Chanceler
Dom Dadeus Grings Reitor
Joaquim Clotet Vice-Reitor
Evilázio Teixeira Conselho Editorial da Série História (Editor) Jurandir Malerba
Charles Monteiro Klaus Peter Kristian Hilbert Flávio Madureira Heinz
Conselho Editorial
Ana Maria Lisboa de Mello Armando Luiz Bortolini Augusto Buchweitz Beatriz Regina Dorfman Bettina Steren dos Santos Carlos Graeff Teixeira Clarice Beatriz de C. Sohngen Elaine Turk Faria Érico João Hammes Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jane Rita Caetano da Silveira Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente Lauro Kopper Filho Luciano Klöckner Nédio Antonio Seminotti Nuncia Maria S. de Constantino EDIPUCRS
Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe
Série
11
Margaret Marchiori Bakos
Porto Alegre e seus eternos intendentes 2ª edição
Porto Alegre, 2013
© 2013, EDIPUCRS CaPa E EDITORaÇÃO ELETRÔNICa Camila Provenzi ImagEm DE CaPa Nilton Wainer ImagENS, gRáfICOS E TabELaS Daniel madruga REVISÃO DE TExTO Caren Capaverde ImPRESSÃO E aCabamENTO
Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33 Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – Brasil Fone/fax: (51) 3320 3711 e-mail: edipucrs@pucrs.br - www.pucrs.br/edipucrs.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B168P
Bakos, Margaret Marchior Porto Alegre e seus eternos intendentes / Margaret Marchiori Bakos. – 2. ed. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2013. 220 p. – (Série História . 11)
ISBN 978-85-397-0270-1 1. Porto Alegre – História Política. 2. Urbanização – Porto Alegre. I. Título. CDD 320.981651 ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da bC-PUCRS.
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Aos meus pais, Nair e Alvino, que vieram do interior do Estado para dar estudo aos seus filhos.
Sumário Prefácio à nova edição Prefácio
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Porto alegre e seus eternos governantes
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Porto alegre: a sala de visitas do rio grande do sul As origens históricas | 21 A “mui leal e valorosa” capital do Estado
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Uma cidade capitalista: problemas sociais | 36
A continuidade administrativa
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Da intendência à prefeitura | 40 O eterno intendente | 50 Um político no poder executivo | 59 Um industrial na administração | 63 De Conselho à Câmara Municipal | 72
MuniciPalização e endividaMento O problema e os empréstimos
| 81
Os empréstimos externos de 1909, 1922, 1926 e 1928
| 89
a Habitação: ProbleMa e Projetos Político-econôMicos Do final do século XIX a 1924 | 119 De 1924 a 1928
| 138
De 1928 a 1937
| 152
considerações finais
| 173
Política na sala de visitas (1889-1897) referências Bibliografia geral Fontes primárias
| 179
| 197 | 206
Almanaques, anuário, boletins | 206 Anais e relatórios | 207 Correspondência e minutas | 209 Jornais | 210 Leis, decretos, atos e resoluções | 211 Revistas | 212 Teses e monografias | 213
Arquivos particulares índice reMissivo
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Prefácio à nova edição
Esta nova edição do livro por mim publicado há dezesseis anos deve-se ao fato de a obra ter-se firmado como referência na área, tanto para profissionais como para interessados na história da capital rio-grandense. A obra foi sendo gerada ao longo do curso de doutorado realizado na Universidade de São Paulo (USP) entre os anos de 1982-1986. Sobre as ideias básicas da pesquisa, Sérgio da Costa Franco disse, de forma elogiosa, que se tratava de um ensaio sobre a administração castilhista da capital do Estado e que abordava o tema “com muita lucidez de vistas”.1 Na presente reedição, procurou-se levar em conta a permanência de seu texto como fonte de informação bibliográfica privilegiada sobre a história socioeconômica e política de Porto Alegre no período da República Velha, isso devido à ênfase conferida a uma fase em que a capital do Estado ganhou significativa relevância para o governo, na ótica positivista: tratava-se de uma vitrine que exibia a modernidade da administração republicana, rumo à ordem e ao progresso. Em verdade, o ano de 1897 marca o início de um período denominado continuísmo no governo da cidade, por isso esse é o 1
COSTA FRANCO, Sérgio. Historia Local (crônica). Zero Hora, Porto Alegre, 13 jun. 1988.
