e Bernardo Condeixa. Um agradecimento também à Claúdia Mirrado, à Filipa Magalhães e ao João Merino, colaboradores da Junta de Freguesia, pelo empenho e pelo entusiasmo com que acompanharam todas as fases de planeamento e de execução deste projeto.
Aos leitores, o desejo de que este livro constitua um bom encontro com o talento humano e uma enriquecedora incursão pela nossa História, pelo nosso património e pela imensidão da beleza que os acompanha.
Gonçalo MoitaPelouro da Cultura da Junta de Freguesia de Avenidas Novas
de São Sebastião IGREJA da Pedreira
ENTRE ABRIL DE 1569 E A PRIMAVERA DO ANO SEGUINTE, LISBOA sofreu o mais avassalador surto de peste de que há notícia na sua história. A enorme virulência do episódio, responsável pela morte de cerca de 60 000 habitantes, semeou o pânico, a miséria e a desagregação social, transformando a cidade num “navio-fantasma”, que navegava sem rumo, entregue à sua sorte 1
A falta de conhecimentos para debelar o flagelo, entendido pelas populações como uma expressão punitiva de Deus, levou à multiplicação de manifestações religiosas, como missas e procissões, e à intensificação do culto em torno dos santos protetores contra este tipo de mal. Assistiu-se, assim, durante a chamada Peste Grande, ao incremento da devoção a São Sebastião 2 . Segundo a hagiografia, Sebastião era um jovem soldado romano condenado à morte por Diocleciano, que terá sobrevivido miraculosamente às setas dos arqueiros imperiais, acabando por ser executado por espancamento e decapitação no ano de 287 d.C. A imunidade às flechas, simbolicamente associadas à peste e às epidemias em geral, viria a ser entendida pela Igreja e pelos crentes como expressão do enorme poder do mártir contra este tipo de calamidades.
Assim, por volta de 1569, numa altura em que pouco mais restava aos habitantes da capital do que o recurso ao divino, a Confraria dos Carpinteiros da Rua das Arcas promoveu, ao que tudo indica, a construção de uma ermida numa zona rural, a norte da cidade, dedicando-a a este taumaturgo. É possível, também, que o templo já então existisse e que os moradores daquela artéria da Baixa tivessem, por alguma razão, desenvolvido uma especial devoção em torno do mesmo. Não obstante, desconhecem-se, ao certo, os motivos que presidiram à escolha do local para a sua edificação. É provável, contudo, que o facto de ficar junto a uma das principais entradas da cidade tenha pesado na decisão. A construção religiosa assumiria, assim, o papel de escudo protetor, impedindo, de acordo com a crença da época, que a peste atingisse as zonas mais populosas de Lisboa 3. Por aquela altura, os confrades prometeram, por voto solene, deslocar-se com um sacerdote todos os domingos ao templo, para ali celebrar missa, bem como realizar, anualmente, uma procissão em honra de São Sebastião, no dia em que, segundo o calendário litúrgico, este teria sido martirizado: 20 de janeiro.
O cortejo, que se efetuou pelo menos até 1760 4 , era composto pelos irmãos daquela confraria, por uma comunidade de religiosos e, muito possivelmente, por todos os populares que se quisessem juntar. Partia no dia 19 de janeiro da freguesia de São Nicolau, levando dois andores: um, com a imagem do taumaturgo e outro, com a do Menino Jesus. Debaixo do pálio, seguia uma relíquia do Santo Lenho. Quando chegavam à ermida, cantavam-se as vésperas e, no dia seguinte, depois de terminada a missa festiva, com o sagrado Lausperene 5 , o grupo regressava, também em procissão, à freguesia de origem 6 .
A construção da primitiva ermida, dedicada a São Sebastião, esteve na base da identificação toponímica do local, onde, no século XVI, existia uma pedreira ativa. O edifício religioso funcionou igualmente como polo agregador, contribuindo para a formação de um pequeno núcleo de povoamento em seu redor e no troço final da antiga estrada que, através do sítio do Andaluz, unia as portas de Santo Antão (Rossio) a Palhavã 7
A crescente ocupação deste percurso tradicional, que se desenvolvia ao longo do vale, na sequência da expansão da cidade em direção a norte, esteve na base da criação de uma nova unidade religiosa e administrativa por D. Miguel de Castro, Arcebispo de Lisboa. Nascia assim, entre 1601 e 1620, a freguesia de São Sebastião da Pedreira, cujo território foi desanexado da de Santa Justa, motivo pelo qual esta pagava ao prior e beneficiados da paróquia-mãe parte dos dízimos recebidos8
Abarcando uma extensa área, a recém-criada circunscrição territorial confrontava a sul com as paróquias de Nossa Senhora da Pena e de São José, a nascente com a de Nossa Senhora dos Anjos, a norte com a dos Santos Reis do Campo Grande e a poente com as de Nossa Senhora da Ajuda (do lugar de Belém) e de Nossa Senhora do Amparo (do lugar de Benfica).
