Tecendo uma moda sustentável POR ANA INÁCIO, CAIO MARTINS, CINTHIA RIBEIRO, JOÃO BRAGA, LUDMILLA ARMOND E THIAGO TADEU
Ronaldo Silvestre viveu na pele as dificuldades da vida e resolveu usar de sua experiência para transformar a vida de sua comunidade. Se tornou referência com seu trabalho. As condições degradantes nas áreas trabalhistas sempre existiram no corpo social, mesmo com os avanços já conquistados pela sociedade, cientistas e pesquisadores as péssimas condições de trabalho ainda é uma realidade cruel. A falta de valorização da mão e obra gera não só uma deficiência na família do trabalhador, mas em toda a região que a cerca, o impacto é maior do que é de fato conhecido. Os movimentos que defendem a sustentabilidade buscam a preservação ambiental, porém com a consciência de que tanto pessoas, quanto ambiente merecem atenção, surgiu o conceito da sustentabilidade social. Hoje, as novas gerações Y e Z são mais atentas e exigentes em relação ao estilo de vida sustentável, o que tem promovido um grande embate com a forma de consumir do modelo até então vigente.
A forma de lidar com o desenvolvimento social têm um modelo diferente para cada região. Países mais desenvolvidos, por exemplo, possuem uma igualdade social evoluída e podem se focar na sustentabilidade ambiental, enquanto países em desenvolvimento ainda lutam pela inclusão social e erradicação da pobreza e precisam gerar um equilíbrio no desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade social é uma reposta a esses obstáculos, sua base é um conjunto de ações com o propósito de melhorar a qualidade de vida da população como um todo. Melhorando o acesso aos direitos de serviços básicos que incluem educação, saúde, qualidade de trabalho entre outras. Uma vez que colocadas em prática, a atuação acaba por melhorar a vida de todo o entorno das famílias beneficiadas.
Pode-se dizer que esse movimento é um dos mais importantes para a mudança do aspecto social. O desenvolvimento industrial, econômico, político e ambiental são influenciados pelos agravantes sociais, por isso a necessidade de agregar esse modelo de sustentabilidade em todos os setores de um país. Quebrar paradigmas deve ser o lema das empresas e órgãos que buscam contribuir para o avanço público. Ações alicerçadas a este ramo procuram gerar empregos com um ambiente profissional saudável e seguro, apoiando a formação do empregado. Essas atitudes também podem estar vinculadas a investimentos em programas voltados as questões ambientais dando apoio a agricultores, mudando automaticamente hábitos de vida e consumo. Programas visando inclusão social, disponibilizando cursos gratuitos de qualificação direcionados a famílias de baixa renda.
O modelo antigo usado por diversas empresas confundiam o seu verdadeiro propósito com a responsabilidade social, a atuação era fundamentada em doações, assistencialismo e donativos. Atualmente esse tipo de compromisso mudou sua mentalidade, pois vai além da questão humanitária, visto que se busca relações de qualidade que interfiram diretamente no negócio. Melhorando a qualidade de vida dos proletariados, interferindo também nos setores econômicos e ambientais da empresa. Gerir essas organizações não obriga a empresa a abandonar os objetivos econômicos, e sim agregar valores sociais. O novo modelo de gestão trará bons impactos à comunidade gerando empregos com boa renda financeira e qualidade, motivando a educação e melhorando as políticas ambientais.
Trabalhando com esse novo padrão de empreendedorismo, o estilista Ronaldo Silvestre, um dos pioneiros da ideia, busca quebrar vários paradigmas com suas criações. Além de basear toda a sua produção no conceito sustentável, fundou uma proposta de resgatar e divulgar o artesanato de sua região. Através desse planejamento surgiu o projeto “TECENDO ITABIRA” que gera renda e melhora a qualidade de vidas dos artesãos da cidade, além de ter o cunho de responsabilidade social a iniciativa valoriza a identidade Itabirana. Ronaldo Silvestre nasceu em Itabira, Minas Gerais. É designer formado pela universidade de Londrina e especialista em artes visuais pelo SENAC. Filho de mãe costureira, quando criança, reaproveitava os retalhos de tecidos para criar seus próprios brinquedos. Sempre olhando através do design para desenvolver projetos, e não somente típicas peças de roupas. Sempre embasado em questões sociais atuais, o estilista alinha a sustentabilidade ao seu design promovendo a preocupação com o meio ambiente. Além disso, seu processo criativo trabalha com a desconstrução de tecidos e formas para elaborar novas modelagens.
