Emoções Plásticas 2.0

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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro DAU - Curso de Arquitetura e Urbanismo ARQ1109 - Proposta de projeto Final Orientação: Verônica Natividade

Camila Rodriguez (1120727)

EMOÇÕES PLÁSTICAS (ou Identidade x Arquitetura)


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Índice Considerações Iniciais (ou #NãoMeRepresenta) ....................................................5 Tema ............................................................................................................................... 7 Questão..........................................................................................................................7 Objetivos........................................................................................................................ 7 Não-Geração (ou Grupo Desconexo de Pessoas Empáticas) ............................... 9 Busca Pela Identidade (ou Paradoxo da Não Rotulação Rotulada) .......................15 Pessoa Pato (ou Corpo Decorado) ............................................................................ 19 Design Emocional (ou Da Manipulação à Autonomia) .............................................23 Emoções Plásticas (ou Arquitetura Humana)..........................................................25 Estratégias metodológicas ........................................................................................33 Cronograma de Trabalho ............................................................................................ 35 Escopo Final de Produtos ...........................................................................................35 Anexo 1 ..........................................................................................................................37 Anexo 2 .........................................................................................................................41 Anexo 3 ..........................................................................................................................43 Anexo 4 ..........................................................................................................................44 Anexo 5 ..........................................................................................................................47 Bibliografia ....................................................................................................................49

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Considerações Iniciais (ou #NãoMeRepresenta) A Proposta de Trabalho de Conclusão de Curso a seguir consiste em uma visão pessoal da relação entre o corpo (sendo esse invólucro e meio de expressão da mente) com o mundo construído (aqui tido como a arquitetura, o urbanismo e a vida que se dá em ambos).

Com base na minha trajetória pessoal, durante quase seis anos no Curso de Arquitetura e Urbanismo, proporciono uma visão jovem do mundo que me rodeia [partindo do fato de que a maioria dos estudos sobre pessoas da minha idade é feita por ppesquisadores de mais de 35 anos OLIVEIRA, (GOMES, ALMEIDA, SANTOS, ALENCAR, BRESMAN)]. Mundo esse que não me representa. Quis, portanto, entender esse meu sentimento, que se mostrou muito presente especialmente no último ano (ver Anexo 1).

Nasci em 1993. Segundo sociólogos e estudiosos, faço parte da Geração Y, ou Millenials. Mas tal geração começa nos anos 1980 e eu represento o fim dela. Se fosse dois anos mais nova, seria da Geração Z. Mas também não me identifico, visto que o grupo dela vai até nascidos em 2010 (ver Anexo 2). Faço parte de um meio termo não identificado, não contemplado em sua totalidade. Talvez por tal totalidade ser extremamente fluida. Faço “Eu não possuo nenhum talento especial. Eu sou apenas apaixonadamente curioso” - EINSTEIN, Albert (Fig.1)

parte de uma não-geração.

Baseando-me nessa visão de mundo entre gerações, com foco na busca por identidade numa sociedade massificada, proponho uma experiência de autoconhecimento, que se utiliza da origem sociológica psicológica dos métodos de massificação comerciais para atingir a individualização. A mente é o cerne e o corpo expressivo, o instrumento para entendê-la.

Do ponto de vista tecnológico, investigarei processos de arquitetura performática, responsiva e fabricação digital, contemplando também o mundo da moda tecnológica.

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Tema Representatividade individual na arquitetura

Questão É possível dar voz a uma geração incompreendida num meio rígido? Como tratar da fluidez do ser contemporâneo perante a solidez do mundo construído? O meio pode ser mais suscetível às mudanças pessoais em vez de opressor?

Objetivos • Conceitual: Expressão das emoções, não-categorização das gerações, inclusão e representatividade, autoconhecimento. • Tecnológico: construção de uma pele interativa que, junto a uma peça de vestuário (wearable) dotada de sensores, processa dados com uma placa de Arduino e reage com motores e luzes.

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Não-Geração (ou Grupo Desconexo de Pessoas Empáticas) Num mundo em rede, onde trocas são intensas e rápidas e o conhecimento se multiplica progressivamente, é muito difícil categorizar pessoas. São muitas as divisões e, a cada instante, elas se provam erradas e/ou insuficientes. Grandes coletivos não podem retratar a singularidade. Uma pessoa pode identificar-se com diversos coletivos.

“Qualquer tentativa de nos identificarmos totalmente como um ‘nós’ coletivo será necessariamente um fracasso” - BUTLER, Judith (Relatar a si mesmo, 2015)

Uma das tentativas de coletivização é a das gerações (Anexo 2), que tenta organizar o tipo de personalidade de um indivíduo através da época na qual cresceu, para fins de análises comportamentais (comerciais, em sua Estereótipos de Millenials (Fig.2)

maioria). Até os anos 80, as gerações consistiam em pessoas que nasciam a cada, aproximadamente, 20 anos. Fatos históricos de escala mundial eram levados em conta para tal divisão, como a 2a Guerra e a ida do homem à Lua (WALLOP, 2014). Hoje, com o avanço tecnológico e a rapidez proporcionada, as gerações separam-se em 15 anos. Tais fatos e invenções mudam o modo de viver e ver o mundo, mas é uma enorme pretensão achar que, apenas por viverem um mesmo momento, pessoas

Estereótipo da Geração Z (Fig.3)

de idades semelhantes pensam iguais. E 15 anos continua sendo um espaço de tempo muito grande. Como tratar de pessoas de 5 e 20 anos num só grupo?

