ENTRE(ATOS) DO OFÍCIO

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E N T R E ( AT O S)

DO

OFĂ?CIO

Ivna de Holanda Pereira & Jocelaine Regina Duarte Rossi (organizadoras)



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DO

OFÍCIO



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narrando, sistematizando, estudando prĂĄticas educativas

Ivna de Holanda Pereira & Jocelaine Regina Duarte Rossi (organizadoras)



Só lendo é que vou saber: o que escrevi já caiu na vida, não me pertence. THIAGO DE MELLO


Os textos deste livro são produto do Curso de Extensão “Sistematizar práticas didático-pedagógicas: Fundamentos, Técnicas e Procedimentos”, chancelado e certificado pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual Vale do Acaraú e ministrado pelos professores Israel Rocha Brandão, Ivna de Holanda Pereira, Joan Edessom de Oliveira, José Edvar Costa de Araújo e Léo Mackellene Gonçalves de Castro. Os relatos foram orientados pelos professores José Edvar Costa de Araújo e Ivna de Holanda Pereira, foram co-orientados pelos professores formadores da Escola de Formação Permanente do Magistério: Célia Maria Lima Vasconcelos, Francisca Márcia Mendes, Gerardo Vieira Gaspar Neto, Maria Rejane Costa Arcanjo, Maria Vânia Félix de Moura, Marieta Parente Sobreira, Rita Alcina Silva Moreira e Roziane Oliveira Marinho Loiola. Todos os textos têm os direitos reservados aos seus respectivos autores. Sua reprodução é permitida para fins didáticos e não lucrativos desde que devidamente citados autor e fonte. Este projeto é uma parceira da Escola de Formação Permanente do Magistério (ESFAPEM) e do Grupo de Pesquisa em História e Memória Social da Educação e da Cultura da Universidade Estadual Vale do Acaraú com o apoio da Secretaria da Educação de Sobral. PREFEITO DE SOBRAL José Leônidas de Menezes Cristino VICE -PREFEITO José Clodoveu de Arruda Coelho Neto SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO Júlio César da Costa Alexandre SECRETÁRIA ADJUNTA DA EDUCAÇÃO Ana Rosa de Andrade Parente DIRETOR DA ESCOLA DE FORMAÇÃO PERMANENTE DO MAGISTÉRIO Joan Edessom de Oliveira Coordenadora de Formaçõa DA ESCOLA DE FORMAÇÃO PERMANENTE DO MAGISTÉRIO Jocelaine Regina Duarte Rossi REVISÃO Francisca Márcia Mendes e Gerardo Vieira Gaspar Neto PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO Caio Danieli


Índice SOBRE OS RELATOS DO OFÍCIO DE EDUCAR.................................. 11 Jocelaine Regina Duarte Rossi e Joan Edessom de Oliveira SOBRE OS ENTRE(ATOS) DO OFÍCIO DO EDUCADOR......................... 14 Ivna de Holanda Pereira e José Edvar Costa de Araújo CONHECENDO NOSSO BAIRRO Ana Irisneide Pereira Coelho

– CONHECENDO NOSSA CIDADE......... 18

LIVRO INFANTIL: UMA JANELA PARA A LEITURA E A ESCRITA.............. 22 Ana Soraia Silva Galdino A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO................ 27 Célia Maria Lima Vasconcelos SOLETRANDO LEONÍLIA............................................................ 33 Eleneuda Gomes Parente LEITURA ATRAVÉS DE TEXTOTECA E PALAVRAS-CHAVE Elieuda Alves Rodrigues

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DE GÊNERO EM GÊNERO A LEITURA ACONTECE.............................. 46 Francisca das Chagas Ferreira dos Santos A LITERATURA CONSTRUINDO SABERES E FORMANDO LEITORES......... 53 Francisca Rosa Paiva Gomes O ATO DE INCENTIVAR O ALUNO................................................. 59 Geovani Alves Teotônio EDUCADOR: ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA.................................. 62 Gilton Viana Oliveira APRENDER A LER PARA ESCREVER COM PRAZER............................ 68 Glória Giovanni Sousa Melo APRIMORANDO A ESCRITA, REESCREVENDO A MÚSICA DE LUIZ Jóina Maria do Espírito Santo

GONZAGA... 76



SENTIR O QUE VÊ............................................................... 81 Kátia Cristina Gomes Lino ESCREVER EM SALA DE AULA POR PRAZER.............................. 94 Keila Pereira Lima A UTILIZAÇÃO DE JOGOS PEDAGÓGICOS NO TRABALHO COM A GRAMÁTICA... 99 Marcos Arruda Portela REAPRENDENDO PARA FAZER.............................................. 103 Maria Aglaís Andrade Aragão FORMAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS - UMA EXPERIÊNCIA DE GESTÃO COMO PROCESSO. 108 Maria do Carmo Castro Gomes A IMPORTÂNCIA DO MATERIAL CONCRETO EM SALA DE AULA....... 117 Maria Cordeiro de Oliveira Silva DESAFIOS E POTENCIALIDADES DO RECREIO ESCOLAR............... 122 Maria Edinete Tomás SUPERANDO DESAFIOS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM....... 131 Maria Isabel de S. Moraes INFÂNCIA ESQUECIDA......................................................... 136 Maria de Lourdes Aureliano UMA EXPERIÊNCIA PRAZEROSA............................................ 143 Maria Madalena Rodrigues QUEM CANTA, SEUS MALES ESPANTA.................................... 148 Maria Socorro Rodrigues Costa INTER-RELAÇÃO ENTRE CULTURA POPULAR E ERUDITA............... 156 Maritânia Cardoso de Oliveira CAMINHOS E CONQUISTAS.................................................. 161 Rita Alcina Silva Moreira DESCREVENDO E ANALISANDO MINHA PRÁTICA NA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA.. 168 Teresa de Jesus Oliveira SOBRE OS AUTORES............................................................................... 178



SOBRE OS RELATOS DO OFÍCIO DE EDUCAR...

A PARTIR DO ANO DE 2001 ABRIU-SE UMA NOVA ETAPA NA POLÍTICA educacional levada a cabo no município de Sobral. Fruto dessa política, Sobral tornou-se uma referência nacional quando se fala em alfabetização de crianças e também em formação em serviço de professores. A experiência desenvolvida nesse período já foi registrada em livro, reportagens, artigos, matérias em televisão. Justo, então que os próprios professores relatem as suas experiências, que contem sobre o seu ofício, suas angústias, seus desafios, suas alegrias, suas realizações. Pensando assim, a Escola de Formação Permanente do Magistério e a Secretaria da Educação do Município de Sobral, em parceria com a Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, propuseram aos professores da rede municipal de Sobral o registro e a publicação de suas experiências e práticas pedagógicas exitosas. Vinte e cinco professores da Rede Municipal de Sobral aceitaram o convite/desafio de relatar suas experiências. Nossos artífices professores abriram as portas das suas salas de aula para que adentrássemos nelas, sabedores de que, ao fazerem isso, na mesma medida que socializavam seus saberes, expunham-se ao olhar contemplativo e crítico dos leitores.


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A primeira das dificuldades registradas por nossos mestres foi como selecionar, em meio a tantas ações cotidianas, aquelas que, de alguma forma, interessassem aos leitores e contribuíssem para o trabalho de outros mestres, pois este é um dos objetivos dessa publicação, a socialização dos saberes docentes. Abriu-se um espaço precioso para a reflexão. Nossos artífices educadores precisaram revisitar e repensar cada um de seus “movimentos habituais”, muitas vezes ofuscados pela dinâmica da sala de aula, e buscar as justificativas e potencialidades de cada um deles. Atingiram-se, neste momento, outros objetivos desse trabalho, possibilitar que os professores refletissem sobre suas ações, comunicassem suas reflexões e dessem visibilidade ao saber produzido dentro da escola, sem a pretensão de fornecer ou difundir modelos ou tendências pedagógicas. Todos os professores, co-autores desse texto, participaram ou participam de formações em serviço. Alguns deles já as freqüentam há oito anos, mas é notório, a partir da análise de seus relatos, como o conhecimento sistematizado, discutido nessas reuniões de trabalho, foi assimilado e incorporado por cada um deles, de modo distinto, culminando numa miscelânea de conhecimentos teóricos e práticos, tecendo tramas de saberes com desenhos diferentes e originais. Vale ressaltar que as discussões sobre referenciais teóricos não foram priorizadas nesses textos; sem querer, com isso, menosprezar a importância desse tipo de discussão. Priorizou-se em cada um dos relatos a descrição da experiência, as dificuldades encontradas, os objetivos de cada uma das ações e os resultados esperados e alcançados, mas o leitor mais atento perceberá o arcabouço teórico atuando como um pano de fundo. Tomando emprestada uma metáfora utilizada pela psicopedagoga argentina Alicia Fernandes, nos relatos que se seguem, a teoria atua como uma rede de proteção para que o professor/equilibrista possa realizar suas acrobacias com desenvoltura e segurança.

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Acreditando que cada um dos leitores fará um uso distinto dessa coletânea, mais uma vez recorremos ao mestre poeta Thiago de Mello:

“[...] as palavras começam a dizer coisas que nunca ousei pensar nem sonhar, pássaros desconhecidos pousando no meu pomar.”

Certos da relevância dessa publicação, convidamos os leitores a conhecerem uma parte da obra de nossos professores, artífices do ofício de educar.

JOCELAINE REGINA DUARTE ROSSI Coordenadora de Formação da ESFAPEM

JOAN EDESSOM DE OLIVEIRA Diretor da ESFAPEM

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S OBRE

OS ENTRE (ATOS) OUTROS DO OFÍCIO DO EDUCADOR

OS DISCURSOS QUE JUSTIFICAM A INSTITUIÇÃO UNIVERSITÁRIA continuamente reafirmam, entre as finalidades desta, a produção de conhecimento e a preparação de profissionais para as necessidades da sociedade. Apesar da aparente facilidade das pregações, estes são compromissos de difícil cumprimento. Como decorrência do desafio de pensar e agir sobre eles, os que fazem o Grupo de Pesquisa História e Memória Social da Educação e da Cultura – GPHMSEC tem trabalhado sistematicamente para desenvolver ações colaborativas com os sistemas e as redes de educação infantil e ensino fundamental na Região Norte do Ceará. Pois o discurso que não se apóia em ações é retórica vazia; e para superar a retórica vazia sobre o papel da universidade é necessário identificar/criar situações e meios para desenvolver experiências de produção de conhecimento e formação de recursos humanos. Desde 2007 o GPHMSEC experimenta a colaboração interinstitucional com o Sistema Municipal de Ensino do Município de Sobral, dialogando com a Secretaria da Educação e a Escola de Formação Permanente do Magistério – ESFAPEM. Ensaios ocorridos por meio de vivências em que se associam os conhecimentos e as habilidades de diferentes atores: os educadores que na escola pública municipal são docentes, coordenadores pedagógicos e gestores escolares; e os educadores que na universidade são docentes, pesquisadores e estudantes de graduação.


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No ano passado, a prática colaborativa teve como ponto alto a produção de um conjunto de textos memorialísticos convertidos em painéis e enfeixados no livro Olhares da memória. Este produto é já material de uso dos professores da rede para suas reflexões ou para despertar nos estudantes a curiosidade sobre o caráter histórico da atividade educativa; tem sido utilizado na formação inicial de graduandos no Curso de Pedagogia da UVA. Ao mesmo tempo constitui o embrião de uma atividade de pesquisa sobre a profissão docente, as instituições de ensino, os métodos e materiais de ensino e outros temas para o Memorial da Educação de Sobral. No corrente ano a colaboração interinstitucional voltou-se para a sistematização de experiências de ensino e aprendizagem. Professores, coordenadores pedagógicos e gestores escolares, que vivem seus ofícios nas escolas da rede municipal de Sobral, trabalharam para consolidar em textos experiências assim compreendidas em sentido dúplice: o da transmissão de conteúdos, habilidades, hábitos, valores e da formação de competências; e o das descobertas feitas por eles neste esforço de reflexão. Um aspecto destacável, fator de consolidação da interatividade buscada, foi o seu ordenamento no Curso de Extensão “Sistematizar práticas didático-pedagógicas: Fundamentos, Técnicas e Procedimentos”, chancelado e certificado pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual Vale do Acaraú e ministrado pelo Prof. Israel Rocha Brandão, Profª. Ivna de Holanda Pereira, Prof. Joan Edessom de Oliveira, Prof. José Edvar Costa de Araújo e Prof. Léo Mackellene Gonçalves de Castro. Os participantes desenvolveram uma prática formativa correspondente a 120 horas-aula, distribuídas em três módulos de 40 horas: estudos presenciais de conteúdos, orientação presencial e produção individual dos textos. Este encaminhamento, ao recompensar o esforço dos participantes certificando os que integralizaram as atividades previstas, aprofundou o envolvimento interinstitucional e concretizou os

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termos do Art. 84 do Estatuto da UVA, segundo o qual “Os cursos de extensão visarão a difundir e atualizar conhecimentos e técnicas de trabalho para elevar a eficiência e os padrões culturais da comunidade, assim como, de forma recíproca, trazer ao ambiente acadêmico elementos para a sua atualidade e pertinência, à vista das permanentes e expressivas transformações nas dimensões social, econômica e ambiental”. Um dos meios para verificar a efetivação desta finalidade é a participação de professores da UVA - dos cursos de Pedagogia e Letras -, dos técnicos e dos formadores da ESFAPEM na condução do curso de extensão; e a participação de professores, diretores e coordenadores pedagógicos de escolas da rede municipal na produção das sistematizações. A atividade os reuniu na condição de detentores de experiências e conhecimentos diversos; de práticas e saberes dispostos não em uma hierarquia em que a universidade sabe e ensina e a escola de ensino fundamental não sabe e aprende. E sim em uma relação em que os saberes e os lugares de poder são postos em discussão na perspectiva de propor outros acordos, outras proporções. Que benefícios derivam da vivência sucintamente apresentada? Um deles são as possibilidades abertas para a superação de preconceitos existentes nos dois universos. No da escola de ensino fundamental, o de ver na universidade apenas a estrutura defasada e formalista, “teórica” em sentido deformado. No da universidade, o de ver na escola de ensino fundamental uma estrutura incapaz de escolarizar e educar ou quando muito voltada unicamente para os aspectos funcionais de sua atividade. Outro benefício é disseminar entre os educadores da escola de ensino fundamental a perspectiva de apreender o que realmente importa na elaboração do conhecimento sistemático, abandonando os modelos da monografia formalista e quase inútil; no mesmo plano levar os que fazem a universidade ao reconhecimento das próprias insuficiências e limitações e o quanto eles tem o que aprender com 18


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os fenômenos e os profissionais das redes escolares para recompor suas competências e seu papel na sociedade. Por fim um benefício que é ao mesmo tempo conceitual e operacional: ensinou aos que participaram a não se prenderem ao que deveria ser e sim a almejarem o que deverá ser a partir do que é: tornou reais horizontes e possibilidades. Entre(atos) outros do ofício de ensinar e educar encontra-se este aos quais os participantes desta experiência dedicaram horas, alongando o tempo de suas ações e reflexões em sala de aula na escola de ensino fundamental e na universidade. A resultante não é uma coletânea de procedimentos didáticos nem uma análise de especialista ou teórico – no que estes produtos tem de legítimos; e sim narrativas sistematizadas dos mais visíveis e cotidianos atos do ofício de professores, coordenadores pedagógicos e gestores escolares. No que diz respeito à experiência instigante da educação municipal de Sobral, enquanto a maior parte dos documentos produzidos até agora trazem em primeiro plano a visão institucional dos grandes conjuntos, das metas e procedimentos avaliativos e gerenciais, estes textos trazem o ponto de vista dos sujeitos e de como em seu cotidiano estes produzem aqueles resultados. É algo que enriquece do ponto de vista da reflexão; e significa um passo adiante do ponto de vista político e participativo dos educadores.

IVNA DE HOLANDA PEREIRA E JOSÉ EDVAR COSTA DE ARAÚJO Professores do Curso de Pedagogia da UVA, integrantes do Grupo de Pesquisa História e Memória Social da Educação e da Cultura – GPHMSEC e coordenadores do Curso de Extensão “Sistematizar práticas didático-pedagógicas: Fundamentos, Técnicas e Procedimentos”

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CONHECENDO NOSSO BAIRRO CONHECENDO NOSSA CIDADE Ana Irisneide Pereira Coelho

O TRABALHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL SEMPRE FOI para mim uma realização pessoal e profissional. A idéia de planejar essa proposta pedagógica em sala de aula surgiu das curiosidades e perguntas dos meus alunos ao ver um mapa do Complexo Sinhá Sabóia e do Brasil exposto na sala apenas como decoração. Sâmea, uma aluna muito esperta, perguntou para que servia. Após minhas respostas para a turma toda, surgiram novas perguntas: Moro perto ou longe da escola? Onde fica minha casa? Onde fica a casa da minha vovó? Daí veio a idéia: diante de tais questionamentos e do progresso existente em nosso bairro por que não aprofundar o estudo e tornar nossos alunos conhecedores de nossas riquezas culturais? O objetivo foi possibilitar que as crianças de cinco anos conhecessem o bairro onde moram e um pouco da história de Sobral, proporcionandolhes a percepção de localização, seus valores e sua cultura, organizando, assim, os conteúdos a serem bases para o estudo: como a origem de Sobral e do bairro (fundação), comércios e empresas, escolas públicas e particulares, praças, igrejas, população, mapas, meios de transportes e comunicações, representantes políticos, limpezas, agentes de saúde, lazer para as famílias, subdivisão: Cohab I e II, Pantanal, Parque Santo Antônio etc. Iniciei a proposta apresentando-a para os pais e os alunos. Fiz uma sondagem dos conhecimentos prévios e constatei que a maioria dos pais não conhecia a história de Sobral.


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O trabalho em sala com as crianças iniciava sempre com uma roda de conversa sobre o que iríamos estudar, como listagem de nomes de ruas que eles conheciam, mostrando sua localização no mapa do bairro e dando ênfase às principais ruas. Também fizemos visitas a praças, igrejas, fábricas, empresas, escolas. Fizemos palestras para as crianças e as famílias sobre a saúde bucal das crianças e da comunidade, bem como passeios turísticos pelo bairro e apresentações de grupos de capoeira, quadrilhas e escolas de samba na escola. As crianças mostravam o resultado dos conhecimentos adquiridos através de relatos das visitas, de desenhos dos passeios realizados e confecção de maquetes, todos exibidos na sala. A minha maior preocupação, a princípio, era como contaria a história de Sobral para meu público-alvo que tinha apenas 5 anos de idade, respeitando a sua faixa etária e interesses, já que estavam na fase mágica, onde sua imaginação torna-se criadora, gostam de fadas, princesas, reis, lendas etc. Encontrei numa apostila uma adaptação, a qual fiz algumas modificações e ilustrações ao conto infantil e deu certo. Ficou fantástica! Apesar de algumas dificuldades encontradas no decorrer da proposta, planejado para todas as turmas de 5 anos, houve resistência de algumas colegas de trabalho. Pensei até em desistir, mas o apoio da coordenadora pedagógica da escola, Carlinda Lopes, foi muito importante, e corri atrás de idéias, como de materiais didático a serem utilizados sem nenhum custo financeiro: raspas de madeira (serrarias), desenhos, pinturas, miniaturas de árvores e animais para a fazenda, caixas de fósforos cobertos, palitos de picolés (cercas), folhas de isopor, mapas (desenhos), tarefas mimeografadas, pesquisas para casa etc. No final, foi gratificante perceber claramente que a proposta contribuiu para ampliação dos conhecimentos deles, sobretudo do bairro no qual moram e da origem de Sobral, quando as crianças conversavam com as outras na sala e no pátio da escola.

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Entre outras contribuições, houve um maior esclarecimento e sensibilização sobre a saúde e fortalecimento das ações escola x PSF do bairro, trazendo para escola palestras sobre a saúde do bairro e saúde bucal das crianças; o estudo possibilitou esclarecimento sobre mapas, nomes de ruas, localização e números de casas. Sempre que podiam, as crianças estavam apontando no mapa do bairro ampliado e exposto na sala, a localização da sua rua, da escola, do colega entre outras; os alunos tornaram-se conscientes sobre a limpeza de suas casas e das ruas e o destino do lixão; falamos também das pessoas que sobreviviam pegando lixo para reciclagem ou consumo em casa. Alguns pais deram seus depoimentos:

“Meu filho agora sai nas ruas procurando o número das casas e o nome da rua.” “Professora, a Lara me pediu que comprasse um Atlas para ela ver o mundo.” “Achei lindo minha filha contando em casa como era Sobral antes. Depois, desenhou a Fazenda Caiçara.” “Meu filho um dia pediu que eu colocasse no lixo resto de comida no saco amarrado, porque algumas mães iam pegar lá onde jogam lixos. Era para amarrar para não entrar sujeira.”

“O livro da criança que ainda não lê é a história contada.” (Fanny Abramovich)

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CONTO: O NASCIMENTO DA CIDADE ERA UMA VEZ, UMA LINDA FLORESTA QUE VIVIA TRISTE, tão triste, pois só tinha dois amiguinhos: Um belo rio, de águas claras correntes e os índios. Todo dia era a mesma coisa, quando ela não estava com o rio, estava conversando com os índios ou só. Um dia, os pássaros que também eram amigos da floresta lhe deram uma ótima notícia: — Se alegre, dona floresta. Você vai se transformar. As coisas aqui vão mudar. E você uma princesa será! Com essa notícia, a floresta ficou tão feliz que passou a sorrir. Com o passar dos anos, a notícia começava a acontecer: o rio ganhou nome, “rio Acaraú”, as árvores foram desaparecendo dando lugar a construções de casas, os índios passaram a morar em casas e, quando a floresta se deu conta, tinha virado uma cidade. Foi quando veio para cá um homem chamado Antônio Rodrigues Magalhães, que construiu uma fazenda às margens do rio Acaraú e chamou de Fazenda Caiçara. Ele trabalhou muito, criou gado, ficou rico e comprou todas as terras que hoje está construída nossa cidade. Casou-se com uma jovem muito bonita, Quitéria Marques, tiveram oito filhos e foram felizes para sempre. (Apostila: Sobral, passado e presente do Colégio Luciano Feijão-1997)

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LIVRO INFANTIL: UMA JANELA PARA A LEITURA E A ESCRITA Ana Soraia Silva Galdino

UMA BOA PEDIDA PARA LEVAR AS CRIANÇAS A DESENVOLVEREM O GOSTO pela leitura é construir atividades com a finalidade de despertar e estimular o gosto pelos livros. Com isso, os conhecimentos serão ampliados, motivando a descoberta e permitindo às crianças uma viagem ao mundo mágico da leitura, já que em casa o contato com os livros é mais difícil. Se este trabalho for bem direcionado, várias outras áreas serão beneficiadas, como o desenvolvimento da fluência em leitura, da compreensão do texto e do trabalho de forma integrada. Neste trabalho, que teve duração de uma semana, tive como objetivo principal ampliar o conhecimento, adquirido pelas crianças, de “novos mundos”, aos quais os livros paradidáticos fazem referência. O uso de livros infantis favorece o desenvolvimento dessa atividade. Em primeiro lugar, foi necessário preparar a ambiência da sala e selecionar livros infantis para os alunos do 2º Ano. Cuidei para que as crianças tivessem espaço para sentar, deitar, enfim, estarem confortáveis e só depois irem para os grupos, pois as classes de alfabetização devem ser planejadas ainda com mais cuidado, a fim de criar um ambiente que incentive o convívio do aluno com as várias formas de ler e escrever. Fixei imagens que seriam estudadas e os livros também ficaram em um mural ao alcance dos alunos. Os alunos iam folheando as páginas, observando as cenas, imagens e iam escolhendo seu livro de acordo com seu interesse e curiosidade. Também é interessante que as crianças tenham um espaço para afixar suas imagens, pinturas, textos que produziram e queiram compartilhar com a turma.


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Aluno lê o livro que escolheu para a turma

Quando já estavam com seus livros em mãos, dividi a turma em seis equipes. A escolha foi livre. As crianças formaram suas equipes com cinco membros cada, de acordo com suas afinidades. A seguir, auxiliei os alunos a explorarem as características físicas do livro (tamanho, ilustração, formato, etc.), estimulando um clima de pesquisa e descoberta. Baseadas em seus conhecimentos prévios, os alunos fizeram bom uso deste conjunto de informações, tornando o momento da leitura interdisciplinar e prazeroso. Cada aluno mostrou saber algo, mesmo que fosse fora da ordem ou misturando algumas informações. Ao apresentar os livros para a turma no primeiro dia, sentei as crianças no chão. Com isso, fui despertando a curiosidade e a magia que as histórias iriam trazer. As crianças mostravam-se ansiosas, fazendo perguntas todos juntos, resultado de uma boa predição. Logo depois, cada uma escolheu seu livro. Já divididos em grupos de estudos, foram se apropriar mais de seus livros e das idéias dos colegas. Pedi que levassem o livro para casa para que tivessem mais

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tempo de se familiarizar com a história e os personagens, realizando a leitura para outros membros da família, como pais e irmãos. No dia seguinte, quando retomei as atividades com a leitura infantil, as crianças estavam bem empolgadas, uma vez que tinham certo conhecimento do seu livro. Permaneceram nas mesmas equipes e socializaram personagens e acontecimentos da história. Quando se apropriaram da história, receberam uma folha que explorava partes do livro (título, autor, ilustrador, editora). Os alunos ainda construíram um esquema com seus personagens, características físicas e psicológicas. Para tanto, orientei-lhes de forma direta, estimulando-os a pensar sobre as particularidades (ações e falas) dos personagens da história que leram. O mais interessante foi a habilidade que as crianças tiveram em expor suas idéias diante dos colegas. Eles conseguiram se organizar de forma que houvesse entendimento e aceitação por parte dos demais. Isso é apenas uma das muitas vantagens de se trabalhar em equipe. Concluindo os trabalhos neste dia, sorteei uma criança para ler seu livro diante de toda a turma. Explorei, assim, a oralidade e o desenvolvimento da fluência de leitura, dando ênfase às palavras com maior dificuldade de pronúncia. Após compreenderem e identificarem personagens e características, as crianças tiveram tempo disponível e ambiente favorável à reescrita, utilizando as próprias palavras, sem, contudo, modificar o sentido da história. Em algumas equipes, surgiram um ou dois alunos que apresentaram alguma dificuldade nessa atividade, mas não recorreram a mim, e sim aos colegas. Depois, fiz outro sorteio, para que algumas crianças lessem suas escritas para toda a turma. No terceiro dia de trabalho, explorei a leitura das histórias de forma interpretativa e informativa. Nelas, os alunos identificaram e interpretaram as idéias do texto transcritas nos livros. O uso do

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dicionário foi solicitado para que pesquisassem palavras das quais desconheciam o significado. Em seguida, pedi para que cada criança escrevesse em seu caderno pelos menos três palavras que procuraram no dicionário, com seu significado. Já na quinta-feira, recorrendo aos conhecimentos básicos de nomes próprios e comuns, cada equipe teve que elencar dez nomes, sendo cinco próprios e cinco comuns. Todos, porém, deveriam ser retirados do livro que leram. Dando continuidade, houve uma leitura dos nomes próprios de personagens das histórias. Para a finalização do projeto, no quinto dia, voltado todo para o livro infantil, fez-se uma votação para que eu contasse uma das histórias. Pedi que ficassem numa posição confortável, que permitisse ouvir com tranqüilidade e concentração. Para conquistar meus pequenos ouvintes, dei ênfase às vozes e expressões dos personagens. Quando optei por trabalhar o livro paradidático dessa forma na minha sala, tinha em mente duas coisas: aproveitar o conhecimento prévio das crianças acerca de outras histórias infantis; e, não deixar

Aluno recria a estória contada

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de considerar a importância dessa interação criança-livro para a vida delas, seja escolar ou de formação do aluno-leitor. Durante essa semana, constatei a importância do contexto da literatura infantil para todas as crianças, mesmo aquelas que não têm tanto contato com livros em casa. A maneira pedagógica de agir implica diretamente na forma como as crianças vão ou não se interessar pela história lida, e é mediante essa visão educativa que a criança faz o uso freqüente do livro, favorecendo a leitura, a compreensão e a exploração do texto de uma forma geral. A relação comunicativa aluno-livro, tendo por intermediário o professor, que dirige e orienta o uso da informação, a vontade de ler e participar das atividades da escola e a visita à biblioteca fizeram a grande diferença na decisão das crianças na escolha do que gostariam de ler. Percebi que não é só o ambiente escolar que propicia aprendizagem. Faz-se necessário respeitar a vivência, contornar conflitos de idéias e opiniões diferentes que podem acontecer quando se trabalha em equipe e, acima de tudo, que a criança não se envolve se for solicitada de forma autoritária. Ela precisa ser conquistada a cada nova atividade. Sem dúvida, as crianças adoraram essa atividade, mostrando-se sempre disponíveis, curiosas e participativas. Em vários momentos, pude percebê-los tão envolvidos, que chegaram a compartilhar da história dos livros de outros colegas. Após a realização desse trabalho, atividades como leitura, escrita e interpretação começaram a fluir de forma mais fácil, bem como a socialização das idéias e opiniões de cada criança para com os companheiros.

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A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO Célia Maria Lima Vasconcelos

A MATEMÁTICA FAZ PARTE DA VIDA DA CRIANÇA desde o seu nascimento e permanece no seu dia-a-dia. Antes mesmo de entrar na escola, ela já é capaz de quantificar e fazer algumas operações mesmo sem conhecer os códigos escritos, os algarismos. No processo de alfabetização, é necessário também ensinar a ler os números e os conceitos relacionados às operações matemáticas. Foi com base nesses fundamentos que criei, em minha sala de aula, uma turma de 2º ano da Escola Renato Parente, um ambiente alfabetizador matemático, ou seja, decorei a sala com números, formas, calendário, relógio e um quadro demonstrativo de quantidades, que são explorados diariamente e podem ser utilizados pelos alunos sempre que precisarem, como fonte de pesquisa. Neste espaço destacado para o relógio e o calendário é feito um trabalho diário com os alunos, pois faz parte da rotina de sala a marcação de tempo, de entrada e saída da escola, a hora do recreio e o tempo determinado para cada atividade. Assim, todos os dias, na acolhida, questiono os alunos sobre o dia do mês e da semana, relacionando ao dia que passou, o presente e o seguinte; quantos dias tem o mês e quantos dias faltam para terminar o mês; a hora de início da aula etc. Também coloquei um quadro de quantidades para servir de pesquisa para aqueles alunos que ainda escrevem o número espelhado. Outro espaço foi destinado para a matemática, onde ficam os números, as formas geométricas (presentes em todo lugar, seja nas formas de suas casas, portas, objetos domésticos como na estrutura da


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escola e no percurso de casa para a escola) e os sinais que indicam as operações. Nesse espaço ficam expostas, também, todas as atividades vivenciadas pelos alunos na sala de aula e que são trocadas a cada experiência nova. Segundo Piaget (in Kamii, 1990), os conceitos numéricos não são adquiridos através da linguagem, cabendo ao professor, favorecer o desenvolvimento dessa estrutura mental, através de experiências que oportunizem à criança a elaboração dos dois tipos de relação: ordem e inclusão hierárquica1 . Sabe-se que no processo de construção do conhecimento lógicomatemático o ator principal não é o professor e sim o aluno, pois as relações que este estabelece entre os objetos são básicas. Procurei aproveitar toda oportunidade de contar e comparar quantidades: alunos presentes, alunos ausentes, número de meninas, número de meninos, quantidade de palitos, tampinhas, e outros, sempre partindo da estimativa, que se deve incentivar antes mesmo da contagem. As imagens abaixo mostram situações com o material concreto, tampinhas e palitos coloridos. Nesses dois momentos, tanto com as tampas quanto com os palitos, coloquei os alunos diante de situações-problema orais de estimativa e quantificação, de operação de adição e de subtração, explorando os conceitos de retirar, comparar e completar. ATIVIDADE 1 PROCEDIMENTO 1: ORALIDADE, ESTIMATIVAS E QUANTIFICAÇÃO. • Quantas tampinhas (palitos) vocês acham que têm aqui? • Que tampinha tem em maior quantidade: brancas, vermelhas ou amarelas? • Organizar as tampinhas (palitos) e validar as respostas dos alunos. 1 Ver mais sobre o assunto em KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget. Campinas, SP. Papirus, 1990. 30


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Procedimento 1

PROCEDIMENTO 2: ORALIDADE, QUANTIFICAÇÃO E CONCEITOS DE ADIÇÃO E SUBTRAÇÃO. • Quantas tampinhas amarelas têm aqui? E quantas vermelhas? • Quem tem mais, vermelhas ou amarelas? Quantas a mais? • Se juntarmos as tampas amarelas com as azuis, quantas ficarão? • Quantos palitos vermelhos têm a menos que os palitos azuis? • Quantos palitos vermelhos faltam para ficarem em quantidade igual aos azuis? Com o material Cuisenaire, que é constituído por uma série de barras de madeira, sem divisão em unidades e com tamanhos variando de uma até dez unidades, onde cada tamanho corresponde a uma cor específica, as crianças são levadas a construir os conceitos de quantificação, maior que e menor que, ordem crescente e decrescente, conforme pode ser observado na imagem 1. Na imagem 2, os alunos estão construindo um “muro”, que introduz a operação de adição, a comutatividade e a reversibilidade com a subtração. 31


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Imagens 1 e 2

Sugeri que os alunos pegassem a maior peça e construíssem um muro, usando sempre duas barras que, juntas, tinham o mesmo comprimento da peça inicial. Nessa atividade, os alunos puderam construir as adições cujo total era dez ou maior que dez como também as adições com três ou mais parcelas. Assim, os alunos que ainda tinham dificuldade em quantificação, ordenação e conceitos básicos de adição e subtração puderam vivenciar outra atividade e avançar, coletivamente.

