Paranapiacaba: A Vila das Transformações “Paranapiacba: corruptela de pé-a-ñái-piâ-quâb-a, que significa: ‘passagem do caminho do porto do mar’, de pê (superfície) e rá (encrespada), formando a palavra pê-rá (mar); ñái (porto); piá (caminho); quâb (passar) que com acréscimo de a (forma no infinitivo a ação do verbo que significa passagem). Segundo o Pe. Luiz Figueira, em sua Arte de Gramática da Língua Portuguesa – de onde mais simplificado significa lugar de onde se vê o mar ou miramar, sendo a palavra de composta nos seguintes vocábulos: parná (mar); apiac (ver); caba (sítio) ”. Issao Minami - 1983 Papel do núcleo na lógica da rede urbana O estudo da lógica na inserção urbana deste núcleo começa com o termo caminhos, pois durante o século XIX, o Brasil apresentava um ciclo econômico em alta, o café. Com a alta produção deste item agrícola, entre outros, percebeu-se uma deficiência na logística do transporte do interior (Jundiaí) até o litoral (Santos), de onde seriam escoados para outros países (Europa). Porém, para concretizar o desenvolvimento da exportação do café, um desnível de 800 metros que separava a Vila de Piratininga do litoral precisava ser superado. Percebendo a insuficiência funcional (de transporte de cargas) das trilhas por volta de 1850 e com a chegada dos europeus ao Brasil, os trilhos vieram intensificar a colonização na primeira metade do século XIX. Com isso, muitos povoados surgiram, foram ampliados e se consolidaram como cidades. Para realizar as obras da ferrovia, foi necessária a construção de alojamentos provisórios destinados ao abrigo dos operários. Com isso, os trabalhadores envolvidos na empreitada foram se instalando ao longo do leito de implantação da linha férrea, partindo das áreas lindeiras ao fundo de vale existente no pico da serra. Foi nesse local que se estabeleceu o principal acampamento, por volta do quilômetro 30 da estrada de ferro. Por ocasião do final das obras de construção, o acampamento foi utilizado pelos operadores e mantenedores da maquinaria e do tráfego ferroviário. Este lugar denominava-se Alto da Serra, mais tarde sendo conhecido como Vila de Paranapiacaba.
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Corte esquemático da ligação ferroviária Santos – Jundiaí | Ana Luisa Howard de Castilho (1998)
Situação Geográfica A vila está localizada na região sudeste do município de Santo André, no limite entre o Planalto Paulista e a Serra do Mar, sendo integrante da região metropolitana de São Paulo. Atualmente, nos critérios políticos e territoriais, a vila pertence ao munícipio de Santo André e, é considerada o mais importante patrimônio arquitetônico “victorian style” no Brasil. Apresenta clima Subtropical úmido com temperatura média no verão de 22ºC e de 18º C no inverno, sendo que esta umidade é caracterizada pela neblina, a qual é formada pelas massas atmosféricas que são pressionadas pelos ventos do sul e sudoeste. A vegetação é caracterizada pela Mata Atlântica com incidência de vegetação como capoeira e herbáceas a oeste da Vila.
Localização da Vila de Paranapiacaba | Fonte: Revista Mares do Sul
Topografia O terreno do núcleo urbano é acidentado, pois está localizado na região da Serra Mar, apresentando um revelo mamelonar (mares de morros), concentrando picos e vales.
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Vista geral do Pátio Ferroviário. No primeiro plano, encontra-se a Parte Baixa e no segundo plano, a Parte Alta. | Foto: Newton José Barros Gonçalves
Sítio A Vila de Paranapiacaba já nasceu com três núcleos de povoamento. A implantação desses núcleos foi distinta devido às características da topografia e as necessidades da época. A leste, partindo da Serra para o Planalto, os dois núcleos compõem a Parte Baixa. A Varanda Velha, primeiro povoamento que passou a ser conhecido como Vila Velha, próximo ao topo da Serra e a Vila Martin Smith. Esta vila nasceu para suprir a demanda habitacional gerada a partir da duplicação do sistema funicular (sistema de trilhos da época). A oeste, o “Morro” ou Parte Alta continuou a ser ocupado após as cessões feitas por Bento José Rodrigues da Silva, dono da primeira casa nesta parte. Este foi o lugar onde se instalaram as atividades comerciais necessárias à subsistência dos habitantes da vila. As casas desta área foram construídas, a princípio, de pau-a-pique. Logo inspiraramse na Vila Nova, passando ao emprego da madeira. Outra alteração pode ser percebida quanto à implantação das habitações; geralmente geminadas e construídas a partir do alinhamento das ruas. A parte alta é demarcada por uma linha no limite mais próximo da ferrovia e pelo sky-line que acompanha a morfologia natural.
Para ligar a Parte Alta à Parte Baixa, foi construída uma passarela para transpor o pátio de manobras que viria a ser conhecida pelos usuários como “Ponte”.