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Margaret Marchiori Bakos
tema central deste livro, que historia as estratégias empregadas, responsáveis pela permanência no poder, ao longo de quarenta anos, de apenas três intendentes municipais: José de Aguiar Montaury, que governou a cidade durante 27 anos, Otávio Rocha, que faleceu durante o mandato, e Alberto Bins, vice-intendente que o substituiu e permaneceu à testa do governo de Porto Alegre por mais 13 anos. Ao longo do livro, pode-se perceber que, a cada eleição de um novo período de governo perrepista, entrava em jogo o “voto cabresto” e/ou em aberto, que auxiliava a alcançar, principalmente com os votos dos funcionários públicos, o número necessário de eleitores para as sucessivas reeleições dos governantes locais, tanto em âmbito municipal como no estadual. Tais procedimentos levaram à Revolução de 1923, de triste memória, cujo tratado de Pedras Altas pôs um fim à hegemonia do Partido Republicano no governo do Rio Grande do Sul e ao continuísmo político na capital do Estado. Com a intenção de tornar a publicação mais didática e informativa, no que concerne aos primeiros tumultuados anos da administração pública municipal de Porto Alegre, quando da virada da monarquia para a república, agregou-se a este volume uma pesquisa direcionada ao contexto sulista entre os anos de 1889 a 1897, anteriores à instalação do Partido Republicano do Rio Grande do Sul (PRR) no governo da cidade. A fonte da Talavera, no primeiro plano da fotografia estampada na capa deste volume, localizada na Praça Montevidéu, em frente à Prefeitura Municipal, foi um presente das colônias espanholas aos gaúchos, em 1935, em homenagem ao centenário da Revolução Farroupilha. O destaque é merecido, pois ela segue sendo “um dos mais importantes patrimônios históricos da cidade e do Estado”.2 2
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KLERING, Luis Roque. Viva o sul, ano 3, n. 24, out. 2000.
Porto Alegre e seus Eternos Intendentes
Por último, um agradecimento especial à EDIPUCRS, por esta primorosa segunda edição, que conferiu um tratamento de excepcional qualidade às imagens, tornando-as, como deseja todo o historiador contemporâneo, um fator de embelezamento de seu texto e, principalmente, uma fonte de consulta, agregando maiores esclarecimentos sobre os fatos apresentados. Porto Alegre, a sala de visitas do Rio Grande do Sul, bem o merece! Margaret Marchiori Bakos
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Prefácio
O Rio Grande do Sul é um dos poucos estados brasileiros a contar com uma pujante corrente de estudos relativos à história urbana. Em 1992, ao publicar-se, sob a organização do professor Günter Weimer, o volume coletivo Urbanismo no Rio Grande do Sul (Porto Alegre: Editora da Universidade-Prefeitura Municipal), a professora Margaret Marchiori Bakos dele participou apresentando, às páginas 75 a 91, alguns dos temas que abordara em tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo em 1986. Faltava ainda, no entanto, a publicação integral da mencionada tese, que representa uma contribuição original e relevante à História regional gaúcha na área dos estudos urbanos, como já acontecera com a dissertação de mestrado, publicada em 1982, no setor dos estudos acerca da escravidão e sua abolição. A autora partiu do contraste seguinte que constatou: enquanto, no período 1897-1937, Porto Alegre só conheceu três intendentes em seu governo (José Montaury de Aguiar Leitão, Otávio Rocha e Alberto Bins), outras importantes capitais brasileiras, no mesmo período, foram administradas, cada uma, por um número elevado de políticos − cinco vezes a cifra de Porto Alegre em São Paulo, sete vezes em Belo Horizonte, nove vezes no Rio de Janeiro, para citar alguns exemplos. Assim, a continuidade (ou, é lícito dizer-se, nesse | 13
Margaret Marchiori Bakos
