MEMÓRIAS DE ALUÍSIO MATIAS

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Alu铆sio Matias de Paula

Mem贸rias de um menino espritado de Caucaia


Memórias de um Menino Espritado de Caucaia Textos escritos nas noites e madrugadas de maio e junho de 2007 Todos os direitos reservados ao autor Proibida a reprodução não autorizada

Projeto Gráfico e Editoração: Caio Danieli Ilustrações: Afrânio Fonseca Revisão: Edvar Costa


Sumário Seca Parcial de 1936........7 Sítio Maceió................8 As Tropas da Transmento.........9 Colheita de Rapadura...........10 A Viagem da Transmento a Fortaleza.........11 Primeira Consulta Médica...................12 Passeio de Tamanco....................13 A Seca do Quinze.......................14 História de Alma.......................15 A Alma Descalça.................16 O Cabrito que Mostrou uma Alma.........17 O Bicho de um Olho Só..................18 Visagem na Porta da Cozinha............19 Alma Tocando Violão...................20 Bola de Fogo.........................21 Alma com Roupa de Seda............22 A Casa do Mulungo.....................23 Fantasma com Roupa de Seda............24 Alma Fresca...........................25 Auxiliar de Tamanqueiro...............26 Quando eu fui Padeiro.................28 Sonhos Voando.........................30



Naquela hora chegaram-se a Jesus os discípulos e perguntaram: Quem é o maior no reino dos céus? Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no reino dos céus. E qualquer que receber em meu nome uma criança tal como esta, a mim me recebe. Mateus 18,1-5



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Seca parcial de 1936 Em 1936 foi ano de seca parcial. Hoje é conhecida como seca verde. Em janeiro vem as primeiras chuvas; os agricultores plantam suas roças, os roçados na nossa região. Todo mundo fica alegre com a chegada do inverno. No entanto, dias depois, para a tristeza dos sertanejos, a chuva desaparece. Daí por diante vem as expectativas, as esperanças de inverno promissor. A fé no santo que favorece o retorno das chuvas, São José, que todos esperam até o dia 19 de março, última instância da confirmação do inverno. Na verdade, nesse período de janeiro a março sempre cai algumas chuvas esparsas e os agricultores conseguem uma pequena safra, embora com grandes perdas. Naquele ano de 1936 nós não tivemos sorte. Com um ronco de chuva o milho chegou a crescer. Mas quando o milho iniciava a soltar os primeiros pendões a chuva desapareceu por completo. Foi uma grande tristeza para todos nós. A perda da safra foi total. A perda do gado foi pela metade. Isto daqueles que escaparam da seca total de 1932. Morreram

também cinco éguas. Só escapou uma de nome Besta Santa. Papai logo verificou a concretização da seca parcial, também conhecida como ripiquete, pois a falta de chuva se repetia constantemente. Então ele apelou pela plantação da cana-de-açúcar. Conseguiu um pedaço de chão no Sítio Tabuba, vizinho a praia do mesmo nome, perto de Icaraí, de propriedade do coronel Fausto Dário Sales, então prefeito de Caucaia. Durante a preparação da terra e plantio da cana eu sempre acompanhava meu pai. Saíamos de Bom Tempo, na Santa Rosa, passando pelo Boqueirão e Camará, até a Tabuba. Papai chegou a construir uma pequena barraca, cuja cobertura e paredes eram feitas de palhas de coqueiros. Certo dia eu senti uma frieza no corpo com um mal-estar desagradável. Certamente o meu corpo estava com uma palidez de cadáver, pois estava sem camisa. Papai perguntou algumas vezes se eu estava sentindo alguma coisa e lhe respondia que não, pois não sentia nenhuma dor.

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Sítio Maceió - Plantio nas terras dos irmãos Rafael Depois das perdas do roçado do sítio da Tabuba, em 1936, o papai arrendou um sítio na propriedade dos irmãos de seu cunhado Manuel Rafael, na localidade de Lagoa do Maceió, hoje Barra do Cauípe, município de Caucaia. Papai plantou cana-de-açúcar, macaxeira e batata doce, pois aquela localidade resistiu aos efeitos da seca. Meu irmão foi o primeiro a ir com o papai. Ela falava da força da maré com altas ondas. Inclusive dizia que ninguém podia chegar até a beira do mar porque a areia era frouxa e a gente morreria atolado. Era como se fosse areia movediça. O pior era que eu acreditava. Não lembro o mês de minha primeira viagem para Maceió. Preparamos as cargas de estrumes e saímos às quatro horas da tarde. Já estávamos chegando às primeiras dunas da Barra do Cauípe quando a noite chegou. Os animais se atolavam nas finas e frouxas areias. Os carcarás faziam algazarras com

