O Embarque para Citera

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO | FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA | AUH0310 - HISTÓRIA DA ARTE II

Professor Agnaldo Aricê Caldas Farias

O Embarque para Citera L’Embarquement pour Cythère Antoine Watteau

Caio Lucio de Benedetto Moreira – 8010642

SÃO PAULO 2014


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO | FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA | AUH0310 - HISTÓRIA DA ARTE II

Professor Agnaldo Aricê Caldas Farias

O Embarque para Citera L’Embarquement pour Cythère Antoine Watteau

Trabalho monográfico dedicado à disciplina AUH0310 – História da Arte 2 referente ao 4º semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP aos cuidados do professor Agnaldo Aricê Caldas Farias.

SÃO PAULO 2014

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Sumário

1. Resumo .............................................................................................. 4 2. Introdução ........................................................................................... 5 3. Estilo ................................................................................................... 7 4. Análise da Obra .................................................................................. 8 5. Prancha Gráfica ................................................................................ 11 6. Referências Bibliográficas ................................................................ 12

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1. Resumo

Esta publicação monográfica tem como intuito abordar a análise artística e social da obra de Jean Antoine Watteau, Embarque para Citera, a qual presenciou e representou as mudanças no paradigma cultural e artístico no contexto francês da época, sendo que a princípio foi feita como um objeto de prova de admissão para uma academia de artes. Resultado de cinco anos de estudos e pinceladas, a obra adquiriu mais tarde um carácter de revolta pela sociedade revolucionária pois a tela retrata os costumes aristocráticos do Antigo Regime.

Palavras-chave: Rococó, Antigo Regime, Aristocracia, Amor, Revolução Francesa, Festa Galante, Mitologia.

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2. Introdução

A obra em análise é um expoente na vida artística de Watteau, sendo o seu pré-requisito para o ingresso na Academia Real de Paris, tendo sua primeira versão em 1712, denominada O embarque para a ilha de Citera. O autor nascido em 10 de Outubro de 1684 era natural da cidade de Valenciennes, situada na região de Flandres, dominada pelos franceses. Desde a infância ele demonstrava o seu talento representando as animadas quermesses da região, a lápis ou a carvão. Além disso, Jean também se entusiasmava com predecessores flamengos – Bruegel, Bosh e Rubens – os quais impulsionaram o caderno de desenhos do jovem garoto com saltimbancos, palhaços, anões e mulheres barbadas. Observando as histórias retratadas em seus papéis, Watteau decide abandonar a escola e enfrentar os problemas da vida em busca de uma rotina improvisada. Torna-se pupilo do pintor Jacques-Albert Gérin após vontade de seu pai, porém Jacques não dava muito valor para o futuro pintor que andava pelos cantos copiando frisos gregos e romanos. Com isso, ele conseguiu convencer seu pai a liberá-lo para buscar a oportunidade de expressar o seu talento e se firmar como artista na cidade de Paris, centro irradiador de ambições, brilhos e talentos. Posteriormente, ele teve a oportunidade de ter contato com as obras do Palácio de Luxemburgo, a partir do decorador do local que o franqueou. Com isso, Watteau preparou inúmeros desenhos e esboços tendo como base os quadros, absorvendo desta maneira, alguns toques de Rubens, como o estilo brilhante e a riqueza das cores. Com o contato de Claude Audran, decorador do Palácio, Watteau aumenta seu contato com o estilo rococó, iniciando seu trabalho na parte decorativa e inicia relações com o grupo seleto de artistas que executavam desenhos e arabescos nas residências aristocráticas. Após este momento, criou belas e melancólicas festas galantes, característica esta que pode ser observada na obra em análise.

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A arte de Watteau apresenta o aspecto de salvadora do Rococó das críticas que o consideravam frívolo, amaneirado e sem propósito moral. O ideal decorativo revelava nas pinturas do artista um viés sobre a psicologia humana.