Croquis: Estação “Alto da Serra”. Planta
Croquis: Projeto de arruamento e
Geral, 1897 | Fonte: Ana Luisa Howard
primeiras habitações; Vila Martin Smith,
de Castilho (1998)
1899 | Fonte: Ana Luisa Howard de Castilho (1998)
Presença ou ausência de projeto e sua interface com o sítio Em 1858 foi instituída a companhia que receberia as concessões para gerenciar essa ferrovia: a São Paulo Railway Co. Ltd. Ou S.P.R., com sede em Londres. Com isso, um dos pontos de parada que surgiu foi o Alto da Serra, que em primeira instância concentrou a estação e alojamentos provisórios para os funcionários na Vila Velha que possui um arruamento mais irregular, destacando o relevo inclinado e os equipamentos necessários. Já a Vila Nova foi implantada devido ao déficit habitacional e possui entre as características principais: o arruamento reticulado, tipologias residenciais e relevo mais plano e foi a única área em que teve projeto. Contudo, a Parte Alta teve um desenvolvimento irregular e começou a concentrar muitos funcionários aposentados ou que não tinham uma relação tão próxima com a Companhia. Sistema de defesa O sistema de defesa na Vila é natural, pois ela está inserida em um vale no alto da Serra do Mar e possui quatro entradas demarcadas (rodovias e ferrovia), exceto trilhas.
Traçado da malha urbana O traçado da malha urbana é diferenciado em seus três núcleos, sendo suas características: Parte Alta Esta parte apresenta inclinação de 50% e em sua essência, as ruas são praticamente travessas com alto teor de inclinação e em algumas partes tornam-se becos com quase inexistência de calçada. Além disso, concentra um largo em frente à Igreja Matriz.
Largo da Igreja | Caio Lucio de Benedetto Moreira, 2014
Rua Albertino Duarte – Parte Alta | Caio Lucio de Benedetto Moreira, 2014
Parte Baixa: Vila Velha A Vila Velha apresenta inclinação de 26% e suas ruas são irregulares, as quais demonstram o relevo em seu traçado, além de possuir um espaço maior para as calçadas em alguns pontos.
Rua Modelo – Vila Velha | Caio Lucio de
Vista da Vila Velha a
Benedetto Moreira, 2014
partir da Passarela | Caio Lucio de Benedetto Moreira, 2014
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Parte Baixa: Vila Martin Smith (Vila Nova) A Vila Nova apresenta inclinação de 12%, com isso seu desenho de ruas é mais plano, regular e possui maiores dimensões, tanto no leito carroçável quanto no passeio. Ademais, apresenta travessas atrás dos lotes que foram designadas como ruas de serviço e, uma praça em volta do Antigo Mercado.
Praça do Antigo Mercado – Vila Martin
Exemplo Rua de Serviços – Vila Martin
Smith | Caio Lucio de Benedetto
Smith | Caio Lucio de Benedetto
Moreira, 2014
Moreira, 2014
Implantação dos principais edifícios públicos e casario Edifícios Públicos A implantação destes edifícios ocorre de maneira diversificada e mesclada, sendo que cada núcleo possuía foco “distinto”. Sendo assim, a Igreja Matriz ficou concentrada na Parte Alta por causa do grande número de moradores protestantes na Parte Baixa. De modo geral, o sítio apresenta poucos edifícios públicos, pois era controlado e mantido pela Companhia S.P.R., entidade privada.
Igreja Matriz – Parte Alta | Caio Lucio de Benedetto Moreira, 2014
Casario e Implantação Edifício-Lote Urbano Parte Alta – O esquema residencial neste núcleo é bastante irregular com presença de sobrados com quase ou nenhum recuo, além de construções de alvenaria e, fachadas mais coloridas. Com isso, estas características remetem ao sistema de casario sulista europeu.
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Vista da Parte Alta – a partir da passarela | FONTE: Exploradores Urbanos, 2012
Parte Baixa | Vila Velha – Este núcleo apresenta residências essencialmente de carácter térreo com grandes dimensões e pequena variação de tipologia, tendo apenas um casarão destinado aos solteiros. Ademais, possuíam um recuo médio na frente, laterais e fundo e, cores próximas ao tom marrom/ferrugem da ferrovia.
Vista da Vila Velha | FONTE: Exploradores Urbanos, 2012
Parte Baixa | Vila Nova – Este trecho inova e implanta residências com tipologias diversas, pré-denominando seu uso no futuro. Sendo elas isoladas ou geminadas: §
Geminada 1: Casas geminadas, duas a duas
§
Geminada 2: Grupos de casas de quatro a cinco
§
Geminada 3: Unidades destinadas aos trabalhadores solteiros
§
Isolada 1: Castelinho: a maior casa do conjunto, destinada à habitação do engenheiro-chefe.
