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CULTURA EM REVISTA R$ 14,90
NUNO RAMOS FIÇÃO PODERES
MARIANA LIMA
NA PEÇA PTERODÁTILOS
FILME SIMONAL NINGUÉM SABE O DURO QUE DEI
FRIDA KAHLO SANGUE E CORES VIVAS NA SUA BIOGRAFIA R$14,90
ANO 1 NO 01 MAIO 2011
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Revista Aplauso
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Bruno Miranda
Divulgação
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Nickolas Muray
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FRIDA KAHLO Frida on White Bench, New York 1939
MARIANA LIMA nos bastidores da peça Pterodátilos
5.
Editorial
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Carta dos leitores
8.
MARIANA LIMA Devolta da vertigem na peça Pterodátilos
1O.
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CRÍTICA O homem que fatiava prédios. Exposição Desfazer o Espaço de Gordon Matta-Clark.
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Melhores exposições do mês
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WILSON SIMONAL o ídolo linchado no filme Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei
CRÍTICA Sacha que amava Sacha na peça Oxigênio
20 11.
Os melhores spetáculos do mês
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FRIDA KAHLO Sangue em cores vivas na biografia de Frida Kahlo e Diego Rivera
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CRÍTICA Luto sem lágrimas no filme Reencontrando a Felicidade. Os melhores filmes do mês Nuno Ramos: Poderes
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EDITORIAL
SOB A INSPIRAÇÃO DE FRIDA KAHLO A revista APLAUSO originou - se do anseio de divulgar e celebrar o que há de melhor no teatro, artes plásticas e cinema. Não se limita em ser apenas um guia. Tem a missão de noticiar o que acontece de mais relevante na área artística do país. A revista utiliza de fatos da agenda cultural para colocar grandes reportagens destaque, desta forma artistas e acadêmicos podem compartilhar suas visões particulares com os leitores. Seus leitores são jovens e adultos que, traz consigo o gosto e o desejo pelas manifestações culturais. A escolha de um ícone artístico, como Frida Kahlo, para a capa da resume toda a essência da revista. Frida uma mulher contemporânea, a frente do seu tempo, que viveu de forma intensa, apesar de com suas limitações não se deixou abater. Conseguiu modificar seu mundo e vivê-lo de maneira plena. Nada mais bonito que o seu amor pelo México e pela arte. O uso de muitas cores no seu trabalho representava, também os países latino americanos. Assim como a Frida, a APLAUSO é contemporânea, valoriza as manifestações culturais e artísticas é movida por uma essência de pesamentos, criatividade, e verdade dos fatos. Por ser uma revisa contemporânea, nada mais adequado que a utilização de fontes sem serifa para título (Helvética) e texto (Corbel), um grid de colunas em número ímpar, pois sempre sobrará uma coluna em branco que, de certa forma, deixa a página mais limpa e organizada.
Ana Carolina Ferrari diretora de redação ca_ferrari28@yahoo.com.br
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CARTAS
Fundador: ANA CAROLINA FERRARI (1989 - ) Editor: Ana Carolina Ferrari Presidente Executivo: Ana Carolina Ferrari Conselho Editorial: Ana Carolina Ferrari (Aluna), Maria Helena (Professora), Regina (Professora) Diretor de Assinaturas: Fernando Costa Diretor Digital: Manoel Lemos Diretor Financeiro e Administrativo: Fábio d’Avila Carvalho Diretora Geral de Publicidade: Thais Chede Soares Diretor Geral de Publicidade Adjunto: Rogerio Gabriel Comprido Diretora de Recursos Humanos: Paula Traldi Diretor de Serviços Editoriais: Alfredo Ogawa Diretora Superintendente: Claudia Giudice Diretor de Núcleo: Felix Fassone
DESCOBERTAS NO MUNDO DA DANÇA Leitores comentam o ensaio fotográfico sobre a companhia de Pina Bausch
Diretor de Redação: Ana Carolina Ferrari
Diretor de Arte: Ana Carolina Ferrari Editores-Seniores: Ana Carolina Ferrari Editora: Ana Carolina Ferrari Editores-Assistentes: Maria Helena e Regina Editora de Fotografia: Valéria Mendonça Repórter: Barbara Heckler e Nina Rahe Designer:Marilia Ferrari e Thiago Bolotta Estagiários:Anna Rachel Ferreira, Jeferson Peres, Júlia Contrucci, Dann Thomas (Web) e Denise Yui (Arte) Assistente Administrativa: Renata Grande Garcia CTI: Eduardo Blanco (supervisor), Aldo Teixeira, Alexandre Fortunato, Cristina Negreiros, Fernando Batista, Leandro Alves, Luciano Custódio, Marcelo Tavares, Marcos Medeiros, Mario Vianna; Rogério da Veiga Colaboradores: Maria Augusta Zanon Desajacomo, Hugo Ferrari Junior, Diogo Ferari, Ayako Matsuda, Maria Helena, Regina.Ana Ottoni, André Albert, Bruno Moreschi, Carlos Messias, Cristiane Costa, Daniel Benevides, Daryan Dornelles, Debora Ghivelder, Eduardo Simoes, Gabriela Mellao, Helio Ponciano, Joca Reiners Terron, José Flávio Júnior, Juliana Guarany (checagem e revisao), Mayra Soares, Nati Canto, Neusa Barbosa, Paula Nadal, Paulo Roberto Pires, Sandra Javera, Sean Mackaoui
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Cena da coreografia Ten Chi, de Pina Bausch. “A cultura incentiva cultura”
PINA BAUSCH O que me motivou a escrever foi a experiência de passar por várias descobertas enquanto lia no site da revista. Há poucos dias numa livraria em São Paulo, me deparei com o livreto de fotos de Wim Weanders. Pasmem muitos dos cultos leitores de APLAUSO, nunca tinha ouvido falar deste nome. Fui pesquisar mais sobre o autor na internet. Descobri a dimensão do legado do artista, fazendo associações com algu-