caso, o continuísmo) no governo municipal da capital sulina configura-se, de fato, em enigma histórico que merece elucidação. A professora Margaret empreendeu o trabalho em tal sentido nos quadros de uma história urbana estreitamente atada à questão do poder municipal, mas também e principalmente estadual, já que, como demonstra, o continuísmo no município da capital liga-se a uma estratégia e a um projeto do Partido Republicano do Estado. As quatro décadas examinadas foram os períodos de maior importância na urbanização de Porto Alegre, como mostram, sem lugar a dúvidas, os dados coligidos em minuciosa pesquisa em fontes primárias, bem como a precariedade mesma dos indicadores urbanos locais em 1897. Tempo, aquele, em que um projeto ideológico que via na capital a “sala de visitas” do Estado recebe o escrutínio da autora. Ora, numa metáfora simpaticamente doméstica, ela mostra que o que mais se fez nesses quarenta anos foi varrer o lixo para debaixo do tapete da famosa sala de visitas! Em outras palavras: acumularam-se os problemas sempre; ou ficaram sem solução real e se agravaram ao longo dos anos, ou no máximo conheceram paliativos, imediatistas, na ausência de qualquer planejamento urbano efetivo. Nessa moldura geral, priorizam-se dois mencionados problemas. Primeiro, o do endividamento municipal em função, por exemplo, dos empréstimos externos contraídos em diversas ocasiões, bem como de uma má distribuição da renda tributária entre os níveis estadual e municipal. Em segundo lugar, o problema da habitação, setor em que as políticas do poder público favoreceram muito mais a especulação imobiliária e a construção civil de maior porte do que atenderam às pressões pela oferta de moradias populares em número suficiente, ou aos protestos contra aluguéis inacessíveis aos assalariados. A autora conclui com o desejo de que se empreenda pesquisa semelhante à sua, no tocante a Porto Alegre pós-1937. E eu chamo 14 |
Porto Alegre e seus Eternos Intendentes
a atenção para o fato de que são muitas as capitais brasileiras, mesmo entre as maiores, que ainda não contam com estudo algum do calibre deste que, com garra e inteligência, o esforço da professora Margaret nos brindou. Ciro Flamarion Cardoso Professor titular (Universidade Federal Fluminense, Depto. de História)
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Porto Alegre e seus Eternos Governantes
Quem conhece Porto Alegre está familiarizado com os nomes de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, José Montaury de Aguiar Leitão, Otávio Rocha e Alberto Bins, porque eles indicam algumas ruas importantes. Poucos relacionam esses personagens com a História da cidade, muitos nem cogitam saber por que eles foram eternizados nas placas que referem artérias desse espaço urbano. Conhecer a história da cidade onde se vive é construir uma parte da nossa cidadania, é aprender a valorizar cada paralelepípedo das ruas, cada monumento significativo, cada construção que marca momentos das atividades do comércio, da indústria e da vida cultural. Nesse sentido, os governantes e seus atos complementam esse conhecimento e estreitam nossos vínculos com a realidade, iluminando o papel dos indivíduos na História: o nosso e o dos nossos governantes. O administrador de uma cidade, se eleito pelo povo ou, em épocas de autoritarismo, indicado, tem um papel representativo extraordinário na condução de nossas vidas. De livre vontade, ou sob pressão, ele ratifica as decisões que qualificam o dia a dia da população. Informar-se disso, conscientizar-se da importância das decisões dos homens públicos ou tentar participar delas conduz a mais cuida| 17
Margaret Marchiori Bakos
do e maior exigência em relação às pessoas em que votamos para o exercício de cargos públicos. A duração de um mandato de prefeito, atualmente, é de quatro anos, e as reeleições são restritas. Houve tempos em que isso não acontecia. A pesquisa aqui apresentada gira em torno do período de quarenta anos, entre 1897 e 1937, em que a cidade de Porto Alegre foi governada por apenas três intendentes. Esta pesquisa foi a base da minha tese de doutoramento em História, na Universidade de São Paulo, defendida em outubro de 1986. Como aquela ocasião exigia, escolhi um título sisudo: A continuidade administrativa no governo municipal de Porto Alegre: 1897-1937. Esta publicação traz a público ideias e posicionamentos até então restritos a pesquisadores ligados, em geral, a cursos de pós-graduação e desejosos de um conhecimento mais específico sobre a História da capital sul-rio-grandense. Seu objetivo é assim analisar o período por mim chamado “fenômeno continuísta”, que marcou a direção política da cidade, de 1897 a 1937. Esse fato traz à tona a sangrenta Revolução de 1923, no Rio Grande do Sul, que teve como uma de suas premissas o desejo de impedir a perpetuação dos governantes no Estado. Isso incluía Borges de Medeiros, presidente do Rio Grande do Sul, e José Montaury de Aguiar Leitão, intendente de Porto Alegre. Várias poderiam ser as explicações para uma permanência de tantos anos no poder. Ocorreu-me a hipótese de que tal continuísmo caracterizasse o momento histórico brasileiro. A hipótese, no entanto, não se comprovou diante da constatação de que o mesmo não se repetiu em outras importantes capitais da Federação. Durante as Repúblicas Velha e Nova, São Paulo teve 15 governantes; Recife, 18; Belo Horizonte, 21; e Rio de Janeiro, 27. Com a ideia de que a análise histórica de uma pequena cidade ou região deve ser feita a partir da compreensão da realidade maior 18 |