seus cantos estridentes. O que mais me intrigava era o ronco do mar, principalmente quando iniciamos a descida das dunas, ocasião em que tudo ficou escuro. A areia branca estava coberta pela grama escura. O barulho das ondas do mar cada vez mais se aproximava de nós. Então veio o medo, ocasionado pelo que havia dito João, meu irmão mais velho, sobre a areia movediça, muito embora, àquela época eu não soubesse o que realmente era. Eu ia no meio da carga do cavalo até que o papai fez parar os animais, ocasião em que eu vi uma cêrca. Era o local em que iam ficar as cargas. O papai me desceu do animal para ajudar a segurar as cargas enquanto ele ia jogando uma a uma para dentro do cercado. Em seguida demos continuidade à viagem até chegar à casa dos irmãos Rafael. Depois de retirar as cangalhas papai foi pear os animais no pasto em frente.

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Acordei às cinco horas da manhã e saí em busca do mar. Embora com medo, lembrando a grande maré e a areia frouxa, conforme João tinha falado. Isto me surpreendeu, pois o movimento da água era pequena devido à força do vento relativamente fraca. Eu não pisei na areia. Fique em cima da grama. Na verdade não era o mar que eu espiava, era a lagoa do Maceió. Embora com medo segui em direção ao barulho das águas do mar propriamente dito. Um pacote de areia

impediu que eu chegasse a ver a água, isto é, a maré. De repente surgiu um guaiamum na minha frente. Corri atrás dele e consegui pegá-lo. Àquela época diziam que era muito difícil um menino andar sem um cordão no bolso. Foi isso que aconteceu. O cordão serviu para amarrar minha presa que foi utilizada para um reforço do café da manhã. Durante o dia fomos adubar as plantações. A tarde o papai foi tomar banho de mar. E fiquei longe. Foi a primeira vez que vi o mar de perto.

As tropas de transmento Durante o período forte de venda de madeira para uma usina em Fortaleza, eu trabalhei por um determinado tempo, cuja duração me foge da memória, com uma tropa de jumentos. Era a transmento, ou seja, a transportadora de jumentos.

pelos meus tios Pedro e Vicente Laurentino. Durante a semana eu ficava na casa do tio Vicente, onde fazia as refeições. Só ia para casa nos finais de semana. Era um trabalho duro para um adolescente. Toda a renda ficava com o papai.

A madeira era retirada do Serrote da Ema e o corte era feito Memórias de um menino espritado de Caucaia - Aluísio Matias de Paula


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Colheita de rapadura Poucos meses depois já estávamos colhendo a primeira safra de batata, macaxeira, feijão e milho para matar nossa fome. Somente no ano seguinte deu-se a colheita da cana. Para tanto foi alugado um engenho do outro lado dos morros, perto da Barra do Cauípe. Papai encarregou-se de cortar a cana. O Paulo e eu transportávamos a mesma usando a transmento (transportadora de jumentos). Na verdade era um trabalho pesado para nós dois, ainda meninos.

Durante a viagem a gente chupava muita cana. O mais importante era quando já havia produção de rapadura. Nós usávamos a raspagem do tacho e fazíamos o puxa-puxa, além de beber a gostosa garapa de cana. Na hora da refeição quase ninguém comia nada. Eu não me lembro por quanto tempo, mas a luta se repetiu por muitos anos com o plantio em Maceió.

Na subida e descida dos morros, muitas vezes os animais não suportavam o peso da carga e deitavam-se. Então nós tínhamos que descarregá-los, levantá-los e repor, novamente, a carga.

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A viagem de transmento a Fortaleza Durante muitos anos transportamos os produtos da Santa Rosa para Fortaleza. A transmento - transportadora de jumentos - carregava milho, feijão, farinha, rapadura, lenha e carvão. A lenha era preparada em dois tipos: em grossas lascas ou em bandas. O outro tipo era de madeira mais fina repartida em lascas ou rachas na menor espessura possível. Então eram amarradas e feitos pequenos molhos que eram vendidos por cem réis (um tostão). As bandas ou lascas grossas eram vendidas pelo mesmo preço. Os compradores residiam nas Damas. Uma prima do papai que a gente chamava de tia Zezé.