Com uma fisionomia eminentemente rural, a nova freguesia, vocacionada para a produção agrícola, contribuía com os seus produtos para o abastecimento do núcleo urbano da cidade, sendo marcada por um povoamento escasso e disperso. No vasto território de São Sebastião da Pedreira pontuavam, então, casais e quintas, algumas com instalações habitacionais modestas e funcionais, e muito provavelmente outras, que, acompanhando a tradição humanista, possuíam já construções mais opulentas, destinadas à fruição dos seus senhores.
O primeiro cura da nova paróquia de São Sebastião da Pedreira foi o Padre António Vaz, elevado a vigário colado 9 por D. Miguel de Castro, em reconhecimento pelos “serviços que a Deus fazia em administrar os últimos sacramentos a muitos empestados que da cidade vinhão convalescer aos distritos desta freguesia”10. Por sua morte, sucedeu-lhe no cargo Paulo Carreiro de Almada, estando a ermida, já por essa altura, “muito danificada e pera cair”, facto referido também em várias Visitações11
INTERIOR
De características maneiristas e barrocas, apresenta uma nave única, de planta retangular com cerca de 23m de comprimento por 10,5m de largura. Originalmente, não possuía qualquer decoração parietal, com exceção do altar-mor e dos quatro altares da nave, revestidos, então, a talha de “características compositivas e plásti-
cas que os filiam na produção de finais de Seiscentos ou inícios de Setecentos”24 . A partir de 1718, o interior da igreja foi submetido a diversas campanhas de obras que o transformaram radicalmente e lhe conferiram as características que apresenta na atualidade.
A capela-mor, que viria a ocupar uma área aproximada de 6,35m de comprimento por 5,25m de largura, ainda não se encontrava totalmente edificada em 1620, provavelmente por falta de verbas, como parece indicar o alvará de D. Filipe II, de 27 de novembro do mesmo ano.
Com este documento, o monarca pretendia formalizar a atribuição da posse da capela-mor da igreja a Dona Filipa de Távora, “(…) pera ella e sucessores de seu morgado (…)”25. Como contrapartida, esta teria de suportar todas as obras da mesma, tanto as que à época tinham sido já executadas, como as que ainda eram necessárias para que ficasse concluída.
Esta doação, ao que parece, não chegou, contudo, a ser concretizada, uma vez que a Memória Paroquial de 1760 refere que a Irmandade do Santíssimo “(…) fundou de novo a capela mayor, e tribuna, e acabou de dourar na forma que ao prezente existe (…)”26 . Ou seja, a obra da capela-mor foi unicamente atribuída à Irmandade do Santíssimo Sacramento, que a financiou na íntegra. A possibilidade de ter sido construída no espaço da anterior ermida, nesse caso demolida já em fase avançada da obra da igreja, constitui outra justificação para a demora da conclusão da mesma 27. A própria decoração do espaço, de características inteiramente distintas do resto do templo à época da sua fundação, é demonstrativa da complexidade de todo o processo de edificação.
Totalmente revestida a talha, apresenta composições que integram festões de folhas de louro e bagas, que servem de moldura a duas grandes telas. Esta ornamentação prolonga-se pelo teto (em abóboda de aresta), onde o cruzamento de linhas horizontais e verticais forma uma quadrícula, decorada por florões nos espaços interiores. De acordo com a Memória Paroquial de 1760, quando o Santíssimo não estava exposto, a tribuna do retábulo do altar-mor era coberta por uma tela, aplicada num mecanismo que possibilitava o seu enrolamento. Esta pintura, hoje inexistente, representava uma Última Ceia e foi executada por Marcos da Cruz entre 1670 e 167128
A parede que suporta o altar-mor é decorada por um silhar de mármore branco com embrechados a negro, com placa de mármore vermelho embutida no centro. O altar-mor, também em talha, possui em cada um dos lados duas colunas torsas, envolvidas por hastes de videira, folhadas e frutadas, pintadas de azul e com os motivos relevados em dourado, assentes sobre mísulas, à semelhança do que acontece nos outros quatro altares da igreja. As restantes composições que o decoram parecem filiar-se nas características plásticas de finais do século XIX , o que indica que provavelmente terá sido remodelado por essa época. Da decoração original apenas se conservam as duplas colunas torsas. De acordo com a já referida Memória Paroquial, em 1760, o Sacrário estava ladeado por dois nichos que acolhiam as imagens de Nossa Senhora da Saúde no lado do Evangelho; e a de São Sebastião no lado da Epístola. Segundo o Padre António Carvalho da Costa, esta última era “(…) de pedra, & veyo da Igreja velha (…)”29, ou seja, da primitiva ermida. Já a de Nossa Senhora da Saúde, segundo a mesma fonte, terá sido trazida de Roma pelo Patriarca de Alexandria, D. João Bermudes. Na atualidade, as imagens de São Sebastião e de Nossa Senhora da Saúde que se encontram no templo apresentam feição Setecentista, colocando-se a hipótese de terem sido encomendadas para substituir as originais, provavelmente em mau estado de conservação30 .
