Reportagem - Beatriz Petrone

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Viagem igual, caminhos diferentes

E

descrição de um cotidiano no MASP Por Beatriz Hubner Petrone

ra uma quinta-feira, por volta das 10 da manhã. Havia vários hippies no vão do MASP (Museu de Arte de São Paulo), tanto homens como mulheres, de idades variadas. Mas aquelas duas companheiras conversando chamaram minha atenção. As abordei cautelosamente para não passar impressões erradas. Ruth e Magne tratavam de as-

quando tiram a gente”, afirmam. A rotina das jovens senhoras resume-se a acordar por volta das 7 horas, passar o dia expondo as peças até o momento que houver movimento na Avenida Paulista, ou seja, tarde da noite. Dormir, acordar e recomeçar o ciclo. Ruth Mendes (50) perdeu os pais aos 14 anos. Após o ocorrido, passou cerca de três me-

casa no Mato Grosso do Sul aos 13 anos. As duas utilizam a renda obtida para sustento e produção de novos itens. Magne, seguindo a ideologia hippie, também costuma viajar com a sua arte. Com exceção do Amazonas, ela já passou por todos os outros estados brasileiros. Ainda tem o sonho de visitar Londres, inspirada pela banda Sex Pistols.

Nesse momento, fomos interrompidas pela Dani, uma mulher que devia ter seus vinte e poucos anos e queria comprar uma touca. A Dani estava usando um vestido verde e por isso, Magne citou um filme chamado “A Esperança”, no qual, segundo ela, as personagens que tinham esperança no coração usavam cores verdes, enquanto o resto, preto e branco.

jovem que a minha, disse que fica em qualquer lugarzinho. Elas afirmam ter um público fixo: pessoas que gostam, admiram, compram e encomendam as peças. Perguntei como funciona o procedimento de encomenda, que me pareceu complicado. Mendes explicou, dizendo que o cliente pode pedir a peça para um determinado dia da semana seguinte, e

her que havia aparecido antes e consultado as peças, voltou para buscá-las. Kali Tourinho (20) estava acompanhada do seu parceiro de banda, Thiago. Ambos fazem parte do grupo Kali e os Kalhardos, onde ela é a vocal. Kali faz parte da freguesia fiel, tanto porque gosta do trabalho feito, como porque também já vendeu bolsas artesanais que ela mesma produzia.

suntos corriqueiros, sentadas próximas das peças que Magne produz: toucas, gorros, faixas e algumas pulseiras. Ambas confeccionam sozinhas os produtose habitam o MASP até acabar o estoque. Quando isso acontece, elas voltam para casa para produzir mais e continuar vendendo. Segundo elas, é mais cômodo ficar em um mesmo lugar por bastante tempo ao invés de ser nômade. “A gente só sai quando é obrigada,

ses vivendo embaixo de um viaduto com um grupo de punks. Ao conhecer alguns hippies, decidiu se juntar. Ela e seu marido moram em Parelheiros e costumam permanecer por, três ou quatro dias da semana no local. Além de precisar voltar para confeccionar, eles têm um filho que ainda está na escola. Trabalhando com pulseiras e colares artesanais, eles até aceitam encomendas. Magne Soares (54) saiu da sua

Tanto Magne como Ruth disseram que sofrem muito mais repulsa das pessoas nas cidades interioranas. Ao serem questionadas sobre a relação com São Paulo, elas discorreram sobre uma perseguição que ocorreria na semana seguinte: “Já começou na República, sabia? A perseguição é contra o artesão que viaja, quer dizer, o hippie, o maluco, é contra nós. Todas as leis que eles implantam é contra nós”.

Questionada sobre o comportamento dos policiais, Ruth diz “Ah, quando o prefeito não manda eles tirar nós, é de boa né”. Depois, ela contou que, alguns dias antes, eles avisam que ocorrerá a “perseguição” e pedem para os hippies se retirarem. E os que não se retiram, têm sua arte confiscada. Quando eles obedecem à ordem, geralmente saem sem saber para onde ir. A mulher, que tem 50 anos e aparenta uma alma mais

caso ela ou o marido não estejam lá para entregar, fica com alguma outra pessoa, uma vez que “a gente tem muitos amigos aqui”. Então, Magne começou a contar que precisa vender seu apartamento para seguir seu desejo rumo à Europa, que não foi realizado antes devido à gravidez. Magne finalizou a entrevista dizendo que o Homem deve amar mais que a Mulher, “porque ai ele te respeita”. Instantes depois, outra mul-

“Essas coisas eu sempre sempre procuro aqui. Gosto muito, e como já fiz isso, sei como é. Por isso, acho que acabei pegando um pouco do estilo também”, disse. Diálogos terminados, me despedi. Saí de lá com uma touca, duas pulseiras que, segundo Ruth, me trarão muita sorte, e uma das pautas que mais me identifiquei e adorei fazer. Elas, com certeza, ganharam mais uma cliente e admiradora fiel.


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