De volta trazíamos os produtos da praça: açúcar, café em caroço, carne do sul, sabão, querosene; resíduo e caroço de algodão para o gado. Uma parte das compras era feita no centro da cidade, em geral na Avenida Duque de Caxias, os animais se esforçavam para romper a areia frouxa. Enquanto que o resíduo, o caroço de algodão e o sabão eram comprados na fábrica Siqueira Gurgel. Sempre que a gente voltava a noite, depois de atravessar Caucaia, já muito cansado e com sono, eu via, de um lado e do outro da estrada as casas, as ruas e os bondes dançando. Era como se fosse um pesadelo.

O comboio saia sempre de madrugada chegando à tarde na cidade. Na maioria das vezes a gente dormia nas Damas, na residência de outras primas do papai.

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Primeira consulta médica A primeira vez que fui a Fortaleza ainda era menino bem pequeno, nem me lembro da idade. Eu vivia doente com a barriga inchada. Muitos dos meus irmãos comiam barro. Às vezes molhavam a parede da casa de taipa para sentir o cheiro do barro. Eu negava que também tinha o vício de comer barro. Minha mãe não acreditava e haja peia para revelar a verdade. Ela resolveu, então, me trazer para Fortaleza para uma consulta médica. Foi, na verdade, a minha primeira viagem de trem. À minha vista o trem sempre estava parado enquanto as carnaubeiras e outras árvores eram que corriam em direção oposta. Em Fortaleza pegamos o bonde e fomos à casa da tia Nazaré, no Benfica. Em virtude da pouca idade não me lembro do momento da consulta médica. Mesmo sem

exame prévio, naturalmente o médico receitou remédio para verme. No dia seguinte passamos pelo centro. O que mais me impressionou foi uma praça com várias estátuas de leões. Muito tempo depois tomei conhecimento que era a Praça General Tibúrcio, conhecida como a Praça dos Leões. Já em casa houve o primeiro sacrifício para tomar o remédio para verme. Em jejum, tomar uma tigela de café amargo com uma boa dose de óleo de rícino. Nunca tinha sentido algo tão ruim. Bebi sob ameaça de sola. Pouco tempo depois e resultado: rolo de grandes lombrigas. Eu estava solto do amarelão e da suspeita de comer barro.

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Passeio de tamanco Quando eu estudava no Boqueirão, Caucaia, certamente no ano de 1936, não recordo a data exata, a dona Laura, professora da escola, promoveu uma excursão com todos os alunos para Fortaleza. Numa manhã, todos alegres, pegamos o trem rumo à capital do Estado do Ceará. Lá chegando fomos levados para a residência de pessoas amigas ou talvez parentes da professora, na proximidade da estação. Provavelmente na Rua Senador Pompeu, quando houve um lanche para animar a meninada. Depois saímos para conhecer a cidade. O ponto principal foi a antiga igreja da Sé, que em 1937 foi demolida para a construção da atual catedral cearense.

À tarde houve nova saída, passando pela Praça dos Mártires, o conhecido Passeio Púbico, de onde avistamos, de longe, o verde forte das águas de sua majestade, o Oceano Atlântico. Cinco horas da tarde pegamos novamente o trem de volta ao Boqueirão, e de lá cada um para sua casa. No dia seguinte, não sei por que, não fui para a escola. Houve, então, o comentário e o balanço do passeio. Ocasião em que uma pessoa falou para a professora que eu tinha ido ao passeio usando tamanco. Dona Laura, muito enérgica, não gostou do meu procedimento e me repreendeu no dia seguinte. Foi uma vergonha para mim.

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A seca de quinze – a era da borracha Em 1915 houve a primeira grande seca do século XX. Naquela época muitos nordestinos viajaram para a Amazônia a fim de trabalharem no seringal, colhendo borracha. Meu tio João Matias de Paula, fugindo da seca, também viajou para lá em busca de dias melhores. Durante dois anos João Matias, através de cartas, dava notícias para os parentes e amigos. Em 1917 deixou de mandar as correspondências. Nunca mais deu notícias. Em maio de 1929 morreu nosso avô José Matias de Paula. Em 1934 foi a vez de nossa avó Raquel Matias de Paula partir para a vida eterna. Com o falecimento de seus pais, os irmãos Matias de Paula resolveram fazer a partilha da propriedade deixada pelos seus genitores. Na parte nascente, onde passa a estrada de Araras (Guararu) a Tabuleiro Grande ficou para seis herdeiros, cada um com 60 braças ou 140 metros, sobrando 10 braças. Na parte do poente ficou para quatro herdeiros, pois era menor, três com 60 braças e um com 50 braças. Então os irmãos perguntaram ao tio Estevão se ele aceitava as duas partes, de 50 e 10 braças. Ele sempre foi otimista, então,