Alunos jogando “Nunca Dez“

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Depois que os alunos compreenderam as noções de quantificação e os conceitos básicos de adição e subtração, dei início ao ensino do sistema de numeração decimal, agrupamentos, composição e decomposição com o material concreto. O material adotado agora foi o material dourado. Primeiramente o material foi apresentado para manuseio e identificação das peças, depois foi aplicada uma atividade de composição da dezena. Em seguida, fiz um ditado de números para que os alunos representassem com o material, relacionando cada grupo de peças ao seu valor numérico, usando o quadro de valor e lugar. O jogo e o brincar, de um modo geral, fazem parte da vida das crianças. No momento do jogo, as crianças se expressam e se comunicam com os objetos ao seu redor, se desenvolvendo e aprendendo. Mas, para o desenvolvimento dessa proposta de trabalho, serão necessários três momentos pedagógicos: antes (planejamento), durante (o jogo) e depois (a avaliação – enriquecer e sistematizar o que foi vivenciado). Pensando nisso, sugeri para a classe o jogo “Nunca Dez”, onde cada criança do grupo, na sua vez de jogar, lança o dado e retira para si a quantidade de cubinhos correspondente ao número que sair no dado. Toda vez que juntar 10 cubinhos, ela deve trocar por uma barra e pode jogar novamente. Da mesma maneira, quando tiver 10 barrinhas, pode trocar as 10 barrinhas por uma placa e, então, jogar novamente. O jogo termina, por exemplo, quando algum aluno consegue formar duas placas ou uma placa. Preparei para cada aluno um quadro de valor e lugar e como regra eles deveriam completar cinco dezenas. Com este jogo, os alunos puderam exercitar a quantificação, o agrupamento, a contagem de dois em dois, adição e o valor posicional, assim, desenvolvendo a compreensão do sistema de numeração decimal e a reserva no algoritmo da adição.

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Outro jogo que apliquei em sala e que percebi o desenvolvimento dos alunos foi o Pega-varetas, pois desenvolveu a concentração, a coordenação motora, a quantificação, o cálculo mental e a adição. Percebi que depois da problematização e da ação os alunos têm mais autonomia na realização das atividades propostas no livro didático. Todas as atividades apresentadas fazem parte de um processo e obedece às etapas do desenvolvimento do raciocínio da criança em fase de alfabetização. O meu papel como professora foi criar oportunidades para que elas manipulassem o material e brincassem com ele, e assim construíssem as noções e conceitos matemáticos necessários para a série. O bom de tudo isso é ver a satisfação dos alunos em participarem de cada atividade, a socialização e o espírito de cooperação entre eles.

SMOLE, Kátia Cristina Stocco. A matemática na educação infantil: a teoria das inteligências múltiplas na prática escolar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget. Campinas, SP. Papirus, 1990. _____, Constance. Crianças pequenas continuam reinventando a aritmética: implicações da teoria de Piaget. Porto Alegre: Artmed, 2005. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Vol. 3. 3.ed. Brasília: MEC, 2001. SMOLE, Kátia Cristina Stocco / Maria Ignez Dinis, Patrícia Cândido. Jogos de matemática de 1º a 5º ano. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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SOLETRANDO LEONÍLIA Eleaneuda Gomes Parente

TRABALHANDO COMO COORDENADORA PEDAGÓGICA na Escola Leonília Gomes Parente, no distrito de Jaibaras, desde setembro de 2005, foi possível perceber, a partir das intervenções pedagógicas junto aos professores, a necessidade de um trabalho direcionado à ortografia, objetivando assim uma proficiência de sucesso na escrita. A partir desse contexto, foi pensado em algo dinamizador que despertasse nos alunos o gosto pela escrita e, sobretudo, um olhar cuidadoso destes para com a ortografia, além, é claro, da lógica dos fatos. A fala dos professores durante momentos pedagógicos tem sido muito consistente tratando-se das dificuldades que os alunos apresentam na escrita, onde as mais citadas são: inversão de letras, palavras com o mesmo som (sexta/cesta, conserto/concerto, mal/mau, auto/alto), consoantes mudas, omissão do “R” no final de palavras, troca do “l” por “U”, no final de palavras, omissão de palavras como “que, mas, para, e, porque”, utilização inadequada de expressões, como: “por isso, enquanto, portanto, como medo, em frente, de repente, em cima” e deficiência na oralidade. Diante disso, percebemos a necessidade de se fazer algo além do que já estávamos fazendo. Para isso, socializamos a idéia de um projeto denominado “Soletrando Leonília”, tendo como referência o quadro “Soletrando” do programa apresentado por Luciano Huck na Rede Globo, com o diferencial baseado nas produções textuais com foco na leitura, escrita e oralidade.


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Os professores, grandes sujeitos do processo e conhecedores das dificuldades dos alunos, proporcionariam atividades de leitura individual e coletiva, pesquisa em dicionário, reescrita das produções e ditados no decorrer de um mês, enfatizando as regras de escrita para sanar os erros mais freqüentes, onde, ao final de cada semana, os professores fariam uma avaliação ortográfica para verificarem se haveriam erros. Se estes ainda se apresentassem, seriam estudados na semana seguinte. Com base nessas avaliações, cada professor indicaria um aluno da sala para representar sua turma. Este, por sua vez, receberia da coordenação a lista contendo 100 palavras para estudo, ficando apto a participar da culminância. O projeto foi bem acolhido pelos professores, apesar de algumas dúvidas. Entretanto, as mesmas foram esclarecidas, sobretudo, por meio de incentivos e justificativas plausíveis, tornando-se possível a adesão do grupo, que começou a perceber a possibilidade de realizar em sala um trabalho de forma mais sistemática e contextualizada, o qual proporcionaria o despertar da turma para uma escrita considerada adequada. Com os professores motivados, agora era necessária a adesão ao projeto por parte dos alunos, o que seria alcançado através de uma abordagem criativa feita pelos professores com o objetivo de garantir a participação dos mesmos. A primeira edição aconteceu em dezembro de 2007, com no máximo três representantes de cada sala, envolvendo as turmas do 2º, 3º, 4º, 5º, “Aprender a Ler” e 6º Ano, no total de 36 alunos, tendo como vencedor o aluno da professora Sacramento Maria de França do 4º ano, Elielson da Silva Aragão. Já a segunda edição ocorreu em abril deste ano, com apenas um representante de cada turma do 3º ao 9º ano, com um total de 18 inscritos. Porém, três não compareceram por razões justificadas, tendo resultado num empate entre as representantes Eliziane de Sousa Braz do 4º Ano, aluna da professora Socorro Ferreira e Rainara

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Rocha de Albuquerque, aluna da professora Maria Helena do 8º Ano. A sugestão de considerar empate foi da aluna Rainara, com aprovação da sua concorrente. As mesmas relataram que estavam satisfeitas. Então, encerramos a edição do projeto entregando para ambas a premiação de um kit e um troféu. Quanto à metodologia para aplicação do projeto em sala, os professores adotaram estratégias diversas para trabalharem as dificuldades na escrita. A professora do 4º Ano, Socorro Ferreira, seguindo as orientações sugeridas pela coordenação, tomou a iniciativa de, nas sextas-feiras, realizar uma simulação da culminância envolvendo todos seus alunos. A mesma detectou que através dessa atividade os alunos apresentaram melhoras significativas, percebidas pelo cuidado ao redigirem os textos, por questionarem com mais freqüência à professora quanto à grafia de palavras não dominadas por eles, quanto ao emprego de acentos e pontuação, quanto à significação dos vocábulos. Notou-se também o interesse de alguns pais, dando mais atenção às tarefas dos filhos. A professora do 5º Ano, Sandra Régia, ao perceber falhas ortográficas nas produções, selecionou tais palavras e passou a aplicar no decorrer da semana atividades que abordassem as regras de ortografia para sanar as dificuldades dos alunos. Nas sextas-feiras, a professora realizava um ditado por meio do qual verificava o aprendizado da turma. Caso percebesse a permanência das falhas, faria uma seleção, acrescentando palavras de escrita similar, visando facilitar a compreensão ortográfica ao mesmo tempo em que ampliava o vocabulário dos alunos. A mesma percebeu avanços importantes, como a diminuição de erros, aquisição de novos vocábulos que passaram a ser empregados tanto na escrita quanto na oralidade, ou seja, os alunos passaram a expor suas idéias com mais clareza e objetividade. Outra professora que desenvolveu a atividade com diferencial foi a Fátima, do 3º ano, pela forma como motivou sua turma, conseguindo boa participação e empolgação ao realizar as atividades visando à participação efetiva no projeto.

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As demais professoras desenvolveram os trabalhos em suas turmas, seguindo a proposta do projeto. As mesmas relataram, em conversas informais com a coordenação, o impacto positivo por conta da realização da atividade. Foram percebidas importantes mudanças na postura dos alunos considerados menos atenciosos, pois estes começaram a questionar com mais freqüência e a demonstrar maior atenção na grafia das palavras. Dentre outros, o projeto contribuiu para elevar a auto-estima, despertando o interesse pelas aulas ao perceberem que eram capazes de obter sucesso como os demais colegas da turma. Nos mais retraídos, que apresentavam dificuldades de expressão, ao manterem contato com os novos vocábulos e ao observarem a escrita e a pronúncia corretas, detectou-se melhoras em sua oralidade o que influenciava na produção textual. Com a 1ª fase já concluída, a escola se preparou para o grande dia, o da culminância. Foi formada com antecedência uma equipe articuladora composta por três professores julgadores munidos de uma cópia das palavras, um professor relator, encarregado de controlar e registrar as etapas do jogo e a coordenadora do projeto, cuja função seria sortear as palavras selecionadas e direcionar o prosseguimento da atividade. Em seguida, organizou-se um ambiente favorável à aplicação do projeto. O representante de cada turma envolvida recebeu um crachá de identificação e encaminhouse para o lugar determinado. Obedecendo a seqüência da série/ano de cada aluno, as palavras iam sendo sorteadas, uma de cada vez, para os alunos, também um de cada vez, pronunciá-la e soletrá-la, corretamente. Os representantes que não cumpriam as normas estabelecidas iam sendo eliminados. A cada eliminação, notava-se um clima tenso e emocionante percebido pelo semblante dos eliminados que não continham as lágrimas e a angústia pelo erro cometido, pois traziam em si a certeza da vitória. Tais sentimentos contagiavam os membros julgadores, que comovidos pelos gestos singelos e penosos viam neles pessoas sensíveis, carentes

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de afeto e atenção, mas, sobretudo, vitoriosos pela garra, coragem e determinação. Os que permaneciam, tomados pela ansiedade e o peso da responsabilidade de estarem ali para representar sua turma, aumentava o nervosismo, mas com o apoio do professor e da família de alguns surgiam novas forças interiores e prosseguiam com o forte desejo de alcançar a vitória, que estava acima de uma promoção pessoal ou da conquista de uma premiação simbólica. Na verdade, a vitória representava, para eles, a recompensa pelo trabalho esforçado do seu professor, a honra aos colegas que neles depositaram confiança e a garantia de alegria e orgulho que despertariam em seus pais. Não foi possível a presença de todos os pais, mas os que ali estavam, conseguiam entender o quanto aquele momento era importante e significativo, o quanto os rostinhos ansiosos dos filhos refletiam o desejo de crescer e expressar o potencial. Conforme já relatado, o projeto visava dinamizar as aulas, quebrando a rotina e possibilitando ao professor uma metodologia diversificada que gerasse empolgação e interesse em aprender a escrever melhor. Depois de aplicado, foi possível perceber a forte influência positiva da atividade no trabalho dos professores, na postura dos alunos e que, realmente, os objetivos foram alcançados, visto que foram visíveis os resultados nas turmas envolvidas, não de imediato, mas como uma semente plantada em terreno fértil. Enquanto coordenadora, percebi que os resultados foram satisfatórios, embora não tendo conseguido atingir a totalidade da demanda dos alunos, ou seja, nem todos se sentiram motivados a participar. Entretanto, apesar das falhas, da limitação do grupo e da carência de recursos, o projeto alcançou margens esperadas, superando as expectativas, visto que no início era considerada uma simples atividade e que ganhou espaço através da forma como se deu, repercutindo na comunidade.

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Ao perceber esses resultados, a equipe sentiu-se motivada a aplicar o projeto posteriormente de forma mais abrangente, esperando uma maior participação dos pais. Durante este mês de setembro de 2008, a escola está desenvolvendo a 3ª edição, já com algumas adaptações, pois através das experiências anteriores é possível a elaboração de regulamentos e critérios que têm aprimorado a aplicação do projeto. Entre outras modificações, foi pensado no horário de aplicação da culminância e também numa divulgação mais enfática e atraente que viabilize a participação de toda a comunidade escolar. Em relação ao clima escolar, é perceptível, no comportamento dos alunos e professores, maior entusiasmo e empolgação por estarem mais envolvidos física e emocionalmente com a aprendizagem. Diante dos resultados obtidos, a atividade ganhou espaço no calendário escolar e destaque no Plano de Metas da escola como uma atividade diversificada que busca alcançar os níveis não atingidos professores e alunos.

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LEITURA ATRAVÉS DE TEXTOTECA E PALAVRAS- CHAVE Elieuda Alves Rodrigues

O BAIRRO EM QUE A ESCOLA ANTENOR NASPOLINI fica localizada sempre teve uma realidade social difícil. Após a construção da escola, esta realidade começou a mudar, porém, somente com uma política mais voltada para a construção de uma educação de qualidade foi que as mudanças aconteceram, uma vez que houve mais investimento e aperfeiçoamento dos professores, através de cursos realizados pela Secretaria da Educação. Iniciei meu trabalho na Escola Antenor Naspolini, num período de transição para a educação do Município. Durante esse tempo a escola teve vários diretores e coordenadores, que de alguma forma contribuíram e participaram da história da nossa escola. Aliás, todos os funcionários e professores têm se empenhado muito para desenvolver um bom trabalho. Sou professora do 1º ano do Ensino Fundamental há mais de nove anos e a experiência que irei relatar é de como se trabalha com a textoteca e as palavras-chave. A textoteca, cujo termo significa um conjunto de textos de diversos tipos e gêneros literários, tem por objetivos preparar o leitor fluente, desenvolver a compreensão e a escrita, possibilitando ao aluno fazer uso social do que aprendeu, pois não basta alfabetizá-los, temos que torná-los letrados, preparando-os para o mundo.


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As palavras-chave são um complemento para a sistematização da textoteca e têm como objetivo contribuir com o processo de decodificação. A seleção das palavras-chaves e dos textos foram feitas de acordo com uma pesquisa, realizada de duas formas:as palavras-chave foram coletadas através de perguntas que fiz sobre a própria vida dos alunos. Por exemplo, suas brincadeiras preferidas e o que mais gostavam de fazer nas horas vagas. Através destas perguntas, fiz leituras de palavras de acordo com os textos da textoteca; já a seleção de textos foi realizada através de observações, pois enquanto os alunos liam percebi que tinham mais interesse por um determinado tipo de texto, então, fiz a organização da textoteca de acordo com o gosto dos mesmos. Para realizar as atividades, utilizei xérox de alguns livros que foram pregados em cartolinas e depois recortados, para que cada aluno ficasse com um texto. De acordo com as mudanças por parte da Secretaria da Educação, foi adotado para as séries de alfabetização, hoje 1º ano, das escolas públicas do município, um novo programa de ensino, que é o método metafônico, cujas características principais são: a ênfase no ensino das relações entre sons e letras e na metacognição, que é refletir sobre o que está fazendo ou o que está aprendendo. Tenho utilizado a textoteca e palavras-chave para complementar o trabalho do novo método. Para facilitar o ensino-aprendizagem e a sua sistematização de acordo com o nível de aprendizagem por parte dos alunos, a textoteca, que já era organizada em três etapas, teve sua mudança significativa, porque passou a complementar o programa , sendo trabalhada através dos sons das letras. 1ª ETAPA: A primeira etapa da textoteca é realizada através do auxílio das palavras-chave e textos específicos que serão trabalhados de acordo com o som da letra daquele dia. Aliás, para todos os sons, além dos textos e palavras-chave, pesquisei em alguns livros de alfabetização palavras que complementassem o mesmo.

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Nessa etapa, cada aluno recebeu uma lista de palavras e os textos serão lidos coletivamente, porém a leitura de palavras será realizada individualmente, possibilitando ao mesmo, passar de uma etapa para outra dependendo apenas do seu próprio esforço e capacidade.

LEITURA BELA – BEIJA – BAILA – FLOR – AMOR – BATE – ASAS – COR – ESTE – ESCOLHE

BEIJA-FLOR BATE AS ASAS, BAILA NO AR, ESCOLHE A MAIS BELA FLOR. ALIMENTA-SE DE AMOR ESTE INQUIETO BEIJA-FLOR. Exemplo 1

2ª ETAPA: A segunda etapa da textoteca é realizada com textos pequenos, que facilitam a aprendizagem, por serem de uma linguagem de fácil aquisição e por desenvolverem o gosto pela leitura, já que os mesmos fazem parte do contexto do aluno, facilitando assim, a leitura e a compreensão. Na aplicação dessa atividade, cada aluno receberá um ou dois textos para lerem, individualmente, podendo passar sucessivamente de uma leitura para outra, dependendo de sua eficácia. Após a chamada individual de textos, dependendo da qualidade da leitura, o mesmo passará para a outra etapa.

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A BOLA A BOLA É DO RUI. ELE JOGOU COM O PAPAI. A BOLA ROLOU NA REDE. OBA! RUI FEZ UM GOL! Exemplo 2 (autoras: Sandra de Oliveira e Rita de Cássia)

3ª ETAPA: A terceira etapa do trabalho de leitura é realizada com textos maiores, de nível de leitura mais complexa e de diversos gêneros literários, que atenderá ao leitor de nível mais elevado. Nessa etapa, será utilizado o mesmo processo das outras etapas, o aluno receberá um texto, fará a leitura individual e só passará para outro quando estiver apto. A diferença é que, nessa fase, a leitura do aluno passa por um refinamento e aperfeiçoamento mais eficaz, tornando-o um leitor fluente. Este momento, será fundamental para que o mesmo compreenda o que lê, fazendo também uso social da escrita e dos conhecimentos adquiridos, torne-se um leitor que construirá o seu próprio conhecimento, suas ideologias, sendo e fazendo parte da sociedade em que vive, não será apenas uma criança alfabetizada, mas também letrada. Na imagem abaixo, os alunos estão na roda de leitura realizando o trabalho com a textoteca. Para motivá-los, procurei criar um espaço diferenciado, o tapete mágico. Esta atividade foi apresentada no Projeto Biblioteca, realizado pela turma do Pró-letramento de linguagem e consiste em colocar as crianças para a leitura em volta do tapete, utilizando a textoteca, lendo diversos gêneros literários para os próprios colegas e escolhendo os textos que mais lhes atraem. Vale salientar que, em todas as etapas da textoteca, serão realizadas leituras coletivas através de xerox de textos, leituras no quadro, no papel madeira, cartolina, e principalmente o aluno terá contato com os diversos gêneros literários que lhes ajudarão no desenvolvimento da compreensão e da escrita. 44


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A textoteca atende às habilidades individuais e coletivas de leitura, interpretação e escrita dos alunos e complementa o Programa, dandolhe maior qualidade e diversidade de leitura, contribuindo para que os alunos, com mais capacidade e facilidade para aprender, possam também evoluir, uma vez que o objetivo é promover esses alunos de uma etapa para outra, o que lhes trará maior motivação pela leitura e concentração. Contudo, apesar de todo material didático, as crianças com dificuldades de aprendizagem precisam de uma atenção individualizada e de mais tempo para aprender, devendo ser reforçadas nas competências de leitura e escrita que não conseguiram atingir. A experiência do meu trabalho com a textoteca foi realizada em uma sala com 31 alunos. Sendo menores as dificuldades de aprendizagem, os alunos têm um comportamento melhor e são mais auxiliados pelos pais nas leituras e tarefas de casa. Também são poucos os alunos que nunca estudaram. Diante das dificuldades passadas, aperfeiçoei-me mais e fiz algumas mudanças na metodologia empregada, valendo ressaltar que o diretor e coordenadores nos apóiam em todas as decisões e nos dão estratégias, também, eficazes. Neste início de ano, o meu trabalho foi modificado apenas no acompanhamento da leitura, que era mais individual e passou a ser uma leitura mais coletiva, pois através de xerox fiz leituras para todos lerem coletivamente. Com isso percebi que a leitura correta de alguns alunos ajudava muito aos que tinham dificuldades na leitura. O trabalho realizado neste ano, com ajuda da textoteca, tem tornado o meu resultado cada vez melhor que o anterior. Os dados gerais das competências do teste de junho ficaram em torno de 77% e o que mais me chamou atenção foi o nível de compreensão que foi superior ao do ano passado, pois o trabalho que realizo através da interpretação com os textos da textoteca ajudaram muito, como veremos nas atividades abaixo: um bilhete e uma produção de texto.

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Com base nas experiências realizadas com a textoteca e palavraschave como complemento do Programa “Metafônico”, os resultados são de uma aprendizagem eficaz e com qualidade, pois constatei que essa forma de estudo desperta nos alunos maior envolvimento, porque os mesmos se entusiasmam quando percebem que podem passar de uma leitura para outra. As atividades que realizo, devido à variedade de textos, também têm influenciado alguns professores, os quais sempre utilizam algumas de minhas idéias para complementar o seu trabalho. É importante relatar que na nossa formação em serviço existem momentos em que trocamos experiências e fazemos bastante estudo, o que auxilia muito no nosso desempenho em sala de aula. Sendo a alfabetização um processo, nem todos os alunos aprendem da mesma forma ou no mesmo tempo, e podem apresentar problemas e dificuldades. Pude constatar na prática e a superação desses dependerá muito da percepção, capacidade e dedicação do professor, em ter conhecimentos necessários para desenvolver um trabalho mais individualizado com esses alunos. Por isso, precisamos estar em constante aperfeiçoamento, sempre nos capacitando através de cursos e também praticando muita leitura. A SISTEMATIZAÇÃO DE PRÁTICAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS A oportunidade de participar e construir um saber enriquecedor tornou-se, para mim, um momento único e extraordinário, porque esta atitude de disseminação de nossas experiências é uma demonstração de valorização do profissional como ser criativo, capaz de reinventar práticas de ensino. Os conhecimentos adquiridos serão fundamentais e motivadores para que eu possa continuar registrando e sistematizando cada vez com mais eficácia e refinamento as minhas práticas-pedagógicas. Concluindo, reflito: “não há método ou fórmula que alfabetize por si próprio, mas existem profissionais que constroem conhecimentos, transformando idéias em ideais, porque são persistentes, obstinados e têm verdadeira paixão pelo que fazem”. 46


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ALLIENDE, Felipe e CONDEMARÍN, Mabel. A leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento, 8ª ed, Porto Alegre: Editora Artmed, 2005. BATISTA, Antônio Algusto Gomes...., et al. Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e linguagem. Ed. rev. e ampl. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. BRASIL, Ministério da Educação – Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. 1ª a 4ª séries: Língua Portuguesa. 3ª ed. Brasília: A Secretaria, 2001. CAMPOS, Dinah M. de Souza. Psicologia da aprendizagem. 30ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. COELHO, Maria Tereza. Problemas de aprendizagem. 3ª ed. São Paulo: Editora Ática S.A., 1991. PASSOS, Célia M, Costa e SILVA, Zuleide Albuquerque. Eu gosto de ler e escrever: cartilha. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1996. SÃO PAULO. Fundação Victor Civita. Revista Nova Escola. Edição 180. São Paulo: Editora Abril, 2005. VALE, Zélia Del Rio do, e FAGALI, Eloísa Quadros. Psicologia institucional aplicada: a aprendizagem escolar dinâmica e construção na sala de aula. 5ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.

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DE GÊNERO EM GÊNERO A LEITURA ACONTECE Francisca das Chagas Ferreira dos Santos

“Se ensinarmos uma criança a ler, mas se não desenvolvermos o gosto dela pela leitura, todo nosso ensino é em vão. Teremos produzido uma nação de “alfabetizados analfabetos” – aqueles que sabem ler, mas não lêem”. (Huck)

INICIEI O PRESENTE ANO LETIVO DE 2008 COMO PROFESSORA numa turma de 3º ano do Ensino Fundamental na Escola Manoel Marinho, localizada na zona rural, conhecida como Caioca. A escola pertence à rede de ensino municipal do município de Sobral, no estado do Ceará. Minha turma é composta por vinte e duas crianças, de ambos os sexos, com idade entre oito e nove anos e com situação familiar muito semelhante, provinda de camada popular e que pouco se utiliza da escrita. Logo nos primeiros dias de aula, através de observações e registros das produções escritas das crianças, percebi que já estavam alfabetizados. Faltava-me desafiá-los para desenvolverem maiores competências de leitura e escrita para se tornarem leitores e escritores proficientes, capazes de interagir com a língua e o mundo, compreendendo-os e construindo seus próprios repertórios de textos orais e escritos. Iniciei o trabalho pedagógico a partir da leitura dos diversos gêneros textuais literários, como poesias, fábulas, contos etc., visto que a maioria das crianças das escolas públicas, sobretudo as que residem na zona rural, tem o acesso mais restrito à escrita, desconhecendo muitas de suas manifestações e utilidades.


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Diante dessa realidade, por mediação do professor, torna-se necessário que a escola proponha condições e práticas de ensino onde a diversidade textual esteja presente, sendo lida e explorada no cotidiano da sala de aula. Durante os planejamentos pedagógicos coletivos, realizados quinzenalmente com os professores da escola, apresentávamos as experiências exitosas, discutia-se sobre problemas relacionados às dificuldades de aprendizagem de alguns alunos (apontados pelos professores), refletia-se sobre os desafios e as estratégias de intervenção na prática do ensino. Esses momentos, que considero bastante significativos, possibilitaramme repensar minha prática pedagógica e, conseqüentemente, ressignificar minhas ações, por meio da organização de uma rotina de trabalho sistemático. Além de perceber que o passo inicial do trabalho a ser desenvolvido seria planejar ações onde a turma pudesse estar envolvida em um ambiente letrado. Então, possibilitei aos alunos o contato direto com os textos (reais, de circulação na sociedade) e a exploração dos mais diversos suportes de textos escritos, como jornais, revistas, dicionários, cartões, folhetos e outros. Por conseguinte, passei a realizar círculos literários com apoio do pequeno acervo bibliográfico da escola (coleção “Literatura em minha casa”). Diariamente, ao iniciar a aula, com as crianças dispostas em círculos, realizava leitura compartilhada de contos literários. Naquele momento, minha intenção, além do incentivo à leitura, era que as crianças me vissem como uma professora amante da leitura, tornando-me referência para elas. De acordo com Condemarin (2005), “O prazer e o entusiasmo pela leitura são estimulados quando os alunos participam de discussões sobre livros, círculos de leitura ou círculos de literatura. Esses grupos de leitores podem organizar-se

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em torno de interesses e propósitos comuns. A participação em grupos supõe compromisso cognitivo. Não apenas facilitam a expressão oral dos alunos, como também desenvolvem seus níveis superiores de pensamento à medida que os seus significados são construídos interativamente [...]” (CONDEMARIN, 2005, p. 184).

Ao iniciar a atividade relatava à leitura, oferecia informações sobre: autor e data de publicação, objetivos da obra, outros livros publicados etc. Esses dados permitem situar o texto no contexto em que foi produzido e, conseqüentemente, ampliar a compreensão e o prazer pela leitura, além de contribuir para a formação de leitores cada vez mais informados e interessados, igualmente capazes de tirar proveito do que lêem. Já nas primeiras leituras, as crianças se mostraram bastante atentas e curiosas. Com o passar dos dias, por meio de suas falas informais, pude perceber o gosto que demonstravam pelas atividades de leitura. Gradativamente, verbalizavam suas opiniões, recontavam as narrativas lidas em sala, com isso ampliando a comunicação, o desenvolvimento do raciocínio lógico e, a compreensão da leitura. Posterior às leituras, recapitulávamos o texto por meio dos elementos fundamentais de cada gênero, como idéia principal, funcionalidade, intenção, progressão textual. Com esse exercício, as crianças verbalizavam suas opiniões, compartilhavam as histórias, comentavam as ilustrações, reconstituíam oralmente os contos e outras narrativas. Além do aumento no grau de participação das crianças e na sua comunicação, esse era um momento rico, onde havia a possibilidade de perceber o quanto tinham compreendido ou não o texto. Na ocasião, complementava o trabalho ajudando-as a obter uma compreensão

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global da escrita, ao confirmar ou refutar hipóteses relativas ao conteúdo do texto que estava sendo estudado. Assim, levantando e checando hipóteses interpretativas, as crianças iam produzindo o indispensável “fio da meada”, que permitia compreender o texto. A partir dessa atividade, as crianças foram desenvolvendo uma postura de leitores, indicando livros para os colegas, revelando preferências de leituras, sabendo escolher o que queriam. Daí surgiu a idéia de escolher junto com a turma o gênero textual para leitura diária, levando em consideração a faixa etária e interesse dos alunos. A prática tornou-se rotina diária. Passei, então, a relacionar o estudo dos textos, partindo das estruturas e características semelhantes, formando, assim, os pares (bilhete, carta, biografia, autobiografia, poema, música, dentre outros). Diariamente, ao iniciar o estudo do gênero retomava o trabalho feito no dia anterior, ou seja, à medida que introduzia o estudo do gênero carta, retomava a explicação do gênero bilhete. Essa sistemática contribuía para a consolidação da aprendizagem. Concomitantemente, realizava a escrita a partir dos textos estudados. Ao observar as produções, percebi as hipóteses das crianças e suas principais dificuldades ao transformarem as informações orais em informações traduzidas em palavras, frases e textos escritos. Esse diagnóstico inicial possibilitou a organização de intervenções mais adequadas para a turma. A partir das reflexões, criei situações significativas de escrita onde eram vivenciadas circunstâncias que levavam as crianças a sentirem necessidade de escrever. Sempre escrevíamos anúncios, procurando algum aluno que não havia chegado à sala, convites para as crianças de outras turmas para participarem de eventos promovidos na escola, bilhetes para os colegas de outras salas, listas de material escolar que não poderiam ser esquecido pelas crianças, notícias dos acontecimentos importantes da escola etc.

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Mesmo com as várias intervenções feitas na escrita das crianças, eram visíveis os erros considerados mais comuns num processo de alfabetização (transcrição fonética, dialetação, aglutinação e segmentação de palavras, colocação inadequada de maiúsculas/ minúsculas, estrutura deficitária do texto, incoerência na ordem das idéias etc.). Daí passei à produção de textos coletivos. Naquele momento, eu era a escriba, provocando reflexões sobre a linguagem e as práticas sociais de produções. Essa postura pedagógica permitia que as crianças aprendessem como se constrói um texto, como se elabora a linguagem cotidiana para transformá-la em escrita. Então, objetivando incentivar a produção escrita das crianças expus em sala um grande envelope – confeccionado com folha de papel madeira – com fotos de autores conhecidos, estimulando todas as crianças a escreverem diariamente seus textos para que os pusessem lá. Passei, assim, a iniciar a aula realizando a leitura das produções deixadas no envelope, que recebeu o nome de “Correio da Semana”. Ao fazê-lo, notava grande satisfação dos alunos ao me ouvir lendo seus respectivos textos. Comentei com a turma que os textos seriam selecionados pela direção da escola. Ao final do semestre, seria realizada uma exposição dos melhores textos, posteriormente seria publicado um livro onde todos seriam co-autores, livro este que teria o título “De gênero em gênero a leitura acontece”. Nessa atividade, as crianças passaram a ser sujeito de sua aprendizagem, com participação ativa nas atividades propostas. A partir daí, organizei um portifólio das escritas em forma de arquivo, com registros da aprendizagem dos alunos. Com os textos selecionados comecei a fazer o estudo dos gêneros com as respectivas produções, o que provocava na turma o desejo de escrever mais. Com isso, intensifiquei o trabalho com a leitura e a escrita, a fim de promover no grupo atitudes e comportamentos favoráveis à leitura. Isso implicaria não só na exploração dos suportes textuais em sala, mas na utilização da biblioteca para manuseio, leitura e empréstimo de livros, jornais e revistas.