mas obras possivelmente mais conhecdidas - pelo menos para mim, que sou mais ligado á música-, como Buena Vista Social Club. Eis que nesta edição me deparo novamente com Win Wenders e com Pina, seção Teatro e Dança. Algo que, em outro momento, provavelmente, passaria despercebido. A cultura incentiva a cultura, cada descoberta facilita outra. Descobri isso hoje. Parabéns pela revista. Denis Zaniscoff, São Paulo, SP
Envie cartas ou e-mails para esta seção com o nome completo, RG, endereço telefone. A correspondências devem ser endereçadas á Seção Cartas , r. Caetano Mirabelli, 43, CEP 13564-210, São Carlos -SP. Os e-mails a ca_ferrari28@yahoo.com.br
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Marilana Lima no cenário de Pterodátilos. Para viver uma alcoólatra viciada em remédios, ela não precisou tomar as dozes ingeridas personagem
DE VOLTA DA VERTIGEM POR MANUELA SWAITZKI
A atriz Mariana Lima já presenciou estupros e rebelião, em “Pterodátilos“, ela celebra uma nova fase, longe de situações limite
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Grace e Mariana são mães de família. Grace mora nos Estados Unidos, tem cerca de 50 anos, já fez várias plásticas e, entre uma dose de anfetamina e outra de uísque, dá conselhos para que sua filha adolescente tenha muitas relações sexuais. Mariana mora no Brasil, tem 38 anos, faz exercícios e cuida carinhosamente de suas duas filhas. Aparentemente, uma não tem nada a ver Revista Aplauso
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com a outra. Mas, no palco do Teatro Faap, em São Paulo, as duas viram uma só. Pela interpretação da dona de casa alcoólatra na peça Pterodátilos, de autoria do norte-americano Nick Silver e dirigida por Felipe Hirsch. Em se tratando de teatro, pode parecer óbvio que a atriz só vire a personagem no palco, e não fora dele. Mas não é, no caso de Mariana, que ao longo
TEATRO & DANÇA de sua carreira trabalhou em grupos que exigiram imersão intensa nos papéis. Embora tal método rendesse bons frutos ao teatro, trouxe danos à saúde física e mental de Mariana. A experiência mais marcante que viveu foi ao longo dos sete anos em que integrou o grupo Teatro da Vertigem, fundado e dirigido por Antonio Araújo. “Eu estava desestabilizada, mas crescendo como atriz. O Antonio leva o ator aonde ele quiser. O problema é voltar”, diz Sua primeira peça na companhia de Araújo foi O Livro de Jó, em que ela foi a esposa do protagonista vivido por Matheus Nachtergaele. Em seguida viria Apocalipse 1,11, uma leitura de Araújo e do escritor Fernando Bonassi sobre o último livro da Bíblia, que estreou em São Paulo em 2000. A peça se debruçava sobre a experiência de João, um retirante nordestino que chega à cidade que reúne todos os
NO VIOLENTO JULGAMENTO DE SE SUA PERSONAGEM, MARIANA ERA AMARRADA E UM ATOR URINAVA SOBRE SEUS PÉS. “FIQUEI ACABADA. ERA UM TRAPO HUMANO”
PAULA PERRIER
pecados e vícios, Babilônia. Mariana interpretava uma prostituta soropositiva. Para absorver a nova atmosfera, foi colher impressões no submundo paulistano. Mariana fez uma ronda nos prostíbulos mais barra pesada de São Paulo. Viu mulheres serem praticamente estupradas, fazendo sexo com muitos homens ao mesmo tempo. “É claro que isso me afetou muito. Uma mulher da classe média paulistana que tinha contato com essas realidades apenas por meio da literatura ou do jornalismo”, diz Mariana. RATOS E CAMISA DE FORÇA Com improvisações baseadas nas experiências foi urdido o espetáculo, que levou Mariana a situações-limite. Em um dos momentos de Apocalipse 1,11, no violento julgamento de sua personagem, era submetida a jatos de água de mangueira de bombeiro, amarrada em camisa de força e agredida.A peça acontecia em prisões, ambientes naturalmente sujos, e com policiais de verdade que cruzavam as cenas. Na ausência de camarins, o
banho foi compartilhado com ratos. Isso desencadeou uma alergia crônica na atriz, que ficava com os pés em carne viva. “Era um lugar muito, muito sujo. Eu fiquei doente, acabada. Era um trapo humano”, lembra a atriz. A experiência foi psicologicamente brutal. “Eu queria ter disposição para me aniquilar e começar tudo outra vez. Mas eu não tinha tanta estrutura assim. Talvez ninguém tenha.” Na época, ela já estava namorando seu atual marido, Enrique Diaz, o Kike, que conhecera durante as filmagens do longa Kenoma, de Eliane Caffé. O “plano saúde” para sair do buraco em que se meteu combinava remédios, análise, trabalhos com outros profissionais e Kike, que na “reabilitação” de Mariana foi de importância fundamental não apenas como companheiro na vida pessoal mas também como diretor. Ele conduziu a atriz na construção do elogiado monólogo A Paixão Segundo G.H., baseado no romance homônimo de Clarice Lispector. A partir daí, ela aprendeu a criar uma distância segura entre atriz e personagem, o procedimento altamente sofisticado de dar um passo atrás e conseguir dizer: ‘Essa é a personagem, essa é a atriz’.” diz Mariana. Claro que as experiências que viveu anteriormente ajudaram na composição da personagem Grace, de Pterodátilos. “Ela não tinha um mês e meio de preparação. Ela estava se preparando havia mais de 20 anos”, diz o diretor Felipe Hirsch. Mas a atriz não precisou tomar todas as pílulas e garrafas de uísque que sua personagem consome. Em vez disso, para compor o personagem, passou a observar as Graces que estão entre nós - como uma senhora que encontrou na sala de espera de um consultório, com seu jeito próprio de segurar a bolsa e andar. Hoje, Mariana vê a sua arte de um jeito diferente. Ela resume: “A dedicação que eu tenho pelo meu trabalho tem a ver com amor. Eu aprendi um novo jeito de amar. Uma coisa é amar e se jogar numa pira de fogo pelo seu amante. Outra é amar e construir alguma coisa com ele” S
ONDE E QUANDO Pterodátilos. Direção de Felipe Hirsch. Com Mariana Lima, Teatro Faap (R. Alagoas, 903, SP, tel. 011 /3662-7233 sáb. às 21h; dom. às 18h. Até dia 29.