com certa ironia, falou: “Eu quero sim, pelo menos eu fico com duas propriedades”. Depois de realizada a partilha das terras do Bom Tempo, o Raimundo Batista, cunhado de meu pai, arrendou o carnaubal da tia Maria Júlia. Tio Neném (Henrique Matias) também queria tirar o carnaubal da parte do tio João Matias. Além da porção do carnaubal que ele, Raimundo Batista, tinha direito por parte de seus pais, Manuel Batista e Filomena Batista. Como as terras dos seis herdeiros da parte do nascente não tinham carnaubeiras, o papai conseguiu, com os demais irmãos, colher, beneficiar e vender a cêra das carnaúbas pertencentes ao tio João Matias pois apesar de vinte anos de sua ausência, todos os herdeiros haviam concordado em deixar a parte do irmão desaparecido. Portanto, o papai estava autorizado a explorar aquele carnaubal. Raimundo Batista não gostou e disse que ia embargar. Tio Pedro, irmão de minha mãe, foi cortar palha. Às nove horas eu fui até o local e perguntei ao tio Pedro: “Já brigaram?”

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Histórias de alma Desde criança pequena, em Bom Tempo, localidade de Santa Rosa, eu sempre ouvia falar de história de alma. Foi como uma lavagem cerebral. Eu nunca deixei de ter medo de alma. A estrada de Araras fazia cruzamento com a estrada do Boqueirão – São Pedro. Nesta encruzilhada muita gente dava notícias de um determinado homem vestido de branco, junto a um juazeiro, de um lado e de um cajueiro, do outro. Isto se dava sempre nas noites de lua cheia. Com a claridade da lua, as pessoas viam grandes botões de madrepérolas na sua roupa branca. Certa noite meus irmãos João e José passaram pelo pátio do casarão de nossos avós Raquel e José Matias, onde tinha alguns animais. Então eles os espantaram seguindo correndo atrás. No dito cruzamento um homem de branco passou na frente dos animais que corriam. Então José gritou: “atalha

os animais, caboclo!” Mas de repente o homem desapareceu. Desde muitos anos nós morávamos apartados da estrada mais para o pé da serra, onde era chamada de casa do Mulungu. Em 1940, se a mente não me falha, o papai construiu uma casa à margem do cruzamento das duas estradas. Certa noite estávamos na cozinha, quando a mamãe viu um homem na janela. Quando ela nos mostrou o homem desapareceu. Corremos para a janela e para a porta da cozinha, mas o fantasma havia sumido. Numa noite, eu e meu irmão Paulo, como sempre, saímos para o terreiro da casa a fim de realizar uma excreção urinária. Quando voltamos, ele me perguntou: “você viu aquele homem em pé no portão da entrada para a cacimba?” Respondi que não. Abri novamente a porta, mas ninguém viu mais nada.

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Eu sempre saia à noite para a casa de minha irmã Mariquinha. Numa dessas noites a Raquel, ainda pequena, chorava muito. A Laura pôs a irmã no braço e, aproveitando a claridade da lua cheia, saiu pela porta da cozinha. Então ela viu um homem de branco indo em direção ao chiqueiro das cabras e ao curral das vacas, desaparecendo por trás dos mesmos. A Laura, pensando que fosse eu que tinha chegado da casa da Mariquinha,

fez o contorno daqueles cercados e, para surpresa sua, não viu ninguém. Quando eu cheguei, entrando pela porta de lado, ela perguntou se eu havia passado por detrás do chiqueiro e do curral. Respondi que não. Ficando provando a presença da alma penada ou penando que sempre estava naquele local. Com o passar do tempo o homem de branco nunca mais apareceu.

A alma descalça Ainda morávamos na casa do Mulungu quando faleceu, em conseqüência de parto, a Maria Preta, como era conhecida, e sempre trabalhou lá em casa. Maria José sempre chorava à noite, talvez algum pesadelo. Certa noite ela chorou assombrada. A tia Nazaré mandou calar-se: “Cala a boca, menina!” Então eu ouvi umas pisadas de pessoa descalça saindo do quarto em direção ao corredor. De início pensei que era a Nazaré que vinha pegar água no pote, no fim do corredor, bem perto da sala. Por isso era conhecido como o ‘pote da sala’. Mesmo depois de levado para a

cozinha continuou sendo o ‘pote da sala’ por muitos anos. Todavia, as pisadas passaram pelo pote, indo se escorar na minha rede. Com o peso eu fiquei dormente, sem poder me mexer. Depois de muito esforço consegui esticar a perna, tendo o peso desaparecido. O tempo foi passando, o medo aumentando. E eu sem conseguir dormir. Chamei a mamãe para acender a luz. Ela levou a luz para a sala, quando eu contei o que tinha acontecido. A luz ficou acesa, mas eu passei o resto da noite com pesadelo.