“We found no research questioning what has become conventional wisdom about Millenials. Could it really be true that a 25-year-olds in Brazil have the same ideals and longing as those in Thailand? Are Millenials in the AsiaPacific countries as focused on work-life balance as in North America?” - BRESMAN, Henrik (Understanding a Misunderstood Generation, 2016) “Não encontramos nenhuma pesquisa questionando o que se tornou senso comum sobre os Millenials. Seria realmente verdade que um brasileiro de 25 anos te os mesmos ideais e desejos que os na Tailândia? Os Millenials dos países Ásia Pacífica são tão focados no equilíbrio entre vida e trabalho quanto os da América do Norte?” (BRESMAN, 2016)

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Análises psicológicas comportamentais levam 3 níveis de contingência em consideração para a definição individual: filogenética (da espécie), ontogenética (história de vida e interações pessoais) e cultural (meio ao qual o sujeito se expõe) (ALENCAR sobre BAUM, MATOS e SKINNER, 2012). A sobreposição dessas três camadas traz inúmeras combinações comportamentais, sendo cada ser único e, consequentemente, indo contra a rotulação geracional (ALENCAR, 2012). Não se pode ignorar a bagagem de cada um, muito menos pressupor que existe um senso comum mundial que rege a vida de todos igualmente (BUTLER sobre ADORNO, 2012).

Mas esse é um assunto em pauta nos últimos anos e nós, jovens influenciáveis (atendendo às expectativas do marketing que alavancou essa visão), tentamos nos encaixar nos quesitos apresentados. Infelizmente, boa parte de nós não consegue. O que gera um grande incômodo e insegurança.

“Geracionalmente falando, sou Y. Mas me identifico muito mais com a Z” - Anônimo, 31 anos

"Eu me sinto 5 a 8 anos mais novo do que eu 'deveria' “ - Anônimo, 30 anos “Que engraçado, Camila. Me sinto bem mais geração X do que Y” - Anônima, 23 anos

Estamos entre as gerações Y (ou Millenials), dos nascidos entre 1981 e 1995, e Z, de 1996 a 2005. As duas primeiras gerações a crescer num mundo informatizado e global. Somos rápidos, diversos, abertos, adaptáveis, ansiosos e sonhadores (BRESMAN, 2016). Essas são características em comum que podem ser observadas em grande parte dos jovens do mundo ocidental capitalista, no qual me encontro. Não me sinto confortável em falar sobre o oriente, mesmo estudando-o, por não me inserir nessa sociedade. Falo sobre o que conheço.

E essa já é uma das grandes diferenças entre Y e Z. A primeira é mais arrogante que a segunda e, por ser pioneira em inovações imediatas, põese no centro das discussões, impondo sua voz como verdadeira. (URBAN, Diversidade (Fig.4)

2013) (Pausa para deixar claro que isso também é uma generalização e 10


que nem todos são assim, principalmente por ser muito difícil identificar-se totalmente com apenas uma geração). Enquanto a Z é muito mais aberta às diferenças e respeita a voz alheia (OLIVEIRA, ALMEIDA, GOMES, SANTOS, 2012). Um aspecto muito importante hoje é o protagonismo das lutas das minorias (LGBT+, negros, mulheres etc.), o qual cabe apenas a elas. Todos podemos ter opiniões sobre um assunto, mas a expertise e validade de discurso cabe apenas aos inseridos diretamente no movimento.

Mas isso não quer dizer que apenas pessoas de 5 a 35 anos (um recorte tão amplo em relação a momentos de vida que parece-me absurdo serem apenas duas gerações) preocupam-se com esse assunto. As trocas entre gerações não acontecem apenas dos mais velhos aos mais novos, o oposto ocorre constantemente, porém há mais resistência. Por não termos nossa vida “formada”, somos mais suscetíveis a transformações que pessoas “estabelecidas”, mas a cultura e bagagem de cada um influenciam a abertura às novidades, aos novos paradigmas (OLIVEIRA, ALMEIDA, GOMES, SANTOS, 2012).

Tudo acontece muito rápido, mas as mudanças no modo de vida não acompanham totalmente. Nossa mente é reformulada diariamente com os diversos estímulos que recebemos, principalmente online, mas o ambiente muda numa gradação muito mais lenta. E a convivência de diversas gerações com diferentes mentalidades conflitantes é parte responsável. Isso gera situações e espaços que não nos contemplam. O mercado de trabalho, por exemplo, espera que tudo seja feito imediatamente, mas com a mentalidade da geração dos nossos pais, que estão na maioria dos cargos de chefia (BRESMAN, 2016). Escolas e universidades também seguem modelos muito tradicionais de espaço e ensino, não facilitando a fluidez de pensamento e indo contra reformas curriculares.

Todas essas incongruências inatas nos deixam perdidos. Nós, que ainda estamos em formação. Não sabemos aonde pertencemos, não nos sentimos acolhidos. Queremos mudar tantos aspectos, principalmente no “A visão de Millenials brancos sobre negros é similar à das gerações X e baby Boomers” Fonte: Bloomberg (Fig.5)

quesito intolerância, mas o preconceito é tão entranhado que muitos nem o percebem. O mundo está tentando mudar, mas a resistência conservadora é grande. As pessoas buscam estabilidade em tempos 11


turbulentos (terrorismos, crises econômicas, guerras etc.) e têm medo de mudanças radicais. Vemos isso diariamente, principalmente no âmbito político, no qual intolerantes estão sendo eleitos em prol da não-mudança. Isso porque o mundo ainda é visto em preto e branco por grande parte da população. E o outro é tido como ameaça.

A percepção binária é confortável. É sim ou não. Ou você se encaixa ou não. Ou você gosta ou não. São categorias fáceis para entender e conviver. Pensar em tons de cinza é muito mais complexo e requer um poder de abstração muito maior (BUTLER, 2006). E nós, muito possivelmente por nos sentirmos como os outros, nos preocupamos muito para que esse poder seja o prevalecente, em nome da empatia. Nosso outro contempla muitos outros, não sendo a diferença sinônimo de perigo.