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TEATRO & DANÇA
O Ator Rodrigo Balzan interpreta Sacha em Oxigênio. A peça intercala falas em volume alto com rock tocado ao vivo.
CRÍTICA
SACHA QUE AMAVA SACHA Um crime passional é o tema de Oxigênio, nova peça da premiada Companhia Brasileira de Teatro. Como sempre, a trupe se aproxima do texto e consegue um belo resultado POR DANIEL SCHENKER Se você pegar uma pá e bater no peito de um homem na altura dos pulmões, as danças param. Os pulmões não dançam mais, o oxigênio não chega.” Com essa pancada começa Oxigênio, novo espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro, em cartaz no Rio de Janeiro. Quem descreve o golpe é Sacha, o protagonista, que assassina sua esposa justamente com uma pá porque se apaixonou por outra mulher, uma garota também chamada Sacha. O crime passional é o ponto de partida para a nova encenação do grupo curitibano, “apropriam-se” de textos, em vez de apenas encená-los em moldes Revista Aplauso
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convencionais. A criação de uma dramaturgia autônoma partiu dessa vez do autor russo, originário da Sibéria e inédito no Brasil, Ivan Viripaev. Kislorod. Mais do que outros textos levados ao palco pelo grupo, Oxigênio estimula no espectador a impressão de estar ouvindo falas “pessoais” Há a nítida intenção de Marcio Abreu em quebrar com o tom tradicional de representação. As falas são ditas em volume mais alto que o necessário - às vezes, com microfones e intercaladas por melodias de rock tocadas ao vivo nos dez “cantos” de que é formado o texto, inspirados em um provérbio bíblico. O ator Ro-
drigo Bolzan, o Sacha, se adapta melhor a esse tom contundente que Patrícia Kamis, a Sacha. Mas a atriz ganha força no ápice do conflito. Apresentada sobre um plano inclinado, que no fim da encenação revela uma concepção cenográfica surpreendente.S DANIEL SCHENKER é jornalista e crótico de teatro. A PEÇA Oxigênio, De Ivan Viripaev. Dir. de Marcio Aberu. Com Rodrigo Bolzan.Sesc Copacabana (r. Domingos Ferreira, 160, RJ, tel 021/2548-1088). De 12 a 29/5. 6ª e sáb., às 21h30. De R$ 4 a R$ 16.
TEATRO & DANÇA
OS MELHORES ESPETÁCULOS NA SELEÇÃO APLAUSO
DEUS DA CARNEFICINA, UMA COMÉDIA SEM JUIZO De Yasmina Reza. Direção de Emílio Mello. Com Paulo Betti (foto), Julia Lemmertz e outros
LUIS ANTÔNO - GABRIELA De Nelson Naskerville e Verônica Gentilin. Direção de Baskerville. Com Cia Mungunzá: Marcos Felipe (foto), Lucas Beda e outros.
LIMPE TODO O SANGUE ANTES QUE MANCHE O CARPETE De Jô Bilac. Direção de Eric Lenate. Com Ed Moraes (foto), Luna Martinelli, Mariah Teixeira e outros.
O espetáculo: Apresensenta o embate entre dois casais aparentemente civilizados. Eles se encontram para resolver um invidente envolvendo seus filhos pequenos: um deles quebrou dois dentes do outro numa briga.
O espetáculo: Baseado na história real de um irmão travesti que viveu décadas na Espanha e de quem tem notícias em 2002, o diretor assume ponto de vista seu e de uma irmã para narrar os momentos sombrios e de belezas.
O espetáculo: .Percorre a filosofia de vida e o cotidiano comezinho de quatro personagens distintos, ávidos pelo sucesso pessoal, custe o que custar, e sujeitos aos seus desejos, frustações, medos e ansiedades
Por que ir: Vencedora de três premios Tony em 2009, na Broadway (melhor espetáculo, e direção), a obra chega a São Paulo na montagem indicada ao prêmio Shell por direção e atuação para Betti.
Por que ir: Para conferir o apuro formal de Baskerville na segunda peça de seu grupo. Ele valoriza as artes performáticas em corpo som e imagem. E tem a cumplicidade do elenco nesta viagem.