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O cabrito que mostrou uma alma Com o aumento da prole foi preciso acrescentar mais dois quartos na casa. Certa vez o Zé brincava com um cabrito na rede, até que os dois dormiram. Levantei-me e tirei o cabrito da rede. Quando levantei a vista para um buraco na parede que havia caído por causa da chuva, vi um vulto branco me chamando, acenando com a mão. Fiquei assombrado e gritei chamando a mamãe que estava num quarto distante. Ela veio e me chamou da porta do quarto. Com muito esforço, tremendo de medo, pois o local que eu via o fantasma ficava ao lado da porta onde ela estava. Chorando muito cheguei até onde ela estava, tendo me abraçado e levado para o seu quarto. Observando depois notei que o fantasma que me chamava era um pé de mamona balançado pelo vento. Foi um medo de criança de que até hoje não consegui me curar.

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O bicho de um só olho Dormia eu na casa do Mulungu. Acordei com um forte ronco. Veio-me a lembrança das muitas histórias que as pessoas contavam sobre um grande animal. O bicho de um olho só no meio da testa. As pessoas que trabalhavam no seringal armavam suas redes em cima de grandes árvores ou faziam casas de madeira em altas árvores para escaparem do misterioso animal. Foi o ronco daquele bicho que me veio no pensamento. Ouvi o primeiro ronco da frente da casa. O segundo na porta do nascente. A cada ronco eu me espantava e o medo aumentava. O terceiro foi atrás da cozinha, que era aberta. O quarto no poente era fechado.

Então eu não resisti e chamei a mamãe: “Mamãe, tem um bicho roncando ao redor da casa”. Ela acendeu a lamparina, ocasião em que todo mundo acordou com o último ronco do bicho, pois ele estava dentro de casa, no meio da sala. Era o Chico da Maria Preta que acordou com as gargalhadas dos meus irmãos. No dia seguinte o comentário sobre o bicho continuou. As críticas, a zombaria, as risadas em relação ao bicho roncador, mas tudo recaia sobre a vítima, o medroso, aquele que acreditava nas histórias mentirosas do Amazonas. Tudo recaia sobre mim.

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Visagem na porta da cozinha A nova casa da encruzilhada das estradas Boqueirão a São Pedro e Araras a Santa Rosa era considerada mal assombrada. Lugar onde apareciam assombrações, pelo menos pra mim. Certa noite, por volta das vinte e uma horas, muita gente conversando, de repente a porta da cozinha para o corredor se abriu batendo forte na parede. A gente se levantou para ver a porta aberta. Porém a porta estava fechada com ferrolho e tudo. O Zé comentou: “Alma uma hora desta dentro de casa!”.

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Alma tocando violão Houve um período que eu vivia muito nervoso com medo de assombração e de alma. Às vezes eu ia dormir cedo para não ouvir pisadas dentro de casa, balançados nas redes ou outras marmotas.

da cama tinha um violão com o encordoamento para cima. De repente o violão tocou forte. Olhamos rapidamente, mas nada vimos. Olhamos um para o outro e com palavras poucas confirmamos o episódio.

Uma noite eu não consegui dormir. De repente alguma coisa passou por baixo de minha rede, que me suspendeu e o armador rangeu. Chamei a mamãe para acender a lamparina. Então eu fui para o quarto onde ela estava só. Comentei sobre rede suspensa e o rugido do armador. Ela falou que também ouviu o rangido.

Momentos depois o violão tocou mais rápido e mais forte. Olhamos rapidamente para ver o fantasma. Vimos perfeitamente quando a alma ia saindo do violão. Era uma alma de pouco valor. Era, na verdade, uma grande barata que saiu voando.

Ela estava deitada, mas quase sentada. Eu me sentei na cama e ficamos de frente. No canto

Se a gente não tivesse visto a barata sair do violão, eu ainda estaria acreditando que uma alma havia tocado violão.