No espaço entre a base do trono e a banqueta do altar existia ainda um conjunto de pequenas imagens guardadas em nichos envidraçados, que foram tapados na década de 40 do século XX . A mesa do altar, de mármore cor-de-rosa e em forma de caixão, é dividida verticalmente por três faixas em relevo, que correm à volta de todo o frontal, formando quatro retângulos postos ao alto, decorados interiormente por lisonja lisa.
No pavimento da capela-mor destaca-se a sepultura do Patriarca D. João Bermudes, trasladada da antiga ermida no dia 16 de outubro de 1653 como indica a inscrição, procedimento que, no entanto, havia sido decidido já em 1620 31. Este acontecimento reveste-se de algum significado, na medida em que, como defendem alguns autores, poderá indicar o momento em que a igreja foi aberta ao culto pela primeira vez.
Um arco triunfal, com cerca de 4,25m de largo, separa a capela-mor da nave central da igreja. O fundo, pintado a branco, forma molduras às faixas lavradas com ornatos diversos cobertos a folha de ouro, constituídos por volutas, putti, cabeças de águias e serpentes. O centro é rematado por emblema que atesta a posse da capela-mor pela Irmandade do Santíssimo Sacramento: uma custódia assente sobre cartela, decorada com volutas em ramagem e sustida por dois putti
O topo da nave central é marcado pela presença de três altares e pela Capela do Santíssimo Sacramento no lado do Evangelho32 . De acordo com a descrição de 1760, originalmente eram quatro os altares, todos eles com características decorativas semelhantes às do arco triunfal.
Do lado da Epístola33, localizavam-se o altar do Senhor Jesus do Bom Nome, com as imagens do Menino Jesus, da Senhora da Soledade e de S. José, e o altar das Almas, com as imagens de São Pedro e de São Brás.
Do lado do Evangelho, o altar de Santo António (identificado por cartela com insígnias alusivas ao seu patrono – um livro e uma cruz), com as imagens de São João Baptista, de Santa Catarina do Monte Sinai, Santa Luzia e Santa Rosa de Lima; e o altar de Santo Amaro, com as imagens do Senhor Crucificado e, a seus pés, as imagens da Senhora da Piedade e de São Gonçalo de Amarante.
de Nossa Senhora IGREJA de Fátima
AEDIFICAÇÃO DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DE Fátima está, assim, intimamente ligada à história da Igreja de São Julião, que terminou com a sua venda, em 1933, para a construção de um novo edifício-sede do Banco de Portugal. Esta decisão, amplamente negociada desde 1910, entre a Arquiconfraria do Santíssimo Sacramento de São Julião, proprietária da igreja, e o Banco de Portugal, é, em grande parte, justificada pela acentuada desertificação da zona da Baixa, que legitimou que fosse equacionada pelas autoridades eclesiásticas a manutenção de duas igrejas paroquiais num território de reduzida ocupação demográfica 71 .