Por que ir: É a primeira montagem paulista de um texto do autor carioca, expoente a atual geração, o mesmo de Rebú e Savana Glacial, marca ainda o nascimento da Cia. dos Inquietos.
Preste atenção: A célebre autora argelina radicada na França Reza busca revelar o que aparece quando o verniz social se quebra e a polidez cicilizada dá lugar a um campo de batalha.
Preste atenção: Na atuação desafetada de Marcos Felipe ao transitar pelos gêneros. E nas telas pintadas por Tiago Hatter, que tomam o cenário na visita dos irmãos ao museu de Bilbao.
Preste atenção: Em como os quatro intérpretes, vindos de outros grupos de São Paulo, empregam intencionalmente um acento humorístico caricatural no corpo e na voz dos personagens.
Onde: Teatro Vivo (Av. Churcri Zidan, 860, Morumbi, São Paulo, tel. 011/7420-1520). Quando: 6a, ás 21h30; sáb., 21h; dom., ás 19h. Até 19/06. R$ 50 a R$ 70.
Onde: Galpão das folias (r. Ana Cintra, 213, Santa Cecília, São Paulo, tel. 011/ 3361-2223). Quando: 5a a sáb., 21h; dom., ás 19h. Até 17/06. R$ 10 a R$ 30.
Onde: Sesc Consolação - Espaço Beta (r. Dr. Vila Nova, 245, República, São Paulo, tel. 011/ 32343000). Quando: 5a e 6a, ás 21h. Até 17/05. R$ 2,50 a R$ 10.
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ARTES PLĂ STICAS
COMO UMA DEUSA Fida em 1939, na frente da Casa Azul, onde morou, na Cidade do MĂŠxico. A artista enfeitavase para Diego e o excesso de joias escondia as cicatrizes do acidente sofrido aos 18 anos de idade
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SANGUE E CORES VIVAS POR GISELE KATO
Uma biografia e um livro de fotos mostram como a mexicana Frida Kahlo beneficiou-se de sua vida intensa para se firmar como uma das maiores artistas do século 20
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ois fortes episódios marcam a vida - e a obra - da pintora mexicana Frida Kahlo (19071954). O primeiro ocorreu no dia 17 de setembro de 1925. Foi nessa data que ela, então com 18 anos, subiu em um ônibus com o namorado na época, Alejandro Gómez Arias, e sofreu um terrível acidente. Um bonde em alta velocidade chocou-se contra o ônibus. A jovem teve a coluna fraturada em três partes na região lombar, o colo do fêmur rompido, a perna direita quebrada em onze lugares, o pé direito esmagado, o ombro esquerdo deslocado. Um dos corrimões do ônibus atravessou seu ventre e saiu por sua vagina (mais tarde, ela brincaria que foi assim que perdeu a virgindade). O segundo acontecimento deu-se quatro anos mais tarde, em agosto de 1929 - seu casamento com o também pintor Diego Rivera (1886-1957). Diego,
já famosíssimo, era alto, gordo, exagerado em todos os sentidos. Um médico certa vez atribui-lhe um diagnóstico dos mais convenientes: a fidelidade não lhe era compatível. Pois ele tratou de viver segundo esse princípio para o resto da vida. Frida Kahlo, a artista, nasceu desses dois momentos. O próprio fato de pintar foi consequência direta do acidente: a mãe de Frida, Matilde, mandou instalar uma espécie de dossel em cima da cama da filha convalescente, com um espelho para que ela pudesse se ver e se fazer de modelo. Já a união com Diego proporcionou-lhe uma rotina cheia de altos e baixos, o que foi, em certo sentido, a matériaprima de boa parte de sua produção. Dois lançamentos editoriais trazem, neste mês, novas luzes sobre a obra da pintora. Um deles é Diego e Frida, biografia do casal escrita pelo au
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ARTES PLÁSTICAS tor francês Jean-Marie Gustave Le-Clézio, prêmio Nobel de Literatura em 2008. O outro, Frida Kahlo, Suas Fotos, reúne cerca de 400 imagens inéditas do acervo pessoal da artista. Trata-se de fotografias que até 2004, por determinação do próprio Diego, permaneciam trancadas em um dos banheiros da Casa Azul, na Cidade do México, onde o casal morou e hoje funciona o Museu Frida Kahlo. O livro de Le-Clézio retrata de maneira vibrante o tumultuado cotidiano do casal, e a influência que Diego teve em várias das obras de sua mulher. Por exemplo: foi por conta de uma traição - o muralista mexicano teve um caso com uma irmã da pintora, Cristina - que Frida elaborou um de seus quadros mais famosos, As Duas Fridas. Nele, sentada em um banco, a artista mostrase com seu duplo. A imagem da esquerda usa um vestido branco e traz o coração aberto, sangrando. Está de mãos dadas com a da direita que, vestida com o traje típico do México, revela-se mais forte e corajosa, e segura um medalhão com a foto do casal. Já a compilação de fotos oferece cenas típicas de álbum de família, algumas com intervenções feitas por Frida, como marcas de batom e recortes. É mais uma prova do jeito passional com que a pintora lidava com os fatos do dia-a-dia. Biografia e fotos, assim juntos, reforçam a maneira O que a Água me Deu, de 1938. Boiando sobre a água estão elementos fortes, como a própria pintora estrangulada e o Empire State Building em chamas. A exibição de seus sentimentos valorizou a sua obra depois que a história da arte passou a considerar não só a produção, mas também a biografia dos artistas. Revista Aplauso