§
Isolada 2: Residências destinadas aos engenheiros da Companhia
Casas geminadas – duas a duas |
Casas geminadas – quatro a cinco |
Caio Lucio de Benedetto Moreira,
Caio Lucio de Benedetto Moreira,
2014
2014
Casa Isolada 2 | Ana Luisa
O “Castelinho” – Isolada 1 | Caio Lucio
Howard de Castilho, 1998
de Benedetto Moreira, 2014
Assim como a Vila Velha, este núcleo apresenta casas com recuos na frente, laterais e fundo, alternadas de acordo com a tipologia.
Materiais, técnicas e sistemas construtivos Os materiais utilizados na construção e adequação da Vila de Paranapiacaba foram quase todos de reuso, destacando os postes que eram de trilho de trem, os caminhos feitos com dormentes e a madeira das casas vinda do desmatamento feito para a implantação do povoado. As técnicas utilizadas na construção das casas de madeira foram sistemas de encaixe macho e fêmea e, junção com ripas intermediárias. Os sistemas construtivos utilizados foram o de madeira e alvenaria armada. Toponímia A denominação das ruas no sítio é feita de maneira diversificada, presenciando em alguns trechos nomes bem pragmáticos como, rua Direita, pois ela possui uma forma direita; vias homenageando engenheiros ou políticos e, ruas que exaltam os aspectos naturais daquele lugar.
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Sociotopografia A divisão social do trabalho era feita pelo traçado da ferrovia na parte central, onde ocorria grande parte do sustento da Vila. Fora isso, o comércio e os edifícios de serviços concentravam outra parte do trabalho dispersos pela Vila Velha. Equipamentos Urbanos Junto à Igreja da Matriz se localiza o Cemitério. Na Vila Velha, um pouco afastado dos núcleos, mais ao sul, se localiza o Antigo Hospital que daria um suporte maior para o Posto de Saúde localizado na parte central deste núcleo. Além disso, o Cartório de Notas também foi implantado na Varanda Velha. A Vila Nova apresenta a sede do Clube União Lira Serrano, importante elemento de integração social em Paranapiacaba. Próximo ao clube, foi instalada a Escola Primária de Paranapiacaba. Elemento fundador e central, Estação Ferroviária, estava localizada na parte central junto ao Relógio (“Big Ben”) com um programa funcional de ala de escritórios, com dois pavimentos, onde se localizava o relógio, uma sala de espera e, em outro bloco, um bar. O Mercado, único local de comércio na Parte Baixa tinha em seu programa a venda de mercadorias em geral, um açougue, um bar e uma agência de Correios.
Cemitério | FONTE: Exploradores Urbanos, 2012
Posto de Saúde | Caio Lucio de
Clube U.L.S | Caio Lucio de Benedetto
Benedetto Moreira, 2014
Moreira, 2014
Antigo Mercado | Caio Lucio de
Vista da Plataforma da Antiga Estação e
Benedetto Moreira, 2014
do Relógio “Big Bem” | FONTE: Exploradores Urbanos, 2012
Zoneamento de funções Como visto acima, as funções nos três núcleos são mistas, sendo que em um o aspecto habitacional, de serviços, comércio exacerba mais do que no outro e, vice-versa. Conclusão Portanto, a Vila de Paranapiacaba admitiu três fases que marcaram seu processo transformador e evolutivo, sendo eles: A primeira, quando ela ainda se denominava Alto da Serra, considerada a fase da apropriação, por meio da implantação do pátio ferroviário e condicionada pelo relevo. Na segunda fase, o desenvolvimento da Vila deu-se paralelemente à consolidação da ferrovia, considerada a fase de maior prosperidade. A Vila Martin Smith supriu a carência habitacional e compôs juntamente com os outros dois núcleos a paisagem que persiste até nossos dias. A terceira e última fase foi marcada pela falta de incentivos para o transporte
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ferroviário. Com isso, o possível processo de degradação do espaço físico e das relações sociais da Vila inicia-se em meados dos anos 40. Bibliografia CASTILHO, Ana Luisa Howard. A Vila de Paranapiacaba e a Problemática da Intervenção. São Paulo, FAUUSP – 1998. MINAMI, Issao. Paranapiacaba: Marco Zero. São Paulo, FAUUSP – 1998. Sitografia http://www.exploradoresurbanos.com.br/2012/02/paranapiacaba-vila-inglesa-a-50-kmde-sao-paulo/ acessado em 25/06/2014 às 14:55. http://www2.santoandre.sp.gov.br/index.php/paranapiacaba acessado em 25/06/2014 às 15:00 http://www.paranapiacaba-spr.org.br/index.htm acessado em 20/06/2014 às 20:30 http://www.cidadeshistoricas.art.br/paranapiacaba/pnp_mon_p.php# 20/06/2014 às 20:40
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