“I will never apologize for saying that the future of humanity and the future of the world is going to be defined by what we have in common as opposed to those things that separate us and ultimately lead us into conflict.” - OBAMA, Barack (2016)

“Eu jamais me desculparei por dizer que o futuro da humanidade e o futuro do mundo será definido pelo que temos em comum ao invés das coisas que nos separam e nos levam a conflitos.” (BARACK, 2016)

Essa não-geração pertence a diversos grupos. Com base em etnia, sexualidade, gênero, gosto musical, visão política etc., mas temos a empatia como bem comum. Vemos como o mundo muito individualista não funciona para todos; indo contra as vertentes X e Y narcisistas (URBAN, Empatia (Fig.6)

2013). Podemos ser, de fato, sonhadores, por imaginar a igualdade (ao menos social) e o respeito. Questionamos a ambição egoísta. E esse é um ponto não muito contemplado na divisão de gerações, por ser extremamente indefinido. Essa divisão visa a uma síntese de uma parcela do mercado, para fins lucrativos. A análise psicológica por trás é usada para esse fim reducionista (BRESMAN, 2016). E nós temos plena noção disso.

"Non pas des phénomènes exclusivement psychologiques, ou physiologiques, mais des phénomènes sociaux, marqués éminemment du signe de la non-spontanéité, et de l'obligation la plus parfaite.” - LE BRETON, David (La Sociologie du Corps, 1993) 12


“Não os fenômenos exclusivamente psicológicos ou fisiológicos, mas os fenômenos sociais, que são essencialmente marcados como o sinal da não espontaneidade e da mais perfeita obrigação” (Le Breton, 1992)

Sabemos que estamos sendo manipulados, mas não sabemos como sair disso sem virarmos reclusos. Necessitamos da nossa exposição ao mundo, principalmente digital, para nos conectarmos. Como fazemos partes de diferentes grupos, não formamos, necessariamente, um círculo social físico. Precisamos da rede para discutir e compreender o mundo. E a nós mesmos. Somos unidos pela angústia da não compreensão e da não inclusão. Sim, podemos ser exagerados quanto a isso. Mas sabemos que respeitar o sentimento alheio é o primeiro passo para uma convivência social mais saudável.

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Busca Pela Identidade (ou Paradoxo da Não Rotulação Rotulada) “To understand is knowing how to proceed” - BAUMAN, Zigmund sobre WITTGENSTEIN, Ludwig (Milênio, 2016)

“Entender é saber como prosseguir” (BAUMAN, Z. 2016)

A não-geração atual vive num mundo com muitos estímulos e múltiplos pontos de vista, sendo complicado avaliar o todo para saber como agir. Sofremos de ansiedade e insegurança agudas por não sabermos como prosseguir. Não entendemos mais o mundo, não entendemos a nós mesmos. São tantas as possibilidade nessa realidade não binária que a perda de si mesmo é muito fácil.

Judith Butler, em seu livro Relatar a si mesmo: Crítica da violência ética Fluidez de gênero (Fig.7)

(2015), diz que a identidade do ser é proveniente do seu relato, da história que se conta sobre si mesmo e como ela é recebida pelo outro. Vivemos numa constante exposição pessoal ao meio.

“A exposição, como a operação da norma, constitui condições do meu próprio surgimento como ser reflexivo, um ser dotado de memória, um ser de quem se poderia dizer que tem uma história para contar (…). Consequentemente, não posso estar presente numa temporalidade que precede minha própria capacidade de autorreflexão, e qualquer história que eu possa dar sobre mim tem que levar em consideração essa incomensurabilidade construtiva.” - BUTLER, Judith (Relatar a Si Mesmo, 2015)

Segundo Butler, ao contar uma história, ela sempre será fictícia. Além da narrativa verbal ser limitada e não conseguir dar conta de todas as camadas interligadas que constituem fatos, pessoas e espaços, nossa própria existência corporal nos impede de ver a totalidade de uma situação. Cabe à nossa mente, portanto, fazer um recorte e preencher vazios com fábulas, o que possibilita mudanças na sua história de si mesmo a cada momento sem que tenhamos que nos responsabilizar por tal “mentira”. Podemos nos criar de diversas formas; a totalidade está fora do nosso alcance. Mas qual o limite dessa “mentira”?

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Um artifício importante a se usar para dar consistência à narrativa, é o uso do “eu”, que serve de âncora e ponto de referência para o interlocutor (ou interpelador, nas palavras de Butler e Caravero). E o “eu” não existe sem o “tu”. A quem contamos muda completamente o cerne da história de nós mesmos. Relatar a si mesmo para si mesmo não faz sentido verbal, visto que nossos pensamentos não são lineares e nem sempre traduzíveis em palavras. Eu só sou eu perante um outro, senão minha singularidade não tem referente. Mas ainda acho que ela tem um motivo.

Butler traz a opacidade da história do corpo como maior impeditivo para a transparência total do ser. E se deixássemos o corpo falar por ele mesmo? Sem que meu consciente tentasse mentalizar e racionalizar tudo em palavras?

Se meu corpo falar, quem irá escutar? Será meu consciente o “tu” para esse “eu" inconsciente? Visto se somos seres autorreflexivos, saber a narrativa do corpo, mesmo que parcial, pode mudar completamente a noção que temos de nós mesmos e, consequentemente, o modo como interagimos com o mundo.

O “escutar a mim mesmo” (BUTLER, 2015) também faz parte dos questionamentos dessa não-geração que vive num mundo onde tudo acontece tão rápido que só se fala e não mais se ouve (COVEY, 1989). As pessoas estão tão introspectivas (num sentido individualista e egoísta, não de autorreflexão) que não se dão mais ao trabalho de ouvir pessoas com “A maioria das pessoas não escutam com a intenção de entender; elas escutam com a intenção de responder.” - COVEY, Stephen. (Fig.8)

opiniões distintas, divergentes. Esquecemos do “tu”, o que nos faz parar de questionar o “eu”, já que nosso relato individual virou um monólogo e ouvir sua própria voz não traz tantas reflexões.

E isso implica um paradoxo: queremos ter certeza de nós mesmos, nos categorizando perante o outro para nos entendermos quando, ao mesmo tempo, dizemos não nos importar com o que os outros pensam sobre nós.

Conversando com diversas pessoas de 19 a 31 anos, coletei algumas características de pensamento em comum, sendo uma das mais frequentes a busca pela desconstrução. Queremos ser quem somos, seja quem for, sem que sejamos julgados por isso. Mas para que eu possa me 16


entender, preciso entender as nuances do ambiente em volta de mil, todas as suas possibilidades. Sentimos uma necessidade de categorizar a fim de descategorizar.