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“PINTO A MIM MESMA PORQUE SOU O ASSUNTO QUE CONHEÇO MELHOR”. intensa com que sua vida e sua obra se entrelaçam. Como ela mesma dizia, no que acabou virando uma de suas frases mais famosas: “Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor”. VIVA LA VIDA Cinquenta e seis anos depois de sua morte, Frida transcende sua dor e sua excentricidade. Suas pequenas pinturas (em tamanho: em média 40 x 40 cm, e
em quantidade: não passam de 200), tão densas, tristes e difíceis de serem comercializadas no passado - a única grande venda que ela fez na vida foram quatro telas para o ator americano Edward G. Robinson, em 1938 hoje têm destaque em acervos importantes como o do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, e batem recordes em leilões internacionais. Em 2006, a obra Raízes, de 1943, foi arrematada na Sotheby’s de Nova
ARTES PLÁSTICAS À esquerda As Duas Fridas, tela de 1939. Frida pintou o quadro logo depois de assinar o divórcio com o Diego. De um lado, ela aparece com um vestido branco e o coração sangrando. Do outro, com traje típico mexicano, surge corajosa
York por 5,6 milhões de dólares, não só o valor mais alto pago por um trabalho da artista como o mais alto já atribuído à produção latino-americana. Telas de Frida Kahlo estampam cartões postais, camisetas, pôsteres e broches ao redor do mundo. Em 1997, o estilista francês Jean Paul Gaultier desenhou toda a sua coleção de verão inspirada no legado da mexicana. Em 2001, os Estados Unidos lançaram um selo de 34 cents com um autorretrato seu, marcando a primeira vez que uma personalidade
da água. Boiando também na água figuram elementos-chave para o acesso aos mais íntimos pensamentos da artista naquele momento. Aparecem o vestido típico mexicano, o Empire State Building sob chamas (a experiência nos Estados Unidos agradou muito a Diego mas não a Frida), seus pais escondidos sob plantas tropicais. No centro do quadro, vê-se a própria artista. Estrangulada. A composição é tida como uma das mais surrealistas de seu legado e, de fato, logo depois de terminá-la, a pintora foi
ELA NUNCA ALIOU-SE A VANGUARDA QUE DEFENDIA A EXPRESSÃO DO INCOSCIENTE. “JAMAIS PINTEI OS MEUS SONHOS. PINTO A MINHA REALIDADE” latina recebia tal homenagem. Até Hollywood já se rendeu à biografia agridoce da pintora e em 2002 engrossou as sobrancelhas e o buço da atriz Salma Hayek para o desejado papel de protagonista. Em 2008, a banda inglesa Coldplay apresentou o disco Viva la Vida, título tirado de um quadro de Frida. A arte, para Frida, viraria logo um artifício de sobrevivência. E um jeito para ela desabafar. De certa forma, sua vida toda está contada em suas telas. O que a Água me Deu, de 1938, é um bom exemplo disso. A obra oferece a perspectiva de Frida deitada em uma banheira e seus pés (o direito com a cicatriz deixada pelo acidente) emergem
convidada pelo escritor francês André Breton (1896-1966) para integrar o movimento surrealista. Frida chegou a viajar para Paris em 1939, mas nunca aceitou aliar-se à vanguarda que defendia a expressão do inconsciente: “Jamais pintei meus sonhos. Pinto a minha realidade.” O muralista Diego Rivera, por sua vez, não cresceu depois de sua morte. Ele está, claro, nos acervos dos grandes museus do mundo e tem o nome assegurado como protagonista do muralismo mexicano. “Rivera tinha uma importância política, mas vistos hoje, acho que muitos de seus murais não são tão arrebatadores assim. Já a pintura de Frida é absolutamente única”, diz a críti-
ca de arte e curadora Maria Alice Milliet. O crítico Tadeu Chiarelli não se sente confortável em estabelecer qualquer tipo de comparação entre eles: “Se a obra de Rivera está conectada com o lado da arte engajada politicamente, transformando-o num dos principais ícones dessa corrente, a de Frida vincula-se aos artistas que desenvolveram verdadeiras mitologias individuais”. Sua história pessoal é tão forte que há até quem a veja como uma pintora menor do que suas vivências. O muralista Diego Rivera, por sua vez, não cresceu depois de sua morte. Ele está, claro, nos acervos dos grandes museus do mundo e tem o nome assegurado como protagonista do muralismo mexicano. S SERVIÇO Diego e Frida, de Jean-Marie Gustave Le -Clézio. Ed. Record, 240p., R$ 39,90. Frida Kahlo, Suas Fotos. Org. Pablo Ortiz Monasterio,Ed.Cosac Naify, 524 p., R$ 120.