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Como na escola não existia biblioteca, a solução era construir uma biblioteca de sala. Através da mobilização dos pais, juntamente com a comunidade, construímos a nossa biblioteca. Para compor o acervo, as crianças foram motivadas a arrecadarem livros por meio de doações. Incentivando a todos os moradores a se mobilizarem e a doarem livros para a biblioteca, caixas ficaram expostas na escola e no maior comércio da localidade. Esse foi realmente um dia especial para todos os alunos. Após a organização dos livros, inauguramos nossa biblioteca que recebeu o nome de “Biblioteca Cecília Meireles”, em homenagem à grande escritora que, além dos grandes poemas que nos legou, teve grande interesse pela infância e sua educação, inaugurando em 1930, a primeira biblioteca infantil do Brasil, localizada no Rio de Janeiro. Nossa biblioteca tinha o acervo organizado em caixas de papelão, dispostas umas sobre as outras no formato de miniestantes. Por meio de livre escolha, uma aluna foi indicada para atuar como bibliotecária – profissional tão importante, mas muito restrita às bibliotecas públicas escolares, fato que evidencia o quanto a biblioteca costuma ser desvalorizada no currículo escolar, o que desprestigia a posição do bibliotecário na escola. Com a dinamização do acervo, a leitura tem-se tornado cada vez mais prazerosa, fazendo parte do cotidiano das crianças. A partir da motivação provocada pela biblioteca de sala, propus eleição mensal para a escolha do autor do mês, selecionando dois autores de grande referência da literatura infantil, como José Paulo Paes, Ruth Rocha, Maurício de Sousa, Ziraldo, Ana Maria Machado etc. Para a eleição, no decorrer da semana eu ampliava as informações biográficas e bibliográficas sobre os mesmos. Na sexta-feira, com uma exposição em sala, a criançada votava no autor a ser estudado no respectivo mês. Depois da eleição, intensificava a leitura a partir das obras do autor escolhido. A atividade foi um sucesso, percebia o quanto todos ficavam empolgados na contagem dos votos. Com o passar dos meses, fui mesclando a eleição por autores cearenses e regionais como forma de conhecermos os grandes escritores da nossa região. Sob gerência da escola, passamos a visitar periodicamente a Biblioteca Municipal de nossa cidade (Sobral), até então só conhecida através de fotos.

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Senti grande satisfação ao perceber que, durante as visitas, os livros do autor escolhido em sala eram os mais procurados pela turma. Este sentimento ampliou-se quando algumas mães passaram a acompanhar, sistematicamente, seus filhos – meus alunos – nesta visita. Era visível o encantamento de todos os familiares que os acompanhavam, tal qual era a minha satisfação em tê-los como parceiros nesse processo e a mostrarem-se simpáticos à prática leitora, fato este que só veio a contribuir com os propósitos educacionais. Considero que essa foi uma maneira de manifestar, aos olhos dos familiares, minha preocupação com o sucesso escolar das crianças, mostrando muito concretamente que hábitos culturais devem ser adquiridos desde a infância. Com tais atitudes aprendi a desmistificar muitas idéias preconceituosas, adquiridas como verdades ao longo de minha experiência como professora, especialmente as que argumentavam que crianças de classes menos privilegiadas apresentavam maiores dificuldades de aprendizagem, enquanto as detentoras de condições sócio-econômicas melhores compreendiam os conteúdos escolares com mais facilidade. Com meus alunos, com novas leituras e com as últimas experiências docentes aprendi que o avanço de nossos alunos depende, principalmente, de ações bem planejadas e do interesse do professor em modificar sua realidade. SOLÉ, Isabel. Schiling, Cláudia (trad.) Estratégias de leitura. Porto Alegre: Art. Méd,1998. CAGlIARI, Luis Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998. ALLIENDE, Felipe; CONDEMARIN, Mabel. A leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Art. Méd., 2005. CHARTIER, Anne-Marie. Ler e escrever, entrando no mundo da escrita / Anne-MarieChartier, Chirstiane Clesse, JeanHébrard: trad. CarlaValduga. – Porto Alegre: artes Médicas, 1996. Revista Nova Escola. Biblioteca escolar, muito prazer. Ano XVIII. n° 162. Maio de 2003. COSTA, Tarcila Martins da Biblioteca Escolar do Centro Pedagógico da UFMG. Revista da Biblioteconomia da UFMG, Belo Horizonte V4 N² p 278, set. 1975.

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A LITERATURA CONSTRUINDO SABERES E FORMANDO LEITORES Francisca Rosa Paiva Gomes

“Acreditamos que o professor é quem cria, planeja, inventa situações e atividades de forma que as crianças aprendam a ler e escrever. E isto é radicalmente diferente de ensinar a ler e a escrever.” (Ana Teberosky)

MEU TRABALHO COMO COORDENADORA PEDAGÓGICA NO MUNICÍPIO DE SOBRAL teve início no mês de agosto de 2007. Já desempenhava um trabalho de coordenação em minha cidade natal (Reriutaba), mas algo me inquietava: na realidade educacional em que eu estava inserida, a leitura e a escrita ganhavam força somente naquele momento, enquanto que em Sobral a alfabetização já era uma política de sucesso. Isso me fez chegar até aqui. Hoje desenvolvo minhas atividades na Escola Leonília Gomes Parente, em Jaibaras, ao lado de uma grande equipe, trabalhando na formação leitora de meus alunos e professores. A partir de um dos encontros do “Olhares”, tive a oportunidade de conhecer o trabalho do poeta e cartunista Klevisson Viana. Iniciei na Semana do Livro, junto com minhas companheiras coordenadoras, uma semana de atividades voltadas para o incentivo à leitura, à produção de livros e um maior acesso dos alunos à biblioteca da escola. A sensibilização das atividades ocorreu no planejamento pedagógico, quando foi feita uma roda de leitura de cordéis junto aos professores, para que estes tivessem uma noção de como trabalharíamos a partir daquela data. No início, os professores acharam que seriam atividades demais para serem desenvolvidas em um período de uma semana. A partir daí, passei para os mesmos que aquela semana não seria como outra qualquer, que meu intuito era mobilizar a escola com atividades


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de leitura e escrita, e que os alunos vissem aquela semana com um novo olhar sobre a escola, e principalmente sobre a biblioteca. As atividades tiveram início dia 14 de abril. Disponibilizei o meu acervo pessoal de literatura infantil para as salas, onde aconteceram as rodas de leitura, que foram diárias. Houve leitura e criação de poesia. Com os alunos do 1º e 2º ano, foram feitas interpretações de textos através de desenhos. Os demais alunos fizeram dramatização, confecção e doação de livros. Foi planejado o momento específico na rotina que chamamos de “Leonília tomando gosto pela Leitura” (LTL). A sistematização das atividades foi distribuída entre os gestores, sendo que coordenei as salas do 4º ano do Ensino Fundamental I, bem como o Ensino Fundamental II. No 4º Ano, iniciei, junto com os professores, a leitura da coleção “Baião das Letras” (Coletânea de livros composta por gêneros literários e ilustrações diversas, de vários autores cearenses, composta de 25 livros), com o reconto do livro “O pulo do gato”, de autoria de Klévisson Viana. Apresentei primeiramente a biografia do poeta, como também a assinatura deixada em um dos livros da coleção. Esse Roda de Leitura

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momento foi muito relevante. Percebi o quanto a história do escritor chamou a atenção dos alunos, pois eles o identificaram como figura presente em sua realidade: pessoa comum, do interior do Ceará, que um dia se tornou figura de destaque no mundo da leitura e da escrita. Com os alunos e professores da escola, fiz a roda de leitura denominada LTL (Leonília tomando gosto pela Leitura). Todos participavam. A sistemática usada por nós para esse momento era marcada com a batida do sino, todos os dias às oito horas da manhã. A escola inteira parava para a leitura. Na oportunidade, foi feita a distribuição de uma coleção de cordel para a leitura diária com os funcionários. Os professores assumiram o compromisso de desenvolver essa prática com seus alunos.

Livro confeccionado pelos alunos

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Feira do Livro

Outra atividade de sucesso foi a confecção de livros, sistematizada pelos professores no contra-turno. Com isso, ocorreu uma maior visita à biblioteca e uma busca de mais leituras por parte dos alunos para a produção dos livros. A partir dessas atividades, a biblioteca passou a ser mais visitada. Com isso, nova dinâmica surgiu na escola. Dado o espaço físico da biblioteca e o grande número de alunos que a procuravam, fizemos no corredor da escola o “Canto da Leitura”, para que os alunos tivessem mais acesso aos livros, isso com a supervisão da bibliotecária responsável. Esse espaço passou a ser muito visitado e o acervo da biblioteca passou circular mais, pois, todos os dias, a bibliotecária organizava os livros para os empréstimos e manuseio dos mesmos.

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No último dia de atividades (18 de abril), organizei com os professores e alunos a “Feira do Livro”, que ocorreu na calçada da praça da localidade. Foi um grande sucesso de vendas. Os livros custavam R$ 0,10 (dez centavos) cada um. Na ocasião, percebi o sentimento de pertença que sentiam os alunos por suas produções literárias. No final do dia, deu-se a apresentação dos livros confeccionados, com a entrega de prêmios para as salas que mais leram durante a semana e para aquelas que conseguiram maior quantidade de doação de livros. Nessa ocasião, apresentaram-se as melhores poesias escritas pelos alunos. A turma que conseguiu ler mais e mereceu destaque foi uma das turmas do 4º ano, que ficou com a sistemática dos livros da coleção “Baião das letras”. Percebi que o gosto pela leitura não se ensina, mas transferimos o gosto por ela, mediada por ela mesma, através do contador e do escritor. Terminada a semana de atividades, notei como a dinâmica dos trabalhos desenvolveu nos alunos o gosto pela leitura e escrita e o que ficou mais forte foi a visita à biblioteca e ao canto da leitura. Ao avaliar com os professores, estes relataram como as atividades motivaram os alunos e que eles não tinham a real percepção de tudo o que tinha acontecido, que se fazia necessário transformar as atividades em um projeto a ser trabalhado na escola. Após o período de sistematização dos trabalhos, a escola vem desenvolvendo essas mesmas atividades. Observo que o projeto proporcionou à Escola um dinamismo muito grande na proficiência de leitura e escrita, bem como no acesso diário à biblioteca. Concomitantemente, observo também um maior impulsionamento por parte dos professores, visto serem eles os verdadeiros protagonistas do perene e exitoso processo de alfabetização que vêm passando os alunos da rede pública municipal de Educação de Sobral. Hoje desenvolvo essas atividades na Escola Manoel Marinho, escola esta que não possui biblioteca, onde sistematizo essas atividades com a equipe de professores e alunos do projeto “Amigos da Leitura”.

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Montamos um espaço denominado “A palhoça da leitura”, local que se transformou em um lugar mágico, onde faço diariamente contação de histórias, onde os alunos contam, comentam sobre os livros, falam da biografia dos autores, dramatizam e cantam. Ressalto que também são feitas rodas de leituras e contação, três dias na semana, momento no qual entramos nas salas e fazemos as rodas literárias com comentários dos autores e biografias. Essas atividades têm dado um grande impulso na escola e nas ações de sala de aula: comportamentos vêm sendo desenvolvidos nos alunos e nos professores, que desenvolvem a leitura para as contações de histórias. Essas ações ganharam um novo olhar e um novo significado em minha prática e formação. Para mim, foi o nascimento da literatura em meu fazer pedagógico dentro da escola, pois precisava ressignificar as atividades diárias de leitura e escrita. A partir daí venho desenvolvendo uma sistemática de leitura denominada “Ler, Contar e Recontar”. Percebi a grandeza que é levar o aluno a criar e para a criança criar, ela precisa ser motivada e seu imaginário ser desenvolvido, pois parafraseando o escritor cearense Fabiano dos Santos “o contador de histórias vem antes do Escritor”.

CEARÁ, Secretaria de Educação Básica. Histórias Infantis Cearenses: Experiências de Contar (Manual para dinamização). Organizadora: Elisabeth Gomes Pereira Firemam.Fortaleza: SEDUC, 2006; COELHO, Betty. Contar Histórias: Uma Arte Sem Idade. Rio de Janeiro: Editora Ática, 2004, 10ª edição. 60


O ATO DE INCENTIVAR O ALUNO A FAZER SUAS PRÓPRIAS REFLEXÕES O AJUDA A IDENTIFICAR O CONHECIMENTO OBTIDO NA ESCOLA COMO FUNDAMENTAL NA SUA VIDA COTIDIANA

Geovani Alves Teotônio

INICIEI MINHA VIDA DE EDUCADOR NO ANO DE 2007, como professor substituto. Lecionava a disciplina de Ciências para alunos do 7º ao 9º ano do Ensino Fundamental, na Escola José Inácio, Jordão, Sobral – CE. Percebia que os alunos aprendiam a matéria apresentada no livro didático, mas que não conseguiam absorver os conteúdos para sua vida, pois no seu cotidiano quase nunca iriam aplicar o que aprendiam nas aulas. Conversando com alguns alunos, indaguei sobre em que a disciplina ensinada por mim era importante para suas vidas, e eles responderam que era para tirar boas notas. Em 2008, tive a oportunidade de assumir três turmas de 6º ano na Escola Osmar de Sá Ponte, com as disciplinas de Ciências e Matemática, e confirmei o que já tinha percebido no ano anterior. Minha missão era redimensionar esse ponto de vista dos alunos, de que algumas disciplinas não poderiam se encaixar no cotidiano deles. No início, me vi com uma problemática a ser resolvida, e não tinha idéia do que fazer. Todos diziam que as escolas do município não tinham recursos suficientes para educar corretamente. Consideravam que um quadro, um giz e um livro didático não eram o bastante. Foi meu primeiro desafio, fazer desses poucos recursos algo que pudesse me ajudar no dia a dia. Com Matemática, eu iniciava geometria. Os alunos sabiam bem os nomes dos sólidos geométricos e polígonos, mas não tinham a noção de como esses objetos iriam ajudar em sua vida prática.


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Então, comecei a tentar despertar neles o interesse de levar conteúdos de sala, para o cotidiano. Perguntei a eles qual o formato de uma caixa de sapatos, responderam que era um paralelepípedo. Perguntei por que aquele objeto tinha esse formato, a maioria não soube responder. Pedi que imaginassem outros formatos para uma caixa de sapatos e que enumerassem o que seria bom e o que seria ruim nesses formatos indicados por eles. Por exemplo, um dos alunos supôs a caixa de sapatos em forma piramidal e disse que, além de não aproveitar bem o espaço da caixa, seria difícil de empilhá-la, ou armazená-la num depósito. Daí surgiram vários fatores que podiam explicar por que uma caixa de sapatos tem forma de paralelepípedo. Usando apenas uma caixa de sapatos, um giz e o quadro, consegui fazer com que os educandos enxergassem algo que estava presente no dia-a-dia, e que fazia parte do conteúdo daquele ano. Estudávamos o ar. Ao explicar que o ar exerce pressão, muitos alunos não entenderam bem o que isso significava. Isso foi constatado através de indagações e exercícios escritos. Resolvi pegar um copo cheio de água e uma folha de papel. Coloquei a folha de papel sobre a borda do copo, e o virei. O espanto deles foi total, ao verem que a água não caiu do copo. Pedi que eles me explicassem o que tinha feito para que a água não caísse. Diante do silêncio da turma, pedi que observassem que parecia que tinha algo segurando a folha. Então, eles perceberam que o que mantinha a água no copo era o ar, que pressionava a folha de papel. Expliquei que o ar possui massa, mas muitos discordaram, pois como poderia algo que não podemos ver ter massa? Pedi aos alunos que trouxessem de casa um palito de picolé, dois balões e um pedaço de barbante. Antes de começar o experimento, pedi que todos verificassem que os dois balões eram exatamente iguais. Em seguida pedi que eles enchessem um dos balões com ar. Pedi que, em uma das extremidades do palito, eles amarrassem o balão cheio, e, na outra, o vazio. Colocamos o barbante exatamente no meio do palito e foi grande a surpresa quando os alunos viram que o lado do balão com ar estava mais baixo que o vazio.

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Voltando para a Matemática, estávamos estudando propriedades associadas às quatro operações. Ao estudar adição, vimos o princípio aditivo multiplicativo, que consiste em quantidades adicionadas a quantidades já existentes, nas quais as quantidades podem ser representadas como parcelas iguais das unidades do sistema de numeração decimal. Perguntei aos alunos quanto custava um doce no bairro em que moravam. E perguntei depois quanto custariam onze doces. E quarenta e cinco doces? Através de suas próprias respostas, eles conseguiram identificar essa propriedade. Em todas as experiências relatadas, foram usados materiais simples, os alunos foram exortados a criarem possibilidades, e, acima de tudo, aprenderam a ver que o que se estuda na sala de aula é vivenciado no mundo que existe fora da escola. Essa evolução se tornou evidente, na postura dos alunos, antes e depois dessa forma de ensinar. Hoje, toda vez que vou ensinar um conteúdo novo, as crianças, por si só, criam suas próprias possibilidades e procuram, mesmo sem que eu peça, situações que possam usar no cotidiano. Isso faz com que a prática docente tenha sucesso não somente no papel, mas na prática, faz com que os alunos reconheçam que são capazes, e que o que aprendem na escola, não é nada utópico, mas real, e aplicável ao seu dia-a-dia.

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EDUCADOR: ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA Gilton Viana Oliveira

MUITAS VEZES NÓS PROFESSORES ACHAMOS QUE PARA O ALUNO gostar de uma aula é preciso que esta seja informatizada, que tenha conteúdo bem atualizado e que leve o aluno a conhecer sobre a “‘Era da informatização”. Posso dizer que encontrei um outro caminho para agradar meus alunos, eles precisariam ser desafiados. Ninguém imaginava que, uma pequena disputa de saber, a equipe que construiria a mais bonita lixeira da escola, se transformaria na festa mais animada e ecológica que os moradores de Caracará já viram: o “Projeto Ecologia 2008”. Esse foi o primeiro projeto relacionado à disciplina de Geografia e envolveu praticamente todos os alunos da escola (desde o ensino infantil até o nono ano) e ficará para a história da escola e da comunidade de Caracará. Tudo começou quando a diretora propôs às coordenadoras pedagógicas Joana e Ângela que pensassem num projeto sobre Ecologia que envolvesse os professores. O projeto deveria durar apenas o período do mês de março, mas tomou proporções maiores. Seriam propostas tarefas para cada professor e cada tema seria trabalhado na sala de aula. Desde o começo, pensei em fazer trabalhos diferentes, pois esse foi o primeiro momento em que tive a oportunidade de trabalhar com um tema relacionado à minha experiência na universidade e não podia deixar passar em branco.


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Comecei, então, a preparar todo o material (jogos temáticos sobre a natureza, aulas de campo, músicas etc.). Foi quando percebi que um mês não seria suficiente para a realização do projeto. Por sorte, a Escola de Formação de Professores nos orientou a trabalhar com o tema entre os meses de abril a junho, pois seria o período perfeito para trabalharmos sobre o clima de nossa região. Então, levei esta proposta à coordenadora Joana, que logo aceitou. Comecei o projeto, que consistia de três etapas: 1- A elaboração de uma frase que representasse o projeto; 2- A criação de um primeiro desafio que agradasse a todos; 3- O encerramento.

1- UMA FRASE INICIAL PARA O PROJETO ECOLOGIA No mês de março, decidimos escolher, através de votação, uma frase que representasse bem esse tema e que fosse criada pelos próprios alunos. A escolha da melhor frase seria através de votação dos professores. Após uma semana recolhendo as frases, tínhamos em mãos mais de 30 delas. No trajeto da nossa escola até Sobral, que dura cerca de uma hora, escolhemos as sete melhores que iriam para a seletiva final. Durante o planejamento da escola, que é na última sexta-feira de cada mês, foi feita a escolha. Os professores logo indicaram duas frases que mais representavam o projeto: 1- “Salve nossa natureza, pois nós vivemos nela”; 2- “A natureza pede socorro”. Após várias opiniões, ficou decidido que a segunda frase “A NATUREZA PEDE SOCORRO!”, daria nome ao projeto.

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2- UM PRIMEIRO DESAFIO Tendo sido decidida a frase, começamos as atividades. Todos os professores abordariam um tema sobre natureza, o meu seria sobre reciclagem. Eu tinha que discutir com os alunos dos sextos e sétimos anos as temáticas sobre reciclagem. Primeiro, passei alguns documentários de dvd’s que tratavam bem desse assunto, pois relatavam sobre grandes cidades brasileiras que não reciclavam o seu lixo. Falavam, também, de regiões onde já se praticava a reciclagem. Os alunos ficaram encantados por uma casa que havia sido construída apenas com isopor e garrafas pet recicladas e misturadas com cimento. Essa casa foi construída em uma reserva ambiental da região sudeste do Brasil. Percebi que os alunos se identificaram com esse tipo de trabalho e que sentiram vontade de fazer algo parecido. Foi quando tive a idéia de criar um desafio para eles, pois a escola é reconhecida por sempre ter alunos que participam de competições. Este primeiro desafio tinha que ser divertido e, ao mesmo tempo, teria que ser útil a algum propósito, assim os alunos veriam que seus trabalhos não seriam esquecidos. Mas, os professores só poderiam ficar na torcida, nada de ajudar seus alunos. Pensando nisso, procurei algum problema da escola que fosse visível a todos. Notei que, após o recreio, o pátio da escola ficava cheio de um plástico em que era servido um mel, apelidado pela professora Rosilanina de “o mel da sabedoria”. Outra percepção era de que só havia lixeiras dentro das salas de aula, que ficavam trancadas nos intervalos. Decidi então lançar um projeto que se chamaria “Lixeira Premiada!”. O projeto consistiria em arrecadar lixeiras para o pátio da escola. A equipe que apresentasse a lixeira reciclável que fosse a mais resistente ao sol, à água das chuvas, e fosse a mais bonita também, ganharia a competição.

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Os professores e a direção da escola logo apoiaram, pois viram a possibilidade de acabar com alguns problemas. Também era uma forma de desenvolver a criatividade dos alunos, pois todos podiam participar. A diretora Lúcia decidiu, então, dar as medalhas da premiação. A prova consistia em formar grupos com apenas cinco alunos; os alunos do nono ano seriam responsáveis por investigarem se as lixeiras estavam realmente sendo construídas com materiais recicláveis; os jurados seriam pessoas da comunidade e da escola que não tivessem familiaridades com os alunos participantes. Durante a votação, cada jurado ganhou uma bolinha de papel e colocou-a na lixeira que considerava a mais bonita e resistente. A lixeira campeã foi construída pelos alunos do sexto ano “A”. Após a votação, as lixeiras foram espalhadas pelos corredores e começaram a ser utilizadas.

3- ENCERRAMENTO Em junho, conseguimos através de contatos com a AMMA – Autarquia Municipal de Meio Ambiente – levar até a escola algumas palestras que retratavam bem como as pessoas do nosso município lidavam com a natureza. Após estas palestras, percebi que o projeto poderia ser encerrado com “chave de ouro”. Foi quando a direção anunciou que, talvez, não tivéssemos a festa de quadrilha, pois, devido às chuvas, o calendário letivo estava atrasado, e como as aulas tinham sido paralisadas por bastante tempo, os professores não poderiam utilizar as aulas para os ensaios da quadrilha. Procurei a Cirliane, funcionária da SEHABE (Secretaria de Habitação e Saneamento Ambiental), para saber como ela poderia nos ajudar. Ela me deu a idéia de fazer um desfile ecológico, pois eles tinham muitas

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roupas feitas com materiais recicláveis. Era só a escola encaminhar um ofício solicitando estes vestidos. Quando cheguei em casa, comuniquei esta notícia à minha esposa Ângela e a meu irmão Gilvan. Eles gostaram da idéia e decidiram me apoiar. Só minha esposa soube das noites em que passei sem dormir, preocupado com este evento que, até então, seria bastante ousado, já que seria uma mudança na tradição da escola. Meu irmão ajudou na contratação de uma banda bem conhecida na região, o que foi fundamental. A partir dessa idéia, decidi que haveria um desfile ecológico, após isso, haveria a quadrilha improvisada e a festa. Depois, conheci um outro sanfoneiro e o convidei para formar um duelo de sanfoneiros durante a quadrilha. Quando levei esta proposta aos outros professores, alguns reprovaram e outros (a maioria) gostaram. Os que reprovaram alegavam que a quadrilha já era tradição na escola há muito tempo e os pais dos alunos não iriam gostar. A diretora Lúcia aprovou, pois esta seria a melhor solução para não tirar os alunos das salas para ensaios e não acabar com a festa. Ela também lembrou que seria uma novidade, por isso nós teríamos que tomar muito cuidado com os detalhes, para não desagradar aos pais, e que a festa seria em benefício dos alunos do nono ano, que também deveriam ajudar a buscar patrocínios, e foi o que eles fizeram. No dia 4 de julho, o dia da festa, todos os professores já estavam envolvidos no evento. As garotas já tinham sido selecionadas, sete no total, e seus pais assinaram um termo de confiança. Eles também acreditaram que seria uma ótima festa de quadrilha. Por volta das cinco horas da tarde, a quadra de esportes de Caracará, local do evento, já estava toda pronta, com bandeiras feitas de papéis reciclados e balões. A fogueira também já estava montada. Mais tarde veio uma chuva tremenda e um vendaval que arrastou tudo e acabou com todo o nosso trabalho de dias. Estava tudo acabado.

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— Não! Disseram as pessoas da comunidade. — Ainda dá tempo. Vamos cortar mais revistas e jornais que até a hora da festa tudo vai estar pronto de novo. Nessa hora, fiquei admirado. O que eu vi ali foi fantástico! Professores, alunos e a comunidade toda mobilizada, correndo contra o tempo para deixar a quadra pronta. E deu certo! Quando a festa começou, não se via mais nada destruído, estava tudo muito alegre: as barracas, o palco, as bandeiras e a passarela feita com garrafas pet, recolhidas e pintadas pelos alunos. As sete garotas estavam prontas e foram apresentadas ao público pelos oradores Márcio Melo, de Aracatiaçu, e Emídio, ex-aluno da escola. Cada uma desfilou, foi aplaudida e encantou a todos que assistiram. Os jurados eram representantes de patrocinadores e das bandas. Enquanto as garotas desfilavam, eram exibidas frases como: “Não desmate a floresta, depois você vai sofrer as conseqüências”; e poemas produzidos pelos próprios alunos eram lidos. Eles decidiram que a Garota Ecologia seria a aluna do 7º ano “B”, Maria Cíntia, e a Rainha do Milho de 2008 seria a aluna do 9º ano “A”, Adriana Sousa. Após o desfile, os sanfoneiros e as pessoas da festa começaram a quadrilha improvisada. Este foi um momento marcante no meu trabalho nesta escola. Com ele, percebi que vale a pena me esforçar por aqueles alunos. Hoje eu só tenho a agradecer à minha esposa Ângela e a todos que me deram a oportunidade de mostrar o meu trabalho. Para finalizar, listei algumas palavras que me motivam a buscar o melhor que tenho a oferecer, pois quem as ensinou foi minha mãe, Graça Viana, também professora: AMIZADE, RESPEITO, CARINHO, DEDICAÇÃO, CARÁTER, COMUNICAÇÃO, ESFORÇO, FELICIDADE, COMPAIXÃO, COBRANÇAS CONSTRUTIVAS e, principalmente, HUMILDADE.

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APRENDER A LER PARA ESCREVER COM PRAZER Glória Giovanni Sousa Melo

EM MARÇO DE 2007, APÓS UM ANO COMO TUTORA do Programa PróLetramento, retornei à sala de 1º ano na Escola Renato Parente, situada na COHAB III, na qual era lotada desde 2002, quando fui aprovada através de concurso público. Em minhas turmas, sempre procurei desenvolver o gosto pela escrita. Ao receber esta turma em 2007, deparei-me com uma classe bem heterogênea, composta por 20 alunos, sendo 10% das crianças leitores fluentes, 30% que liam palavras e 60% no processo inicial de apropriação do sistema de escrita. Minha preocupação era imensa, porém, persisti com o objetivo de sistematizar o trabalho com rodas de leitura, incentivando os alunos, dizendo que eles também eram capazes de produzir textos, porque eram crianças inteligentes, tanto quanto os autores daquelas histórias que eles ouviam. Então, propus a eles que no final do ano iríamos fazer um livro do qual que eles mesmos seriam os autores. A partir de então, iniciei o processo de formação de autores, com a sistematização de uma história durante uma semana. No primeiro dia, iniciava a contação da história, enfocando autor, título capa, ilustração, personagens, a predição (escrevendo suas hipóteses na lousa, para no final, fazer a comparação entre a opinião deles e o que acontecera na história), e partia para as compreensões literal (informações explicitas no texto), inferencial (informações implícitas no texto), e global (inter-relação das informações implícitas e explicitas do texto).


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No 2º, 3º e 4º dias, respectivamente, era feito o reconto da história e as crianças iam desenhar o começo, meio e fim da história, escrevendo o que elas lembrassem dessas partes da história, ainda que em poucas palavras. No 5º dia, íamos produzir um texto coletivamente, trabalhando a estruturação do texto. Eu mostrava-lhes a gravura do começo, meio e fim e eles recontavam a história. Depois, eu fazia o papel de escriba, utilizando um cartaz, para depois fazermos uma leitura antifônica (o professor lê uma frase do texto e os alunos a repetem). O desenvolvimento da turma foi tão rápido, que eu mesma me surpreendi, pois, ao passo que eu desenvolvia alfabetização, concomitantemente, desenvolvia o letramento (uso social das habilidades de leitura e escrita). A cada dia, um aluno queria contar uma história, como também ler o livro. Nos momentos de escrita, quando alguém não conseguia, os amigos mais habilidosos iam ajudá-lo. Outros escreviam bem rápido e repetiam as mesmas frases do começo ao fim, para que seu texto ficasse bem grande. Mas todos queriam mostrar que conseguiam escrever seu texto. E, com essa sistematização, trabalhei durante o ano todo, conseguindo um resultado de 95% em leitura e escrita e de 85% em compreensão. Ao iniciarmos o ano letivo de 2008, novamente com uma turma de 1º ano, na escola Renato Parente, escolhi como objetivo aprimorar a formação de alunos-autores, passando a chamar a roda de leitura em círculos literários, sistematizando essa atividade em um período maior, prolongando para um mês o período de contação da mesma história, de diferentes maneiras. Eis aqui, a sistematização de todo o processo:

1º MOMENTO – FAMILIARIZAÇÃO E LEVANTAMENTO DA DIVERSIDADE DE GÊNEROS No primeiro dia, a título de investigação, me familiarizei os alunos com a diversidade de gêneros textuais e fiz um levantamento de quais crianças já conhecia e quais são suas preferências,

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buscando desenvolver as capacidades essenciais de alfabetização e, simultaneamente, o letramento. Assim, introduzi e trabalhei os cinco grandes eixos: compreensão e valorização da cultura escrita, apropriação do sistema de escrita, leitura, produção de textos escritos e o desenvolvimento da oralidade.

2º MOMENTO – CÍRCULOS LITERÁRIOS Seguindo a sistematização mensal na contação da mesma história infantil (conto de fadas, conto moderno, fábula, etc), expus vários livros para a turma escolher a história da vez. No primeiro dia do círculo literário, expliquei-lhes o projeto, que seria estudado para que eles se tornassem autores de seu próprio livro ao final do ano, quando seria feito o lançamento do mesmo. Em seguida, apresenteilhes a capa do livro e fiz a predição, perguntando-lhes se através da observação da gravura eles sabiam do que se tratava a história. Simultaneamente, fui escrevendo na lousa as hipóteses que eles Círculos de Literários

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sugeriam. Em seguida, li o título, o nome do autor, folheei o livro e eles foram fazendo a leitura de imagens. Continuei anotando suas hipóteses. Depois, contei a história dando umas “paradinhas” para eles completarem as informações. Ao término da leitura, desenvolvi as compreensões literal, inferêncial e global, encerrando com a validação das hipóteses. No segundo dia, retomei o passo-a-passo do dia anterior, recontei a história e novamente fiz as compreensões literal, inferencial e global, pedindo-lhes que recontassem por escrito a história do jeito que eles soubessem, com o objetivo de compará-la com a última vez em que eles a escreveram.

3º MOMENTO – PRODUZINDO UM TEXTO I – (ORAL) INTRODUZINDO ESTRUTURAÇÃO DO TEXTO (COMEÇO, MEIO E FIM)

A

Sendo este o quarto dia de sistematização do processo e o terceiro dia da história, propus à turma que fizéssemos uma contação diferente, em que todos participariam me ajudando a contar a história. Pergunteilhes quem lembrava do título, do autor, dos personagens e onde se passava a história. Enfatizei o começo, o meio e o fim da história e escrevei os elementos citados no cartaz. Depois, expus na parede, fiz a leitura exemplar e, finalizamos com a leitura antifônica.

4º MOMENTO – AMPLIANDO TEXTO (COMEÇO, MEIO E FIM)

O CONHECIMENTO SOBRE A ESTRUTURAÇÃO DO

Nos três dias consecutivos, desenhamos o começo, o meio e o fim da história. A cada dia pergunto-lhes quem lembrava de cada etapa e, se eles não lembrassem, mostrava a gravura referente àquela parte da história. Recolhi-as e, no final do terceiro dia, fizemos um mural com os desenhos.

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5º MOMENTO – PRODUZINDO UM TEXTO II – INVESTIGAÇÃO DA PROFICIÊNCIA EM ESCRITA

Nesta etapa, os alunos faziam um reconto por escrito, a título de investigação, para que soubéssemos como se encontrava o nível de proficiência em escrita da turma. Sendo esta as duas primeiras etapas do projeto, pois, à proporção que os meses iam passando, o nível de escrita ia melhorando.