“Eu penso que de um ponto de vista técnico, a categoria ajuda a entender um objeto estudado, mas do ponto de vista da bandeira que o "eu" levanta, atrapalha. Eu acho que a gente tem que mergulhar no indefinido, entender que a modernidade liquida é assim, que é o hoje que realmente importa. Isso se expande em várias direções e é muito difícil de implantar.” - Anônimo, 25 anos Estamos mergulhados numa fluidez tamanha, com infinitos tons de cinza, que ainda não conseguimos entender perfeitamente. E talvez nunca venhamos a entender. Talvez ela seja de fato incompreensível, como Butler sugere, principalmente pela sua liberdade e alta capacidade de mutação, além do recorte inerente pelo ponto de vista.

Romain Laurent (Fig.9)

“Deve-se ressaltar que as identidades que são construídas no tempo e no espaço atual, sendo elas altamente móveis e flexíveis, podem acompanhar tais bases, surgindo, assim, ‘novas posições de identidades’, baseadas nas várias classes sociais, nos estilos de vida, etnia, gênero, sexualidade, idade, lugar, território, nação, sociedade, entre outras.” - GOBBO, Fabiana (UFRJ, 2007)

Vemos o mundo como não binário, aceitamos todas as formas de expressão e ser, mas ainda nos obrigamos a racionalizar tudo. Sabemos que são infinitas possibilidades e que só cada um consegue saber quem é (ou quase consegue), mas ainda é difícil, visto que viemos de gerações muito racionais, nos desvencilhar dos rótulos, chegando à sonhada abstração total da identidade. Sentimos, portanto, a necessidade de entender cada e toda nuance para, então, podermos nos livrar delas em nossos julgamentos e nos sentirmos livres para nos expressar verdadeiramente. “To change ourselves effectively, we first had to change our perceptions.” COVEY, Stephen (The 7 Habits of Highly Effective People, 1989) “Para nos mudarmos efetivamente, precisamos mudar nossas percepções antes” (COVEY, 1989)

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Pessoa Pato (ou Corpo Decorado) Ao tratar de expressão, penso em fachadas, que mediam o interior, portador da essência, da razão de ser da arquitetura, e o exterior, onde a vida urbana ocorre. Robert Venturi, em seu livro Aprendendo com Las Vegas (1977), classifica a arquitetura americana em duas topologias: Edifício Pato e Galpão Decorado. O primeiro é um “símbolo de si mesmo”, sendo sua forma uma mensagem clara da razão de ser da construção. Já o segundo apresenta uma forma default e um letreiro comunica seu Venturi, 1972 (Fig. 10)

conteúdo. “Both fashion and architecture express ideas of personal, social and cultural identity, reflecting the concerns of the user and the ambition of the age” -HODGE, Brooke (Skin+Bones, 2008)

“Ambas moda e arquitetura expressam ideias de identidade pessoa, social e cultural, refletindo as questões do usuário e a ambição da época.” (Hodge, 2008)

Ouso fazer uma analogia com a moda e o estilo pessoal. Existem pessoas que se vestem do modo como melhor se identificam, sendo sua aparência uma linguagem que traduz diretamente quem elas são, seus princípios, sua essência. Já outras preferem vestir-se como a massa, mostrando a personalidade do coletivo, não a individual, dizendo quem são por linguagem corporal ou verbal. Esses seriam dois extremos da grande escala de cinza do uso da moda. "I can't go back to yesterday, because I was a different person then.” - Alice (CARROL, 1865) “Eu não posso voltar pra ontem, porque eu era uma pessoa diferente” (CARROL, 1865)

“Pessoas Pato" são, a meu ver, mais instigantes. São pessoas que exalam confiança e autoconhecimento. Que se destacam naturalmente. Nós somos atraídos pela aura dessas pessoas; nós, que ainda estamos, como Alice, “em construção”. Mas será que elas de fato existem? Tal estado de harmonia interior é possível?

Iris Apfel usando Rei Kawakubo Dazed & Confused, 2014 (Fig.11)

“Downtown they think they’re stylish, but they all wear black. That’s not style, that’s a uniform.” -APFEL, Iris (Iris, 2014) 19


“No Centro, eles acham que são estilosos, mas todos usam preto. Isso não é estilo, é um uniforme.” (Iris, 2014)

Como Iris diz em seu documentário, os nova iorquinos do centro da cidade usam preto como se fosse um uniforme. Discordo dela, porém, quando diz que não é estilo, pois o é. O estilo não precisa ser puramente individual. Além de mostrar a individualidade, encaixa a pessoa em um coletivo. Saree indiano

Grupos sociais, culturais, religiosos etc. podem ser distinguidos a partir da vestimenta. Muitos usam isso como empoderamento perante a sociedade também, como as estampas africanas e turbantes usados por negras para exaltar suas origens; ou o crescimento da moda genderless pela

Kanga keniana

comunidade LGBT+. Tais atos são afrontas ao tradicionalismo, colocam em cheque o que é dado como certo no mundo e exaltam as diferenças para promover a igualdade.

Kimono japonês

Pertencer a um coletivo não é, necessariamente, deixar sua individualidade de lado, mas esse é um risco que se corre. Todos precisamos pertencer a grupos com os quais nos identificamos; o ser

Punks

humano tem necessidade de acolhimento e reconhecimento. Mas não devemos confundir a voz do grupo com a nossa própria.

Patricinhas

Estereótipos sociais e culturais (Fig. 11)

“Leaving behind his culture and his past for the sake of the future means knowing how to reconstitute the tension between body and soul, learning to make this break in light of the demand of the future and not just the demands of the past” -BONDER, Newton (A Alma Imoral)

"Deixar sua cultura e seu passado em nome de um futuro é saber recompor a tensão entre corpo e alma, aprendendo a romper por conta das demandas do futuro e não só pelas demandas do passado." -BONDER, Newton

Como nossa não-geração prega, tradições precisam ser quebradas em prol da aceitação. Isso quer dizer o fim dos preconceitos, principalmente em relação à aparência de alguém. A possibilidade de cair-se em falácias com o julgamento de um indivíduo pelo coletivo ao qual ele pertence é muito grande. Deve-se entender, portanto, que vestir-se obedecendo um estereótipo não necessariamente te classifica como “Pessoa-Pato”.