Porto Alegre e seus Eternos Intendentes
na qual se insere, relacionei a realidade municipal à realidade regional, pois o período 1897 a 1937 foi decisivo no desenvolvimento da produção capitalista do Rio Grande do Sul. Isso implicava continuísmo do governo municipal. Porto Alegre, já à época a capital do Estado, gozava de uma importância singular pelo papel desempenhado na consolidação da hegemonia do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Tornava-se assim imperativo que o intendente fosse pessoa do partido, gozando das simpatias e das confianças do presidente do Estado e de grande parte dos correligionários. O que era esperado dessas pessoas diretamente vinculadas ao presidente do Estado na administração pública municipal de Porto Alegre? Para responder a essa questão, dividi o trabalho em três capítulos. O primeiro objetiva demonstrar que o continuísmo na Intendência era o certificado de que o intendente correspondia à confiança que o partido lhe depositava e era fundamental para manter a hegemonia do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). O segundo capítulo historia a implantação em Porto Alegre dos serviços públicos de primeira necessidade, responsáveis pelo desenvolvimento capitalista da cidade e pelo fortalecimento da política partidária do PRR. O terceiro capítulo, finalmente, investiga os objetivos do poder público municipal de Porto Alegre, concernente à questão da habitação. Alguns desses capítulos foram sintetizados e isoladamente apresentados em conferências e depois publicados. Neste livro, o texto é semelhante ao original da tese e reproduz as referências e citações que lhe conferem o caráter de trabalho científico e acadêmico. Apesar disso, a leitura é fácil, pois narra fatos significativos da história brasileira, como aconselha George Duby, de forma descontraída, buscando explicá-los a partir de uma visão de mundo racional. | 19
Margaret Marchiori Bakos
Muitas e importantes pesquisas sobre a História da cidade foram divulgadas depois desse trabalho. Algumas delas até mesmo o desconheceram, exatamente pelo fato de que ele não foi divulgado ao grande público de forma adequada. Pela impossibilidade de realizar agora um levantamento bibliográfico exaustivo, meu objetivo, com esta publicação, é iluminar, através dessa pesquisa realizada principalmente em base a fatos resgatados na análise de dados oficiais, de arquivos públicos e de particulares, bem como da imprensa, o processo histórico de Porto Alegre. Fundamentalmente o processo que, em 1937, levou Alberto Bins, às vésperas de ser afastado do governo de Porto Alegre pelo golpe do Estado Novo, a confessar a Flores da Cunha, interventor no Estado, que 20 mil contribuintes tinham solicitado moratória à Câmara Municipal. Segundo as palavras de Alberto Bins, a cidade de Porto Alegre estava ingovernável. A autora
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Porto Alegre: A Sala de Visitas do Rio Grande do Sul
As origens históricas As origens de Porto Alegre remontam aos primórdios da efetiva ocupação portuguesa dos territórios ao sul do país, ambicionados pelos castelhanos. À vinda de lagunenses, aqui chegados para defender o Rio Grande, e à de casais açorianos, para povoar as terras das Missões, que haviam passado a Portugal pelo Tratado de Madrid, deve-se a construção do primeiro aglomerado de palhoças às margens do Guaíba no decorrer da segunda metade do século XVIII. Após quase 20 anos de espera, os açorianos começam a receber as terras prometidas no país, ao que segue o paulatino desenvolvimento das primeiras freguesias em Mostardas, Estreito, São José do Norte, Taquari, Santo Amaro, Santo Antônio da Patrulha, Cachoeira e Conceição do Arroio. Porto Alegre faz parte do seleto grupo de cidades gaúchas de tão remotas origens históricas. O pequeno número explica-se pelo próprio processo de povoamento da região. No Rio Grande do Sul oitocentista, as grandes unidades de criação exercem, através de seus | 21
Margaret Marchiori Bakos