6º MOMENTO – REVISANDO O TEXTO I – ESTRUTURAÇÃO (COMEÇO, MEIO E FIM) Neste momento, na hora do círculo literário, fiz a revisão oral dos textos, quando solicitei que cada autor lesse o seu texto, para que o grupo analisasse a estrutura de cada um (começo,meio e fim). Encerrei este dia, pedindo que os alunos trouxessem, no dia seguinte, uma gravura, um objeto, uma palavra recortada de jornal ou revista que lembrasse as histórias que eles conheciam. 5º momento - Produzindo um texto II

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7º MOMENTO – AMPLIANDO OS CONHECIMENTOS SOBRE O GÊNERO: CARACTERÍSTICAS MARCANTES DO GÊNERO E O RECOHECIMENTO DO SUPORTE TEXTUAL Iniciei esse momento do círculo literário perguntando quem lembrou de trazer os objetos que eu havia pedido no dia anterior. Um dos alunos trouxe um boneco, um anão da história da “Branca de Neve” e eu comecei a perguntar se eles conheciam aquele personagem, quem era ele, de qual história ele fazia parte, como era o nome dele etc. A garotada não lembrava o nome dele, então, comecei a dar pistas, até que uma das crianças relacionou as pistas ao nome do personagem. Neste instante, aproveitei para fazer referência a todas as características do gênero (conto de fadas). Outro aluno trouxe uma gravura da história “Cachinhos Dourados”, e novamente fui explicar-lhes as características desse outro gênero (fábulas). O último objeto trazido foi um jornal, a parte Infantil. Li uma historia do gênero conto moderno, dando ênfase às características e fazendo a diferenciação dos diversos suportes textuais.

8º MOMENTO – AMPLIANDO OS CONHECIMENTO SOBRE A ESTRUTURA DO TEXTO: DIFERENTES OLHARES SOBRE A MESMA HISTÓRIA

Nesse momento, passamos aproximadamente nove dias modificando a mesma história, para aguçar o poder de compreensão dos alunos. No 1º dia, recontei a história do final para o começo, voltando às páginas do livro. A reação dos alunos foi maravilhosa! Eles ficaram tão ouriçados, corrigindo-me e dizendo que estava contando a história toda errada. No 2º dia, li a história invertendo informações. Se os personagens eram grandes, dizia que eles eram pequenos, e assim por diante. As crianças riam a valer. No 3º dia, escrevi várias frases num cartaz, para que eles identificassem o personagem que a havia dito. No 4º dia, dramatizamos a história, com direito à caracterização dos personagens. No 5º dia, eles recontaram a história enquanto eu a dramatizava. No 6º dia, desenhei a história na lousa e eles a recontaram. No 7º dia, dei-lhes revistas para

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que eles recortassem palavras que estivessem na história da vez. No 8º dia, ia recontando a história enquanto eles a desenhavam numa folha. No 9º dia, cada um contava um pedacinho da história, quando um parasse o outro continuava.

9º MOMENTO – PRODUZINDO UM TEXTO – III Esta é a penúltima etapa a ser desenvolvida, onde todos, individualmente, iriam recontar por escrito a história da vez.

8º Momento - Diferentes olhares sobre a mesma história

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10º MOMENTO – REVISANDO O TEXTO Chegando à etapa final, aqui, as duplas analisaram o primeiro e o último recontos que fizeram da mesma história, para ver quais avanços foram obtidos em ambos os textos. Os resultados já alcançados com esta turma de 2008, no primeiro semestre, com uma turma de 16 alunos, foi de 86,7% de alunos leitores fluentes, um indicador de grande valia pra atingirmos provavelmente 100% de proficiência em escrita e compreensão leitora, no final do ano. A utilização de diversos gêneros discursivos facilitou a aprendizagem dos alunos. Isso se deu a partir da sistematização de um processo que desenvolva o cognitivo dos alunos, aguçando a criatividade dos pequenos autores, embora saibamos que nossas crianças precisem aprimorar sua escrita.

“É preciso ler isto, não com os olhos, mas com a memória e a imaginação” Machado de Assis

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APRIMORANDO A ESCRITA REESCREVENDO A MÚSICA DE LUIZ GONZAGA Joína Maria do Espírito Santo

NÃO CONSEGUIMOS LEMBRAR O SABOR DO LEITE MATERNO, mas jamais esqueceremos sua fonte. Assim como talvez nunca lembremos dos primeiros textos lidos, mas jamais esqueceremos de quem os mediou. Aí está a riqueza de ser professor, de ser educador. Tornamo-nos imortais, pois estaremos sempre vivos na memória de alguém. Quando abordamos o assunto sobre o ensino e a aprendizagem nas escolas, duas questões são constantemente tratadas e evidenciadas como essenciais para o desenvolvimento: a leitura e a escrita. Esses dois importantes e primordiais processos são o foco de todos os que se preocupam e estão envolvidos com as questões que envolvem ensino/aprendizagem. A leitura, no sentido mais amplo que essa palavra possa representar, é o alicerce, é a mola-mestra da escrita/produção escrita. A partir dela, é possível estimular o pensamento, a produção de idéias, o conhecimento, a criatividade, o questionamento crítico e reflexivo, entre outros aspectos nos quais ela exerce função importante. Quem lê tem uma visão maior do mundo em que está inserido e pode posicionar-se melhor socialmente. A rede municipal sobralense já realizou grandes conquistas e mostrou, de uma maneira clara, precisa e concreta, que é possível fazer uma educação pública de qualidade, considerando todas as questões propostas acima. No entanto, como é próprio de todo desenvolvimento, a cada dia temos que enfrentar novos e diferentes


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desafios. O aprimoramento da escrita é um deles. Digo aqui aprimoramento porque sou professora do 2º ano, leciono na Escola Manoel Marinho, situada na zona rural de Sobral, na localidade chamada Caioca. Trabalho com crianças que já dominam a leitura e possuem um desenvolvimento de escrita considerável. Isso foi possível graças aos trabalhos que foram desenvolvidos nos anos anteriores. Partindo das afirmações acima é que vou relatar uma experiência vivenciada na minha sala de aula, com o objetivo de desenvolver habilidades e estratégias de leitura, compreensão e o conseqüente aprimoramento e estruturação da escrita. Vale ressaltar que esta e as demais atividades que realizo como professora não surgiram do acaso e nem somente do meu comprometimento e posicionamento diante de um desafio a ser enfrentado, mas surgiu sim, de uma política educacional na qual estou inserida, que fornece todo o suporte para a execução do meu trabalho, tais como: os Encontros de Formação mensais e específicos (um programa para cada ano/série), o suporte e acompanhamento oferecido pelo núcleo gestor da escola, assim como também, os estímulos dados à nossa formação pessoal e profissional, como por exemplo: palestras, oficinas, cine-mestre entre outros eventos reunidos também no projeto Olhares. Considero muito importante e eficaz desenvolver atividades contextualizando a vivência das crianças. Foi por esse motivo que, durante a preparação de uma das minhas aulas, optei por fazer uma atividade com a música “Olha pro céu, meu amor”, de Luiz Gonzaga e José Fernandes. A escolha foi muito feliz, pois era início de junho, estávamos todos excitados e contagiados pelo espírito junino, e ficou fácil envolver as crianças nessa atividade e alcançar objetivos além do esperado. Iniciei a aula fazendo a predição a respeito da letra da música. Preparei bandeirinhas (utilizei para isso jornais velhos) e convidei as crianças para que enfeitássemos a sala. Elas vibraram com a idéia, e, enquanto realizávamos a tarefa proposta, eu, de maneira informal, fazia questionamentos sobre o motivo pelo qual estávamos fazendo aquilo, o que elas sabiam sobre as festas juninas, do que mais gostavam nessas festas, quais os tipos de músicas adequados 79


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para essas comemorações etc. Em seguida, fi xei no quadro tarjetas contendo palavras do texto a ser trabalhado. Pedi que lessem as palavras e tentassem descobrir qual texto seria lido. Algumas crianças acertaram. Conversamos sobre o significado dessas palavras e entreguei o texto para fazermos a leitura, que foi realizada de várias formas: ouvimos e cantamos a música. Posteriormente, fiz a leitura exemplar. Depois, foram feitas leituras silenciosa e coletiva. Ao término das leituras, fomos conversar sobre a história contida na letra da música, sobre seus autores, especialmente Luiz Gonzaga. Levei para a sala cd, dvd, fita cassete e um disco de vinil desse maravilhoso intérprete nordestino, aproveitando assim para falar sobre o desenvolvimento tecnológico e usando uma linguagem clara, para que todos entendessem. Antes de fazer as minhas considerações e de entregar por escrito a biografia de Luiz Gonzaga, instiguei as crianças a darem sua opinião sobre o autor, a partir das fotos expostas. Surgiram afirmações interessantes, como: “era sanfoneiro”, “moreno”, “usa roupas de artesanato”, “usa coisas de vaqueiro”, “era nordestino” entre outras. 80


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As crianças estavam tão envolvidas na aula, que não percebiam a “tempestade” de informações na qual estavam envolvidas, e o conhecimento que estava sendo construído. Após lermos a biografia, sentados em círculo ao redor do mapa do Brasil fizemos uma “viajem” de Exu, onde Luiz nasceu, até Recife, onde veio a falecer, vítima de osteoporose. Depois, discutimos sobre o que temos em comum com o referido cantor e autor do texto em estudo. Adianto aqui um fato interessante que ocorreu nos dias seguintes à aula: as crianças começaram a se interessar mais pelo assunto e chegavam à sala entusiasmadas por ter encontrado em suas casa algo relativo à Luiz Gonzaga, como DVD, as conversas com pais, avós, além da descoberta do quanto ele está presente na nossa cultura. Então, já conhecíamos a música e seus autores. Era, então, hora de partirmos para a validação das idéias inicialmente expressas. Dentro dessa compreensão da história trazida na música, retomei o estudo feito com o sentido das palavras expostas no quadro, no momento inicial da atividade, fazendo assim a ampliação do vocabulário. Eles refletiram sobre os significados da palavra baião, que a princípio, foi relacionada pela maioria ao nome de uma comida típica, à palavra multicor, referindo-se às várias cores dos balões juninos, mencionados na letra. Nesse momento, também observamos a estrutura (versos/ estrofes) e a funcionalidade do texto. Tendo, então, discutido as idéias relacionadas à música, e muito do que ela traz nas entrelinhas (o lugar da história, o tipo de dança, a linguagem do texto etc.), partimos para o foco central da atividade: a produção escrita. Antes de iniciar as produções, costumo fazer alguns procedimentos, buscando um momento em que as crianças possam ficar calmas e à vontade, para que elas parem e se concentrem no que irão escrever. Nesse momento, escolhi a seguinte estratégia: pedi que fechassem os olhos, enquanto eu ia orientando, ao som de uma música instrumental. Eles deveriam criar mentalmente a história a ser escrita, seguindo a ordem começo, meio e fim. O objetivo era que

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eles recontassem a história vivida na música, transformando-a em um texto narrativo e acrescentando detalhes e idéias, de acordo com a criatividade de cada um. À medida que iam terminando, pedi que relessem o texto produzido e/ ou escolhessem palavras para a produção de frases. Depois que fizessem desenhos relacionados à história criada, entre outros procedimentos que os mantivessem atentos e envolvidos com o trabalho que estava sendo realizado, otimizando assim o tempo pedagógico e permitindo que todos concluíssem a atividade de produção sem que houvesse dispersão ou desconcentração do grupo. Tudo que é produzido em sala é sempre analisado. Para esta atividade, optei por fazer a correção coletiva. Escolhi o texto de uma das crianças, apresentei para todos e fizemos a correção juntos, acrescentando ou retirando o que era necessário. Ao final, foi muito satisfatório e gratificante reconhecer que os esforços valem à pena e que as crianças, mesmo morando na zona rural, onde o acesso às informações é um tanto restrito, têm um potencial que precisa ser desenvolvido, e, quando isso é feito, os frutos colhidos são os melhores possíveis. Com essa prática fiquei mais certa de que a escola é apenas o aperitivo, é apenas a precursora das grandes descobertas e conseqüente da formação do conhecimento. Dentro desse processo de ensino/aprendizagem, tenho a visão grandiosa da magnitude que é ser professor. A alegria que percebi nos olhinhos de cada um dos meus quinze alunos (Alice, Andréa, Clerton, Edvânia, Estácio, Franciele, Leidiane, Luís Carlos, Maiara, Márcia, Mateus, Raimundo Nonato, Tamires, Valdiê e Denílson) é que me motiva a continuar sendo educadora e acreditar no papel que desempenho. Sou consciente de ter plantado com essa e outras atividades realizadas a semente da busca do conhecimento.

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SENTIR O QUE VÊ Kátia Cristina Gomes Lino

NO INÍCIO DO ANO, QUANDO RECEBI MEUS ALUNOS da turma de 1º ano, o nível de escrita deles não era como esperava. Não sabiam que o que se fala pode ser registrado através da escrita. Lembro-me de que a primeira vez que falei em ditado, os alunos não sabiam o que essa palavra significava. A expressão de desinteresse dos alunos em relação à escrita foi angustiante pra mim. Atribuo isso ao fato de os mesmos não conhecerem a funcionalidade da escrita dentro e fora da escola. Mesmo trabalhando os pré-requisitos que o aluno precisa ter para se alfabetizar, como as consciências fonológica e fonêmica, e o princípio alfabético, percebi que a atividade de ditado estava se tornando monótona. Eu mesma ficava me perguntando qual era a utilidade social do ditado, ainda que os alunos estivessem desenvolvendo bastante a consciência fonêmica. É claro que me deliciei e aproveitei cada etapa de aprendizagem dos alunos, vendo o progresso de cada um, uns mais, outros menos. Mas, eu me sentia impaciente, perguntando-me quando os alunos iriam realmente amadurecer em relação à leitura e à escrita, de modo que reconhecessem sua importância e real função social. Então, foi de um impulso e da necessidade de fazer os alunos avançarem na leitura e na escrita que surgiu o projeto “O que isto me diz”. Na minha visão, isso deveria ser desenvolvido através das reflexões e dos sentimentos dos alunos, que antes de socializar seus conhecimentos e por meio da oralidade e da escrita deveriam pensar neles. Certo dia, entramos na sala e eu falei para os alunos que eles iriam aprender a falar sobre as coisas, a descrevê-las e a falar de como vemos o que existe, pois este trabalho iria nos trazer muitas experiências


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novas. O nome do projeto também surgiu de forma sincera e natural. Para isso, passei alguns minutos me perguntando que título daria para o projeto e fiquei perguntando aos alunos o que poderia ser. E, por ser “O que isto me diz?” a pergunta que mais se repetia, ficou assim. A sugestão partiu de mim, mas o importante é que os alunos riram, com vontade de mergulhar e viver aquele momento. Confesso que se não houvesse felicidade teria desistido ali mesmo, porque forçar não funciona, a aprendizagem flui eficazmente apenas se houver sintonia na relação professor-aluno. Entusiasmada para dar continuidade ao projeto, acreditei na minha criatividade e buscava nos livros didáticos algumas atividades com gêneros descritivos que pudessem me ajudar a desenvolver nos alunos a motivação para aprender a escrever. O trabalho com textos descritivos tem o objetivo de ensinar aos alunos o conceito, a construção e uso deles. Este texto não é uma história, um conto. Ele mostra como é um cenário, uma situação, um objeto. Pode, ainda, mostrar o que faz alguém ou um animal. É um texto que, na maioria das vezes, não existe isolado, mas está incluído em outro para descrever um lugar, uma pessoa uma situação. O primeiro passo foi apresentar gravuras com objetos (bola, carro, telefone etc.), pessoas, lugares, animais etc., com o objetivo de explorar os conhecimentos de mundo dos alunos. Como já disse, a pergunta chave do trabalho com textos descritivos era “O que isto me diz?”. Pedi que eles falassem sobre o objeto de estudo do momento, ou seja, descrevessem tecnicamente (observando sua função) e literalmente (os elementos sensoriais e psicológicos), enfim, ter as informações precisas, com exatidão de dados e sensibilidade. Fiz perguntas como: quais informações eu tenho sobre este objeto? O que podemos falar sobre este objeto? Que emoções sentimos? As sensações são boas ou ruins? Será que todas as pessoas têm os mesmos conhecimentos sobre este objeto? Aqui estão as principais atividades que trabalhei acerca deste assunto:

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Tempestade de idéias

A atividade 1 denomina-se “Tempestade de idéias”. Busquei através dela desenvolver a noção de encadeamento do sentido do texto, levando os alunos a tomar cuidado para não fugir do tema. O texto partiu das palavras geradoras, discutidas antes pelo grupo. A atividade é direcionada pelo professor, mas sem que este impeça que os alunos se manifestassem sobre o assunto. Assim, o grupo revelará a exposição de suas idéias. Entreguei uma gravura para cada grupo de três de alunos. Gosto de trabalhar com grupos porque meus alunos também gostam. Eu escolho com quem cada aluno fica. Depois, pedi para que escrevessem ao lado o que a gravura lembra. Ex: vaca lembra leite, carne, animal etc. Assim, ficava mais fácil construir frases sobre a gravura. A discussão entre eles revelava muito interesse em realizar a tarefa. Foi uma atividade que ampliou os conhecimentos dos alunos, pois um aprendia com o outro, todos queriam falar, contar fatos e enquanto uns se destacavam na fala, outros queriam logo escrever, como se não 85


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quisessem que as idéias fossem embora.Também ficavam preocupados em não errar as palavras, por isso, apontavam os erros de escrita do escriba. Foi até engraçada a preocupação deles, porque não queriam que os textos saíssem com erros. Deixei para conversar sobre os erros de ortografia durante a exposição dos textos. Não foi preciso que pedisse para eles lerem os textos exposto. Eles fizeram isso movidos pela emoção, estavam ansiosos para ver os trabalhos dos outros grupos. Os alunos começaram a apontar os erros ortográficos dos outros grupos. Então, disse que não importava quem estava certo ou errado, o importante é que iríamos pegar as palavras consideradas erradas e escrevê-las no quadro, para só depois da leitura descobrir onde estavam os erros. No momento de dizer quais palavras estavam erradas ninguém queria ficar de fora da brincadeira. Percebi que os alunos sabiam que as palavras estavam erradas, mas quando perguntava como seria a escrita correta, muitos tinham dificuldade, pois se tratava

Descrevendo o bairro

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de palavra complexas. Gostei desse conflito porque aproveitei para reforçar a consciência fonêmica. Os alunos ficaram orgulhosos de seus trabalhos expostos para que todos os vissem, até para os pais, quando entravam na sala. A atividade 2 denomina-se “Descrição de ambiente ou lugar”. Nesse contexto, trabalhados o tema “A escola e o bairro”. A atividade propicia ao aluno condições para conhecer e compreender o ambiente físico e social. Sobre a escola, leva o aluno a perceber qual é a função da escola em suas vidas, quais são as responsabilidades e atribuições de todos os que participam e convivem nesse espaço. Em relação ao bairro, os alunos constroem princípios de respeito e valorização desse espaço. Para descrever a escola, os alunos, em duplas, percorreram e descreveram-na oralmente, um para o outro. Assim, entenderam a função que era desenvolvida em cada dependência pelos funcionários da escola. Sentiram-se empolgados, pois o passeio foi surpreendente 87


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para eles. Quando retornamos para a sala, fizemos uma roda de conversa para discutirmos a importância da escola na vida das crianças. Falamos sobre os diferentes tipos de escola, a conscientização dos direitos e deveres dos alunos e o percurso de casa para a mesma. A sensibilização a partir desse assunto facilitou bastante a produção dos textos. Depois, entreguei-lhes gravuras da escola para que eles escrevessem sobre ela. Para descrever o bairro, estabeleci uma conversa sobre o que o caracteriza. Depois, recortei uma gravura para cada aluno produzir sua tarefa. A conversa anterior ajudou a alguns alunos a fazerem suas produções, mas não foi fácil para outros. A ajuda individual foi indispensável. Através de perguntas, levei esses alunos a pensarem em como vivem no bairro, o que há de bom nele, o que falta para ficar melhor. Pensei que dessa forma, levaria os alunos a perder o medo de escrever. A atividade 3 denomina-se “Autodescrição”. Tem como objetivo fundamental a construção da identidade e o desenvolvimento de um Autodescrição

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conceito positivo a respeito de si mesmo. Permite que o aluno faça a sua própria descrição, baseando-se na imagem mental que tem de si. A atividade foi dividida em três tópicos: Quem sou eu? Como sou? O que faço? Além do desenho de si mesmo. Comecei pedindo para que falassem sobre mim (professora), como me vêem (alegre, calma, brava, lenta, agitada etc.). Os alunos foram se empolgando. Fiz um exemplo da atividade no quadro com o autodesenho e a caracterização dividida em cada tópico. Falar do professor, para eles, é uma brincadeira verdadeira, nisso eles demonstram toda manifestação de carinho. Quando foi a vez de falarem de si mesmos, sentiram dificuldade, e precisei ajudá-los individualmente, encorajando-os a pensar em seus comportamentos, o que mais gostavam de fazer. Assim, o trabalho dos alunos foi acontecendo, dando sentido completo ao meu objetivo. A atividade 4 denomina-se “Descrição de personagem”. A mesma trata da descrição e personagens de histórias que eles conhecem e busca reconhecer e valorizar as características inerentes a cada personagem, para o enriquecimento da história. Ao realizar a tarefa, os alunos irão identificar o sujeito que descreve e socializar as diferentes maneiras de se ver esses personagens, pois cada aluno tem uma visão diferente. O dia escolhido para realizar esta atividade foi as sextas-feiras. Escolhi alguns clássicos, por exemplo, A bela adormecida, A pequena sereia, Chapeuzinho vermelho entre outros, para trabalhar durante a semana. A cada dia, trabalhava o texto com uma estratégia diferente, como leitura, escrita, reprodução da história, dramatizações, desenho, sempre pedindo que eles prestassem atenção nas características das personagens. Os alunos eram convidados a participar na construção dessas atividades de diversas maneiras, como: mostrando as gravuras da história para os colegas, fazendo a leitura etc. Na sexta-feira, a atividade era voltada para trabalhar as personagens da história (suas características físicas e atitudes). Aprendi com esta atividade que antes de qualquer trabalho, o professor precisa deixar que seus alunos

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Seu brinquedo preferido

falem à vontade, apropriem-se do objeto de estudo, toquem-no. Estas ações os farão se apaixonar, ter curiosidade. Só depois disso é que há a entrega total, o prazer de fazer tudo que o professor quer. A atividade 5 denomina-se “Seu brinquedo preferido”. Esta atividade dá aos alunos a oportunidade de falar daquilo que eles mais vivenciam no dia-a-dia. Isso reforça a espontaneidade, a livre expressão ao falar, escrever e identificar a relação entre o texto e o contexto real. Os alunos foram incentivados a desenhar o seu brinquedo preferido e a falar sobre ele: Como ele é? De que é feito? De quem ganhou e por que gostam tanto dele? Ao terminarem suas produções, cada aluno, na sua vez, ia apresentar o seu trabalho para o grupo. A melhor parte dessa atividade foi nas apresentações, porque todos queriam ser o primeiro. Foi difícil convencê-los de que cada um iria ter a sua vez. A atividade 6 denomina-se “Descrição de imagem”. Meu objetivo com esta atividade era incentivar os alunos a expressarem suas idéias e conhecimentos, permitindo não só seu crescimento lingüístico como

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também social e emocional. A mesma contribui para a ampliação do seu universo cultural e para o desenvolvimento da capacidade de escrever textos com autonomia. Esta atividade foi a mais emocionante! Eu estava apaixonada pelas gravuras (retiradas de livros didáticos) das obras e isso estimulou os alunos a observarem com cautela e curiosidade as imagens. Iniciei o trabalho com a gravura do quadro “O futebol”, de Portinari. Sentamos no chão, todos os alunos queriam ficar em cima da gravura. Este foi um momento de entrega dos alunos, estavam tão envolvidos que desejaram conhecer logo o autor. No próprio cartaz expus as perguntas: Depois, no caderno, fizeram a escrita sobre a descrição do quadro, baseado no que foi dito no momento da exploração oral. Na escrita, alguns tiveram dificuldade na colocação das frases e precisaram da minha intervenção. Precisei ser muito cautelosa para não desanimálos e persistirem até conseguir escrever tudo que desejassem.

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No dia seguinte, levei a gravura da obra “O menino com pião”. Durante a leitura da obra, não perguntei nada sobre o autor, esperei para ver quem iria perceber na legenda quem fez a obra, e o ano que foi feita. E, como em toda sala de aula há alunos que não deixam passar nada, gritaram: — Tia, foi o Portinari quem fez a pintura! Mas, não souberam dizer em que ano. Então, perguntei-lhes: — Vamos aprender como se lê este número? Entramos na Matemática e terminamos fazendo uma viagem no tempo, para que eles compreendessem a visão do autor, o espaço onde ele se encontrava e como isso poderia representar em seu trabalho. Toda essa “conversa” envolvendo a participação dos alunos foi muito importante para enriquecer a imaginação e a oralidade dos mesmos. Em outro momento, levei a gravura da obra de Pierre August, “A menina e seu gato”, e, por ser uma situação do universo da criança, todos respondiam as perguntas em coro. A leitura da descrição de quadro deu-se num primeiro momento de maneira global, de modo que os alunos assimilassem as sensações de prazer, tristeza, dor etc. Faziam um primeiro julgamento da obra. Depois, com mais tempo, os alunos passavam a perceber outras informações e refaziam seus julgamentos. Para concluir este trabalho, levei a biografia de Cândido Portinari. Fizemos uma leitura coletiva e verificamos os principais momentos de sua vida. No decorrer dos dias, fazíamos leitura de textos que enumeram aspectos da realidade ou passam apenas uma informação, uma descrição de fatos e características. Fizemos um jogo de adivinha. Coloquei diversos objetos numa caixa e para cada um dos objetos dizia suas características para os alunos adivinharem. Depois, escolhia um aluno para fazer o mesmo. Em uma outra dinâmica escolhi mentalmente um aluno e comecei a descrevê-lo para a classe até que as crianças conseguissem adivinhar

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quem foi o escolhido. Depois, trouxe um outro aluno para frente e todos começaram a descrevê-lo oralmente, com o objetivo de identificá-lo a partir das informações dadas. Todos os dias, escolhia uma criança para que ela descrevesse oralmente como estava o dia, a aula. Fazíamos releituras coletivas dos trabalhos já produzidos; dividia a turma em grupo e dava-lhes cadernos de produção, pincel, cola e gravuras para que fizessem as descrições. Levei em consideração o ritmo de cada criança. Para aquelas que estavam iniciando o processo de escrita, algumas atividades foram feitas oralmente. Elas foram orientadas a colocar o nome de cada desenho. Para aquelas que já estavam se apropriando da escrita e podiam escrever textos, fiz trabalhos coletivos com adjetivos e conectivos, afim de que as crianças ampliassem e construíssem estruturas mais complexas. Por último, realizamos a culminância do Projeto: entreguei-lhes uma cartolina, pincéis e lápis de cera a grupos de quatro alunos, para que desenhassem o que gostariam de descrever, por exemplo: um objeto, uma personagem de filmes ou história, uma planta etc. Depois de terminado os trabalhos, cada grupo apresentou e fez a exposição na sala.

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Durante o processo de aprendizagem do projeto, eu percebi que os alunos não estavam somente aprendendo a escrever, mas a se expressar melhor, a organizar suas idéias, desenvolver a capacidade de fazer críticas. Agora eles estão prontos para serem desafiados a atividades mais complexas. A partir da diversidade de textos, é possível mostrar aos alunos que cada texto, pertencendo a um determinado gênero, tem determinadas características que devem ser reconhecidas durante a leitura e aplicadas durante a escrita. Os resultados foram alcançados ao longo do processo. Este projeto foi uma das formas de trabalho sistematizado na sala de aula que ajudou bastante no processo de alfabetização dos meus alunos. Não foi encarado como uma fórmula única, mas como um dos meios, principalmente porque estimulou os alunos a pensar e a perceber que somos livres no ato da escrita. Através dos diagnósticos feitos pela coordenação pedagógica da escola nas primeiras semanas de aula do ano letivo, é possível ver o nível de conhecimento sobre leitura e escrita

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dos alunos e fazer comparações durante o ano letivo. É gratificante ver meu trabalho realizado, e para os alunos, que aprenderam com prazer (com exceção de poucos) e mesmo os que ainda não sabem ler e escrever, mas agora estão desenvolvendo essas habilidades. Quando comuniquei para alguns professores que estava fazendo um projeto com meus alunos, com textos descritivos, expliquei-lhes algumas possibilidades de atividades que pretendia trabalhar para consolidar o projeto. Alguns elogiaram. Alguns cartazes que utilizei, também serviram para complementar o trabalho de professores que se interessaram em ampliar o universo da leitura de seus alunos. Falar da minha experiência para os colegas de trabalho foi muito positivo. Pois, tudo que é bom deve ser contado. Acredito que nenhuma prática pedagógica é neutra, mesmo que ela surja da forma mais simples e inesperada. Se houver um bom planejamento do professor para que ele possa direcionar toda sistematização dos passos que vai dar, tendo sempre em mente o foco, o objetivo que quer alcançar, valerá a pena sempre. As atividades aqui propostas não são consideradas como únicas, elas podem ser redefinidas, enriquecidas e interagir com outras atividades, dando esse caráter permanente do projeto. Espero que este trabalho tenha alguma repercussão para outros professores, principalmente àqueles que buscam desenvolver a capacidade de expressão oral dos alunos, e a escrita espontânea. A partir dessa prática, o aluno começa a perceber que não só se escreve como pensa, mas, também como deve ser. Estamos acostumados a trabalhar com gêneros textuais considerados comuns como, narrativas, parlendas, poemas, textos informativos, entre outros e, sabemos de cor que estes trabalhos são importantíssimos para construir o processo de alfabetização dos alunos. Porém, posso dizer que trabalhar com textos descritivos, também é muito positivo para incentivá-los a escrever e até torná-los excelentes escritores. Basta que o professor primeiramente se apaixone e acredite que dará certo. 95


ESCREVER EM SALA DE AULA POR PRAZER Keila Pereira de Lima

ESSE TRABALHO TEVE COMO OBJETIVOS DESENVOLVER o hábito da leitura, da escrita e de atribuir qualidade à criação e produção de textos das crianças do 2º ano ”F” da Escola Senador Carlos Jereissati. O trabalho foi desenvolvido com o intuito de ampliar e melhorar a produção escrita, de levá-los a refletir sobre sua própria escrita, além de promover também um momento de socialização dos trabalhos em grupo e uma boa relação entre os alunos. Realizamos a proposta de reescrita através da fábula “A cigarra e a formiga”, de La Fontaine. No desenvolvimento desta atividade, utilizamos: o livro didático, uma seqüência de imagens ampliadas, cartolinas, pincéis, com os quais promovemos a discussão para um melhor desenvolvimento criativo dos alunos. Refletimos sobre os valores que são transmitidos através das fábulas. A atividade teve duração de uma semana, com cerca de 30 a 50 minutos diários. Na segunda–feira, apresentei na lousa a seqüência de imagens com dois finais diferentes. Pedi ao grupo que fizesse comentários sobre as gravuras. Esse momento foi de muito prazer, pude observar que toda a turma participou com opiniões sobre as duas versões. Também pedi que dessem seu ponto de vista sobre a seqüência de figuras. Anotei todos os pontos de vista dos alunos numa cartolina. À medida que falavam, eu anotava e fazíamos reflexões sobre as opiniões dadas para as retomarmos na aula do outro dia.