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Nós somos “Corpos Decorados”, que ainda não encontraram sua essência e flutuam entre fachadas diversas a fim de se definir para além da linguagem verbal. Tal mutabilidade é contemplada por Le Breton, em seu livro Adeus ao Corpo (1999), que trata o corpo como um acessório, uma peça a ser manipulada em nome da afirmação pessoal. Como uma pessoa pode ter várias personalidades emparelhadas, a certeza não é necessária. Somos formados por uma “multiplicidade de ‘eus' provisórios”. Identidade é algo em constante experimentação e construção (Bauman, 2005). "Le corps comme une matière à part qui donne un état du sujet, support à géométrie variable d’une identité choisie et toujours révocable." - LE BRETON, David (L’adieu au corps, 1999) “O corpo é o suporte de uma geometria variável de uma identidade escolhida e sempre revogável, uma proclamação momentânea de si” (LE BRETON, 1999)

Antes mesmo da moda, a o Body Art transforma o corpo em um campo de perpétuo questionamento, fantasias e provocações. A pele, superfície, é a primeira instância de exteriorização da interioridade humana, da auto Lady Gaga por Formichetti

expressão. Tatuagens, piercings, próteses e até mesmo mutilações são formas de expressão, usando o corpo como veículo; a pele vira acessório (LE BRETON, 1999). Mas a permanência dessas artes entra em conflito com a multiplicidade e com a capacidade de mutação e evolução da essência do ser. A exteriorização é tida como uma reafirmação, um exercício, paradoxalmente, introspectivo. Mas o efêmero, o espontâneo é

EveryDayHealth

2Spirit Tattoo

Body art (Fig. 12)

posto em cheque. “For the first time, fashion challenged accepted notions of beauty and femininity and introduced conceptual ideas about the body” -HODGE, Brooke (Skin+Bones, 2008) A designer de moda Rei Kawakubo, em 1981, começou a questionar e provocar o corpo também. Assim nasceu a Anti-Moda (HODGE, 2006), que extrapola os limites do corpo, da beleza e da feminilidade. Suas roupas falam do corpo feminino, mas levantam questões sobre qualquer corpo. Não há como ignorar a questão genderless hoje em dia. O mundo da moda já está sendo tomado por ela (Gucci, Chanel, C&A, Zara etc. fizeram coleções sem gênero em 2015 e 1016), ainda que em passos pequenos e com fins focados no lucro (Noelle, 2016). As multiplicidades estão sendo,

Comme des Garçons, 1981. (Fig. 13)

cada vez mais, representadas, possibilitando que cheguemos o mais perto de uma “Pessoa-Pato”. 21


A alta costura, assim como as artes plásticas, têm maior liberdade para tratar das dadas questões “polêmicas" sobre o corpo. A moda prêt-à-porter e a fast fashion ainda pensam muito no imediatismo da compra, contemplando menos questionamentos psico-sociológicos. Ambas democratizaram a moda, mas acredito que apenas a customização em massa proporcionada pela fabricação digital do Movimento Maker (Neves, 2014) poderá viabilizar a individualização da moda e, possivelmente, gerar uma representação expressiva plena do ser fluido. Para minha proposta, retomo a abordagem da vanguarda da moda dos anos 1980 em Paris, junto ao questionamento da atual não-geração de que mundo é feito de tons de cinza em todos os aspectos, e às possibilidades Moda impressa em 3D de Noa Raviv, 2014. (Fig. 14)

tecnológicas. Trato do corpo com apenas corpo. Sem nome, sem gênero, sem sexualidade, sem atributos a não ser os vitais. Cabe ao próprio indivíduo identificar-se e mostra-se ao mundo do modo que preferir, atingindo, utopicamente, o status de "Pato".

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Design Emocional (ou Da Manipulação à Autonomia) A maioria dos estudos que contemplam as gerações atuais o fazem por motivos majoritariamente comerciais (BRESMAN, 2016). Os vendedores querem nos entender para saber o melhor modo de nos influenciar a consumir. Fazem isso com todos os setores da sociedade do consumo, mas nós somos a mais desafiadora por sermos tidos como “novidade” e pela nossa diversidade.

“Independente da geração a que o profissional pertença, o objetivo principal de uma empresa é obter lucro.” - CARVALHO, Anderson (Jornal da Globo, 2012)

Com o avanço da tecnologia e do mundo digital, cada coisa que fazemos, falamos, escrevemos e pesquisamos é captada por um algoritmo que nos cataloga e nos mostra “o que queremos ver". Isso possibilita uma massificação velada. Tudo é feito especialmente para você, mas você é apenas um número num supercomputador (EYAL, 2012). Manipulação pelas redes sociais (Fig. 15)

O mesmo é a base do Emotional Design, termo cunhado por Don Norman em seu livro homônimo (2003), no qual as reações humanas aos objetos e situações são categorizados em três instâncias: Visceral (puramente pela aparência), Comportamental (por prazer e eficiência) e/ou Reflexivo (pela razão). O terceiro traduz a racionalização e intelectualização do produto a fim de contar uma história que faça com que o usuário se identifique, se orgulhe. Essas categorias são usadas para entender por que as pessoas são atraídas pelo design e como aumentar essa atração em prol do consumo. Deixando a parte do consumismo e manipulação de lado, uso a parte do estudo que, junto à psicologia comportamental, prevê as reações humanas a formas e cores. “ ‘Sentimental’ means, according to the American Heritage Dictionary, ‘resulting from or colored by emotion rather than reason’. Emotion rather than reason - well, yes, that is precisely the point.” - NORMAN, Don (Emotional Design: Why We love or Hate Things, 2003)

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“ ‘Sentimental’ significa, de acordo com o American Heritage Dictionary, ‘resultante da ou colorido pela emoção em vez da razão’. Emoção em vez da razão - bem, sim, esse é precisamente o ponto” (NORMAN, 2003)

As emoções são usadas como medida principal para o comportamento e autoconhecimento humano nesse experimento. Entender como se reage ao ambiente pode trazer à luz o porquê e o como dessas reações, podendo-se postular internamente sobre personalidade e identidade.