Ronaldo além de ser colunista da revista DeFato também já participou de vários concursos como ReadytoGo, onde foi convidado pela Fiemg e dividiu o primeiro lugar com a estilista Bárbara Monteiro da marca Mollet, e como prêmio ganhou um stand individual cedido pelo Sindivest-MG na feira de negócios do Minas Trend Preview que abriu muitas portas pra Ronaldo que conseguiu contratos com empresas de Belo Horizonte, Brasília e São Paulo. Depois participou do Dragão Fashion onde o tema era “mãos a obra, mãos a moda”,Ronaldo impressionou a todos com sua coleção sustentável e artesanal, seguindo o s princípios do Slow Fashion, com o tema “Flores da Guerra” inspirado no poema “A flor e a náusea” do também Itabirano Carlos Drumond de Andrade. Silvestre também já participou três vezes da Casa dos Criadores que acontece duas vezes ao ano em São Paulo. “A moda é um transformador social, mesmo com todos empecilhos políticos e descasos da cidade, vamos levando com muito amor e dedicação, sem barreiras”, diz Ronaldo Silvestre, “O nosso diferencial é que pegamos todos os tecidos, cortamos e transformamos em viés e aplicamos nas gazes de seda. Criamos uma nova estampa, em 3D, que garante a leveza da gaze”, explicou o estilista. Além de estilista consolidado, é consultor em desenvolvimento de coleção, tendências de mercado, tendências de materiais e aviamentos, planejamento e gestão de produção. Foi pioneiro no desenvolvimento e qualificação de projetos sociais em comunidades carentes: elaborando desde a linha de produção, o direcionamento e a viabilidade dos produtos, criando coleções de roupas e acessórios para cooperativas como a Justa Trama, Unisol Brasil, Cooper Fashion, Futurarte, A Cara do Sertão, Instituto Tecendo Itabira.
“A moda é um transformador social, mesmo com todos empecilhos políticos e descasos da cidade, vamos levando com muito amor e dedicação, sem barreiras”
Tecendo Itabira O instituto Tecendo Itabira é um organização não governamental (ONG) é foi fundada em 2009 com o intuito de ajudar na profissionalização da comunidade de Itabira, que visa à melhoria da qualidade de vida de mulheres carentes e a qualificação de mão de obra da região. Desde 2014 realizam projetos e ações engajadas em planejamento ambiental e ampliação na participação sociocultural e econômica da comunidade no processo e desenvolvimento local e da preservação ambiental. A inspiração foi criar um espaço onde cultura e ambiente criasse relações de identidade, onde as trocas de experiência fossem o principal foco das ações desenvolvidas, incentivando o desenvolvimento cultural, a Economia Criativa Solidária, a Auto Sustentabilidade e a Cidadania.
O Instituto tem aulas ministradas com o estilista e empresário Ronaldo Silvestre que leva a parceria com a ONG para suas criações, já que suas peças são feitas em parceria com os artesões do ITI. Em 2014 recebeu a certificação de OSCIP Federal, tornando se um projeto completo que ensina e aprende, a partir da valorização da cultura local e ambiental, sua arte e produção, aprimorando o trabalho de quem já é artesão e o descobrimento de novos profissionais. “A Missão do Instituto Ser Sustentável com Estilo é valorizar toda a cadeia produtiva de moda, criando um circulo virtuoso, criativo e rentável, unindo todas as esferas do mercado de moda ao desenvolvimento sustentável. O SSE é baseado em sete pilares: valorização das capacidades locais, comércio justo, capacitação e inclusão social, uso de materiais orgânicos, reciclagem/ reaproveitamento e upcycling, artesanato com design e, por último, moda sustentável com prestígio e memória nacional.”
Ronaldo fala Nós da Null, reconhecendo a importância do trabalho sustentável e valorizando profissionais que estejam engajados em respeitar as leis trabalhistas, em inserir pessoas no mercado de trabalho e ainda criar peças que respeitem o meio ambiente, buscamos conversar diretamente com o estilista Ronaldo Silvestre e conhecer ainda mais de seu trabalho a partir da ótica do próprio designer.
null: Quando você decidiu iniciar sua própria marca e como idealizou o seu público alvo? rs: Desde o primeiro ano da faculdade estava decido a ter minha própria marca. Focado no público fashion, que frequentavam Raves, e tendo em vista que o mercado alternativo naquela época estava se iniciando. Minha primeira marca foi a Ex-Madame, e tinha o conceito de moda incomum feita para pessoas descoladas. null: Como foi quando estabeleceu sua marca “Ronaldo Silvestre”, qual o processo de planejamento da marca? rs: Tudo aconteceu de maneira natural. Desde o meu processo de construção, o amadurecimento na maneira de pensar e em toda a e estruturação de uma coleção até aos desafios do design. Tive vivencia com moda desde a infância, minha mãe costurava para ajudar no orçamento da família e aproveitava os retalhos dos tecidos para fazer nossos brinquedos, assim aprendi a olhar a roupa não só como uma peça e sim um projeto. null: Como você descreve suas criações? rs: O produto que eu desenvolvo deixou de ser fashion e alternativo para se tornar um produto mais autoral e contemporâneo. No decorrer da transformação da moda criativa brasileira e do mundo, mantendo-nos atentos aos movimentos da moda, começamos a pensar e a realizar a moda com um diferencial sustentável. O tema foi até mesmo o meu trabalho de conclusão da universidade, trabalhei as fases de uso das roupas, além de usar peças que se transformavam em bolsas e objetos de design. Desde então minhas criações envolvem a responsabilidade social e sustentável, eu sempre trabalho pensando o ecodesign.