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Bola de fogo Ainda morávamos na casa do Mulungu quando, alta hora da noite, levantei-me para uma excreção urinária. Olhava para a serra e para as estrelas no céu. Seria, certamente, meia noite. De repente vi passando em minha frente uma bola de fogo do tamanho de uma lua cheia com as cores rosa e amarela. Tomei um susto. Como já ia passando não tive medo, pois, naturalmente o fantasma não tinha nada a ver comigo. Ia rolando a meio metro de altura, quando desapareceu por detrás da cozinha. Automaticamente saiu de dentro de casa. Tomei um susto de medo, pois a bola rolava vagarosamente até a cozinha, e, ao mesmo tempo saiu pela porta

onde eu estava perto. Fiquei com muito medo. Cortei a mijada, corri para dentro de casa, pulei dentro da rede e me enrolei com a mesma. A mamãe estava acordada e perguntou se eu estava vendo alguma coisa estranha dentro de casa. Antes de eu responder ela falou que tinham muitas bolas de fogo ali, mas não faziam medo. Eram vagalumes. Desenrolei-me da rede e constatei muitas bolas de fogo passeando dentro de casa. Depois ela falou que muitas vezes à noite os vagalumes se viram com as costas para baixo, quando aparecem aquelas bolas de fogo.

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Alma com roupa de seda Eu estava dormindo na casa de minha irmã Mariquinha e, como de sempre, levantei-me para uma excreção urinária. Pela posição das sete estrelas, seria meia noite. Segundo diziam, era a hora das almas aparecerem. Minha vista corria entre um ângulo de noventa graus quando observei uma carnaubeira. Junto dela um vulto branco que se deslocava de um lado para o outro. Ora de um lado, ora de outro. Fiquei todo arrepiado de medo, naturalmente. Entrei em casa e me enrolei com a rede. Logo depois senti algo diferente. Eu sentia como que alguma coisa misteriosa passasse de um lado para o outro. Ao mesmo tempo ouvia um leve chiado como se fosse um tecido de seda. Tive tanto medo que fiquei dormente. Momentos depois o Benemérito, cunhado de minha irmã, também sai para uma excreção urinária. Foi um grande alívio para mim. Memórias de um menino espritado de Caucaia - Aluísio Matias de Paula


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A casa do Mulungu A casa da encruzilhada, no Mulungu, sempre teve fantasma. Ouviam-se pisadas estranhas dentro de casa e balanço de redes. Sempre acontecia, para meu espanto, havia um local em um canto da sala que todas as vezes que eu dormia ali tinha pesadelos. Mesmo depois de muitos anos que eu saí de lá, todas as vezes que eu sonhava com aquela casa, tinha pesadelo.

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Fantasma com roupa de seda Desde menino sempre tive medo de alma. Primeiramente em lugares e casas estranhas.

atividades à meia noite, hora das almas penadas, como as pessoas diziam.

Em Barroquinha sempre morei na delegacia, mas nunca fui dormir sem a lembrança de fantasma.

Aproximei-me da entrada da casa, tirei a chave do bolso e, quando tentava abrir a grade de madeira, o medo aumentou. As mãos dormentes, o corpo tremia, mas tinha que enfrentar o medo. Abri a porta do quarto, acendi a lamparina, armei a rede e troquei de roupa. Rezei as orações de sempre e cobri-me com o lençol.

Certa noite, quando eu cheguei ao portão de entrada da delegacia, senti algo estranho. Meu corpo estremeceu e fiquei todo arrepiado. O dono de uma bodega em frente estava fechando a última porta. Lembrei-me de um pobre homem que morava no final daquela rua, próximo de um pequeno boteco. Nunca faltava café e uma garrafa de cana. Pensei em ir até lá para tomar um pouco de cachaça, mas observei que já eram onze horas da noite. O dono do boteco encerrava suas

Veio a sensação de algo estranho rodeando a minha rede. Muito de leve eu ouvi um farfalhar suave, como que um tecido de seda fina farfalhando com o vento. Era o que eu sentia. Foi, na verdade, uma noite de pesadelo.

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Alma fresca Em 1963 fui nomeado delegado especial de polícia no município de Boa Viagem. Inicialmente fui morar na pensão do Galego. Cheguei naquela cidade no fim do mês de julho, ocasião que fazia muito frio. Às vezes eu estava na praça principal, o sol claro, mas o frio forte e fino penetrava no meu couro que fazia doer os ossos. Certa noite o frio apertou na madrugada. Coloquei meias nos pés e nas mãos. Depois mais uma calça e uma camisa em cima do pijama. Nada. Mais uma calça e uma túnica de gabardine... e o frio não diminuía. Deu-me um tremor forte na barriga que o corpo estremeceu. A rede balançou. Então eu pensei: ‘será que é uma alma fresca balançando minha rede?’ Desenrolei-me do cobertor e olhei a redor de todo quarto. Nada vi além da escuridão. Era, na verdade, a forte cruviana.