Em vez de usar os dados para, mais uma vez, massificar consumidores, proponho um uso individualizado, no qual o usuário é um dado, mas o que ele faz com os dados cabe inteiramente a ele.

“Data doesn’t create learning. We do” - ETLINGER, Susan (Ted Talks, 2014)

“Dados não geram aprendizado. Nós geramos” (ETLINGER, 2014)

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Emoções Plásticas (ou Arquitetura Humana) Partindo da base biológica de que um corpo tem um modo de funcionar a partir da espécie à qual pertence (RIDLEY, 1989), trato do corpo humano estanque, sem sexo, sem gênero; baseio-me apenas nas funções vitais e terminações nervosas derivadas desse e deixo a expressão consciente pessoal por conta do usuário. A fluidez de gênero (ver Anexo 3), a etnia, a

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idade, os aspectos sócio-econômicos não serão considerados nesse experimento interativo.

O produto proposto é uma instalação cujo foco é a busca pela representatividade do ser no espaço, com o intuito de promover a

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autorreflexão. Como previamente descrito, identifiquei um grupo de pessoas que sente-se perdida em relação ao ambiente no qual deve inserir-se. Não nos sentimos em sincronia com nosso entorno, muito menos nos sentimos potentes para mudá-lo.

A vida no mundo é dinâmica, muda, mas o espaço é estático. Inovações trazem designs responsivos, mas a maior parte deles são voltados ao conforto ambiental e à eficiência energética. Dificilmente o ambiente muda de acordo com a fluidez e efemeridade interna do indivíduo. Acredito que o conforto deve ser tanto psicológico quanto físico.

Sentir-se confortável no espaço implica sentir-se confortável dentro da própria pele. A pele é o primeiro invólucro do corpo, da mente, do ser. Faz

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parte dele, mas é seu limite (LE BRETON, 2003). Como extrapolá-lo para além da linguagem?

As peles do mundo (Fig. 16)

“Personal style prevails as the expression of who we want to present, and is as important as what we have to say and what we accomplish.” - KAMALI, Norma (@refinerey29, 2016) “Estilo pessoal prevalece como a expressão de quem queremos nos apresentar como, e é tão importante quanto o que temos a dizer e o que conquistamos.” (Kamali, 2016)

A primeira instância da expressão física pessoal é a moda. E qualquer vestimenta, por mais simples que seja, é uma escolha. Pode-se escolher a 25


praticidade, a neutralidade, a extravagância. Ninguém é igual, sendo impossível separar o mundo em polos. Mas a moda permite diversas combinações. Em geral, escolhe-se o que melhor reflete a sua identidade. E essa escolha é uma expressão pessoal. Em sua instância primária. À primeira vista, o que você veste diz quem você é (IRIS, 2015).

Mas isso traduz nosso ser consciente (em ainda preconceituoso). O ser do qual essa não-geração não tem certezas. Precisamos de mais do que isso para nos entendermos. Precisamos da narrativa insconsciente do nosso corpo. E precisamos vê-la refletida no espaço.

7Tysje Severens Photography (Fig. 17)

“I lend my emotions and associations to the space and the space lends me its aura, which entices and emancipates my perceptions and thoughts” - PALLASMAA, Juhani (The Eyes of The Skin, 2005)

“Eu empresto minhas emoções e associações ao espaço e o espaço me empresta sua aura, que atrai e emancipa minhas percepções e pensamentos.” (Pallasmaa, 2005)

Segundo Pallasmaa (2005), a visão é o sentido prevalecente do ser humano, que engloba todos os outros, principalmente o tato, e nos traz a percepção mais compreensiva do espaço. Ver nossas emoções inatas estampadas no ambiente pode nos trazer um melhor meio para autoconhecimento.

“Architecture elaborates and communicates thoughts of man’s incarnate confrontation with the world through ‘plastic emotions’.“ - PALLASMAA, Juhani (The Eyes of The Skin, 2005) “A arquitetura elabora e comunica a confrontação incarnada pelo homem com o mundo através de ‘emoções plásticas’.” (Pallasmaa, 2005)

Minha proposta é, portanto, dar a oportunidade ao indivíduo (por livre e espontânea vontade) de se comunicar com o mundo por meio de sua reações espontâneas e que isso modifique o espaço ao seu redor, exacerbando suas emoções, seu modo de ser. Seja positivo ou negativo. Não precisamos, se não quisermos, nos ater à expressão de sentimentos agradáveis. Seria ótimo se todos vivessem em eterna felicidade, mas todos temos direito de sentir raiva e tristeza também.

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Devemos parar de ter medo da expressão pessoal para que possamos transgredir essa barreira social dos rótulos (BUTLER, 2015). Precisamos ser quem somos, seja quem isso for. Ao nos vermos no espaço, nos permitiremos ser abraçados pelas nossas emoções. Poderemos vivê-las em sua plenitude e finalmente teremos a possibilidade de nos sentirmos representados e incluídos, compreendidos.

O experimento, portanto, tenta traduzir as reações inerentes à consciência no ambiente, por meio da base psicológica do Emotional Design (NORMAN, 2004) e da Teoria James-Lange (JAMES, 1893) de reação aos estímulos do ambiente. A efemeridade é a chave da instalação, sendo as medições feitas ciclicamente com retroalimentação de dados, mostrando os diferentes estágios que uma pessoa pode apresentar progressivamente no tempo.