null: No seu site diz que você desde a infância aprendeu a olhar tudo como um projeto. Pode nos contar um pouco do seu processo criativo e como você começa a idealizar suas coleções? Existe algo presente em todas as coleções que você desenvolve? rs: Este é um ponto bem interessante. Minha primeira faculdade foi de desenho industrial direcionado para mecânica, e em todas as questões do processo de criação do design sempre pensávamos em resolver uma problemática: O QUE FAZER, PRA QUEM FAZER E COMO FAZER. Sempre pensei na moda como um processo de construção, continuamente avalio estas perguntas para poder criar com um diferencial. O ecodesign está presente em todas as coleções juntamente com o lado atemporal da moda, ou seja, você criar uma peça que hoje esta de acordo com a moda, e que daqui a 10 anos ela continuará com uma linguagem atual. null: Como você enxerga a evolução do seu trabalho, da primeira coleção até a atual? rs: Se você perceber pelas formas eu sempre procurei incorporar referências da minha infância e principalmente contos e poemas. No nosso processo, toda coleção tem que ter um conceito e tema a ser seguido, afinal, contamos uma história através da roupa. null: Como designer de moda você precisa estar sempre atualizado às tendências, às mudanças de comportamento do consumidor, às mudanças no ambiente, enfim, cada coleção existe uma leitura diferente do tempo em que vivemos. Qual sua leitura da contemporaneidade? Como isso influência nas suas criações? rs: Influência em todos os sentidos, desde a escolha dos tecidos e complementos para a produção. Mas o fator principal esta bem relacionado a antropologia e sociologia aplicados aos movimentos comportamentais da sociedade. Eu enquanto pessoa posso envelhecer, mas o meu trabalho não. Tenho que pensar o produto de acordo com o público alvo que quero atingir. Esta questão é bem delicada e é por isso que muitos estilistas desaparecem do mercado, por criarem produtos a partir do gosto pessoal ou copiam o que está sendo lançando, sem pensar no público alvo e principalmente sem entender o que o mercado esta pedindo, quais os rumos que a moda esta seguindo. Para criar moda você tem que estar sempre à frente do seu tempo, tem que entender os pequenos movimentos sociais e quais influências eles exercem ou irão exercer no comportamento da massa.
null: Quais são os desafios de se fazer uma moda sustentável? Conte-nos um pouco sobre o trabalho no Tecendo Itabira? rs: Sou fundador do projeto. Trabalhei com consultoria para cooperativas e grupos sociais durante muitos anos. O grande desafio é treinar e qualificar uma equipe para trabalhar e desenvolver um produto de moda de qualidade estando longe dos grandes centros. Trabalhamos um processo de lapidação do ser humano: ensinamos as técnicas e a forma de produção, mas principalmente trabalhando o mercado justo, em que todos os rendimentos são divididos de forma igualitária para todas as pessoas que trabalharam na produção. Hoje se você me perguntar “o que é moda?” Eu lhe respondo que moda é um agente de transformação social e principalmente de valorização e resgate dos valores e saberes humanos. null: A ideia de criar uma coorporativa com mulheres artesãs, surgiu a partir da sua percepção de que discutir a questão da sustentabilidade social era algo necessário na industria da moda, ou era um desejo/necessidade pessoal? rs: Eu acredito que todos nós temos um papel no mundo. Eu cresci vendo minha mãe costurar para ajudar no sustento da minha família, então sempre acreditei e trabalhei a moda como um processo de construção e de mudança social, acredito que o meu papel no mundo seja trabalhar a moda como agente articulador de mudanças sociais. E é o que esta sendo desenvolvido dentro de grandes marcas internacionais, como a Gucci, Stella McCartney entre muitas outras. null: O fato de todas as artesãs serem mulheres, tem algo haver com a questão da conscientização da valorização das mulheres no mercado de trabalho? rs: Em todos os projetos que desenvolvemos nunca direcionamos somente para o público feminino, deixamos aberto para as pessoas que tem um interesse pelo trabalho no mercado de moda. Em minha trajetória já desenvolvi projetos em grupos que tinham mulheres e homens trabalhando em conjunto, isto vai muito de região pra região. Itabira é uma cidade de mineração, então o público masculino sempre foi direcionado para a área de mineração. //