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ARTES PLÁSTICAS
Gordon Matta-Clark corta o teto de uma construção. Com ações radicais, ele já chamava atenção para a questão da sustentabilidade
CRÍTICA
O HOMEM QUE FATIAVA PRÉDIOS Uma exposição em São Paulo tem como tema a obra de Gordon Matta-Clark, artista americano que fazia intervenções em edifícios da Nova York dos anos 70. POR GISELE kATO Não é de se estranhar que a obra de Gordon Matta-Clark, (1943-1978) filho do surrealista chielno Roberto Matta ainda permaneça desconhecida para a maioria das pessoas. Primeiro porque, formado em arquitetura, o americano nunca chegou a de fato erguer prédios. As informações adquiridas na faculdade, no entanto, foram fundamentais para o que ele decidiu fazer nos dez anos seguintes da carreira: dirigir um olhar crítico ao próprio exercício da arquitetura. Grande parte de sua produção se constitui de intervenções. Em uma delas, Splitting, o artista literalmente fatiou ao meio uma casa na periferia de Nova York. Assim, Revista Aplauso
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a exposição Gordon Matta-Clark: Desfazer o Espaço, em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo, compõe-se principalmente de fotografias e vídeos que documentam suas ações.Diante das fotografias é impossível admirar a ousadia de Matta - Clark Um dos motivos pelos quais vale a pena revisitar a obra do artista é que, ainda nos anos 70, ele perseguiu uma ideia que se tornaria hegemônica muito tempo mais tarde, e que pode ser resumida numa palavra: sustentabilidade. Em uma Nova York já repleta de espaços abandonados, muitos condenados à demolição, Matta-Clark surgia com propostas de reciclagem, como em sua
Garbage Wall (Parede de Lixo), de 1970.Apesar de se constituir principalmente de fotografias e vídeos, a retrospectiva não vira um daqueles programas enfadonhos, com muita coisa para se ler e pouco para se ver de verdade. Até o Muro de Berlim ele chegou a pensar em perfurar, mas amigos convenceram-no limitar a provocação apenas com colagens e grafites S. A EXPOSIÇÃO Gordon Matta-Clark: Desfazer o Espaço. Museu de Arte Moderna de São Paulo (Parque do Ibirapuera, portão 3, São Paulo, tel. 0++/11/5085-1300). Até 4/4. De 3ª a dom., das 10h às 18h. R$ 5,50.
ARTES PLÁSTICAS
AS MELHORES EXPOSIÇÕES NA SELEÇÃO APLAUSO
ANTHONY MACCALL Line Describing a Cone, 1973 (detalhe)
2892 Mil, 2010 (detalhe) Daniel Senise
ANTÔNIO MALUF Cartaz da 1o Bienal Internacional de São Paulo, 1951
Trata-se de: Primeira individual no Brasil de Anthony MacCall com 11 vídeos e instalações. O britânico, radicado no Estados Unidos, é conhecido por suas montagens com luzes em ambientes escuros.
Trata-se de: Individual com quatro conjuntos de obra do carioca Daniel Senise, As peças ocupam inclusive o cofre da Casa da França no Brasil, que abriga Crucifixão, com páginas de um livro de arte..
Trata-se de: Mostra com 60 pinturas e colagens do paulistano Antônio Maluf, um dos pioneiros do concretismo no Brasil. A seleção contempla um extenso panorama dos anos 50 até 2005.
Importância: Anthony MacCall foi selecionado pelo governo inglês para criar uma gigantesca coluna de luzes em Londres que poderá ser vista a de 100km de dlstância durante o ano de 2012 .
Importância: O artista apresenta duas obras inéditas. Uma delas dá o nome a mostra: trata-se de uma instalação com lenções utilizados por 2.892 pessoas do Instituto Nacional do Câmcer.
Importância: Para entender o concretismo no Brasil, é imprescindível olhar para a vasta produção de Maluf. Seus trabalhos não se restringiram a quadros. O designer criou cartazes, tecidos,etc.
Preste atenção: Em Line Describing a Cone, intalação mais conhecida do artista, em que o público acompanha o movimento de raio de luz numa sala escura. A obra é apresentada em 16mm.
Preste atenção: Como Senise se apropria de materiais ligados ao mundo da história. A série Mil, por exemplo, é um conjunto de tijolos feitos com convites e catálogos de exposições.
Preste atenção: No cartaz da 1a Bienal Internacional de São Paulo, criado em 1951 por Maluf e uma das raridades da mostra. O es triangulos em direção ao centro é um marco do design gráfico.
Onde: Luciana Brito Galeria (r. Gomes de Carvalho, 842, Vila Olímpia, SP, tel. 011/38420634. Quando: 10/05 a 18/06. De 3a.a sab.,das 10 ás 19h. Grátis.
Onde: Casa França-Brasil (r.Visconde de Itaboraí, 78, Centro, RJ, 011/233205120) Quando: 7/5 a 10/07. De 3a.a dom., das 10h ás 20h. Grátis.
Onde: Galeria Berenice Arvani (r. Oscar Freire, 540, Cerqueira césar, São Paulo. tel. 11/3099-2843 Quando: De 5/5 até 10/6 . De 2a a 6a , das 10h ás 19h30. Grátis. 06/2011
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CINEMA
O ÍDOLO
LINCHADO POR ANDRÉ NIGRI
O filme Simonal : Ninguém Sabe o Duro que Dei joga luz sobre um dos episódios mais cruéis da história brasileira.