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Auxiliar de tamanqueiro Meu irmão João tinha uma indústria de tamanco. Iniciou trabalhando sozinho. Preparava os tamancos de madeira de maniçoba e depois fazia a cobertura com o couro. Era o único do ramo no município de Caucaia. Foi preciso contratar novos operários. Não sei exatamente a razão da diminuição da produção. Certamente as farras de meu irmão, que gastava boa parte do Capital. Os operários foram sendo dispensados gradativamente, ficando apenas com o Jaime Barbosa, o primeiro a chegar e o último a sair. Então eu fui ser o auxiliar do Jaime. Primeiro o João comprou uma porção de maniçoba no Boqueirão dos Cunhas, entre o Tabuleiro Grande e Camará. Fomos nos

arranchar embaixo de um cajueiro. A nossa sorte era que estava no período de verão, não tendo caído nenhuma chuva. Com a abundância de lenha, o fogo era permanente. Durante o dia para cozer o feijão-brabo e a noite para nos aquecer do forte frio. A minha missão: cortar a madeira em rolos de acordo com o tamanho dos tamancos a serem feitos, que iam do número 34 a 42. Depois partia os rolos de acordo com a largura do tamanco. Depois o Jaime fazia a cavação da madeira e eu ia riscando de acordo com o modelo da forma. E mais, eu era o barraqueiro. Ia pegar água no olho d´água, buscava lenha no mato, cozinhava o feijão, lavava os dois pratos,

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atiçava o fogo, dia e noite, para não se apagar.

orações. Não sei que marmota ele procedia.

Aos sábados o João ia com os jegues para transportar a produção do nosso trabalho. Passamos três ou quatro semanas naquele local.

Por fim, fomos para uma casa do nosso cunhado Chicute, em Ipueiras, perto do Capim Grosso.

Depois fomos a Porteira, perto da Serra do Juá. Havia uma boa diferença da primeira empreitada do Boqueirão dos Cunhas. A nossa morada provisória era em uma grande casa de farinha desativada. Não tinha perigo de sol ou de chuva. A rotina era a mesma do local anterior. Eu vivia debilitado devido a má alimentação. O Jaime dizia que era espinhela caída e me fazia pendurar numa travessa de madeira e por trás ele fazia as

Trabalhávamos embaixo de um cajueiro na beira do rio. A refeição era feita pela mulher, parente do Chicute, que morava na mesma casa. Ali a gente dormia. Durante todo o tempo que eu trabalhei com o Jaime, sempre treinava para fazer os tamancos. Ele já aprovava aqueles feitos por mim. No entanto, João não aceitava. Só quando o Jaime foi embora ele aceitou os tamancos feitos por mim. Mas apenas o feitio na madeira, fazer a cobertura com o couro, nem pensar.

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Quando eu fui padeiro Em 1946 o papai comprou a padaria de seu cunhado Manuel Arruda. Em Araras, hoje Guararu. Contratou um padeiro de Capuan para os cuidados no fabrico dos pães. Depois de algum tempo o padeiro pediu ao papai para que eu fosse trabalhar como seu auxiliar. Eu já trabalhava nas vendas. Como auxiliar, o mestre-padeiro ensinava-me a preparar a massa do pão. Na grande colcha de preparação da massa, ele colocava uma porção de farinha de trigo, dissolvia o fermento e o sal num pouco de água, misturando com o trigo para fermentar. Depois de passado o tempo de fermentar a gente ia misturando o fermento, juntamente com água na massa. Com o punho fechado era feito o quebramento da massa até determinado tempo em que se deixava descansar. Passado o período de descanso era recomeçada a luta. Desta vez dividia-se a massa em pacotes

que eram jogados de encontro ao colchão, seguido dos socos de pulso fechado até a massa ficar macia, quando era posta novamente para descansar. Passado determinado tempo, a massa era posta em cima de uma grande mesa, sendo partida em pedaços, de acordo como tamanho do pão. Depois era feita as bolas e colocadas em formas para descansar novamente. Passado o tempo necessário era modelado o pão. Não me lembro exatamente a palavra que se empregava. Colocava-se novamente na forma e aguardava o tempo de estar pronto para ser assado. Todas as semanas o mestre padeiro ia para Capuan, saindo às cinco horas da manhã de domingo, voltando às sete da noite. No final da primeira semana em que eu estava treinando, ele me pediu para preparar a fermentação da massa enquanto ele ia a Capuan. Preparei a fermentação

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da massa na hora exata, todavia o padeiro não veio, como havia prometido. Não sei a razão, mas papai estava na padaria naquela noite. Ele, literalmente, nada sabia de preparação do pão. Então eu fui chamar o meu primo Aurélio, que sabia muito bem deste manejo. Porém ele não estava em casa. Foi comigo Zé Maria, de doze anos, que já sabia um pouco de preparo do pão.

preparação. Ele tinha uma intenção em sua mente. No domingo seguinte ele pegou o trem às cinco da manhã e, sem nenhum aviso prévio, não voltou mais.