Por outro lado, o Movimento Litúrgico da Igreja, surgido na Europa no final da primeira década do século XX , afirmava-se então em Portugal72 , instituindo um novo conceito de prática litúrgica que implicava não só a adaptação das igrejas antigas, como também uma nova visão quanto à conceção arquitetónica e decoração interior dos novos edifícios a construir. A intenção de edificar um templo moderno num dos novos bairros da cidade era bastante defendida por Manuel Gonçalves Cerejeira, cardeal-patriarca de Lisboa. De facto, a capital era uma das poucas cidades europeias que não tinha ainda uma igreja moderna que exprimisse a renovação cristã dos novos tempos. O interesse do Banco de Portugal pela Igreja de São Julião surge, pois, como uma oportunidade, uma vez que possibilitava concretizar no imediato a construção de um novo templo. A escolha do local recaiu sobre a zona nova da freguesia de São Sebastião da Pedreira, por se considerar que a sua construção satisfazia as “necessidades espirituais da população d’uma grande zona da cidade onde não existem igrejas em número proporcional a essa população” e “reunia melhores condições (…) que permitissem valorizar um recanto da cidade sob o ponto de vista estético.”73
Em assembleia realizada a 12 de maio de 1933, a Arquiconfraria do Santíssimo Sacramento deliberou a venda da igreja e a construção de um novo templo pelo Banco de Portugal74 . A escritura de venda do imóvel foi autorizada pelo Decreto-lei n.º 22603, de 31 de maio de 1933, e concretizada a 7 de junho desse ano, na Sala do Conselho do Banco. Três das escrituras realizadas nesse dia esclarecem sobre o modo como se processou a transação75 .
Com uma primeira escritura efetivou-se a venda da igreja ao Banco de Portugal, pelo valor de dez mil contos. Foi outorgada por Augusto Frazão, prior da Igreja da Graça e representante da confraria, e por Inocêncio Camacho, então Governador do Banco de Portugal. Como testemunhas, estiveram presentes o cónego Manuel Anaquim, vigário-geral do Patriarcado, e o cónego Alberto Carneiro Mesquita, secretário de D. Manuel Gonçalves Cerejeira. Depois desta aquisição, o Banco comprou a vários membros da família Canas um terreno de 4 608m2, junto à Avenida de Berna, correspondendo a uma parcela da Quinta do Canas (ou Quinta do Rego) na antiga Rua das Cangalhas, pelo valor de 756.000$00. O espaço destinado à igreja ficaria assim circunscrito pela Avenida Marquês de Tomar a nascente, Avenida de Berna a norte, Avenida Poeta Mistral a poente e pelos restantes terrenos desta quinta a sul76
Por último, o Banco transferiu para a Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada Progresso de Portugal a obrigatoriedade da construção no prazo de três anos de uma nova igreja, que estava orçamentada em 7.867.430$00 (retirados do valor pago pela compra da igreja)77. Metade dessa importância foi entregue pela instituição à Sociedade Progresso de Portugal no momento da assinatura desta terceira escritura, ficando estabelecido que os restantes 50 % seriam pagos em três prestações (as duas primeiras correspondendo a 16% do valor total orçamentado e a última de 18%). Ou seja, todos os procedimentos inerentes à construção da igreja, que no acordo de venda do imóvel tinham sido atribuídos ao Banco de Portugal, foram transferidos para a Sociedade Progresso de Portugal. Outorgaram a escritura Inocêncio Camacho, Governador do Banco de Portugal, e Abel Pereira de Andrade, professor de Direito e presidente da Sociedade, sendo testemunhas os dois cónegos do Patriarcado 78
Estudo de um bosque ou parque florestal aberto. Plano Geral de Melhoramentos da Capital. 29.12.1903
AML – Arquivo Histórico
Corte
O projeto
De acordo com o Programa e Memória Descritiva apensos à escritura, o novo edifício compreenderia as instalações da igreja, com todos os anexos necessários, as residências do pároco e do sacristão e as dependências para o funcionamento da Irmandade. O novo edifício teria que considerar, para além do altar-mor, vários altares, batistério, torre sineira, sacristia, gabinete do pároco e espaços de arrecadação. Integradas no mesmo conjunto ou em edifícios anexos, seriam ainda consideradas áreas destinadas à residência do pároco e do sacristão, respetivamente com 100 e 80m2, e às instalações da Irmandade do Santíssimo Sacramento, compreendendo uma zona de arquivo e secretaria com cerca de 20m2, uma sala de sessões da Mesa da Irmandade, com cerca de 30m2, e uma sala de conferências com 100m2 . O mesmo documento indicava ainda que o novo templo apresentaria uma “arquitectura (…) sóbria, simples, bem executada e caracterizada por pronunciada tendência do progresso artístico”79 .