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No dia seguinte, fixei novamente a seqüência de figuras e a cartolina com as anotações. Fizemos a leitura das anotações em voz alta e discutimos sobre o comportamento da cigarra em não trabalhar e só cantar; e o da formiga, que trabalhava muito, prevenindo-se para o dia de amanhã. Pedi ao grupo que abrisse o livro de português na página que trabalharíamos e observasse a seqüência. O grupo deu seu ponto de vista, observando que as gravuras tinham começo parecido, o mesmo problema, mas desfechos diferentes. Nesse momento, cada aluno escreveu sua história, escolhendo o fim que considerasse mais adequado. A turma observou também as orientações anotadas e até utilizou algumas em suas produções. Nessa parte, os alunos lugar da cigarra, e falando sobre de que maneira agiriam se fossem a formiga. Dando continuidade, na quarta-feira, cada aluno recebeu tarjetas com a frase “A cigarra e formiga”, em quatro cores diferentes. Os alunos que pegaram as mesmas cores formaram os grupos. Cada aluno recebeu sua escrita novamente e fizeram a leitura de seu texto para os

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demais membros do grupo. Todos tiveram a oportunidade de ver os textos escritos pelos colegas e observaram que algumas histórias se assemelhavam, outras continham os dois finais. Ao terminarem, contei as duas versões da história para o grupo. Promovi um momento de reflexão sobre os valores existentes na história como: a importância de se preparar para o futuro e que se deve fazer o bem a qualquer pessoa. Comentamos sobre as semelhanças e diferenças entre as duas versões e pedi a opinião do grupo. Nesse momento, eles firmaram o que haviam colocado anteriormente, que não se deve ser egoísta e que sempre se deve ajudar a quem precisa. Nesse momento surgiram algumas palavras novas como: estocar, fartura, abastecer, reserva, solo, entre outras. Os alunos perguntaram o que elas significavam. Nesse momento, entreguei dicionários para cada grupo. Pedi que procurassem os significados e anotassem em seus cadernos. Essa atividade facilitou uma melhor compreensão do texto lido e permitiu uma discussão acerca dos significados. Pude perceber a dificuldade da turma em encontrar as palavras e

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tive que mostrar e orientar que as palavras são dispostas em ordem alfabética. Nesse momento, pude constatar também que as crianças tinham necessidade de trabalhar com o dicionário, visando uma ampliação maior do vocabulário. Revisei as duas versões oralmente na quinta-feira e cada grupo começou a escrever sua história, primeiro em um rascunho. Esse momento foi muito valorizado por todos. Ao escolherem um membro do grupo para escrever, eles tiveram que chegar a um acordo sobre quem seria o escolhido, pois esse colega teria que ter a letra bem legível, o que facilitaria na hora de reescrever e apresentar o texto ao restante do grupo. Quando terminaram, cada grupo fez a leitura de suas produções e fizeram as devidas correções, observadas por eles mesmos. Cada grupo apresentou sua história para toda a turma. Nesse momento os grupos trabalharam a oralidade, e isso foi muito interessante, pois todos ficaram empolgados com a leitura dos seus trabalhos. Na sexta-feira, concluímos a atividade. Os grupos receberam seus respectivos rascunhos e também meia folha de cartolina e pincéis

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para passar a limpo suas produções. Comentei sobre a importância da escrita, por isso o cuidado de se preocuparem com a legibilidade e organização. Ao terminarem, fixei na lousa as produções. Cada grupo fez uma leitura em voz alta. Ao terminarem as leituras, realizou-se a discussão acerca dos finais produzidos. As histórias ficaram muito interessantes. Houve três finais distintos. Em um deles, a formiga não ajudava a cigarra; noutro, ela ajudava dando abrigo; o outro final foi bem semelhante ao primeiro, a formiga não ajudava, mas repensava sua atitude e ia procurar sua amiga cigarra, dava-lhe comida e abrigo. A turma ficou em dúvida entre os dois finais semelhantes, mas optou pela história em que havia uma boa estrutura refletiram sobre os acontecimentos e até fizeram críticas sobre os fatos. Nesse momento, a turma também pode verificar e discutir sobre valores como: bondade, companheirismo, responsabilidade e amizade. A história selecionada foi apresentada em todas as outras salas, bem como o texto foi afi xado ao mural da escola como a melhor produção das salas. Ao concluírem esta atividade, pude observar um melhor aproveitamento nas produções posteriores, bem como uma maior preocupação de toda a turma sobre sua própria escrita. Estabelecendo uma relação entre a atividade realizada e os objetivos propostos, pude observar um melhor aproveitamento nas atividades das produções posteriores, bem como uma maior preocupação de todo o grupo sobre legibilidade e ortografia. Houve um salto qualitativo na oralidade também, pois hoje em dia eles lêem com mais desenvoltura. A relação entre os colegas também melhorou muito. Antes, eles eram egoístas, brigavam muito e até trocavam xingamentos. Hoje, toda a turma está bem mais comportada, refletindo sobre o próprio comportamento.

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A UTILIZAÇÃO DE JOGOS PEDAGÓGICOS NO TRABALHO COM A GRAMÁTICA Marcos Arruda Portela

A INICIATIVA DE ESTUDAR A GRAMÁTICA ATRAVÉS DA ADAPTAÇÃO de jogos diversos, é bastante útil na busca incansável de tornar prazerosa e significativa a aprendizagem para os educandos, mesmo em Língua Portuguesa. O desenvolvimento dessa atividade surgiu da dificuldade que os alunos das turmas de 7º e 8º ano da Escola Vicente Antenor Ferreira Gomes (localizada no Distrito Rafael Arruda em Sobral) sentiam para aprender as classes gramaticais, visto que a maioria desses alunos apresentava algumas dificuldades também na leitura e escrita. Fazer com que os alunos das séries finais do Ensino Fundamental aprendam os conhecimentos das classes gramaticais e suas flexões brincando é um desafio para todos que trabalham nesse nível. A partir dos jogos e de algumas técnicas de trabalho com textos, os professores de Língua Portuguesa vêm melhorando seu ofício, ao passo que incentivam os alunos a adquirirem o gosto pela morfologia. Dessa forma, espera-se despertar o interesse dos alunos para compreensão da função das palavras em um texto, além de desenvolver competências de identificação das flexões das palavras em determinadas frases ou textos. Alguns educadores, entretanto, ainda usam métodos tradicionais, como exercícios de fixação, partindo apenas de frases soltas, descontextualidas da realidade dos alunos, visto que muitas dessas frases com palavras de sentido regionalista, diferenciado, dificulta a própria compreensão textual acerca da gramática.


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Outra forma interessante foi trabalhar de forma mais contextualizada a partir de textos completos, de onde se retirou as palavras-chave, formando o cloze (texto lacunado). O objetivo é possibilitar ao aluno a contextualização das classes gramaticais inseridas no texto e as funções que elas exercem, melhorando assim a percepção de mundo. Desenvolver a associação que as classes gramaticais estabelecem entre si, é o ponto de partida fundamental para que esses jovens, ainda que através de brincadeiras, aprendam realmente a identificar elementos morfológicos em frases ou textos. Para os jogos morfológicos, foi utilizado e adaptado o sistema de dominó convencional, afim de que se desenvolvesse a classificação do substantivo com suas flexões. O dominó é composto por 50 peças. A turma foi dividida em seis grupos. Caberia aos alunos associar as palavras aos tipos de substantivos. Seria o vencedor aquele aluno que não tivesse mais peças, ou que ficasse com a menor quantidade de cartões do dominó, quando o jogo fosse “trancado”. A elaboração e confecção desse jogo foram bastante complicadas, pois dependeu de raciocínio lógico na preparação da atividade. 102


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Outro jogo relevante neste processo foi o da memória, sendo ele trabalhado com verbos e pronomes e associados às imagens correspondentes. O objetivo era identificar os adjetivos e pronomes a partir de relações de imagens/palavras, palavras/imagens. Para isso, foram confeccionados quadrinhos de papel com imagens e palavras referentes à classe gramatical em questão. Depois, a turma foi dividida em grupos a fim de que todos participassem. O desafio dos membros das equipes seria juntar o maior número de pares, de acordo com as classes de palavras. Em seguida, os vencedores de cada grupo disputariam entre si. Por fim, quem ganhasse do grupo de vencedores seria o grande campeão da atividade. Na primeira aplicação da atividade, foi observado que a quantidade de jogos em relação aos alunos da sala de aula não era suficiente, pois ficava bastante difícil controlar a turma com um número grande de alunos nos grupos. Esse problema foi resolvido na segunda aplicação, quando o número de jogos foi ampliado, de maneira que os grupos pudessem ser compostos por cinco alunos no máximo.

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É importante ressaltar que nem tudo foi recebido com entusiasmo pelos colegas professores e nem pelos alunos, pois se tratava de atividades diferenciadas e desconhecidas, ou mesmo não praticadas entre os docentes e os discentes de Língua Portuguesa. Depois da resistência inicial, logo todos se envolveram, chegando até a sugerir novas adaptações com outros jogos. Ficou claro que podemos renovar e aprimorar cada vez mais nossas práticas docentes, dando assim melhores índices educacionais e qualidade de ensino para toda a comunidade. O interessante é que podemos utilizar outros conteúdos com outros jogos. No final das atividades, foi observado um maior envolvimento dos alunos, principalmente na tentativa de vencer as disputas, visto que aprendiam simultaneamente com a brincadeira, estimulados pelo espírito competitivo. É de fundamental importância que os professores percebam que mudar o jeito de pensar e agir diante da realidade em que vivem é o começo para mudar sua própria maneira de trabalhar com mecanismos de grande poder de mobilização, ou seja, aprender pelo prazer, pelo sentimento que se desperta no decorrer de todo o processo. Assim é que conseguiremos alcançar nossos objetivos, pois, “o gosto pelo que se faz é o alimento da alma e o combustível da vida”.

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REAPRENDENDO PARA FAZER Maria Aglaís Andrade Aragão

TRABALHAR NA EDUCAÇÃO ATUALMENTE REQUER MAIS QUE DOMÍNIO teórico, já que passamos por variadas situações em que precisamos de uma percepção refinada, seletiva e crítica. A isto, há que se somar a capacidade de juntar e processar saberes na medida das necessidades de cada criança, além de transitar entre as complexas relações familiares, muitas vezes, em famílias em processo de reorganização. Minha experiência na escola municipal Maria do Carmo Andrade, como Coordenadora Pedagógica, me fez rever vários conceitos teóricos e até mesmo minhas experiências anteriores na área da educação. Sei que crianças e adolescentes, em qualquer sociedade e em qualquer nível social, apresentam as mesmas necessidades, os mesmos desejos e sonhos. Nossos alunos nessa faixa etária têm necessidades que vão além do aprender, do saber cognitivo. Eles têm carência de atenção, de carinho, de um simples e valoroso abraço, de um falar baixinho carinhoso, de um “você é capaz” num tom sincero. É preciso demonstrar que realmente você acredita na capacidade dele de superar os mais diversos problemas, sejam estes cognitivos ou emocionais. Um dos mais importantes princípios a ser observado por quem ensina e trabalha com crianças e jovens é o da tolerância, sem o qual tudo perde o sentido. A tolerância começa na aceitação sem reserva, das diferenças humanas, no jeito de ser de cada um em particular. A aprendizagem dessas crianças passa pela recuperação daquelas que apresentam dificuldades em assimilar informações, seja por limitações pessoais ou sociais. Daí a necessidade de uma educação dialógica, marcada pela troca de idéias e opiniões, de uma conversa colaborativa em que não se cogita o insucesso do aluno. Caso o aluno venha a fracassar, a escola também fracassou.


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O Coordenador Pedagógico deve ser um elo entre os níveis que compõem a comunidade escolar, acompanhando todas as atividades que fazem parte do processo ensino aprendizagem, sugerindo novas metodologias e propondo alternativas de solução. A nova perspectiva de coordenação pedagógica é baseada na participação, na cooperação, na integração e na flexibilidade. O coordenador abdica de exercer poder e controle sobre o trabalho do professor e adota uma postura de líder/colaborador do desempenho docente, assumindo com o grupo, a atitude de indagar, comparar, responder, opinar, duvidar, questionar, apreciar e desnudar situações de ensino. A ação do coordenador em relação ao professor é uma espécie de parceria, na qual ambos têm posições definidas, a partir das quais refletem, criticam e indagam a respeito de seus desempenhos como profissionais que trabalham numa instituição chamada escola. O que temos hoje de enfrentar é o desafio da realidade da escola, a ser transformada e superada com competência e compromisso. “Triste é a escola que não acompanha o mundo de hoje, ignorando aquilo que seu aluno já vivencia fora dela. Transforma aquele que inteligentemente a questiona e que saudavelmente se recusa a buscar um conhecimento parado no tempo num portador de problemas de aprendizagem”. (Maria Lúcia L. Weiss-2001 -8º Ed.). Ficam alguns questionamentos: será que nós ultrapassamos as barreiras do passado e estamos seguindo a direção que queremos? Será que as escolas de hoje realmente servem aos nossos ideais, enquanto ativadores de sujeitos críticos e participantes do contexto social? Até que ponto temos liberdade para ir em frente? De que forma podemos agir na nossa realidade? Em agosto de 2007 cheguei à Escola Maria do Carmo Andrade para assumir o cargo de Coordenadora Pedagógica. Confesso que fiquei um pouco assustada com a quantidade de coisas que teria de dar conta, sem mesmo saber por onde começar, por que tudo já estava

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em andamento. Participava das reuniões de coordenadores, e lá, coitada de mim, ficava mais perdida ainda; apenas ouvia: “E ai? Teus alunos já estão dominando os descritores, D9, D16. D15...? E as competência? Em que nível de leitura e escrita eles estão? Eles já sabem classificar os textos? Tudo isso, sem contar as inúmeras planilhas e cálculos e percentagens que teria que preencher e fazer... Minha Nossa Senhora! Vou para casa estudar e ler sobre essas coisas que eles (coordenadores) estão falando. Para Casa?! Não, não dá tempo, imediatamente vem a avaliação externa da Secretaria, a Prova do SAEB, a Prova Brasil... Tive que aprender tudo isso, como dizem: “Trocar o óleo do carro com ele andando”. Minha sorte é que a ‘motorista do carro’ e os diversos ‘ajudantes’ ensinaram-me como fazer, tiveram paciência e disponibilidade em me ajudar. Ainda estou aprendendo, estou na fase de aperfeiçoamento, já não fico tão aflita com os descritores, as competências, as planilhas. Entendi que tudo isso só ajuda e facilita meu trabalho de acompanhamento da aprendizagem e desenvolvimentos das crianças. Comecei meu trabalho reunindo as professora para que eu assim conhecesse a metodologia de ensino utilizada. Necessitava entender como eram feitas as avaliações com as criança, a estrutura das turmas, enfim, todas as condições externas de acesso do aluno ao conhecimento, através da família, dos amigos e do meio onde vive. As professoras do 5º Ano, eram polivalentes, ou seja, além de dominar, deveriam gostar de ensinar tanto matemática quanto português. Observei que cada professora, sem esquecer uma ou outra disciplina, dedicavam-se mais à que tinham mais afinidade. Após uma conversa, e de comum acordo, colocamos em prática uma idéia: cada professora ficaria responsável por apenas uma disciplina. Focadas em apenas uma disciplina seu trabalho seria facilitado. O segundo passo foi refazer as turmas, selecionando salas com os alunos considerados muito críticos, outras com os críticos e intermediários e outras com os adequados. 107


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Solicitamos a ajuda da professora do quarto ano do turno da tarde, que ficou com os alunos que já haviam desenvolvido todas as competências com êxito. Na divisão tivemos o cuidado de não passar a impressão aos alunos de que eles compunham a classe dos ‘fracos’ e/ou a classe dos ‘fortes’. Deixamos claro que ficaria mais fácil a aprendizagem. Acreditamos que em uma sala com um número menor de alunos a professora tem mais condição de observar e auxiliar as crianças com maior dificuldade. O resultado foi significativo, pois a cada avaliação quinzenal, percebíamos a melhora das crianças, embora o resultado atingido tenha sido aquém do desejado. Acreditamos que as dificuldades estão relacionadas ao pouco tempo e a aspectos como: problemas cognitivos referentes ao desenvolvimento e funcionamento da memória e da atenção, os chamados fatores intelectuais. Baseada nas observações feitas durante todo o segundo semestre de 2007, no ano de 2008 iniciamos o semestre trabalhando com o professor responsável apenas por uma disciplina. Criamos as salas olímpicas e as pré-olímpicas para os quintos e sextos anos. Os alunos com nível de aprendizagem muito baixo, assistem aulas com as professoras de apoio, durante o horário normal, no primeiro e/ ou segundo tempo. Outros alunos são atendidos individualmente por professores readaptados, orientados pela coordenadora e por professores titulares. Os professores “auxiliares”, recebem da coordenadora um horário, uma lista de freqüência e os conteúdos em que as crianças apresentam maior dificuldade. São orientados sobre como devem ensinar a essas crianças a aprender e apreender as informações da linguagem, da leitura, da escrita e do cálculo com clareza e de forma prazerosa e lúdica. Para isso usamos material diferenciado e concreto. Os professores titulares elaboram tarefas extras que são entregues aos professores auxiliares. Alguns alunos são encaminhados para o Projeto Lumiar, do qual faço parte, para atendimento psicopedagógico. Atualmente são atendidas cinco crianças da Escola.

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O ‘Lumiar’ é um Projeto de atendimento Psicopedagógico da Associação Brasileira de Psicopedagogia – Seção Ceará ABPp e funciona na Escola de Comunicação de Arte e Ofício - ECOA, atendendo crianças da rede pública. Temos sempre a preocupação de envolver a família de maneira mais efetiva, pois os pais são coadjuvantes do processo ensinoaprendizagem, sem os quais a educação que damos fica incompleta, não vai adiante. Estamos sempre convocando-os a estarem presentes na escola. Informamos sobre desenvolvimento e o desempenho ocorridos e pedimos ajuda, no sentido de que eles observem e acompanhem o caminhar dos seus filhos. Percebemos alunos que antes não sabiam ler com um mínimo de fluência, e com isso tinham uma compreensão textual comprometida, hoje já lêem com certa fluência, melhorando a compreensão dos enunciados dos problemas matemáticos. Estamos constantemente avaliando e re-avaliando as crianças e refazendo as turmas. Alguns se mostram mais interessados e preocupados em se manterem nas salas olímpicas e outros da pré-olímpica se interessam em mudar de sala. A cada desafio, a cada aprendizado, mais e mais me apaixono pela Educação no caminho que ela atualmente está seguindo. Percebese hoje uma real preocupação com o aprendizado dos alunos, uma preocupação com que a criança apreenda o conhecimento, guarde e saiba o porquê e para que aprendeu determinados conteúdos. “...Minha escola é acolhedora. Sei que não aprenderei tudo aqui. A vida é um constante aprendizado. Mas sei também que aqui sou feliz. Conheço cada canto deste espaço. As cores da parede. Os quadros. A quadra. A sala da diretora. A Coordenação. A Secretária. A biblioteca. Já mudei de sala muitas vezes. Fui crescendo aqui. Conheço tudo. Conheço as pessoas. E cada uma delas se fez importante na minha vida. Na nossa vida. ... ”(CHALITA, Gabriel – Educar em oração – 2005. Cachoeira Paulista) 109


FORMAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS: UMA EXPERIÊNCIA DE GESTÃO COMO PROCESSO Maria do Carmo Castro Gomes

DE 2002 ATÉ O MOMENTO ATUAL, VENHO VIVENCIANDO EXPERIÊNCIAS em gestão escolar desde o primeiro ano (2002) na Escola 1º de Maio e de 2003 até hoje na Escola Professor Gerardo Rodrigues, onde estou desde sua inauguração. Tive o prazer de montar toda a equipe técnica e auxiliares de administração com que iria trabalhar (secretária e agentes administrativos, coordenadores e auxiliares de serviços). E, apesar de já ter um pouco de experiência na função, devido à experiência anterior, tive muitos desafios com os quais não acreditava que aprenderia a lidar, como administrar uma escola com mais de mil alunos, turmas em anexos, rotatividade de professores e muitas “picuinhas” nos corredores, principalmente entre as pessoas de serviços gerais e administrativos. A comunicação era distorcida e as agressões psicológicas e de culpabilidade eram freqüentes, causando intrigas e ressentimentos. Podia-se observar a falta de companheirismo no grupo. Cada um se limitava a fazer apenas o que tinha sido lhe dado como tarefa e muitas vezes ficava esperando que os outros a fizessem, escondendose para não executá-las. As discussões eram freqüentes e as agressões verbais levavam a intrigas por tempo indeterminado, gerando um ambiente pesado e difícil de conviver, envolvendo principalmente as merendeiras e serviços gerais que ficavam sempre ocupando o mesmo espaço por mais tempo – cozinha. As intrigas eram acompanhadas de muita fofoca e calúnias.


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Esta situação começou a ficar insustentável. Percebi que algo precisava ser pensado e desenvolvido urgentemente com esse grupo. No primeiro momento, pensei em agir imediatamente, tentando obter resultados também imediatos: chamar os funcionários envolvidos para uma conversa séria; demitir os envolvidos diretamente; colocar uma pessoa para fiscalizá-los diariamente. Porém, algumas mudanças de paradigmas me fizeram parar e fazer uma avaliação contínua da nossa prática e auto-avaliação e me desafiei a sair do quadrado, a pensar em mais alternativas para solucionar o problema, de forma que os dois lados pudessem sair ganhando, pois meu sentimento, até então, era de estar levando a escola nas costas, sem saber por onde começar. Assustava-me ver tudo aquilo acontecendo. Percebia-me recuada, abatida e com isso me mantinha afastada do grupo para não passar uma imagem de impotência para ele. Acreditava que tinha que me mostrar sempre firme, determinada e segura, afinal de contas, eu era a diretora. Conforme Hunter

“... é importante que desafiemos continuamente os paradigmas a respeito de nós mesmos, do mundo em torno de nós, de nossas organizações e das outras pessoas.” (Hunter – O Monge e o executivo)

Selecionei essa experiência: A capacitação dos Funcionários ocorrida no decorrer do ano de 2006, com encontros mensais e aos sábados de 8 às 12h, para 18 pessoas, sob a minha responsabilidade, com apoio do Núcleo Gestor e de duas professoras da escola na época, por acreditar que tinham rendido muitos frutos bons na escola. Em um dos planejamentos da escola, quando foram expostas algumas atitudes comprometedoras dos funcionários para com as professores e até com os alunos, vi que a situação estava repercutindo nos demais segmentos da escola. Ouvi as queixas e, entre elas, sugestões sobre

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ações que poderiam ser muito significativas para aquele momento (problema de comunicação e dificuldades apresentadas quanto ao aspecto das relações interpessoais), como por exemplo: fazer uma capacitação para os funcionários. Achei-a bastante interessante e chamei a professora que deu a idéia para conversarmos melhor sobre como faríamos. Elaboramos uma proposta para apresentar em reunião para os funcionários. A receptividade do grupo foi surpreendente. Ficaram empolgados e se dispuseram a participar dando também idéias, embora um pouco tímidas ainda, quanto ao desenvolvimento dos trabalhos. Observei que estavam se sentindo olhados, percebidos. O fato de saberem que a direção também estava preocupada em desenvolver uma capacitação para eles mexeu com o sentimento do grupo. Serem ouvidos naquele momento que sabiam que era dedicado a eles, como frisou Clodoaldo Vitorino – agente administrativo. A leitura que fiz foi de que aquilo estava sendo reflexo de minha postura frente à nova situação: muitos funcionários e falta de direcionamento de suas funções, somando-se às outras dificuldades organizacionais que precisavam ser definidas, comunicação distorcida, além de falta de clareza quanto ao que a escola tinha como objetivo, isso me impulsionou a levar a idéia da capacitação adiante. Iniciamos em 17 de janeiro de 2006 com a primeira reunião para apresentar a proposta de trabalho. O objetivo era melhorar as relações interpessoais entre a equipe, desenvolver a comunicação clara e objetiva e conhecer a sistemática de trabalho da escola: aspectos técnicos e burocráticos (calendário escolar, PDE, Proposta Pedagógica, Regimento escolar, PDDE, Plano de Ação Anual da Escola e como ser excelência em atendimento à comunidade escolar) e sua aplicabilidade no dia-a-dia da escola, compreendendo a coresponsabilidade de cada um no fazer escola a cada dia. Essa idéia de inserir a parte burocrática foi para tornar os encontros mais valorizados, dando um ar de comprometimento e 112


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responsabilidade de todos ao conhecer a estrutura regimental da escola e saber da importância que cada encontro teria no sentido de se perceberem inseridos e contemplados em toda a dinâmica da vida escolar. Eu não tinha clareza de como deveria seqüenciar os estudos, mas sabia claramente qual era o verdadeiro objetivo, então fui mesclando os conteúdos para que não ficassem cansativos os momentos de leitura e apropriação desses documentos para conhecimento e reflexão de como estávamos envolvidos neste processo. Tínhamos momentos de acolhida com dinâmica de grupo (recorte e colagem sobre como a pessoa se via, e algo que retratasse o melhor e o momento mais difícil de sua vida para compartilhar com o grupo). Chamamos esse primeiro conteúdo de “Buscando o conhecimento de si mesmo”. Conversava-se em duplas sobre sua história de vida, depois um apresentava o outro colocando aspectos que mais lhe chamaram a atenção durante a conversação – este conteúdo foi chamado de “Integração”. Fazia-se a leitura de mensagens, de contos, de fábulas – em trios, os funcionários recebiam textos diversos, liam fazendo uso da biblioteca, estimulando o grupo ao hábito da leitura (bibliotecária fazia parte dos encontros) e a equipe conversaria até chegar a um consenso sobre o que entendeu da mensagem. Depois, havia a apresentação coletiva e espaço para ampliação das idéias. Ressalto que essas atividades ficavam expostas num grande mural para toda a comunidade escolar poder apreciar junto com eles e, também percebi que isso os deixava satisfeitos. Havia também alguns momentos de lazer e de relaxamento, dirigido pelo professor de dança (Diones –in memória) e professores do 2º tempo. Exibiam-se filmes reflexivos, tais como Minha vida sem mim (Isabel Coixet) e A vida é bela (Roberto Bellini). Em outros momentos, havia o agradecimento a alguém do grupo, fazendo a retrospectiva de momentos marcantes. Isso, de alguma forma, para aliviar sentimentos fragilizados entre os companheiros. O cara-a-cara – quando nos sentimos agredidos e quando agredimos, como ficamos – voltava-se para avaliação do grupo,

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no qual eu me incluía, deixando-me ser avaliada por eles. Lembro que isso não era fácil para mim, pois precisei aprender a ouvi-los com seriedade e mostrar que estávamos juntos na tarefa de aprender a ser melhor a cada dia. No momento de descontração: comemoração dos aniversariantes e confecção de cartões com mensagens originais, direcionadas aos homenageados – elogios, valorização de algo que eles fizeram; karaokê – descobrindo amantes da música – neste momento a maioria se dispunha a cantar ou acompanhar àquele que estivesse ao microfone. Eles escolhiam suas músicas prediletas. Observei o valor deste momento para sintonia entre o grupo, a aproximação física, o compartilhamento de sentimentos aos quais determinadas músicas lhes remetiam; dinâmica do toque – com os olhos vendados um tocaria o outro e identificaria quem era a pessoa; momento de relaxamento e massagem: ouvindo sons da natureza e mensagem de reflexão; em duplas, fazia-se massagem nas costas, nas mãos e faces uns dos outros. Os primeiros momentos foram mais tensos e o grupo ficava rindo encabulado, mas, com a continuidade, foram relaxando e vivendo o momento; As confraternizações pascal e natalina – momento de integração; e os momentos esportivos: a professora de Educação Física (Maria José) deu uma parcela de contribuição com a organização dos times para futsal e voleibol – foi um momento de muitos risos e chacotas que avalio como benéfico, rumo aos objetivos traçados. A todo encontro tínhamos nossa pauta de trabalho conforme modelo abaixo:

8h – Acolhida com dinâmicas e textos com mensagens reflexivas – lidas e exploradas no grupo. De início não foi fácil, pois ninguém queria se expor para ler e nem falar por que não se tinha essa cultura;

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8h20min – O assunto do dia era iniciado a partir de leitura prévia e contextualizada (1º estudo relacional);

9h20min – Intervalo de 15 minutos para comemoração dos aniversariantes com um lanche legal;

9h40min – Estudo técnico (conhecendo nosso calendário escolar e nossa co-responsabilidade e sua efetiva execução com sucesso – 2h) – com momentos de exposição dos documentos em cartaz ou transparência e acompanhados por eles com xerox para cada grupo poder em seguida ler e registrar as dúvidas e entendimentos;

11h20min – Momento coletivo que sempre acontecia na última meia hora do encontro com apresentação do que cada grupo compreendeu e/ou ficou de dúvida e reflexão;

11h50min – Avaliação do encontro e sugestões para metodologias do próximo encontro, onde eles já sabiam quando e o que seria tratado por ter recebido a proposta da capacitação após ser discutida com eles na reunião do início do ano (janeiro) e seu caderno para tarefas de casa. Um exemplo de tarefa foi observarem e registrarem durante o mês atitudes positivas que conseguiram perceber como crescimento pessoal e de grupo entre eles e também deles para como os demais da escola.

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No decorrer desta caminhada, também senti fraqueza, desânimo, vontade de adiar os encontros para que aos poucos nem falassem mais sobre o assunto. Mas eles foram mais fortes. Quando se aproximava a data, ficavam lembrando e mostrando o que já haviam conseguido desenvolver como tarefa de casa. Então, sentia-me na obrigação de honrar com o compromisso e não quebrar o encanto e ponte que estava se construindo entre mim e eles e entre eles próprios. Convidei três pessoas para darem palestras quanto aos temas propostos e isso deu uma nova roupagem aos encontros. O grupo avaliou como muito rico o momento. Os temas foram bem próximos deles: a utilização de plantas medicinais e como fazer remédios caseiros, dirigido pela Fátima do PSF – Posto Saúde da Família dos Terrenos Novos e uma equipe, em forma de oficinas; Francisca das Chagas (Andréia), desenvolvendo o tema sobre relações interpessoais e comunicação escrita através de dinâmicas; e, Onária Leitão com o encanto da leitura compartilhada transformando vidas. Durante as capacitações, fui percebendo que o grupo começava a melhorar o relacionamento, embora ainda tivesse alguns retrocessos, mas era compreensível. E os momentos, que na maioria eram dirigidos por mim, também foram bastante significativos para mim e para eles: quebraram-se barreiras, medos, otimizou-se a aproximação com olhar de respeito e empatia, compreensão do que é fazer escola dependendo de cada um. Concluímos, ao fi nal do ano, com o Plano Individual de Trabalho de cada um, revisado entre eles e fazendo nossa confraternização natalina com uma melhora significativa em relação ao relacionamento entre o grupo e auto-avaliação do coletivo, quando alguns colocaram o quanto sentiram importantes aqueles momentos, ressaltando que estavam se sentindo melhor até na vida pessoal e na forma de olhar a escola (alunos, pais e professores), conforme mencionou dona Maria Vieira.

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Posso comprovar isso na prática cotidiana da escola, no próprio sentimento de equipe que o grupo vive, o valor de vestir a farda e se sentir parte importante da escola, a preocupação com a aparência física e moral – como se está vestido e como está tratando o outro; na atenção, solicitude e cooperação diante dos imprevistos que pedem soluções imediatas, as combinações entre eles para que o trabalho não emperre; na forma de atender e servir aos alunos, pais e professores; na preocupação de saber e querer estar fazendo uma merenda de qualidade que agrade ao paladar de todos ou pelo menos da maioria: perguntam às crianças e aos professores como está a merenda; também na forma de se expressarem e colocarem suas idéias dentro do grupo;. na tranqüilidade e certeza de que podem vir conversar comigo sobre qualquer problema e juntos encontraremos soluções. Este sentimento perpassa por quem está na escola (professores, coordenadores e alunos), mas também por quem vem de fora (pais e visitantes). Hoje o grupo é mais unido e solidário. Quando alguém precisa faltar ou chegar um pouco depois de seu horário, coisa muito rara em nossa escola, os demais da equipe se prontificam a realizar sua tarefa, chegando mais cedo e não deixando o trabalho ficar comprometido. Quando têm idéias divergentes, não deixam de falar, mas ouvem umas às outras e procuram entrar em consenso e vivem um clima muito acolhedor entre eles e com todos os que estão envolvidos: alunos, demais funcionários e pais. Procuram ser alegres, atentos e tendo iniciativa diante de alguma situação que precise de apoio deles. Dividem as tarefas entre o grupo, e estão sempre unidos nas tarefas e conversas. É um grupo muito energizante e acolhedor, disposto e comprometido entre si e com a escola. Acredito que são os frutos que estão brotando. Essa experiência me levou a algumas reflexões sobre liderança e a ser uma pessoa humilde no meu ser. Vi que é preciso realmente ter simplicidade para perceber as coisas boas da vida. Muitas vezes é preciso silenciar, mas é preciso decidir e cada decisão tem seu preço. O meu foi alto enquanto não dei o primeiro passo. Outro foi

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o meu jeito de ser e crenças que precisaram ser quebradas, história de vida muito voltada para o autoritarismo exacerbado ao ponto de não aceitar voltar atrás daquilo que tivesse dito. Acredito que cresci muito e aprendi muito com o grupo. Vivenciar gestão é decidir caminhos a trilhar em equipe, acompanhar passos rumo a esse objetivo e fazer intervenções no decorrer da caminhada, uma história se construindo nos passos de cada dia e na co-responsabilidade de todos.

“É essa a imagem que se forma ao redor de minha paixão pela educação: estou semeando as sementes da minha mais alta esperança. Não busco discípulos para comunicar-lhes saberes. Os saberes estão soltos por aí, para quem quiser. Busco discípulos para neles plantar minhas esperanças.” (Rubem Alves)

ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência o dilema da educação. 12ª ed. São Paulo: Loyola, 1999. COVEY, Stephen R. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. Editora Best Seller /Nova Cultural, 2006. HUNTER, James C. O Monge e o Executivo – uma história sobre a essência da liderança. Tradução de Maria da Conceição Fornos de Magalhães. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. LOSIER, Michael J. A lei da Atração: O segredo colocado em prática. Tradução de Janaína Senna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. MATTOS, Ruy de. A Gestão e Democracia na empresa. Brasília, ed. Livre, 1991. SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe, com aquarelas do autor. Traduçãode dom Marcos Barbosa. 20. ed., Rio de Janeiro, Agir: 1979. SHINYASHIKI, Roberto. Os segredos dos campeões. 4ª ed., São Paulo: Editora Gente, 2007. 118


A IMPORTÂNCIA DO MATERIAL CONCRETO EM SALA DE AULA Maria Cordeiro de Oliveira da Silva

INICIEI O ANO DE 2007 COM A TURMA DE 5º ANO na Escola Osmar de Sá Ponte, onde constatei que havia, na maioria dos alunos, dificuldade na área da Matemática. Não adiantava ficar só explicando e propondo atividades no quadro, visto que muitos não conseguiam acompanhar. Percebi que a maioria não dominava as quatro operações, por exemplo. Então, resolvi colocar em prática o que me foi passado no curso de Pró-letramento de Matemática. Confeccionei meu próprio material. Primeiro, comecei com jogos (dominós de adição, subtração, multiplicação e divisão). Pude perceber que os jogos proporcionavam aos alunos uma alegria, uma diversão. Porém, a atividade, de fato, ainda deixava a desejar. Lembro-me bem que, antes de começar os jogos, um aluno chegou-se a mim e disse: “Eu nunca vou aprender Matemática!”. Mas, no momento em que ele começou a participar dos mesmos, vi despertar nele o interesse pela disciplina, uma vez que ele começava a compreendê-la. Percebo, no entanto, que existem muitos equívocos no tratamento desse tema. Um deles é difundir a idéia de que, ao jogar, o aluno está aprendendo um conceito sem perceber, de forma prazerosa.