À nossa maneira preparamos e assamos o pão. Foi uma negação. O pão ficou achatado na forma, duro de fazer pena. Cheio de raios vermelhos. Não prestava para a venda.

Então me efetivei como padeiro. Não fazia um pão perfeito, mas dava para atender a freguesia. Depois meu primo Aurélio, que entendia bem do preparo de pão, deu-me boas instruções, principalmente como quebrar a massa. Fiquei muito gratificado por isso. No entanto, o pão nunca saia perfeito. Isto porque o papai só comprava a farinha de trigo de pouca valia.

Quando o padeiro chegou, no dia seguinte, não condenou totalmente nosso trabalho. Os raios vermelhos eram porque o sal não tinha sido bem misturado com a massa. Ficou duro porque foi usada pouca água.

Então meu trabalho dobrou. À noite preparava o pão, de manhã colocava a cesta nas costas e ia vender fruto do trabalho da noite. Em três de fevereiro de 1948 assentei praça na Polícia Militar. Virei policial militar.

A semana seguinte o mestre preocupou-se mais com minha

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Sonhos voando Desde criança pequena eu sempre sonhei voando. Os primeiros sonhos foram no Bom Tempo, na estrada entre Boqueirão e Santa Rosa. Eram vôos rasteiros, em torno de um metro de altura. Eu sempre voava como se estivesse nadando de costa. A maior preocupação era olhar para um lado e outro da estrada para não entrar no mato. Outras vezes era subir numa cerca ou numa árvore para dali iniciar o vôo que era curto, cerca de oito metros. Parecia que eu estava nadando normalmente, num movimento de braços e pernas. Como o tempo os vôos tornaramse altos e longos. Alguém dizia que o sonho voando era porque se estava crescendo fisicamente. Mesmo depois de adulto continuei com os sonhos voando. Falei com o Jaime,

nosso amigo sobre isso. Ele dizia que era um crescimento espiritual. Continuo com os sonhos muito altos e duradouros, como se fosse um pássaro. Enquanto o pássaro movimenta-se com as asas, eu com os braços e pernas. Há também os sonhos como se eu estivesse andando normalmente, mas suspenso em torno de meio metro de altura. Desta maneira já sonhei passeando na Praça do Ferreira, da rua Guilherme Rocha em direção à coluna da hora. O pessoal que passava por mim nada dizia. Era como se eu estivesse andando normalmente. Outras duas vezes eu saia do décimo andar do edifício Lobrás e, naquela altura, atravessava a Praça do Ferreira. Do outro lado, na Rua Floriano Peixoto havia

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um outro prédio, mas eu não chegava até lá. E os meus sonhos continuaram. Na semana passada (10 de junho de 2007) sonhei que chegava a um hospital para ver uma criança recém nascida. O médico que havia realizado o parto era o coronel Cristóvão Peixoto de Holanda, já falecido, da Polícia Militar do Ceará. Daquele hospital a criança foi transferida para outro e eu a acompanhava. Saía por um extenso corredor e eu a seguia em vôo rasteiro. Surgiu um menino com cerca de dez anos de idade. Peguei no braço do garoto e lhe suspendi. Ele ficou muito satisfeito e ria bastante. Depois o garoto seguiu sozinho na minha frente continuando a rir, certamente por estar voando.

a direção do Parque da Criança e depois seguia na Av. Duque de Caxias. Eram ruas desertas, principalmente à noite. E repente, surgiam na minha frente grupos de marginais, adultos ou garotos de rua, sempre armados de faca ou cacete. Muitas vezes não escapava dos assaltos. Às vezes eu me livrava dos bandidos voando por cima deles. Outras vezes saia para o lado da praia, onde existiam muitas favelas nos morros. Às vezes eu pegava uma rua estreita de calçamento tosco ou esburacado. De repente fechava-se na frente. Eu tinha que voltar ou pegar outra trilha. Então surgiam os bandidos. Eu me defendia com faca ou revólver. E quando eu estava desarmado, livrava-me deles voando.

Muitas vezes sonhei na Praça do Ferreira. Para vir embora pegava

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Este livro foi composto com tipografia ITC Officina Sans e Calibri 11/12. Impresso em papel Offset 75g/m² durante o primeiro semestre de 2010


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