“É elegante e decorativo sem polir a humanidade até fazê-la desaparecer.” (LEVEY, 1998, pg. 52) O pintor retratou cenários que agradavam os seus contemporâneos e personagens com os quais se identificavam. Com isso, sua obra naquele momento construiu um grande sucesso que ultrapassou os limites da França e atingiu toda a Europa. Jean realizando as suas obras acabou criando uma dupla importância, pois concebeu sem conhecimento o conceito do artista individualista leal a si mesmo e só; além de ter inventado uma nova categoria de pintura, a festa galante, que exigia liberdade total do tema para o pintor. Com a sua admissão em 1712, a Academia deixou que o próprio pintor escolhesse o tema da obra. A tela contrariava todos os cânones acadêmicos tradicionais e o assunto não se encaixava em nenhuma das categorias já existentes. Com isso, a Academia percebeu que necessitava criar uma nova categoria, a da fête galante. Sendo assim, segundo H. W. Janson, essa expressão não se aplica somente a este quadro, mas ao conjunto de obras de Watteau, explicando a representação da tela. “...pois nela predominam cenas da vida da sociedade elegante ou com atores de comédia, tendo por fundo parque ou jardins” (JANSON, 1984, pg. 538)

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Jean Antoine Watteau, 1721 Autorretrato - Rosalba Carriera

3. Estilo

A tela Embarque para Citera está delimitada no estilo artístico Rococó, o qual surgiu na França como desdobramento do barroco, porém mais leve e mais intimista que o anterior e, foi usado inicialmente em decoração de interiores. O desenvolvimento decorreu-se pelo século XVIII e, da arquitetura disseminou-se para todas as artes. Os principais temas utilizados eram cenas eróticas ou galantes da vida cortesã e da mitologia, além de pastorais, alusões ao teatro italiano da época, motivos religiosos e farta utilização do mundo vegetal no plano de fundo, ornatos e molduras. A denominação vem do termo francês rocaille, que significa “embrechado”, técnica de incrustação de conchas e fragmentos de vidros utilizados originalmente na decoração de grutas artificiais, sendo que na França, o rococó adquiriu também os nomes de estilo Luís XV e Luís XVI.

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4. Análise da Obra

A mesma obra está representada em três versões, sendo que a principal está no Louvre e, uma outra em Berlim. Os três quadros representam de forma pictórica a utopia. Porém, a utopia presente neste cenário parte do mito moderno da viagem à ilha do amor, não se trata de uma utopia das classes trabalhadoras que imaginam pra si uma sociedade melhor no futuro, mas de uma utopia ao gosto do público aristocrático que, na medida do possível não necessitava de trabalho para sobreviver. Com isso, dispunham de mais de tempo também para as necessidades humanas, como as do amor, e para os sonhos de utopia social que gravitam em torno desse tema. Esses sonhos estão ligados ao ideal de vida simples de elegantes pastores e pastoras a que, por capricho, somou-se o desejo pela ilha do amor. Analisando de maneira geral, esta primeira grande obra do pintor pode ser caracterizada como um quadro histórico, mas moderno. A mitologia presente na tela é uma criação do pintor, porém ele a organiza de maneira a contar uma história compreensível e plausível ao espectador, ressaltando que para a Academia Real sua obra é cheia de narrativa. “Seu tema é mais “natural” que as visões de deuses e deusas ou as cenas da história clássica. Ele não se ocupa do heroísmo, mas sim do amor.” (LEVEY, 1998, pg. 64) A ilha de Citera havia sido na antiguidade clássica um centro de culto à Afrodite, o que a tornou uma espécie de santuário do amor para a posteridade. Tendo este ponto de partida, Watteau teria criado uma imagem onírica de um lugar de peregrinação para casais de amantes que querem viver as alegrias do amor. (ELIAS, 2005, pg. 19) Em seu quadro, vê-se o cortejo dos casais de amantes que, naquele momento, começam a se preparar para percorrer o caminho até a praia. Lá os espera o barco paramentado que, logo, os levará à ilha de Citera.