Retro alimentação do sistema proposto, com base na reação de estímulos da Teoria JamesLange (1893) (Fig.18)

A fim de entender a escala da instalação, proponho uma leitura de mundo em peles. São elas 3 existentes:

1a pele: Biológica Input: epiderme como transmissora emocional "I say that for us emotion dissociated from all bodily feeling is inconceivable." -JAMES,William (Psychology:, 1893) 27


“Eu digo que, para nós, emoção desassociada de todos os sentidos do corpo é inconcebível.” (James, 1893)

Segundo a teoria James-Lange (1893), uma pessoa, ao perceber um evento do ambiente, é estimulada. Tal estímulo, captado pelos sentidos, é interpretado pelo cérebro, gerando reações fisiológicas involuntárias, que são então processadas pela consciência e geram emoções; podendo essas serem suprimidas pelo indivíduo.

Reações fisiológicas a estímulos do ambiente com base na Teoria James-Lange. (Fig. 19)

Ekman, Leverson e Friesen foram além em 1983 e conseguiram captar as nuances entre as emoções principais (alegria, raiva, tristeza, medo, nojo e surpresa) a partir das variações de batimento 16

3.00

12

2.25

8

1.50

4

0.75

0

0.00

-4

-0.75

Raiva

Medo

Tristeza

Alegria

Dor Ódio Fúria Inveja Frustração

Rejeição Humilhação Insegurança Ansiedade Pavor

Luto Desespero Culpa Abandono Solidão

Orgulho Confiança Amor Otimismo Esperança

Surpresa Histeria Espanto Distração Susto Incerteza

Acréscimo na temperatura (ºC)

Acréscimo no batimento cardíaco (bat/min)

Diagrama de leitura emotiva com base nas variações corporais (Fig. 20)

cardíaco e temperatura corporal.

Nojo Julgamento Desapontamento Desaprovação Repulsa Aversão

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Love Project, 2014 (Fig. 21)

Guto Requena, em seu Love Project (2014), utilizou-se de dados semelhantes (batimento cardíaco, ondas cerebrais e voz) para captar as emoções de uma pessoa que contava uma história de amor. As mudanças no decorrer da narrativa eram captados e modificavam o design do objeto que era criado (geralmente, um vaso). Desse modo, cada objeto era único e extremamente pessoal.

2a pele: Wearable Vestuário como processador: “A tension between conscious intentions and unconscious drives is necessary for a work in order to open up the emotional participation of the observer" - PALLASMAA, Juhani (The Eyes of The Skin, 2005) “Uma tensão entre intenções conscientes e ânsias inconscientes é necessária para uma obra a fim de estimular a participação emocional do observador.” (Pallasmaa, 2015)

A peça de vestuário, aqui tida como primeira instância consciente e não verbal da expressão pessoal, vai funcionar como decodificador das emoções.

Com base nos dados colhidos por sensores, seguindo os experimentos de Ekman e Requena, as emoções do usuário serão lidas algoritmicamente por uma placa de Arduíno (ver Anexo 4), possibilitando sua tradução no ambiente.

Seu design será inspirado no vestido produzido pela minha equipe no Workshop Surfaces of Contact (HSD Intra Muros) em Düsseldorf, Alemanha (ver Anexo 5), no qual o ponto de vista do usuário alterava o ambiente com artifícios refletivos, fragmentando a realidade à sua volta. Diagrama de funcionamento do sistema (Fig. 22)

O visitante da instalação será convidado a vestir a peça (sem distinção de gênero) a fim de ter suas reações captadas e capacitarse a se expressar no ambiente.

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3a pele: Mundo construído Não somos nós quem projetamos o mundo em que vivemos. Ele foi feito por outros e permanece, de maneira estática, a nos oprimir. Somos contemplados como coletivo funcional nas obras arquitetônicas (morador, estudante, trabalhador etc.), mas as nuances psicológicas são muito genéricas.

A arquitetura que conhecemos, na qual vivemos, por mais que possa ser feita a partir de proporções humanas e leve emoções e reações em consideração no seu conceito, nunca traduzirá o fluxo espontâneo, as mudanças, do corpo humano sendo estática.

Esses fluxos e transformações já foram trabalhados por designers e pesquisadores como o grupo Hyperbody da Universidade de Delft, com o HyperCell e o Space Customizer, que trabalham a interação do usuário com a arquitetura, que reage. O que eles produzem é uma “Arquitetura HyperCell Hyperbody, 2013 (Fig. 23)

Interativa e Extraordinária” (tradução livre de Non-Standard and Interactive Architecture), sempre tratando de complexidade, variação e customização em massa. Seus componentes são dinâmicos, atuantes e reativos a estímulos do ambiente e às necessidades do usuário (Oosterhuis, 2009).

Com base neles, percebi que o vestuário proporciona uma mediação entre a pele biológica e o ambiente, tanto social quanto físico, mas ainda há um espaço muito grande a ser percorrido. Necessitamos de mais uma pele mediadora.

2.5a pele: Arquitetura humana Output: add on arquitetônico que reage às emoções “We feel pleasure and protection when the body discovers its resonance in space.” - PALLASMAA, Juhani (The Eyes of The Skin, 2005) “Nós sentimos prazer e proteção quando o corpo descobre sua ressonância no espaço.” (Pallasmaa, 2015)

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"It isn’t particularly beautiful, and it’s certainly not useful, but what a wonderful story it tells!” - NORMAN, Don (Emotional Design, 2004) “Não é particulamente bonito, e certamente não é funcional, mas que história incrível conta!” (NORMAN, 2004)

Apropriando-me da psicologia das cores e formas (HELLER, 2007) e do Design Emocional (NORMAN, 2004), leio os dados algoritmizados pelo wearable e os traduzo no ambiente por meio de uma arquitetura cinética, em constante movimento e mutação (ver Anexo 4). "A relação das cores com os nossos sentimentos demonstra como ambos não se combinam de forma acidental, pois as suas associações não são meras questões de gosto, senão de experiências universais que estão profundamente enraizadas na nossa linguagem e no nosso pensamento.” - HELLER, Eva (A psicologia das cores, 2007)

NEUTRO

SURPRESA

NOJO

ALEGRIA

RAIVA

TRISTEZA

MEDO

Essas são possíveis configurações formais da instalação cinética (Fig. 24) (representação de um momento, tais formas são fluidas) 31


para modos de entendimento algorítmico. Os nomes são dados para compreensão do processo, não das emoções de fato. As bases de dados psicofisiológicas, por meios de testes, mostram que as variações emocionais são mais universais que as reações às formas e cores, uma vez que essas dependem muito da vivência de cada um (HELLEN, 2007) . Usarei as mais comuns e aceitas, mas cabe a cada usuário interpretar o que cada momento significa para ele. E que ele tenha noção das mudanças que e é capaz de provocar no ambiente a partir do seu interior desconhecido (através da retro alimentação do sistema).