estancieiros-soldados, verdadeiro controle administrativo regional. O poder dos grandes proprietários de defender seus interesses pessoais choca-se amiúde com o dever dos comandantes militares de realizar os desígnios da Coroa Portuguesa. Em 1803, o Governador da Capitania reivindica ao rei a criação de quatro municípios para administrar mais facilmente as catorze povoações existentes. Em 1809, Dom João VI estabelece a primeira divisão territorial administrativa do Rio Grande do Sul.1 Porto Alegre, elevada à categoria de Vila, em 1810, torna-se uma das sedes dos quatro municípios criados. O mesmo sucede em outras regiões brasileiras, onde a fundação de vilas também corresponde à necessidade de estender às áreas desertas, como diz Maria Isaura Pereira de Queirós, “os elementos administrativos indispensáveis ao entrosamento com a sociedade global”.2 Em 15 de novembro de 1822, a vila de Porto Alegre recebe foros de cidade.3 A partir dessas primeiras organizações administrativas e mediante os processos históricos peculiares, constituem-se os municípios rio-grandenses atuais. Com o passar dos anos4, modifica-se a divisão original dos municípios gaúchos, e a área territorial que inicialmente cabia a Porto Alegre reduz-se, sendo que em 1889 o primitivo município de Porto Alegre dá origem a 13 municípios menores.5 MACEDO, F. R. de. Porto Alegre − origem e crescimento. Porto Alegre: Sulina, 1968. Foi o grande crescimento da Capitania e a sua extensão em duas linhas que se cruzavam em Porto Alegre o que levou o governador Paulo José da Silva Gama, que assumira em 30 de janeiro de 1803, a elaborar aquele censo e com ele reivindicar a criação dos quatro municípios para administração melhor dos 14 centros povoados. (p. 68). 1
2 PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. O coronelismo numa interpretação sociológica. In: FAUSTO, Boris (Org.). O Brasil republicano III. 2. ed. São Paulo: Difel, 1977, p. 180 (Coleção História Geral das Civilizações, 8). 3
RIOPARDENSE, F. Porto Alegre: origem e crescimento. Porto Alegre: Sulina, 1968, p. 83.
Para acompanhamento desse processo de formação do atual município de Porto Alegre, ver: LEI orgânica do município de Porto Alegre de 1892. In: Leis, decretos, atos e resolução. Porto Alegre: A Federação, 1928, p. 33. LEI orgânica promulgada pela Lei n. 286, de 5 de março de 1936. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1936, p. 27. 4
5 FRANCO, Sérgio da Costa. Aspectos históricos e geográficos. Porto Alegre, s/ed., s/d., p. 29. Trata-se de histórico profundo e sério sobre o desdobramento municipal de Porto Alegre.
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Porto Alegre e seus Eternos Intendentes
A importância de Porto Alegre no contexto gaúcho não se reduz, no entanto, às suas remotas origens históricas ou territoriais. Desde os seus primórdios, desenvolve-se no vilarejo intensa atividade comercial através de seu porto, cuja localização é privilegiada pela profundidade das águas nesse ponto e pela proteção que oferece às embarcações em relação aos ventos.6 Sua importância é fundamental, como bem mostra Laudelino Medeiros, na medida em que favorece a movimentação de pessoas, ideias e produtos: Porto Alegre, na depressão central, situada na confluência de uma rede de caminhos fluviais e terrestres, a cem quilômetros da orla marítima, será também o ponto de chegada e partida para o mar. Vão se concentrar aí interesses políticos, militares e econômicos, será também para o interior e exterior, um estuário cultural.7
Dados de 1870 revelam uma concentração de 64% da população rio-grandense na depressão central, sendo Porto Alegre o escoadouro de sua produção. No litoral, encontra-se cerca de 28% da população, e apenas os 8% restantes espalham-se pela Campanha.8 A análise que faz Alda Gravina dos registros do movimento de importação e exportação do porto de Porto Alegre confirma sua significância regional e justifica a criação de uma Alfândega, no remoto ano de 1804.9 Entre 1820 e 1858, a primazia comercial da Província passa para Rio Grande, cidade portuária próxima à zona das charqueadas, pois o charque torna-se extremamente valorizado no período em todo o país.10 6 DEBIAGI, Moema C. O desenvolvimento habitacional de Porto Alegre e sua relação com o Rio Guaíba. Porto Alegre: PROPUR, 1984, p. 1.
MEDEIROS, Laudelino. As cidades no Rio Grande do Sul. In: PRADO, Áurea et al. Rio Grande do Sul: terra e povo. Porto Alegre: Globo, 1964, p. 73-4.