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o dia 7 de setembro de 1971, o jornal carioca O Pasquim publicou um dos cartuns mais cruéis da história da imprensa brasileira. No desenho, vêse a mão de um homem com o dedo indicador esticado, apontando para alguém. No texto que acompanha o cartum, lê-se: “Como todos sabem, o dedo de Simonal é hoje muito mais famoso do que sua voz. A propósito: Simonal foi um cantor brasileiro que fez muito sucesso no país ali pelo final da década de 60”. O desenho tem uma pitada de racismo, e o texto, um teor tragicamente profético. Racismo: a mão é negra. Profecia: de 1971 até sua morte, no ano 2000, o cantor Wilson Simonal viveu uma situação ímpar no show business brasileiro. Pelo “crime”, jamais provado, de que teria sido informante da ditadura (daí o dedo do delator desenhado pelo Pasquim), teve o pior castigo que um artista pode sofrer: o ostracismo. As gravadoras, a televisão e as casas de show lhe fecharam as portas. Com a carreira violentamente amputada, Simonal mergulhou na depressão e no alcoolismo. Isso depois de Revista Aplauso
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ele ter se consagrado como o maior artista pop de seu tempo, rivalizando com Roberto Carlos. Nos 29 anos em que o cantor sobreviveu à tragédia pessoal e artística, até sua obra foi esquecida. “Eu não existo na história da música popular brasileira”, costumava dizer à segunda mulher, Sandra Cerqueira. O nome Simonal deixou de evocar suas músicas. A menção a ele em rodas de conversa trazia sempre à tona uma pergunta infalível: afinal, ele delatou mesmo? A melhor resposta já dada a essa questão está no documentário Simonal:Ninguém Sabe o Duro que Dei, dirigido por Claudio Manoel (um dos integrantes do humorístico Casseta & Planeta), Micael Langer e Calvito Leal, que estreia nos cinemas neste mês. A verdade sobre Simonal emerge de uma miríade de depoimentos sensacionais, alguns verdadeiros furos de reportagem, que permitem ao espectador reconstituir com alguma precisão a verdade sobre o cantor. Antes de mergulhar fundo no momento que transformou radicalmente a vida de Simonal, no entanto, o filme se dedica a mapear
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Simonal canta para milhares de poessoas no Anhenbi, em São Paulo, em junho de 1971. Três meses depois o cantor, seria acusado de dedo-duro pelo jornal O Pasquin, num doloroso processo de linchamento moral
“EU NÃO EXISTO NA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA”, COSTUMAVA DIZER SUA MULHER sua trajetória e mostrar a dimensão de seu sucesso. Wilson Simonal de Castro nasceu em uma favela da zona sul do Rio de Janeiro, filho de uma empregada doméstica que trabalhava em residências em Ipanema e no Leblon. Sua vida começou a mudar quando o adolescente que não havia tido a oportunidade de estudar entrou para as Forças Armadas. Lá, descontraía os colegas recrutas cantando. Foi então descoberto pelo produtor musical Carlos Imperial (1939-1992), o mesmo que lançara Roberto Carlos no início da década de 1960. Em poucos anos, Simonal se transformou em um dos cantores mais populares do Brasil, tendo como único rival justamente o “rei” Roberto Carlos. Numa das muitas cenas incríveis do documentário, Simonal aparece cantando para uma plateia de
cerca de 30 mil pessoas no Maracanãzinho, numa época em que cantores só lotavam pequenas boates e teatros. O show fez parte da final do Festival de MPB da TV Record em 1969. O sucesso se devia, em parte, a seu carisma no palco. Simonal, mais do que um cantor, era o que os americanos chamam deentertainer, um showman talentoso e irresistível. Balançando os braços, ele levava a multidão a cantar como um maestro rege seus músicos. Em outra cena antológica do filme, aparece cantando em inglês ao lado de Sarah Vaughan, àquela altura considerada uma das maiores intérpretes do mundo (Simonal não falava inglês). O show fez parte da final do Festival de MPB da TV Record em 1969. O sucesso se devia, em parte, a seu carisma. S O FILME Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal. Estreia prevista este mês.
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CINEMA
Nicole kidman em cena de Reencontrando a Felicidade. Sua personagem foge da dor evitando as lembranças
CRÍTICA
LUTO SEM LÁGRIMAS “Reencontrando a Felicidade“ mantém a fleuma ao falar da dor insuportável da morte de um filho. Cheio de nuances traz uma interpretalção estupenda de Nicole Kidman POR PAULO ROBERTO PIRES Reencontrando a Felicidade, ridículo o título em português de Rabit Hole, presta imenso desserviço ao filme estrelado e cooproduzido por Nicole Kidman. Não é a primeira e nem será a última vez que uma produção estrangeira sofre na mão do destribuidor, mas esse batismo apelativo, que ignora referências á “toca do coelho” de Lewis Carrol, autor de Alice no País das Maravilhas, é particularmente danoso ao bem-sucedido esforço de John Cameron Mitchell e David Lindsay-Abaire, diretor e roteirista, de tratar sem piequice a dor insuportpavel da morte de um filho. Admiravelmente enxuto, Rabit Hole, disseca em uma hora e meia Revista Aplauso
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os espinhosos caminhos do luto. No início da narrativa, a câmera acompanha o cotidiano de Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart) num subúrbio chique de Nova York. Bonito e bem sucedido, o casal vive o desconforto que se revela a poucos, nos detalhes: ambos tentam reerguer-se salvar seu casamento da morte do filho de 4 anos, atropelado na frente de sua bela casa.Em torno do casal , gravitam a irmã e a mãe de Becca (Dianne Wiest) e Jason (Miles Teller), o atropelador, com quem a mão do menino acaba , desenvolvendo uma relação. Rabit Hole, a propósito , é uma graphic novel criada por Jason em que ele tenta pegar a culpa.
O texto, impecável, garante diálogos e persinagens bem acima da média. Tanto esforço de direção e roteiro para nao afogar atores e público em lágrimas faz de Rabit Hole um filme frio e demasiadamente fleumático. Ou seja, tudo o que aqueles que saem de casa para ver um Reencontrando a Felicidade não esperam ou não gostariam de encontrar.S
O FILME Reencontrando a Felicidade, de John Cameron Mitchell. Com Nicole Kidman, Aron Eckhart, Diane Wiest, Miles Teller. Estreia neste mês
CINEMA
OS MELHORES FILMES NA SELEÇÃO APLAUSO
ELVIS E MADONA (Brasil, 2010). 1h45. Comédia.