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Um mistério ou hipótese que cerca a obra é forma e o sentido do nome que de acordo com a preposição usada pode identificar a chegada ou partida da ilha de Citera, demonstrando um momento de alegria e festividade ou, de nostalgia, tristeza e saudades. A tela apresenta todas as pessoas dispostas como pequenas figuras, em uma paisagem de um grande e antigo jardim, como em um palco com altas cortinas. Toda teatralidade, porém, está ausente, porque a figuras graciosas movimentam-se à vontade. Em primeiro plano, os últimos casais do cortejo, os mais próximos do espectador, preparam-se para sair. Bem à frente, vemos erguer-se uma jovem mulher cujo companheiro está ao lado. Porém ela ainda está sentada e olha, demonstrando uma visão sonhadora, como uma jovem mulher antes da primeira noite de amor. Logo abaixo, as seus pés, um Cupido trajado como peregrino puxa o vestido dela, como se quisesse lembrar à sonhadora que já é hora da partida. Atrás, vemos um segundo casal, também em vias de se levantar. Nessa cena, o terceiro casal, o próximo da fila, realizam intenção de se mover, mas a bela mulher, desenhada com nitidez, volta-se aparentemente, mais uma vez, na direção da jovem ainda sentada. Seu namorado já está todo voltado para o barco e parece puxá-la suavemente para adiante. Em segundo plano, observa-se o início do cortejo e uma fila de casais, os quais apenas aguardam para entrar no barco. Um Cupido acende um archote, talvez como ajuda para a viagem noturna e, ao mesmo tempo, como um sinal para o espectador de que a luz clara, ao fundo, é o derradeiro brilho do sol poente. Na própria paisagem ajardinada, a clara luz do ocaso é quebrada reiteradamente pelas altas árvores com suas copas verde-escuras. Em um pedestal discreto entre a arborização no canto direito da tela há um busto de figura feminina, adornada com aljava e arco, talvez com a intenção de lembrar que o destino da viagem é a ilha da deusa do amor, da doce Afrodite, incidindo também sobre a bela mulher que se inclina para trás.

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Em forte contraste com o jogo de luz e sombra claro-escuro enevoado que domina todo o quadro, está a luminosidade do sol poente, a radiante claridade à direita, no fundo, conferindo um carácter de inquietude à composição. E, em contraste com a tranquilidade do antigo jardim com as copas verde-escuras das árvores e sua doce serenidade, a surda movimentação do cortejo dos amantes torna-se ainda mais intensa à medida que aqui, nessa claridade, os contornos de algo desconhecido, restos de materiais, provocam uma sensação de mistério e suspense, apontando para um sinal de perigo. Reconstituindo as observações, o quadro se pauta em quatro pontos principais, sendo eles, o olhar da mulher, estátua de Afrodite, casal sentado e peregrinos, de maneira sucinta expressam: - O olhar da mulher: esta personagem da tela localizada no centro do quadro olha para trás como quem não quisesse deixar a ilha mágica. Ademais ainda há discussões entre estudiosos se os casais estão embarcando para Citera ou retornando de lá. - Estátua de Afrodite: a estátua faz juz ao nome do quadro, porque como a ilha de Citera está associada à Afrodite, é como se eles estivessem peregrinando para a ilha do amor. Localizada à extrema direita do quadro, a deusa “surge” de um buquês de flores e está adornada com uma guirlanda de rosas. - Casal sentado: o casal sentado à direita do quadro e ao lado esquerdo da Afrodite é o mais enamorado da tela. A pintura demonstra a falta de preocupação deles com a ida dos outros casais, mesmo que o querubim esteja puxando a saia da dama. - O pintor retrata os peregrinos vestidos como e com objetos de peregrinadores. No entanto não é uma peregrinação normal; eles estão em busca do amor.

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5. Prancha Gráfica

O Embarque para Citera, 1717 – Óleo sobre tela – 1,29m X 1,94m Jean-Antoine Watteau Museu do Louvre, Paris, França

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6. Referências Bibliográficas

ELIAS, Norbert. A peregrinação de Watteau a ilha do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. JANSON, H. W. História da Arte. Panorama das Artes Plásticas e da Arquitetura da Pré-História à Atualidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. LEVEY, Michael. Del Rococó a la Revolución. Principales tendencias en la pintura del siglo XVIII. Barcelona: Ediciones Destino, 1998. p. 19. PIFANO, Raquel Quinet. Rococó: a expressão do instante. IN: Gávea. Revista de História da Arte e Arquitetura. Rio de Janeiro, vol. 13, Setembro de 1995.

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