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SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Nacional, 1977, p. 149.
MORAES, Alda Gravina de. Raízes e desenvolvimento do comércio em Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 1980. Monografia (Curso de Especialização em História do Rio Grande do Sul), Faculdade de História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1980. (mimeo) 9
10 SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Editora Nacional, 1977, p. 161.
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Margaret Marchiori Bakos
Em 1822, Porto Alegre, elevada à categoria de cidade, vai recuperando sua importância inicial à medida que imigrantes europeus povoam a região serrana, ao norte da Província. Os primeiros alemães chegam em 1824 à colônia de São Leopoldo, nas cercanias de Porto Alegre. Eles vêm aos poucos, somando em 1929 aproximadamente 223.000 imigrantes.11 Gradativamente, constitui-se a chamada “zona colonial”, às margens de cinco rios que convergem para o estuário do Guaíba. Como os colonos precisam aguardar em Porto Alegre o transporte que os levará ao seu lugar de destino, propicia-se a formação, longe da cidade, de um conglomerado de choupanas para seu abrigo, onde passam a fazer um variado artesanato. Estendem-se, assim, os contornos urbanos de Porto Alegre para além dos seus muros de proteção e acresce-se à sua população os imigrantes que decidem permanecer. O artesanato começa a conquistar mercados de consumo permanentes no Sul, onde se localiza o conjunto urbano inicial da cidade, e no leste, na rota de carretas de viajantes, ao longo de uma várzea alagadiça, chamada, apropriadamente, Navegantes. Essa, aliás, permanece a denominação do bairro industrial e de moradias operárias que posteriormente ali se desenvolverá. Com a diversificação da produção, Porto Alegre atrai migrantes do meio rural ou de centros urbanos gaúchos menores e imigrantes de diferentes nacionalidades. Segundo Fernando Henrique Cardoso, esse fenômeno está na base do processo histórico de formação do “trabalhador da cidade”.12 A melhoria dos meios de comunicação, propiciando os contatos de Porto Alegre com outras regiões do Estado, facilita o desenrolar desse processo na capital rio-grandense. PETRONE, Maria Thereza Schörer. O imigrante e a pequena propriedade. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 12. 11
12 CARDOSO, Fernando Henrique. A cidade e a política. São Paulo: CEBRAP, 1972, p. 30 (CEBRAP, 70).
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Porto Alegre e seus Eternos Intendentes
A construção da primeira estrada de ferro, ligando a cidade a São Leopoldo, em meados do século XIX, inaugura eficiente meio para o escoamento de sua produção. O trecho inicial, constantemente ampliado, vai atingindo outras localidades do Estado. No início do século XX, Porto Alegre torna-se o centro do sistema ferroviário regional enquanto Rio Grande e Pelotas ocupam essa posição apenas no Sul do Estado. Concorda-se com Hélio Vianna Júnior quando ele salienta a relação existente entre as ferrovias e o crescimento das cidades brasileiras, conforme segue: A construção de ferrovias, inicialmente servindo para o transporte aos portos dos produtos agrícolas do interior, vem a constituir um dos elementos mais importantes na formação da estrutura interna dos principais núcleos urbanos brasileiros.13
Acelera-se, juntamente ao processo de desenvolvimento econômico, o crescimento da cidade em termos populacionais. Os 73.674 habitantes da virada do século somam em 1910 a 115.791 pessoas, dado que significa, segundo Carone, a saída de Porto Alegre do grande grupo de cidades brasileiras com menos de 100.000 habitantes para ocupar um lugar entre aquelas de população variável entre 100 e 200 mil.14 Pode-se considerar como extraordinária a população de Porto Alegre no período se a comparar com a de Rio Grande, segunda cidade mais importante da região e que contava com 45.000 habitantes, ou seja, 1/3 da capital do Estado.15 Em 1920, a população atinge a 181.985 habitantes, passando para 256.550 dez anos depois. A capital conquista agora, junto a Salvador, Recife e Belém, um lugar entre o pequeno grupo de cida13 VIANNA JR., Hélio. A estrutura interna da cidade. In: BRASILEIRO, Ana Maria et al. Desenvolvimento e política urbana. Rio de Janeiro: IBAM, 1976, p. 101.
CARONE, Edgard. A República Velha. Instituições e classes sociais. 4. ed. Rio de Janeiro: Difel, 1978, p. 12. 14
15 SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Editora Nacional, 1977, p. 180.
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