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Ora, pode haver muito prazer em enfrentar desafios e aprender, mas isso não se faz economizando esforços. Aprender dá trabalho e deve ser encarado assim. O aluno pode jogar fora da escola, mas não necessariamente vai aprender dentro da escola a complexidade de um conceito só brincando. Por isso, o jogo deve ser sempre um ponto de partida para estabelecer relações matemáticas muito bem definidas pelo professor, como afirma a especialista Patrícia Sadovisky. A partir daí, comecei a participar dos estudos em grupo que eram proporcionados uma vez por semana, depois do expediente, na própria escola e com a orientação da coordenação pedagógica. Fui mais além, comecei a compreender de fato os fundamentos de cada conceito, ampliando e aprofundando meus conhecimentos matemáticos, promovendo situações através do uso de material concreto. Levei para a sala de aula um Quadro de Valor Lugar (Q.V.L.), confeccionado por mim, e que afixava no quadro utilizando canudinhos para representar as unidades do sistema de numeração decimal e sua forma de agrupamento. Eram feitas atividades em que eu pedia que os alunos representassem ou fizessem operações, utilizando o quadro e canudinhos para representar as unidades. Trabalhei o ábaco, conhecido desde a antiguidade pelos chineses, gregos e romanos. Este instrumento era utilizado em registros de quantidade, processos de contagem e cálculos matemáticos. O sistema de pinos é semelhante ao Quadro de Valor Lugar (Q.V.L.). Começava a contagem colocando as argolas no primeiro pino à direita (ordem das unidades). Quando juntava dez unidades no pino, trocava por uma unidade imediatamente à esquerda e fiz assim até acabar a contagem. A aprendizagem começou a se fazer evidente, pois algo que há algum tempo lhes parecia estranho, agora era presente em seu diaa-dia. Os alunos manuseavam os instrumentos com muita facilidade, mostrando que tinham total consciência do que estavam fazendo, bem diferente de antes. 120


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Utilizei bastantes vezes o material dourado disponível na escola. Esse material consiste em peças representativas das unidades do sistema de numeração decimal, um cubinho, representa uma unidade, dez cubinhos formam uma barra, que representa uma dezena, dez barras formam uma placa, que representa uma centena, e assim por diante. Utilizava para representar quantidades, como por exemplo: uma unidade e uma dezena ou uma dezena e dez unidades. Trabalhei também com medidas de quantidade, como o litro, por exemplo. Informei aos alunos que, para medir a quantidade de água, leite, óleo, álcool, gasolina e muitos outros líquidos, usamos a unidade de medida chamada litro. Para possibilitar a observação, levei à sala de aula um copo graduado em mililitros, onde eles puderam visualizar a medida e entender o que antes era apenas um conceito que lhes foi imposto pelo dia-a-dia. Para medidas de massa, mostrei-lhes que a unidade-padrão, o quilograma. Para isso, consegui, com um amigo, uma balança de pratos, muito utilizada em pequenos comércios, as “bodegas”, que fazem parte do cotidiano de todos os alunos. Pedi aos alunos que levassem frutas, como mamão, manga, maçã, e leguminosas, como batata-inglesa, cenoura e outras. Em sala de aula, começamos a medir, com o auxílio dos pesos, a massa de cada um desses materiais. Percebi que existia muita dificuldade a respeito da medida de tempo. Para resolver essa problemática, trabalhei com um calendário, onde explorei as idéias de mês, ano, semestre, etc. Para medida do tempo, utilizei também um relógio, com o qual, passo a passo, falei sobre as horas, transformando-as em minutos (Ex.: ½ h = 30 min; 1/3 h = 20 min; ¼ h = 15 min; ¾ h = 45 min.) No que diz respeito a frações, mostrei um cartaz que continha frações equivalentes e discos de frações para melhor visualização e entendimento.

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Atitudes simples e objetivas como essas, um pouco de criatividade, força de vontade, apoio e troca de experiências com a coordenação pedagógica e colegas, fizeram com que eu pudesse propiciar aos alunos um contato mais próximo com uma das disciplinas mais estigmatizadas pelos estudantes como sendo um “bicho-de-sete-cabeças”. Finalizado o ano, olhei para o passado e vi que todos meus esforços valeram à pena, pois os alunos aprenderam, eu cumpri meu papel não apenas de professora, mas de agente responsável pela mudança, papel de educadora, e nada melhor que a sensação de dever cumprido, que é confirmada com o depoimento do atual orientador de Matemática, dos alunos envolvidos nessa experiência, professor Geovani Teotônio:

“Achei no início que, pelo fato de os alunos estarem saindo do Ensino Fundamental I para o Ensino Fundamental II, o meu trabalho com eles seria bastante difícil. Mas essa suspeita foi quebrada, quando vi que a professora anterior preparou bem os alunos para receberem e, acima de tudo, compreenderem na sua totalidade, com olhares carregados de interesse, os conteúdos que lhe seriam repassados neste ano. Isso se evidencia no dia-a-dia da sala de aula. Percebe-se, através do envolvimento dos alunos com a disciplina, que foram bem preparados anteriormente, e, mais, sentem prazer em estudar matemática, percebese que são ávidos por conhecimento. A base dada a eles está sendo fundamental para o sucesso da prática docente, e hoje, o que mais almejo, é dar continuidade a esse trabalho iniciado pela professora Maria Cordeiro, fazendo desse processo de educação algo contínuo e que possa acompanhar os alunos pelo resto da vida.”

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Seria bem mais fácil reclamar das dificuldades do magistério, mas, deveras, é bem mais gratificante e satisfatório saber que cumpri um desafio que me foi proposto, e que traduz o maior desafio e missão da minha vida: Educar.

SADOVISKY, Patrícia.Revista Nova Escola, ed. 199, Fevereiro de 2007. Retirado de www.revistaescola.abril.com.br

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DESAFIOS E POTENCIALIDADES DO RECREIO ESCOLAR Maria Edinete Tomás

SEGUNDO UM PRINCÍPIO FREUDIANO, AS MELHORES explicações para determinados fatos principiam no passado onde se acham as origens deles. Parto desse princípio para fazer breve reflexão acerca do recreio escolar. Posso dizer que esse sentimento se construiu a partir de uma experiência de vida e se refina com o olhar uno e múltiplo, desenvolvido com a idade e com o desempenho de diferentes papéis no interior das unidades de ensino. Tenho boas recordações do recreio vivido ao longo de minha vida estudantil, quando esse espaço social não era marcado por situações negativas como brincadeiras de mau gosto ou atitudes violentas. Se esse fato subjetivo fez-me simpatizante do recreio escolar, descobrir as razões científicas de sua existência e, posteriormente, constatar a possibilidade de seus efeitos positivos, tornou-me uma investigadora do assunto. Há aproximadamente dez anos, quando eu participava de um curso de especialização, tive a oportunidade de ler um estudo científico – cuja autoria não mais recordo – cujo conteúdo atestava a necessidade natural da mente humana precisar de intervalos regulares de descontração para melhor assimilar conteúdos cognitivos como os escolares, daí a razão de “ser” do intervalo entre as aulas do dia.


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Em 1997, ingressei, como estagiária, numa escola da então rede de ensino municipal de Sobral – CE, minha cidade natal. Iniciei o estágio na Escola Trajano de Medeiros de Ensino Fundamental, como professora de uma turma de 1ª série, composta por uns vinte e cinco alunos, no mínimo, todos com nível de alfabetização comprometido e grande defasagem idade/série. Acresce-se a isso, o fato de eu ter iniciado minhas atividades docentes com o ano letivo bem adiantado e de precisar atuar numa sala de aula improvisada, com espaço físico bastante reduzido, baixíssimas condições de ventilação e luminosidade, dentre outros limites. Contudo, a escola possuía um pátio central relativamente amplo, de terra batida, ladeado por algumas árvores, onde os alunos brincavam antes e depois das aulas, bem como no intervalo entre elas. Na época, o recreio da Escola Trajano de Medeiros era livre, ou seja, não havia brinquedos disponíveis, música, brincadeiras orientadas muito menos supervisores. E, naturalmente, os alunos de ambos os gêneros eram irrequietos e tendiam a reagir com violência se algo lhes desagradava. Diante deste contexto, senti que, para minimizar as condições adversas do ambiente físico e social e atingir os objetivos educacionais pretendidos, eu teria, antes de tudo e urgentemente, que “ganhar” meus alunos, fazê-los meus parceiros. Para tanto, arquitetei um plano. Comecei propondo-lhes diferentes brincadeiras simples e desafiadoras, das quais eu também participava ativamente, depois de orientá-las. No início, eram brincadeiras envolvendo atividades físicas: corrida sem ou com obstáculos improvisados, salto à distância, arremesso de bola, futebol. Posteriormente, passamos a usar também jogos de raciocínio: dama, ludo e jogo da velha, uns desenhados com giz no piso; outros confeccionados com papelão reciclado, tendo tampas de garrafas como peças complementares. A novidade dos jogos recreativos chamava a atenção de alunos de outras turmas que se candidatavam também às brincadeiras por

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não se perceberem autônomos para inventariar/inventar seus próprios jogos. Diante do pedido deles aos alunos-líderes de cada jogo (cargo geralmente dado aos mais velhos), meus alunos sentiamse prestigiados e, ciumentos, inicialmente negavam, alegando não haver espaço para mais ninguém. Essa atitude discente, porém, quase sempre resultava em aprendizagens significativas para mim e para o grupo: gerava uma liderança positiva, estimulava a difícil união entre “grandes e pequenos”, a co-responsabilidade de uns para com os outros, o gradual processo de conscientização, via reflexão coletiva sobre o assunto. Ao cabo de uns dois meses aproximadamente, as brincadeiras do recreio ajudaram, sobremaneira, na construção de um vínculo afetivo entre todos os componentes do nosso grupo, destes com alunos de outras classes, reduziu o nível de violência entre eles e me ajudou a construir um clima pedagógico satisfatório em sala de aula. Diante de tais fatos, nos anos seguintes que permaneci como professora naquela escola, inclusive atuando em diferentes séries, procurei explorar pedagogicamente o recreio, experimentar novas brincadeiras, criar ou adaptar jogos de acordo com o nível de conhecimento e de interesse dos meus alunos e os resultados, via de regra, continuavam muito positivos. Transferi-me para a Escola Maria do Carmo Andrade de Ensino Fundamental e Educação Infantil – EMCA, em agosto de 2001. Aí, na condição de diretora/aprendiz, agucei ainda mais o meu olhar para questões que ia identificando no cotidiano escolar. Logo nos primeiros dias, observei o quão era violento o recreio, sobretudo o vivenciado no turno vespertino, no qual eram atendidos alunos numa faixa etária entre seis e dezessete anos, aproximadamente. O espaço físico escolar pareceu-me muito reduzido para ofertar recreio no modelo livre adotado: um pátio central de terra batida, ladeado por árvores frondosas, três alamedas em torno das quais se dispunham as salas de aula.

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As brincadeiras preferidas relacionavam-se muito com a faixa etária dos alunos; as mais comuns eram: pega-pega, esconde-esconde na copa das árvores, evadirem-se pulando o muro, arrastão, atos de vandalismo. As duas primeiras modalidades eram adotadas pelos menores. O pega-pega se dava no interior das salas de aulas, resultando, quase sempre, com crianças machucadas e carteiras quebradas em decorrência do próprio jogo. O arrastão apresentava-se como um cordão humano invadindo as alamedas e o pátio e atropelando o que encontrasse em seu caminho, enquanto o vandalismo consistia em destruir recursos dos banheiros e da merenda escolar. A meu ver, as últimas modalidades tinham por finalidade demarcar um espaço de liderança dos alunos mais velhos e também representar uma espécie de condição para a entrada de novos alunos nesse grupo, geralmente encabeçados por um aluno mais audaz. Eram as modalidades que os adultos da escola mais receavam intervir. Diante dessa realidade e antes de nela intervir diretamente, discuti o assunto com o núcleo gestor, professores, servidores, representantes de pais e de alunos; poucos acreditavam na possibilidade de mudança, mas a maioria dispôs-se a ajudar-me no que achasse estar ao seu alcance. Iniciei o processo de qualificação do recreio, no início do ano seguinte e com algumas ações básicas: adoção de novo modelo na distribuição da merenda escolar com maior controle dos recursos materiais; divulgação de normas de convivência social prevendo a perda temporária do direito ao recreio para a turma cujos membros não atendessem a essas normas, melhoria do espaço físico (restauração e embelezamento dos banheiros discentes e do pátio escolar). Adotamos ainda, durante o recreio, fechar as salas de aula e disponibilizar “um professor” (diretora e/ou zelador) na porta de cada banheiro discente, preparando a comunidade interna para a implantação do Projeto Recreio Amigo.

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Hora do recreio

O referido projeto foi implantado em abril de 2002, vem se desenvolvendo até hoje e, ao longo deste percurso, sua história temme possibilitado múltiplos estudos, alguns, inclusive com pesquisa estruturada. Implantá-lo foi um desafio, pois implicava na participação direta e efetiva de todos os adultos que atuavam profissionalmente na EMCA, o que equivale a dizer que exigia mudanças conceituais e da própria cultura escolar. Mantê-lo é outro desafio, pois que a realidade escolar é muito dinâmica e as mudanças culturais exigem um espaço de tempo onde novas ações possam se desenvolver de modo mais estável. Porém, discutir tais aspectos não é o foco deste trabalho, daí ater-me a dar as linhas gerais do Recreio Amigo, a caracterizar um de seus momentos de maior esplendor e os efeitos que ele, projeto, ainda provoca no atual momento escolar. O projeto de qualificação do recreio escolar tinha e tem por objetivo maior aproximar seus partícipes pela vivência concreta de boas práticas sociais, capazes de fortalecer conteúdos educacionais. Na 128


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prática, corresponde à oferta de atividades recreativas, lúdicas, esportivas e artísticas, sob a coordenação diária das várias categorias profissionais atuantes na escola, cujos representantes são vistos como parceiros natos. Desde o início, os parceiros do Recreio Amigo têm liberdade para criar ou escolher a atividade recreativa que desejar coordenar, desde que esta não vá de encontro aos propósitos educacionais. Cabe-lhe também providenciar ou agendar os recursos materiais que necessitar, bem como se responsabilizar pelos que pertencerem à EMCA. As atividades recreativas desenvolvem-se apoiadas ou não pela Ludoteca: conjunto de sugestões, devidamente orientadas, de brincadeiras infantis sem necessidade de recursos materiais (boca de forno, esconde-esconde, amarelinha); de brinquedos (cordas, bambolês, círculos de elástico, carrinhos e bonecas etc.), de recursos para jogos (damas, ludos, xadrez, miniquadra de futebol, bolas, bilas,

Ludoteca

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Recreio Amigo - apresentação de capoeira

minitraves, redes etc). Essas atividades vêm sendo desenvolvidas acompanhadas por música ambiente, sempre ao encargo da coordenação pedagógica. Um dos momentos mais promissores do Recreio Amigo deu-se quando a EMCA ofertava três modalidades de ensino artístico pelo Projeto Escola Viva: música instrumental, capoeira e teatro. Então, contávamos também com um grupo de professores bem participativo. Uns e outros se organizavam autonomamente e apresentavam números artísticos, interagindo ativamente com os alunos, seguindo um calendário estruturado. Essa ação parecia contagiar os demais professores e era comum ver muitos deles felizes jogando bola, xadrez, bila, dama com os alunos. Desconfio que esse período haja sido o de menor incidência de falta escolar e de problemas entre professoraluno, contudo, ainda é prematuro pôr em evidência essa hipótese, porquanto a possibilidade de existência de outras variáveis. Vale ressaltar que desde a implantação do Projeto Recreio Amigo, e apesar de seus momentos de dificuldade caracterizados pela freqüência irregular dos parceiros, ainda hoje esse espaço escolar, via de regra, apresenta-se socialmente agradável, sem mais atitudes discentes vândalas nem violentas, apesar de conviverem no mesmo 130


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espaço físico-social alunos com faixa etária entre seis e dezessete anos. Há muito tempo deixamos de fechar as salas de aula durante o intervalo. Inclusive, algumas delas atualmente servem de espaço para brincadeiras. Também já não precisamos de mecanismos de controle como a suspensão de turmas ou de alunos nas atividades recreativas, o que por si aponta para um refinamento cultural através do aprendizado significativo voltado à construção da cidadania. Percebo esse refinamento cultural como parte de uma mudança de conceitos acerca da responsabilidade coletiva pela educação discente e da participação ativa do profissional da escola no recreio não mais como um acréscimo de trabalho, pois em todas as categorias profissionais da EMCA há representantes que participam regularmente do recreio, sem mais precisar de estímulos externos. Estudos direta ou indiretamente relacionados com o recreio escolar, realizados no Brasil e no exterior, confirmam o espaço privilegiado das atividades recreativas na aprendizagem discente. Pereira e Neto (1999) advogam a necessidade de intervenção nos espaços de recreio através de práticas lúdicas e de recreação diversificadas como forma de resolver conflitos e de ensinar os alunos a conviver de modo mais satisfatório. Para Marques et al. (2001), a ausência de atividades recreativas orientadas leva as crianças a brincar fazendo uso indevido de seus próprios corpos, daí as lutas, as carreiras desordenadas, os conflitos que podem e devem ser didaticamente trabalhados, segundo os propósitos educacionais. Abramovay et. al. (2004) discutem experiências exitosas de combate à agressividade e à violência escolar que são desenvolvidas em escolas públicas. Essas experiências centram-se na transformação do clima da escola através da integração de seus diferentes atores, do fortalecimento de laços e de mecanismos de compartilhamento de interesses e objetivos. Apesar do que se acha posto acerca dos benefícios físicos, emocionais e sociais do recreio escolar, tanto no plano do sujeito individual quanto do corpo social, é importante que a questão se conserve em aberto e seja enriquecida com múltiplos olhares.

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ABRAMOVAY, Mirian. (Coord.) Escolas inovadoras: experiências bem –sucedidas em escolas públicas. Brasília: UNESCO, Ministério da Educação, 2004. MARQUES, A.R.; NETO, C.; ANGULO, J.C.; PEREIRA, B.O. Um olhar sobre o recreio, espaço de jogo, aprendizagem e alegria mas também de conflito e medo: indisciplina e violência na escola. Lisboa: Universidade de Lisboa/ Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, 2001. PEREIRA, B.; NETO, C.; SMITH, P.; ANGULO, J. Reinventar los espacios de recreo para prevenir la violencia escolar. Cultura y educación, v.14, n.3, p.297-311, 2002.

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SUPERANDO DESAFIOS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM Maria Isabel de S. Moraes

MEU NOME É M ARIA ISABEL DE SOUSA MORAES, sou professora alfabetizadora, porém, no momento, estou na coordenação da Escola SESI. No ano de 2001, mais precisamente no dia 06 de agosto, iniciei meu trabalho na Escola Antenor Naspolini, no município de Sobral. Foi uma experiência desafiadora, pois antes eu trabalhava em outro município. Meu primeiro ano em sala de alfabetização foi um desastre, pois eu vinha de uma realidade bem diferente, sem nenhuma estrutura, “as coisas eram soltas”. Assumi uma turma de 1ª Básica (hoje 1º ano) com 32 alunos. E, para o meu desespero, não tinha idéia de como “alfabetizar”. Com todas as dificuldades pelas quais eu estava passando, ao final do ano consegui alfabetizar seis alunos. Porém, houve uma credibilidade por parte de meu diretor, que incentivou a continuar e vencer essa barreira. No início de 2002, fui convidada a assumir uma turma de 1ª Regular (hoje 2º ano) com 20 alunos selecionados (como alunos que estariam com dificuldades de aprendizagem). Dentre esses, apenas 02 reconheciam palavras. Essa foi uma experiência realmente desafiadora, porém, fui muito estimulada pelo diretor (na época) até aceitar o desafio. Particularmente, achei aquela atitude muito


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positiva e, a partir daí, empenhei-me para conseguir o meu objetivo, que era alfabetizar todos os alunos ao final do ano letivo. Para iniciar o trabalho, percebi que seria necessário descobrir as dificuldades da turma. Para isso, realizei um diagnóstico inicial, registrando no meu caderno a competência e a habilidade que cada aluno dominava. Descobri que 40% só reconheciam algumas letras, 50% não identificava nenhuma letra, 10% identificavam palavras. Foi a partir desse diagnóstico que preparei atividades de leitura e escrita diferenciadas e passei a trabalhar com grupos em sala, para assim atender e trabalhar as necessidades dos mesmos. Para cada grupo, era elaborada uma atividade de acordo com o seu perfil. Mesmo que a maior parte dos alunos não soubesse ler, eu levava um texto na cartolina ou papel-madeira para a sala e, antes de iniciar a leitura, fazia uma predição das informações que seriam encontradas no texto. Logo em seguida, fazia a leitura para eles, apontando palavra por palavra, frase por frase. Depois, fazia a interpretação oral com as intervenções necessárias. Do mesmo texto, retirava uma palavra e a partir daquela palavra trabalhavam-se as sílabas, o número de sílabas, as letras: maiúsculas e minúsculas, vogais, consoantes. Assim, o texto era trabalhado durante uma semana e a cada dia com um objetivo específico. As atividades de escrita eram elaboradas de acordo com o texto e com o nível de cada grupo, sendo algumas delas: a retirada de palavras, frases, cloze de palavras, de letras, de sílabas, ditado mudo (usando gravuras para a criança colocar o nome delas, a letra inicial, a primeira sílaba, ou ainda uma frase). As intervenções eram feitas no momento da atividade e o aluno que fosse terminando iria ajudar o colega do seu grupo que estivesse com dificuldade. As estratégias utilizadas para alcançar os objetivos foram as mais diversificadas possíveis: atividades lúdicas, de lazer e de criação de turnos intermediários que favoreceriam um novo contato com o professor fora do horário de aula, para tirar dúvidas. Assim, o aluno 134


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que melhorasse seu desempenho, tanto na leitura quanto na escrita, iria passar o final de semana em minha residência, com direito a passeio, pipoca, sorvete, etc. Essa estratégia lúdica e de lazer surtiu tanto efeito, que o aluno mais disperso e brincalhão da sala começou a se interessar pelas aulas, a fazer as tarefas de casa, que antes não fazia, e a participar ativamente de todas as atividades. A outra estratégia usada era pedir para as crianças, que não faziam suas tarefas em casa por algum motivo, (a mãe trabalhava e não podia ensinar, ou ainda, o pai a mãe eram analfabetos) virem no contra-turno, para que eu os ajudasse. Além disso, durante as férias do mês de julho, eu chamava as crianças que ainda estavam com dificuldades para um reforço especial, e aproveitava os finais de semana para preparar cadernos de caligrafia e atividades com recortes de livros. As aulas eram mais dinâmicas, para não cansar as crianças, e as brincadeiras eram sempre direcionadas. Todos os dias, antes de começar as aulas, eram feitas as rodinhas de conversa, de contação de histórias (histórias do meu tempo de criança, músicas, piadinhas, histórias da própria comunidade etc.). Senti muita dificuldade, pois a escola não dispunha de recursos, então tive que trabalhar com o que tínhamos. Além do estímulo do diretor e da minha vontade de aprender e querer algo mais, participei do Programa de Capacitação para Professores oferecido pela Secretaria de Educação do município. Com as capacitações, abriu-se um leque de possibilidades que vieram ao encontro das minhas necessidades, uma vez que a situação anterior me inquietava. As mesmas eram ofertadas por um grupo de professores da equipe do Professor Edgar Linhares, que vinha de Fortaleza, os quais nos apresentaram as técnicas necessárias para o nosso melhor desempenho profissional, desenvolvendo nos professores habilidades importantes para realização do trabalho em sala de aula. A metodologia aplicada nesses treinamentos foi bastante significativa, pois foram trabalhados textos relacionados ao nosso cotidiano escolar que tratavam de

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leitura e escrita. Por minha vez, procurava aproveitar o máximo, absorvendo as teorias e estratégias demonstradas por eles, e assim, adaptá-las em sala de aula. Além disso, eu aproveitava o momento do almoço para conversar com os colegas que pudessem contribuir na resolução da minha dificuldade. Ao final de cada mês, tínhamos uma reunião com o núcleo gestor, quando eram apresentados pelo coordenador os resultados da avaliação interna de cada turma. De acordo com os resultados apresentados, cada professor apresentava suas estratégias de trabalho e estabelecia metas de aprendizagem para o mês. Em agosto, quando chegou o resultado da avaliação externa, percebemos que houve um avanço significativo, pois 42% dos alunos estavam lendo textos, os demais estavam lendo frases, palavras e sílabas. Ainda não era o resultado desejado, portanto resolvi continuar com algumas das estratégias e modificar outras, como, por exemplo, intensifiquei o trabalho com a leitura e todo dia ficava com a “turminha” que lia apenas sílabas durante meia hora após o expediente. Aproveitava também as aulas de recreação e, sem que eles percebessem, trabalhava a leitura e a escrita. Uma atividade que eles adoravam era a brincadeira do boliche, em que as palavras retiradas do texto trabalhado durante a semana eram escritas numa tarjeta e coladas nas garrafas pet, a bola era feita de papel. A turma era dividida em dois grupos e o jogo começava. Quem derrubasse as garrafas e lesse o que estava escrito, ganhava ponto. Cada grupo era estimulado a demonstrar sua habilidade na leitura de palavras, frases ou letras. Outra atividade usada era o texto coletivo, trabalhado uma vez por semana. Eu apresentava uma gravura, deixava que eles a observassem bastante e pouco a pouco iam expressando suas idéias. Eles escolhiam um título e escrevia no quadro, colocando o nome do autor de cada trecho da história. Logo após, eram feitas as correções, passava o texto para uma cartolina e fazia uma leitura coletiva. Este trabalho ficava exposto na sala durante uma semana. 136


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No final do ano, como resposta ao meu empenho e minha dedicação, os 20 alunos conseguiram ler textos fluentemente e escrever uma história simples. Foi a única sala da Escola Antenor Naspolini na qual todos os alunos estavam alfabetizados. Mas o reconhecimento maior foi quando no início do processo fui incentivada pelo diretor a chegar até aqui e vencer esse desafio. Naquele momento, fui convidada para conversar com os diretores sobre o meu trabalho e a partir daí a minha profissão e o meu amor pelo que faço ganhou nova dimensão, pois consegui superar o desafio. Hoje, como coordenadora, aponto essa experiência para meus professores. E recomendo que para que o trabalho do professor seja reconhecido, ele deverá acreditar no seu potencial didático, sem medo ou temor de sua capacidade de fazer acontecer, tem que estar aberto para o novo e para os desafios constantes, pois ele é realmente a mola-mestra da sala de aula e faz a diferença, dessa forma gera reconhecimento diante de outros setores da sociedade, como também do próprio estabelecimento de ensino.

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INFÂNCIA ESQUECIDA Maria de Lourdes Aureliano

EM 2004, FUI CONVIDADA, PELA ENTÃO DIRETORA ESCOLAR, Maria Edinete Tomás, para coordenar as atividades pedagógicas da Escola Maria do Carmo Andrade de Ensino fundamental e Infantil (EMCA), pertencente ao Sistema Municipal de Ensino de Sobral. Ao iniciar minhas atividades profissionais, deparei-me com um alto índice de crianças com deficiência de aprendizagem, provocadas por uma série de fatores. A princípio fiquei perdida e me perguntava o que fazer para atender às metas da escola, com estes desafios que ultrapassam as competências de minha formação, pedagogia. Acredito que todo ser humano é capaz de aprender alguma coisa na vida. É este caso que vou relatar. Tentei aproximar-me da criança que vou chamar de Zazá no decorrer do relato. Zazá não quis saber de mim, continuei buscando aproximação, até que na terceira tentativa ela se permitiu vir ao meu encontro, com aspecto de desconfiança, afinal para ela eu era ainda uma pessoa estranha. Apresentei-me para ela e perguntei seu nome, ela me respondeu de maneira ríspida, é Zazá, e foi saindo. Um pouco à frente parou e eu olhei, sorri para ela, disse-lhe algumas palavras de carinho e saí. Daí em diante passei a observá-la de forma sutil e ela, todos os dias, vinha ao meu encontro e fazia muitas perguntas a meu respeito. Depois, passou a contar-me histórias que aconteciam com ela e com sua família no ambiente extra escola. E assim, fui conhecendo sua história, suas raízes.


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Zazá é filha de um casal sem escolaridade e sem renda familiar, sobreviviam da caridade da vizinhança, hoje de biscates. Zazá tem mais cinco irmãos, quatro deles com déficit de aprendizagem associado a condutas típicas, da mesma forma que ela. Sua primeira experiência escolar foi em 2003, já aos 7 anos na 1ª série regular, hoje chamada de 2º ano. Não obteve sucesso na aprendizagem. No ano seguinte foi enturmada na Meta II (programa criado para corrigir a defasagem série e idade). Sendo eu, coordenadora pedagógica co-responsável pela aprendizagem desta criança, empenhei-me fortemente na busca de estratégias para que Zazá conseguisse aprender com sucesso. Para acompanhar sua evolução fizemos uma rotina de atividades para ela. Inicialmente passava 8 horas na escola. Pela manhã de 7:00 às 11:00 estava na sala de aula participando das atividades com a professora e as crianças da turma em que estava matriculada. O objetivo primeiro era aprender a socializar-se com outras crianças e com a professora. À tarde Sua rotina era partilhada entre a coordenadora pedagógica, a professora de apoio pedagógico específico e uma outra professora que chamávamos de “madrinha”. Aqui o trabalho com a aluna era feito de maneira individual, com foco no lúdico e nos “combinados”, para obter a adesão e participação da menina nas atividades realizadas. Outras estratégias foram utilizadas de forma diversificada e criativa. A primeira delas foi mobilizar toda a comunidade escolar para que esta se tornasse parceira da aprendizagem de Zazá. A cada um coube a porção que era possível, mas todos contribuíram. Assim a aprendizagem deu-se não só no aspecto cognitivo pela professora na sala de aula e pela equipe pedagógica, com evidência nas ações desenvolvidas pela professora de atendimento educacional específico e pela coordenadora pedagógica, mas também no direcionamento das estratégias a serem desenvolvidas por cada funcionário da escola. Quando Zazá chegava na cantina e falava para merendeira que não tinha tomado o café da manhã, ela estava

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pronta para alimentá-la com gentileza antes da aluna entrar na sala. O jardineiro estava sempre disposto a colaborar orientando-a para o cuidado com as plantas e para não jogar lixo nas galerias da escola. O porteiro estava sempre disposto a ir buscar a menina em casa quando não estava presente. Os professores contribuíram com a formação da cidadania de Zazá, fazendo uso de temas transversais, dialogando com ela quando buscava deles se aproximar. Envolvemos, também, a mãe da menina neste processo, realizando as ações que a ela cabiam, como acordar Zazá cedo e mandar para a escola. O suporte destas ações era feito pela escola na pessoa da coordenadora pedagógica. Para Piaget, os jogos não são apenas uma forma de divertimento, mas são meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. Para manter o seu equilíbrio com seu mundo, a criança necessita brincar, jogar, criar e inventar. Os jogos tornam-se mais significativos à medida que a criança se desenvolve, porque através da manipulação de materiais variados, ela poderá reinventar coisas, reconstruir objetos. Vygotski atribui importante papel ao ato de brincar na constituição do pensamento infantil. Segundo ele, através da brincadeira o educando reproduz o discurso externo e o internaliza construindo seu próprio pensamento: “A ludicidade e a aprendizagem não podem ser consideradas como ações com objetivos distintos. O jogo e a brincadeira são, por si só, uma situação de aprendizagem. As regras e a imaginação favorecem a criança comportamento além dos habituais. Nos jogos ou brincadeiras a criança age como se fosse maior do que a realidade, e isto, inegavelmente, contribui de forma intensa e especial para o seu desenvolvimento.”

