Design Andrea Carvalho - reportagem

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CRÉDITO: Andrea Rauscher

Pelo corredor do Fórum do Brás, internos da Fundação Casa aguardam com ansiedade pelo julgamento e os próximos passos em liberdade Por Andrea Rauscher Torres de Carvalho

O futuro para quem ainda enfrenta

o passado

Fachada do Fórum do Brás, onde os internos da Fundação Casa sonham com a liberdade e os próximos passos.

E

m meio aos antigos prédios que sobreviveram às transformações da cidade, uma acinzentada fachada, datada de 1916, se destaca em uma rua no tradicional bairro doBrás. Na parede, descascada pela má conservação, uma discreta placa do Poder Judiciário indica: Fórum das Varas Especiais da Infância e da Juventude.Uma imponente porta de ferro, adornada com o brasão da República Federativa do Brasil e com uma nau portuguesa do século XVI, dá acesso ao prédio onde são traçados os destinos de adolescentes em conflito com a Lei. Rapazes vestidos com uma camisa azul da Fundação Casa e um tênis iate da mesma cor enfileiram-se, como cantam Gil e Caetano, “com a pureza de meninos uniformizados de

escola secundária em dia de parada”. Encostam-se à parede de um comprido corredor, pelo qual ecoam curtas, porém intensas histórias de vida – revelam-se adolescentes de baixa renda, em situação escolar irregular e que, abandonados pelos pais, dividem com os irmãos a atenção de mães sozinhas. “Sou mãe e pai ao mesmo tempo”, conta uma mulher que deu à luz doze filhos. Abraçados às mães, muitos infratores derrubam lágrimas, convertendo as entrevistas em irresistíveis conselhos e consolos. “Ele [o juiz] não vai me ouvir, eu sei que não”, reclama um adolescente cabisbaixo, enquanto estala os dedos da mão. Espiando curioso pela fresta da porta, outro rapaz observa o magistrado que

decidirá sobre seus próximos passos na audiência de instrução e julgamento, designada para aquela tarde. Considerados pessoas em desenvolvimento, os adolescentes não se submetem às penas de caráter retributivo do Código Penal, mas estão sujeitos às medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – objeto de acaloradas discussões sobre a maioridade penal. Arestrição de direitos e a privação da liberdade, como a internação na Fundação Casa, são admitidas com a finalidade pedagógica de se alcançar a reeducação e a ressocialização dos infratores. A adolescência à flor da pele transparece pelos comentários rebeldes, disparates quando proferidosdos colos das mães. Discursos românticos sobre


CRÉDITO: Marcos Santos/USP Imagens

CRÉDITO: Andrea Rauscher

Enquanto se espera pela sentença, a Fundação torna-se a verdadeira casa de alguns jovens já sem esperanças de um futuro e de uma vida melhor.

uma “vida do crime” idealizada contrastam com as declarações de arrependimento: “A gente acha que as consequências nunca vão acontecer com a gente, mas uma hora elas batem na nossa porta”, lamenta um menino. Mas,dentre todas as vozes, a que ressoa é o triste desalento de uma mãe: “No fim, que futuro eles têm?”. Não apenasatrás das grades da Fundação Casa, os adolescentes estão presos ao próprio passado: a infância em meio às famílias instáveis, a adolescência nas ruas de periferias (e não nas escolas), a privação de oportunidades e o envolvimento em infrações como roubo e tráfico de drogas. Enquanto este passado

ainda os acompanha, o futuro lhes parece muito distante para o alcance de suas mãos.“Nunca pensei sobre ele, vivo o dia de hoje”,diz um rapaz. Mas a internação pode – e deve - ser transformadora. Os olhos de adolescentesinfratores primários, que lutam por uma identidade,antecipam tímidas reflexões e anseios pelo futuro. Suas palavras confirmam com convicção: “Foi a primeira e última vez. Quero alcançar a estabilidade, crescer na vida e ajudar a minha família”. Mas e quanto aos sonhos? Pelo corredor do Fórum do Brás, respondem em um coro desordenado: “Meu sonho é a liber-

dade”, tão sufocada dentro da Fundação Casa. Diante de ilusões e desilusões, esperanças e desesperanças, os adolescentes enfileirados como pequenos soldados, encostados ansiosos à parede daquele corredor,ilustram – ainda na ironia poética de Gil e Caetano - a “grandeza épica de um povo em formação”. Masao menos um dos meninos exibe um sorriso largo no rosto: aquele sonho da liberdade, relatado alguns minutos antes, se concretiza; enão demora a surgir o próximo, ser jogador de futebol. Sonho difícil, mas “se eu não tiver esperança, quem vai ter por mim?”.


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