AML: obra n.º 47105; vol. 1, p. 108
Pretendia-se, pois, edificar uma igreja que refletisse uma linguagem arquitetónica de características modernas, de acordo com as próprias aspirações do cardeal-patriarca de Lisboa, que estava verdadeiramente empenhado na sua construção e que fez questão de acompanhar todo o processo desde o início. Na sua perspetiva, a arte moderna permitiria transmitir o sentimento cristão dos novos tempos. Uma posição que, em 1938, no contexto da polémica surgida por ocasião da inauguração do novo edifício, fez questão de afirmar, referindo que “[A] Igreja dos nossos dias, devia traduzir, em quanto lho permitisse o caracter sacro e a finalidade cultural, as expressões da técnica e da arte contemporâneas. (…) Os que estão afeitos à arte falsa de tanto arrebique de estuque das nossas igrejas do século XVIII, acharão talvez demasiado nua a nova igreja. (…) O excessivo rebuscado do pormenor como o exagerado acumular da decoração podem encobrir ausência de inspiração ou abafar a eloquência das linhas. Não negamos o risco de cair, com princípios de simplicidade e sinceridade, em alguma coisa de trivial. Mas acostumamo-nos a ver a essência da arte, com o Mestre do pensamento católico São Tomás de Aquino, no «esplendor da verdade».”80
INTERIOR
A galilé apresenta cobertura forrada por tesselas brancas, cinzentas e rosa, mostrando, ao centro, um círculo escavado, pintado a azul, que sugere o firmamento. No interior, a representação do sol e de várias ovelhas e cordeiros, evocam o milagre ocorrido no dia 13 de outubro de 1917, na Cova da Iria. O conjunto é da autoria de Almada Negreiros.
O acesso ao templo é feito através do portal axial, de verga reta, e de duas portas laterais, com idêntico perfil, que dão entrada para dois pequenos vestíbulos de planta quadrangular, com tetos planos, iluminados por vitrais com a representação de contas do rosário que, tal como todos os outros, são da autoria de Almada Negreiros.
A igreja apresenta pavimento em cantaria de calcário, com parquet na área dos bancos da assembleia dos fiéis. As paredes são também revestidas a cantaria no registo inferior e pintadas a branco nas zonas superiores. O interior é composto por três naves com oito tramos, separados por amplos pilares, sobre os quais descarregam arcos de perfil apontado, que correspondem aos contrafortes exteriores. Os topos da nave central são ocupados, respetivamente, pelo coro-alto e pela abside ou capela-mor.
Obras de Arte da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Planta esquemática
Joana Cintra Gomes, 2022
A. Vitral (Calvário)
B. Vitral (Nossa Senhora da Piedade) C. Retábulo (Ressurreição de Lázaro) D. Vitral (Expulsão de Adão e Eva do Paraíso) E. Vitrais (Cascatas) F. Crucifixo G. Estátua de Nossa Senhora de Fátima H. Representação Simbólica dos Quatro Evangelistas I. Altar-Mor J. Cibório com Sacrário K. Frescos ( Coroação de Nossa Senhora da Glória Celeste Santo e Santos Portugueses) L. Via Sacra M. Vitral (Santíssima Trindade) N. Vitrais com 10 Invocações da Virgem N1. Nossa Senhora das Dores N2. Nossa Senhora do Carmo N3. Imaculada Conceição N4. Nossa Senhora do Rosário N5. Estrela do Mar N6. Senhora do Povo N7. Rainha dos Cristãos N8. Nossa Senhora da Natividade N9. Rainha dos Apóstolos N10. Nossa Senhora de Fátima O. Vitrais com Representação de Anjos P. Arco do Prebistério Q. Arco da Capela-Mor
No primeiro tramo, do lado do Evangelho, encontra-se a capela de Nossa Senhora da Piedade, primitiva casa mortuária. O espaço é iluminado por dois vitrais: um com cena do Calvário e outro mostrando a Virgem com o coração trespassado por sete espadas, segurando Cristo morto nos braços, numa clara referência à vitória sobre a morte, através do seu sacrifício redentor. No interior, pontua um retábulo com baixo-relevo em mármore da autoria de Leopoldo de Almeida, marcado por assinalável academismo, representando a Ressurreição de Lázaro 103. Este tema, em óbvia associação às funções para as quais a capela se encontrava destinada, veicula uma mensagem de esperança na vida eterna.
Do lado da Epístola, uma escada de dois lanços dá acesso ao batistério, a uma cota mais baixa que o pavimento da igreja, integralmente concebido por José de Almada Negreiros (portão; mosaicos; vitrais e pinturas). Junto à entrada, encontra-se um vitral alusivo à expulsão de Adão e Eva do Paraíso, na sequência da desobediência a Deus, temática simbolicamente associada ao local, uma vez que, segundo a doutrina cristã, apenas através do batismo, se poderá efetuar a remissão do pecado original.