“It is evident that ‘life-enhancing' architecture’ has to address all the senses simultaneously and fuse our image of self with our experience of the world.” - PALLASMAA, Juhani (The Eyes of The Skin, 2005) “É evidente que uma arquitetura que ‘reforce a vida’ tem que adereçar a todos os sentidos simultaneamente e fundir nossa imagem pessoal com a nossa experiência do mundo” (Pallasmaa, 2005)

Essa é uma instalação aberta a toda e qualquer pessoa que deseja uma experiência autorreflexiva. O questionamento partiu de um incômodo detectado em uma não-geração, mas não se restringe a ela. O projeto não é uma resposta à questão, apenas uma exploração da psicologia do pertencimento e da identidade perante o ambiente rígido.

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Estratégias metodológicas 1.Elaboração conceitual:

-

estudo sobre corpo, pele e identidade; estudo sobre gerações; estudo sobre identificação de gênero; entrevistas com pessoas de diferentes idades sobre o tema; estudo sobre psicofisiologia e as reações do corpo; estudo de user experience e emotional design.

2.Estratégias de aproximação do tema:

- identificação das interseções entre moda, arte e arquitetura; - definição do caráter da intervenção de mediação; - estudos de casos de interação; 3.Investigação técnica:

-

estudo de algoritmização; estudo de Arduino, Processing e Video Mapping; estudo sobre interação; estudo sobre materiais flexíveis e/ou mutáveis; experimentações digitais e físicas.

33


34


Documentação

Instalação aberta

Deadline produto final

Produção da 2.5a pele

Produção da 2a pele

Deadline 3o teste

Workshop Extra Muros

Prototipagem em escala 1:1

Deadline 2o teste

Testes materias

Teste de interações

Deadline 1o teste

Aprender Processing

Aprender Arduíno

Relacionar emoções

Aprofundar teoria

Parametrizar 2a pele

Dezembro

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Escopo Final de Produtos Julho

Cronograma de Trabalho Cronograma de Trabalho De dezembro/2016 a julho/2017 Escopo Final de Produtos

De dezembro/2016 a julho/2017 • Estudo sobre identidade, expressão e gerações

• Montagem de uma instalação interativa composta por: • 2.5a pele: Arquitetura fluida responsiva, cinética

• 2a pele: wearable digital genderless

28 35


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Anexo 1 DESABAFOS CIBERNÉTICOS (ou Achando Minha Voz no Caos Social)

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38


39


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Anexo 2 A tabela abaixo é uma síntese das teorias das gerações, sendo extremamente generalizante. Foi utilizada por sua didática e clareza.

Fonte: SCHAWBEL,Dan. Promova-se. São Paulo: Cultrix, 2014

Ela foi mostrada a diversos entrevistados e apenas uma pessoa identificou-se com apenas uma das sessões, sendo que não era a geração à qual teoricamente pertence. A grande maioria dos entrevistados pertence à Geração Y, mas se identifica com muitos aspectos das X e, principalmente, Z. 41


Os estudos mostram que há um grande intercâmbio entre as gerações e que tal setorização mostra-se eficaz apenas economicamente mas, mesmo assim, não se pode ter uma noção total. Os grupos contemplados são muito grandes e diversos (lembrando que esse estudo se diz universal, mas basicamente só trata da sociedade ocidental capitalista), não existe consenso.

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Anexo 3

Diversidade de Gêneros. Disponível em: <https://2.bp.blogspot.com/-fK3pzoLUWSo/VzuKrVyvFSI/ AAAAAAAACuo/q2B2fAlJR9cWSy1MiBUBLpOA-6__UTQDgCLcB/s1600/Cip-FJ3XEAA17Ma.jpg >. Acessado em: 12/10/2016.

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Anexo 4

Anexo 4 Fluxograma de decodificação das emoções

SETAGEM INICIAL DO SISTEMA

SISTEMA EM USO

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46


Anexo 5 KALEIDOSCOPE DRESS A fim de libertar o corpo feminino das opressões que sofreu e ainda sofre durante a história do mundo, esse “vestido" procura extrapolar os limites do corpo e questionar os tabus sociais.

Como um caleidoscópio, ele reflete e refrata objetos e luzes de modo a não se ter ideia da totalidade. Ele não permite certezas. E as incertezas são centradas no corpo feminino que o veste. É o ponto de vista da mulher libertária que conta a história do ambiente em seu entorno.

Partindo de um corset, representando o aprisionamento do corpo de modo a gerar formas incômodas e idealizadas, o vestido transforma-se com a aglomeração de pirâmides hexagonais em três materialidades distintas. A transparência trata de partes do corpo que são tidas como normais, mas que não deixam se ser vulneráveis, não problemáticas, enquanto as pretas são os tabus, que devem ser escondidas, segundo a sociedade conservadora. Já os elementos espelhados trabalham as áreas de transição que são mais trabalhadas e podem, portanto, aceitar uma maior extrapolação.

Com base nos designs de Rei Kawakubo, estilista da marca Comme des Garçons, questionamos a forma dita “feminina" do corpo, que o hipersensualiza. Tratamos, portanto, de uma geometria que se auto organiza a partir de pequenos parâmetros formais iniciais. O processo pode não ter fim e tomar conta do ambiente.

A equipe de trabalho do Workshop Surfaces of Contact (HSD Intra Muros 2016) foi formada pelas estudantes de design Svenja Huth, Ayse Dümen e Sonja Claus e pela estudante de arquitetura Camila Rodriguez.

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