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As estratégias voltadas para o desenvolvimento cognitivo de Zazá estavam relacionadas com o fazer pedagógico através da manipulação de recursos didáticos de maneira prática e prazerosa. Dentre estes recursos estavam presentes jogos e brincadeiras como motivadores da aprendizagem. O grande objetivo era despertar na criança o hábito cotidiano de estudar e aprender as competências básicas da alfabetização. A política de alfabetização do município de Sobral recomenda o ensino e a aprendizagem das competências de leitura, compreensão, escrita e matemática. Para trabalhar a competência de leitura e compreensão utilizamos, leituras de textos de diferentes gêneros, tais como: revistas em quadrinhos, contos, fábulas, receitas, listas, rimas, parlendas, advinhas, trava-línguas, imagens, músicas. Utilizamos dinâmicas contextualizadas, tendo como foco a compreensão oral através da predição e a compreensão escrita por meio de atividades voltadas para os textos. As atividades que se seguem foram as primeiras produções escritas de Zazá.

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Autógrafos, esta atividade de Zazá realizou com outras quatro crianças que também tinham dificuldades de aprendizagem. Foi sua primeira escrita coletiva com objetivo de trabalhar a socialização e a descontração. Todas as crianças, com um papel e lápis estavam espalhadas pela sala. A um sinal, cada criança deveria ter o maior número de autógrafos dos presentes. Quem conseguisse, dentro do tempo pré-fi xado (15 minutos), o maior número de autógrafos, venceria. Conteúdos trabalhados: da alfabetização e história pessoal. Temas Transversais: pluralidade cultural e ética. Valores e atitudes: atenção, imparcialidade, justiça, esforço, igualdade e respeito.

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A competência de escrita – foco na construção do próprio texto, para isso foi necessário trabalhar a leitura e a compreensão dos textos como já foi dito acima. As produções foram feitas a partir de reconto de histórias, imagens, quebra-cabeça, seqüência de gravuras, listas diversas, rimas, temas, busca palavras, cruzadinha, organização de frases, ditado visual, pesca palavra. Matemática – reconhecer e utilizar números em situações diversas do cotidiano. Trabalhar com: sementes, palitos, placas de moto, nº de casas, nº do calçado, etc. Reconhecer o sistema de numeração decimal. Uso do Material dourado, ábaco, jogos de dominó, bingo da matemática, roleta da sorte, jogo da memória com números, pescaria de números. Zazá hoje está com 12 anos, e a soma das ações realizadas com suas devidas estratégias ao longo destes anos, apontam que ela evoluiu, tanto em alguns conteúdos de relevância social, quanto em conteúdos cognitivos direcionados para a alfabetização inicial, fato provado pelas nossas avaliações feitas pela escola, e comprovado pelas últimas avaliações externas realizadas pela Secretaria da Educação.

RESULTADO DE AVALIAÇÕES EXTERNAS MÊS

ANO

TURMA

LEITURA

ESCRITA

M ATEMÁTICA

GERAL

Jun.

2007

Meta II

Palavra

Nível 2 M.Crítico

X

X

Dez. 2007

Meta II

Texto

Nível 4 Adequado

X

Adequado

2008 4º ano

Texto

Nível 3 Crítico

Adequado

Intermediário

Jun.

Intermediário Muito Crítico – 0 a 4 pontos / Crítico – 5 a 8 pontos / Intermediário – 9 a 12 pontos / Adequado – 13 a 18 pontos

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Nosso desafio agora é consolidar a alfabetização de Zazá até o 5º ano tendo como meta chegar ao nível adequado nas devidas competências inerentes a esta turma.

Pedagogia Lúdica – Jogos e brincadeiras de A a Z (QUEIROZ, Tânia Dias e MARTINS, João Luiz) Ed. Rideel Coleção Aprendizagem divertida (VALADARES, Solange e ARAÚJO, Rogéria) Ed. FAPI Coleção dia-a-dia do Professor (PINTO, Gerusa Rodrigues e VILAÇA, Regina Célia) Ed. FAPI

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UMA EXPERIÊNCIA PRAZEROSA Maria Madalena Rodrigues

SOU PROFESSORA DA ESCOLA ODETE BARROSO, distrito de Caracará e trabalho na área da Educação Infantil há seis anos. Ao longo desses anos, tenho realizado diversas atividades e projetos ricos e interessantes com minha turma. As crianças que atendo são na faixa etária de três a cinco anos e, desde que iniciei, percebi que as crianças não demonstravam o menor interesse pela prática da leitura, visto que a maioria dos pais não tinham esse hábito em casa, nem costumavam comprar livros para os filhos. Como ler sempre foi meu exercício preferido, busquei uma forma de motivá-los para a leitura. Passei a incentivar os pais, tentando mostrar a eles a importância de saber ler, para que surgindo motivação neles, pudessem incentivar seus fi lhos, que eram realmente meu foco principal. Esse incentivo aos pais se deu através de nossos encontros mensais, reuniões e planejamento. Quando conheci de perto a necessidade de leitura que havia entre aquelas pessoas, passei a querer expandir essa prática não só para os meus alunos e demais funcionários da escola, mas também aos pais.


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Incentivei os pais para que conhecessem e se apropriassem desse mundo mágico da leitura, pois só conhecendo sua importância, poderiam entender o interesse dos filhos nessa área. O envolvimento dos pais e das crianças foi muito satisfatório. Cada fato novo era mais interessante e, da forma que eu os estimulava, ia aguçando mais sua curiosidade e os incentivando à leitura. Passei a motivar os pais para as reuniões, de formas variadas e criativas, através de leituras dinâmicas, divertidas, pois esses eram os objetivos de nossos encontros: despertar nos mesmos o gosto, o prazer pela leitura, conhecer sua beleza e utilidade social e, a cada encontro, o envolvimento era mais forte. Alguns pais já recontavam histórias que os filhos já conheciam. Através do contato com os livros, outros que já sabiam, faziam algumas leituras para os demais e sempre discutíamos o quanto é importante saber ler fluentemente, tanto para nossa compreensão e entendimento, quanto para a de quem nos ouve. Os resultados obtidos com essa discussão eram sempre muito interessantes, porque todos refletiam sua condição como leitores, estavam começando a se questionar sobre algo que nunca haviam parado pra pensar, no verdadeiro sentido da leitura, porque esse vem carregado de sentimentos, o que difere do significado, e a coisa mais fantástica da vida é encontrarmos sentido nas coisas que fazemos e eu pude perceber essa dimensão, através de nossos diálogos, contato com os livros, sessões de leituras, registros e ao perceberem o quanto as crianças estavam interessadas, sua motivação também foi notável e a relação com os livros cresceu significativamente, de forma muito positiva e fortalecedora, permitiu o intercâmbio, viram a leitura de forma prazerosa e mágica. Após nossos encontros, iniciei o trabalho com a arrecadação de livros, que inicialmente não foi um processo muito fácil, pois em minha comunidade, Casinhas, a maioria dos pais e filhos não tinham esse hábito de ler e comprar livros e poucos dos pais que sabiam não 146


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tinham uma leitura fluente, Tive primeiro, que organizar encontros, reuniões, conversar, motivar, tentar conscientizá-los do quanto a leitura é importante e como só isso não bastaria, também fui procurar auxílio em outras fontes. Passei a pedir colaboração de outros grupos de pessoas envolvidas na área educacional, apoio a entidades que trabalhavam com projetos ligados à leitura, programas de incentivo à alfabetização e ia sempre repassando ao pais, de forma bem estimulante. Consegui arrecadar alguns livros principalmente de voluntários que acharam a idéia muito interessante. Também comprei variadas coleções de livros paradidáticos, incluindo contos clássicos, histórias bíblicas, coletânea de textos, fábulas, adivinhações. Após já termos um pequeno acervo na escola, convoquei os pais novamente, apresentei o material, assim como os projetos e programas de leitura de outras escolas e municípios. Passei a fazer a abertura de nossos encontros sempre com uma leitura (uma história, texto reflexivo, letra de uma música etc). As crianças estavam sempre “lendo” nos momentos livres, um cartaz, um livro. Ao ver minhas ações, também passaram a fazer e isso se tornou um vício, pois a cada dia aumentava o interesse, tanto das crianças, como até dos próprios pais, que aos poucos foram também se interessando e integrando-se a ponto de ficarem bastante curiosos, e essa atitude me fez ver o possível caminho para atraí-los à leitura. É óbvio que no início, enfrentei pequenos obstáculos, críticas de alguns pais e outras pessoas que relataram que isso era bobagem, que eu não iria conseguir mobilizá-los, também não consegui muito apoio na arrecadação dos livros. Depois disso, iniciou o processo, que como já citei anteriormente não foi muito rápido, pois estimular pessoas que não tem o hábito da leitura a ler, não é uma tarefa tão fácil, visto que a leitura é um hábito que deve ser cultivado e não imposto. O importante é que aos poucos, os obstáculos foram sendo superados apesar de que em alguns pais, ainda não tenha repercutido da mesma

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forma, alguns mantiveram sua concepção de antes, mas o importante é que vi resultados satisfatórios, a maioria já estava envolvida e isso foi mais que gratificante, pois como diz Rubem Alves (1999) “Penso que, de tudo o que as escolas podem fazer com as crianças e os jovens, não há nada de importância maior que o ensino do prazer da leitura. É preciso que o ato de ler nos dê prazer”. A partir daí, foi criado o nosso mágico cantinho da leitura, utilizando um espaço livre que havia na escola e agora seria destinado para essa prática. A idéia da Criação do Cantinho da Leitura era um sonho antigo que eu vinha projetando, mas as crianças foram minhas principais parcerias, juntos montamos o ambiente. Organizamos a mesa com os livros, mesinhas divididas para as sessões de leitura livre, na parede há textos dos mais variados gêneros, frases de incentivo à leitura, também tem um canto com outros suportes de leitura (jornais, revistas, livros didáticos. O Cantinho da Leitura passou a ser o local mais gostoso e aconchegante da escola, tendo uma rotina de funcionamento contínuo, pois logo que chegam, as crianças se dirigem até lá, para ir “lendo” enquanto não inicia a aula. Às vezes chegam bem antes, só pra “ler”. No recreio, todos vão para a sala de leitura, escolhem seus livros preferidos. No momento da história, que há diariamente, também conto lá, lemos no pátio, nos arredores da escola, fazemos grupinhos e lêem uns para os outros. Há rodízios de leitura, dramatização com fantoches, peças, encenações, entre outras práticas envolventes e interessantes. O Cantinho da Leitura funciona todos os dias e nas reuniões extras com os pais, eles é quem freqüentam o Cantinho da Leitura. Nos horários livres, outras crianças, ex-alunos, também freqüentam e até mesmo os funcionários da escola. Desde então, percebi que o interesse de minha turma com relação aos livros estava passando a ter um enorme sentido. Foi e vem sendo um exercício de constante prazer, em que as crianças gradativamente foram compreendendo as diversas funções da leitura, que para elas, mesmo sendo de faz de 148


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conta, poderia ser fonte de conhecimento, diversão, comunicação e aprendizado. Essa experiência favoreceu variadas condições para o trabalho coletivo em sala de aula, desenvolveu uma aprendizagem contextualizada, concreta e afetiva, despertou o prazer de ler, tornando assim, a aprendizagem em algo prazeroso. Provocou mudanças nas atitudes dos educandos com relação aos outros, o desenvolvimento da socialização e autonomia, o fortalecimento de iniciativas, pois, hoje, já escolhem seus livros, recontam e criam histórias, levam livro pra “ler” em casa para os pais, enfim, observei mudanças muito positivas. Hoje, as crianças já têm segurança de ler, mesmo sem saber, avançaram na escrita, desenvolveram sua consciência fonológica e fonêmica, nível de compreensão e interpretação, além de outros efeitos percebidos como a interação, união. Quando estão concentrados na leitura, jamais brigam, dividem a história lêem juntas, mais ficam mais dóceis e calmas, é maravilhoso ver aquela turminha tão empolgada manuseando os livros, sem que você tenha que impor, mandar ler, obrigar. Isso favoreceu positivamente a todos os envolvidos nesse projeto permanente que venho desenvolvendo. Para mim, é gratificante, pois pude também conhecê-los, compreender melhor suas realidades e assim poder ajudá-los, pois segundo Paulo Freire (1986). “É importante para um educador junto aos seus alunos. Aprender com eles, mas a eles, igualmente, algo ensinar”. Sinto-me profundamente envaidecida por saber que consegui despertar em meus pequenos educandos, pais, e outras pessoas interessadas, o gosto e o prazer pelo hábito da leitura e é nesses momentos que vejo o quanto é bom desenvolver nosso trabalho com prazer, acreditando que é possível semear sonhos e concretizar os projetos sonhados, e essa vivência para mim será eterna.

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QUEM CANTA SEUS MALES ESPANTA Maria Socorro Rodrigues Costa

ESTA EXPERIÊNCIA FOI REALIZADA NA ESCOLA OSMAR DE SÁ PONTE, no período letivo de fevereiro a maio de 2008, onde sou professora de arte em música do projeto Escola Viva do Município de SobralCeará. Tive a idéia de fazer um projeto em que os alunos pudessem exercitar a musicalização, utilizando a criatividade com letras de músicas. A proposta de tempo para o projeto foi de três meses: meia hora em cada sala de aula, passando em todas as turmas do 1º ao 6º ano do ensino fundamental. Observei que a escola prioriza a necessidade dos educandos de ler e escrever. Então, pensei em como inserir a arte musical nesse processo, utilizando a música como estratégia para melhoria de aprendizagem da leitura e escrita dos alunos. Tendo como experiência a vivência musical, o trabalho com a música na escola, lendo livros de autores que confirmam a importância da música para educação, conversando com professores que utilizam a música em sala de aula, pode-se constatar a melhoria na aprendizagem da leitura e da escrita através da arte musical, como afirma Canibal (1993:180):


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O professor deve estimular o contato com música, desenho, teatro, pintura, literatura, permitindo o domínio das mais diversas formas de expressão para que se amplie sua leitura, interpretação, significados e formas de representações do mundo. Mesmo porque, “O contato com as mais diversas manifestações artísticas como parte do currículo é uma das vinculações necessárias da escola com a vida”.

Desde 2004 venho lutando, fazendo projetos, conquistando espaços para o ensino da música em sala de aula, e não somente no contra turno, pois esse ensino abrange um universo maior de aprendizes. Em 2006, trabalhei na Escola Joaquim Barreto Lima, no Setor I, distrito de Jaibaras. Lá, utilizei o projeto “Ler é Saber”, cujo resultado das produções mostrou que os alunos aprenderam também a ler e escrever através das músicas. No 1º semestre de 2008, já na Escola Osmar de Sá Ponte, observei a necessidade de trabalhar com letras de músicas através do tema de combate à dengue, fazendo paródias para criar, ler, escrever, cantar, interpretar, se expressar, apreciar e conscientizar com tema de interesse social. Para se comunicar é necessário compreender e saber interpretar as mensagens do mundo em que vivemos. É então fundamental que dominemos a língua falada e escrita. O diagnóstico verificado, principalmente nas escolas públicas, é que os alunos possuem algumas deficiências em relação às suas leituras, pois lhes faltam condições para aprimorar a leitura e conseqüentemente a escrita. A música tem diversas estratégias de aprendizagens, sendo um meio para educar. Ela interage com as interdisciplinaridades e temas transversais, contribuindo com os saberes pedagógicos e sociais, essenciais para a formação cultural, atendendo às necessidades de aprendizagens educacionais. 151


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Este projeto utiliza a arte musical como estratégia para conscientizar e sensibilizar todos sobre a dengue, visto que esta doença é perigosa, em alguns casos chega a ser fatal, prejudicando a saúde de nossa comunidade e se tornando, portanto, urgente combater o mosquito ‘Aedes Aegypti’. Além disso, são objetivos alertar, conscientizar socialmente em favor da saúde e do bem-estar de todos, desenvolver a criatividade, utilizar a disponibilidade e o raciocínio dos alunos para criar textos e musicalizar, refletir, ler, escrever, contribuir na aprendizagem do português com criações de novos textos. Entre as atividades previstas estão: cantar as letras das músicas das paródias, que muitas vezes são textos bem humorados, com outra forma de dizer, com análise crítica que conscientiza socialmente; usar a voz para cantar, gravar um cd artesanal e apresentar as paródias ao público e à comunidade; promover diversas atividades com as paródias gravadas no cd; digitar um folheto com as letras das músicas das paródias com o nome de todos os autores e disponibilizar o cd para todas as escolas e instituições interessadas.

Nosso objetivo é desenvolver um processo de “conquistar” junto aos professores das séries iniciais do ensino fundamental em relação à contribuição da arte para a educação do ser humano. Diante dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – PCN, que apresenta como um dos seus objetivos utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo as diferentes intenções e situações de comunicação. É que percebemos o reconhecimento oficial da área de Arte como parte do currículo escolar, referendando seu papel decisivo no

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processo de ensino e aprendizagem através de uma abordagem interdisciplinar, que contribui para desenvolvimento artístico e da percepção estética, ampliando, assim a sensibilidade, a reflexão e a imaginação. (Colares, Edite - Matos, Elvis de Azevedo – Rabelo,Jakline – Nascimento, Valcidéia do – Maio de 1998, Fortaleza –Ceará, P. 12 e 13).

No início do desenvolvimento, incluímos o projeto no planejamento dos professores. Ficou combinado que seria reservada meia hora de aula de música em cada turma, uma vez por semana em cada sala de aula, com duração de três meses. Fiz um planejamento para o projeto que possibilitou abranger as turmas do 1º ao 6º ano do ensino fundamental I e II, utilizando músicas de cantigas de roda para o 1º ao 3º ano e música popular brasileira (MPB) para o 4º, 5º, e 6º ano. As músicas foram escolhidas de acordo com a preferência dos alunos, mediante o conhecimento que já tinham sobre o ritmo, e melodia das músicas, para serem adequados ao novo texto e cantar. Em outro momento, foi feito o ensaio das paródias já prontas, músicas cantadas por todos os alunos em sala de aula. Foram selecionados para a gravação do cd artesanal 15 alunos de cada turma, os quais haviam participado do ensaio. Assim, com a ajuda de todos os professores, apoiando o projeto, juntamente com a direção da escola e coordenadores, tornou-se possível realizar o projeto com êxito. A culminância do projeto e lançamento do cd foi no dia das mães, com a participação de alguns convidados e de um representante do jornal Diário do Nordeste, que documentou o evento. Foi feita a divulgação do evento no caderno Regional, do Diário do Nordeste, em 20 de maio. A repercussão através da notícia do jornal fez com que as rádios locais divulgassem o projeto e as músicas do cd, também nos convidando para dar entrevistas com os alunos. Pudemos ver as letras das músicas nos anexos, a notícia do jornal.

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As metodologias foram se desenvolvendo e acontecendo por etapas:

1ª. ETAPA – DEBATE SOBRE O ASSUNTO. Conversamos com todos os alunos da turma sobre o tema das paródias. A Secretaria de Saúde nos ajudou, enviando para as escolas equipes de pessoas preparadas, que deram palestras sobre o mosquito e a doença, entregando também a todos vários folhetos com informações: sobre o combate ao mosquito da dengue, isto é, como o mosquito ‘Aedes Aegypti’ se reproduz, sua proliferação, as conseqüências de sua picada, sintomas da doença da dengue, cuidados e prevenção, campanha, consciência no sentido de todos se unirem para combatê-la. As informações a respeito do assunto foram provocando debates, em cada sala de aula, considerando-se a opinião de todos os alunos.

2ª. ETAPA – A FALA DOS ALUNOS PARA A CONSTRUÇÃO DO TEXTO. Os alunos foram falando, criando frases sobre o assunto em debate sendo, que foram escritas no quadro como um banco de dados que, logo em seguida, teve utilidade para a construção do texto da música. Ao mesmo tempo, fomos anotando os nomes dos autores das frases.

3ª. ETAPA – ARRUMAÇÃO DAS FRASES DE ACORDO COM A COERÊNCIA DO TEXTO E RITMO DA MÚSICA. Foi colocado o ‘play-back’ da música conhecida, para se observar a combinação sonora das frases com a harmonia e melodia da música, fazendo-se assim a paródia. A professora de música, nesse momento, teve um papel fundamental na arrumação do ritmo das frases, adequando a redação do texto à música, cantando com os alunos a paródia que estava sendo construída. Nessa etapa, foi criado também pelos alunos o nome da paródia. Depois de pronto o texto, escrevia-se o mesmo em papel madeira para expor na sala de aula, para os alunos ficarem em contato diário com o texto.

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4ª ETAPA – MELHORIAS DA PARÓDIA. Fomos vendo possibilidades de melhor adequação do texto construído com o estilo musical, com o andamento da música e com o melhor ‘play-back’. No enxugamento disso tudo, trabalhamos sempre em conjunto com pessoas que têm experiência musical.

5ª. ETAPA – ENSAIO DAS PARÓDIAS PRONTAS. Cantamos com todas as turmas, sondando e observando os que gostam de cantar, convidando os que queriam cantar, formando o grupo para ensaiar as músicas. Observando as vozes, corrigindo as desafinações e melhorando a postura de voz para cantar, observando o ‘play-back’, adequando-o à altura das vozes das crianças, fazendo uma gravação, servindo de experiência para ouvir, analisando sempre para a melhoria.

6ª. ETAPA – GRAVAÇÃO DAS MÚSICAS COM ALUNOS CANTORES DAS PARÓDIAS. Levamos todos os cantores prontos para cantar, tendo o cuidado de observar o tipo de microfone usado, a acústica e as condições do estúdio, principalmente tendo um cuidado especial no acabamento. 7ª. Etapa – Preparando os alunos intérpretes e cantores para as apresentações das músicas do Cd. Ensaiamos diversas vezes, dependendo de cada apresentação, havendo sempre necessidade de ensaios. Pode-se também juntar esta atividade musical com outras atividades de artes da escola, dança, artes visuais e teatro. Então, convidei o professor de dança, que também participou, criando coreografias com seus alunos para três músicas, o que tornou também mais bonitas nossas apresentações.

No final, pudemos avaliar a importância desse projeto para os alunos, professores e escola, visto que a participação de todos foi essencial para a realização da atividade com êxito. Esse projeto mudou a

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rotina da escola e principalmente a minha. Vi o quanto posso melhorar a maneira de trabalhar com a música. O projeto continuou acontecendo. Fui convidada para relatar esta experiência, num curso de sistematização de projetos realizado pela Escola de Formação de professores de Sobral, a qual me ajudou na reconstrução deste texto. A criação dos textos das paródias foi outro ponto principal, pois foi quando pudemos avaliar o quanto a criatividade dos alunos contribui para a aprendizagem. Criar, ler, escrever, e refazer os textos fez com que os alunos observassem os erros e acertos no português e na música, sendo que nesse processo se gerou entusiasmo de saber, sendo motivada a participação. Gravar o cd foi algo que mexeu com a autoestima dos alunos, gerou entusiasmo, por saber que suas vozes iam estar gravadas, iam poder ser ouvidas, as letras. Eles diziam: “Escute professora, esta frase é minha! Esta música é da nossa sala!”. A festa da culminância foi o momento em que pudemos avaliar que as famílias dos alunos também gostaram do projeto. Elas comentaram que as crianças falavam em casa sobre o que estava acontecendo na aula de música, na escola. Os pais elogiaram e deram parabéns aos seus filhos e à escola. Os alunos ficaram satisfeitos, podendo mostrar aos pais e à comunidade suas capacidades através de suas opiniões e fotos no jornal, falas no rádio, apresentações das músicas na escola e no centro da cidade (Beco do Cotovelo). O projeto saiu da Escola para a comunidade. Pudemos aperfeiçoar as ações metodológicas com sugestões e algumas considerações, tendo como base sempre o que já foi feito, conversando com os alunos sobre as possibilidades de trabalhar outros temas, disponibilizando sempre informações e estudo, explorando a criatividade dos alunos, pesquisando, criando outras possibilidades de redação, trabalhando assim com os alunos a disciplina de português ou outras disciplinas e atividades. Criar textos, contextualizar, analisar, criticar, interpretar é muito importante para os alunos aprenderem a ler e escrever aperfeiçoando,

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assim, a compreensão da leitura e da escrita. Se a música é gostosa, os alunos cantam e aceleram a fluência da leitura. A exigência de uma boa pronúncia para cantar, melhora a fala, corrige a altura da voz. Os alunos despertam o interesse pela leitura e pelo gosto de cantar. O tempo de três meses para realizar este projeto não significa dizer que os alunos estavam prontos para cantarem bem. Os solistas não tinham experiência de canto, principalmente vivência com microfone. A timidez atrapalhou, tendo que conscientizá-los a respeito da importância de se apresentar cantando. Uma das solistas se apresentou somente uma vez, pedindo para ser substituída. Sugiro que se tenha previsão das necessidades futuras, principalmente de ter cantores preparados para apresentar as músicas em público. Após o lançamento do cd percebemos como foi boa a repercussão. Até de Fortaleza e de outras localidades a Escola recebeu parabéns, de instituições, de outras escolas e de muitas pessoas, que pediram o cd para divulgação e utilização. Quando vimos o rádio divulgando, a grande presença das famílias dos alunos participando do lançamento do cd e da culminância do projeto, pudemos concluir o quanto é importante um projeto que vai além do nosso planejamento. Quando é do interesse de todos, o projeto vai além dos muros da escola.

CANÍBAL, Maria Júlia. Exposição Itinerante de Reprodução Artística em Sala de aula. In GROSSI, Esther Pillar; BORDIM, Jussara (orgs.). Construtivismo Pós-piagetismo: um novo paradigma sobre aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1993. COLARES, Edite et all. Ensinando arte e educação: Coleção para professores nas séries iniciais. Fortaleza: Ed. Brasil Tropical, 1998. GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do Ensino da arte, A língua do mundo, poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. Referências bibliográficas para seleção de diretores das escolas públicas municipais de Sobral (Abordagens de questões sociais urgentes, os temas transversais). Apostila – (Introdução aos Parâmetros curriculares – 2ª Parte).

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INTER-RELAÇÃO ENTRE CULTURA POPULAR E ERUDITA - UMA NOVA PERSPECTIVA NA CONSTRUÇÃO DO SABER Maritânia Cardoso de Oliveira

SENDO FILHA DE PROFESSORA, DESDE MUITO CEDO TIVE CONTATO com um ambiente escolar presente na minha casa. Participei de um projeto que funciona no bairro do Seminário, na cidade do Crato, localizado no Sul do Ceará. Era um prédio simples, porém alegre. Isso aconteceu entre os anos de 1979 a 1982. O propósito desse projeto era despertar e desenvolver a criatividade das crianças, de forma espontânea, através das manifestações folclóricas e populares, que foi um dos grandes aprendizados que trago arraigados até hoje na minha vida. Sou caririense, nasci no Crato, conhecido popularmente como Princesinha do Cariri, que abrange uma exuberância natural representada pela chapada do Araripe, um dos mais importantes patrimônios naturais da humanidade. A cidade cratense carrega um peso cultural muito forte, pois seu povo aprende a valorizar desde cedo a cultura popular, vivenciando e participando das brincadeiras, religião, crenças, hábitos e costumes peculiares, caracterizando nitidamente a região do Cariri. Tive a oportunidade de trabalhar numa escola situada no sertão, a Escola Manoel Marinho, pertencente ao distrito do Caioca, onde me deparei com uma realidade antes desconhecida, um povo simples, mas rico de alma, de generosidade. Comecei a lecionar com alunos da 3ª


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série, hoje com a nova nomenclatura, 4º ano, no ano de 1995. Senti de imediato a dificuldade da leitura tanto literária como de mundo. Como educadora, preocupei-me com esse cenário à minha frente, a falta de motivação que os alunos tinham em gostar de leitura e principalmente o pouco saber cultural. Percebendo esse quadro no qual se encontravam meus alunos, comecei a refletir sobre minha prática, minha postura enquanto professora, em qual linha de trabalho consistia minha didática e, principalmente, que atitudes deveria tomar para atrair os alunos à leitura, contribuindo para o crescimento intelectual e cultural dos alunos. De forma ainda inexperiente, mas com vontade de acertar e despertar neles a magia da nossa cultura nordestina, iniciei minhas práticas com o objetivo de unir as culturas popular e erudita. Foi partindo dessa idéia que busquei, através de pesquisas bibliográficas e da minha própria vivência na minha terra nos tempos de criança, os grandes mestres, escritores, poetas e cantores, entre os quais podemos mencionar: Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar e Cantigas de roda que são referência na cultura brasileira. Queria que eles percebessem em mim o brilho que há nos olhos ao se ler, recitar, contar histórias, cantar músicas do nosso povo, pois acredito que, através da cultura, começamos a nos conhecer melhor, compreendendo e compartilhando dos elementos culturais da sociedade à qual pertencemos. Retornei ao meu passado, quando brincava, corria, acompanhava os palhaços de perna-de-pau, que sempre apareciam no bairro para os espetáculos no circo. Eu adorava ir para o projeto, pois sabia que lá era um espaço de alegria, de brincadeiras, do encontro com os colegas e de muita animação, acompanhados de excelentes professores que nos conduziam com muita dedicação. Com o objetivo de trabalhar didaticamente a cultura, dei início à preparação das aulas, com um novo olhar para leitura e escrita,

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inserindo-as rotineiramente no plano de aula. Procurei diversificar os gêneros textuais, como: cordel, músicas, poemas, biografias etc. É necessário ressaltar que, para toda essa ação pedagógica, tive o apoio do núcleo-gestor da escola, das formações continuadas que nos oferecem um suporte teórico relevante. Preparei a sala de aula começando com a ambiência. Coloquei fotos do Patativa do Assaré, acompanhado de poesias, exposição de Cordel e músicas, das quais destaco: “o último Pau-de-Arara”, “Xote ecológico”, “Lá no meu Pé-de-serra”, “Vaca estrela e boi fubá” e algumas cantigas e rodas que aprendi com os meus pais. Exemplos: “Acordei de madrugada Pra fazer mingau Não encontrei Panela limpa Nem colher de pau Pisei no rabo da gata E ela fez miau Cala a boca, meu benzinho Que eu te dou mingau “

“Quando eu vejo uma criança bem sapeca Eu me lembro que eu também já fui assim Por minha causa, o meu papai ficou careca E a mamãe ficou velha depressa por causa de mim O papai comprou pra mamãe um chicote de amargar Deu tanto pinote que aprendi dançar um xote.”

Apresentei a biografia do Patativa do Assaré para os alunos conhecerem sua linda história de vida. Distribui algumas poesias dele, como “Menino de rua”, “Caboclo roceiro”, entre outras poesias. Desenvolvi algumas estratégias: dividia a turma em grupos para que cada grupo lesse coletivamente, discutisse sobre a poesia. Logo depois, eles explicavam o que haviam entendido. 160


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Então, quando todos os grupos se apresentavam e faziam seus comentários, passávamos para a escrita, momento em que eles retratavam tudo que aprenderam com o universo trabalhado na leitura. Quando todos terminavam, faziam a leitura individual para os colegas e a professora e colocávamos no mural para fazer o registro das produções. Os alunos se envolveram tão bem nas atividades, que a sala ficou mais unida. Eu também me senti mais próxima dos alunos, pois estava falando de coisas da sua realidade e da minha também. Acredito que isso tenha acontecido, também, devido à beleza da poesia sertaneja do Patativa, que tem o poder de comover e sensibilizar as pessoas, a ligação que os alunos têm com sua terra e o conhecimento que foi construído de forma significativa para eles. Objetivando ampliar o conhecimento dos alunos, contextualizandoos com a cultura universal, apresentei outra linha de pensamento e de fazer cultural, destaquei o poeta Carlos Drummond de Andrade, para que os mesmos tivessem um outro olhar sobre cultura, percebendo que ela se manifesta em várias vertentes. Apresentei a biografia e a obra do poeta para os alunos e destaquei algumas poesias que eu considerava bonita. Gradativamente, eu lia algumas poesias para eles se apropriarem da sua obra. Foram algumas delas: Lagoa, Infância, José etc. Durante as atividades, distribui alguns textos selecionados, dividi a turma em grupos para lerem e recitarem paragrafadamente. Como a linguagem do poeta é mais intelectual, orientei-os a, no momento da leitura, sublinhar as palavras desconhecidos e pesquisar no dicionário, ampliando o seu repertório de palavras. Todo esse trabalho didático desenvolvido com os alunos contribuiu muito na visão crítica sobre a sala de aula, na qualidade da escrita e da leitura. Não poderia deixar de registrar a minha satisfação de ensinar a esses alunos, que merecem uma educação significativa e 161


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de qualidade e foram essenciais ao darem outro significado à minha prática pedagógica. Após ter trabalhado a poesia popular desses poetas e de ter obtido excelentes resultados, caracterizados pelo aumento da auto-estima dos alunos, a procura desse tipo de leitura na pequena biblioteca da escola, dos empréstimos dos cordéis do meu acervo pessoal, e o reconhecimento e valorização de culturas antes desconhecidas, gerou na turma um imenso orgulho de fazer parte de uma cultura tão rica nas suas diversas manifestações. Inserida como parte condutora desse processo de ensinoaprendizagem, tenho claramente a convicção de que ser educadora é uma constante aprendizagem, pois a sala de aula é mágica, dinâmica e nos dá oportunidade para construir e formar opinião, caráter e saber de um povo.