CAMINHO DA LIBERDADE (The Way Back, EUA, 2000). 2h13. Drama
COMO ARRASAR UM CORAÇÃO (L´Arnacoeur, França/Mônaco, 2010). 1h45. Comédia.
Direção e roteiro: Marcelo e Lffitte. Elenco: Simone.Spoladore, Igor Cotrim (foto), Maitê Proença, José Wilker, Sérgio Bezerra. Maitê Proença, Buzza Ferraz, Wendell Bendelack, Joana Seibel, Aramis Trindade, Pia Manfroni.
Direção Peter Weir. Roteiro: Keith R. Clarke, Peter Weir, baseado na obra de Slavomir Rawicz. Elenco: Jim Sturgess, Collin Farrel, Ed Harris, Soirse Roman (foto), Dragos Burcur, Dejan Angelov
Direção Pascal Chaumeil. Roteiro: Laurent Zeitoun, Jeremy Doner e Yohan Gromb Elenco: Romain Duris, Vanessa Paradis (foto), Julie Ferrier,
Enredo: Madona é um travesti cabelereiro, o Elvis é uma lésbica motoqueira. O destino dos dois se cruza no dia em que Elvis tornase entregadora de pizza e socorre Madona de uma agressão.
Enredo: Prisioneiros de um campo de concentração na Sibéria nos anos 40 escapam e, em pleno inverno fazem extenuante jornada de 4 mil quilômetros, por vários países, em busca da liberdade.
Enredo: Associado a sua irmã e ao cunhado Alex Lippi ganha a vida de um modo bem original: é contratado para romper relacionamentos indesejados. Engajado num novo caso, ele se apaixona.
Porque ver: Pela leveza, ritmo e originalidade desta comédia, prêmio de melhor roteiro no Festival do Rio de 2010 e exibida com sucesso de público no Festival de Tribeca de 2009
Porque ver: Baseado no livro homônimo de memórias de Slavomir Rawicz, o filme do diretor australiano tem força dramática e grandes interpretações do norte -americano. Ed Harris.
Porque ver: Pelo bom ritmo e pela originalidade das situaçõesm demostrando a qualidade do roteiro e a boa química entre o francês Romain Duris (Paris, 2008) e Vanessa Paradis.
Preste atenção: Em Igor Cotrim. que dá um show de interpretação na pele de Madona, uma personagem humana, e cativante que sabe usar seus exageros.
Preste atenção: Em Saoirse Roman de 17 anos, que encarna o papel feminino mostrando-se uma das revelações entre as jovens atrizes norte-americanas.
Preste atenção: Na amiga ninfomaníaca da protagonista, Sophie (Héléna Noguerra), que introduz a confusão a cada investida E na belas paisagens da jornada.
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FICÇÃO INÉDITA
PODERES POR NUNO RAMOS
Duas narrativas do livro “O Mau Vidraceiro”, que a edtitora Globo lança este mês
Única Bastava pegar e a multidão moída, macerada e masculina era imediatamente transformada num homem único, saciado e lavado. A partir de tantos chineses, kaponeses ou croatas, dispersos e misturados, trombando mambetes, na calçada, a partir de carpinteiros, técnicos de som, projetistasm funcionários públicos, filhinhos de papai, professores secundários, donos de lojas, tradutores, frentistas, tratadores de animais, ela compunha um exemplar único de homem desejável, limpo e descansado, pronto para mais. Difícil explicar como conseguia, mas era deusa forte o suficiente para receber algumas notas de dinheiro, olhar nos olhos dos pagantes, levá-los para seus quarto e transformá-lo um a um, em meio as exclamações e gemidos. Era uma noite quente depois que seu último cliente gozou, machucando um pouco sua nuca, deixou-o adormecido no quarto azulado. Escondeu as notas no sutiã e caminhou pela rua. O trânsito começava a zumbir enquanto a manhã nascia. Tinha sede. Olhou o céu coberto por uma gaze fina e pediu chuva. Entrou no boteco que acabara de abrir suas portas de garagem; olhou a xícara de café com leite á sua frente e pediu açúcar. Viu seu rosto refletido no balcão de aço inox e pediu beleza. Era isso o que queria em troca. Uma beleza que fosse dela, que só ela servisse e pertencesse.Uma beleza única. Revista Aplauso
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ILUSTRAÇÃO LUIZA PANNUNZIO
A velha Naquele barraco furado em que poram todos juntos, contam que ele e a mulher do irmão se encontram e se amam no teto da laje, debaixo das estrelas, em cima da sala onde dorme o resto da família. Contam que se amam sem mugir nem gemer, mas longamente. Contam que as folhas tremem com seus gestos e carícias e que o dia nasce diferente depois do amor dos dois cunhados. Mas contam que a mãe da mulher do irmão percebeu o que está acontecendo, em meio ao próprio sono e ao desejo de não saber nada daquilo, meio adormecida sob a laje, contam que percebeu. Então, ao invés de reeprender a filha amrgamente, como deveria fazer, ao invés de contar ao genro que é traído, para que se vingue, como deveria fazer, a velha decidiu cuidar de tudo sozinha. Contam que faz assim: espera que o casal retorne, todas as noites, da laje onde os dois se encontram, e vá cada um para o seu canto. Então se levanta, e, abrindo as pernas sobre o rosto do amante de sua filha, solta seus gases de velha, por horas a fio. Contam que o menino está definhando aos poucos e que já não consegue comparecer aos encontros com a cunhada. NUNO RAMOS é artista plástico, compositor e escritor, autor de Cujo, O pão do Corvo, Ensaio Geral e Ó.
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