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CAMINHOS E CONQUISTAS Rita Alcina Silva Moreira

“Ao aluno deve ser dado o direito de aprender. Não um ‘aprender’ mecânico, repetitivo, de fazer sem saber o que faz e por que faz. Mas um aprender significativo...” Fiorentini e Miriom

INICIEI O TRABALHO DE COORDENAÇÃO NA ESCOLA OSMAR DE SÁ PONTE, acompanhando as turmas de 5º ano, no 2º semestre de 2007. Os resultados da avaliação externa apontavam que os alunos estavam com muitas dificuldades. Dentre elas, ressalto os conteúdos matemáticos. Diante das observações feitas em salas de aula, planejei algumas intervenções para melhorar esses resultados, principalmente nessa área. Comecei com a formação para as professoras, sobre os conteúdos e práticas do ensino matemático, visto que, tive a oportunidade de participar da tutoria do Pró-Letramento, que me proporcionou uma melhor compreensão dos conhecimentos matemáticos e um estudo aprofundado sobre a didática dessa área, principalmente das séries iniciais.


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Ressalto que, paralelo a esse trabalho desenvolvido na escola, os professores também tinham a formação em serviço, promovida pela Escola de Formação Permanente do Magistério, junto à Secretaria de Educação do município, o que veio a ser somado aos meus propósitos. A formação foi um dos princípios fundamentais. Tinha convicção de que primeiro precisava investir na capacitação e reflexão de estratégias metodológicas promovida pelos docentes, de forma a tornar o processo ensino-aprendizagem cada vez mais significativo, pois o maior desafio que temos relacionado aos conhecimentos matemáticos, é nos depararmos com metodologias que se baseiam numa construção de vivências reais, ou seja, trazer os conteúdos abstratos do universo matemático para a realidade vivenciada por nossos alunos. De acordo com Huete e Bravo (2006): “Tal processo não é uma oferta de conteúdos que qualquer aluno, em qualquer circunstância, deva integrar a sua bagagem acadêmica; necessitam-se, antes, estratégias adequadas para satisfazer a necessidade de aprendizagem de cada aluno”. Durante os planejamentos específicos, foram feitas algumas oficinas e momentos de estudos, dentre eles o trabalho com o conteúdo “Sistema de Numeração Decimal”. O que inicialmente era elementar para os professores, constituía-se em um caso bastante complexo para os alunos. Ao refletirmos sobre esse tema, ficou constatado que os orientadores precisavam de um estudo mais aprofundado sobre tais conteúdos, pois suas práticas eram baseadas mais precisamente na memorização de regras, limitando a compreensão dos mesmos e, conseqüentemente, a dos alunos. Então, preparei uma oficina abordando esse conteúdo, utilizando o material dourado1, ábaco2, fichas e Q.V.L. (quadro valor lugar). Minha finalidade inicial era 1 O Material Dourado são peças de madeira ou borracha, mostrando os agrupamentos feitos em dez peças. Exemplo: cada dez cubos soltos podem ser trocados por uma barra, constituída por dez cubos colados. Destina-se a atividades que auxiliam o ensino e a aprendizagem do sistema de numeração decimal-posicional e dos métodos para efetuar as operações fundamentais (ou seja, os algoritmos). 2 O ábaco normalmente é formado por um quadro de madeiras com cordas ou arames transversais, correspondentes cada um a uma posição digital (unidades, dezenas...) e nos quais estão os elementos de contagem (fichas, bolas, contas,...) que podem fazer-se deslizar livremente. Permite fazer as quatro operações básicas da Matemática que são: adição, subtração, multiplicação e divisão. 164


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fazer com que as professoras de fato compreendessem os conceitos do Sistema de Numeração Decimal, bem como fizessem a utilização e operação de forma adequada, não através de regras, mas de vivências significativas, através da manipulação de materiais concretos, já citados acima, e a partir dessa compreensão, dar um novo significado às suas ações, promovendo situações semelhantes baseadas na construção de conhecimento. Refletimos sobre as regras do Sistema de Numeração Decimal. Com o auxílio do material dourado, canudos e ábaco fizemos algumas atividades de agrupamentos que envolviam trocas, por exemplo: dez unidades formam uma dezena, dez dezenas formam uma centena, e assim por diante. Sabemos que em nosso sistema temos apenas dez símbolos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9), para representar qualquer quantidade. O que irá determinar o valor de um número é a sua posição. Então, analisamos por meio de fichas e Q.V.L. (quadro valor de lugar) algumas situações. Tomamos como exemplo os valores 24 e 42. Observamos a diferença existente entre esses dois registros numéricos de agrupamentos diferentes, pois o 2 em 24 representa 2 dezenas; já o mesmo algarismo, em 42, representa 2 unidades. Analisamos também a importância do zero, o qual representa a ausência de quantidade em determinada ordem. Estudamos a aplicação das propriedades aditiva 3 e multiplicativa4 na composição e decomposição dos números. As atividades facilitaram bastante a compreensão das professoras em relação aos conceitos sobre este conteúdo. No início das formações as professoras mostraram certa dificuldade em modificar sua metodologia de aula, pois a maneira convencional era mais “fácil”, por se tratar de mera repetição de conteúdos, tal qual estava nos livros. Com a adoção desse novo enfoque para o ensino da 3 Propriedade aditiva: associada a idéia de adição, indica quantidade adicionada, acrescentada, a uma quantidade existente. Ex: 348 = 300 + 40 + 8. 4 Principio multiplicativo: que, ao adicionar, está acrescentando parcelas iguais das unidades do sistema decimal, ou seja, associada à idéia de multiplicação. Ex: 426 = 4x100 + 2x10 + 6 165


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Matemática, os mesmos seriam levados a mudar toda sua postura, assim como, o modo de pensar e apresentar tais conteúdos, o que implicaria num esforço significativo. Os encontros aconteciam uma vez por semana, após o expediente de trabalho. É importante ressaltar que houve uma série de momentos de reflexão e sensibilização para essa problemática. O que contribuiu bastante foi a insatisfação do grupo com a situação, dispondo-se a participar dos estudos, pois concluíram que tais mudanças eram necessárias, caso contrário, a possibilidade das crianças terem acesso a esse saber era bem menor. Enfatizo a disponibilidade do grupo, pois os mesmos decidiram lutar por esta causa, que é a desmistificação da matemática, e mudar a visão de nossos alunos sobre estes conhecimentos. Além disso, adotaram uma postura mais profissional, investindo em estudos e na melhoria de sua didática. Fiz um acompanhamento minucioso, estudando as planilhas com os resultados das avaliações externa e interna com os professores e redefinindo metas de aprendizagem juntamente com os mesmos; também observando como as ações em sala se desenvolviam e quais as dúvidas que ainda persistiam, tanto dos conteúdos, como da didática, das metodologias e de suas aplicações. Percebi com o tempo que as professoras sentiam-se mais confiantes e motivadas a ensinarem os conteúdos matemáticos. Destaco a fala da professora Maria Cordeiro:

“As oficinas e formações foram muito importantes para ampliar meus conhecimentos. Meu olhar em relação à matemática era cheio de receios. Tinha certeza de que me esforçava bastante, mas não conseguia fazer com que meus alunos assimilassem

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esses conteúdos. Participei do Pró-Letramento, onde comecei então a despertar o interesse em melhorar minha didática, porém o tempo foi pouco diante das minhas dificuldades, então consegui ter apenas noções sobre alguns conceitos e incentivou-me a introduzir os jogos em minha metodologia. A partir do momento que a Rita iniciou os estudos e oficinas, percebi que meus alunos só iriam de fato compreender tais conceitos se promovesse situações significativas em que os mesmos pudessem vivenciar. Sobre o Sistema de Numeração Decimal, meus alunos tinham apenas noções muito superficiais, ou seja, eles não tinham uma compreensão, a dificuldade era mais aparente quando faziam à utilização e operação destes conceitos. Porém reconheci que os ensinava através de memorização de algumas regras. Com a oficina sobre o Sistema de Numeração Decimal, comecei a compreender tal conceito, contribuindo na qualidade de minha prática, onde utilizei conforme as instruções recebidas pela coordenadora alguns materiais como: Q.V. L (quadro valor de lugar), o ábaco e outros materiais, o que foi determinante na construção da aprendizagem dos alunos.”

Trabalhei também outros conteúdos com as professoras, como ”Operações com números naturais: adição, subtração, multiplicação e divisão”; “unidades de medida: tempo, comprimento, massa”; “sistema monetário”; “números fracionários”; “estatística”; “geometria” dentre outros. A temática desenvolvida nas formações era relacionada aos conteúdos ensinados em sala. O resultado dos alunos melhorou significativamente. Na maioria das professoras é visível o crescimento, 167


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mostrando autonomia em sua prática em relação a alguns conceitos, indo além do esperado, procurando novas estratégias para melhorar o processo ensino-aprendizagem. Ressalto também a importância do uso de materiais alternativos como: tampinhas, sementes, fichas, etc., visto que, o que gera a construção de conhecimento é a situação vivenciada de forma significativa, ou seja, não é o objeto utilizado na atividade que vai fazer a diferença e sim, o objetivo. Devemos, pois, preocupar-nos, de fato, com a assimilação daquele conceito e não com o simples uso do material, o que nos levará a promover situações mais interessantes, sem precisar em algumas ocasiões utilizar materiais industrializados, desenvolvendo a criatividade do professor. Como afirma Castelnuovo (1970):

“... que o interesse da criança não seja atraído pelo objeto material em si ou pelo ente matemático, senão pelas operações sobre o objeto e seus entes. Operações que, naturalmente, serão primeiro de caráter manipulativo para depois interiorizar-se e posteriormente passar do concreto ao abstrato”.

Ao finalizar o ano, refleti sobre minhas conquistas, aprendi a ouvir, dar voz aos professores, ajudá-los a compreender os conteúdos e a melhorar sua prática. Tenho consciência de que preciso continuar esse trabalho, pois o conhecimento é um objeto abstrato, até porque em um grupo as pessoas não têm o mesmo ritmo de aprendizagem, e isso requer um estudo mais amplo e aprofundado dos conteúdos matemáticos. Sei que minha função enquanto coordenadora é buscar formas de sanar as dificuldades dos professores, tanto de conteúdos, como de prática, não somente na área de matemática, mas em todas as outras. Tenho consciência de que não é fácil, mas, enquanto educadora, busco oferecer uma educação de qualidade para as crianças da rede 168


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pública, e só conseguirei melhorar a aprendizagem se investir na qualificação dos docentes. Por fim, quero poder desafiar e ser desafiada, compreender as questões que envolvem o meu trabalho, repensar a minha prática e ter sempre autonomia para tomar decisões que considero importantes. Tudo isso, é claro, em conjunto com os outros profissionais, porque sozinha não encontrarei caminho algum. Preciso do outro para construir o meu saber de cada dia. E aquele saber, é claro, com sabor e prazer.

FIORENTINI, Dário, MIORIM, Maria A. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no ensino da matemática. Boletim SBEM, São Paulo, v.4, n.7, p.4-9, 1996. HUETE, Juan Carlos; BRAVO, José Fernández. O ensino da matemática: fundamentos teóricos e bases psicopedagógicas; tradução Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2006. CASTELNUOVO, E. Didática de la Matemática Moderna. México: Ed. Trillas, 1970.

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DESCREVENDO E ANALISANDO MINHA PRÁTICA NA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA Teresa de Jesus Oliveira

O QUE RESPONDERIA SE ME FOSSE PERGUNTADO: MAS o que faz, para que serve ou qual a função da coordenação pedagógica? É possível que desse, entre outras, esta resposta: É uma professora que, enquanto professora, em sala de aula, orientava o processo de ensino, mesmo sem ter muita clareza para que servia o que fazia e que não compreendia muito bem os processos de aprendizagem, ou seja, como os alunos aprendiam e como os professores deveriam ensiná-los. Tem sido a respeito disso que tenho refletido enquanto faço coordenação, procurando, a partir da prática dos professores, compreender a minha: erros, acertos, tentativas, fazer para compreender, compreender para fazer, compreender para não fazer e fazer para não compreender. Essa idéia é absurda? Pode ser. Mas não podemos negar totalmente que há professores que não sabem por que fazem e professores que não sabem que sabem (Telma Weisz, 2002), e por isso não fazem. A função da coordenação pedagógica passa por compreender os processos de ensino. Aprendi a acompanhar o fazer pedagógico docente em sala de aula para analisá-lo junto aos professores, na perspectiva de contribuir com uma melhor compreensão do processo de ensino e, conseqüentemente, fazer intervenções para qualificar as práticas pedagógicas.


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Da minha vivência em sala de aula durante quase 15 anos, trago muitos anseios, sonhos pouco realizados, desafios, expectativas que procuro compreender e realizar na coordenação pedagógica. As questões não respondidas como, por que muitos alunos aprendem e outros não? Por que a maioria dos meninos aprende a ler e a escrever simultaneamente e outros aprendem a ler e não aprendem a escrever? Por que os professores de uma escola não discutem suas práticas e não socializam experiências que tiveram êxito, em vez de “conversar” sobre os comportamentos dos seus alunos? Essas e outras questões que me faziam e, nas quais pensava bastante, hoje, na coordenação, são eixos norteadores, ponto de partida para definirmos as intervenções a serem feitas na prática dos docentes que acompanhamos. A partir dos aspectos citados e das dificuldades observadas no processo de ensino, montamos uma proposta de formação para os professores, com o objetivo de analisar as práticas, mudar os conceitos e reinventar outro modelo de educação que não fique só na compreensão do por que muitos alunos aprendem a ler e não aprendem a escrever, mas, acima de tudo, que os professores se decidam a trabalhar estratégias, procedimentos didáticos específicos para ensinar e fazer aprender os que têm mais dificuldades. Ser professora ou estar na coordenação é um caminho de muitas idas e vindas e por que não dizer de “ficas”; às vezes, vamos e sabemos bem para, com e como vamos; às vezes voltamos “ficamos”, paramos numa complexidade dos processos de “ensino e aprendizagens”. Talvez seja isto que Freire (1995) tenha chamado de Teoria de Práxis. Compreender a quantas avançamos; a quantas voltamos e até a quantas “ficamos”. Isso exige um pensar constante sobre a própria prática, ao mesmo tempo em que o fazer pedagógico não pode parar. Pensar para teorizar a prática, como diz Freire (1995), exige pensar certo para agir certo. Nesta perspectiva, pensar certo significa a superação do saber ingênuo, passando a compreendê-lo a partir do olhar crítico sobre a prática. Esse olhar crítico torna os “iguais” “diferentes” na completude da compreensão da complexidade dos processos.

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Saber por que faço de tal forma e, por que outros fazem de outras formas, envolve, além de pensar certo a compreensão das individualidades e pluralidades humanas enquanto sujeitos responsáveis pela sua própria transformação a partir da análise crítica sobre as práticas. Numa dessas tantas voltas, indo, vindo e ficando, procurei entender um pouco da complexidade do processo de escrita, e é sobre esse aspecto que irei descrever, analisar e tentar compreender o que fiz, enquanto professora – o que tenho feito com os professores – na coordenação. Não é pretensão nossa descrever minuciosamente, muito menos esgotar a análise da nossa prática neste aspecto. Uma das nossas primeiras inquietações na coordenação – iniciando em 2002 – era compreender por que a escola e os cursos de formação dispensavam tanto tempo nas práticas de leitura e nenhum tempo da rotina de sala de aulas era dedicado à escrita das questões dos livros didáticos, exercícios do quadro-de-giz ou cópias de textos. Foi bastante desafiador e inquietante procurar compreender para fazer outros compreenderem, começar a pensar sobre um objeto de estudo ainda desconhecido em nossas práticas na realidade da educação deste município. Começamos sem saber como era, mas começamos. Nossa preocupação com a escrita iniciou a partir do momento em que participávamos dos encontros de formação junto com os professores logo no início da coordenação. A formação era desenvolvida no contexto de dinâmicas de leitura, tudo era pensado para fazer os professores fazerem os alunos aprenderem a ler. Quanto ao programa para trabalhar com a produção de bons textos na escola, praticamente era pensado e trabalhado. Lembro que na formação de professores em 2001/2002, afirmava-se o seguinte: “não queremos, não acreditamos que os meninos aprendam a escrever fazendo cópias”. Abolia-se a cópia, no entanto não se punha nada no lugar, não que eu pense que cópia serve para alguma coisa a não ser matar o tempo de aula.

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Qual não foi nossa surpresa, nem nós nem os professores sabíamos como e por onde começar. Lembro bem que em 2001 ou 2002, chegava às escolas um material para diagnóstico de leitura de escrita enviado pela Secretaria de Educação. O material continha a seguinte proposta: os alunos teriam que ler um recado (espécie de bilhete sem estrutura definida) de uma certa tia para um certo sobrinho, dizendo-lhe do oferecimento de um presente em que o menino teria de escrever o recado dizendo o que gostaria de ganhar no seu. Iniciamos fazendo uso deste material e colocando os alunos das turmas que coordenava para escrever esta resposta. É claro que não deu certo, pois os meninos esperavam que a indefinida tia recebesse seus pedidos e mandasse seus presentes. Era esta a motivação que oferecíamos aos alunos para escrever e os enganávamos. Nesta etapa, não havia nenhum planejamento. Naquele momento acompanhávamos as turmas de 1ª Básica e 1ª Regular (assim chamados na época). Sentíamos uma grande necessidade de pôr os alunos para escrever. Naquele ano, os encontros de formação de professores falavam de modo muito sutil no famoso teste das quatro palavras e em uma frase criada por Emília Ferreiro para compreender a gênese da escrita. Foi uma febre a prática desse teste, mas, após aplicá-lo nas turmas, não sabíamos o que fazer para aproveitar os resultados obtidos e fazer os alunos avançarem. Também não tínhamos conhecimento de que intervenção precisávamos fazer na prática dos professores. Intervenção, aqui se começava a perceber a necessidade de ajudar os professores a pensar e a compreender o que faziam. Para cada etapa da intervenção nós, enquanto coordenação, precisávamos estar perto para conhecer, mas ao mesmo tempo afastar-nos para analisar e compreender e não para fazer pelos professores – fato que aconteceu inúmeras vezes. A necessidade de compreender para fazer as devidas intervenções no processo de ensino da escrita nos levou a estudar, pesquisar alguns autores sobre o assunto. Para compreender melhor o teste 173


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criado por Emília Ferreiro, estudamos os níveis de escrita, escritos por Esther Pilar Grossi. Esta autora oferecia elementos que favorecia o avanço dos alunos em cada nível: pré-silábico, silábico, silábicoalfabético e alfabético. Estudamos as teorias e propostas de atividades com os professores, mas não foi o bastante. Sentimos a necessidade de definir sistemática e permanente portadores de texto para cada período. Assim fizemos, pois não adiantava compreender (se é que compreendíamos) o processo de escrita e não sabíamos o que ensinar aos alunos para escreverem (objeto de estudo). Na etapa seguinte, definimos a produção de um gênero textual por mês, ou seja: durante um mês as turmas aprenderiam a produzir bilhetes; no outro, cartas; no outro, notícias de jornal; no outro, poemas, de forma que conhecessem e soubessem escrever os textos de circulação social. Vale ressaltar que esta proposta foi uma das mais pensadas e planejadas e quase deu certo, se não fosse a nossa limitação e a dos professores em não conhecer melhor a organização textual destes portadores. Passamos a estudar a estrutura dos gêneros textuais definidos para cada mês. Os problemas continuavam, pois o pouco estudo não dava conta de “formar”, mas apenas “informar” os professores acerca das características textuais e terminava por fazer confusões engraçadíssimas junto com os alunos: informar que carta, bilhete, convite cartão por ter a mesma ou parecida estrutura era o mesmo portador; que conto e fábula por ter personagens, ambiente, clímax têm a mesma função entre outras confusões. Decidimos aumentar o tempo de estudo de cada portador de texto de um para dois meses (bimestre), assim teríamos mais tempo de estudo das características; ajudou, mas os problemas continuaram, pois os professores não davam conta de produzir textos coletivos com seus alunos porque também não sabiam escrever, digo, organizar as idéias dos alunos quando estes eram pensadores e os professores, os escribas.

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A partir dessa dificuldade, passamos a colocar os professores para produzir textos individuais e coletivos no planejamento e percebemos fortemente que os professores não liam e por isso também não sabiam escrever. Ainda, que os professores “formados” em pedagogia tinham dificuldades triplicadas nos conteúdos básicos mínimos de Língua Portuguesa e por mais que estudassem as didáticas para ensinar boas produções de textos aos seus alunos, faltava-lhe o conhecimento fundamental do objeto de estudo: a Língua Portuguesa. Neste aspecto, destacavam-se nestas práticas de produção textual, as professoras Maryvanny e Márcia, ambas formadas em Língua Portuguesa e que estiveram sob nossa coordenação naquele momento. No que se refere às etapas do planejamento, vivenciamos assim: após definir o tipo de texto que seria trabalhado a cada mês, as professoras procuravam estudar a estrutura e as características do mesmo. Traziam modelos para estudar e mostrar à turma. Participávamos destes momentos observando, analisando como o trabalho poderia ser melhorado para os alunos aprenderem mais. Nos momentos de estudo com os professores, procurávamos saber quais eram as dificuldades, o que eles nos diziam através de seus diários de bordo. Este momento era bastante rico. Após os relatos, eu também socializava os resultados das observações feitas, bem como as devidas precauções para qualificar o trabalho. Passávamos à etapa seguinte: definir o tipo de texto a ser trabalhado no próximo mês. À medida que íamos superando uma dificuldade, apareciam várias outras. Naquele momento, um dos maiores entraves, após compreender a estrutura e as características dos textos, passou a ser a produção e a correção coletiva de textos com os alunos. As professoras não sabiam fazer as devidas intervenções (chamadas na época de pedagogia da pergunta). Por não saber que perguntas fazer (e eram várias), as professoras iam se desestimulando, algumas, às vezes, chegavam a desistir de fazer os alunos aprenderem a escrever. 175


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A escola em que fizemos esses experimentos iniciais foi a Escola Mocinha Rodrigues, nos anos 2001, 2002 e no início de 2003. Até o presente momento, essas experiências são aplicadas na Escola Professor Gerardo Rodrigues de Albuquerque. Os estudos que fazíamos com a preciosa colaboração das professoras Márcia (Escola Mocinha Rodrigues e posteriormente Gerardo Rodrigues) e Maryvanny (Gerardo Rodrigues) ajudavam-nos a compreender as estruturas e características de cada texto, coesão e coerência textual, planejamento da escrita e revisão dos textos produzidos, mas não eram feitas as intervenções quando analisávamos os textos dos alunos, como contribuíam na compreensão de aspectos relativos à língua e à linguagem. A partir de 2003, intensificamos o trabalho de forma mais clara, objetiva e por que não dizer, segura. Mudamos para outra escola (Gerardo Rodrigues). Boa parte das professoras do nosso grupo de coordenação mudou – exceto a Márcia, que também foi para a outra escola. Passamos a redirecionar nossa prática a partir dos resultados da Avaliação Externa. Nesse ano, nosso resultado em relação à escrita foi um dos mais baixos da rede municipal. Ainda que aquele tenha sido o 1º ano de funcionamento da escola, sentíamo-nos por demais desafiadas a melhorar os resultados da escola em todas as competências, de modo particular na escrita, pois esta idéia nos perseguia. Começamos por tentar entender como trabalhar com uma rotina variada que contemplasse tanto a produção de texto em circulação social quanto a produção de textos exigidos na Avaliação Externa. E assim fizemos: redefinimos o tempo e a rotina para trabalhar cada tipo de texto. Claro que fizemos opção por alguns tipos. Focamos o trabalho de produção de textos com o gênero narrativo e a escrita de contos clássicos (reconto) moderno, criação livre a partir de títulos, de uma gravura, de uma história começada e de uma seqüência de imagem. Definimos para cada uma dessas modalidades um tempo fixo no decorrer da semana.

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A Avaliação Externa de escrita veio nortear de forma mais clara nossa prática de ensino e a intervenção do processo de escrita. Tem sido bastante proveitoso para a nossa prática de experimento de novas estratégias no processo de ensino – inúmeras formas de fazer saber – as tantas idas e vindas. Pensar assim é tornar possível outras possibilidades no que se refere aos processos. Penso que só o ensino não pode orientar a avaliação, mas o processo avaliativo também orienta o processo de ensino. Explico: A partir da avaliação externa dos últimos dois ou três anos, definimos metas de escrita para cada série ou grupo. Também serviu para redefinir, reorientar o processo de ensino e da aprendizagem da escrita. Nossos planejamentos, descritos na etapa anterior, já não davam mais conta de responder aos processos avaliativos externos. Se trabalhávamos com uma grande variedade de portadores específicos ou os alunos teriam que escrever um dos contos clássicos infantis ou produzir seu próprio texto a partir de ilustrações (seqüências de imagens), em alguns casos, ainda, as turmas do fundamental II produziam seus textos a partir de um título. A partir desta realidade, definimos uma rotina de atividade de escrita onde os alunos podiam, todos os dias, produzir seus textos: ouviam os contos lidos pelas professoras para, em seguida, recontarem as histórias ouvidas. Em outro momento da rotina, os alunos recebiam folhas com seqüência de imagens para produzirem seus textos; em outras turmas, esta rotina ainda era completada com produção de histórias a partir de títulos, gravuras, histórias iniciadas. A cada dia, essas atividades seguem um passo a passo para garantir a compreensão dos alunos no que irão fazer. Para isso, as professoras utilizam alguns cartazes de orientação, os quais contêm tópicos de informações nomeados “Critérios Básicos Necessários à Produção de Textos Bem Escritos”. Os alunos são então orientados quanto à estrutura da narrativa e os elementos básicos da escrita: letra maiúscula, pontuação, parágrafo etc. Outro cartaz orienta a

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estrutura do texto em estudo e os elementos da escrita; outro cartaz ainda oferece uma variedade de palavras de ligação (organizadores textuais - coesão textual). O estudo destes cartazes é antecedido pela compreensão oral das histórias, sejam contos ou seqüências, ou a discussão da organização das idéias de texto (coerência textual). A rotina contempla um dia para a organização e escrita das idéias pelos alunos individual ou coletivamente, tendo a professora como escriba. O outro dia é para a reescrita, correção coletiva ou individual do texto escrito no dia anterior. Este trabalho com a escrita era orientado, reorientado e avaliado semanalmente em reunião com as professoras. Estas recebiam retorno da coordenação de como estavam conduzindo o processo de ensino da escrita e, por sua vez, davam retorno aos alunos sobre como eles estavam produzindo e do que precisam melhorar no seu processo de aprendizagem da escrita. Nossa análise sobre a última etapa da condução/intervenção deste trabalho é que tem sido prazeroso e tem dado resultado. Claro que esse não é uniforme, mas em algumas turmas é melhor, em outras, precisa melhorar. No entanto, das tentativas até aqui experimentadas, esta é a que mais nos tem deixado satisfeita. O resultado tem surpreendido e melhorado a cada ano. Nos anos de 2004 e 2005, nossa escola não ficou entre as melhores escolas alfabetizadoras, mas saiu da situação de caos do 1º ano. Nos anos de 2006 e 2007, fomos classificadas entre as melhores e ganhamos o Prêmio de Escola de Sucesso. Ao concluir, reafirmo minha credibilidade na escola pública de qualidade, onde os filhos dos pobres e trabalhadores que aprendem a ler, também aprendem a produzir bons textos e, como disse Emília Ferreiro (2005) quem tem coragem de escrever suas idéias é alguém que não tem medo de falar em voz alta. Os autores e obras que me inspiraram a pensar no trabalho com produção de texto na escola, não foram escolhidos por acaso. Tínhamos um objetivo, sabíamos o que queríamos e pesquisamos autores que

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atendessem nossos anseios. As leituras foram se dando ainda em 2001 por ocasião do curso de especialização em Alfabetização de Crianças na UECE. É claro que não lemos só estes autores, buscamos compreender os processos de ensino aprendizagem nas orientações oferecidas aos professores nos livros didáticos. Outra grave fonte inspiradora e que nos fundamentou foi a oportunidade de ser formadora do PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores em 2004/05.

CURTO, Lluís Maruny. Escrever e Ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e ler. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. FERREIRO, Emília. Passado e presente dos verbos Ler e Escrever. São Paulo:. Cortez, 2005. FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Editora Olho d’Água, 1995 GROSSI, Esther Pillar. Didática do nível silábico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. ___________________. Didática do nível pré-silábico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. ___________________. Didática do nível alfabético. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Argumentação e linguagem. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2000. PÉREZ, Francisco Carvajal, GARCIA Joaquín Ramos. (orgs) Ensinar ou aprender a ler e a escrever? Porto Alegre: Artmed, 2001 WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2.ed. São Paulo: Ática, 2002.

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SOBRE OS AUTORES

ANA IRISNEIDE PEREIRA COELHO é graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA e atua como professora da Educação Infantil V na Escola Jacyra Pimentel. ANA SORAIA SILVA GALDINO é graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA e atua como professora do 2º ano na Escola de Ensino Fundamental Carlos Jereissati. CÉLIA MARIA LIMA VASCONCELOS é graduada em Pedagogia, com habilitação em Letras e Especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professora do 2º ano do Ensino Fundamental na Escola Renato Parente. ELEANEUDA GOMES PARENTE é graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA e atua como coordenadora a Escola Leonília Gomes. ELIEUDA ALVES RODRIGUES é graduada em Pedagogia e Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professora do 1º ano do Ensino Fundamental na Escola Antenor Naspolini. FRANCISCA DAS CHAGAS FERREIRA DOS SANTOS é graduada em Pedagogia e Especialista em Educação Infantil pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professora do 3º ano do Ensino Fundamental I na Escola Manoel Marinho.


ENTRE(ATOS) DO OFÍCIO

FRANCISCA ROSA PAIVA GOMES é graduada em Pedagogia com Especialização em Gestão e Psicopedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como Coordenadora na Escola Manoel Marinho. GEOVANI ALVES TEOTÔNIO é graduando em Física pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA e atua como professor do 6º ano do Ensino Fundamental II na Escola Osmar de Sá Ponte. GILTON VIANA OLIVEIRA é graduando em Geografia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA e atua como professor do 6º ano do Ensino Fundamental II na Escola Odete Barroso. GLÓRIA GIOVANNI SOUSA MELO é graduada em Pedagogia com habilitação em História e Geografia, Especialista em Magistério do 1º Grau pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professora do 4º ano do Ensino Fundamental I na Escola Renato Parente. JOÍNA MARIA DO ESPÍRITO SANTO é graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA onde cursa habilitação em Português. Atua como coordenadora na Escola Raimundo Pimentel Gomes. K ÁTIA CRISTINA GOMES LINO é graduada em Pedagogia pela Universidade Regional do Cariri – URCA e graduanda em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professora do 1º ano do Ensino Fundamental I na Escola Padre. KEILA PEREIRA LIMA é graduada em Pedagogia com Especialização em Metodologia do Ensino pela Universidade Estadual Vale Do Acaraú – UVA. Atua como professora do 2º ano do Ensino Fundamental I na Escola Carlos Jereissati. MARCOS ARRUDA PORTELA é graduado em Pedagogia com habilitação em Língua Portuguesa e Inglês, cursa especialização em Língua Portuguesa e Literatura na Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professor do 7º e 8º ano do Ensino Fundamental II na Escola Vicente Antenor. 181


ENTRE(ATOS) DO OFÍCIO

MARIA AGLAÍS ANDRADE ARAGÃO é graduada em História e especialista em Psicopedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como coordenadora na Escola Maria do Carmo Andrade. MARIA DO CARMO CASTRO GOMES é graduada em Pedagogia, especialista em Metodologia do Ensino Fundamental e Médio e pós-graduada em Gestão Escolar pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como diretora na Escola Gerardo Rodrigues. MARIA CORDEIRO DE OLIVEIRA SILVA é graduada em Geografia e História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professora do 6º ano do Ensino Fundamental II na Escola Netinha Castelo. MARIA EDINETE TOMÁS é Mestre em Gestão Educacional pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA onde hoje é como professora. Atuou como diretora da Escola Maria do Carmo Andrade. MARIA ISABEL DE S. MORAES é graduada em Pedagogia com habilitação em Português e Inglês pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como coordenadora na Escola Profª. Silvana Machado – SESI. MARIA DE LOURDES AURELIANO é graduada em Pedagogia com especialização em Metodologia do Ensino Fundamental pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Cursa especialização em Gestão Escolar pelo INTA. Atua como coordenadora na Escola Maria do Carmo Andrade. MARIA MADALENA RODRIGUES é graduanda em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professora do 2º ano Ensino Fundamental I na Escola Odete Barroso. MARIA SOCORRO RODRIGUES COSTA é graduanda em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Atua como professora de Música do Projeto Escola Viva na Escola Osmar de Sá Ponte.

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ENTRE(ATOS) DO OFÍCIO

MARITÂNIA CARDOSO DE OLIVEIRA é graduada em Geografia pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Atua professora do 6º ano do Ensino Fundamental II e Educação de Jovens e Adultos – EJA na Escola Manoel Marinho. R ITA ALCINA SILVA MOREIRA é graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Cursa especialização em Didática da Matemática pelo INTA. Atua como coordenadora da Escola Netinha Castelo. TERESA DE JESUS OLIVEIRA é graduada em letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA, onde cursa Especialização em Língua Portuguesa e Literatura. É especialista em Alfabetização pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Atua como coordenadora da Escola Gerardo Rodrigues.

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